Wagner, Richard - A Obra de Arte Do Futuro IN Monique Borie - Martine de Rougemont - Jacques Scherer - Estética Teatral, Textos de Platão A Brecht

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Em geral, os limites deste género interm édio são mais flutuantes os libretos e participava na sua encenação . Deixou alguns textos
do que os da tragédia e da comédia. Depois corre-se aqui o perigo, teóricos importantes, em particular A Obra de Arte do Futuro (1850)
seja de sair do tipo puramente dramático, seja de cair no prosaico. e Ópera e Drama (1851) . É nestes textos que propõe a noção de
Com efeito, como os conflitos, pela simples razão de que, atra- Gesamtkunstwcrk ou síntese das artes: o que define o drama, a arte
vés do seu próprio desacordo, devem acabar na paz, não oferecem total, é a união da música, da mímica, da arquitectura e da pintura
desde o início o espectáculo de um a violenta ho stilidade trágica, para a realização de um fim com um - oferecer ao homem a imagem
parece as sim que o poeta terá facilmente preparado a ocasião de do mundo (é a partir destas ideias de hase que será con cebido o
fazer desenrolar todo o interesse da sua representação sobre o lado Festspielhaus d e Bayrcuth}. A obra de Wagner intervirá com o ponto
interior dos caracteres, e fazer do avanço das situações um simples privilegiado de referência em te óricos co mo Appia e , em menor
meio para esses retratos de caracteres. Ou então, pelo contrário, vira- gra u , em Craig . ou nas tentativas d e «tea tro total» e d e «tea tro abs-
-se para o lado e xterio r e dá às situações e aos co stumes do tempo tracto » como as da Bauhaus .
uma importância preponderante. E se acha ainda um e outro muito
difíceis, limita-se a excitar a aten ção pel o simples int eresse das
o Drama e a união das artes
complicações dos acontecimentos marcantes.
A este círculo pertence uma multidão de peças modernas que Assim, a ilusão das arte s plásticas tomou-se a verdade no drama:
têm menos pretensões à poe sia do que ao e fe ito teatral . e que, em o artista plástico estende a mão ao bailarino , e ao mimo , para se
vez de aspirar à emoção verdadeiramente poética e verdadeiramente tomar ele próprio, para ser ele mesmo b ailarino e mimo. - Tanto
humana, têm por único fim, tanto o divertimento, quanto o melhora- quanto esteja no seu poder, este deverá manifestar à vista do homem
mento moral do público, ma s sobre tud o porque fornecem ao actor a interior o que vê e o que sente. É a ele que pertencem, em toda a
ocasião variad a de mostrar, de uma maneira brilhante, o v irtuosi smo sua extensão e profundidade , a superfície da cena, onde m o stra a
do seu talento e a sua habilidade. sua forma e o se u movimento pelo meio da representação plástica,
seja isolada, seja em sociedade com os colaboradores da represen-
(Hegel, La Po étiquc; trad . de C h. B énar d, Librairie Philosophique de Ladr an ge, 1855 , tom o se
gundo ; I: pp, 2-9 ; 2: rr. 17-20; 3: rr- 24 -28; 4 : pp. 41-44 : 5: pp, 70 -13; 6: pro76 -7X: 7: pp . 83-
tação. Mas, ali onde acaba o seu poder, a li onde a plenitude do seu
-85. Veja-se tam bém H e g e l.l:"stllétir///C. trad. de S . J ank él évit ch. Ch arnp s-Fl ammar ion , vo l. 4 .; querer e do seu se ntimento o obriga a fa zer manifestar-se o homem
Te xto usado e m a po io it tradu ção po rtu gue sa : He g el . E suinca -Pocsia , Ir ad . d e A lv a :o
Ribe iro. Lisb oa , Guimar ãe s, 1980. pr. 277 -372 . (N.T.)
interior pela linguagem, a palavra e x prim irá conscientemente a sua
intenção : ele será poeta, e para ser poeta, músico. Bailarino, músico
e artista, ele não é mais que uma e a mesma co isa, e nada mais do
qu e um homem artista que representa , que se co m unica. de a cordo
48 - WAGNER : A OBRA DE ARTE DO F UTURO (1850 ) com a soma d e todas as suas faculdades , co m a mais alta fa culdade
da imaginação.
Richard Wa gn er (1813 -/ 883) , m úsico al emão, não se co nten- Nele, actor [agindo) se m intermediário, confundem-se as três
lava em escre ve r a m úsica das suas óp eras , mas co mp unha tamb ém artes irmãs, para uma acção c om um em que a faculdade suprema de
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cada uma atinge o seu mai s alto de sabrochar. Agind o em conjunto , com um, todas as três e lev arão a vo ntade do drama a act o direct o ,
cada uma delas obtém o poder de ser e de poder faz er precisamente poderoso. Porque ha verá um a coisa para todas elas, para os três
o que e las desejam se r e poder faz er segundo o se u carácter parti- gé ne ros de art es reunidas. uma coisa qu e e las deverão qu erer para
cular. Pelo fact o de qu e cada uma se pode ab sorver na outra, quando se tomarem livres no s se us poderes, e isto é preci samente o Dram a :
o se u poder particular acaba, conse rva-se pura, livre e independente, é importante para elas alcançar a intenção do drama. Se estão cons -
tal qual é . O bailarin o mi mo fica livre da sua incapacidade a partir cie n tes desta intenção, se não fazem mai s qu e conc e ntra r o se u qu e-
do momento em qu e pode cantar e fal ar ; g raç as ao mimo, as cri a- rer na execução desta int enção , receberão também a força de cor tar
ções da mú sica alcançam uma interpretação int eligível para todos, de todos os lados do seu próprio tronco os rebentos eg oístas da su a
da me sma man eira qu e pela palavra do p oeta e isto, na medid a natureza particular, para ev ita r qu e a árvore cresça informe em todas
mesmo e m que la m úsica] e la própria pode pa ssar no gesto do pan - as direc çõe s, e a fim de qu e se eleve orgulhosamente até ao ci mo a
tomimo e na pal avra do poeta. Ma s o poeta não se torna verdadeira- sua coroa de troncos, ramo s e folhagem.
mente homem senão qu ando pas sa para a carne e sangue do actor; O homem isolado , são de corpo , de coraç ão e de espírito , nã o
se ele designa par a cada m an ifestação art ísti ca a inten ção qu e as pode experimentar uma necessidade mais elevada que aquela que é
une todas em conjunto e as dirige para um fim co m um, essa inten- com um a todos o s se us semelhantes; porque es ta nece ssidade , se for
ção de querer só se torna poder pelo facto de qu e essa vontade p o é- um a verdade ira nece s sidade, não pod e ser se não aq ue la qu e e le
tica desaparece /l O p oder da interp reta ção , só poderá satisfazer na co m u n id ade . O ra , a necessidade mai s ur-
Não haverá uma fac uldade ricamente de senvolvida de cada uma gen te e mai s forte do homem perfeito, artista, é a de se com unicar a
das artes qu e fique inutilizada na o bra de a rte universal do futuro, s i me smo na plenitude d a s ua nature za, à com uni d ade tod a inteira e
po rqu e é nela qu e alcançará o seu valor pleno. Assim, so bretudo a não conseg ue fazê-lo por um e nte ndime nto ge ra l necessário senão
art e mu sical, qu e se desenvolve de um a maneira tão particular e tã o no dram a. No drama , e le e nriq uece o se u caráct er p arti cular re pre-
variada na música instrumental, poderá de senvol ver-se da manei ra
se nta ndo um carácte r ind ividu al d iferen te de si m esmo, co mo um a
mais ri ca nesta obra de arte ; por sua vez , ela própria s ugerirá à
personalidade humana d e carácter ge ral. Dev e sa ir d e s i pr ópri o
dan ça pantom ím ica inven çõe s abso lutame nte nova s e dará ao fôleg o
para a barc ar um a personalidad e qu e lhe sej a es tranha e m todas as
da poes ia uma abundâ nc ia não menos inesp erada. (... )
suas característi ca s própri as, tão co m pletame nte quanto nec essári o
A ssim, com pletando -se mutuamente na sua ronda alt ernada, as
a fim de pod er repre sent á-l a ; nã o o co nseg u irá se nã o perscrutar
artes irmãs reuni das far-se-ão ver e valer, tanto [todas] em conj unto,
esse indivíduo nas suas rel ações e no se u contacto com os outros, e
tanto a pa r, quanto isoladam ente, seg undo a nece ssidade da ac ção
descortinar o se u com ple mento noutras individualidades; ass im, por
dramática que, so zinha. imporá a medid a e a le i. Ora a pantomima
co nseq uê nc ia, es tuda e observa o ca rác te r dessas outras ind ivid ua-
plásti ca esc utará os raci ocíni os se m pai xão do pensamento, ora a
lidades, e m s i, co m tanta minúcia e vivac iade qu e lhe sej a possível
vontade do pen samento decidido se difundirá na e xpre ssão imediata
dar-se conta dessa s rel açõe s , desse co ntac to e desse co m pleme nto,
do gesto; ora a mú sica te rá que ex primi r sozin ha o c urso do sen-
por sim pa tia, no se u próprio se r; o ac to r arti sta perfeito é por conse-
timento, o arre pio da e moção; ma s e m bre ve também, num e n lace
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guinte O indivíduo acrescido até ao carácter da espécie, segundo a O Coro e o herói


riqueza do seu carácter individual.
No fundo, o fenómeno estético é simples: se temos o dom de
O lugar onde este acontecimento maravilhoso se realiza é a
perceber sempre o jogo vivo das figuras e de viver sem cessar cer-
cena teatral; a obra de arte universal que ele engendra é o drama.
cados de toda uma coorte de espíritos somos poetas; se experi-
Para desenvolver nesta obra de arte una e suprema o conteúdo da sua
mentamos a necessidade instintiva de nos metamorfosearmos e de
natureza particular até ao seu máximo, o artista isolado, da mesma
nos exprimirmos através de outros corpos e outras almas - somos
maneira que a arte isolada, deve suprimir em si toda a tendência
dramaturgos.
egoísta arbitrária que procura usurpar o espaço e comprometer o
Ora, este dom, esta faculdade de nos vermos assim cercados de
conjunto, a fim de tanto melhor poder concorrer para o fim superior
uma coorte de espíritos com os quais nos sentimos em comunhão
comum que, de outro modo, seria absolutamente irrealizável caso
profunda, a emoção dionisíaca é capaz de a comunicar a uma multi-
cada indivíduo não se moderasse de tempos a tempos.
dão inteira. Está aí o processo mesmo da formação do coração
Ora, esta intenção [que é] a do drama, é ao mesmo tempo a
trágico - e é este o fenómeno dramático original: assistirmos nós
única intenção verdadeiramente artística que pode ser realizada: o
próprios à nossa própria metamorfose e agir desde então como se
que lhe é estranho deve perder-se necessariamente no oceano do in-
tivéssemos efectivamente entrado num outro corpo, numa outra
certo, do ininteligível, do não-livre. E esta intenção não é atingida
pessoa. Assim se inaugura a evolução do drama. Passa-se aqui uma
por um só género de arte, mas unicamente por todas ras artes I em
coisa diferente do que acontece com o rapsodo, o qual não se
comum; é por isso que a obra de arte mais geral é, ao mesmo tempo,
confunde com as imagens que produz, mas que, à semelhança do
a única que é real, livre, quer dizer universalmente inteligível.
pintor, as olha à distância com um olhar prescrutador: porque aqui,
(R. Wagner. Oeuvres cn prose Ill, trad. de J. G. Prodhomme e Dr. Phil. F. Holl, Paris, Dela- a penetração numa natureza estranha supõe já que o indivíduo tenha
r
grave, 1907. L' CCllvre d' art de avenir, pp. 224·227.) renunciado a si mesmo. E de facto, um tal fenómeno impõe-se
como uma epidemia; toda uma multidão fica possuída. Aqui, de
resto, está o motivo pelo qual o ditirambo difere essencialmente de
todas as outras formas de canto coral. - As virgens que vão a cantar
49 - NIETZSCHE: A ORIGEM DA TRAGÉDIA (1871) solenemente o seu hino processional até ao templo de Apolo com
um ramo de louro na mão, mantêm-se o que são e guardam a sua
Friedrich Nietzsche (1844-1900), filósofo alemão, ocupa 11m identidade. Mas o coro ditirâmbico já é um coro ele seres mctarnor-
lugar importante /lO campo da estética teatral com A Origem da Ioseados, que esqueceram completamente o seu passado de cidadãos
Tragédia (1871 ). A célebre distinção que estabelece entre o apolinio e a sua posição social e que, pondo-se a viver fora ele qualquer es-
e o dionisíaco - dos quais, segundo ele, a tragédia grega representa trutura social, se tornaram nos servidores intemporais do seu deus.
a síntese - não deixará de alimentar a reflexão contemporânea so- Todas as outras formas elo lirismo coral nos Gregos não são mais
bre o teatro, C/1/ particular em Artaud e alguns dos seus herdeiros. elo que uma imensa amplificação do aedo apolíneo. No ditirambo

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