O USO DA BIODIVERSIDADE AQUÁTICA NO BRASIL - Neto - Dias - 2015

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O USO DA BIODIVERSIDADE AQUÁTICA NO BRASIL: uma avaliação com foco na pesca

IBAMA
M M A

O USO DA
BIODIVERSIDADE
AQUÁTICA
NO BRASIL:
UMA AVALIAÇÃO COM FOCO NA PESCA

Ministério do José Dias Neto


Meio Ambiente
IBAMA
M M A
Jacinta de Fátima Oliveira Dias
O USO DA
BIODIVERSIDADE
AQUÁTICA
NO BRASIL:
UMA AVALIAÇÃO COM FOCO NA PESCA

José Dias Neto


Jacinta de Fátima Oliveira Dias
Ministério do Meio Ambiente
Izabella Teixeira

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis


Marilene Ramos

Diretoria de Uso Sustentável de Biodiversidade e Florestas


Paulo José Prudente de Fontes

Coordenação-Geral de Autorização de Uso e Gestão de Fauna e Recursos Pesqueiros


João Pessoa Riograndese Moreira Júnior

Coordenação dos Recursos Pesqueiros


Henrique Anatole Cardoso Ramos
Ministério do Meio Ambiente
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

O USO DA
BIODIVERSIDADE
AQUÁTICA
NO BRASIL:
UMA AVALIAÇÃO COM FOCO NA PESCA

José Dias Neto


Jacinta de Fátima Oliveira Dias

Brasília, 2015
Produção Editorial
Centro Nacional de Informação Ambiental e Editoração
Cláudia Moreira Diniz
Equipe Técnica
Organização e Revisão
Enrique Calaf
Maria José Teixeira
Vitória Rodrigues
Capa
Paulo Luna
Projeto Gráfico e diagramação Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Paulo Luna Recursos Naturais Renováveis (Ibama)
Ilustrações (adaptação) Centro Nacional de Informação Ambiental e
Carlos José Editoração
Fernanda Sakamoto SCEN, Trecho 2, Edifício-Sede do Ibama, Bloco C, Subsolo
Paulo Luna CEP: 70818-900 – Brasília/DF
Telefone: (61) 3316-1206
Normalização Bibliográfica Fax: (61) 3316-1123
Helionidia C. Oliveira Pavel http://www.ibama.gov.br

Caltalogação na Fonte
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
D541u Dias-Neto, José.
O uso da biodiversidade aquática no Brasil: uma avaliação com foco na pesca. / José Dias Neto e Jacinta de
Fátima Oliveira Dias. – Brasília: Ibama, 2015.
288 p. : il. Color. ; 23 cm.

ISBN 978-85-7300-379-6

I. Pesca. 2. Aquicultura. 3. Biodiversidade aquática. 4. Recursos Pesqueiros Produção da pesca. 5. Fatores


sociais. 6. Fatores econômicos. I. Diretoria de Uso Sustentável de Biodiversidade e Florestas. II. Coordenação-
Geral de Autorização de Uso e Gestão de Fauna e Recursos Pesqueiros. III. Título.
CDU(2.ed.0639.2)
Impresso no Brasil
Print of Brazil
DIAS-NETO, J.; DIAS, J. de F. O. O uso da biodiversidade aquática no Brasil: uma avaliação com foco na
pesca. Brasília: Ibama, 2015. 292 p.

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Ibama.
AGRADECIMENTOS

Nossos especiais agradecimentos ao colega de trabalho Geraldo Clélio


Batista dos Santos, pela grande colaboração e suporte na preparação de parte
dos dados estatísticos utilizados neste trabalho.

Agradecimentos especiais, também, aos colegas de trabalho Hiram Lopes


Pereira, Enrique Calaf Calaf, Joaquim Benedito da Silva Filho e José Augusto
Negreiros Aragão, pelo importante aporte e troca de ideias e informações no
decorrer da elaboração deste trabalho.

Agradecemos, ainda, ao colega Israel Hidenburgo Aniceto Cintra, pelo


empenho na contribuição com fotos que ilustram o trabalho.

Aos pescadores, armadores, patrões de pesca e empresários de pesca


que, mesmo na adversidade e na divergência, ofereceram importantes informações
que serviram de base para a elaboração deste livro.

Aos gestores públicos e demais autoridades comprometidas com a causa


ambiental e com a gestão pública, em defesa do patrimônio da sociedade e do
bem comum, nosso respeito e admiração.

“Há Homens que lutam um dia e são bons,


há outros que lutam um ano e são melhores,
há os que lutam muitos anos e são muito bons.
Mas há os que lutam toda
a vida e estes são imprescindíveis.”
Bertold Brecht
Foto: Ricardo Rosado Maia
RECONHECIMENTO

Apresentamos uma relação (ordem alfabética) de especialistas que no


transcorrer desses trinta e poucos anos de militâncias na pesquisa pesqueira e
gestão do uso da biodiversidade aquática muito nos ensinaram ou, juntos, muito
aprendemos.
Mesmo correndo o risco de sermos injustos por não citar alguém que mui-
to contribuiu nesse aprendizado, nos arriscamos assim mesmo, pois sabemos
que a vida não existe sem que estejamos sempre correndo riscos. Portanto, aos
que não foram relacionados e que entendem que deveriam ter sido, sintam-se,
desde já, incluídos.
A relação inicia com a instituição a que cada um pertence ou pertenceu,
pois também as consideramos importantes pilares para a tentativa de oferecer-
mos à pesca e à gestão pesqueira nacional as melhores informações possíveis
para a realização do sonho de uma atividade sustentável.

Fundação Universidade do Rio Grande (Furg)


•Carolus Maria Voorem
•Daniela C. Kalikoski
•Fernando D’Incao
•Jorge P. Castello
•Lauro S. P. Madureira
•Manuel Haimovici
•Marcelo Vasconcellos

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) / Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)
•Antonio Clerton de Paula Pontes
•Ana Maria Torres Rodrigues
•Carlos José (Marrom)
•Celso Fernandes Lin
•Claudio Roberto Faria
8 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

•Clemeson José Pinheiro da Silva •Raimundo Ivan Mota Museu Paraense Emílio Goeldi
•Daniela Occhialini •Philip C. Conolly •Ronaldo Borges Barthem
•Edna Maria Santos Vasconcelos •Ricardo de Deus Cardoso
•Enrique Calaf Calaf •Roberta Aguiar dos Santos
Universidade Estadual Paulista (Unesp)
•Marcelo Antonio A. Pinheiro – CLP
•Francisco Arturo Pires de Freitas (in memória) •Rômulo F. B. Mello
•Francisco Gilberto Damasceno •Simão Marrul Filho •Miguel Petrere Jr. – Campus de Rio Claro (SP)
•Francisco Ivo Barbosa •Sebastião Saldanha Neto Universidade Federal do Ceará (UFC)
•Geovânio Milton de Oliveira •Suzana Anita Saccardo •Antonio Adauto Fonteles Filho
•Geraldo Clélio Batista dos Santos •Sônia Maria Martins de Castro e Silva •Carlos Tassito Correa Alves
•Glaura Barros •Tarcísio Teixeira Alves (in memoriam) •Melquíades Pinto Paiva
•Hamilton Rodrigues •Vitória Rodrigues •Roberto Claudio A. Carvalho
•Hiram Lopes Pereira; •Vera A. da Silva Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
•Helionídia C. de Oliveira; Instituto Nacional de Pesquisas do Amazônia (Inpa) •Ierecê Maria de Lucena Rosa
•Ítalo José Araruna Vieira (in memória) •Efrem J. G. Ferreira •Ricardo Rosa
•James Carvalho Amaral (in memória) •Geraldo Mendes dos Santos
•Jesuína Maria da Rocha Universidade Federal do Pernambuco (UFPE)
•Jorge Eduardo Kotas
Universidade de São Paulo (USP) / Instituto Oceanográfico (IO) •Beatrice Pandovani Ferreira
•Ana Emilia A. Vazzoler (in memoriam) •Mauro Maida
•Joaquim Benedito da Silva Filho
•Antônio Carlos S. Diegues
•José Airton de Vasconcelos Universidade Federal do Rio de
•Gelso Vazzoler (in memoriam)
•José Armando Duarte Magalhães Janeiro (UFRJ)
•Carmen Lucia D. B. Rossi-Wongtschowski
•José Augusto Ferraz de Lima •Marcelo Vianna
•June Ferraz Dias
•José Augusto Negreiros Aragão
•Mário Katsuragawa Universidade Federal Rural de Pernambuco
•José Emiliano Rebelo Neto
•Yasunobu Matsuura (in memoriam) •Fábio H. V. Hazin
•José Estanislau Vale Evangelista
Instituto de Pesca de São Paulo (IP/SP) •Paulo E. P. F. Travassos
•José Heriberto Meneses de Lima
•Alberto Ferreira do Amorim •Rosangela P. T. Lessa
•José Nelson Antero da Silva
•José Silva Quintas •Antonio Olinto Ávila da Silva Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra)
•José Ximenes de Mesquita •Carlos Alberto Arfelli •Israel H. Aniceto Cintra
•Lia Drumond Chagas Dornelles •Evandro Severino Rodrigues •Kátia Cristina de Araújo Silva
•Lício George Domit •Hélio Valentini •Rosália da Silva Furtado Cutrim
•Luis Fernandes Rodrigues •Laura Villwork de Miranda
•Luiz Alberto Zavala Camin Universidade Vale do Itajaí – (Univalli)
•Maria Cristina Cergole
•Jocemar Tomasino Mendonça •José Angel Alvarez Perez
•Maria Nilda A. Vieira Leite
•Marcus H. Carneiro •Paulo Ricardo Pezzuto
•Maria José Teixeira
•Paula Gênova de Castro •Paulo Ricardo Schwingel
•Mirian Vaz Parente
Instituto Brasileiro •Roberto Wahrlich
do Meio Ambiente e •Nilamon Leite Júnior Ministério do Meio Ambiente (MMA)
dos Recursos •Paulo Luna •Ana Paula Leite Prates Agência Nacional do Petróleo (ANP)
Naturais Renováveis
•Patrício Melo Gomes •Roberto Ribas Gallucci •Sílvio Jablonski
SUMÁRIO

RESUMO 15
ABSTRACT 17
LISTA DE FIGURAS 19
LISTA DE TABELAS 29
INTRODUÇÃO 31

CAPÍTULO 1 RESUMO DO USO DA BIODIVERSIDADE AQUÁTICA NO MUNDO – PESCA E AQUICULTURA


1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O USO DA BIODIVERSIDADE NO MUNDO – O CASO DA PESCA E DA AQUICULTURA 35
1.1.1 Comportamento da produção mundial 35
1.1.2 Países com maior produção 36
1.1.3 Situação de uso dos principais recursos pesqueiros 36
1.1.4 Frota pesqueira mundial (esforço de pesca) 37

CAPÍTULO 2 O USO DA BIODIVERSIDADE AQUÁTICA NO BRASIL COM FOCO NA PESCA


2.1 CONTEXTO DO USO DA BIODIVERSIDADE AQUÁTICA NO BRASIL – PESCA E AQUICULTURA 41
2.1.1 Produção total 41
2.1.2 Situação da produção total da pesca extrativa por ambiente, região e unidades da Federação 45
2.1.3 Situação da aquicultura por produção total e por ambiente 48
Produção da aquicultura, por região 50
Situação da produção da aquicultura por unidade da Federação 50
Situação da produção da aquicultura nacional, por espécie 50
2.1.4 Produção total da pesca e da aquicultura de ambientes marinhos 51
10 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

2.1.5 Produção total da pesca e da aquicultura do ambiente continental 52


2.1.6 A frota pesqueira do Brasil 52
Frota da pesca marítima 52
Frota da pesca continental 57
Comparação dos dados sobre frota das distintas fontes 48
2.1.7 Aspectos sociais e econômicos da pesca e da aquicultura nacional 60
Considerações gerais 60
Mão de obra envolvida 62
Parque empresarial e armadores de pesca 64
Perfil da aquicultura 66
2.1.8 As exportações 67
2.1.9 As importações 68
2.1.10 Saldo da balança comercial e do intercâmbio de produtos pesqueiros 68
2.2 ASPECTOS DO USO DA BIODIVERSIDADE AQUÁTICA NO BRASIL 71
2.2.1 condicionantes legais 71
A questão da propriedade da biodiversidade aquática no Brasil 71
Regras gerais para o uso da biodiversidade aquática (exercício da pesca) no Brasil 72
Condicionantes para o uso da biodiversidade aquática pela pesca 72
2.2.2 Condicionantes ambientais 75
Principais características e potencial do ambiente marinho 75
Características e potencial das bacias hidrográficas 75
Características de parte da biodiversidade aquática denominada recursos pesqueiros 76
2.2.3 As atividades antrópicas 79
Nos ambientes costeiros e marinhos 79
No ambiente de águas continentais 80
Considerações sobre algumas fontes de ameaças 80
Instituto Brasileiro Poluição 80
do Meio Ambiente e
dos Recursos Espécies invasoras 81
Naturais Renováveis
Mudanças climáticas 81

Fonte: Cepnor
Sumário 11

Governança 84
Marco legal 84
Arranjos da estrutura do Estado 84
Participação da sociedade 84
Principais métodos de pesca 84
Métodos de pesca ativos 85
Métodos de pesca passivos 96
Outras artes e métodos de pesca utilizados no Brasil 109
2.3 SITUAÇÃO DAS PRINCIPAIS ESPÉCIES OU GRUPO DE ESPÉCIES EXPLOTADAS 110
2.3.1 biodiversidade continental 111
Bagre mandi Pimelodus spp. 111
Branquinha Potamorhina altamazonica (Cope, 1878) e Potamorhina latior (Spix & Agassiz, 1829) 114
Curimatã Prochilodus nigricans Agassiz, 1829, e Prochilodus lineatus (Valenciennes, 1847) 116
Dourada Brachyplatystoma rousseauxii (Castelnau, 1855) 119
Jaraquis Semaprochilodus spp. 121
Maparás Hypophthalmus spp. 124
Matrinxã Brycon amazonicus (Spix & Agassiz, 1829) 125
Pacus Mylossoma duriventre (Cuvier, 1818) e Piaractus mesopotamicus (Holmberg, 1887) 127
Pescada (pescada-do-piauí) Plagioscion squamosissimus (Heckel, 1840) 130
Piaus ou aracus Schizodon fasciatus Spix & Agassiz, 1829, e Leporinus spp. 132
Piramutaba Brachyplatystoma vaillantii (Valenciennes, 1840) 135
Pirarucu Arapaima gigas (Schinz, 1822) 137
Surubins Pseudoplatystoma spp. 140
Tambaqui Colossoma macropomum (Cuvier, 1818) 143
Traíras Hoplias spp. 145
Tucunarés Cichla spp. 147
Tilápias Oreochromis spp. 150 Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
2.3.2 Biodiversidade marinha 152 dos Recursos
Naturais Renováveis
Camarão-rosa da costa norte 153
12 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Gurijuba Sciades parkeri (Traill, 1832) 161


Pargo Lutjanus purpureus Poey, 1866 163
Pescada-amarela Cynoscion acoupa (Lacepède, 1801) 165
Pescada-gó Macrodon ancylodon (Bloch & Schneider, 1801) 167
Serra Scomberomorus brasiliensis Collette, Russo & Zavalla-Camin, 1978 168
Lagostas Panulirus argus (Latreille, 1804) e P. laevicauda (Latreille, 1817) 170
Camarões do Nordeste 182
Atuns e afins 184
Bonito-listrado Katsuwonus pelamis, Linnaeus, 1758 188
Albacora-bandolim Thunnus obesus (Lowe, 1839) 189
Albacora-branca T. alalunga (Bonnaterre, 1788) 191
Albacora-lage T. albacares (Bonnaterre, 1788) 193
Espadarte Xiphias gladius Linnaeus, 1758 195
Outras espécies 196
Camarão-rosa do Sudeste e Sul, Farfantepenaeus brasiliensis (Latreille, 1817) e F. paulensis
Pérez-Farfante, 1967 197
Camarão-sete-barbas Xiphopenaeus kroyeri (Heller, 1862) do Sudeste/Sul 203
Outros camarões do Sudeste e Sul 207
A – Camarão-branco Litopenaeus schmitti (Burkenroad, 1936) 207
B – Camarão-barba-ruça Artemesia longinaris Bate, 1888 208
C – Camarão-santana, Pleoticus muelleri (Bate, 1888) 209
Peixes demersais do Sudeste/Sul (castanha, corvina, pescada-olhuda e pescadinha-real) 211
Castanha Umbrina canosai Berg, 1895 212
Corvina Micropogonias furnieri (Desmarest, 1823) 215
Pescada-olhuda Cynoscion guatucupa (Cuvier, 1830) 218
Pescadinha-real Macrodon ancylodon (Bloch & Schneider, 1801) 220
Instituto Brasileiro Sardinha Sardinella brasiliensis (Steindachner, 1879) 221
do Meio Ambiente e
dos Recursos Outras sardinhas 228
Naturais Renováveis Abrótea Urophycis brasiliensis (Kaup, 1858), e U. mystacea Ribeiro, 1903 230

Fonte: Cepnor
Sumário 13

Peixe-sapo Lophius gastrophysus Miranda-Ribeiro, 1915 232


Caranguejo-uçá Ucides cordatus (Linnaeus, 1763) 235
Tainhas (gênero Mugil) 240
Cações e tubarões (elasmobrânquios) 246
Bagres (família Ariidae) 249
Outras espécies ou grupo de espécies relevantes 251
CAPÍTULO 3 RESULTADO DO USO DA BIODIVERSIDADE AQUÁTICA NO BRASIL – UMA POSSÍVEL
AVALIAÇÃO
3.1 RESULTADO DO USO DA BIODIVERSIDADE AQUÁTICA NO BRASIL 255
3.1.1 situação de explotação das principais espécies do ambiente marinho 255
3.1.2 situação de explotação das principais espécies do ambiente continental 257
3.2 SITUAÇÃO DE USO DA BIODIVERSIDADE AQUÁTICA NACIONAL E DO MUNDO, COM FOCO
NA PESCA E NA AQUICULTURA 259
3.2.1 produção total 259
3.2.2 produção da pesca extrativa 259
3.2.3 situação de uso dos principais recursos mundiais e do brasil 259
3.2.4 produção da aquicultura 259
3.2.5 posição da produção brasileira diante da produção mundial 259
3.2.6 perspectivas da produção no brasil e no mundo 259
3.3 DISCUSSÃO 261
3.3.1 Aspectos institucionais – A governança 261
a base legal 261
a estrutura do estado 261
a estrutura funcional 262
Prioridades e formas de atuação 262
a organização e representação dos movimentos sociais de usuários da biodiversidade aquática 269
3.3.2 uma avaliação da governança 271
Instituto Brasileiro
3.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 275 do Meio Ambiente e
dos Recursos
REFERÊNCIAS 277 Naturais Renováveis
Foto: Jucier Costa Lima – Ascom/Ibama
RESUMO

Este estudo apresenta uma abordagem sobre a situação do uso da É apontada elevada possibilidade de ocorrer incrementos na produção
biodiversidade aquática, com foco nos recursos pesqueiros do mundo e com pesqueira nacional por meio da aquicultura, mesmo assim, é provável que
destaque para a situação do Brasil, cujas análises, discussões e conclusões esse aumento só tenha continuidade se alicerçado pela execução de uma
sobre os vários aspectos tecnológicos e bioecológicos dos recursos e da Política de Estado responsável, que respeite os princípios da sustentabilidade.
pesca são abrangentes e exaustivas. A base institucional para a gestão do uso da biodiversidade aquática no
As informações apresentadas caracterizam que a pesca mundial Brasil passa por um período controverso e houve atualização de lei específica
continua a enfrentar uma crise e que a situação no Brasil não é diferente. O que norteia o desenvolvimento sustentável da pesca nacional. Já a legislação
mais provável é que seja mais grave, já que 100% das 25 espécies ou grupos que define as competências e as estruturas do Estado para a gestão do uso
de espécies marinhas mais importantes para as principais pescarias brasileiras dos recursos pesqueiros apresenta inadequações que podem comprometer
(que respondem por 60% da produção desse ambiente) encontram-se essa sustentabilidade em médio e longo prazo.
plenamente explotados ou sobrepescados. Todas as 16 espécies ou grupo de A controvérsia é ainda maior quando é constatado que justamente no
espécies do ambiente continental, que respondem por mais de 70% da período em que a gestão pesqueira ocupa o mais elevado status na
produção, estão plenamente pescados ou sobre-explotados. Administração Pública do País, com a criação do Ministério da Pesca e
Aquicultura (MPA) e com a aplicação de vultosos volumes de recursos, na
É considerado que não só o Brasil, mas a maioria dos países do mundo
contramão desse caminho, é registrada a maior desestruturação dos sistemas
tem fracassado no processo de promover o uso sustentável dos recursos
de geração de dados estatísticos e de informações continuadas de pesquisa.
pesqueiros. Esse fracasso apresenta, entretanto, especificidades nos Esse quadro é agravado pelo amadorismo e, mesmo, desrespeito aos
diferentes estados-nação, com melhores ou piores resultados, em cada caso. fundamentos legais e à desvalorização do conhecimento científico ainda
É apontado que alguns países vêm apresentando importantes avanços na existente por grande parte dos gestores públicos do MPA.
recuperação dos estoques em situação de sobreuso, aspecto registrado ainda
timidamente no Brasil. É urgente a necessidade de revisão da legislação que define as
competências sobre os limites e possibilidades de uso dessa biodiversidade,
Não é provável que ocorram incrementos significativos da produção de forma que a área ambiental venha a ser a única responsável pela execução
total anual da pesca extrativa brasileira. O mais possível é que a incorporação dessa competência, como acontece com todos os outros recursos ambientais.
ao uso de algumas poucas espécies inexplotadas e um êxito do processo de Caso essa definição recaia somente sobre o MPA, como vêm defendendo os
gestão favoreçam a consolidação e a recuperação de recursos sobrepescados, representantes do setor pesqueiro e parte dos gestores daquele ministério,
possibilitando pequeno, mas sustentável aumento anual na produção no prazo corre-se o risco do retrocesso ser ampliado. Em decorrência, o Estado pode
médio. comprometer o que ainda resta de positivo no processo de gestão.
16 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Considerando que a governança seja uma das ameaças (ou a principal


delas) para a retomada e a manutenção da sustentabilidade no uso da
biodiversidade aquática no Brasil, caso não ocorra uma adequada solução
para o atual quadro, é provável que se enfrente uma situação mais aguda de
sobreuso desse patrimônio, ampliando, portanto, a crise pela qual passa a
pesca nacional.

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis

Fonte: Cepnor
ABSTRACT

This study presents an overview on the situation of the use of aquatic


biodiversity, focusing on global fishery resources. In the case of Brazil, the analysis,
discussions and conclusions made on the various technological and bio-ecological
aspects of the fishery resources are comprehensive and exhaustive.

The data presented characterizes that the world fisheries continue to face
a crisis and the situation in Brazil is not different. It is most likely to be even more
serious, provided that 100% of the 25 most important species or groups of marine
species of the major Brazilian fisheries (accounting for 60% of the production) are
fully exploited or overfished. All 16 species or group of species of the continental
environment, which account for over 70% of the production, are already either
fully fished or over-exploited.

It is considered that not only the Brazil but most countries all over the
world have failed in the process of promoting the sustainable use of the fisheries
resources. However, this failure presents specificities in the different nations, with
better or worse outcomes, according to each case. It is worth to point out that
some countries have made important advances in stocks’ recoveries in overuse
situations, but this aspect in Brazil is still quite timid.

Significant increases in the total annual extractive fishing production in


Brazil are not expected to occur. It is most likely that incorporating the use of some
few underutilized species, as well as the successful management process favor
the consolidation and recovery of the overfished resources, thus enabling a small
but sustainable annual increase in production, within a short range period.
A high possibility of occurring increases in the national fish production by
means of aquaculture is pointed out. Nonetheless, it is likely that this increase will
be continuous only if underpinned through the implementation of a responsible
State Policy which respects the principles of sustainability.
18 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

The institutional basis for the management of the use of aquatic


biodiversity in Brazil goes through a controversial period. The specific law that
guides the sustainable development of national fishing has been updated. But
the legislation defining competence and State structures for fishery resources
management presents inadequacies which might compromise this
sustainability at medium and long term.
The controversy is even greater by verifying that precisely at the time
when the fisheries management occupies the highest status in the public
administration of the country, through the creation of the Department of
Fisheries and Aquaculture (MPA), and the application of voluminous amounts
of resources going inversely, a severe disruption of the generation of statistical
data and information-continued research is registered. This situation is
worsened by amateurism and even disrespect towards legal foundation, as
well as loss of still existing scientific knowledge by a great number of public
managers at MPA.
There is an urgent need to review the legislation which defines the
competencies for the limits and possibilities of the use of this biodiversity,
so that the environmental area be the only responsible for the execution
of this competency, just as it is the case with all the other environmental
resources.
If this definition were attributed to MPA alone, as the representatives
of the fishing sector and part of the MPA managers have defended, there is a
serious risk of an aggravated retrogression. As a result, the State might
compromise what positively still remains on the management process.
Considering that governance is one of, if not the main threat to the
recovery and maintenance of sustainable use of aquatic biodiversity in Brazil,
if an adequate solution to the present situation doesn´t occur, it is likely that
the country will face a more acute overuse of this heritage, enhancing therefore
the crisis faced by national fishing.

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis

Foto: Miguel von Behr


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Produção mundial da pesca extrativa e da aquicultura – 1950 a 2010. 37


Figura 2 Produção mundial da pesca extrativa marinha e continental – 1950 a 2010. 38
Figura 3 Os dez principais países produtores da pesca extrativa em 2008. 38
Figura 4 Explotação das principais populações marinhas avaliadas no mundo – 1974 a 2009. 39
Figura 5 Produção das dez principais espécies de peixes marinhos do mundo em 2008.
Figura 6 Evolução da produção total e por ambiente da pesca extrativa e da aquicultura – 1960
a 2010. 45
Figura 7 Produção da pesca extrativa (marinha e continental) nos anos de 1960 a 2010. 48
Figura 8 Produção da pesca extrativa, por região, nos anos de 2007 a 2010. 48
Figura 9 Produção da pesca extrativa, por estado, nos anos de 2007 a 2010. 49
Figura 10 Produção total e por ambiente (marinha e continental) da aquicultura – 1990 a 2010. 50
Figura 11 Produção total da aquicultura (marinha e continental), por região – 2007 a 2010. 52
Figura 12 Produção da aquicultura (marinha e continental), por estado – 2007 a 2010. 52
Figura 13 Produção da aquicultura (marinha e continental), por espécie – 2007 a 2010. 53
Figura 14 Produção da pesca extrativa e da aquicultura marinha nos anos de 1990 a 2010. 53
Figura 15 Produção da pesca extrativa e aquicultura continental nos anos de 1990 a 2010. 54
Figura 16 Frequência relativa dos pescadores profissionais distribuídos por gênero. 64
Figura 17 Frequência relativa dos pescadores profissionais por gênero e por região. 64
Figura 18 Comportamento da balança comercial de produtos pesqueiros – 1996 a 2010. 70
Figura 19 Comportamento dos totais e dos saldos resultantes do intercâmbio de produtos
pesqueiros (quantidades exportadas e importadas) do Brasil – 1996 a 2010. 71
Figura 20 Cardume de tunídeos. 78
20 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Figura 21 Exemplares de lagosta (a) na época da correição e (b) mero. 79


Figura 22 Cardumes em piracema (a) (migração reprodutiva) (b). 80
Figura 23 Cardume de sardinha. 81
Figura 24 Exemplar da garoupa Epinephelus lanceolatus. 81
Figura 25 Rede de arrasto simples. 88
Figura 26 Redes de arrasto duplo ou com tangones. 88
Figura 27 Barco de arrasto com o uso de redes gêmeas (a) e de “patim” (b). 89
Figura 28 Rede de arrasto de parelha. 89
Figura 29 Rede de arrasto de praia (a), quando do lançamento, e (b) quando
do recolhimento. 90
Figura 30 Recolhimento de um arrastão de praia no litoral brasileiro. 91
Figura 31 Válvula de escape para tartarugas (TED). 92
Figura 32 Saco de rede de arrasto com grade, que permite o escape de peixes de
pequeno porte. 93
Figura 33 Saco de rede de arrasto para pesca de camarões, com grade e funil que permitem o
escape de peixes de grande porte e outros organismos. 93
Figura 34 Ensacador tradicional e construído com malhas quadradas. 93
Figura 35 Uso de anéis que funcionam como saída de emergência para os peixes de
pequeno porte. 94
Figura 36 Dragas utilizadas na captura de mariscos e moluscos. 94
Figura 37 Draga utilizada para a pesca de vieiras. 94
Figura 38 Barco tipo traineira, transportando rede e bote ou panga na popa. 95
Figura 39 Pesca com rede de cerco. 95
Figura 40 Ilustrações de modelos de arpão utilizados na pesca. 96
Figura 41 Arpão utilizado na pesca esportiva (a) e modelo utilizado na captura de baleias (b). 96
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos Figura 42 Fisga com três pontas e farpas. 96
Naturais Renováveis
Figura 43 Tarrafa (a) e sua operação (b). 97
Lista de Figuras 21

Figura 44 Rede tipo gerival (a) e esquema de operação de pesca com esse equipamento (b). 98
Figura 45 Tipos de redes de emalhe de fundo (a) e de superfície, com detalhe sobre o emalhe
de peixes (b). 98
Figura 46 Tipos de emalhe de fundo, de meia-água e de superfície. 99
Figura 47 Fases de desenvolvimento de uma pescaria de emalhe. 99
Figura 48 Rede de tresmalhos. 100
Figura 49 Tipos de espinhel. 101
Figura 50 Anzol do tipo J (a) e anzol circular (b). 101
Figura 51 Toriline recomendado na INI MMA/MPA nº 04/2011 (a) e foto de um barco
espinheleiro utilizando-o (b). 102
Figura 52 Pesca com linha pargueira com o uso de bicicleta (a) e esquema de um espinhel
vertical (b). 103
Figura 53 Barco da pesca de pargo com caíques no convés. 103
Figura 54 Barco típico de pesca com vara, anzol e isca viva (a); e pescadores em plataforma
no costado da embarcação, realizando a captura de cardume de bonito-listrado
atraído com isca viva (b). 104
Figura 55 Barco operando com linha de corso. 104
Figura 56 tipos de covos em operação. 106
Figura 57 Tipos de covos (a) e de cangalha (b) utilizados na pesca de lagostas. 106
Figura 58 Barco lagosteiro utilizado no Fortim, estado do Ceará. 107
Figura 59 Covos cilíndricos (matapi) utilizados na pesca de camarão em águas continentais. 108
Figura 60 Armadilhas utilizadas na pesca do polvo com potes (a) e (b); e parte de um pneu (c). 108
Figura 61 Curral de pesca (a); foto de homens trabalhando em um curral de pesca (b). 109
Figura 62 Estrutura do (a) cerco fixo e do (b) cerco flutuante, utilizados nos litorais sul e
norte de São Paulo, respectivamente. 110 Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
Figura 63 Rede fixa tipo aviãozinho (a); visão superior de um conjunto de redes armadas no dos Recursos
Naturais Renováveis
local de pesca (b). 114
22 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Figura 64 Mandi-amarelo Pimelodus maculatus. 114


Figura 65 Mandi-comum P. blochii Valenciennes, 1840. 114
Figura 66 Mandi-moela Pimelodina flavipinnis Steindachner, 1876. 114
Figura 67 Comportamento da produção total nacional (t) do bagre mandi no período
de 1980 a 2010. 115
Figura 68 Branquinha-cabeça-lisa Potamorhina altamazonica (Cope, 1878), vulgarmente
chamada de branquinha-comum. 117
Figura 69 Branquinha-comum Potamorhina latior (Spix & Agassiz, 1829). 117
Figura 70 Comportamento da produção total nacional (t) do grupo denominado
branquinha – 1980 a 2010. 117
Figura 71 Curimatã Prochilodus nigricans Agassiz, 1829. 119
Figura 72 Comportamento da produção total nacional (t) do grupo de curimatãs –1980 a 2010. 120
Figura 73 Dourada Brachyplatystoma rousseauxii (Castelnau, 1855). Fonte: Santos et al. (2006). 121
Figura 74 Comportamento da produção total nacional (t) de dourada de 1980 a 2010. 124
Figura 75 Jaraqui-escama-grossa Semaprochilodus insignis (Jardine & Schomburgk, 1841). 124
Figura 76 Jaraqui-escama-fina Semaprochilodus taeniurus (Valenciennes, 1817). 124
Figura 77 Comportamento da produção total nacional (t) de jaraquis – 1980 a 2010. 125
Figura 78 Mapará Hypophthalmus marginatus Valenciennes, 1840. 126
Figura 79 Mapará Hypophthalmus edentatus Spix & Agassiz, 1829. Fonte: Santos et al. (2006). 126
Figura 80 Comportamento da produção total nacional (t) de maparás – 1980 a 2010. 127
Figura 81 Matrinxã Brycon amazonicus (Spix & Agassiz, 1829). 128
Figura 82 Comportamento da produção total nacional (t) de matrinxã – 1980 a 2010. 128
Figura 83 Pacu Mylossoma duriventre (Cuvier, 1818). 130
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e Figura 84 Piaractus mesopotamicus (Holmberg, 1887) pacu-caranha. Fonte: Franceschini (2012). 130
dos Recursos
Naturais Renováveis
Figura 85 Comportamento da produção total nacional (t) de pacus no período de 1980 a 2010. 131
Lista de Figuras 23

Figura 86 Pescada-do-piauí Plagioscion squamosissimus (Heckel, 1840). 133


Figura 87 Comportamento da produção total nacional (t) de pescadas no período de
1995 a 2010. 133
Figura 88 Piau (aracu-comum) Schizodon fasciatus Spix & Agassiz, 1829. 135
Figura 89 Piau (aracu) Leporinus trifasciatus Steindachner, 1876. 135
Figura 90 Piau (aracu) Leporinus fasciatus (Bloch, 1794). 135
Figura 91 Comportamento da produção total (t) de piaus ou aracus – 1980 a 2010. 136
Figura 92 Piramutaba Brachyplatystoma vaillantii (Valenciennes, 1840). 137
Figura 93 Comportamento da produção total nacional (t) de piramutaba de 1972 a 2010. 138
Figura 94 Pirarucu Arapaima gigas (Schinz, 1822). 140
Figura 95 Comportamento da produção total nacional (t) de pirarucu – 1980 a 2010. 141
Figura 96 Ilustração do exemplar de surubim-tigre Pseudoplatystoma tigrinum
(Valenciennes, 1840). 141
Figura 97 Comportamento da produção total nacional (t) de surubins Pseudoplatystoma
spp. – 1980 a 2010. 143
Figura 98 Tambaqui Colossoma macropomum (Cuvier, 1818). Fonte: Santos et al. (2006). 145
Figura 99 Comportamento da produção total nacional (t) de tambaqui no período
de 1980 a 2010. 145
Figura 100 Traíra Hoplias malabaricus (Bloch, 1794). 146
Figura 101 Comportamento da produção total nacional (t) de traíras – 1980 a 2010. 148
Figura 102 Tucunaré-comum Cichla monoculus Spix & Agassiz, 1831. 148
Figura 103 Comportamento da produção total nacional (t) de tucunarés – 1980 a 2010. 150
Figura 104 Tilápia-do-nilo Oreochromis niloticus (Linnaeus, 1758). 150
Instituto Brasileiro
Figura 105 Comportamento da produção total nacional (t) de tilápias – 1980 a 2010. 154 do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
Figura 106 Camarão-rosa da costa norte Farfantepenaeus subtilis. 155
24 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Figura 107 Ciclo de vida de camarões peneídeos. 156


Figura 108 Ciclo migratório típico da maioria dos camarões peneídeos, mostrando as principais
fases de seu ciclo de vida (preto) e as causas de mortalidade (vermelho). 156
Figura 109 Puçá de arrasto operado por dois pescadores, utilizado em áreas estuarinas do Pará. 157
Figura 110 Áreas de pesca de arrasto do camarão-rosa da costa norte (ARAGÃO et al., 2001). 158
Figura 111 Produção desembarcada (em peso inteiro) da pesca industrial de camarão-rosa
da costa norte, no período de 1970 a 2010 (as produções de 2007 a 2010 são
estimativas dos autores, considerando dados de Aragão, 2012). 159
Figura 112 Gurijuba S. parkeri. 163
Figura 113 Ovas de gurijuba. 164
Figura 114 Produção (t) anual da gurijuba nas regiões Norte/Nordeste, de 1995 a 2010. 164
Figura 115 Pargo Lutjanus purpureus Poey, 1866, capturado na costa norte do Brasil. 165
Figura 116 Evolução da produção (t) total anual do pargo Lutjanus purpureus Poey, 1875, no
período de 1964 a 2010. 166
Figura 117 Pescada-amarela Cynoscion acoupa. 167
Figura 118 Produção (t) brasileira de pescada-amarela no período de 1995 a 2010. 168
Figura 119 Pescada-gó ou pescadinha-real Macrodon ancylodon. 169
Figura 120 Produção (t) total anual de pescada-gó na costa norte, de 1995 a 2010 (os dados de
2008 a 2010 correspondem a estimativas efetuadas pelos autores). 170
Figura 121 Serra Scomberomorus brasiliensis. 171
Figura 122 Produção (t) total anual da serra S. brasiliensis no Brasil - 1995 a 2009. 171
Figura 123 Lagosta-vermelha Panulirus argus. 172
Figura 124 Lagosta-verde Panulirus laevicauda. 172

Instituto Brasileiro Figura 125 Aspecto espacial do ciclo de vida de lagostas do gênero Panulirus no Nordeste do
do Meio Ambiente e Brasil. 173
dos Recursos
Naturais Renováveis
Figura 126 Barcos de pequeno porte utilizados na pesca de lagostas. 176
Lista de Figuras 25

Figura 127 Barcos de médio porte utilizados na pesca de lagostas. 176


Figura 128 Lancha/barcos de grande porte utilizados na pesca de lagostas. 176
Figura 129 Petrechos e equipamentos utilizados na pesca de lagostas: a – jereré;
b – cangalha; c – covo ou manzuá; d – caçoeira multifilamento; e – caçoeira
monofilamento; f – equipamentos utilizados no mergulho (IVO et al., 2012). 178
Figura 130 Barco com carga de marambaia e uma marambaia submersa com lagostas. 179
Figura 131 Produção (t) total anual da lagosta-vermelha e da lagosta-verde no Brasil,
1965 a 2010. 181
Figura 132 Produção (t) total, por ano, de camarões do Nordeste do Brasil – 1987 a 2010
(as produções de 2008 a 2010 foram estimadas pelos autores). 185
Figura 133 Produção (t) total anual de atuns e afins, bem como das cinco principais espécies e
de outras capturadas pela frota do Brasil – 1977 a 2010. 187
Figura 134 Katsuwonus pelamis. 191
Figura 135 Produção anual (t) de bonito-listrado no período de 1979 a 2010. 191
Figura 136 Albacora-bandolim.
Figura 137 Produção anual (t) de albacora-bandolim –1977 a 2010. 193
Figura 138 Albacora-branca. 193
Figura 139 Produção anual (t) de albacora-branca no período de 1977 a 2010. 194
Figura 140 Albacora-lage T. olbacores (Bonnaterre, 1988). 195
Figura 141 Produção anual (t) de albacora-lage – 1977 a 2010. 196
Figura 142 Espadarte. 197
Figura 143 Produção anual (t) do espadarte no período de 1977 a 2010. 198
Figura 144 Dourado Coryphaena hippurus. 198
Instituto Brasileiro
Figura 145 Produção anual (t) de outros tunídeos – 1977 a 2010. 199 do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
Figura 146 Camarão-rosa Farfantepenaeus brasiliensis. 199
26 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Figura 147 Camarão-rosa Farfantepenaeus paulensis. 199


Figura 148 Barco de pesca industrial de arrasto-duplo (tangoneiro), da pesca de
camarão-rosa. 201
Figura 149 Produção (t) total anual de camarão-rosa F. brasiliensis e F. paulensis no
Sudeste/Sul do Brasil, no período de 1965 a 2010 (as produções de 2008 a 2010
foram estimadas pelos autores, considerando as estatísticas geradas pelo
Ceperg/Ibama, IP/SP e Univali). 202
Figura 150 Camarão-sete-barbas Xiphopenaeus kroyeri. 205
Figura 151 Produção (t) total anual do camarão-sete-barbas X. kroyeri no Sudeste/Sul do
Brasil – 1965 a 2010 (as produções dos anos de 2008 a 2010 foram estimadas
pelos autores). 206
Figura 152 Produção mensal do camarão-sete-barbas desembarcado em Itajaí-SC em 2008. 207
Figura 153 Produção mensal do camarão-sete-barbas desembarcado em Itajaí-SC em 2009. 208
Figura 154 Camarão-branco Litopenaeus schmitti. 209
Figura 155 Camarão-barba-ruça Artemesia longinaris. 210
Figura 156 Camarão-santana Pleoticus muelleri. 209
Figura 157 Produções (t) totais, por ano, do camarão-branco, camarão-barba-ruça e
camarão-santana no Sudeste/Sul do Brasil, no período de 1965 a 2010 (as
produções dos anos de 2008 a 2010 foram estimadas pelos autores). 211
Figura 158 Produção (t) total anual dos peixes demersais (castanha U. canosai; corvina
M. furnieri; pescada-olhuda C. guatucupa; e pescadinha-real M. ancylodon) no
sudeste/sul do Brasil, no período de 1975 a 2010. 214
Figura 159 Castanha Umbrina canosai. 215
Figura 160 Produção (t) anual da castanha U. canosai no Sudeste/Sul do Brasil de 1975 a 2010. 216

Instituto Brasileiro Figura 161 Corvina M. furnieri. 217


do Meio Ambiente e
dos Recursos Figura 162 Produção (t) anual da corvina M. furnieri no Sudeste/Sul do Brasil no período
Naturais Renováveis
de 1975 a 2010. 218
Lista de Figuras 27

Figura 163 Pescada-olhuda C. guatucupa. 220


Figura 164 Produção (t) anual da pescada-olhuda C. guatucupa no Sudeste/Sul do
Brasil - 1975 a 2010. 221
Figura 165 Produção (t) anual da pescadinha-real M. ancylodon no Sudeste/Sul do Brasil
no período de 1975 a 2010. 222
Figura 166 Sardinha-verdadeira S. brasiliensis. 223
Figura 167 Desembarques totais da sardinha-verdadeira Sardinella brasiliensis e participação
absoluta por estado entre 1964 e 2010. 226
Figura 168 Sardinha-laje Opistonema oglinum. 231
Figura 169 Desembarques totais do conjunto de outras sardinhas (sardinha-laje,
sardinha-cascuda e outras não especificadas) capturadas no litoral do Brasil
entre 1995 e 2010. 232
Figura 170 Abrótea-de-fundo U. brasiliensis. 233
Figura 171 Abrótea-de-profundidade U. mystacea. 234
Figura 172 Desembarques totais das duas espécies de abrótea (U. brasiliensis e U. mystacea)
capturadas no Sudeste e Sul do Brasil entre 1980 e 2010. 234
Figura 173 Peixe-sapo L. gastrophysus.
Figura 174 Produção total de peixe-sapo L. gastrophysus no Brasil entre 1995 e 2010. 235
Figura 175 Caranguejo-uçá Ucides cordatus. 237
Figura 176 Produção total do caranguejo-uçá U. cordatus no Brasil entre 1993 e 2010. 240
Figura 177 Tainha Mugil liza. 242
Figura 178 Desembarques totais de tainhas (tainha, curimã, parati e saúna) entre 1980 e 2010. 244
Figura 179 Tubarão-azul Prionace glauca (Linnaeus, 1758). 247
Figura 180 Tubarão-toninha Carcharhinus signatus (Poey, 1868). 248
Instituto Brasileiro
Figura 181 Desembarques totais de tubarões e cações no Brasil entre 1980 e 2010. 249 do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
Figura 182 Tubarão-mangona Carcharias taurus Rafinesque, 1810. 249
28 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Figura 183 Bagre-branco ou bagre-marinho. 252


Figura 184 Desembarques totais de bagres (família Ariidae) no Brasil entre 1980 e 2010. 252

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Distribuição da frota pesqueira marinha e estuarina, por região, estado e tipo de 56
propulsão, no ano de 2005.
Tabela 2 Número de barcos permissionados, por estado e por modalidade de pesca, e o gru- 57
po de espécies-alvo de captura para o ambiente marinho (incluída a frota de piramu-
taba), segundo o SisRGP-MPA e dados das superintendências do MPA.
Tabela 3 Distribuição da frota de barcos da pesca continental da Região Norte, por estado e 60
tipo de propulsão, em 2005/2006.
Tabela 4 Distribuição da frota de barcos da pesca continental da Bacia do Rio São Francisco, 60
por estado e tipo de propulsão, em 2006.
Tabela 5 Distribuição da frota de barcos de pesca com registro nos distritos navais da 61
Marinha do Brasil com comprimento de até 15 m e maiores que 15 m, por estado e
total, no ano de 2008.
Tabela 6 Distribuição do número de pescadores profissionais inscritos no RGP até 31/12/2012, 63
por unidade da Federação e por região, em números absolutos e relativos.
Tabela 7 Quadro comparativo do número de empresas, considerando os dados do RGP/ 67
Sudepe-1982, do SisRGP/MPA-2012 e do CTF/Ibama-2013, bem como a compara-
ção do número de armadores registrados nas duas primeiras fontes (SUDEPE, 1984;
MPA, 2013; CTF/IBAMA, 2013).
Tabela 8 Frequência absoluta e relativa, por estado e região, do número de empreendimentos 68
aquícolas registrados e com licença ambiental no Brasil.
Tabela 9 Quadro comparativo do número de empreendimentos aquícolas do censo agropecu- 69
ário 2006 versus o do RGP.
Tabela 10 Distribuição dos aquicultores registrados, em números absolutos e relativos, por 69
atividade e por região.
Tabela 11 Principais ameaças à biodiversidade costeira e marinha, considerando a importância 82
(%) em cada região do litoral brasileiro.
Tabela 12 Principais espécies ou grupo de espécies capturadas na pesca marinha do Brasil, 258
produção média, no período de 1995 a 2010, produção em 2010 e status de uso.
Tabela 13 Principais espécies ou grupo de espécies capturadas na pesca continental do Brasil, no 259
período de 1995 a 2010, a produção em 2010 e o status de uso.
Foto: Arquivo DIFAP
Foto: Arcevo PNDPA – Ibama
INTRODUÇÃO

Este estudo, realizado entre junho de 2011 e novembro de 2013, repre- estatísticos, incluindo estimativas de produção para algumas das espécies
senta o esforço de contemplar uma abordagem ampla do uso da biodiversida- analisadas relativas aos três últimos anos considerados, assim como exaustivo
de aquática no Brasil, com foco na pesca extrativa tanto do ambiente conti- levantamento bibliográfico sobre o conhecimento biológico e pesqueiro de cada
nental quanto marinho. Foram abordados alguns aspectos relativos à espécie.
aquicultura, porém, de forma menos abrangente. No primeiro capítulo, é apre-
No Capitulo 3 é realizada uma avaliação dos resultados do uso dessa
sentado um resumo do uso da biodiversidade aquática no mundo, oportunida-
biodiversidade no Brasil, iniciando com uma síntese de explotação das espécies
de em que são discutidos sinteticamente os aspectos quanti-qualitativos do
ou grupos de espécies marinhas e continentais. É feita uma comparação entre a
desempenho da pesca mundial, fundamentados em informações da FAO
situação de uso dos principais recursos brasileiros e da pesca mundial,
(2012).
culminando com a perspectiva da produção pesqueira no Brasil.
O Capítulo 2 apresenta o contexto do uso desse recurso ambiental no
Foram considerados os aspectos institucionais, com avaliação das
Brasil, iniciando com aspectos relativos à produção total, por ambiente, por
influências das bases legais, da estrutura do Estado, das prioridades definidas
atividade (pesca extrativa e aquicultura), por região e pelas unidades da
nas políticas e da forma de atuação dos gestores, passando pela organização
Federação.
e representação dos movimentos sociais que, de alguma forma, contribuíram
É discutida a composição da frota pesqueira nacional, assim como para os resultados da governança da gestão pesqueira nacional, bem como
alguns aspectos sociais e econômicos da atividade pesqueira. São abordados para a situação de crise da atividade pesqueira do País.
aspectos relevantes que condicionam o uso da biodiversidade aquática,
Na fundamentação das análises, foram utilizadas a escassa bibliografia
iniciando com a base legal e as principais características dos ambientes
existente, as atas das reuniões da Comissão Técnica de Gestão dos Recursos
aquáticos, com destaque para os recursos pesqueiros.
Pesqueiros (CTGP), constituída por representantes do MPA e MMA, dos
São discutidas algumas das principais ameaças aos recursos e aos Comitês Permanentes de Gestão (CPG) de atuns e afins, e das lagostas, os
ambientes onde ocorrem como poluição, espécies invasoras, mudanças resultados das reuniões do Conselho Nacional de Aquicultura e Pesca
climáticas, governança e os principais métodos de pesca utilizados no Brasil. (Conape), assim como os documentos de políticas e programas empreendidos
pelo MPA, todos disponíveis na página eletrônica deste ministério.
Na sequência, é avaliada a situação de uso das principais espécies ou
grupo de espécies utilizadas nas pescarias mais importantes do ambiente Foram utilizados ainda os conhecimentos adquiridos na longa trajetória
continental e marinho. Nesse aspecto, é apresentada para cada espécie ou grupo de trabalho do processo nacional de gestão do uso da biodiversidade aquática e
de espécies uma contextualização tanto dos aspectos bioecológicos quanto de da participação em muitas reuniões sobre os temas, com os gestores públicos,
suas pescarias. Para tanto, foi realizado um levantamento histórico de dados ou entre estes e os representantes dos movimentos sociais organizados.
32 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Os estudos são concluídos com um conjunto de considerações finais


que apontam para possibilidades, alternativas e tendências, na expectativa de
contribuir para que uma governança na gestão pesqueira encontre o melhor
caminho para o retorno e a manutenção do uso sustentável da biodiversidade
aquática no País.

Acreditando no poder de um processo democrático duradouro, plural e


organizado, este trabalho é o testemunho do que foi, do que é, e do que pode
vir a ser essa importante atividade no contexto nacional; e de que é possível
que o futuro seja bem melhor, cabendo a cada cidadão construí-lo!

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis

Fonte: Haimovici (2009).


1.
RESUMO DO USO DA
BIODIVERSIDADE AQUÁTICA NO
MUNDO – PESCA E AQUICULTURA

“A pesca contém em si o germe de sua própria destruição?”


Arfimação de Diegues (1983), transformada em pergunta por Marrul-Filho,(2003).
Fonte: Haimovici (2009).
35

1.1 Considerações sobre o uso da


biodiversidade no mundo – o caso da pesca e da aquicultura

Serão abordados, a seguir, alguns aspectos gerais sobre o uso da


biodiversidade, com foco na pesca extrativa mundial, tais como compor-
tamento da produção, países com maior produção, situação de uso dos
principais recursos e frota pesqueira (esforço de pesca em número de
barcos).

1.1.1 Comportamento da produção mundial


O comportamento da produção mundial da pesca extrativa e da aqui-
cultura, no período de 1950 a 2010, é apresentado na Figura 1. Em 2010, a
produção total foi de 148 milhões de toneladas, correspondendo a uma recei-
ta total de cerca de 217,5 bilhões de dólares americanos. Os dados prelimina-
res da produção de 2011 apontam para um incremento que atinge 154 mi-
lhões de toneladas, dos quais 131 milhões destinaram-se ao consumo
humano. O consumo per capita de pescado no mundo seguiu aumentando e Figura 1 Produção mundial da pesca extrativa e da aquicultura – 1950 a 2010.
em 2010 foi de 18,6 kg (FAO, 2012). Fonte: FAO (2012).

Segundo a FAO (2012), com relação ao total da produção de 2010, O documento da FAO informa, também, que em 2009 o pescado re-
cerca de 40% (59,9 milhões de toneladas) foi oriunda da aquicultura e 60% da presentou 16,6% do aporte de proteína animal para a população mundial e 6,5%
pesca extrativa (88,6 milhões de toneladas). de todas as proteínas consumidas.

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
36 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Ao considerarmos somente o comportamento do total da produção da 1.1.2 Países com maior produção
pesca extrativa no mundo (águas marinhas e continentais), constatamos uma
tendência de estabilidade nos últimos anos, com flutuações interanuais em tor- Dos 10 países com maior produção mundial da pesca extrativa, em
no de 90 milhões de toneladas (Figura 1). Entretanto, considerando separada- 2008 (Figura 3), a China continua como líder, seguida, de longe, pelo Peru, In-
mente as produções, por ambiente, observa-se que as capturas oriundas da donésia, Estados Unidos, Japão, Índia, Chile, Federação Russa, Filipinas e
pesca marinha apresentam tendência de diminuição, notadamente entre 2004 e Myanmar. O Brasil, no mesmo ano, segundo o MPA (2010), ocupou a 21ª co-
2010, influenciada, especialmente, pelas flutuações decrescentes na produção locação entre os maiores produtores mundiais de pescado.
da anchoveta. Já a produção de ambientes continentais seguiu aumentando de
forma contínua no mesmo período, conforme ilustrado na Figura 2 (FAO, 2012).
Dos 88,6 milhões de toneladas da produção total da pesca extrativa no
mundo, em 2010, 77,4 milhões de toneladas, ou 87,4%, foram oriundas da pes-
ca marinha e uma cifra recorde, de 11,2 milhões de toneladas, ou 12,2%, foram
obtidas da pesca de águas continentais (FAO, op. cit.).

Figura 3 Os dez principais países produtores da pesca extrativa em 2008.


Fonte: Adaptado da FAO (2010).

Em relação à aquicultura, a China também é o maior produtor mundial,


com produção de mais de 60% do total em 2010 (36,7 milhões de toneladas). O
Brasil ocupou, no mesmo ano, a 13ª posição no mundo e a terceira nas Améri-
cas, perdendo para o Chile e ficando muito próximo dos EUA (FAO, 2012).

1.1.3 Situação de uso dos principais recursos pesqueiros


A explotação das principais populações marinhas avaliadas no mundo,
no período de 1974 a 2009 (FAO, 2012) é mostrada na Figura 4. Segundo
essa figura, a proporção de populações que não estão explotadas plenamente
tem diminuído gradualmente, desde 1974, atingindo, em 2009, apenas 12,7%.
A proporção de populações sobrepescadas cresceu acentuadamente do final
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos anos de 1970 e durante a década de 1980, sendo que em 2009 atingiu o
dos Recursos Figura 2 Produção mundial da pesca extrativa marinha e continental – 1950 a 2010. patamar de 29,9%. Já as populações explotadas plenamente têm apresenta-
Naturais Renováveis
Fonte: FAO (2012). do menor mudança, saindo de 50%, em 1974, para 57,4% em 2009.
Capítulo 1 – Resumo do Uso da Biodiversidade Aquática no Mundo – Pesca e Aquicultura 37

explotadas no este do Pacífico e em recuperação no noroeste do Pa-


cífico;
5. o peixe-espada Trichiurus lepturus foi considerado, em 2008, sobre-
explotado na principal zona de pesca do noroeste do Pacífico;
6. as capturas totais de atuns e afins alcançaram 6,3 milhões de tonela-
das, em 2008, enquanto a produção das principais espécies de atuns
comerciais – albacora-branca, albacora-bandolim, albacora-azul (três
espécies), bonito-listrado e albacora-laje – corresponderam a 4,2 mi-
lhões de toneladas, cifra que representa uma diminuição de 0,2 milhão
de toneladas, considerando o máximo alcançado em 2005. Aproxima-
damente 70% dessas capturas procedem do Pacífico. O bonito-listrado
foi o atum comercial tropical com maior produção (contribuiu com 57%
das capturas dos principais atuns em 2008) e a albacora-laje e a alba-
Figura 4 Explotação das principais populações marinhas avaliadas no mundo – 1974 a 2009.
cora-azul foram as outras espécies tropicais mais importantes (respon-
Fonte: Adaptado da FAO (2012).
deram com 27% e 10% das capturas, respectivamente).
A proporção de populações plenamente explotadas ou sobrepesca-
das atingiu, em 2009, o patamar de 87,3% (Figura 4) e somente 12,7% apre-
sentam alguma possibilidade de contribuir para o incremento da produção
mundial de pescado, segundo os últimos dados divulgados pela FAO (2012).
A Figura 5 apresenta as 10 espécies marinhas responsáveis pelas
maiores produções individuais e que responderam, no conjunto, por 30% das
capturas em relação à produção total da pesca marítima em 2008 (FAO,
2010).
A situação de explotação dessas espécies é a seguinte:
1. as duas populações de anchoveta Engraulis ringens do sudeste do
Pacífico, o colin-do-alasca Theragra chalcogramma, no norte do Pací-
fico, e o bacalhau Micromesistius poutassou do Atlântico estão plena-
mente explotadas;
Figura 5 Produção das dez principais espécies de peixes marinhos do mundo em 2008.
2. várias populações de arenque-do-atlântico (Clupea harengus) estão
Fonte: FAO (2010).
plenamente explotadas e outras esgotadas;
3. as populações de anchoíta-japonesa Engraulis japonicus do noroeste 1.1.4 Frota pesqueira mundial (esforço de pesca)
do Pacífico e do jurel chileno Trachurus murphyi, no sudeste do Pacífi-
De acordo com a FAO (2012), mesmo reconhecendo a limitação nos
co, são consideradas plenamente explotadas; Instituto Brasileiro
dados para uma quantidade de países, a frota mundial, em 2010, estava com- do Meio Ambiente e
4. há possibilidade de expansão das capturas de certas populações de posta por 4,36 milhões de barcos, número que tem diminuído em algumas dos Recursos
Naturais Renováveis
estornino (cavalinha) Scomber japonicus, que estão moderadamente partes do mundo e aumentado em outras. Mas o total não tem aumentado de
38 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

forma significativa nos últimos 10 anos. Entretanto, pondera que a quantidade O conhecimento acumulado, nas últimas décadas, relativo ao excesso
deveria ser significativamente inferior para que a pesca mundial não continue ou à sobrecapacitação do esforço de pesca mundial é consistente seja no to-
com a sustentabilidade ameaçada. cante aos aspectos quantitativos, seja nos aspectos qualitativos.
Quanto à distribuição do total da frota por continente, evidencia que Mace (1997), abordando os aspectos quantitativos sobre a frota mun-
73% pertencem à Ásia, 11% à África, 8% à América Latina e ao Caribe, 3% à dial, evidenciou que entre 1970 e 1992 o número de embarcações com con-
América do Norte e 3% à Europa. Informa, ainda, que 74% do total da frota vés passou de 580.980 para 1.178.160, e o número de barcos de pequeno
opera em águas marinhas e 26% em ambientes continentais. porte, sem convés, passou de 1,5 milhão para 2,3 milhões. Totalizando, por-
A FAO (2012) informa, também, que em 2010, do total de barcos da tanto, cerca de 3,478 milhões de barcos. O total de embarcações apontado
naquele estudo, quando comparado com o total informado para 2010, de 4,36
frota mundial, 60% são motorizados e os outros 40% restantes são embarca-
milhões, conforme citado (FAO, op. cit.), permite ponderar que se na última
ções de pescarias tradicionais de vários tipos e com propulsão a vela e a remo.
década o incremento não foi significativo, o mesmo não se pode afirmar com
Do total de barcos motorizados, 69% operam no ambiente marinho, e dos que
o que ocorreu entre 1992 e 2010, quando o incremento foi da ordem de 25%.
atuam em águas continentais, apenas 36% são motorizados.
Já os estudos desenvolvidos por Fitzpatrick (1995), apud Mace, op.
A frota de barcos motorizados se distribui de forma desigual entre as
cit., relativos aos avanços tecnológicos no poder de pesca das frotas pesquei-
regiões e a maioria está sediada na Ásia (72%). Os demais têm portos nos
ras do mundo, permitiram avaliar que entre 1965 e 1995 a capacidade de
países da América Latina e do Caribe (9%), da África (7%), da América do
pesca das frotas mundiais quase que quadruplicou. Esses estudos tomaram
Norte (4%), da Europa (4%), do Oriente Médio (3%), do Pacífico e Oceania por base o ano de 1980 e consideraram aspectos como o desenvolvimento
(1%). tecnológico dos petrechos de pesca, os equipamentos de navegação por sa-
Destaca, também, que mais de 85% dos barcos de pesca motorizados télite e a localização de cardumes e demais equipamentos auxiliares à captu-
do mundo são menores que 12 m de comprimento e 2% são barcos pesquei- ra. Assim, tendo em conta que entre 1995 e o fim da primeira década do sé-
ros industriais, cujo comprimento é maior que 24 m, dominam as tonelagens culo 21 as tecnologias de pesca só se consolidaram, quando não avançaram,
brutas superiores a 100. Os barcos maiores estão sediados, em ordem de- é certo que o excesso de esforço de pesca mundial só aumentou. Esse aspec-
crescente, no Pacífico, na Oceania, na Europa e na América do Norte. Segun- to, conjugado com o aumento no quantitativo do número de barcos, certa-
do a Organização Marítima Internacional (OMI), em 2010 a lista de barcos de mente explica o agravamento da situação de sobreuso dos principais recursos
grande porte em operação era de mais de 22.000 unidades (FAO, op. cit.). pesqueiros do mundo, conforme abordado anteriormente.

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
Foto: Acervo Cepsul/ICMBio
Foto: Rodrigo Vasconcelos
2. O USO DA BIODIVERSIDADE
AQUÁTICA NO BRASIL COM
FOCO NA PESCA

“Enquanto se tem, se tira, e quando acabar para um,


acaba para todos”.
Entendimento predominante entre armadores e empresários da cadeia produtiva de sardinha-verdadeira,
em reunião ocorrida no ano de 1994 (Dias Neto,2003).
Foto:Jucier Costa Lima – Ascom/Ibama
43

2.1 CONTEXTO DO USO DA BIODIVERSIDADE AQUÁTICA NO


BRASIL – PESCA E AQUICULTURA

A biodiversidade aquática no Brasil é alvo de pescarias com fins co-


merciais nas categorias industrial, artesanal, ou de pequena escala, e amado-
ra, com o objetivo de esporte ou lazer. É utilizada, ainda, na aquicultura, ativi-
dade que não será abordada com profundidade.
Nas pescarias brasileiras são utilizados os principais métodos de pesca
conhecidos no mundo. A seguir, o histórico da produção do conjunto dessas
pescarias e da aquicultura, em termos de produção total geral, e no próximo
item será discutida a produção, por ambiente, unidade da Federação e região,
segundo as fontes oficiais em distintos momentos: IBGE, extinta Superinten-
dência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe), Ibama e a Seap/PR, atual Mi-
nistério da Pesca e Aquicultura (MPA).

2.1.1 Produção total


O comportamento da produção total e da pesca marinha e conti-
Figura 6 Evolução da produção total e por ambiente da pesca extrativa e da aquicultura – 1960 a 2010.
nental, assim como da aquicultura, para o período de 1960 a 2010, é apre-
sentado na Figura 6, que evidencia um período de crescimento continuado Até meados dos anos de 1990, a pesca marinha era responsável por
da produção total nacional, que vai de 1960 a 1985, quando a produção mais de 70% da produção nacional e ditava, por conseguinte, o comportamen-
chegou a quase um milhão de toneladas. De 1986 a 1990, ocorreu signifi- to da produção total do Brasil, ou seja, respondia pelos maiores incrementos
cativa diminuição da produção total, caindo para 640 mil toneladas. De e pela grande queda e estagnação dos anos de 1990 (Figura 6).
1991 a 1999, observa-se um período de estagnação, com leve tendência Dias-Neto e Dornelles (1996) apresentaram ponderações sobre as
de declínio da produção da pesca extrativa e o surgimento, seguido de possíveis causas do decréscimo das produções totais entre 1986 e 1990,
incremento, na produção da aquicultura. Entre 2000 e 2010, há um perío- quais sejam: sobrepesca dos recursos mais relevantes e correções de possí-
do de significativa recuperação da produção total, em consequência, prin- veis vícios estatísticos – não identificados até 1985. Já para o período seguin-
Instituto Brasileiro
cipalmente, do grande aumento, ano após ano, da produção oriunda da te de estagnação, é provável que as dificuldades enfrentadas, nos primeiros do Meio Ambiente e
aquicultura, mas também da lenta e continuada recuperação da produção anos, para reverter as situações de sobrepesca dos principais estoques pes- dos Recursos
Naturais Renováveis
da pesca extrativa. queiros sejam os fatores preponderantes.
44 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Para a última década, a grande recuperação foi decorrente da produ- sumiu a coordenação e a consolidação dos dados de produção pesqueira na-
ção da aquicultura, conforme abordado posteriormente, e dos lentos mas con- cional, conforme a análise das informações divulgadas por esse Ministério de
tinuados resultados positivos na recuperação de alguns dos estoques em situ- 2008 a 2010, e abordadas nos Boxes de 1 a 3.
ação de sobrepesca, que passaram a ser refletidos nas produções, ou pela Retornando à Figura 6, constata-se que a produção da aquicultura, até
incorporação de novos recursos nas pescarias ou, ainda, pela ampliação da 1990, era incipiente e que a partir de então ocorreu lento mas continuado in-
produção das pescarias sobre os recursos subexplotados. cremento, chegando aos anos 2000 com crescimentos muito significativos,
Os problemas com a geração e a consolidação dos dados estatísticos mesmo considerando eventuais problemas com as estimativas de produção
de produção total voltaram a ocorrer a partir do momento em que o MPA as- dos últimos três anos da série.

Box 1 A nova estatística da produção pesqueira do Brasil – erro estatístico ou equívoco político? (Parte I).

O desafio de gerar a estatística pesqueira nacional é gigantesco e, historicamente, segundo especialistas e representantes do setor, nunca foi adequadamen-
te resolvido. Isso não significa, entretanto, que não se reconheça que se tenha buscado, em distintos momentos, gerar os melhores dados possíveis e as melhores
intenções.
O grande desafio e as enormes dificuldades residem nas dimensões continentais do País e no fato de, ao longo de todo o litoral e nas margens das bacias hidro-
gráficas (águas continentais) do Brasil, ocorrer pesca e desembarque de produção, o que, independentemente da metodologia que se utilize para gerar dados de qualidade,
demanda esforço enorme e, em decorrência, gastos significativos.
Essas dificuldades têm sido o motivo das grandes instabilidades na geração, consolidação e divulgação de dados que possibilitem aos distintos usuários (co-
munidade científica, planejadores, gestores públicos e representantes do setor pesqueiro) disporem de informações com qualidade e que atendam as suas necessi-
dades.
As dificuldades são tantas que o IBGE (responsável pela estatística nacional) nunca manteve uma sistemática de coleta de dados da produção pesqueira que
atendesse, satisfatoriamente, os diferentes usuários. E, sem dúvida, visando superar essa deficiência foi que, em momentos históricos distintos, o Órgão se associou a
diversas instituições, como a extinta Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe), posteriormente ao Ibama e, recentemente, à Seap/PR, atual Ministério da
Pesca e Aquicultura (MPA).
Importa acrescentar, para agravar o quadro, que outros entraves se somam aos problemas apontados. Aparentemente, as questões políticas e institucionais, in-
cluindo o perfil de gestores despreparados, têm sido, em dados momentos, um complicador a mais, como indica o quadro a ser abordado a seguir.
É necessário reconhecer, entretanto, que as questões metodológicas não são, necessariamente, um dos grandes entraves, já que metodologias existem, estão
disponíveis e o próprio Ibama desenvolveu e testou, por cerca de 10 anos, um modelo para a coleta de dados da produção das pescarias marinhas que, a custo reduzido,
gera informações de qualidade.
A Produção divulgada pelo MPA
Os dados da produção de pescado do Brasil, por espécie, unidade da Federação, modalidade de pesca (artesanal e industrial), assim como da aquicultura, até 2007,
foram gerados num processo coordenado pelo Ibama, que contava com mais de 60 parceiros e que eram consolidados em reuniões nacionais, com a participação de boa
parte desses parceiros e do IBGE.
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis 1
Adaptado de artigo, com o mesmo título, de autoria de Dias-Neto, J., publicado na Revista do Sindicado dos Armadores de Pesca do Rio de Janeiro (Saperj), intitulada Pesca & Mar, n° 132, de março/abril de 2011.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 45

Os dados referentes aos anos de 2008 a 2010 foram consolidados e divulgados pelo MPA e no Boletim Estatístico da Pesca e Aquicultura, constante na página eletrônica
do Ministério (http://www.mpa.gov.br/mpa/), onde é informado “..., para a consolidação da produção pesqueira nacional referente aos anos de 2008 e 2009, nos estados
e períodos que não houve coleta de dados, foi necessária a utilização de estimativas tendo como base os dados de séries históricas pretéritas, disponibilizados pelo Ibama.
A metodologia utilizada no processo de estimação da produção da pesca extrativa foi desenvolvida com assistência técnica do IBGE...”. Pelo que se pode inferir da afirma-
ção, os dados apresentados são fruto de consolidação realizada unicamente pelos técnicos do MPA e do IBGE. Portanto, dispensam a cooperação, discussão e avaliação
de qualquer especialista de outra entidade nacional que trabalha ou trabalhou na geração e consolidação de dados de produção da pesca nacional, como o Instituto de
Pesca de São Paulo (IP/SP), a Universidade Vale do Itajaí (Univali) e o próprio Ibama, entre outras.
O que se esperava do MPA, assumindo tão importante tarefa, era melhora qualitativa paulatina e continuada do processo de geração, consolidação e divulgação
da estatística de produção da pesca e da aquicultura nacional, entretanto, o que apresenta esse Boletim deixa claro que, ao contrário, parte das coletas foram interrompi-
das, a ponto de ter sido necessário utilizar a série histórica do Ibama, para estimar a produção de 2008, 2009, e de 2010, para alguns estados.
Da análise cuidadosa dos dados desses boletins, constatam-se sérios problemas ou falhas graves, como alguns dos exemplos que apontamos neste e nos outros
boxes, a seguir.
A produção total e por região
Num primeiro momento, parece não haver grandes problemas no comportamento
da produção total da pesca extrativa, nos anos de 2007 a 2009. O aumento ocorrido de 2008
(791 mil t) para 2009 (825 mil t) não chama a atenção, especialmente se for considerada a
recuperação da produção da sardinha-verdadeira no período. O mesmo não se pode dizer em
relação à produção total da aquicultura.
Entretanto, quando se analisa o quadro da produção da pesca marinha, por região (Fi-
gura ao lado), a situação começa a se complicar ou fica bem mais difícil de ser explicada,
diante da metodologia que informa ter sido utilizada: (i) a produção marinha da Região Norte
apresentou incrementos significativos de 2007 para 2009, equivalente a 38%; (ii) o mesmo
ocorreu com a produção marinha da Região Nordeste, para o mesmo período, que registrou
aumento de 38%; (iii) é necessário registrar que nas duas regiões não foi possível constatar a
recuperação da produção de nenhuma das espécies com maior participação; (iv) já a produção
da pesca extrativa marinha da Região Sudeste apresentou queda de 29% de 2007 para
2009, quando, em decorrência da recuperação da produção da sardinha-verdadeira, o espe- Produção (t) da pesca extrativa marinha, por região, de 2007 a 2009. Fonte: MPA – Boletim
rado seria ter ocorrido um incremento significativo, fato que será abordado durante a análise Estatístico da Pesca e Aquicultura. Brasil 2008-2009.
da produção, por estado.

2.1.2 Situação da produção total da pesca extrativa por mento, de 1960 a 1985, atingindo 221 mil toneladas. A partir de 1986, pas-
ambiente, região e unidades da Federação sou a enfrentar período de estagnação, até 1996, que diminuiu em 1997 e
1998 (174 mil toneladas, neste último ano). Voltou a apresentar recuperação
Quando se considera somente a produção da pesca extrativa mari- Instituto Brasileiro
de 1999 a 2004, ano em que a produção foi de 246 mil toneladas. A partir de do Meio Ambiente e
nha e continental, cujo comportamento já foi abordado, observa-se que a 2005, ocorreu novo período de estagnação, com a produção variando de 240 dos Recursos
Naturais Renováveis
pesca continental apresentou tendência de leve, mas continuado cresci- a 250 mil toneladas/ano (Figura 7).
46 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Já a produção da pesca marinha (Figura 7) apresentou significativa maior produção é a Nordeste, seguida das regiões Norte, Sul, Sudeste e Cen-
tendência de crescimento entre 1960 (220 mil toneladas) e 1985, quando a tro-Oeste, em ordem decrescente.
produção nacional foi máxima (760 mil toneladas). Nos cinco anos seguintes Comparando os dados consolidados pelo Ibama, em 2007, com os di-
apresentou grande decréscimo, atingindo, em 1990, apenas 434 mil tone- vulgados pelo MPA para cada região, de 2008 a 2010, constata-se significati-
ladas, em decorrência dos aspectos apontados por Dias-Neto e Dornelles vo incremento da produção da Região Nordeste entre 2007 e 2009, de 27,3%.
(1996). Nos anos de 1991 a 1999, a produção marinha apresentou flutua- Para a Região Norte o incremento foi de 13,3% entre 2007 e 2008. Entretanto,
ções, mas dominou a tendência de estagnação, quando a maior produção em ambos os casos, não foram encontradas justificativas plausíveis.
foi de 494 mil toneladas, em 1994, e a mínima de 414 mil no ano seguinte.
De 2000 a 2009, predominou um período de lenta recuperação (as possí- Para as regiões Sudeste e Sul ocorreu o contrário, tendo sido observa-
veis causas também já foram abordadas), saindo de 468 mil toneladas das quedas mais acentuadas para o Sudeste, quando, em decorrência da re-
para 586 mil toneladas em 2009. Em 2010, a produção foi de 536 mil to- cuperação da produção da sardinha-verdadeira, especialmente em 2009, o
neladas. que se poderia esperar era significativo incremento. Esses aspectos já foram
apresentados nos Boxes 1 e 2 e serão novamente enfatizados na abordagem
sobre a produção, por estado.
É muito provável, portanto, que os incrementos da produção registrados
para as regiões Norte e Nordeste, e as quedas para as regiões Sudeste e Sul es-
tejam mais relacionados a problemas decorrentes das estimativas realizadas pelo
MPA do que com a realidade da pesca e da produção de cada região.

Figura 7 Produção da pesca extrativa (marinha e continental), nos anos de 1960 a 2010.

Em termos de participação relativa, a produção da pesca extrativa con-


tinental apresentou a média, para todo o período considerado, de 26,6%, com
o mínimo de 14,8% em 1979 e o máximo de 33% em 2008. Já a pesca extra- Figura 8 Produção da pesca extrativa, por região, nos anos de 2007 a 2010.
tiva marinha teve participação média de 74,4%, com o máximo de 85,2% em Fonte: Ibama (2008) e MPA (2012).
Instituto Brasileiro 1979 e o mínimo de 67% em 2008.
do Meio Ambiente e Ao se considerar a produção da pesca extrativa marinha e continen-
dos Recursos O comportamento da produção da pesca extrativa, por região, nos tal, por unidade da Federação, para os anos de 2007 a 2010, pode ser cons-
Naturais Renováveis
anos de 2007 a 2010, está ilustrado na Figura 8, que aponta que a região com tatado que os estados de Santa Catarina e Pará alternam-se como os maio-
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 47

res produtores nacionais de pescado, seguidos, em ordem decrescente, da


Bahia, Amazonas, Maranhão, Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará etc. (Figura 9).
É provável que a posição do Rio de Janeiro esteja influenciada por erros de
estimativas da produção, como será abordado no Box 2, ocupando, portanto,
o lugar de terceiro maior produtor de pescado do Brasil, e não o sexto.
Os problemas relacionados com as estimativas de produção, por uni-
dade da Federação, são discutidos no Box 2 e, reforçando, continuamos a não
encontrar justificativas para a acentuada queda que os dados do MPA apre-
sentam para as produções do Rio de Janeiro, já que a produção de sardinha-
verdadeira no estado aumentou em 134% de 2007 a 2009 (passando de 18,7
mil toneladas para 43,8 mil toneladas), o que deveria ter, necessariamente,
refletido num significativo incremento da produção total do estado. Não con-
seguimos encontrar justificativas plausíveis para os incrementos ocorridos Figura 9 Produção da pesca extrativa, por estado, nos anos de 2007 a 2010.
para as produções do Pará e da Bahia, entre outros. Fonte: Ibama (2008) e MPA (2012).

Box 2 A nova estatística da produção pesqueira do Brasil – erro estatístico ou equívoco político? (Parte II)2.

A produção por unidade da Federação


À medida que se aprofunda a análise dos dados apresentados pelo MPA, sobre a produção pesqueira nacional, as fragilidades ficam mais evidentes, como é o caso
da produção por unidade da Federação, uma vez que o documento não consegue apresentar uma justificativa plausível para os fatos abordados a seguir.
A produção por unidade da Federação apresenta vários casos que só podem ser explica-
dos se forem admitidos erros estatísticos ou equívocos de outra ordem, com especial ênfase para
os dados da produção da pesca extrativa marinha dos estados do Pará, da Bahia, do Rio de Janei-
ro, do Ceará e do Rio Grande do Norte, ilustrados na figura ao lado.
Analisando especificamente o caso do Rio de Janeiro, observa-se que a produção cai de
82.528 t, em 2007, para 57.090 t em 2009. Entretanto, o que deveria ter ocorrido era um aumento,
já que a produção da espécie com maior participação nos desembarques, a sardinha-verdadeira,
segundo os dados obtidos da Prefeitura de Angra dos Reis e do Ibama, para os outros municípios,
apontam crescimento muito acentuado, partindo de 18.738 t, em 2007, para 43.783 t em 2009.
O que se pode depreender, para o estado do Rio de Janeiro, é que a produção informa-
da para os dois últimos anos deve estar bastante subestimada. Essa constatação parte do fato
de que a produção controlada para a sardinha-verdadeira, em 2009, conforme anteriormente
Produção (t) da pesca extrativa marinha, por estado, de 2007 a 2009. Fonte: MPA – Boletim
informada, representa 77% da produção do estado, o que, do ponto de vista do histórico da
participação de outras espécies na produção do estado, não é aceitável. Estatístico da Pesca e Aquicultura. Brasil 2008-2009.

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
2
Adaptado de artigo, com o mesmo título, de autoria de Dias-Neto, J., publicado na Revista do Sindicado dos Armadores de Pesca do Rio de Janeiro (Saperj), intitulada Pesca & Mar, n° 132, de março/abril de 2011.
48 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Na realidade, a produção total do Rio de Janeiro, em 2008 e 2009, deveria ter ficado em torno de 87.000 t e 98.000 t, respectivamente. Essa previsão está
fundamentada no fato de que a produção obtida com as outras espécies, na história recente da produção do estado, representa volume variando entre 40.000 t e
50.000 t, e não pode ter deixado de acontecer, já que em boa parte decorre da pesca de pequena escala, ou artesanal, e de capturas de outras espécies que não
sofreram alterações que implicassem tal mudança.
Portanto, se tal distorção não for corrigida, pode significar, além de erro grave nos dados apresentados, uma diminuição irreal da importância da pesca do estado
e desta em relação às de outras unidades da Federação e, em decorrência, eventuais impactos negativos para a atividade do Rio de Janeiro, diante da pesca nacional.
Distorções graves também devem ter ocorrido com os dados dos estados do Pará, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte, entre outros. Nesses casos, já que não são
encontrados indícios que justifiquem tais incrementos, possivelmente, ocorreram supervalorizações das produções estimadas e, portanto, das participações desses esta-
dos em relação aos demais.
Produção, por nome vulgar (espécie), não especificando a unidade da Federação
A consolidação da produção por nome vulgar (agrupando, em vários casos, mais de uma espécie em um único nome), sem associá-la ao estado que a produziu é
um dos maiores equívocos do Boletim Estatística da Pesca e Aquicultura (2008 - 2009) e não será de grande utilidade para a pesca nacional, especialmente para a comu-
nidade científica e para quem necessita realizar estudos mais detalhados sobre a avaliação da situação dos estoques das principais espécies capturadas no Brasil.
O caso mais grave é o da produção do camarão-rosa, já que a espécie capturada na costa norte (Farfantepenaeus subtilis) é totalmente diferente das espécies
capturadas no Sudeste e no Sul (F. brasiliensis e F. paulensis) e compõem estoques diferentes, além de ter processos de gestão (definição de medidas de ordenamento)
totalmente distintos. Assim, os dados desses Boletins não servirão de base para avaliações futuras do andamento das pescarias desses estoques.
Outro fato é o que ocorre com as espécies que têm ampla distribuição (em toda a costa brasileira). É necessário o dado de produção por local de captura ou de-
sembarque (estado), caso não siga esse procedimento, os dados agrupados não apresentam qualquer utilidade para uma análise específica. É relevante ponderar que
essas espécies, na maioria dos casos, formam unidades de gestão distintas, portanto, com frotas específicas e medidas de ordenamento diferenciadas, como é o caso da
corvina, do camarão-sete-barbas e da tainha.

2.1.3 Situação da aquicultura por produção total e por ambiente


Ao analisar exclusivamente o comportamento da produção total da
aquicultura, constata-se que até o início da década de 1990, a produção era
incipiente. Dominava, então, a produção da aquicultura marinha. A partir de
1995, tiveram início significativos incrementos da produção da aquicultura dos
dois ambientes, dominando, entretanto, os da aquicultura continental, isto até
2003 (Figura 10). Em 2003, ocorreu produção recorde da maricultura (101 mil
toneladas) e leve queda na produção da aquicultura continental.

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis Figura 10 Produção total e por ambiente (marinha e continental) da aquicultura – 1990 a 2010.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 49

A queda da produção da maricultura em 2004 deveu-se, possivel- continuou estagnada no patamar de 80 mil toneladas até 2010 (85 mil tone-
mente, a problemas enfrentados com a carcinicultura e relacionados com ladas, no último ano da série).
doenças de camarões cultivados (necrose-de-cauda e mancha-branca). Por A aquicultura continental retomou o crescimento em 2004, entretanto,
causa desses problemas e de outros conjunturais como a desvalorização do os grandes crescimentos registrados nos últimos três anos da série podem ter
dólar americano diante do real, e a concorrência nas exportações nacionais sido superdimensionados, em decorrência da metodologia utilizada pelo MPA
com os camarões produzidos por outros países, a produção da maricultura e comentada no Box 3.

Box 3 A nova estatística da produção pesqueira do Brasil – erro estatístico ou equívoco político? (Parte III)3.

A estimativa da produção da aquicultura
Apesar de a estimativa da produção da aquicultura merecer análise específica e aprofundada, gostaríamos de registrar que os dados divulgados no Boletim
são frágeis e que, entendemos, deva merecer atenção especial. Nossa preocupação decorre do fato de terem sido abandonadas todas as fontes disponíveis que geram
dados de produção da atividade há vários anos (instituições públicas de estados e municípios e da iniciativa privada), inclusive as informações geradas por um censo
nacional da atividade, encomendado (por elevado custo financeiro) pelo próprio MPA, para trilhar um novo caminho.
A informação contida nos Boletins de 2008 e 2009 aponta que “... a estimativa dos valores de produção da aquicultura continental e carcinicultura marinha foi re-
sultante de uma análise de regressão linear entre a quantidade de ração para organismos aquáticos comercializada no Brasil entre 2003 e 2007 (Fonte: Sindirações) e dados
estatísticos de produção publicados pelo Ibama no mesmo período.”
Certamente, essa metodologia foi a principal responsável pelo espetacular aumento da produção total da aquicultura em 2008 e 2009, o que resultou em incre-
mento de 44% de 2007 para 2009. Aparentemente, esse incremento atende, em parte, à meta do Ministério naquela ocasião: aumentar exponencialmente a produção de
pescado do Brasil. Mesmo assim, custa acreditar que esse tenha sido o real motivo de se buscar caminho tão frágil para atingir fim tão discutível e sem sustentação, num
futuro próximo.
Só para ilustrar os problemas da produção da aquicultura, aponta-se o caso da carpa (produzida, dominantemente, pelos estados do Rio Grande do Sul e Santa
Catarina) que, de uma produção de 36.631 t, em 2007, passou para 80.895 t em 2009. Não existe nenhum indicador que justifique esse incremento.
Considerações finais
O quadro apresentado neste e nos boxes anteriores é grave, aponta para significativos retrocessos na geração e consolidação dos dados da estatística pesqueira
nacional e torna mais frágil o que já era motivo de críticas.
Importa reafirmar, ainda, que o Brasil já produziu informações consistentes e confiáveis e dispõe de capacidade e conhecimento para tanto, podento evitar, por
conseguinte, erros e, mesmo, eventuais interferências políticas que possam transformar assuntos sérios em motivos de zombaria, apenas para atender vaidades de ges-
tores descompromissados com a atividade pesqueira nacional.
Cabe ponderar que os erros estatísticos podem ser corrigidos. Já eventuais equívocos políticos propositais são imperdoáveis. Sobre esse último aspecto ou sobre
a possível “fabricação” de estatísticas, os gestores que assim procedem não sabem que “números são como baionetas: pode-se fazer tudo com eles, menos sentar em
cima”, como avalia Luiz Weiss sobre o assunto.

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
3
Adaptado de artigo, com o mesmo título, de autoria de Dias-Neto, J., publicado na Revista do Sindicado dos Armadores de Pesca do Rio de Janeiro – SAPERJ, intitulada Pesca & Mar, n° 132, de março/abril de 2011.
50 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Produção da aquicultura, por região


A Figura 11 apresenta a produção total, por região, para o período de
2007 a 2010, onde se observa que, em 2007, a ordem decrescente da produ-
ção total, por região, apontava em primeiro lugar a Nordeste, seguida pelas
regiões Sudeste, Centro-Oeste, Sul e Norte. Com a divulgação dos dados
pelo MPA, de 2008 a 2010, houve alteração com a Região Sul ultrapassando
o Sudeste, e o Centro-Oeste ocupando o segundo lugar. Essa alteração é de-
corrente do espetacular crescimento da produção de carpa, aspecto bastante
vulnerável.

Figura 12 Produção da aquicultura (marinha e continental), por estado – de 2007 a 2010.


Fonte: Ibama (2008) e MPA (2012).

Os aspectos descritos anteriormente chamam a atenção, mais uma vez,


para as estimativas de produção da aquicultura do Rio Grande do Sul e, em
menor proporção, para as de Santa Catarina e Paraná, certamente em decorrên-
cia da estimativa da grande produção de carpa atribuída a esses estados. Tam-
bém chamam a atenção as pequenas variações das produções da aquicultura
em alguns estados (algumas negativas), em especial a do Rio Grande do Norte,
que, no geral, diferem das tendências dominantes para a grande maioria dos
outros estados (Figura 12).

Figura 11 Produção total da aquicultura (marinha e continental), por região – 2007 a 2010. Por sua vez, o comportamento anômalo da estimativa da produção da
Fonte: Ibama (2008) e MPA (20012).
aquicultura para alguns estados, no ano de 2010, divulgado pelo MPA, não é
confirmado quando comparado com dados de fontes oficiais divulgadas por
Situação da produção da aquicultura por unidade da Federação instituições dessas unidades da Federação. A título de exemplo, citamos os
casos específicos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, onde, segundo
A produção total da aquicultura, por unidade da Federação, é ilustra- dados disponibilizados, as produções totais da aquicultura foram, respectiva-
da na Figura 12 observando-se que, no período considerado, o Ceará é o mente: 15.066 t (http://www.emater.tche.br/site/br/arquivos/sobre/relat_ati-
estado com maior produção, seguido, em ordem decrescente, por Santa vidades_2010.pdf, consulta em 2 de maio de 2012), contra 55.200 t (MPA); e
Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio Grande do Norte, Paraná, Mato 44.528 t (http://cedap.epagri.sc.gov.br/) contra 58.200 t (MPA). As diferenças
Grosso, Bahia, Goiás e Mato Grosso do Sul como os 10 primeiros colocados. são enormes e representam acréscimo de 366% e 131% para as produções
Essa ordem sofre alterações importantes se se tomar como base o dos respectivos estados.
ano de 2007, pois se o Ceará continua sendo o primeiro, na mesma ordem
Instituto Brasileiro Situação da produção da aquicultura nacional, por espécie
do Meio Ambiente e decrescente, os seguintes seriam: Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Rio
dos Recursos Grande do Sul, São Paulo, Paraná, Mato Grosso, Goiás, Bahia e Amazonas A Figura 13 ilustra a situação da produção nacional, por espécie, nos
Naturais Renováveis
como os 10 primeiros (Figura 12). anos de 2007 a 2010. No período mencionado, são relacionados 18 nomes
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 51

vulgares correspondentes a um conjunto de espécies cultivadas no Brasil. 2.1.4 Produção total da pesca e da aquicultura de ambientes marinhos
Desses, 15 são de organismos de águas continentais e três, dominantemente,
de ambientes marinhos. É importante observar que do total dos 18 nomes Este item traça um paralelo entre o resultado da produção total da
pesca e da aquicultura do ambiente marinho, considerando a evolução ocorri-
vulgares, quatro contemplam espécies exóticas que dominam a produção na-
da no período de 1990 a 2010.
cional, uma vez que respondem por 68% da produção aquícola do Brasil (to-
mamos por base o ano de 2010). Outro nome vulgar é representado por um Nessa comparação fica evidenciado que até meados dos anos de 1990
híbrido de espécies nativas (caso do tambacu). a produção da aquicultura marinha nacional era de pequena quantia (Figura
14). A partir de 1995 passou a ocorrer incrementos continuados, até 2003,
quando a produção foi máxima e da ordem de 101 mil toneladas. Em 2004 e
2005 ocorreram decréscimos e uma leve recuperação, mas com tendência de
estagnação até 2010.
A queda na produção da aquicultura marinha, como abordado, deveu-
se a problemas com o cultivo e a comercialização de camarão, a espécie
responsável pela grande maioria da produção desse ambiente.

Figura 13 Produção da aquicultura (marinha e continental), por espécie – 2007 a 2010.


Fonte: Ibama (2008) e MPA (2012).

Chamamos a atenção para o crescimento da produção dos dois grupos


de espécies exóticas, e que ocupam os primeiros lugares, caso das tilápias e
das carpas (Figura 13), já que se as tilápias são, indubitavelmente, as que
ocupam o primeiro lugar na produção nacional (não necessariamente no pata-
Figura 14 Produção da pesca extrativa e da aquicultura marinha nos anos de 1990 a 2010.
mar ilustrado), é provável que o mesmo não ocorra com as carpas que, nos
últimos três anos, ocuparam o segundo lugar (até 2007 a posição era ocupada Já a produção da pesca marinha, nesse período mais curto, apresentou
pela produção do camarão marinho). Essa ponderação se fundamenta no fato flutuações mais significativas, com leve tendência de decréscimo (exceto para
de que os estados com grande produção de carpas são os da Região Sul e é 1994 e 1997) até 1999, quando atingiu 468 mil toneladas. A partir do ano seguinte
muito provável que tenha havido sobredimensionamento para as produções e até 2010 a tendência foi de recuperação da produção. Entretanto, não retornou
de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul e, portanto, para esse grupo de es- ao patamar da maior produção registrada, em 1985, de 760 mil toneladas.
pécies (certamente, também, para as tilápias). É provável que o período de leve tendência de decréscimo (1991 a Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
Merece registro, ainda, a evolução do incremento e a boa colocação 1999), assim como os de tendência de incremento (de 2000 a 2010), pos- dos Recursos
Naturais Renováveis
da produção de espécies nativas, em especial a do tambaqui e a do pacu. sam estar associados, respectivamente, a afrouxamentos nas regras de uso
52 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

ou obtenção de bons resultados no processo de gestão do uso dos principais Quanto à produção da aquicultura continental, que até 1994 era inci-
recursos explotados, como a sardinha-verdadeira, entre outros, assim como piente, a partir do ano seguinte passou a crescer significativa e continuada-
em decorrência da incorporação ou incremento da explotação de recursos não mente, chegando a ultrapassar a produção da pesca a partir de 2008. Em
explorados comercialmente ou subexplotados, como o peixe-sapo e o caran- 2010, a produção foi a maior – da ordem de 394 mil toneladas.
guejo-de-profundidade. Da mesma forma, uma maior ou menor participação
É importante registrar que se é difícil encontrar razões para a tendência
do Brasil nas pescarias de recursos altamente migradores, como os atuns e
de crescimento, mesmo que moderado, da produção da pesca, em decorrên-
afins, pode ter contribuído para as flutuações mencionadas.
cia de as principais espécies-alvo de captura encontrarem-se plenamente ex-
Finalizando, a Figura 14 evidencia, ainda, que a produção marinha é in- plotadas ou sobrepescadas (uma possibilidade seria decorrente da melhoria
fluenciada, em boa medida, pelo resultado obtido com a pesca da sardinha-ver- no sistema de coleta de dados em todas as unidades da Federação), o mesmo
dadeira, que no período considerado (1990 a 2010) contribuiu com percentual não se pode dizer em relação à acentuada expansão da produção da aquicul-
variando com um mínimo de 3,7%, em 2000, e um máximo de 25,3% em 1997. tura, que está fundamentada nos avanços das técnicas de cultivo, assim como
na ampliação das áreas e ambientes de criação.
2.1.5 Produção total da pesca e da aquicultura do ambiente
continental Não poderíamos deixar de registrar, entretanto, que o espetacular
crescimento observado na produção da aquicultura nos últimos três anos
Como no item anterior, aqui é feita uma comparação entre a evolução da pode dever-se, em parte, à metodologia empregada pelo MPA, conforme
produção total da pesca e da aquicultura continentais no período de 1990 a abordamos nos Boxes de 1 a 3.
2010.
A produção da pesca continental, à semelhança da pesca marítima,
2.1.6 A frota pesqueira do Brasil
apresentou leve tendência de decréscimo até 1998 (excetuando-se o ano de São elevadíssimas e generalizadas as deficiências quantitativas e qualitati-
1996). A partir de 1999, voltou à suave tendência de crescimento, com algu- vas de dados e informações sobre a frota pesqueira nacional tanto no tocante ao
mas flutuações, até o último ano da série. Nesse último período atingiu a total de embarcações direcionadas à pesca quanto ao que diz respeiro às suas
produção recorde, de 261 mil toneladas, em 2008 (Figura 15). principais características por ambiente, região, estado, modalidade de pesca etc.
Mesmo sendo generalizada, a ausência de informações é mais acentu-
ada na pesca em águas continentais.
É importante registrar, ainda, que não foi possível utilizar somente
dados oficiais do MPA (Sistema de Informações do Registro Geral da Pesca
(SisRGP)), como principal fonte de informações, para quantificar e qualificar
a frota pesqueira nacional seja por que os dados do RGP ou não são acessí-
veis para consulta (Box 4) ou, ainda, quando obtidos, referem-se apenas à
parte da frota nacional (contemplam, dominantemente, barcos de maior
porte que atuam na área estuarina-lagunar e marinha) e, como podemos
avaliar a seguir, a grande maioria dos barcos do Brasil são de pequeno porte.
Frota da pesca marítima
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e As principais fontes de informação sobre a frota da pesca marítima do
dos Recursos Brasil são o relatório do Monitoramento da Atividade Pesqueira no Litoral do
Naturais Renováveis
Figura 15 Produção da pesca extrativa e aquicultura continental nos anos de 1990 a 2010 Brasil, elaborado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Recursos Vivos na
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 53

Zona Econômica Exclusiva – Fundação Prozee, fruto de convênios com a Seap/ realizadas, ainda, comparações entre as distintas fontes, com o objetivo de
PR e interveniência do Ibama, dados bibliográficos e do SisRGP-MPA. Serão qualificar as informações e a discussão.

Box 4 O caso do repasse de informações do Sistema de Informações do Registro Geral da Pesca (SisRGP) do MPA para o MMA e o Ibama.
As informações sobre o número de barcos permissionados para as várias pescarias do Brasil são imprescindíveis para a adequada gestão pesqueira nacional, já
que as várias pescarias com recursos plenamente explotados ou sobrepescados têm o esforço de pesca limitado ou controlado (dominantemente em número de barcos,
como será visto no item 2.6) e uma fiscalização adequada depende, no mínimo, de informações do SisRGP para controlar quem está operando legalmente ou praticando a
pesca ilegal, entre outros aspectos. Adicionalmente, não é possível qualificar e quantificar o esforço de pesca aplicado sobre cada recurso, se não forem disponibilizadas
aos especialistas as principais características de cada frota.
A relevância é tamanha que a Lei nº 10. 683/2003, em seu art. 23, § 1º, inciso IV, define:
“IV - fornecer ao Ministério do Meio Ambiente os dados do Registro Geral da Pesca relativos às licenças, permissões e autorizações concedidas para pesca e aquicultu-
ra, para fins de registro automático dos beneficiários no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras e Utilizadoras de Recursos Ambientais;”
Esse dispositivo foi recepcionado na Lei n° 11.958/2009, art. 27, inciso XXIV, alínea “m”, com igual teor.
Mesmo assim, essas informações têm sido consideradas com elevada ou, mesmo, absurda falta de transparência tanto pela ex-Seap/PR como pelo MPA, ao
ponto de até o ano de 2013 nunca terem sido oficiais e, automaticamente, repassadas ao MMA e ao Ibama (órgão que deveria receber 50% da arrecadação dos recursos
gerados com o RGP, conforme definido nas leis, mas que não recebe), o principal responsável pela fiscalização da atividade pesqueira nacional, e quando ocorreu (na
maioria dos casos a título pessoal, para algum servidor do Ibama) ou foram dados parciais (para determinada frota) ou desatualizados, e mesmo assim, depois de reitera-
da solicitação oficial de um dos órgãos ambientais.
Para se ter uma ideia do comportamento da Seap/PR e do MPA, e de seus dirigentes, a ex-Sudepe, em pleno período de ditadura, publicava o Anuário do Registro
Geral da Pesca, onde relacionava, em detalhe, dados sobre barcos inscritos, indústrias de pesca, pescadores etc.
As várias avaliações que conhecemos sobre esse retrocesso ou injustificável atitude apontam para motivos, na maioria dos casos, não fundamentados na boa
prática da gestão da coisa pública, conforme os apontados a seguir, entre outros:
• Há os que ponderem que era a forma encontrada pelos gestores irresponsáveis de não possibilitar o real controle do esforço de pesca que, limitado para algumas
espécies, continuava aumentando (veja o caso discutido na pesca da sardinha-verdadeira).
• Outros avaliam que a falta de transparência era para encobrir o permanente atendimento ou a “troca de favores” que os gestores realizavam por algumas deman-
das de empresários “amigos” ou de políticos, relativas a mais permissões de pesca para determinados barcos.
• Alguns avaliam que os dois aspectos anteriores foi o caminho encontrado por alguns servidores públicos para se eternizarem em cargos na área do RGP ou unidades
correlatas – atendendo aos gestores irresponsáveis, ou políticos, ou “amigos” – já que alguns permaneceram em cargos da área por mais de 20 anos.
• Seja qual for a justificativa, o fato é que esse deplorável comportamento ocorreu ao arrepio da lei, com graves consequências para uma gestão pública responsável,
e para o uso sustentável da biodiversidade aquática.
Como um tímido avanço, em setembro de 2013 o MPA publicou um documento intitulado Boletim do Registro Geral da Atividade Pesqueira – RGP 20124. O docu-
mento apresenta dados das frotas que foram consolidados e agregados, no total, por unidade da Federação, por modalidade de pesca, bem como por algumas caracterís-
ticas (comprimento, potência do motor – HP e AB). Além de conter uma série de impropriedades (o total de cada frota não bate, bem como os quantitativos por estado,
e são juntadas modalidades de pesca diferentes como se fossem iguais – vara e isca-viva com espinhel de superfície e de fundo, e parte da frota controlada de alguns
estados é maior que a total etc.), não possibilita ou o controle qualitativo ou a comparação das frotas nos anos futuros ou, muito menos, uma análise mais aprofundada
sobre a dinâmica de cada frota, por modalidade de pesca etc. Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
4
http://www.mpa.gov.br/imagens/Docs/Pesca/Boletim%20do%Registro%20Geral%20da%20Atividade%20Pesqueira%202012(1).pdf.
54 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

A Tabela 1 apresenta dados consolidados para a frota da pesca maríti- A Tabela 1 apresenta, ainda, informação sobre o número de barcos da
ma e estuarina, por estado, região e total, movida a remo, vela ou a motor, pesca industrial, passando a ideia de que os demais seriam da pesca artesanal
obtidos do relatório da Fundação Prozee, anteriormente referido. ou de pequena escala. Mesmo sendo a fonte com maior número de barcos, é
As informações constantes da Tabela 1 apontam uma frota total de provável que o indicativo de apenas 485 embarcações integrem a frota industrial
65,4 mil embarcações, das quais 64,4% são movidas a remo e a vela, e os e isso pode apresentar problema de subestimação, uma vez que ao compará-los
35,6% a motor. A maior quantidade de barcos encontra-se sediada no Nordes- com informações do SisRGP (MPA), por modalidade de pesca e recurso-alvo,
te (64,9%), seguida pelas regiões Sul (14,5%), Norte (11,5%) e Sudeste constata-se que 10,2%, ou 1.607 barcos permissionados, apresentam arquea-
(9,1%). Os cinco estados que têm o maior número de barcos são: Bahia, ção bruta (AB) superior a 20 (Tabela 2), enquadrados, segundo a Lei n°
Maranhão, Ceará, Pará e Santa Catarina, em ordem decrescente. 11.959/2009, como não pertencentes à pesca artesanal.

Tabela 1 Distribuição da frota pesqueira marinha e estuarina, por região, estado e tipo de propulsão, no ano de 2005.
Nº de embarcações Nº de embarcações Nº de embarcações Nº de embarcações
Região/Estado Total %
a vela e a remo motorizadas motorizadas industriais Pesca desembarcada
Norte 2.897 4.422 197 0 7.516 11,5
AP 33 517 2 0 552 0,8
PA 2.864 3.905 195 0 6.964 10,7
Nordeste 31.897 9.018 187 1.290 42.392 64,9
MA 6.726 2.329 0 84 9.139 14,0
PI 333 161 0 0 494 0,8
CE 6.155 1.141 135 0 7.431 11,4
RN 2.806 896 51 0 3.753 5,7
PB 1.340 311 0 191 1.842 2,8
PE 2.153 729 0 848 3.730 5,7
AL 2.252 473 0 0 2.725 4,2
SE 2.800 169 0 167 3.136 4,8
BA 7.332 2.809 1 0 10.142 15,5
Sudeste 1.935 3.976 70 0 5.981 9,1
ES 225 1.293 5 0 1.523 2,3
RJ 1.448 1.506 13 0 2.967 4,5
SP 262 1.177 52 0 1.491 2,3
Sul 5.371 4.048 31 20 9.470 14,5
PR 676 891 0 0 1.567 2,4
SC 3.338 1.944 31 0 5.313 8,1
RS 1.357 1.213 * 20 2.590 4,0
Total 42.100 21.464 485 1.310 65.359 100,0
Instituto Brasileiro % 64,4 32,8 0,8 2,0 100,0 -
do Meio Ambiente e
dos Recursos Fonte: Fundação Prozee, 2006 (Convênio Seap-PR/Ibama/Prozee n° 109 e nº 110, de 2004) e SisRGP – MPA, para o caso de SP (consultado em 31/7/2013).
Naturais Renováveis
* Não especificado.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 55

A Tabela 2 apresenta a distribuição quantitativa de barcos permissio- A grande diferença entre os totais constantes nas duas tabelas (espe-
nados pelo MPA, segundo o SisRGP, para as frotas, por estado e por modalida- cialmente pelo fato de a Tabela 2 só contemplar barcos de frotas marinhas e
de de pesca, e grupo de espécies-alvo de captura para os ambientes marinho estuarinas) deve-se a um conjunto de fatores. Entretanto, o mais relevante é,
e continental. O total dos barcos que integram as frotas marinhas controladas certamente, o fato de a grande maioria dos barcos de pequeno porte, movidos
é de 15.838 embarcações. Quando considerados os barcos cujo controle fica a remo e a vela, ainda não constar da base de dados do SisRGP (MPA) e das
com as superintendências do MPA (26.411 unidades – boa parte de barcos da superintendências do MPA.
pesca continental), o total geral chega a 42.249 barcos, o que equivale a
64,6% do total informado na Tabela 1.

Tabela 2 Número de barcos permissionados, por estado e por modalidade de pesca, e o grupo de espécies-alvo de captura para o ambiente marinho (incluída a frota de piramutaba), segundo o SisRGP-MPA e dados das superintendências
do MPA.
peixes div. (espinhel, vertical e covo)

de peixes demersais do Sudeste/Sul

Nº embarcações da frota de espinhel

Nº embarcações da frota de espinhel


Nº embarcações da frota de pargo e

Nº embarcações da frota de emalhe


Nº embarcações da frota de arrasto

Nº embarcações da frota de arrasto


camarão-sete-barbas Sudeste/Sul1
arrasto camarão-rosa Sudeste/Sul1

Nº embarcações da frota de emalhe de


cerco de sardinha-verdadeira

horizontal p/ peixes diversos


Nº embarcações da frota de

Nº embarcações da frota de

Nº embarcações da frota de

Nº embarcações da frota de

Nº embarcações da frota de

de fundo p/ peixes diversos


isca-viva p/ bonito-listrado
de arrasto camarão-rosa Norte

Banco de dados das Sups-MPA


horizontalp/ atuns e afins
de arrasto de piramutaba

superfície p/ peixes diversos


Nº embarcações da frota

Nº embarcações da frota

cerco para sardinha-laje

Nº embarcações da frota de
Nº embarcações da frota

de covo de lagostas

outras modalidades*
Região / Estado

linha de mão

Total - SisRGP

Total geral
%

Norte 98 62 108 31 5 0 0 0 0 0 2 260 0 1.214 0 9 1.789 3.725 5.514 13,1


AC 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 79 79 0,2
AM 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 892 892 2,1
AP 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 457 457 1,1
PA 98 48+14 108 31 5 0 0 0 0 0 2 260 0 1.214 0 9 1.789 2.297 4.086 9,7
Nordeste 104 1 30 2.864 0 0 0 0 0 0 86 0 7 8 1 200 3.301 9.317 12.618 29,8
MA 181 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 21 1.927 4.948 4,6
PI 641 0 0 31 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 95 0 95 0,2
CE 1 0 30 1.853 0 0 0 0 0 0 6 0 7 0 0 10 1.907 0 1.907 4,5
RN 0 0 0 433 0 0 0 0 0 0 60 0 0 2 0 3 498 2.183 2.681 6,3
PB 0 0 0 225 0 0 0 0 0 0 11 0 0 0 0 0 236 223 469 1,1
PE 0 0 0 175 0 0 0 0 0 0 9 0 0 0 1 0 185 346 531 1,3
AL 42 0 0 71 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 75 0 75 0,2
SE 7 2
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 7 2.752 2.759 6,5
BA 102 0 0 76 0 0 0 0 0 0 0 0 0 4 0 187 277 1.876 2.153 5,1
Centro-Oeste 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 175 175 0,4
MT 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 175 175 0,4
Sudeste 0 0 14 93 154 1.512 88 254 29 43 466 126 185 985 43 1.449 5.441 8.539 13.980 33,1
ES 0 0 14 93 0 338 0 2 0 1 441 15 109 176 27 196 1.412 1.389 2.801 6,6
Instituto Brasileiro
RJ 0 0 0 0 71 450 71 246 8;1 3
42 15 111 75 461 16 967 2.534 6.821 9.355 22,2 do Meio Ambiente e
SP 0 0 0 0 83 724 17 6 20 0 10 0 1 348 0 286 1.495 329 1.824 4,3 dos Recursos
Naturais Renováveis
Continua
56 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

peixes div. (espinhel, vertical e covo)

de peixes demersais do Sudeste/Sul

Nº embarcações da frota de espinhel

Nº embarcações da frota de espinhel


Nº embarcações da frota de pargo e

Nº embarcações da frota de emalhe


Nº embarcações da frota de arrasto

Nº embarcações da frota de arrasto


camarão-sete-barbas Sudeste/Sul1
arrasto camarão-rosa Sudeste/Sul1

Nº embarcações da frota de emalhe de


cerco de sardinha-verdadeira

horizontal p/ peixes diversos


Nº embarcações da frota de

Nº embarcações da frota de

Nº embarcações da frota de

Nº embarcações da frota de

Nº embarcações da frota de

de fundo p/ peixes diversos


isca-viva p/ bonito-listrado
de arrasto camarão-rosa Norte

Banco de dados das Sups-MPA


horizontalp/ atuns e afins
de arrasto de piramutaba

superfície p/ peixes diversos


Nº embarcações da frota

Nº embarcações da frota

cerco para sardinha-laje

Nº embarcações da frota de
Nº embarcações da frota

de covo de lagostas

outras modalidades*
Região / Estado

linha de mão

Total - SisRGP

Total geral
%

Sul 0 0 0 0 114 1.628 86 6 90 48 35 8 12 2.309 491 478 5.305 4.657 9.962 23,6
PR 0 0 0 0 2 640 0 0 0 2 0 0 0 59 4 435 1.142 0 1.142 2,7
SC 0 0 0 0 110 988 84 6 72;143 40** 25 6 12 2.140 486 22 4.005 2.321 6.326 15,0
RS 0 0 0 0 2 0 2 0 4 6 10 2 0 110 1 21 158 2.336 2.494 5,9
Total 202 63 152 2.988 273 3.140 174 260 119 91 589 386 204 4.516 534 2.136 15.838 26.411 42.249 100
% 1,3 0,4 1,0 18,9 1,7 19,8 1,1 1,6 0,8 0,6 3,7 2,4 1,3 28,5 3,4 13,5 100 - - 100
% >20 AB 0,6 0,3 1,0 0,2 1,4 0,2 0,8 0,0 0,7 0,6 3,2 ? ? 0,8 0,2 0,2 10,2 - - -

Fonte: SisRGP – consulta concluída em 31 de julho de 2013 e complementada por MPA, 2013.
* Covo para pargo-rosa, saramonete e caranguejos; pote para polvo; puçá; mergulho livre e mergulho autônomo; gerival; e, diversificada costeira; + permissão para peixes diversos (polígono específico); ** inclui um barco de cerco para a pesca de bonito;
¹barcos de menor tamanho; ²permissionados para a pesca de camarões costeiros no Nordeste; ³abrótea, galo e merluza;

Outro aspecto da comparação do número de barcos constante das estuarina), que apresenta as informações por modalidade de pesca e espécie
duas tabelas é que, além da grande diferença nas quantidades, ocorre mudan- ou grupo de espécies-alvo, constatam-se:
ça entre as posições das regiões com maior número de barcos. Na Tabela 2, • A maior frota distribuída em todo o litoral brasileiro é a que realiza a
a região com maior quantidade é a Sudeste (33,1% ou 13.980 unidades), se- pesca com redes de emalhe de fundo (4.516 barcos).
guida da Nordeste (29,8% ou 12.618 unidades), da Sul (23,6% ou 9.962 uni-
dades), da Norte (13,1% ou 5.514 unidades) e, por último, da Centro-Oeste • A segunda é a de arrasto de fundo, direcionada à captura do camarão-
sete-barbas no Sudeste e no Sul (3.140 barcos).
(0,4% ou 175 unidades).
Essa grande diferença deve-se, possivelmente, ao fato já menciona- • Em terceiro vem a de covo ou manzuá, que pesca lagostas entre o
do de os barcos a remo e a vela (de pequeno porte) ainda não estarem in- Amapá e o Espírito Santo (2.988 embarcações).
cluídos na base de dados do SisRGP ou nos bancos de dados das superin- • Em quarto está a de espinhel horizontal (sediada em vários estados do
tendências, o que explica, pelo menos em parte, que a Região Nordeste saia litoral brasileiro) direcionada à captura, principalmente, de atuns e
da primeira colocação e seja substituída pela Região Sudeste (nas regiões afins (589 barcos).
Sul e Sudeste é bem maior a participação da pesca industrial – barcos maio- • Em quinto, a frota de emalhe de superfície, para a captura de várias espécies
res). Assim, pode-se inferir que as grandes diferenças não eliminam a con- de peixes, com destaque para a tainha e a anchova (534 embarcações).
sistência entre os dados das duas tabelas e que o MPA tem um grande de-
safio pela frente, se pretende incluir os barcos de pequeno porte (a remo e Estão incluídos como barcos de outras modalidades (2.136 unidades)
os que praticam a pesca com covo para peixes e caranguejo; pote para a
a vela) nos bancos de informações das superintendências e, principalmente,
pesca de polvo; a que utiliza puçá; a que pesca com gerival e, especialmente,
Instituto Brasileiro do SisRGP.
do Meio Ambiente e as pequenas embarcações (artesanais) habilitadas para a pesca diversificada
dos Recursos Feitos os esclarecimentos e considerando, especificamente, as 15.838 costeira (várias modalidades de pesca – desde que a espécie-alvo não tenha
Naturais Renováveis
embarcações constantes da base de dados do SisRGP-MPA (frota marinha e o esforço de pesca controlado).
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 57

A Tabela 2 ainda informa (no caso dos dados do SisRGP) a proporção, O estado do Espírito Santo (Tabela 2) sedia 75% da frota de espinhel
por modalidade de pesca, espécie-alvo, unidade da Federação, região e total horizontal para a pesca de atuns e afins, composta, predominantemente, por
de barcos de médio e grande porte, assim como por estimativa, os de peque- barcos de pequeno e médio porte. Já os barcos sediados nos outros estados
no porte (considerando o definido na Lei n° 11.959/2009, como artesanais), ou são, dominantemente, de médio e grande porte, e enquadrados como barcos
seja: de pesca industrial.
• 10,2% (1.607 unidades) são barcos de médio e grande porte. Da frota de arrasto para a pesca do camarão-sete-barbas no Sudeste/
• 89,8% (14.231 unidades) da frota nacional são barcos de pequeno por- Sul, a maioria é embarcação de pequeno porte e motorizada. Portanto, barcos
te. Esse número pode atingir mais de 40.000 unidades, se forem con- de médio porte são uma minoria (DIAS-NETO, 2011). O estado que sedia a
siderados os dados das superintendências-MPA. maior quantidade de barcos é Santa Catarina (31%), seguido por São Paulo
(23%) e Paraná (20%), conforme dados da Tabela 2.
• No todo, a frota com maior quantidade de barcos pequenos é, certa-
mente, a diversificada costeira, seguida da de emalhe de fundo, da do As frotas de cerco para a pesca de sardinha-verdadeira, os arrasteiros
camarão-sete-barbas e da de lagostas. para a pesca de camarão-rosa (Norte e Sudeste/Sul), da piramutaba, dos pei-
xes demersais do Sudeste/Sul e do bonito-listrado são, majoritariamente,
Importa acrescentar que a grande maioria das frotas registradas no compostas de barcos de grande porte. As maiores concentrações de barcos
SisRGP já está com o número máximo de barcos limitado, com o objetivo de dessas frotas, por estado, podem ser observadas na Tabela 2.
evitar o crescimento do esforço de pesca sobre as respectivas espécies-alvo
em situação de sobrepesca. Para algumas pescarias ou espécies-alvo, essa Cabe registrar a grande quantidade de barcos permissionados para a
limitação aconteceu na década de 1970/80, como é o caso da frota de cerco pesca da sardinha-laje (260 barcos), dos quais 95% estão sediados no Rio de
para a captura de sardinha-verdadeira, do camarão-rosa do Sudeste/Sul, da Janeiro. A preocupação é que, possivelmente, não exista biomassa suficiente
lagosta, entre outras. Para outras, a limitação da frota ocorreu recentemente, para suportar tamanho esforço de pesca e, ainda, da elevada possibilidade de
como o caso da permissionada para a pesca com rede de emalhe de fundo no esses barcos capturarem, ilegalmente, a sardinha-verdadeira. Assim, é reco-
Sudeste e Sul. mendável atenção especial e a imediata regulamentação dessa frota.
A limitação do número de barcos não significou, necessariamente, o Do total dos 26.406 barcos, resultantes da consolidação dos bancos de
congelamento do esforço de pesca sobre a espécie-alvo, já que vários fatores dados das superintendências do MPA, uma parte é da pesca continental, en-
possibilitaram que houvesse esse incremento, conforme abordamos no Box 8 tretanto, não se dispõem de elementos para viabilizar sua quantificação.
(sardinha-verdadeira) na avaliação da situação da captura das espécies ou Frota da pesca continental
grupos de espécies mais representativas para a pesca nacional.
Não existe uma fonte única com informações abrangentes sobre os
As informações disponíveis para algumas frotas, individualmente, per- barcos que formam a frota empregada pela pesca continental. Dos dados
mitiram realizar uma análise do cumprimento, do tipo de propulsão e do esta-
da Tabela 2, parte é desse ambiente (todos das unidades da Federação (UF)
do com maior concentração de barcos. Sobre esses aspectos, constatamos
não litorâneas e parte das demais UFs, que não foi possível estimar), mas
que a grande maioria dos barcos autorizados para a pesca de lagostas é de
que não apresentam parâmetros para definir sua proporção e, muito me-
pequeno porte5 (93%) e 48% são barcos movidos a vela. Portanto, barcos de
nos, qualificá-la.
médio e grande porte movidos a motor representam apenas 7% (IBAMA,
2008), como será discutido posteriormente. Já o estado do Ceará concentra Assim, neste trabalho, serão empregadas também informações dispo-
a maior quantidade, com 62% do total da frota. níveis no Relatório do Censo Estrutural da Pesca de Águas Continentais na Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
5
Nessa pescaria são considerados barcos de pequeno porte aqueles com comprimento total igual ou inferior a 12 m, de médio porte entre 12 m e 18 m, e os de grande porte com comprimento total superior a 18 m (DIAS-NETO, 2008). Naturais Renováveis
58 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Região Norte (CEPNOR/IBAMA, 2006), apresentadas na Tabela 3 e no docu- A frota sediada nos municípios banhados pela Bacia do Rio São Fran-
mento Estatística de Desembarque Pesqueiro – Censo Estrutural da Pesca cisco é composta por 17.896 embarcações, das quais 11.344 (63,4%) perten-
2006, Relatório Final (MMA/IBAMA, 2008), da Bacia do Rio São Francisco, cem aos municípios da Bahia; 2.027 (11,3%) aos de Minas Gerais; 1.651
constante da Tabela 4. (9,2%) aos de Pernambuco; 1.629 (9,1%) aos de Alagoas; e 1.245 (7,0%) aos
de Sergipe (Tabela 4).
O fato é que, por se tratar de fontes diferentes e ser fruto de levanta-
mentos em tempos distintos, tais dados serão discutidos separadamente. Quanto à propulsão, a Tabela 4 mostra que 84,3% são movidas a remo
e a vela, 15,4% a motor e para apenas 0,2% não consta informação do tipo de
Avaliaram-se, também, que os números constantes nas tabelas 2, 3 e 4, propulsão.
para algumas UFs, como é o caso do Amazonas, encontram-se subestimados.
Tabela 4 Distribuição da frota de barcos da pesca continental da Bacia do Rio São Francisco, por estado e tipo de propulsão,
As constatações anteriores levam a ponderar que as informações ana- em 2006.
lisadas para a frota que pesca nesse ambiente são ainda mais limitadas do
que as apresentadas para a pesca marítima. Nº de Nº de Não
Estado embarcações embarcações Total %
informou
a remo e a vela motorizadas
Feitas essas considerações, os dados disponíveis apontam uma frota,
para as UFs relacionadas nas duas tabelas (3 e 4), de 44.302 barcos, dos MG 804 1.194 29 2.027 11,3

quais 30.440 (69%) são movidos a remo e a vela, 12.690 (29%) movidos a BA 10.369 975 0 11.344 63,4

motor e para o restante (2%) não foi informado o tipo de propulsão. PE 1.542 109 0 1.651 9,2
SE 1.072 160 13 1.245 7,0
Tabela 3 Distribuição da frota de barcos da pesca continental da Região Norte, por estado e tipo de propulsão, em 2005/2006. AL 1.308 321 0 1.629 9,1
Nº de embarcações Nº de embarcações Não informou Total 15.095 2.759 4,2 17.896 100,0
Estado Total %
a vela e a remo motorizadas % 84,3 15,4 0,2 100,0 -
AC 15 295 2 312 1,2
AP 528 537 0 1.065 4,0
Fonte: MMA/Ibama, 2008.
AM 211 2.386 19 2.616 9,9 Comparação dos dados sobre frota das distintas fontes
PA 14.325 5.734 767 20.826 78,9
RO 0 66 329 395 1,5 Além dos dados anteriormente apresentados (Tabelas 1 a 4), foram con-
RR 126 499 6 631 2,4 solidadas na Tabela 5 as informações sobre os barcos de pesca inscritos nos
TO 140 414 7 561 2,1 distritos navais da Marinha do Brasil, que também não são abrangentes para
Total 15.345 9.931 1.130 26.406 100,0 embarcações de pequeno porte e, especialmente, não motorizadas. As informa-
% 58,1 37,6 4,3 100,0 - ções disponibilizadas não possibilitaram, mais uma vez, a distinção, nos casos
dos estados costeiros, de quais embarcações dedicam-se à pesca continental,
Fonte: Cepnor/Ibama, 2006 (Convênio ADA/UFRA n° 018/2004).
marinha ou estuarina, assim como a quantidade de barcos para algumas uni-
Ao analisar, especificamente, a composição da frota da Região Norte, dades da Federação.
ressalvando eventual subestimação para a quantidade de barcos para o Ama- A primeira constatação é que os quantitativos de barcos apresenta-
zonas, conforme apontado, constata-se que 78,9% dos barcos estão sediados dos pelas distintas fontes são díspares, o que dificulta as comparações, e,
no Pará; 9,9% no Amazonas; 4,0% no Amapá e o restante nos outros estados especialmente, uma conclusão mais segura sobre o tamanho, as principais
Instituto Brasileiro da região (Tabela 3). características e a distribuição das frotas nacionais.
do Meio Ambiente e
dos Recursos Essa tabela evidencia, ainda, que 58,1% das embarcações são movidas Apesar de a Tabela 5 não ser de grande representatividade para apon-
Naturais Renováveis
a remo e a vela, 37,6% a motor e 4,3% não informou o tipo de propulsão. tar a quantidade total e a distribuição de barcos da frota nacional, é, indubita-
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 59

velmente, importante para indicar o número de barcos com comprimento total Tabela 5 Distribuição da frota de barcos de pesca com registro nos distritos navais da Marinha do Brasil com
superior a 15 metros, bem como para discutir alguns dos indícios observados comprimento de até 15 m e maiores que 15 m, por estado e total, no ano de 2008.
nas tabelas anteriores.
Nº de embarcações Nº de embarcações
Estado Total %
Na mencionada tabela constata-se um total de 2.482 barcos com até 15 m acima de 15 m
comprimento superior a 15 m e 16.437 embarcações com até 15 m. A Região Norte 8.028 940 8.968 47,4
Norte se destaca com a quantidade de barcos de maior porte (940), seguida AC 0 0 0 0,0
da Sul (824), da Sudeste (443) e da Nordeste (275). A constatação de a Re- AP 1.053 22 1.075 5,7
gião Norte ter apresentado o maior número de barcos de grande porte (indus- AM 1.103 292 1.395 7,4
trial e acima de 15 m), similar ao observado na Tabela 1, é, até certo ponto, PA 5.844 625 6.469 34,2
surpreendente, já que o esperado era que a Sul e a Sudeste superassem RO 28 1 29 0,2
RR 0 0 0 0,0
aquela região.
TO 0 0 0 0,0
Como se trata de fontes e tempos distintos de geração dos dados apresen- Nordeste 5.291 275 5.566 29,4
tados nas Tabelas de 1 a 5 e, na maioria das fontes, para parte do País ou ambien- MA 1.723 7 1.730 9,1
te (marinha/estuarino e continental), é possível observar tendência de que as UFs PI 327 0 327 1,7
com as seis maiores frotas são RJ, PA, SC, BA e AM e MA, cuja posição, domi- CE 1.297 229 1.526 8,1
nantemente, é alternada em cada fonte. Esse indicativo guarda consonância com RN 104 15 119 0,6
as produções da pesca extrativa das mesmas seis UFs com melhor participação PB 1 3 4 0,0
na produção nacional, nos últimos anos. PE 23 8 31 0,2
AL 153 0 153 0,8
É provável que sejam informações subestimadas. Essa constatação, SE 75 1 76 0,4
diante de outros indicadores disponíveis, permite inferir que o Brasil dispõe de BA 1.588 12 1.600 8,5
um total de embarcações pesqueiras superior a 120.000 unidades, sendo que Centro-Oeste 132 0 132 0,7
mais de 60% não estão incluídas nos sistemas oficiais de controle, especial- GO 0 0 0 0,0
mente do SisRGP/MPA e da Marinha do Brasil. MT 28 0 28 0,1
MS 104 0 104 0,5
Essa subestimação deve-se a vários fatores, como: (i) a maioria da
DF 0 0 0 0,0
frota é representada por barcos de pequeno porte e, em parte, movida a remo
Sudeste 2.304 443 2.747 14,5
e a vela; (ii) estão distribuídas em todo o território nacional, em localidades,
es 116 11 127 0,7
em parte, de difícil acesso ou que não contam com a presença de representa-
mg 0 0 0 0,0
ções de instituições federais; e (iii) não existir maiores preocupações de ór- rj 2.002 198 2.200 11,6
gãos oficiais em controlar e monitorar os barcos de pequeno porte que inte- sp 186 234 420 2,2
gram a frota pesqueira nacional. Sul 682 824 1.506 8,0

Um dos indicadores que motiva a defender o elevado número total de pr 19 3 22 0,1


sc 576 694 1.270 6,7
barcos, anteriormente apontado, quando comparado com os números oficiais
rs 87 127 214 1,1
tradicionalmente divulgados por distintas fontes (Tabelas 1 a 5), é o fato de
Total 16.437 2.482 18.919 100,0 Instituto Brasileiro
que somente uma quantidade de embarcações dessa magnitude pode justifi- do Meio Ambiente e
% 86,9 13,1 100,0 -
car parte do número total de pescadores nacionais, da ordem de um milhão, dos Recursos
Naturais Renováveis
divulgado recentemente pela única fonte oficial (MPA, 2013). Fonte: Marinha do Brasil – informações atualizadas em fevereiro de 2008.
60 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Portanto, se o número de pescadores citado corresponde à realidade de situação de falência. Esse fato pode estar associado, em parte, à adminis-
(e não esteja influenciado por problemas no sistema de registro ou sobre-es- tração precária das unidades de produção, beneficiamento e comercialização,
timativa decorrente de demandas pelo seguro-defeso), é provável que seja e à queda de produtividade da pesca em consequência da sobrepesca dos
necessário um número ainda maior de embarcações para que esse total de principais recursos explotados.
pescadores possa realizar suas pescarias. Considerando os últimos dados oficialmente divulgados (IBAMA,
2.1.7 Aspectos sociais e econômicos da pesca e aquicultura 2009), que se basearam no preço de primeira comercialização, a receita total
nacionais da pesca nacional foi da ordem de 3,6 bilhões de reais (com base na produção
de 2007). Com base na produção divulgada para 2010, estima-se que a recei-
Considerações gerais ta total desse ano tenha sido da ordem de 4,25 bilhões de reais (preço de
A pesca nacional, em seus componentes sociais, econômicos e geo- primeira comercialização), que representou 0,12% do total do PIB nacional
políticos, teve, historicamente, importante papel no desenvolvimento do País. divulgado pelo IBGE para 2010.
Cumpriu a função de ocupar os espaços geográficos isolados, garantiu a dieta Se for considerada toda a cadeia produtiva da atividade pesqueira
alimentar de proteína animal (segurança alimentar) para milhões de brasileiros (pesca e aquicultura) nacional, bem como as atividades correlatas de benefi-
que tiveram e têm no pescado seu principal alimento, e se impôs como ativi- ciamento, comercialização, construção naval e aparelhos de pesca etc., é
dade econômica geradora de emprego, renda e divisas para o País. provável que o PIB total decorrente da atividade represente algo próximo de
Apesar de sua importância econômica, social e política, o setor pesquei- 1,00% do total do PIB nacional.
ro enfrenta desvirtuamento de finalidades nos investimentos governamentais Importa comentar, entretanto, que a maior importância da atividade
destinados aos pescadores artesanais bem como em relação aos produtos em-
pesqueira nacional não está no PIB que gera, mas na capacidade de contribuir
barcados na pesca industrial. De forma majoritária, até recentemente, as comu-
para a segurança alimentar, especialmente dos segmentos sociais mais po-
nidades pesqueiras eram carentes de quase todo o tipo de infraestrutura como
bres. Como afirma Dias-Neto (2003), a pesca nacional é uma das poucas ati-
luz, água encanada, estradas, escolas, habitações, assistência médica e apoio à
vidades que absorve mão de obra de pouca ou nenhuma qualificação, seja de
produção e comercialização. Os indicadores sociais colocam o pescador profis-
origem rural ou urbana e, em alguns casos, é a única alternativa para a obten-
sional entre aqueles estratos sociais mais excluídos do País.
ção de alimento (proteína) para certos grupos de indivíduos e para a popula-
A baixa escolaridade formal dos pescadores e a escassa formação téc- ção excluída, especialmente a que vive no litoral ou às margens de corpos
nica dificultam o acesso a tecnologias mais poupadoras de esforço físico e d’água, no ambiente continental.
mais produtivas. A formação de mão de obra e os conhecimentos necessários
para o trabalho embarcado são adquiridos de forma variada, ao longo da vida, Mão de obra envolvida
predominando, historicamente, a transmissão de pai para filho e a tradição. O Boletim do Registro Geral da Atividade Pesqueira – RGP 2012 (MPA,
Essa modalidade de aquisição de conhecimentos acomoda interesses patro- 2013) informa que em 31/12/2012 tinha registrado no SisRGP um contingente
nais e trabalhistas, mas não assegura avanços tecnológicos nem garante o de 1.041.967 pescadores, distribuídos nas 27 unidades da Federação (Tabela
desenvolvimento qualitativo da atividade em longo prazo. 6). A Região Nordeste concentra o maior número, com 489.940 registros
Já a organização social e política do pescador permanece estacionária (47,02%), seguida pela Região Norte, com 383.727 registros (36,83%). Essas
ao longo de quase 100 anos da atividade pesqueira, predominando lideranças duas regiões, juntas, respondem por 83,85% do universo de pescadores pro-
com pouca ou nenhuma representação da classe pescadora ou que, majorita- fissionais do Brasil.
Instituto Brasileiro riamente, defendem seus próprios interesses. Segundo dados publicados pelo MPA (2012 e 2013), entre 2010 e
do Meio Ambiente e
dos Recursos Quanto ao desempenho econômico da pesca industrial, tem sido fre- 2012 houve incremento no total de pescadores do Brasil da ordem de 22%, ou
Naturais Renováveis
quente e recorrente, por parte dos integrantes desse setor, a argumentação algo correspondente a 188.736 pescadores. Certamente, não é fácil encontrar
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 61

uma explicação para tal fato, especialmente se se considera que a produção Tabela 6 Distribuição do número de pescadores profissionais inscritos no RGP até 31/12/2012, por unidade da
nacional encontra-se praticamente estagnada, nos últimos anos, conforme Federação e por região, em números absolutos e relativos.
anteriormente discutido, e, que o desemprego no País, diminuído nos anos
recentes, encontra-se praticamente estacionado. Estado/Região Quantitativo Participação

Possível explicação para o incremento anteriormente apontado pode es- NORTE 383.727 36,83%
tar relacionado com a aplicação do alcance da base de registro do SisRGP, com Acre 7.769 0,75%
o consequente aumento do número de pescadores incluídos, ou de um incre- Amapá 15.601 1,50%
mento na demanda de inscrições de pescadores, em decorrência de motivação Amazônia 85.129 8,17%
político-eleitoreira, relacionada com o uso do seguro-defeso (Box 5), ou, ainda, Pará 253.085 24,29%
de fraudes constatadas pelas frequentes denúncias na mídia e, inclusive, pelas Rondônia 7.290 0,70%
portarias publicadas pelo MPA, com o cancelamento do registro de pessoas que Roraima 7.820 0,75%
se inscreveram indevidamente na categoria de pescador artesanal. Não se des- Tocantins 7.033 0,67%
carta, ainda, a conjugação desses fatores para explicar tal aumento. CENTRO-OESTE 18.638 1,79%
Ao considerar a distribuição de pescadores por unidade da Federação, Distrito Federal 164 0,02%
as cinco com maior número são: Pará (253.085), Maranhão (175.166), Bahia Goiás 2.863 0,27%
(125.827), Amazonas (85.129) e Santa Catarina (35.293), representando, res- Mato Grosso 6.286 0,60%
pectivamente, 24,29%, 16,81%, 12,08%, 8,17% e 3,39% do total de pescado- Mato Grosso do Sul 9.325 0,89%
res registrados no País (Tabela 6). Quando somados, os pescadores desses NORDESTE 489.940 47,02%
estados representam 64,74% do total nacional. Alagoas 31.561 3,03%
Bahia 125.827 12,08%
Ceará 29.970 2,88%
Maranhão 175.166 16,81%
Paraíba 25.587 2,46%
Pernambuco 13.128 1,26%
Piauí 33.130 3,18%
Rio Grande do Norte 29.468 2,83%
Sergipe 26.103 2,51%
SUDESTE 85.464 8,20%
Espírito Santo 18.177 1,74%
Minas Gerais 26.388 2,53%
Rio de Janeiro 14.403 1,38%
São Paulo 26.496 2,54%
SUL 64.198 6,16%
Paraná 10.737 1,03%
Rio Grande do Sul 18.168 1,74%
Santa Catarina 35.293 3,39% Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
TOTAL 1.041.967 100,00% dos Recursos
Foto: Miguel von Ber Naturais Renováveis
Fonte: MPA (2013).
62 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Quanto à questão do gênero, a Figura 16 evidencia que 58,06% Conforme apontado na Figura 17, em termos regionais, o Nordeste
(604.955) dos pescadores registrados no RGP são do sexo masculino e apresenta a proporção mais próxima entre os gêneros, com 24,92% (259.677)
41,34% (437.012) do feminino. de homens e 22,10% (230.262) de mulheres. A proporção mais desigual entre
O supreendente expressivo número de pescadores do sexo feminino os gêneros está na Região Sudeste, com 6,07% (63.262) e 2,13% (22.202).
pode decorrer, em parte, de o novo Código de Pesca (Lei n° 11.959, de 29 de
junho de 2009) considerar como “atividade pesqueira artesanal, os trabalhos de
confecção e de reparos de artes e petrechos de pesca, os reparos realizados em
embarcações de pequeno porte e o processamento do produto da pesca artesa-
nal”. Em consequência desse dispositivo, o RGP passou a registrar como pesca-
dor todos os que exercem uma das citadas atividades. Possibilitou, também, que
fizessem jus ao seguro-defeso os pescadores artesanais envolvidos na pesca de
determinadas espécies (mesmo que não, necessariamente, interrompam suas
atividades), sobrecarregando, entretanto, de forma indevida, esse importante
instrumento de gestão. Esse fato pode ter sido o grande incentivo para o cresci-
mento do número de pescadores, em especial, do sexo feminino (Box 5).

Figura 17 Frequência relativa dos pescadores profissionais por gênero e por região.
Fonte: MPA (2013).

Importa ponderar, mesmo assim, que o número de pescadores inscri-


tos no RGP pode não refletir a totalidade de mão de obra envolvida diretamen-
te na atividade pesqueira, já que os trabalhadores das plantas industriais de
beneficiamento, assim como do transporte e do comércio, dos estaleiros etc.,
podem não estar inscritos no RGP. Assim, é provável que o total de envolvidos
diretamente na atividade pesqueira seja bem maior.
Por fim, os dados e ponderações anteriores nos possibilitam inferir que
Figura 16 Frequência relativa dos pescadores profissionais distribuídos por gênero. é provável que o total de brasileiros envolvidos direta e indiretamente na ativi-
Fonte: MPA (2013). dade pesqueira nacional seja em torno de 3,5 milhões de pessoas.

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 63

Box 5 O uso do seguro-desemprego (defeso) na pesca nacional.


O seguro-desemprego, modalidade pescador artesanal, também conhecido como seguro-defeso, é um benefício financeiro temporário concedido ao pescador
profissional que exerce sua atividade artesanalmente e tem seu trabalho interrompido quando da aplicação do defeso (medida para a proteção da reprodução ou recruta-
mento das espécies-alvo de sua pescaria). A concessão do benefício, instituída inicialmente pela Lei n° 8.278/1991, está amparada pela Lei nº 10.779/2003 e regulamen-
tada pela Resolução do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) nº 657/2010.
A operacionalização dessa política pública é transversal e envolve principalmente três pastas ministeriais: MPA, MMA e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). O
MPA é o responsável pelo cadastro dos pescadores profissionais no RGP, pela manutenção desse sistema e pela disponibilização dos dados ao MTE e ao MMA, assim como
ao público em geral. O MPA também é responsável, em conjunto com o MMA, por estabelecer os períodos de defeso para cada espécie e região. Já o MTE é responsável pelo
recebimento dos requerimentos do benefício e pela triagem dos pescadores artesanais que fazem jus ao recebimento do seguro-desemprego, pago pela Caixa.
Para ter direito ao seguro-desemprego na modalidade pescador artesanal, o pescador profissional artesanal deve: possuir cadastro no RGP há pelo menos um ano
do início do defeso; possuir inscrição no INSS como segurado especial; comprovar a venda de pescado à pessoa jurídica ou cooperativa de pescadores no período de um
ano anterior ao início do defeso, ou efetuar pelo menos dois recolhimentos ao INSS nesse período; não gozar benefício previdenciário ou de assistência social de prestação
continuada, exceto pensão por morte ou auxílio-acidente; não possuir vínculo empregatício ou outra fonte de renda diversa da atividade pesqueira.
Segundo a Resolução Codefat nº 657/2010, o pescador que se dedicou à pesca em caráter ininterrupto, durante o período compreendido entre o término do defeso anterior
e o início do defeso em curso, desde que da mesma espécie, fará jus ao seguro-desemprego no valor de um salário mínimo mensal durante o período de defeso.
De 2008 a 2013, a dotação orçamentária para o Pagamento do Seguro-Desemprego ao Pescador Artesanal triplicou de valor, passando de R$ 602 milhões em 2008
para R$ 1,959 bilhão em 2013, ou seja, incremento de 325%, enquanto no mesmo período o salário mínimo cresceu apenas em 163% (AGU, 2013).
Já o efetivo pagamento do seguro-desemprego, entre o ano de 2002 e 2012, passou de 60,18 milhões de reais, para 1,66 bilhão, correspondendo a um incremen-
to de 2.661% (Relatório do TCU, aprovado na Sessão Plenária Ordinária de 13/3/2013). Nesse mesmo período, o salário mínimo teve incremento de 211%. Portanto, o in-
cremento extra de 2.450% teve como motivações outros fatores, exceto o do crescimento do salário mínimo.
Conforme discutido, o crescimento no número de pescadores, nos últimos anos, não deveria ter ocorrido e se tivesse, teria sido pouco significativo. Sabemos,
entretanto, que esse crescimento foi grande e, certamente, por fatores alheios à atividade pesqueira artesanal.
Em decorrência dos aspectos apontados, o mais provável é que outras razões tenham conduzido a esse elevadíssimo incremento. várias fontes que analisaram
essa questão têm apontado:
• Alteração dos critérios (mais flexíveis) para a concessão do benefício (Lei nº 10.779/2003): reduziu de três para um ano o tempo de registro do pescador;
• Alteração da Lei de Pesca, incluindo como pescador artesanal os trabalhadores de confecção e de reparos de artes e petrechos de pesca, os que realizam reparos
em embarcações de pequeno porte e os de processamento do produto da pesca artesanal. Estes, majoritariamente, não param de trabalhar no período do defeso.
Alguns passam até a ter seus serviços mais demandados, como os que realizam reparos em embarcações, portanto, não deveriam ter direito ao seguro-defeso;
• Uso político-eleitoreiro do instrumento de gestão seguro-defeso seja de autoridades locais ou federais;
• Fraudes no processo de concessão do seguro (falsos pescadores etc.); entre outros desvios.
Na realidade, pelo que temos observado nas constantes denúncias na mídia ou nas apurações realizadas pelo TCU, no MPA; pela AGU e, até, em operações da Polícia Fe-
deral, o mais provável é que somente uma conjugação desses fatores possa explicar aquele explosivo incremento no uso do erário para pagamento do seguro-defeso.
• Para se ter uma ideia do tamanho do problema, em uma das operações da Polícia Federal no Pará (UF com os maiores indicadores de desvios) e no Amapá, em Instituto Brasileiro
abril de 2013 ocorreram 19 mandatos de prisões preventivas; 19 mandatos de prisões temporárias; 41 mandatos de busca e apreensão; 8 afastamentos de ser- do Meio Ambiente e
dos Recursos
vidores; 44 bloqueios de contas bancárias; e 34 pessoas presas. Naturais Renováveis
64 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Parque empresarial e armadores de pesca • É observado, também, que das 27 unidades da Federação, o SisRGP/
MPA, em 2012, apresenta informações para apenas 10 unidades,
Os dados divulgados pelo MPA (2013) sobre o parque empresarial e de
armadores de pesca, mesmo se afigurando como, aparentemente, incomple- contra 21 registradas no RGP/Sudepe, em 1982, e no CTF/Ibama
tos e discutíveis, conforme as análises realizadas na sequência, apresentam aponta pessoas jurídicas em todas as UFs.
os seguintes números (Tabela 7): • Quanto ao número de armadores de pesca, a base do SisRGP/MPA,
• Parque empresarial: formado por 73 microempresas (uma é coope- em 2012, apresentou incremento de 37,3% quando comparado com
rativa), das quais 23 estão sediadas no Pará, 17 no Rio Grande do os registrados no RGP/Sudepe em 1982.
Sul, 7 em Santa Catarina, 6 no Ceará, 6 no Rio de Janeiro, 4 no Rio
Grande do Norte, 4 em São Paulo, 3 no Pernambuco, 2 no Espírito • Além do SisRGP/MPA, em 2012, apresentar informações somen-
Santo e 1 na Bahia. te para 8 unidades da Federação, enquanto o RGP/Sudepe apre-
sentava dados para 20, não parece razoável que em plena Era da
• Armadores de pesca: é informado um total de 1.806 armadores de
Informática ainda não estejam incluídos dados de todas as unida-
pesca, dos quais 1.213 são de Santa Catarina, 219 do Espírito Santo,
des da Federação e, em especial, de lugares com grande quanti-
118 do Pará, 117 do Rio de Janeiro, 117 do Rio Grande do Sul, 19 de
São Paulo, 2 do Paraná e 1 do Rio Grande do Norte. dade de armadores como o Amazonas, o Ceará, a Bahia, entre
outros.
Considerando a quantidade de lacunas de informações sobre o número
de empresas e de armadores de pesca constantes nos registros do SisRGP de • É, ainda, desproporcional, a atenção dada ao registro nas unidades
2012 (MPA, 2013), para várias unidades da Federação e, principalmente, vi- da Federação das regiões Sul e Sudeste, em detrimento do registro
sando comparar e avaliar a evolução dessas informações nos últimos 30 anos, das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.
incluímos na Tabela 7 as informações constantes do RGP de 1982 (SUDEPE,
1984), bem como os dados do Cadastro Técnico Federal (CTF/Ibama), em O quadro descrito evidencia alguns aspectos preocupantes e é,
novembro de 2013. em parte, similar ao que ocorreu com a geração de dados estatísticos de
produção da pesca nacional. A diferença é que neste caso não se pode
Com base nos dados dessas fontes e constantes da Tabela 7, fica evi-
falar de desestruturação da coleta e sistematização de dados. Entretanto,
dente os seguintes principais aspectos:
as deficiências na qualidade dos dados e, especialmente, a pouca abran-
• A quantidade de empresas que constam na base do SisRGP/MPA, gência destes, quando se considera o universo (todas as unidades da Fe-
em 2012, corresponde a apenas 23% da quantidade registrada no deração), chega a ser incompreensível. A perplexidade decorre do fato de
RGP/Sudepe em 1982. se viver em um momento no qual a informática, entre outras facilidades,
• Quando comparamos os dados do SisRGP/MPA, em 2012, com os oferece condições infinitamente superiores àquelas de 1982, mas, mes-
de pessoas jurídicas constantes do CTF/Ibama, em novembro de mo assim, aquelas informações parecem ser bem mais representativas
2013, representaram apenas 3,9%. daquele momento.

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do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 65

Tabela 7 Quadro comparativo do número de empresas, considerando os dados do RGP/Sudepe-1982, do SisRGP/MPA-2012 e do CTF/Ibama-2013, bem como a comparação do número de armadores registrados nas duas primeiras fontes
(SUDEPE, 1984; MPA, 2013; CTF/IBAMA, 2013).
Variação Variação entre as
Nº de empresas Nº de empresas Nº de pessoas Nº de armadores Nº de armadores Variação entre as
entre as bases de bases de dados:
Estado/Região (SUDEPE (MPA- jurídicas (SUDEPE (MPA bases de dados:
dados: MPA/CTF-IBAMA
-RGP/1982) SisRGP/2012) (CTF/IBAMA)1 -RGP/1982) -SisRGP/2012) MPA/SUDEPE (%)
MPA/SUDEPE (%) (%)
NORTE 35 23 65,7 203 12,3 216 118 54,6
AC 0 0 0 8 0 4 0 0
AM 12 0 0 50 0 133 0 0
AP 1 0 0 5 0 10 0 0
PA 22 23 104 113 20,4 57 118 207
RO 0 0 0 5 0 12 0 0
RR 0 0 0 6 0 0 0 0
TO 0 0 0 16 0 0 0 0
NORDESTE 73 14 19,2 851 1,6 378 1 0,3
MA 11 0 0 42 0 7 0 0
PI 2 0 0 35 0 2 0 0
CE 22 6 27,3 402 1,5 204 0 0
RN 10 4 40 148 2,7 55 1 1,8
PB 7 0 0 26 0 10 0 0
PE 12 3 25 84 3,6 17 0 0
AL 2 0 0 10 0 31 0 0
SE 1 0 0 9 0 5 0 0
BA 6 1 16,7 95 1,1 47 0 0
CENTRO-OESTE 5 0 0 99 0 0 0 0
DF 0 0 0 10 0 0 0 0
GO 2 0 0 39 0 0 0 0
MT 1 0 0 22 0 0 0 0
MS 2 0 0 12 0 0 0 0
SUDESTE 93 12 12,9 571 2,1 590 355 60,2
ES 3 2 66,7 33 6,1 26 219 842,3
MG 0 0 0 97 0 0 0 0
RJ 41 6 14,6 89 6,7 207 117 56,5
SP 49 4 8,2 352 1,1 357 19 5,3
SUL 112 24 21,4 158 15,2 132 1.332 1.009,10
PR 6 0 0 65 0 16 2 12,5
SC 64 7 10,9 56 12,5 105 1.213 1.155,20
RS 42 17 40,5 37 45,9 11 117 1.063,60
TOTAL 318 73 23 1.866 3,9 1.316 1.807* 137,3 Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
* Para um armador não é informado a que UF fica sediado ou pertence. dos Recursos
Naturais Renováveis
¹ Foram consideradas as pessoas jurídicas registradas no CTF/Ibama como usuárias de recursos naturais – exploração de recursos aquáticos vivos e explotação de recursos aquáticos vivos – Aquicultura (consulta realizada em novembro/2013).
66 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

O caso é ainda mais incompreensível se for considerado que tanto as Tabela 8 Frequência absoluta e relativa, por estado e região, do número de empreendimentos aquícolas registrados
empresas quanto os armadores são obrigados, por força de lei, a procurarem e com licença ambiental no Brasil .
o MPA para se registrar e, em decorrência, exercer a atividade.
Total de Registrado
Se os aspectos abordados anteriormente representam a realidade ins- UF Região
Registro
% Região
com Licença
titucional da pesca nacional, o SisRGP/MPA encontra-se muito longe de repre-
TOTAL GERAL 2.367 722 31%
sentar o quadro atual da atividade pesqueira no Brasil.
NORTE 1.246 53% 466 37%
Perfil da aquicultura RO 322 299 93%
AC 657 108 16%
em 2012 existiam no Brasil 2.367 empreendimentos aquícolas inscritos PA 97 3 3%
do RGP, dos quais 1.246 (53%) sediados na Região Norte, 532 (22%) na Nordes- AM 94 31 33%
te, 397 (17%) na Sudeste, 163 (17%) na Sul e 29 (1,2%) na Centro-Oeste (Tabe- RR 51 20 39%
AP 7 2 29%
la 8).
TO 18 3 17%
Das unidades da Federação com o maior número de empreendimentos, o NORDESTE 532 22% 190 36%
Acre tem, disparado, o maior número (657), seguido por Rondônia (322), Ceará CE 201 65 32%
(201), São Paulo (182), Piauí (112), Rio de Janeiro (107) e Santa Catarina (103). PI 112 16 14%
RN 49 44 90%
Com base nos dados da Tabela 8, podemos constatar que é muito MA 63 36 57%
preocupante o número de empreendimentos de aquicultura sem licença am- PE 20 11 55%
biental (69%), o que torna a situação dessa grande maioria de empreendimen- PB 24 8 33%
SE 43 7 16%
tos bastante vulnerável e, mesmo, insegura, já que estão ilegais.
AL 5 2 40%
Mesmo o MPA tendo apontado uma contínua evolução no trabalho e BA 15 1 7%
na aplicação do número de empreendimentos registrados no SisRGP, consta- SUDESTE 397 17% 28 7%
MG 89 17 19%
ta-se a gritante defasagem entre a provável quantidade de aquicultores, em
ES 19 7 37%
cada unidade da Federação, e os inscritos no ministério. Sobre esse aspecto RJ 107 3 3%
(MPA, 2013), compara os números levantados no censo agropecuário realiza- SP 182 1 1%
do em 2006 pelo IBGE com os constantes no SisRPG, no qual aquele apontou SUL 163 7% 24 15%
um total de 19.841 empreendimentos e no RGP consta apenas 2.367 ou SC 103 13 13%
11,9% (Tabela 9). PR 47 6 13%
RS 13 5 38%
Na realidade, como a comparação entre as fontes é de dados de 2006 CENTRO-OESTE 29 1,2% 14 48%
contra 2012, portanto, com uma defasagem de 6 anos, e o incremento anual MT 16 2 13%
de empreendimentos nesse período é apontado como muito significativo, cer- MS 11 11 100%
GO 0 0 0%
tamente essa diferença é ainda maior.
DF 2 1 2%
A situação de ilegalidade dos empreendimentos seja por falta de regis-
Fonte: MPA (2013).
tros no SisRGP (próximo de 90%), seja por não possuir licença ambiental
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e (69%, dos quais 46% informam encontrar-se com o licenciamento em anda- Outro aspecto relevante dos empreendimentos aquícolas está rela-
dos Recursos mento), mostra a necessidade e o desafio de o MPA se fazer presente e incluir cionado ao tipo de atividade desenvolvida. Sob esse aspecto, a Tabela 10
Naturais Renováveis esse segmento no mundo legal. evidencia, segundo os registrados no SisRGP, que 1.531(62%) realizam pisci-
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 67

cultura em tanques escavados, 426 (17,4%) realizam piscicultura em tanque Tabela 10 Distribuição dos aquicultores registrados em números absolutos e relativos, por atividade e por região.
-rede, 111 (4,5%) trabalham com produção de organismos ornamentais, 105
(4,3%) com carcinicultura marinha etc.

Participação por

Centro-Oeste
atividade (%)
Total Geral

Nordeste

Sudeste
Norte
Atividades

Sul
Tabela 9 Quadro comparativo do número de empreendimentos aquícolas do censo agropecuário 2006 versus o
do RGP.
Censo Piscicultura em Tanque-escavado 1.531 62,7% 25 145 1.228 102 31
Comparação RGP Aquicultor
UF Agropecuário
com RGP (%) 2012 Piscicultura de Tanque-rede 426 17,4% 4 191 11 196 24
IBGE 2006
Prod. de Ornamentais 111 4,5% 4 21 1 71 14
TOTAL GERAL 19.841 11,9% 2.367
Carcinicultura marinha 105 4,3% - 98 2 1 4
RR 36 142% 51
Malacocultura 86 3,5% - 2 - 26 58
AC 470 140% 657
RO 503 64% 322 Prod. Formas jovens 85 3,5% 2 16 30 25 12
CE 477 42% 201 Carcinicultura de água doce 38 1,6% - 23 12 3 -
RJ 326 33% 107 Pesque-pague 32 1,3% - - 3 29 -
PI 473 24% 112 Algicultura 18 0,7% - 1 - 16 1
SP 811 22% 182
Ranicultura 10 0,4% - 1 1 7 1
RN 220 22% 49
AM 449 21% 94 Fonte: MPA (2013).
AP 38 18% 7
TO 120 15% 18
2.1.8 As exportações
SE 380 11% 43
O comportamento observado para as exportações, no período de 1996
PE 257 7,8% 20
a 2010, é apresentado na Figura 18, onde fica evidente que houve tendência
PA 1.290 7,5% 97
MG 1.197 7,4% 89
de crescimento até 2004, quando foi atingido o valor máximo da ordem de
MS 167 6,6% 11
432 milhões de dólares. A partir de então, decresceu sucessivamente até
MT 267 6,0% 16 2009, quando regrediu para 169 milhões de dólares, apresentando pequena
PB 407 5,9% 24 recuperação no ano seguinte.
ES 369 5,1% 19
Os cinco principais países compradores dos produtos pesqueiros do
MA 1.415 4,5% 63
Brasil, nos últimos anos, são: Estados Unidos, França, Espanha, Japão e China,
BA 414 3,6% 15
cuja colocação tem apresentado alguma variação de ano para ano (IBAMA,
DF 72 2,8% 2
PR 1.751 2,7% 47
2009 e MPA, 2011, 2012).
SC 4.697 2,2% 103 Já os produtos exportados que mais contribuem para a geração de divi-
AL 269 1,9% 5 sas, historicamente, são: os crustáceos (lagostas e camarões), com cerca de
RS 2.454 0,5% 13 50% das divisas geradas, e os peixes, com destaque para o pargo, outros peixes
GO 512 0% -
frescos, preparações e conservas de atuns, e outros peixes congelados (IBA-
Fonte: MPA (2013). MA, 2009 e MPA, 2010, 2012). Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
Essa tabela apresenta, ainda, a distribuição absoluta das atividades Segundo as fontes anteriores, o preço médio do quilo do produto ex- dos Recursos
Naturais Renováveis
dos empreendimentos, por região do País. portado é, aproximadamente, US$ 7,00.
68 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

xes congelados (destaque para a merluza) e as sardinhas congeladas (IBAMA,


2009; MPA, 2010, 2012).
As fontes citadas apontam que o Brasil tem como importadores dominantes,
nos últimos anos, os seguintes países: Noruega, Chile, Argentina, Portugal, Marrocos
e China.
Das unidades da Federação que mais importam, destacam-se: São Paulo, Rio
de Janeiro, Santa Catarina e Pernambuco.
Segundo as fontes mencionadas, o preço médio do quilo do produto
importado tem ficado, nos últimos anos, em torno de US$ 3,00 o quilo.
2.1.10 Saldo da balança comercial e do intercâmbio de produtos
pesqueiros
No período considerado, o saldo da balança comercial só foi positivo
entre 2001 e 2005. A partir de 2006, o saldo foi negativo, com o recorde em
Figura 18 Comportamento da balança comercial de produtos pesqueiros – 1996 a 2010. 2010 da ordem de 785 milhões de dólares, quando foram exportados 216 mi-
Fonte: Secex – MDIC apud Ibama 2008 e 2009, e MPA, 2010 e 2012. lhões de dólares e importado pouco mais de um bilhão de dólares (Figura 18).
As unidades da Federação que mais exportaram foram Ceará, Rio Cabe evidenciar que o preço médio do quilo do produto exportado pelo
Grande do Norte, Pará, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, cuja posição pode Brasil tem sido pouco mais que o dobro do preço médio das importações,
ser alternada de um ano para o outro. conforme valores já informados nos dois itens anteriores. Essa importante di-
ferença positiva entre o preço médio do quilo de produto exportado pelo Brasil,
2.1.9 As importações
diante do preço médio do quilo importado, deve-se ao fato de serem exporta-
O comportamento das importações é apresentado na Figura 18, onde dos, dominantemente, produtos com maior valor no mercado internacional
é possível observar que entre 1996 e 2003 houve tendência de queda nas como as lagostas e os camarões. Por seu turno, nas importações domina a
importações, partindo de 484 milhões, no primeiro ano, e caindo para 203 entrada de produtos com menor valor comercial, como o bacalhau salgado-
milhões de dólares no último ano. Entretanto, de 2004 a 2010, ocorreu ten- seco, o salmão, a merluza e as sardinhas.
dência de forte e continuado crescimento cujas importações atingiram no úl- Em função do exposto, se as diferenças em valores (dólares) das im-
timo ano da série, aproximadamente, um bilhão de dólares, portanto, próximo portações dos anos de 2009 e 2010 foram superiores às exportações, respec-
ao quádruplo do registrado em 2003. tivamente, em 4,1 e 4,6 vezes, quando se considera as quantidades (em tone-
O comportamento descrito anteriormente deve-se a uma conjugação ladas), verifica-se que as importações foram superiores em 5,8 e 7,5,
de fatores, tendo, entretanto, como eventos principais para a explicação do respectivamente, conforme pode ser verificado na Figura 19.
crescimento das importações, a recuperação do poder aquisitivo do brasileiro Importa ponderar, portanto, que se os saldos das importações, em dóla-
e a desvalorização do dólar diante do real, o que propiciou maior demanda res, sempre foram superiores aos das saídas (exportações), os saldos das quan-
Instituto Brasileiro pelos pescados estrangeiros. tidades (em toneladas) das importações, como era de se esperar, sempre foram
do Meio Ambiente e
dos Recursos Dos produtos que o Brasil importa, os historicamente mais representa- positivadas, conforme ilustra a Figura 12, só que numa proporção positiva bem
Naturais Renováveis
tivos são: os bacalhaus salgados e secos, o salmão-do-pacífico, filés de pei- superior, em decorrência das diferenças nos preços dos produtos.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 69

de 1996 a 2010, evidenciando que, no período, não foram exportados mais


pescados do que as importações e que as maiores entradas foram registradas
em 1996 (263.957 t) e 2010 (285.592 t), e as maiores saídas entre 2002 e
2004, com o máximo em 2003, registrando um quantitativo da ordem de
113.722 toneladas.
Ao se considerar o total dos intercâmbios de pescado (em toneladas)
no período, observa-se que as maiores quantidades ocorreram em 1996
(239.081 t) e 2010 (247.388 t) e a menor em 2003 (38.792 t).
Finalizando, subtraindo a quantidade (toneladas) de produtos ex-
portados do total da produção nacional e, em seguida, comparando o sal-
do com o total de importações, é possível concluir que em 2010 cerca de
20% do pescado utilizado para alimento no Brasil teve origem nas impor-
Figura 19 Comportamento dos totais e saldos resultantes do intercâmbio de produtos pesqueiros (quantidades exportadas e tações.
importadas) do Brasil – 1996 a 2010.
Serão abordados, nos próximos itens, os condicionantes legais que re-
Fonte: Secex – MDIC apud IBAMA, 2008, 2009; MPA, 2010, 2012.
gem o exercício da pesca, os aspectos ambientais que determinam a disponi-
A Figura 19 ilustra, ainda, o comportamento das quantidades, em tone- bilidade e a potencialidade dos recursos pesqueiros para a pesca, assim como
ladas, resultantes do intercâmbio de produtos pesqueiros do Brasil, no período as principais modalidades de pesca utilizadas no Brasil.

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
Fonte: Haimovici (2009).
71

2.2 ASPECTOS
NO BRASIL
DO USO DA BIODIVERSIDADE AQUÁTICA

2.2.1 Condicionantes Legais um direito, um dever e uma prescrição de normas. O direito, que se cons-
titui em direito fundamental, embora não explicitado no capítulo corres-
Nas condicionantes legais será abordada a questão da propriedade da pondente: direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial
biodiversidade aquática (recursos pesqueiros) e as regras gerais para o exer- à sadia qualidade de vida; o dever, que se refere ao Estado e à coletivida-
cício da pesca no Brasil. Os aspectos legais específicos sobre a pesca conti- de: defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado
nental e marítima, recurso-alvo e métodos de pesca serão analisados em cada para as presentes e futuras gerações; a prescrição de normas impositivas
uma dessas situações. de conduta, incluindo normas-objetivo, visando assegurar o que expressa
A questão da propriedade da biodiversidade aquática no Brasil como direito.
A biodiversidade aquática no Brasil, historicamente, era considerada Adianta, ainda, que o meio ambiente ecologicamente equilibrado, a
juridicamente como de propriedade comum (res nullius) até 1988. Apesar de que todos têm o direito de usufruir, é, simultaneamente, um direito social e
tal situação jurídica, o Estado brasileiro exercia tutela sobre tais bens, contro- individual, sendo que desse direito de fruição não advém nenhuma prerrogati-
lando o acesso e regulamentando as condições de pesca para as principais va privada, pois sua realização está intrinsecamente ligada à realização social.
espécies. Essa situação se modificou substancialmente a partir da promulga- Dessa forma, o meio ambiente como macrobem, como patrimônio co-
ção da Constituição Federal de 1988, que permitiu enquadrar a biodiversidade letivo, é sempre um bem público, não podendo, segundo o entendimento de
aquática como de propriedade da União Federal (art. 20) não alienável, como Dornelles (1999), ser privatizado. Esse patrimônio, ao tornar-se necessário à
os estoques, pois assim se constituem um macrobem ambiental (MARRUL- realização material dos indivíduos e da sociedade, passa, porém, a admitir que
FILHO, 2003). algumas de suas partes constituintes, entendidas como microbens, venham a
As mudanças constitucionais também levaram a biodiversidade aquá- ser públicas ou privadas. No último caso, por meio de ato administrativo dis-
tica ao status jurídico de recursos ambientais, portanto, considerada como cricionário e precário, condicionado ao interesse público.
bem a ser preservado em prol da coletividade, conforme definido no art. 225
Marrul-Filho (op. cit.) destaca que é fundamental observar, nesse caso,
da Constituição Federal, ao estatuir que “todos têm direito ao meio ambiente
que tanto os bens ambientais privados quanto os públicos, para os quais se
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
admite apropriação privada, estão regidos pelo princípio do interesse coletivo
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
ou social, em que a sociedade é representada unida em torno de um interesse
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Instituto Brasileiro
comum, não se esquivando das evidentes diferenças nem unindo idealistica- do Meio Ambiente e
Marrul-Filho (op. cit.) observa que tal dispositivo constitucional contém mente todos, independentemente de suas diferenças sociais, num messiâni- dos Recursos
Naturais Renováveis
os três elementos fundamentais da organização de uma sociedade política: co interesse comum.
72 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Concluindo, destaca que ao direito de usufruir um meio ambiente eco- II - do processo reprodutivo das espécies e de outros processos vitais
logicamente equilibrado corresponde o dever de protegê-lo para as presentes para a manutenção e a recuperação dos estoques pesqueiros;
e futuras gerações. III - da saúde pública;
Regras gerais para o uso da biodiversidade aquática (exercício da pesca) IV - do trabalhador.
no Brasil
§ 1º Sem prejuízo do disposto no caput deste artigo, o exercício da ati-
Em decorrência e em sintonia com os aspectos jurídicos apresentados vidade pesqueira é proibido:
no item anterior, abordaremos, a seguir, o arcabouço legal específico, que I - em épocas e nos locais definidos pelo órgão competente;
condiciona o uso público ou privado desse bem da União e, portanto, o exer-
cício da pesca. II - em relação às espécies que devam ser preservadas ou espécimes
com tamanhos não permitidos pelo órgão competente;
Adianta-se, por oportuno, que as principais regras que disciplinam o
uso da biodiversidade aquática ou a pesca por bacia hidográfica, ecossiste- III - sem licença, permissão, concessão, autorização ou registro expedi-
mas marinhos, métodos de pesca, espécie ou grupos de espécies etc. serão do pelo órgão competente;
abordadas quando forem discutidos cada um desses aspectos. IV - em quantidade superior à permitida pelo órgão competente;
Condicionantes para o uso da biodiversidade V - em locais próximos às áreas de lançamento de esgoto nas águas,
aquática pela pesca com distância estabelecida em norma específica;
A seguir, alguns dispositivos da Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009, VI - em locais que causem embaraço à navegação;
que regulamenta o exercício da pesca no Brasil. VII - mediante a utilização de:
“ ..................................................................... a) explosivos;
Art. 5º O exercício da atividade pesqueira somente poderá ser realiza- b) processos, técnicas ou substâncias que, em contato com a água,
do mediante prévio ato autorizativo emitido pela autoridade competente, asse- produzam efeito semelhante ao de explosivos;
guradas: c) substâncias tóxicas ou químicas que alterem as condições naturais
I - a proteção dos ecossistemas e a manutenção do equilíbrio ecológico, da água;
observados os princípios de preservação da biodiversidade e o uso sustentável d) petrechos, técnicas e métodos não permitidos ou predatórios.
dos recursos naturais;
§ 2º São vedados o transporte, a comercialização, o processamento e a
II - a busca de mecanismos para a garantia da proteção e da seguridade industrialização de espécimes provenientes da atividade pesqueira proibida.
do trabalhador e das populações com saberes tradicionais; .....................................................................
III - a busca da segurança alimentar e a sanidade dos alimentos produ- Art. 9º Podem exercer a atividade pesqueira em áreas sob jurisdição
zidos. brasileira:
Art. 6° O exercício da atividade pesqueira poderá ser proibido transitó- I - as embarcações brasileiras de pesca;
Instituto Brasileiro ria, periódica ou permanentemente, nos termos das normas específicas, para
do Meio Ambiente e II - as embarcações estrangeiras de pesca cobertas por acordos ou
a proteção:
dos Recursos tratados internacionais firmados pelo Brasil, nas condições neles estabelecidas
Naturais Renováveis
I - de espécies, áreas ou ecossistemas ameaçados; e na legislação específica;
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 73

III - as embarcações estrangeiras de pesca arrendadas por empresas, Art. 25 A autoridade competente adotará, para o exercício da atividade pes-
armadores e cooperativas brasileiras de produção de pesca, nos termos e con- queira, os seguintes atos administrativos:
dições estabelecidos em legislação específica.
I - concessão: para exploração por particular de infraestrutura e de ter-
§ 1º Para os efeitos desta Lei, consideram-se equiparadas às embarca- renos públicos destinados à exploração de recursos pesqueiros;
ções brasileiras de pesca as embarcações estrangeiras de pesca arrendadas
II - permissão: para transferência de permissão; para importação de
por pessoa física ou jurídica brasileira.
espécies aquáticas para fins ornamentais e de aquicultura, em qualquer fase
§ 2º A pesca amadora ou esportiva somente poderá utilizar embarca- do ciclo vital; para construção, transformação e importação de embarcações
ções classificadas pela autoridade marítima na categoria de esporte e recreio. de pesca; para arrendamento de embarcação estrangeira de pesca; para pes-
quisa; para o exercício de aquicultura em águas públicas; para instalação de
Art. 10 Embarcação de pesca, para os fins desta Lei, é aquela que,
armadilhas fixas em águas de domínio da União;
permissionada e registrada perante as autoridades competentes, na forma da
legislação específica, opera, com exclusividade, em uma ou mais das seguin- III - autorização: para operação de embarcação de pesca e para opera-
tes atividades: ção de embarcação de esporte e recreio, quando utilizada na pesca esportiva;
e para a realização de torneios ou gincanas de pesca amadora;
I - na pesca;
IV - licença: para o pescador profissional e amador ou esportivo; para o
II - na aquicultura;
aquicultor; para o armador de pesca; para a instalação e operação de empresa
III - na conservação do pescado; pesqueira;
IV - no processamento do pescado; V - cessão: para uso de espaços físicos em corpos d’água sob jurisdi-
V - no transporte do pescado; ção da União, dos Estados e do Distrito Federal, para fins de aquicultura.

VI - na pesquisa de recursos pesqueiros. § 1º Os critérios para a efetivação do Registro Geral da Atividade Pes-
queira serão estabelecidos no regulamento desta Lei.
§ 1º As embarcações que operam na pesca comercial se classificam em:
§ 2º A inscrição no RGP é condição prévia para a obtenção de concessão,
I - de pequeno porte: quando possui arqueação bruta – AB igual ou permissão, autorização e licença em matéria relacionada ao exercício da ativida-
menor que 20; de pesqueira.
II - de médio porte: quando possui arqueação bruta – AB maior que 20 Art. 26 Toda embarcação nacional ou estrangeira que se dedique à pes-
(vinte) e menor que 100; ca comercial, além do cumprimento das exigências da autoridade marítima,
III - de grande porte: quando possui arqueação bruta – AB igual ou deverá estar inscrita e autorizada pelo órgão público federal competente.
maior que 100. Parágrafo único. A inobservância do disposto no caput deste artigo im-
............................................................................. plicará a interdição do barco até a satisfação das exigências impostas pelas
autoridades competentes.
Art. 24 Toda pessoa, física ou jurídica, que exerça atividade pesqueira
bem como a embarcação de pesca devem ser previamente inscritas no Regis- ...........................................................................
tro Geral da Atividade Pesqueira - RGP, bem como no Cadastro Técnico Federal Art. 31 A fiscalização da atividade pesqueira abrangerá as fases de pes-
- CTF na forma da legislação específica. ca, cultivo, desembarque, conservação, transporte, processamento, armazena-
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
Parágrafo único. Os critérios para a efetivação do Registro Geral da mento e comercialização dos recursos pesqueiros, bem como o monitoramento dos Recursos
Naturais Renováveis
Atividade Pesqueira serão estabelecidos no regulamento desta Lei. ambiental dos ecossistemas aquáticos.
74 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Parágrafo único. A fiscalização prevista no caput deste artigo é de com- com fins comerciais, atendidos os critérios estabelecidos em legislação espe-
petência do poder público federal, observadas as competências estadual, dis- cífica;
trital e municipal pertinentes. II – Pescador Profissional na Pesca Artesanal: aquele que exerce a ati-
Art. 32 A autoridade competente poderá determinar a utilização de vidade de pesca profissional de forma autônoma ou em regime de economia
mapa de bordo e dispositivo de rastreamento por satélite, bem como de qual- familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria,
quer outro dispositivo ou procedimento que possibilite o monitoramento a dis- podendo atuar de forma desembarcada ou utilizar embarcação de pesca com
tância e permita o acompanhamento, de forma automática e em tempo real, da Arqueação Bruta (AB) menor ou igual a 20 (vinte); e
posição geográfica e da profundidade do local de pesca da embarcação, nos III – Pescador Profissional na Pesca Industrial: aquele que, na condição
termos de regulamento específico. de empregado, exerce a atividade de pesca profissional em embarcação de
Art. 33 As condutas e atividades lesivas aos recursos pesqueiros e ao pesca com qualquer AB.
meio ambiente serão punidas na forma da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de ...............................................
1998, e de seu regulamento. Art. 8º A Licença de Pescador Profissional servirá como documento de
..............................................................................” (grifos nossos) autorização para o exercício da atividade de pesca e de identificação do inte-
ressado junto aos demais órgãos governamentais competentes.
A Lei nº 11.959/2009, transcrita em parte, está regulamentada pela
Instrução Normativa nº 6, de 29 de junho de 2012, quanto aos procedimentos ........................................................................
administrativos para a inscrição de pessoas físicas no Registro Geral da Ativi- Art. 11. A Licença de Pescador Profissional será válida por período inde-
dade Pesqueira, na categoria de Pescador Profissional, no âmbito do MPA. terminado.
A citada IN contempla: §1° Para efeito de validade da Licença de Pescador, o MPA publicará
“............................................................................ em seu endereço eletrônico a relação oficial de todos os pescadores profissio-
nais e sua respectiva situação junto ao RGP.
Art. 1º Estabelecer normas, critérios e procedimentos para a inscrição
§2° O disposto no caput não se aplica à Licença de Pescador Profissio-
de pessoas físicas no Registro Geral da Atividade Pesqueira - RGP nas catego-
nal estrangeiro, tendo esta validade de 1 (um) ano, a contar da data de sua
rias de Pescador Profissional Artesanal e de Pescador Profissional Industrial.
emissão.
§ 1º Para fins do disposto no caput, poderá se inscrever no RGP a pes-
.......................................................................”.
soa física em pleno exercício de sua capacidade civil, brasileiro nato ou natu-
ralizado, assim como o estrangeiro portador de autorização para o exercício Já a Instrução Normativa Interministerial MPA/MMA nº 10, de 10 de
profissional no País, desde que atendam os demais requisitos estabelecidos junho de 2011, aprova as normas gerais e a organização do sistema de per-
nesta Instrução Normativa. missionamento de embarcações de pesca para acesso e uso sustentável dos
recursos pesqueiros, cujos principais aspectos transcreveremos a seguir.
§ 2º A Licença de Pescador Profissional Artesanal ou Industrial será
considerada documento comprobatório de inscrição do interessado no RGP. “......................................................................
Art. 1º Aprovar as normas gerais e a organização do sistema de per-
Instituto Brasileiro Art. 2º Para efeitos desta Instrução Normativa, entende-se por:
do Meio Ambiente e missionamento de embarcações de pesca para acesso e uso sustentável dos
dos Recursos I – Pescador profissional: a pessoa física, brasileira ou estrangeira resi- recursos pesqueiros, com definição das modalidades de pesca, espécies a
Naturais Renováveis
dente no País que, licenciada pelo órgão público competente, exerce a pesca capturar e áreas de operação permitidas.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 75

Parágrafo único. Os procedimentos administrativos e operacionais do de quantidades significativas de biodiversidade aquática com grandes biomas-
sistema de permissionamento de que trata o caput serão definidos em ato sas em cada estoque (BRASIL, 2006).
normativo do Ministério da Pesca e Aquicultura. Apesar dos importantes ecossistemas e das suas dimensões, confor-
A Instrução Normativa evidencia que as concessões decorren- me discutido anteriormente, a biodiversidade do ambiente marinho é caracte-
tes do sistema de permissionamento de embarcações de pesca são rizada por elevada quantidade de espécies, que foram estimadas por Sabino e
ato administrativo discricionário e precário, condicionado ao interesse Prado (2003) em mais de 1.300. Entretanto, para cada espécie domina um
público. estoque com baixa biomassa (BRASIL, 2006), com algumas exceções, como
a da sardinha-verdadeira, quando na fase de estoque em equilíbrio, e o da
Outro conjunto, com grande número de regras específicas, regulamen-
anchoíta, ainda não explotada até o momento, por inviabilidade econômica de
ta demais aspectos da Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009, como métodos
toda a cadeia produtiva.
de pesca proibidos; áreas permanentemente interditadas para a pesca; épo-
cas de defeso; de mitigação de esforço de pesca; tamanhos mínimos e máxi- Importa ponderar que das espécies com potenciais significativos seja
mos de captura etc., que, em parte, serão abordados quando discutirmos as pelo volume de biomassa, seja pelo valor econômico, a totalidade já está em
principais pescarias por área e/ou espécie, ou grupos de espécies tanto de uso pleno ou, mesmo, em sobreuso para cada recurso. Exceções existem, são
águas continentais como marítimas. conhecidas e o não uso destas está relacionado com questões tecnológicas
ou de mercado, como é o caso da anchoíta.
2.2.2 Condicionantes ambientais
Características e o potencial das bacias hidrográficas
Nas condicionantes ambientais serão evidenciadas as principais carac-
O Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) define 12 regiões hidro-
terísticas e pontencialidades dos ambientes marinhos e das bacias hidrográfi-
gráficas para o Brasil: Amazônica, Tocantins-Araguaia, Atlântico Nordeste Oci-
cas, e a classificação dos recursos pesqueiros desses ambientes
dental, Parnaíba, Atlântico Nordeste Oriental, Atlântico Leste, São Francisco,
Principais características e potencial do ambiente marinho Paraguai, Paraná, Atlântico Sudeste, Uruguai e Atlântico Sul (BRASIL, 2011).
O Ministério do Meio Ambiente (BRASIL, 2010) informa que a Essas regiões acumulam, aproximadamente, 12% da disponibilidade mundial
zona costeira e marinha brasileira abrange uma área de, aproximada- de recursos hídricos, que é de 1,5 milhão de m3/s, sendo que a Amazônica
mente, 4,5 milhões de km², integrada pelo mar territorial brasileiro, as detém 73,6% dos recursos hídricos superficiais. Ou seja, a vazão média dessa
ilhas costeiras e oceânicas, a plataforma continental (incluída a área de região é quase três vezes maior que a soma das vazões das demais regiões
712 mil km², incorporada como extensão da plataforma continental, hidrográficas (ANA, 2009).
aprovada pela Organização das Nações Unidas em maio de 2007) e a O Brasil não dispõe de bancos de dados específicos sobre os ecossis-
zona econômica exclusiva (ZEE). O Brasil abriga, ainda, a maior exten- temas aquáticos continentais (hidromorfologia, biodiversidade e caracterís-
são contínua de manguezais do mundo, correspondendo a 1,3 milhão de ticas físicas e químicas regionais). Os dados existentes de monitoramento
hectares, e os únicos ambientes recifais do Atlântico Sul, distribuídos ao dos ambientes aquáticos ainda não incluem variáveis biológicas (BRASIL,
longo de três mil quilômetros. 2011).
A despeito dos aspectos anteriormente apontados, o mar que banha a Segundo Sabino e Prado (2003), o Brasil tem a maior diversidade de
costa do Brasil é caracterizado pela predominância de condições oligotróficas, Instituto Brasileiro
peixes de águas continentais no mundo, possuindo mais de 2.500 espécies do Meio Ambiente e
que determina uma baixa concentração de nutrientes e, em consequência, registradas, e inúmeras espécies não descritas ou desconhecidas pela comu- dos Recursos
Naturais Renováveis
reduzida produtividade, não oferecendo, portanto, condições para a existência nidade científica, apontando para estimativas da ordem de 5.000.
76 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Não existem, entretanto, informações consolidadas sobre o potencial


para o uso da biodiversidade das águas continentais (estimativa da biomassa
total e fração passível de uso sustentável) do Brasil. Esse fato deve-se, em
parte, à grande diversidade de ambientes (bacias) e às dimensões, conforme
abordado anteriormente.
A literatura apresenta, entretanto, informações fragmentadas do poten-
cial de determinado ambiente (barragem, bacia ou parte de uma bacia etc.).
Para a Bacia Amazônica, Petrere et al. (1992) estimaram um potencial entre 425
mil t/ano e 1.500 mil t/ano. Já Batista (2004), comparando as produtividades,
informa que a do Médio Solimões é duas a três vezes superior às registradas
para outras regiões da Amazônia. Paiva (1976) estimou que o potencial pesquei-
ro de 46 grandes represas brasileiras era da ordem de 123.091 t/ano.
Características de parte da biodiversidade aquática denominada recursos
pesqueiros
Quando se fala em uso ou pesca de parte da biodiversidade aquática,
a primeira imagem que vem à mente é a de um peixe, entretanto, no Brasil
o termo “recurso pesqueiro” é usado para incluir este e outros seres vivos
aquáticos que são utilizados na coleta, pesca e cultivos com distintos fins.
Dessa forma, segundo a Lei n° 11.959/2009, recursos pesqueiros são
todos os “animais e vegetais hidróbios passíveis de exploração, estudo ou
pesquisa pela pesca amadora, de subsistência, científica, comercial e pela
aquicultura” (art. 2°, inciso I).
Do ponto de vista do interesse para a segurança alimentar e aproveita-
mento econômico, os peixes, crustáceos e moluscos, na atualidade, desta-
Figura 20 Cardume de tunídeos.
cam-se dos demais seres vivos aquáticos e, segundo seu comportamento em Fonte: ICCAT(2012).
relação à região da água onde dominantemente vivem, são ecologicamente
classificados como: • Demersais: são aqueles que vivem a maior parte do tempo próximos
ao leito ou ao fundo dos ambientes aquáticos e em associação com
• Pelágicos: peixes que vivem, geralmente, na coluna superior dos o substrato seja ele um fundo arenoso, de lama, de cascalho ou ro-
corpos d’água, portanto, próximos à superfície. Como exemplos, po- choso. São as lagostas, o mero (Figura 21), os camarões e os lingua-
demos citar a sardinha, os atuns (Figura 20) e a anchova. dos.

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 77

(a) (b)

Figura 21 Exemplares de lagosta (a) na época da correição e (b) mero.


Fonte: MMA (2011) e acervo do Tamar.

Existem, ainda, os batipelágicos, que nadam livremente em águas de > Catádromos: os que vivem nos rios, mas migram para se reprodu-
grandes profundidades, e os mesopelágicos, representados pelas espécies zir no mar.
que fazem grandes migrações verticais diárias, podendo aproximar-se da su-
perfície durante a noite e permanecer em águas profundas, no decorrer do > Anfídromos: os peixes que mudam seu habitat, normalmente por
período, com luminosidade solar significativa. relações fisiológicas ligadas à sua ontogenia, realizam migração
das águas continentais (doce) para as águas marinhas (salgada),
Quanto ao comportamento migratório, os peixes e outros animais durante a vida, não estando, portanto, vinculados ao processo de
aquáticos podem ser classificados como: reprodução.
• Diádromos: os animais aquáticos que realizam migrações entre os • Potamódromos: os peixes que realizam suas migrações sempre em
rios e o mar, e podem ser subdivididos, ainda, de acordo com os ci- águas continentais (doce), dentro de um rio ou de um rio para um
clos que vivem em cada tipo de habitat, como: lago ou, ainda, do lago para um rio. A piracema (Figura 22) é um fe- Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
> Anádromos: quando vivem geralmente no mar, mas migram para nômeno típico desse sistema de migração, no qual os peixes sobem dos Recursos
se reproduzir em água doce. o rio, anualmente, no período das chuvas, para realizar a reprodução; Naturais Renováveis
78 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Figura 22 Cardumes em piracema (migração reprodutiva).


Fonte: domínio público.

• Oceanódromos: os peixes que realizam suas migrações sempre em ções de alimentação. Outras migrações são vinculadas aos fenômenos repro-
águas marinhas, como os atuns, considerados peixes altamente dutivos, como é o caso da piracema.
migradores. Existem, ainda, os peixes considerados residentes, assim denominados por
As causas da migração são várias, algumas, como já apontadas, vincu- não realizar migrações e, portanto, permanecem sempre em determinado ambiente.
ladas às relações fisiológicas ligadas à ontogenia. Adicionalmente, os peixes Os peixes podem, também, viver agregados em grandes cardumes,
são motivados a realizar migrações relacionadas às condições de temperatu- como é o caso das sardinhas (Figura 23), ou, dominantemente, segregados ou
ra, de correntes oceanográficas, bem como para a busca de melhores condi- isolados, como ocorre com as garoupas (Figura 24).

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 79

Figura 23 Cardume de sardinha. Figura 24 Exemplar da garoupa Epinephelus lanceolatus.


Fonte: Oceans of Plent (2012). Fonte: Wikipédia (2012).

2.2.3 As atividades antrópicas pais ameaças são: desenvolvimento costeiro, poluição, atividade pesqueira,
extração de recursos, transporte marítimo, agricultura, aquicultura, pecuária,
Nos ambientes costeiros e marinhos
sedimentação, turismo, espécies invasoras, mudanças climáticas e governan-
Segundo estudos desenvolvidos pelo MMA (BRASIL, 2011), as princi- ça (Tabela 11).
pais ameaças à biodiversidade aquática das zonas costeiras e marinhas são as
Já para a biodiversidade marinha, as ameaças para as mesmas regi-
explicitadas na Tabela 11, que apresenta as ameaças à biodiversidade, consi-
ões, em ordem decrescente são: atividade pesqueira, poluição, transporte
derando, separadamente, cada região litorânea.
marítimo, atividades de petróleo e gás, extração de recursos, desenvolvimen-
Para a biodiversidade costeira, em ordem decrescente de importância to costeiro, aquicultura, agricultura, governança, turismo, espécies invasoras,
e com valores variando entre as quatro regiões litorâneas do Brasil, as princi- entre outras.
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dos Recursos
Naturais Renováveis
80 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Tabela 11 Principais ameaças à biodiversidade costeira e marinha, considerando a importância (%) em cada região No ambiente de águas continentais
do litoral brasileiro.
As principais causas de ameaças à biodiversidade de águas continen-
Importância (%) da ameaça em cada
Principais tais, segundo os mesmos estudos desenvolvidos pelo MMA (BRASIL, 2011),
região costeira e marinha
ameaças estão relacionadas com a atividade pesqueira, a agricultura, a poluição, o des-
Norte Nordeste Sudeste Sul
matamento, os barramentos (barragens), o assoreamento, o turismo, a gover-
Ameaças à biodiversidade costeira
nança e as espécies invasoras.
Desenvolvimento costeiro 21,7% 22,0% 23,0% 30,7%
Poluição 17,1% 15,0% 17,4% 16,5% Considerações sobre algumas fontes de ameaças
Atividades pesqueiras 16,2% 15,0% 15,3% 9,0% Considerando o objetivo específico desta análise, serão excluídas das
Extrações de recursos 14,4% 8,0% 7,9% 8,4% discussões seguintes as ameaças decorrentes da atividade pesqueira, já ca-
Sedimentação 8,3% < 0,1% < 0,1 % 2,6% racterizada como uma das principais ameaças à biodiversidade aquática, a
Transporte marítimo 4,4% 1,2% 5,6% 1,4% qual será abordada separadamente.
Agricultura 4,3% 3,0% 1,6% 10,4%
Aquicultura 3,8% 6,0% 2,6% 1,0% Poluição
Pecuária 3,1% < 0,1% 1,3% 4,4% Estudos desenvolvidos pelo MMA (BRASIL, 2011) evidenciaram que o
Espécies invasoras 0,1% 2,6% < 0,1 % 3,8% principal problema nacional relacionado à qualidade da água é a descarga de
Turismo 2,0% 14,0% 13,2% 10,2% esgoto doméstico, já que apenas 52,2% dos municípios brasileiros possuem
Mudanças climáticas 2,1% 1,6% 1,2% 0,6% sistema estabelecido de coleta de esgoto e apenas 18% do esgoto produzido
Atividades petroleiras e de extração de gás 0,8% 0,6% 6,0% < 0,1% recebe algum tipo de tratamento.
Barulho 0,1% < 0,1% 0,8% < 0,1%
Governança 1,7% < 0,1% 4,2% 0,8%
Além do esgoto doméstico, a poluição industrial, o esgotamento de
Ameaças à biodiversidade marinha
resíduos da agricultura, a destinação inadequada de resíduos sólidos e o
Atividades pesqueiras 29,4% (não avaliado) 49,0% 52,5%
manejo inadequado do solo também causam impactos negativos na qualida-
Poluição 16,7% (não avaliado) 6,5% 36,4%
de da água em muitas bacias. Contudo, a poluição orgânica industrial tem
Transporte marítimo 13,8% (não avaliado) 2,5% -
diminuído significativamente em alguns estados, tais como os efluentes da
Atividades petroleiras e de extração de gás 9,8% (não avaliado) 21,0% 1,0%
produção de açúcar e álcool no estado de São Paulo, que estão atualmente
Extração de recursos 9,2% (não avaliado) 2,1% 2,0%
sendo reutilizados como irrigação fertilizada. A gestão adequada do lixo,
Agricultura 1,7% (não avaliado) < 0,1% -
entretanto, permanece como um desafio para grande número de cidades e
Aquicultura 2,3% (não avaliado) 0,9% -
como uma fonte importante de poluição de corpos d’água superficiais e sub-
Espécies invasoras < 0,1% (não avaliado) 0,3% -
terrâneos.
Desenvolvimento costeiro 8,6% (não avaliado) 3,7% 1,0% A poluição agrícola decorrente do uso de agrotóxicos ainda é muito
Sedimentação 2,6% (não avaliado) < 0,1% - alta no Brasil, considerado o maior importador dessas substâncias no mundo
Turismo 2,3% (não avaliado) 4,6% - (BRASIL, op. cit.). Embora a produção orgânica e o consumo de produtos or-
Instituto Brasileiro Mudanças climáticas 2,0% (não avaliado) 2,2% - gânicos venham crescendo gradualmente no País, as iniciativas para reduzir o
do Meio Ambiente e
dos Recursos Governança 1,4% (não avaliado) 7,5% 7,1% uso de agrotóxicos representam uma pequena proporção do total das ativida-
Naturais Renováveis
Fonte: The Nature Conservancy (2007) apud MMA (2011). des agrícolas no Brasil.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 81

A irrigação é utilizada amplamente na agricultura, particularmente nos humana e a economia. O impacto mais comum causado por essas espécies é
biomas Cerrado e Caatinga (ex.: Vale do Rio São Francisco, com produção a competição com espécies nativas, mas os organismos invasores também
frutífera para os mercados nacionais e internacionais). Nas áreas irrigadas, a aumentam a predação sobre espécies nativas, reduzem a disponibilidade de
maior parte da água que entra na área plantada e nos solos adjacentes vem habitat e modificam a sua fisionomia, causam perdas econômicas, alteram o
da irrigação e não da chuva, o que agrava a contaminação do solo e da água regime hídrico em rios e riachos, e causam alterações físico-químicas no am-
com agrotóxicos que drenam com as águas superficiais ou que percolam, biente, trazem novas doenças para o País e, em alguns casos, levam espécies
atingindo as águas subterrâneas. nativas à extinção (BRASIL, op. cit.).
Com o incremento da extração nacional de minério, nos últimos anos, a No ambiente marinho foram identificadas 58 espécies exóticas, das
poluição ambiental potencial, resultante das atividades de mineração e seus quais nove são apontadas como espécies invasoras. A principal origem das
resíduos, que era alta, tende a aumentar. O mesmo vem ocorrendo com a pro- espécies invasoras é o Oceano Indo-Pacífico (30%), seguido do Pacífico Leste
dução de agregados para a construção, amplamente distribuída pelo País. Apro- (14%), do Pacífico Oeste e do Atlântico Oeste/Caribe (10% cada), do Atlântico
ximadamente 250 empresas familiares produzem brita, sendo que 10% dessas Leste (8%), da Europa (5%), do Índico e da África Oriental (2% cada). Permane-
empresas produzem mais de 500.000 toneladas/ano; 30% produzem entre cendo, entretanto, indeterminada a origem de 19% destas. A água de lastro é
200.000 e 500.000 toneladas/ano; e as 60% restantes produzem menos de apontada como a principal (26%) causa da introdução das espécies invasoras
200.000 toneladas/ano. Adicionalmente, aproximadamente 2.000 empresas, marinhas, e a partir do ponto de chegada, as correntes marinhas são o meio
principalmente familiares, extraem areia para obras e construções. Dessas, 5% natural e principal para ampliar a dispersão, seguido pelas incrustações. Outros
produzem mais de 300.000 toneladas/ano; 35% produzem entre 100.000 e vetores importantes são a aquicultura, o processamento de frutos do mar e o
300.000 toneladas/ano; e 60% produzem menos de 100.000 toneladas/ano. aquariofilismo (BRASIL, 2011).

A areia é extraída dos leitos dos rios (90%), várzeas, depósitos laguna- No ambiente de águas continentais do Brasil, os estudos realizados até
2005 apontaram a existência de 180 organismos exóticos introduzidos. Desse
res e camadas de pedra erodida e arenito. Contudo, os registros oficiais dispo-
total, 51 foram confirmados como espécies exóticas invasoras. Entre 2006 e
níveis sempre refletiram uma porção muito pequena do número real de produ-
2010, nove outras espécies foram identificadas como exóticas, entretanto não
tores de agregados, que trabalham em sua maior parte sem licença.
foi informado o número de espécies invasoras. Ressalta-se, entretanto, que
Embora a poluição e a degradação causada pela mineração e extração essa é uma primeira estimativa nacional e não representa um inventário comple-
de agregados constituam principalmente impactos localizados, estes causam to de todo o vasto sistema hidrográfico brasileiro (BRASIL, 2011).
modificações irreversíveis na paisagem, por meio da remoção do solo e dos
Fica evidenciado, ainda, que a região menos alterada (Norte – a Ama-
habitats. A legislação exige a restauração ambiental das áreas após o término
zônia) apresenta menor número de espécies invasoras, seguida pela região
das atividades de mineração, o que mitiga a perda de biodiversidade mas não
Centro-Oeste. Já as regiões mais populosas e costeiras (Sudeste, Sul e Nor-
a evita (BRASIL, op. cit.).
deste) são as mais invadidas. O estudo pondera, ainda, acerca das ameaças
Espécies invasoras causadas por espécies exóticas utilizadas na piscicultura, quando soltas na
Os ambientes marinhos e continentais são afetados por espécies inva- natureza de forma intencional ou não, como as carpas e as tilápias, espécies
soras em grau, forma, quantidades e distribuição distintas, conforme discutido principais da atividade no País.
a seguir. Mudanças climáticas Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
A disseminação de espécies exóticas invasoras cria desafios com- Segundo o MMA (BRASIL, 2011), em revisão da variabilidade climática dos Recursos
Naturais Renováveis
plexos ainda por resolver, que ameaçam a biodiversidade global, a saúde e tendências durante o século XX, foi observado que a variabilidade de pluvio-
82 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

sidade e taxas de vazão dos rios na Amazônia e na Região Nordeste do País, Atlântica), as tendências sugeridas apontam para um clima futuro mais quen-
entre os anos e as décadas, é mais importante do que tendências de aumento te e úmido. A previsão não é tão clara para as grandes planícies inundáveis do
ou redução. Essa variabilidade está associada aos padrões de variação nos Pantanal, onde todos os modelos sugerem aumento de temperatura, mas al-
oceanos Pacífico e Atlântico, na mesma escala temporal, tais como o El Niño guns indicam aumento na quantidade de chuvas enquanto outros indicam re-
e a oscilação do Atlântico Norte, entre outros. dução de chuvas. Como o Pantanal funciona como um sistema gigante de re-
gulação de enchentes para a Bacia do Rio Paraguai, as alterações de
Adicionalmente, tendências de aumento da pluviosidade e da vazão pluviosidade podem afetar significativamente a capacidade do sistema para
dos rios foram observadas no sul do Brasil, enquanto nenhuma mudança sig- reter e controlar as enchentes. A outra região analisada por este estudo é a
nificativa foi detectada, nesses aspectos, na Amazônia nos últimos 20 anos. Bacia do Rio da Prata (Sul do Brasil), uma área de grande importância econô-
Um pequeno aumento na pluviosidade foi observado na Região Nordeste, no mica para a América do Sul. Os cenários para essa região sugerem aumento
longo prazo, embora não seja estatisticamente significativo. Impactos do El de temperatura e redução de chuvas.
Niño e da La Niña foram sentidos mais severamente no Norte e Nordeste
Em um cenário pessimista, as mudanças climáticas reduziriam a área
(secas) e no Sul (secas com La Niña e excesso de chuva e enchentes durante total da Amazônia, do Pantanal, da Mata Atlântica e do Pampa, promovendo a
o El Niño) do Brasil. Se esses eventos aumentarem em intensidade ou fre- expansão dos dois biomas que contêm savanas mais secas: o Cerrado e a
quência no futuro, o Brasil pode ficar exposto a secas ou enchentes, e ondas Caatinga.
de calor mais frequentes, entretanto, essas mudanças são ainda incertas e
alguns eventos climáticos extremos podem ocorrer independentemente do El Com base nas evidências observadas e nas tendências climáticas su-
Niño ou La Niña. geridas pelos modelos, o MMA (BRASIL, op. cit.) prevê os seguintes impactos
das mudanças climáticas no Brasil:
O estudo do MMA (BRASIL, op. cit.) apresentou, ainda, vários cenários
Amazônia: se o avanço da fronteira agrícola e da indústria madeireira
de mudanças climáticas para o Brasil. Com base nos padrões climáticos
for mantido nos níveis atuais, a cobertura vegetal pode ser reduzida dos atuais
atuais, os modelos apresentaram maior capacidade de previsão para a por- 5,3 milhões de km² (85% de sua extensão original) para 3,2 milhões de km²
ção Norte-Nordeste do País, e capacidade média de previsão para a porção até 2050 (53% de sua extensão original). O aquecimento global aumentaria as
Sul. O modelo tem baixa capacidade de previsão para a região central do País. temperaturas nessa região, possivelmente levando a um clima mais seco e
A média dos modelos sugere um aumento das temperaturas de inverno para transformando a floresta em um sistema de savana. Em um cenário pessimis-
o período de 2071-2100, particularmente na Amazônia, onde a diferença pode ta, a temperatura poderia subir 8 °C. Os níveis de água nos rios podem reduzir
chegar a 3°- 5 °C mais quente. Três modelos sugerem um aumento de chuvas, significativamente e o ar mais seco pode aumentar o risco de incêndios flores-
enquanto um modelo indica a redução de chuvas no Nordeste e na Amazônia, tais.
e aumento de chuvas no Sul do Brasil, com anomalias intensificadas em 2050
Semiárido: as temperaturas no Nordeste do Brasil podem subir 2-5 °C
e 2080. Outro modelo sugere aumento de chuvas no Nordeste e Sul do Brasil,
até o final do século XXI, substituindo a Caatinga por uma vegetação mais
e no centro-leste da Amazônia. árida. O desmatamento da Amazônia pode tornar o semiárido mais seco. Com
Uma análise comparativa preparada por este estudo para regiões es- temperaturas mais altas, a evaporação aumenta e a disponibilidade de água
pecíficas do Brasil sugere temperaturas mais altas e redução de chuvas para diminui. O clima mais quente e seco pode levar à migração das populações
a Amazônia, intensificada para os períodos de 2050 e 2080, prevendo um cli- para os grandes centros urbanos do Nordeste ou de outras regiões do Brasil,
Instituto Brasileiro
ma futuro mais quente e seco para a região. A redução total da pluviosidade resultando em grandes ondas de “refugiados ambientais”.
do Meio Ambiente e
dos Recursos na Amazônia pode alcançar 20% se toda a floresta for substituída por pasta- Zona costeira e marinha: o aumento do nível do mar pode levar a gran-
Naturais Renováveis
gens. Para a Região Nordeste (principalmente composta pela Caatinga e Mata des perdas econômicas e ambientais ao longo da zona costeira, destruindo
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 83

construções e infraestruturas portuárias, e causando a relocação de popula- Em complementação, outro estudo do MMA (BRASIL, 2010) indica
ções. Sistemas precários de esgoto entrariam em colapso e novos tufões po- que os ecossistemas costeiros e marinhos, como os de recifes de coral e de
deriam alcançar a costa brasileira. Além disso, indica que os recifes de coral manguezais, são considerados especialmente vulneráveis às mudanças climá-
podem ser o primeiro ecossistema a se tornar funcionalmente extinto. ticas, por sua fragilidade e limitada capacidade de adaptação, de forma que os
danos a eles causados podem ser irreversíveis. Pesquisadores têm alertado
Sudeste e Bacia do Prata: mesmo se a quantidade de chuvas aumentar
que os recifes de coral podem ser o primeiro ecossistema funcionalmente
no futuro, as temperaturas mais altas previstas pelos modelos climáticos pode-
extinto devido às mudanças climáticas globais, caso as concentrações de CO2
riam comprometer a disponibilidade de água para a agricultura, consumo huma-
ultrapassem 450 ppm, fato possível de acontecer se aceitarmos um aumento
no e geração de energia hidroelétrica devido ao aumento previsto de evapora-
médio de 2 a 3 °C de temperatura. Segundo algumas previsões, isso deve
ção. Estações secas mais longas, em algumas regiões do País, poderiam afetar
ocorrer em 20 anos, se mantidas as taxas atuais.
o equilíbrio hidrológico regional, comprometendo as atividades humanas.
Cientistas presentes ao encontro da Royal Society (a academia de ci-
Região Sul: a produção de grãos pode ficar comprometida nessa região
ências do Reino Unido), realizado em julho de 2009, postularam que as con-
com o aumento da temperatura, secas cada vez mais frequentes e chuvas
centrações de CO2 na atmosfera não devem exceder 450 ppm e que o ideal é
restritas a eventos extremos de curta duração. Chuvas cada vez mais intensas
que se estabilize em, no máximo, 350 ppm, para que os recifes de coral pos-
poderiam causar danos às cidades, com grandes impactos sociais nos bairros
sam continuar provendo seus bens e serviços à humanidade. É também pro-
mais pobres. Ventos intensos de curta duração também poderiam afetar a
vável que os manguezais e os marismas sejam negativamente afetados pela
zona costeira. Temperaturas mais altas e extremas, em períodos de tempo
elevação do nível do mar, especialmente nos casos em que existam barreiras
mais curtos, poderiam levar ao aumento nas taxas de doenças.
físicas no lado terrestre, como diques ou cidades. Em muitas áreas, devem
............................. aumentar os danos provocados por inundações costeiras devido a enchentes
“Recursos hídricos: a redução de chuvas e a vazão reduzida nos rios e à elevação da maré.
devem limitar o transporte hídrico e os sistemas de esgoto. As estações de Os impactos negativos das mudanças climáticas nas zonas úmidas
tratamento de água e esgoto podem transbordar. A geração de energia ficaria costeiras também devem atingir direta e significativamente populações hu-
comprometida pela falta de chuva e por altos índices de evaporação em algu- manas e cerca de 50% da população mundial que vive em zonas costeiras. A
mas regiões. densidade populacional nessas áreas é três vezes maior que a média mundial.
Grandes cidades: as regiões metropolitanas enfrentariam temperaturas Muitas das comunidades mais pobres do planeta estão em áreas costeiras e
ainda mais altas, aumento da ocorrência de enchentes e deslizamentos, parti- dependem dos manguezais e da pesca nos recifes de coral para sua seguran-
cularmente em áreas mais íngremes. ça alimentar.

Saúde humana: os casos de doenças infecciosas transmissíveis pode- O estudo aponta, também, que nos países em desenvolvimento um
quarto do pescado anual é capturado nos recifes de coral, sendo esses res-
riam aumentar. A dengue poderia se expandir. A proliferação de doenças ten-
ponsáveis pelo sustento de cerca de um bilhão de pessoas somente na Ásia.
deria a aumentar nas áreas urbanas.”
Na Indonésia, por exemplo, cerca de 60% da população depende dos recursos
Apesar desses cenários, o estudo aponta que até o momento apenas pesqueiros marinhos e costeiros para a alimentação e os meios de vida. A
dois biomas (Amazônia e a Zona Costeira e Marinha) listaram espécies como Grande Barreira de Recifes de Coral, na Austrália, contribui com 4,5 bilhões de Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
oficialmente ameaçadas, por causa de efeitos negativos das mudanças climá- dólares para a economia australiana, dos quais 3,9 bilhões são gerados pelo dos Recursos
ticas no Brasil (BRASIL, op. cit.). Naturais Renováveis
turismo, 469 milhões de dólares pela recreação e 115 milhões pela pesca
84 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

comercial, gerando 63 mil postos de trabalho (CDB, 2010; RAMSAR, 2010 e rem-se definidas como sendo missão conjunta dos Ministérios da Pesca e
TEBB, 2009, apud BRASIL, 2010). Aquicultura (MPA) e do Meio Ambiente (MMA), sob a coordenação do primei-
ro (§ 6°, do art. 27, da Lei n° 11.958/2009), o que pode ser entendido como a
Governança
subordinação de um ministério a outro (aspecto que é apontado como, possi-
A governança é aqui entendida como a definida pela Comissão sobre velmente, inconstitucional), além de promover elevado desgaste e, mesmo,
Governança Global, ou seja, “a totalidade das diversas maneiras pelas quais os disputa entre ministérios com objetivos distintos.
indivíduos e as instituições, públicas e privadas, administram seus problemas
comuns”. A constatação anterior é agravada pela prática adotada nos últimos
anos, por grande parte dos gestores do MPA, que, diante da impossibilidade
Assim considerada, a importância dessa ameaça à biodiversidade de atender a determinadas demandas de segmentos do setor pesqueiro,
aquática no Brasil é significativamente superior aos percentuais apontados na aponta como causa os obstáculos criados pelo MMA ou Ibama (DIAS-NETO,
Tabela 11. Na realidade, essa é, seguramente, a maior de todas, se se consi- 2010), o que, na prática, tem contribuído para a ausência de governança ou
derar que o inadequado desempenho da governança é, para a maioria das governança com resultados extremamente desfavoráveis à sociedade e à sus-
ameaças, a causa do crescimento ou não mitigação dos efeitos daquelas. tentabilidade do uso da biodiversidade aquática.
Analisando a governança da atividade pesqueira no Brasil, Dias-Neto Participação da sociedade
(2003; 2010) apresenta um conjunto de informações que possibilita concluir
que a governança para a adequada gestão do uso sustentável e conservação As dificuldades encontradas em organizações da sociedade civil direta-
da biodiversidade aquática no Estado brasileiro tem-se mostrado ineficiente (ou mente relacionadas com o uso sustentável e a conservação da biodiversidade
ausente). Os principais dados e informações indicadas pelo autor, e os fatos aquática dificultaram a superação dos aspectos abordados anteriormente.
recentes, parecem apontar que essa situação da governança não se modificou Entre esses aspectos, apontam-se: fragilidade das organizações; ilegitimidade
e pode, até mesmo, ter se agravado, conforme discutido no item 3.3.1. de boa parte dos líderes das organizações sociais; significativa quantidade de
líderes que defendem interesses próprios e não de seus liderados; objetivos
Marco legal pontuais e de curto prazo; interesses conflitantes; elevada disputa por recur-
As avaliações sobre o quadro geral da legislação superior (Constituição sos, áreas e métodos de pesca entre os segmentos da pesca de pequena
Federal e Lei n° 11.959, de 29 de junho de 2009, que instituiu a Política Nacio- escala ou artesanal, e da industrial; e heterogeneidade de representações.
nal de Pesca e Aquicultura, e demais leis correlatas) que fundamenta a gestão Essas condições dominantes têm impossibilitado a construção de con-
do uso sustentável e a conservação da biodiversidade apontam ser adequados sensos na busca de soluções dos problemas comuns seja dentro do setor
e suficientes como suporte para uma governança satisfatória. Assim, se os pesqueiro, seja entre o setor pesqueiro e representações do Estado.
últimos diagnósticos mostram ausência dessa governança, isso se deve a ou-
Os aspectos abordados mostram que, em anos recentes, tem domina-
tros aspectos, que serão discutidos a seguir.
do a ausência de uma governança que assegure o uso e a conservação da
Arranjos da estrutura do Estado biodiversidade aquática e, portanto, da atividade pesqueira com geração de
Enquanto a base legal superior (Constituição Federal) e as leis especí- emprego, renda continuada e alimento saudável para as presentes e futuras
ficas são apropriadas, o mesmo não se pode dizer da lei que define o arranjo gerações.
institucional do Estado brasileiro, para garantir uma adequada governança na Principais métodos de pesca
Instituto Brasileiro gestão sustentável e na conservação da biodiversidade aquática.
do Meio Ambiente e
As pescarias brasileiras utilizam todos os principais métodos de pesca
dos Recursos A assertiva anterior, segundo as análises (DIAS-NETO, 2010), decorre conhecidos no mundo, destacando-se: arrasto (simples, duplo e com pare-
Naturais Renováveis de as competências de gestão do uso da biodiversidade aquática encontra- lha), cerco, emalhe (superfície, meia-água e de fundo), linha e anzol (espinhel
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 85

horizontal de superfície, de meia-água e de fundo; espinhel vertical; vara e li- puxado por dois homens), até as maiores e sofisticadas, que são arrastadas
nha; vara, linha, anzol e isca viva etc.), armadilhas (covo, pote etc.); arte de por barcos de pesca motorizados de pequeno a grande porte, que podem ter
lanço (tarrafa e arpão); artes fixas (curral, aviãozinho etc.). o recolhimento manual (pelos pescadores, quando a rede é de pequena di-
mensão) ou mecânico, com o auxílio de um ou dois guinchos (os maiores),
Segundo Cochrane (2002), a arte de pesca e o método de captura
dispostos no convés da embarcação.
ideal podem estar relacionados com alguns critérios, como:
As redes de arrasto, de forma simplificada, são formadas pelas seguin-
• Apresentar seletividade na captura e no tamanho dos indivíduos das
tes partes (GAMBA, 1994):
espécies-alvo, com insignificante impacto direto ou indireto sobre os
tamanhos das espécies não alvo e sobre os habitats. • O saco, ensacador ou saco-túnel: é o final ou o fundo da rede onde o
pescado fica retido e que é, geralmente, construído com o menor
• Ser eficaz ao favorecer altas capturas das espécies-alvo com o me-
tamanho de malha, quando comparado com as outras partes da
nor custo financeiro possível.
rede;
• Possibilitar capturas com produtos de alta qualidade (mínimo de da-
• O corpo da rede: geralmente é na forma de um cone e é construído
nos ao pescado capturado).
com malha de maior tamanho que a do saco, ensacador ou saco-
Portanto, a maior ou menor eficácia dos métodos de pesca está direta- túnel;
mente relacionada com a capacidade de captura e o impacto sobre o recurso
• Duas “asas” ou mangas: têm o formato alongado com malha
pesqueiro alvo e respectiva fauna acompanhante, assim como ao meio am-
maior que a do corpo, e une o corpo da rede às pranchas ou por-
biente. Pode-se, entretanto, inferir que não existe um método de pesca ideal,
tas, ou diretamente aos cabos de aço (quando do arrasto com
mas o mais adequado a determinada pescaria, no tempo e no espaço, e é
parelha);
preciso saber quais as medidas mitigadoras necessárias para a sustentabilida-
de de determinado recurso pesqueiro. • Tralhas (cabos): inferior, com chumbada e, em alguns casos, rolda-
nas e/ou correntes, e superior, com boias para a abertura da rede;
Cochrane (op. cit.) classifica os métodos de pescas em ativos e passi-
vos. Essa classificação baseia-se no comportamento do aparelho de pesca • Cabo real: cabos de aço que conectam a rede à embarcação.
em relação à espécie-alvo. Os métodos ativos, dominantemente, vão objetiva- Dominantemente, as redes de arrasto são armadas de forma que a
mente ao encontro (perseguem) da espécie-alvo (como exemplo, as redes de parte superior do corpo e as “asas” ou “mangas” (tralha com flutuadores,
arrasto, os cercos etc.). Já os passivos fundamentam-se no deslocamento da também chamada tralha superior) fiquem mais avançadas que a parte inferior
espécie-alvo em direção à arte de pesca (como o emalhe e as armadilhas). ou tralha inferior (para evitar a fuga do pescado), esta entralhada num cabo
Nos itens seguintes faremos uma breve descrição da cada um dos prin- com os pesos, roldanas ou correntes (redes para a pesca de camarões), para
cipais métodos de pesca, assim como o nível de eficiência e, portanto, de ame- tocar no substrato do ambiente aquático.
aça para as espécies-alvo, a fauna acompanhante e o ambiente, bem como as Definido o tipo de rede de arrasto a ser utilizada, conforme classifica-
possibilidades tecnológicas para mitigar os impactos dos seus usos. ção descrita a seguir, é importante levar em consideração a potência do
Métodos de pesca ativos motor e o tipo de hélice do(s) barco(s), para que se possa projetar adequa-
damente a dimensão da(s) rede(s) e das portas, quando for o caso, de forma
a) Arrasto Instituto Brasileiro
a obter um melhor resultado tanto do ponto de vista técnico como econômi- do Meio Ambiente e
As redes de arrasto podem ser de vários tipos, desde as menores e co (maiores capturas com menores custos, especialmente com combustí- dos Recursos
Naturais Renováveis
simples, tracionadas por humanos (puçá de arrasto ou picaré, normalmente vel).
86 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Quanto ao meio em que ocorre o arrasto, as redes podem ser classifi- e que traciona (arrasta) cada uma das redes. Essas redes também são equi-
cadas como de meia-água, para a captura de animais pelágicos, ou de fundo, padas com portas para manter a abertura horizontal, além da tralha inferior e
direcionadas à captura de organismos demersais. As redes são puxadas a superior (Figura 26). São mais usadas para a captura de camarões (rosa e
uma velocidade que possibilita que os peixes, crustáceos ou outro tipo de sete-barbas).
pescado não fujam e, assim, sejam retidos dentro da rede.
Esses tipos de redes são, ainda, classificados como de arrasto simples,
de arrasto duplo, de arrasto com parelha e, ainda, arrastão de praia, cada uma
com suas especificidades.
Rede de arrasto simples
É tracionada por um único barco e a abertura horizontal da rede é pro-
porcionada, dominantemente, pelo uso de equipamento auxiliar, denominado
“porta”, que é colocada em cada um dos lados, nas asas ou mangas da rede
(Figura 25). As operações de pesca no Brasil, com essas redes, são direciona-
das para a captura de peixes demersais (castanha, corvina, pescada-olhuda,
pescadinha-real, entre outros), especialmente no Sudeste e no Sul, ou dos
camarões, com destaque para o sete-barbas.

Figura 26 Redes de arrasto duplo ou com tangones.


Fonte: Haimovici (2007).

O arrasto duplo é muito utilizado no Brasil para a pesca de camarão-ro-


sa e camarão-sete-barbas, entre outros.
Redes (de arrasto) gêmeas
O arrasto com redes gêmeas é uma evolução do arrasto duplo, desen-
volvido no início dos anos de 1970, no Mar do Norte, para a pesca de linguado
e, em seguida, adotada na pesca de camarão no Golfo do México (GAMBA,
Figura 25 Rede de arrasto simples.
1994). Esse tipo de pescaria é realizado com duas redes de cada lado ou em
Fonte: Haimovici (2007).
cada tangone do barco (Figura 27a). As redes operam lado a lado, com as
duas “mangas” internas ligadas a uma sapata de ferro (patim), (Figura 27b) e
Instituto Brasileiro Rede de arrasto duplo ou com tangones (double-rig) as duas externas presas às portas. Das duas portas e do patim partem cabos
do Meio Ambiente e
dos Recursos Para o uso deste tipo de rede, o barco de pesca deve ser equipado com (brincos) de 50 a 60 metros de comprimento, que se unem ao cabo real for-
Naturais Renováveis
tangone (um tipo de braço mecânico) disposto em cada lado da embarcação mando um “pé de galinha”.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 87

malmente, é o “principal” ou o “mestre” (serve de referência e o comandan-


te é mais experiente) e o outro é o “parceiro”. No Brasil, o método de pesca
é empregado na captura dos peixes demersais do Sudeste e do Sul como
corvina, castanha, pescada-olhuda, pescadinha-real, linguado, abrótea etc.
É utilizado, também, na pesca da piramutaba e da dourada, além de outros
bagres na costa norte.
Nas pescarias de piramutaba no estuário do delta dos rios Amazonas e
Pará, como uma variação do uso das redes de arrasto com parelha, a pescaria
foi adaptada e chegou-se a arrastar com trilheira (três barcos arrastando duas
(b)
redes), quadrilheira (quatro barcos tracionando três redes) e até quinquilheira
(cinco barcos com quatro redes) naquela área de pesca em determinados
períodos do ano.
(a) Essa prática foi regulamentada e, na oportunidade, foi proibido o uso
do sistema de quadrilheira e quinquilheira, admitindo, entretanto, além do sis-
Figura 27 Barco de arrasto com o uso de redes gêmeas (a) e de “patim” (b).
tema de parelhas, o de trilheira. A principal justificativa para o uso desses
Fonte: Gamba (1994).
sistemas de captura foi que o esforço de pesca na área era limitado e essas
O arrasto com quatro dessas redes requer perícia dos mestres de pes- práticas faziam com que o poder de pesca das 48 embarcações autorizadas
ca e estudo preciso sobre o dimensionamento das redes, que deve ser propor- para pescar na área fosse incrementado em 25% (trilheira), 50% (quadrilheira)
cional ao comprimento dos tangones e da boca da embarcação, evitando, e, no caso da quinquilheira, em até 60%.
dessa forma, que as portas internas venham a se tocar quando o barco mano-
brar durante a operação de pesca. Maiores detalhes podem ser obtidos em
Gamba, 1994.

Este tipo de rede foi testado no Brasil em 1985, em experimentos rea-


lizados pelo Cepsul/Sudepe, utilizando o N/Pq Diadorim, na captura do cama-
rão-rosa, obtendo resultados satisfatórios e, em seguida, a técnica foi transfe-
rida às frotas camaroeiras de Itajaí e da costa norte brasileira.
Rede de arrasto com parelha
A rede é arrastada por dois barcos e é, normalmente, de armação mais
simples que as descritas anteriormente, já que não utiliza portas cuja função
(abertura horizontal) é exercida pelas duas embarcações (Figura 28). Dispõe,
entretanto, das outras partes já descritas para as demais redes de arrasto. por
serem arrastadas por duas embarcações são, dominantemente, de maior ta-
manho e, na maioria dos casos, com maior poder de pesca.
Instituto Brasileiro
Apesar de a rede ser mais simples, a operação de pesca é mais do Meio Ambiente e
complexa e exige um adequado sincronismo entre os barcos quando do Figura 28 Rede de arrasto de parelha. dos Recursos
Naturais Renováveis
lançamento, do recolhimento e da despesca da rede. Um dos barcos, nor- Fonte: Haimovici (2007).
88 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Rede de arrasto de praia (arrastão de praia)


O arrastão de praia é um dos métodos de pesca mais tradicionais em
uso no litoral brasileiro. A rede apresenta algumas diferenças em relação às
descritas anteriormente, assim como quanto às redes de emalhe, com ta-
manhos da malha variando em distintas partes do corpo da rede e, normal-
mente, mangas com malha maiores e as menores no centro (para o peixe
não ficar emalhado), sendo mais simples, conforme ilustrado na Figura 29
(a).
• O corpo da rede é formado por uma parte central, com a malha
menor, e as mangas com malhas maiores. A altura das mangas
varia em função da declividade da praia, já a parte central é sem-
pre a mais alta. Também apresenta um entalhamento superior
(com boias) e inferior (com pesos ou chumbadas) similar aos das
redes de emalhe;
• Nas duas extremidades são fixados os cabos ou cordas superiores e
inferiores, que são unidos em uma única corda em cada lado, para
viabilizar o arrasto ou a tração humana.
Quando da operação de lançamento da rede, uma das pontas (cabo)
permanece na praia, enquanto a outra é levada por uma pequena embarcação
(a remo ou a motor), para cercar o cardume (Figura 29 a e b), e depois é pu-
xada para a praia, dominantemente, por mais de um pescador em cada corda
(cabo), conforme ilustrado na Figura 30 (a e b).

(a) (b)
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos Figura 29 Rede de arrasto de praia (a), quando do lançamento, e (b) quando do recolhimento.
Naturais Renováveis
Fonte: (a) marbrasil.org, consultado em 20/8/20012; e (b) Gamba (1994).
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 89

O arrastão de praia é direcionado para a captura das mais diversas espé- O arrastão de praia é realizado, com algumas adaptações, também na
cies de pescado, na dependência da área de operação do litoral do Brasil. Como pesca de águas continentais, bem como na captura da piramutaba na calha do
exemplos, podem ser citadas as capturas de tainhas, pescadas, corvinas e paratis, Rio Amazonas.
no Sul e no Sudeste, assim como os camarões e peixes diversos no Nordeste.

(a) (b)

Figura 30 Recolhimento de um arrastão de praia no litoral brasileiro.


Fonte: cardumebrasil.blogsport.com, consultado em 20/8/20012.

De modo geral, as pescarias com redes de arrasto são consideradas Alteração da estrutura física: os efeitos físicos dos aparelhos de pesca
como uma das mais eficientes, pois captura tudo que encontra pela frente, de arrasto podem incluir o “aplainamento” do solo, a remoção ou movimenta-
mas são, também, as mais predatórias e danosas à biodiversidade e ao meio ção de pedras, a remoção ou danificação da vegetação aquática.
ambiente aquático. Sedimento em suspensão: durante o arrasto do aparelho de pesca,
Os danos à biodiversidade estão relacionados com a pesca indiscrimi- ocorre a ressuspensão de sedimentos, provocando a redução da disponibilida-
nada de todas as espécies que ocorrem na área onde atua e não somente as de de luz para os organismos fotossintéticos, o soterramento da biota bentô-
espécies-alvo, gerando grande captura de fauna acompanhante. nica, danos às áreas de desova e efeitos negativos nas taxas de alimentação
e metabolismo dos organismos.
Gillet (2008), analisando os vários impactos da pesca de arrasto de
camarões sobre o habitat, cita que Johnson (2002) propôs um esquema Alterações químicas: o revolvimento do fundo pode resultar em altera-
Instituto Brasileiro
para categorizar os tipos de efeitos físicos dos aparelhos de pesca de ar- ções no equilíbrio químico entre os sedimentos e a camada de água que se so- do Meio Ambiente e
rasto, em geral sobre o habitat bentônico, conforme a seguinte aborda- brepõe, devido à mistura dos sedimentos que se encontram abaixo da superfície dos Recursos
Naturais Renováveis
gem: do fundo e a água intersticial, podendo facilitar a reativação de contaminantes.
90 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Alterações na comunidade bentônica: as comunidades bentônicas até É importante considerar, ainda, que se o tamanho da malha minimiza a
30 cm abaixo da superfície do solo são afetadas diretamente pelo arrasto do quantidade de peixes pequenos capturados, não reduz os demais danos causados
aparelho de pesca e indiretamente pelo seu revolvimento. Muitos tipos de ao meio ambiente.
epibentos são enterrados ou esmagados, enquanto a fauna submersa é esca- Alternativas e artefatos também podem atenuar os danos à biodiversi-
vada e exposta no solo, geralmente danificada. dade e ao ambiente marinho, conforme abordado a seguir.
Alterações no ecossistema: o uso de alguns tipos de aparelhos de pes- As válvulas de escape para tartarugas (TED) são dispositivos incorpora-
ca afeta a composição da comunidade bentônica e seu habitat, e é possível dos nas redes de arrasto, com o objetivo de permitir o escape de tartarugas
que essas alterações ao nível de comunidade resultem em efeitos negativos que venham a ser capturadas no transcurso das respectivas operações de
também para a população que está sendo explotada e para o ecossistema pesca de arrasto (Figura 31).
como um todo.
As TEDs foram desenvolvidas para mitigar a mortandade de tartarugas,
Em função desses efeitos, a pesca de arrasto vem enfrentando eleva- especialmente na pesca de camarões, e seu uso é regulamentado (obrigató-
do grau de resistência, com tendência de proibição de uso em algumas partes rio) em pescarias dirigidas a esses crustáceos, em algumas partes do mundo,
do mundo. Especial resistência tem sido apresentada quanto ao uso de redes incluindo o Brasil.
de arrasto em áreas estuarinas (berçários) e nas de grande profundidade e
frágeis, em águas internacionais.
Na tentativa de minimizar os dados causados por esse método de pesca,
têm sido desenvolvidos mecanismos de seletividade que possibilitam menor
dano aos recursos-alvo, à fauna acompanhante e ao meio ambiente. Desses
mecanismos, citam-se: tamanho da malha, válvulas de escape para tartarugas
(Turtle Excluder Device – TED), malhas quadradas, válvulas de escape para pei-
xes etc.
O tamanho da malha: a captura na pesca de arrasto, com maior possi-
bilidade de peixes, depende, até certo ponto, do tamanho da malha, especial-
mente no saco-túnel. Em decorrência, experimentos de seletividade do tama-
nho das malhas podem indicar qual a dimensão da malha que favorece a maior
captura de peixes, no tamanho desejado, e permite o escape de parte dos
indivíduos de pequeno porte.
Cabe ponderar, entretanto, que se essa seletividade tem relação direta
com o tamanho da malha e da espécie-alvo é, entretanto, inversamente pro-
porcional ao tempo de duração do arrasto e da disponibilidade de biomassa de
peixes, uma vez que quanto maior o tempo de pesca, maior a quantidade de Figura 31 Válvula de escape para tartarugas (TED).
peixes capturados e menor a possibilidade dos pequenos escaparem seja em
decorrência do fechamento das malhas, pela tensão que a quantidade já pes- As grades para o escape permitem a triagem do tamanho dos peixes
Instituto Brasileiro
cada provoca, seja pelos grandes peixes retidos taparem as malhas ao ponto que se deseja capturar e já existem exemplos desses dispositivos.
do Meio Ambiente e
dos Recursos de impossibilitar que os de menor porte, que continuam a ser capturados, Conforme ilustrado na Figura 32, a colocação de grades de metal no
Naturais Renováveis
possam escapar. saco da rede de arrasto pode favorecer a diminuição da captura de peixes de
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 91

pequeno porte, durante o arrasto, já que os peixes menores são liberados en- não ficar na dependência do comportamento dos peixes que buscam a parte
quanto os grandes são direcionados para o fundo do saco. superior da rede, por exemplo, para escapar. A grande vantagem desses dispo-
sitivos está relacionada com a simplicidade de instalação, o baixo custo, por
permanecer aberta durante todo o arrasto e por não dificultar o manuseio da
rede durante a operação de pesca (Figura 34).

Figura 32 Saco de rede de arrasto com grade, que permite o escape de peixes de pequeno porte.
Fonte: FAO (2002).
Grade associada com funil: na pesca de camarões, a grade pode ser as-
sociada a um pano de malhas em forma de funil, que direciona as capturas para
a parte interior da rede. Dessa forma, os camarões passam pela grade e são
retidos no fundo do saco, enquanto os peixes, especialmente os maiores, e ou-
tros organismos (água-viva, por exemplo) são direcionados para a parte superior
da rede, por onde escapam por espaços abertos (Figura 33).

Figura 34 Ensacador tradicional e construído com malhas quadradas.


Fonte: Conolly (1987).

Anéis de saída de emergência: recentemente, foram desenvolvidos por


Watson (2012) e colocados em redes de arrasto anéis projetados para favorecer
a captura somente de espécimes adultos. Eles evitam ou minimizam a captura
de peixes com tamanho inferior aos de comercialização.
Os anéis podem ser instalados no saco-túnel de qualquer rede exis-
tente, e bastam 20 dispositivos, em média, com um custo estimado de 630
Figura 33 Saco de rede de arrasto para pesca de camarões, com grade e funil que permitem o escape de peixes de grande euros, para os anéis funcionarem como uma “saída de emergência” para
porte e outros organismos.
peixes com tamanho inferior ao almejado. Esses anéis dispõem de luz de
Fonte: FAO (2002).
sinalização fornecida por bateria, que captam sua própria energia pelo movi-
As malhas quadradas podem ser colocadas em todo o saco da rede de mento das redes. Isso significa que, uma vez colocadas, os pescadores não
arrasto (o saco é confeccionado com malha quadrada) ou apenas em uma precisam se preocupar com a troca de baterias. A luz de sinalização em
Instituto Brasileiro
parte do saco-túnel das redes, e têm como objetivo favorecer a fuga de peixes torno dos anéis é ativada assim que a rede atinge certa profundidade, fazen- do Meio Ambiente e
menores. No caso de serem colocadas em apenas parte do ensacador, o re- do com que fiquem mais visíveis e estimulem os peixes a atravessá-los (Fi- dos Recursos
Naturais Renováveis
comendável é que estejam associadas à grade de triagem do pescado, para gura 35).
92 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

• As redes de arrasto são equipamentos de pesca com elevado grau


de danos aos seres vivos e ao meio ambiente onde são utilizadas.

Figura 35 Uso de anéis que funcionam como saída de emergência para os peixes de pequeno porte.
Fonte: Watson (2012). Figura 36 Dragas utilizadas na captura de mariscos e moluscos.
Fonte: FAO (2002).
Uma vantagem do uso desses tipos de anéis é que, como são rígidos,
são mantidos abertos mesmo quando a rede está sendo arrastada e sob tensão.
Caso não utilize nenhuma dessas alternativas, o pescador pode mes-
mo assim, e na dependência da espécie-alvo, selecionar a área de pesca,
evitando as zonas e os períodos em que existe alta probabilidade de captura
de peixes pequenos ou fauna acompanhante (bycatch) indesejada.
b) Dragas
As dragas são artes de pesca de arrasto e podem ser de pequeno a
grande porte. As de pequeno porte podem ser arrastadas por tração humana,
enquanto as de grande porte são rebocadas por barcos, com tendência a
motor com elevada potência. De forma geral, as dragas são construídas pelas
seguintes partes (Figura 36):
• A boca: construída de moldura metálica e na qual é anexado o corpo
ou o saco que recolhe ou armazena as capturas;
• O corpo ou saco da draga: que pode ser uma estrutura rígida de
metal ou pano de malhas sobreposto a uma moldura, ou apenas Figura 37 Draga utilizada para a pesca de vieiras.
anexada à estrutura da boca; Fonte: Haimovici (2007).

• Os cabos: que conectam o equipamento ao barco de arrasto. c) Cerco


Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e • As dragas são arrastadas no leito do ambiente aquático e direciona- O cerco é empregado tanto no ambiente marinho quanto em águas
dos Recursos das à captura de mariscos e moluscos como mexilhões, ostras, viei- continentais. As redes podem ser de pequeno ou grande porte e são cons-
Naturais Renováveis
ras (Figura 37) etc. tituídas das seguintes partes (adaptado de GAMBA, 1994):
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 93

• Pano retangular (corpo da rede). A operação de captura da sardinha-verdadeira, por exemplo (Figura
• Tralha superior, onde o pano é entralhado (costurado) e colocadas as 39), é iniciada com a procura e a localização dos cardumes (visualmente ou
boias ao longo do comprimento da rede, para manter a parte supe- com a utilização de equipamentos auxiliares como ecossondas) e o lançamen-
rior na superfície. to da panga por um pescador que fica com uma das extremidades da rede; em
seguida, a panga envolve o cardume com uma volta completa de 360º e com
• Tralha inferior, na qual o pano é entralhado (costurado) e fixados pe- outra extremidade da rede, forma um cilindro vertical quando reencontra o
sos ou chumbadas para manter a rede esticada verticalmente, assim barco; concluído o cerco, a panga passa a extremidade da rede para o barco
como estropos com argolas de metal, dispostos em espaços regula- e tem início o fechamento da parte inferior da rede ao puxar a carregadeira; só
res por onde passa o cabo ou a linha carregadeira.
então é indicado o recolhimento de uma das extremidades da rede para bordo,
• O ensacador ou matador é localizado em uma das extremidades e com o auxílio do pau de carga, diminuindo gradativamente o círculo até ficar
fica junto ao cabo de proa, local onde se acumula o pescado quando somente o ensacador na água, de onde os peixes são recolhidos para o con-
a rede é recolhida. Essa seção da rede é confeccionada com linha vés do barco por meio de um sarico.
mais grossa para suportar o peso do peixe.
• O cabo ou linha carregadeira, passa pelas argolas de metal presas na
parte inferior da rede e servem para fechá-la por baixo, após o cardu-
me ser cercado, evita que os peixes escapem pela parte inferior da
rede.
A operação de captura em barcos de médio e grande porte depende, além
do barco de pesca com guincho e pau de carga (power block), de um bote (panga)
transportado na popa do barco cerqueiro, conforme ilustrado na Figura 38.

Figura 39 Pesca com rede de cerco.


Fonte: Haimovici (2007).

O cerco é empregado no ambiente marinho do Brasil para a pesca de


sardinha (principalmente a sardinha-verdadeira), tainha, anchova e bonito-lis-
trado, utilizando sofisticada tecnologia e, portanto, elevado poder de pesca.
Na pesca continental, a tecnologia é menos evoluída e direcionada para a
captura de várias espécies. Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
Figura 38 Barco tipo traineira transportando rede e bote (ou panga) na popa. Como o cerco atua sobre concentrações de cardumes, é um equipa- dos Recursos
Naturais Renováveis
Fonte: Arquivo do Ibama. mento de grande poder de pesca e seletividade limitada, especialmente se a
94 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

operação de pesca não for conduzida de forma responsável e sustentável (libe-


rando cardumes com dominância de peixes jovens, fugindo de áreas de criadou-
ros ou com cardumes misturados com espécies ameaçadas etc.), podendo
(a)
causar significativos danos às espécies e ao ecossistema como um todo.
d) Artes de arremesso

Das artes consideradas como de arremesso, destacam-se o arpão


(tendo como variantes a flecha e a lança) e a tarrafa, conforme abordado a
seguir (adaptado de GAMBA, 1994).
Arpão
O arpão é uma arte de origem bastante primitiva e consiste, fundamen-
talmente, das seguintes partes (Figura 40):
• Haste de madeira ou ferro.
• Extremidade pontiaguda com uma ou mais farpas articuladas ou não.
(b)
• Extremidade de apoio ao manuseio, podendo ser conectada a um
Figura 41 Arpão utilizado na pesca esportiva (a) e modelo utilizado na captura de baleias (b).
cabo para evitar a perda do equipamento, quando se erra o alvo,
Fonte: http://www.guarapas.com.br/web/modules/newbb/viewtopic.php?topic_id=3046&forum=1, (http://pt.wikipedia.org/wiki/Arp%C3%A3o, consultado
bem como para aprisionar o animal alvejado. em 10/9/12).

Fisga
Semelhante ao arpão, apresenta haste um pouco mais fina. Dotada
de duas, três ou mais pontas como farpas, é fixada à extremidade de uma
vara de dois a três metros, para facilitar o manuseio. É, dominantemente,
arremessada manualmente para a captura de pequenos peixes (Figura 42).

Figura 40 Ilustrações de modelos de arpão utilizados na pesca. Figura 42 Fisga com três pontas e farpas.
Fonte: Gamba (1994). Fonte: Gamba (1994).

Os arpões modernos podem ser de pequeno a grande porte, e são Tarrafa


Instituto Brasileiro lançados por um canhão de ar comprimido. Os menores são utilizados prin-
do Meio Ambiente e É uma rede muito usada em baías, portos, lagos, rios e canais, para a
dos Recursos cipalmente na pesca esportiva, enquanto os maiores são, ainda nos tempos captura de diversas espécies de peixes e camarões, e é constituída das se-
Naturais Renováveis
atuais, usados na caça de baleias, em algumas partes do mundo (Figura 41). guintes partes (adaptado de GAMBA, 1994):
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 95

• Rede (panagem): tem o formato cônico com um raio inferior (boca) de 3 Gerival
a 4 metros, confeccionada com malhas que variam de acordo com a
O gerival é um aparelho de pesca empregado nas regiões Sudeste e Sul
espécie a que se destina capturar;
do Brasil, na captura do camarão, por pescadores artesanais ou de pequena
• Tralha: é um cordel macio onde são colocados os pesos de chumbo de escala, em águas estuarinas onde há forte correnteza de marés (GAMBA, 1994).
3,3 a 4 kg. Da tralha partem pequenos fios (rufos) que são presos às
malhas pela parte interna da panagem, à altura de 25 cm, aproximada- Segundo esse autor, a arte de pesca é, basicamente, uma adaptação de
mente, a fim de formar uma bolsa onde ficam os peixes aprisionados. uma tarrafa para camarão, que opera como rede de arrasto pela impulsão da
É responsável pela precipitação para o fundo e o fechamento da rede; força da maré (Figura 44a). É composta das seguintes partes (Figura 44a, b):
• Retinida (fiel): cabo que parte do centro (vértice do cone) da rede, • Panagem: formato cônico, similar ao de uma tarrafa, confeccionada
com comprimento de 5 ou mais metros, e que serve para o içamen- com malhas com tamanho apropriado para a pesca de camarão ju-
to do petrecho. venil.
Segundo Gamba (1994), essa rede quase sempre é tecida manual- • Cordão (fiel): cabo que parte do centro (vértice do cone) da rede,
mente, uma vez que há necessidade de ser acrescido o número de malhas nas com comprimento que varia conforme a profundidade da coluna
diversas carreiras, a fim de dar a forma cônica e circular (Figura 43a). d’água e, portanto, de operação do aparelho, e que serve para supor-
Segundo esse autor, a operação do petrecho tem início quando o pescador tar a rede durante o arrasto e o recolhimento.
avista um cardume na superfície. Mantendo o fiel preso em uma das mãos, lança • Carapuça: é montada na parte superior da rede, com o auxílio de um
para o alto e para a frente a rede, imprimindo ao mesmo tempo um impulso de aro metálico do qual partem quatro cordões que se fixam a um pe-
giro, calculando a força para que a rede caia totalmente aberta sobre os peixes. queno flutuador circular que fica no interior da bolsa (carapuça) e que
Como consequência do giro, as chumbadas, pela força centrífuga, fazem com que serve para manter o aro na posição horizontal, tendo a função de
a rede se abra, formando um círculo (Figura 43b). Quando a tralha toca na água,
manter a carapuça constantemente aberta. É nessa parte que os
cessa o movimento de giro e, por gravidade, a tralha com os pesos de chumbo
camarões ficam retidos.
descem rapidamente para se juntarem, fechando a rede sobre os peixes. Em se-
guida, o pescador, puxando lentamente o fiel, recolhe a rede para a despesca. • Vara (trave): barra de PVC ou bambu, com três metros de compri-
mento, que serve para elevar um dos lados do equipamento a uma
altura de 30 a 40 cm do fundo, uma vez que no centro da trave é fi-
xado o cordão que passa, posteriormente, por dentro do aro e do
flutuador, indo até a mão do pescador, proporcionando, assim, a
abertura de parte da rede para a entrada dos camarões.
• Chumbada (tralha): é um cordel macio, onde são colocados os pesos
de chumbo, responsável pela precipitação e manutenção da rede
(um dos lados) junto ou arrastando no fundo do ambiente (estuário).
Este aparelho é operado por um pescador embarcado numa canoa ou
bateira, que o larga até tocar o fundo, mantendo o travessão de PVC ou bambu
à altura de 30 cm deste, e arrastado ao sabor da corrente. Quando o camarão
(a) (b) Instituto Brasileiro
é coberto pela panagem, sua reação é subir e passar pelo aro metálico que do Meio Ambiente e
Figura 43 Tarrafa (a) e sua operação (b). fica aprisionado na carapuça da rede. O arrasto é realizado durante 15 a 20 dos Recursos
Naturais Renováveis
Fonte: Dias-Neto (2011); MPA (2013). minutos, e depois é içado para a despesca.
96 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

(a)

Figura 45 Tipos de redes de emalhe de fundo e de superfície, com detalhe sobre o emalhe de peixes.
Fonte: Fonteles-Filho (2011) e FAO (2002).

As redes de emalhar são, também, denominadas redes de espera e


existem três tipos principais denominadas redes de fundo, de meia-água e de
(b) superfície (Figura 46), cujas características são definidas de acordo com suas
Figura 44 Rede tipo gerival (a) e esquema de operação de pesca com esse equipamento (b). construções (armações) e na dependência da espécie-alvo. De forma simplifi-
Fonte: Gamba (1994). cada, essas redes apresentam as seguintes partes básicas (adaptado de KLI-
PPEL et al., 2005; GAMBA, 1994):
A grande vantagem do gerival é a não captura de peixes, mas ape-
nas de camarões, sendo, dessa forma, bastante seletiva e ideal para áreas • Pano, panagem ou conjunto de panos: é um ou vários panos (confec-
estuarinas, onde a preservação da ictiofauna é importantíssima (GAMBA, cionados com malhas) retangulares, entralhados e unidos entre si,
1994). formando o corpo de uma rede ou de um espinhel de rede;

Métodos de pesca passivos • Tralha superior: linha de grosso diâmetro ou cabo onde é entralhada
(fixada) a parte superior do pano retangular e colocadas as boias que
As características e funcionalidades dos principais métodos de pesca são responsáveis pela flutuação da rede;
passivos, assim como as principais espécies-alvo das pescarias no Brasil se-
• Tralha inferior: linha de grosso diâmetro ou cabo onde é entralhada
rão abordadas a seguir.
(fixada) a parte inferior do pano retangular e colocados os pesos ou
a) Emalhe chumbadas para manter, em contraposição com as boias, a rede
Na pesca com redes de emalhe, segundo Hubert (1985), a captura esticada e na vertical.
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e ocorre no momento do deslocamento dos cardumes, oportunidade em que o A relação entre o peso da tralha inferior e a capacidade de flutuação
dos Recursos pescado fica preso nas malhas da rede pela porção anterior, principalmente das boias é que define se a rede vai operar na superfície, em meia-água ou no
Naturais Renováveis
entre os olhos e o início da nadadeira dorsal (Figura 45). fundo. Já o coeficiente de entralhe é responsável por deixar as malhas mais
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 97

abertas (pano esticado) ou fechadas (pano frouxo), influenciando, respectiva- A Figura 47 ilustra, de forma esquemática, o processo de desenvolvi-
mente, no maior ou menor poder de seletividade do aparelho de pesca (da mento de uma pescaria, na modalidade emalhe, apontando a sucessão de
rede). cenários do que já foi observado em várias pescarias em determinadas par-
tes do mundo (LARKIN, 1982; BOFFO; REIS, 2003). Nesses casos, é descri-
Essas redes podem atuar com uma extremidade presa ao barco de ta a seguinte sequência de fatos: quando passa a ocorrer o uso continuado
pesca e à deriva (se desloca com as correntes, juntamente com o barco) das redes e é observada uma estabilização das capturas, uma primeira rea-
ou fixada por uma poita ou âncora nas duas extremidades (Figura 46). ção leva à utilização de redes maiores (fases de pré-desenvolvimento e de
crescimento). Com o passar do tempo e com a queda da produtividade, do
tamanho médio dos peixes capturados e da produção, ocorre novo aumento
no tamanho das redes e na duração do tempo pescando, associado à dimi-
nuição do tamanho das malhas (fases de explotação). O agravamento dos
resultados negativos das pescarias leva, então, à última fase, quando são
utilizadas redes ainda maiores e com menor tamanho de malha, em pesca-
rias por longo período de tempo, registrando, entretanto, a continuidade da
redução no tamanho médio dos peixes capturados, menores produtividades,
e a captura atingindo níveis críticos (sobre-explotação).
O cenário descrito, segundo o MPA e o MMA (2011), retrata adequa-
damente o que vem ocorrendo com as pescarias de emalhe na costa brasi-
leira, especialmente em decorrência da falta de respeito à legislação defini-
da ou de inadequada aplicação ou, ainda, da insuficiência de regras
atualmente estabelecidas. Essa situação provocou várias crises e está con-
duzindo à revisão das regras de uso dessas artes de pesca nas águas juris-
Figura 46 Tipos de emalhe de fundo, de meia-água e de superfície.
dicionais brasileiras.
Fonte: Haimovici (2007).

Como evidenciado, este método de pesca tem muitas variantes e a


mais perigosa para a fauna marinha e para a própria navegação é a rede de
deriva, que também pode ter vários quilômetros de extensão e pode perder-
se, continuando a matar peixes que não são aproveitados (pesca fantasma) e
até mamíferos marinhos. Além disso, essas redes são praticamente invisíveis
e se um navio passar por cima de uma delas pode ficar com a hélice danifica-
da. Por essas razões, este método de pesca foi banido em vários países.
É relevante ponderar que as redes de arrasto podem apresentar uma
seletividade razoável, dependendo da definição da espécie-alvo e de estudos
que definam o tamanho de malha ideal para a captura dessa espécie. Essa
Instituto Brasileiro
seletividade, entretanto, não minimiza os impactos que a rede causa à fauna do Meio Ambiente e
acompanhante e, muito menos, às capturas incidentais, principalmente de Figura 47 Fases de desenvolvimento de uma pescaria de emalhe. dos Recursos
Naturais Renováveis
espécies ameaçadas. Fonte: Boffo e Reis (2003), modificado de Larkin (1982).
98 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Ainda na categoria de rede de emalhe, existe a chamada rede de cipalmente as espécies mais vulneráveis em termos de capacidade de reno-
tresmalhos. O princípio de construção e de captura dos tresmalhos é mos- vação populacional, podendo gerar problemas de conservação, inclusive
trado na Figura 48. Neste caso, os peixes são capturados por entrelaça- extinção. Logo, efetivar ações de controle é preciso para evitar que se agrave
mento, o que é facilitado pela construção especial de três painéis (panos) o quadro.
de redes paralelas e ligadas na mesma tralha, com elevado grau de frou-
As pescarias com o uso de redes de emalhe no Brasil são direcionadas
xidão.
para a captura de muitas espécies de pescados tanto em águas marinhas
como continentais. No ambiente marinho destacam-se as capturas de corvi-
na, castanha, pescadas, peixe-sapo, abrótea, cação-martelo, mangona etc.
Já na pesca continental é evidenciada a captura de piramutaba, dourada, tam-
baqui, jaraqui, curimatã etc.
b) Linha e anzol
As artes de pesca construídas com linha e anzol são de vários ti-
pos: espinhel horizontal (atuando na superfície, em meia-água ou no fun-
do); espinhel vertical; vara, linha, anzol e isca-viva; linha de mão; corrico
ou linha de corso; caniço (vara) e anzol. Em seguida, apresentaremos as
principais características dessas artes, formas de atuação e espécies-alvo
de captura.
Espinhel horizontal (longline)
Segundo Aragão e Lima, 1985, e Gamba, 1994, esse tipo de espinhel
é composto de várias seções (rolos ou basquetes) e cada uma é integrada
por: boia-rádio e/ou luminosa, boia-cega, cabo de boia, linha principal (linha-​
Figura 48 Rede de tresmalhos. madre), linha secundária e anzol, conforme ilustra a Figura 49. Complemen-
Fonte: FAO (2002). tam, ainda, na armação de cada seção, os seguintes assessórios: bandeira,
enquanto uma rede de emalhar comum tem um único painel (pano) destorcedor, estropo (de aço ou náilon) e grampo (snap).
de malhas, o tresmalho tem três, além de um pano central de malhas pe- As espécies-alvo a serem capturadas são as que definem se o espinhel
quenas e dois panos laterais de malhas de maior dimensão. Quando um vai atuar na superfície, em meia-água ou no fundo. Para isso, são feitos os
peixe entra em contato com a rede, ele pressiona a rede de malha pequena, ajustes necessários nos tamanhos das linhas (madre e secundária) das se-
através de uma malha adjacente maior, e fica preso por enredamento no ções ou rolos, assim como no número e na distância entre os anzóis.
pano coletor.
É relevante destacar, ainda, que a quantidade de seções (rolos ou
Tresmalhos geralmente são utilizados como redes de emalhar de fun- basquetes) e, portanto, o comprimento total de um espinhel varia, depen-
do, principalmente em pescarias de pequena escala. dendo de uma série de fatores, além das espécies-alvo e, entre eles, cita-
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e Na realidade, o uso das redes de emalhe em diferentes escalas, sob a mos: tamanho do barco, disponibilidade ou não de equipamento (guincho)
dos Recursos ótica do impacto que promove nos ambientes em que ocorre, é elevado, afe- para lançamento e recolhimento do espinhel, quantidade de tripulantes
Naturais Renováveis
tando as inúmeras populações de organismos aquáticos que os habitam, prin- (pescadores) etc.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 99

à espécie a ser capturada. Pode causar sérios impactos sobre outras espé-
cies não alvo (fauna acompanhante), por capturas incidentais, inclusive algu-
mas ameaçadas de extinção como as tartarugas, os pássaros tipo albatrozes
e petréis, os tubarões etc.
Entretanto, existem técnicas ou dispositivos que, se adequadamente
utilizados, minimizam os impactos da pesca de espinhel sobre as espécies ou
grupo de espécies.
No caso das tartarugas, a redução das capturas e da mortandade pós-
captura nas pescarias com espinhel pelágico pode ocorrer se algumas medi-
das forem adotadas, entre elas citamos: uso de anzóis circulares, de instru-
mento para a remoção de anzóis (dehookers), e de cortadores de linha (line
cutters). Experimentos comparativos entre o uso de anzóis circulares e os
tradicionais (do tipo J – Figura 50a), desenvolvidos no Brasil pelo Projeto Ta-
mar, nas pescarias do Sudeste e do Sul, demonstraram que o uso de anzóis
Figura 49 Tipos de espinhel. circulares (Figura 50b) pode contribuir para a conservação das tartarugas-ca-
Fonte: Haimovici (2007). beçudas Caretta caretta e das tartarugas-de-couro Dermochelys coriacea,
Os espinhéis podem atuar à deriva ou ser fixados. No primeiro caso, pois reduz significativamente a captura e a mortalidade pós-captura, devido a
após o lançamento do equipamento, uma das extremidades fica conectada ao lesões no esôfago causadas, frequentemente, pelo anzol tradicional. O uso de
barco, que também fica à deriva durante a operação de pesca. Já no segundo anzóis circulares também demonstrou um efeito positivo na captura da maio-
caso, as extremidades ficam fundeadas por poitas (âncoras), enquanto a par- ria das espécies-alvo (SALES et al., 2010).
te superior é sustentada por boias-cegas, luminosas e de rádio, sendo a última
para facilitar a localização do espinhel.
Os anzóis do espinhel são iscados para atrair o peixe. Assim, o efeito
visual ou o odor liberado pela isca leva o peixe a nadar para ingerir a isca e,
dominantemente, o anzol, com alta probabilidade de capturá-lo. São usados
como isca peixes menores como sardinha, cavalinha, lulas, pedaços de peixes
e até iscas artificiais, em alguns casos.
O espinhel tipo longline é, dominantemente, destinado a capturas de
peixes pelágicos de grande porte como os tunídeos, o espadarte, os tubarões
etc. Já outros tipos de espinhéis são usados em pescarias regionais, como o
empregado na Foz do Amazonas, para a captura de piramutaba e dourada,
entre outras, assim como a pesca com espinhel de fundo no Sul do Brasil, para (a) (b)
a captura do cherne-poveiro, do batata e da abrótea-de-profundidade como Figura 50 Anzol do tipo J (a) e anzol circular (b).
espécies principais (HAIMOVICI; VELASCO, 1998). Fonte: (a) Coluchi, 2006, e (b) http://www.guiadapesca.com.br, consultado em 27/10/12.
Instituto Brasileiro
Esse tipo de aparelho de pesca pode apresentar bom nível de seletivi- A mortandade de pássaros, especialmente albatrozes e petréis, pode do Meio Ambiente e
dade para a captura da espécie-alvo, que depende de estudos prévios e, es- ser minimizada com o uso de linha espanta-pássaro (toriline), conforme defi- dos Recursos
Naturais Renováveis
pecialmente, da determinação da seletividade do anzol (tamanho) em relação nido na INI MMA/MPA nº 04/2011 e ilustrado na Figura 51a, b.
100 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

O uso dessa medida mitigadora não beneficia apenas as aves, esse aspecto, pesquisa realizada pelo Projeto Albatroz registrou au-
mas também a produtividade da pesca, que aumenta. Protegendo as mento de 18% na pro­d ução, quando comparou barcos pescando com e
iscas dos ataques das aves, o número de anzóis que permanecem com sem o uso de toriline. a redução na morte das aves foi de 64% (BRA-
isca “pescando” é maior, atraindo e capturando mais peixes. Sobre SIL, 2011).

(a) (b)

Figura 51 Toriline recomendado na INI MMA/MPA nº 04/2011 (a) e foto de um barco espinheleiro utilizando-o (b).
Fonte: Brasil (2011).
Já a captura de tubarões pode ser diminuída quando se utiliza na cone- O tipo de espinhel vertical mais utilizado no Brasil é o denominado
xão entre a linha secundária e o anzol um estropo de náilon e não de aço. A linha pargueira, utilizado nas pescarias do Norte e do Nordeste para a cap-
possibilidade de sobrevivência de indivíduos capturados e soltos, ou que rom- tura direcionada ao pargo Lutjanus purpureus e outros vermelhos. É utiliza-
peram a linha/estropo, pode, ainda, ser incrementada se o anzol utilizado for do, ainda, na área do Mar Novo e de Abrolhos, entre outras pescarias do li-
construído com metal que apresente capacidade de degradação mais rápida. toral brasileiro.
Espinhel vertical (linha pargueira) As pescarias com linha pargueira podem ocorrer de três formas distin-
tas: com o uso de “bicicleta”, o uso de caíques e pelo sistema de “boinha”,
O espinhel vertical é utilizado para a captura de peixes em grandes
conforme descrito a seguir (SOUZA, 2002).
profundidades e, segundo Gamba (1994) e Souza (2002), consiste, basica-
mente, das seguintes partes: linha principal (podendo chegar a algumas cen- A “bicicleta” é um sistema de roldanas (carretel com cabo ou manivela girató-
Instituto Brasileiro ria – de recolhimento – e haste com uma roldana acoplada, conforme ilustra-
do Meio Ambiente e tenas de metros); destorcedor (girador); linha pargueira (onde são fixados os
dos Recursos anzóis); linhas secundárias com anzóis (variando de 10 a mais de 20); e chum- do na Figura 52a) fixado na borda do barco de pesca cuja função é facilitar o
Naturais Renováveis
bada (Figura 52b). Os anzóis são, normalmente, iscados. recolhimento da linha pargueira.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 101

Figura 53 Barco da pesca de pargo com caíques no convés.


Fonte: Furtado-Júnior (2006).

No sistema de pesca com o uso de boinha, a linha pargueira é lançada


da embarcação e fixada a uma boia que é monitorada e recolhida com o pro-
duto da pescaria. Esse sistema de pesca pode aumentar significativamente o
poder de pesca de determinado barco, já que o número de boinhas e de linhas
pargueiras pode ser maior que o utilizado quando se pesca com o apoio de
“bicicleta” ou de caíques. A boinha pode, ainda, perde-se e provocar uma
“pesca-fantasma”.
Vara, linha, anzol e isca viva
O equipamento, em si, é muito simples e consiste de uma vara, uma li-
(a) (b)
nha e um anzol sem farpa ou barbela (GAMBA,1994). Entretanto, a operação de
Figura 52 Pesca com linha pargueira com o uso de bicicleta (a), e esquema de um espinhel vertical (b). pesca é mais complexa, já que depende de um conjunto de características pró-
Fonte: Sousa (2002) e Furtado-Júnior (2006). prias.
Já na pesca com o uso de caíque, o barco transporta vários pequenos O barco deve possuir características como recipiente ou tina oval ou
botes ou canoas no seu convés (Figura 53) e, ao chegar à área de pesca, cada circular, para acondicionar as iscas vivas e ter circulação contínua da água,
pescador fica em um dos caíques, nas proximidades do barco que o transpor- para manter baixa a taxa de mortalidade das iscas. É necessário, também, um
tou, usando uma ou mais linhas pargueiras, oportunidade em que a linha é sistema de saída de água na borda do convés da embarcação, similar a um
lançada e ocorrem as capturas. A produção é, posteriormente, transferida chuveiro, para simular a concentração de pequenos peixes na superfície, bem
para o barco principal, e por ficar por um período exposta ao sol, dentro do como urnas para acondicionar o produto da pescaria, conforme ilustrado na
caíque, pode ocorrer perda de qualidade do produto. Pode ocasionar, ainda, Figura 54a. Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
risco para o pescador que, ao ficar à deriva em seu caíque, pode se perder do A pescaria com isca viva é constituída por duas operações distintas: dos Recursos
Naturais Renováveis
barco principal. (1) a captura e a estocagem da isca, a bordo do barco atuneiro, onde são man-
102 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

tidas vivas em tanques, na maioria das vezes, circulares, com renovação cons-
tante da água do mar; (2) a operação de pesca propriamente dita, que com-
preende a procura e a localização dos cardumes, que, em seguida, são atraídos
e concentrados próximo à embarcação, com o lançamento de iscas vivas
(engodo) e finos jatos de água, quando, então, são capturados utilizando uma
vara (bambu ou fibra de vidro/carbono), linha e anzol sem barbela, e desprovi-
dos de isca (Figura 54b).

(a) (b)

Figura 54 Barco típico de pesca com vara, anzol e isca viva (a); e pescadores em plataforma no costado da embarcação, realizando a captura de cardume de bonito-listrado atraído com isca viva (b).
Fonte: FAO (2002) e MPA (2013).

A isca viva utilizada nas pescarias brasileiras são, preferencialmen- sardinha-verdadeira, espécie que, de acordo com Lin (1992), representa 72,4%
te, exemplares juvenis da sardinha-verdadeira Sardinella brasiliensis. Ou- das iscas utilizadas. Testes estão sendo realizados para verificar a possibilidade
tras espécies de pequenos pelágicos, tais como sardinha-cascuda Haren- de utilização de outras iscas como a anchoíta Engraulis anchoita.
gula clupeola, manjuba Cetengraulis edentulus, manjubão Lycengraulis
Instituto Brasileiro A principal espécie-alvo dessa pescaria no Sudeste e no Sul do Brasil é
do Meio Ambiente e grossidens e boqueirão Anchoa sp. também são utilizadas, contudo, sua
dos Recursos menor disponibilidade e rusticidade, assim como o menor poder de atra- o bonito-listrado Katsuwonus pelamis, com produção histórica acima de 80%,
Naturais Renováveis
ção dos cardumes, têm feito com que a frota utilize prioritariamente a seguido das albacoras.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 103

Corrico ou linha de corso Segundo Gamba (1994), o equipamento, esquematicamente, divide-


se em quatro partes denominadas vara, linha, alça e anzol.
Segundo Gamba (1994), o corrico ou linha de corso é um aparelho
usado com a embarcação em deslocamento, para a captura de peixes pelági- • Vara: pode ser simples, como a de bambu, ou sofisticada como as
cos como cavala, xaréu, enchova, carapau, olhete, dourado, albacoras etc. de fibra de vidro, equipadas com molinete, que facilita bastante as
As embarcações que se destinam à pesca do corrico são dotadas de operações de lançamento e recolhimento da linha e do anzol.
longos tangones, onde são conectadas e operam várias linhas simultanea- • Linha: em geral de náilon monofilamento, com comprimento e diâ-
mente (Figura 55). metro proporcionais às espécies que se deseja capturar.
Esquematicamente, o aparelho é constituído de linha (100 a 300 m), • Alça: é uma pequena volta ou alça de arame de aço inox fixada na
destorcedor, alça (arame de aço inox de 1 a 2 m), anzol e iscas artificiais (me- extremidade superior da vara, onde se prende a linha.
tálicas, sintéticas, penas brancas de aves ou palha de milho) ou isca de peixes
• Anzol: são utilizados os mais variados tipos e tamanhos, de acordo
vivos ou não, assim como lulas etc.
com as espécies que se deseja pescar.
O conjunto pode, ainda, contar com uma chumbada na extremidade da
linha, oposta ao caniço, com a finalidade de facilitar no lançamento e precipi-
tação do anzol na água.
Na pesca com vara e anzol o peixe é atraído por estímulos visuais (is-
cas artificiais) e/ou pelo olfato provocado pelas iscas naturais. O peixe, ao
morder ou engolir o anzol, é fisgado e ocorre a captura.
• As pescarias com vara e anzol podem ser bastante seletivas tanto na
pesca profissional quanto na amadora, já que, dependendo das ca-
racterísticas da espécie-alvo e do objetivo da pescaria, pode-se es-
colher, de preferência com base em estudos de seletividade, o tipo e
o tamanho do anzol a ser utilizado.
c) Armadilhas e potes
Existem vários tipos de armadilhas utilizadas na pesca no Brasil.
Abordaremos, a seguir, as mais importantes, considerando as principais
características e as espécies-alvo de cada um desses tipos de arte de
Figura 55 Barco operando com linha de corso. pesca.
Fonte: Haimovici (2007).
Covos (manzuá e cangalha)
Caniço (vara) e anzol Os covos são armadilhas transportáveis com formato geométrico
O caniço ou vara e anzol é, certamente, um dos equipamentos de pes- bastante variado como os cilíndricos, semicilíndricos, retangulares, hexago-
Instituto Brasileiro
ca mais utilizados tanto pela pesca profissional quanto amadora no Brasil, seja nal etc. (Figura 56), com uma ou mais aberturas em forma de funil para a do Meio Ambiente e
em ambiente continental, costeiro ou marinho, por pescadores embarcados entrada do pescado, sendo muito eficaz na captura de espécies de pouco dos Recursos
Naturais Renováveis
ou não. movimento, que vivem próximas ao fundo.
104 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

(a) (b)
Figura 56 tipos de covos em operação.
Fonte: Haimovici (2007). Figura 57 Tipos de covos (a) e de cangalha (b) utilizados na pesca de lagostas.
Fonte: Ivo et al. (2012); Cavalcante (2012).
No caso da pesca de lagostas no litoral brasileiro, os covos ou manzuás
mais utilizados são os de formato hexagonal ou losango, conforme a Figura Os barcos que operam na pesca de lagostas com o uso de covo ou manzuá
57a, e, segundo Silva (1999), com armação de madeira revestida por uma tela têm um arranjo de convés específico, dominantemente com casaria na popa e
de arame ou pano de malha de náilon, com comprimento de 75 cm, altura de estruturas ou armações laterais para facilitar e aumentar a capacidade de trans-
70 cm e profundidade de 40 cm, e com uma única abertura ou sanga em for- portar os covos, conforme pode ser observado na Figura 58.
ma de funil, confeccionada com fio de poliamida. Quando da operação de
pesca, os covos são dispostos em um espinhel, com um distanciamento de
cerca de 15 m entre cada unidade. A quantidade é variada e, no caso de em-
barcações de médio ou grande porte, pode ter de 15 a 20 covos por espinhel.
A interligação entre os covos é feita com uma corda ou cabo de poliamida
210/18. Em cada uma das extremidades do espinhel de covos é colocado uma
garateia, pesando em média 30 kg, para fixar o espinhel em uma área definida
(IVO, 1999) e uma boia de sinalização. Os covos são iscados com cabeça de
peixes ou ossos de boi, entre outros subprodutos.
Na pesca de lagostas, especialmente a de pequena escala, no Ceará,
é utilizado outro tipo de armadilha, chamada cangalha, que tem formato dife-
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e rente, conforme a Figura 57b, e possui duas sangas cuja armação é de reves-
dos Recursos timento similar ao do covo. Nesse caso, cada armadilha é operada individual-
Naturais Renováveis Foto: Miguel von Behr
mente e é também iscada (IVO,1999).
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 105

cificações da construção de covos, bem como na


integração de seus escapes.
Rodriguez (1996) concluiu que o resultado
dos covos com estruturas para escape proporcio-
nou a diminuição da captura de lagosta com ta-
manho abaixo do permitido por lei e aumentou a
tendência de capturar lagostas maiores. Outros
benefícios que o escape favoreceu foi a redução
do número de animais machucados pela manipu-
lação, a agregação intraespecífica dentro do covo
e o tempo empregado pelos pescadores na sepa-
ração e classificação das capturas. Além disso,
reduziu a possibilidade de comércio ilegal na cap-
tura de lagostas com comprimento abaixo do per-
mitido.
Estudo em desenvolvimento pela Universi-
dade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), sob a
coordenação do Prof. Vanildo, vem confirmando o
observado no México e tem mostrado que a utiliza-
ção de dispositivos de exclusão em covos de la-
gostas no Brasil é uma ferramenta importante para
minimizar os impactos causados por essa modali-
dade de pesca sobre a biodiversidade e o meio
Figura 58 Barco lagosteiro utilizado no Fortim, estado do Ceará. ambiente. Isso pode colocar o Brasil em consonân-
Fonte: Raul et al. (2011).
cia com os países que lutam por uma gestão sus-
Estudos recentes sobre a captura e a seletividade de covos na pesca de lagostas, mesmo tentável da pesca da lagosta, caso seja utilizado o
considerando a definição legal de um tamanho mínimo de malha, como é o caso do Brasil (IN Ibama Dispositivo de Exclusão cujas características ainda
n° 138/2006), que define a obrigatoriedade de malha quadrada de no mínimo 5,0 cm, entre nós encontram-se em testes finais.
consecutivos, têm evidenciado a captura de indivíduos abaixo do tamanho mínimo permitido, Outro tipo de covo utilizado para a pesca
assim como grande quantidade de fauna acompanhante, apesar de existir formas eficientes de em pequena escala, especialmente de camarões
evitar essas capturas. em ambientes continentais, é o do formato cilíndri-
Experimento realizado no México concluiu que uma forma de evitar a continuidade da captura de co e empregado na pesca de camarões. Esses co-
organismos de tamanhos inferiores ao mínimo permitido é fazendo a abertura de escapes nos covos, em vos são construídos com taliscas de madeira ou
locais onde a utilização de dispositivos de exclusão em covos para lagostas permitiu um escape de cerca bambu, e têm sanga, conforme ilustração da Figu-
Instituto Brasileiro
de 70% dos organismos que ingressam nessas armadilhas. Foi evidenciado, também, que o dispositivo ra 59. O princípio de funcionamento é o mesmo do Meio Ambiente e
favorece diretamente o recrutamento de população capturável em uma próxima temporada de pesca. Por empregado na pesca de lagostas, e operam na dos Recursos
Naturais Renováveis
essa razão, uma das modificações principais nas normas de captura de lagosta seria a inclusão de espe- forma de espinhel.
106 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

ção disso, os potes normalmente são lançados sobre fundos de cascalho, não
muito distantes de áreas com substrato rochoso, onde os polvos buscam abri-
go, tornando-se uma “falsa” opção adicional de refúgio. Os potes permane-
cem imersos por cerca de três dias (http://www.pesca.sp.gov.br/noticia.
php?id_not=145, consultado em 6/12/12).
Como alternativa ao uso de potes para a pesca de polvos, pode-se utilizar
também pedaços de pneus costurados em suas bordas e, em uma das extremida-
des, deixando apenas uma entrada para o polvo, como ilustrado na Figura 60c.

Figura 59 Covos cilíndricos (matapi) utilizados na pesca de camarão em águas continentais.


Fonte: Ibama (2008).

Potes (armadilhas para a pesca de polvo)


A pesca com o uso de potes é direcionada para a captura do polvo e,
segundo Gamba (1994) e http://www.pesca.sp.gov.br/noticia.php?id_
not=145 (consultado em 06/12/12), o espinhel (conjunto de potes) é consti-
tuído das seguintes partes (Figura 60a):
• Pote: onde o polvo fica retido; (a)
• Um grande cabo principal (linha-mestra) que se prende aos potes
(cujo número varia de 500 a mais de 5.000, conforme a região);
• Cabos secundários: são mais finos que o cabo principal e, em intervalos
regulares, ligam este aos potes;
• Um conjunto com arinque, poita e boia: necessário para a fixação e
a localização do aparelho.
Os barcos de pesca de médio e grande porte, utilizados nas pescarias
do Sudeste e do Sul, apresentam características específicas tanto de arranjo
de convés (próprio para transportar o espinhel de potes) como de sistema que
auxilia no lançamento e no recolhimento do equipamento de pesca, composto
Instituto Brasileiro por guincho e pau de carga com roldana (Figura 60b). (b) (c)
do Meio Ambiente e
dos Recursos Essa arte de pesca parte do princípio de que o polvo, que busca e ob- Figura 60 Armadilhas utilizadas na pesca do polvo com potes (a) e (b) parte de um pneu (c).
Naturais Renováveis
tém alimento à noite, durante o dia procura refúgio para se proteger. Em fun- Fonte: Gamba (1994), (a) e (c) e http://siaiacad04.univali.br/?page=conheca_frotas_detalhes/potes-polvo, consultado em 6/12/2012 (b).
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 107

Curral de pesca ter como escapar. A despesca é, normalmente, realizada por dois pescadores,
com o auxílio de um puçá ou rede (Figura 61b). Quando são utilizadas redes,
É uma armadilha muito eficiente na captura de peixes em áreas costeiras
dentro de canais, rios ou lagoas. Sua construção é feita com estacas de madei- podem ser de modelos simples ou mais sofisticados. Geralmente têm formato
ra que se fixam ao fundo e são interligadas por cipós ou esteira de taquara, ou, retangular em cujas extremidades são colocadas duas varas de bambu que
nos últimos tempos, por panagem de malhas de náilon ou outros materiais. servem de apoio e as mantêm abertas durante o arrasto dentro do cercado.
Depois, são fechadas por um cordão que passa por dentro de várias anilhas
Os currais, segundo Gamba (1994), são constituídos das seguintes existentes na tralha inferior das redes.
partes, conforme ilustra a Figura 61a:
Esse tipo de arte pode constituir um perigo à navegação, quando aban-
• Espia: parede ou cerca também chamada de guia ou espera, que
donado, pois as estacas permanecem enterradas por longo período e provo-
direciona o peixe para dentro do cercado.
cam acúmulo de detritos junto ao cercado, formando “coroas” próximas às
• Cercado ou chiqueiro (pode existir um ou mais cercados – um grande e margens do ambiente aquático.
outro pequeno): local onde o peixe fica aprisionado.
Existem relatos, ainda, de que grande quantidade de armadilhas, e
Na junção da espia com o cercado, fica a boca de entrada, que é uma suas localizações, são motivos de desavença entre os pescadores, pois os que
abertura para dificultar o retorno do peixe. utilizam embarcações comentam que tais armadilhas são prejudiciais à nave-
Quando construídos em zonas de maré, durante as enchentes, o peixe gação, pois quando a maré está alta não é possível enxergá-las, tornando a
é levado para dentro do curral e quando a maré seca o animal fica retido, sem navegação perigosa.

(a) (b) Instituto Brasileiro


do Meio Ambiente e
Figura 61 Curral de pesca (a); foto de homens trabalhando em um curral de pesca (b). dos Recursos
Naturais Renováveis
Fonte: Gamba (1994) e acervo do Tamar.
108 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Cerco fixo teira e instalado em baías profundas onde permanece fixado por âncoras. Possui basicamente duas par-
tes (Figura 62b):
É similar ao curral de pesca, ou uma va-
riante deste, e, segundo Mendonça et al. (2011), • Caminho ou espia: mantida fixa por lastros, na parte inferior, e flutuadores na superfície que são
são armadilhas instaladas às margens do estuá- presos por uma das extremidades na costeira (costão rochoso), saindo perpendicular até a en-
rio, confeccionadas basicamente com varas de trada em forma de funil (boca) do rodo;
madeira roliça ou bambu (mourão), que servem • Rodo: é um grande cercado feito de panagens de rede, que é a parte do aparelho destinada a
de base e dão sustentabilidade à estrutura. No conter a pescaria até o momento da despesca.
litoral de São Paulo utiliza-se a taquara-mirim ou
filetes de bambus ligados entre si com arame gal- É bastante semelhante ao cerco fixo em relação à estrutura e ao funcionamento, porém é confec-
vanizado. A distância entre as taquaras (ou filetes cionado com panos de redes de emalhe.
de bambu) varia de acordo com a estação do ano,
possuindo no verão em torno de 3 cm e no inver-
no 5 cm, conforme o tamanho da espécie visada.
Os cercos fixos são formados pelas seguintes
partes (Figura 62a):
• Espia: esteira localizada entre o gancho e
o mangue, formada por mourões e taqua-
ras, ou filetes de bambu, unidas com ara-
me galvanizado. Tem a função de obstruir
a passagem dos cardumes que percor-
rem a margem;
• Ganchos: localizados entre a espia e a
casa de peixe, servem para dificultar o
escape dos peixes quando estes chegam
à casa de peixe;
• Porta: é a abertura da casa de peixe;
(a) (b)
• Casa de peixe: local onde ficam armaze-
nados os peixes capturados. Figura 62 Estrutura do (a) cerco fixo e do (b) cerco flutuante, utilizados nos litorais sul e norte de São Paulo, respectivamente.
Fonte: Mendonça et al. (2011).
Em São Paulo, esta arte de pesca é voltada
para a captura de peixes diversos, principalmente Aviãozinho
mugilídeos.
É uma armadilha fixa muito usada pela pesca artesanal ou de pequena escala, em lagoas e em peque-
Instituto Brasileiro Cerco flutuante nas profundidades (1,5 a 2,5 metros), no litoral sul do Brasil, para a captura do camarão-rosa e legítimo, utilizan-
do Meio Ambiente e
dos Recursos É uma adaptação do cerco fixo e, segundo do atração luminosa.
Naturais Renováveis
Seckendorff et al. (2009), é utilizado na região cos- Segundo Gamba (1994), a arte de pesca é composta das seguintes partes:
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 109

• Redes: cada uma tem o formato similar ao de uma rede de ar-


rasto, com duas mangas de mais ou menos 7 metros cada, e
um corpo medindo aproximadamente 4 metros, confeccionado
com panagem sem nós de PA multifilamento (Figura 63a).
• Válvulas (funis): no interior do corpo da rede são colocadas duas
válvulas (funis) com dois aros de arame com diâmetros de 60 cm e
15 cm, respectivamente, que servem para manter o corpo da rede
totalmente aberto. Esses funis têm o objetivo de manter os cama-
rões aprisionados no saco da rede (Figura 63a).
• Saco: é a parte da rede na qual os camarões ficam presos. Essa
parte fica presa à estaca central.
• Estacas: são fixadas no fundo da lagoa, onde as duas mangas da
rede são presas, bem como a estaca central que fixa todos os sacos
das redes e o lampião a gás (liquinho).
• Liquinho (lampião a gás): serve de fonte de luz para a atração dos
camarões. Para maximizar o aproveitamento da luz, são colocadas
de 5 a 8 redes, em forma de círculo, completando um arranjo similar
ao de uma estrela (Figura 63b).
(a) (b)
O aviãozinho opera filtrando as águas das correntezas da vazante, que
Figura 63 Rede fixa tipo aviãozinho (a); visão superior de um conjunto de redes armadas no local de pesca (b).
levam os camarões juvenis em sua migração para o mar. Essa rede é colocada
Fonte: Gamba (1994).
nas saídas das zonas de criação e no seu interior, próxima aos canais, forman-
do grandes concentrações. Sua utilização parece estar relacionada com a Outras artes e métodos de pesca utilizados no Brasil
época de baixa pluviosidade (DIAS-NETO, 2011).
Além das artes, dos dispositivos e dos métodos de pesca descritos
As redes tipo aviãozinho operam durante a noite. A despesca ocorre para a pesca nacional, existe uma gama de outros métodos, equipamentos e
ao amanhecer e é realizada, normalmente, por dois pescadores que utilizam artefatos de captura ou auxiliares a estes, relevantes localmente, em várias
uma pequena embarcação (dominantemente canoa a remo ou a motor) para pescarias nacionais, especialmente naquelas artesanais ou de pequena esca-
se deslocar até o local onde as redes foram fixadas e retornar com a produção la, para as quais, caso seja do interresse específico, sugere-se consultar a
de camarões. bibliografia especializada.

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
Fonte: Santos et al (2006).
111

2.3 SITUAÇÃO DAS PRINCIPAIS ESPÉCIES OU GRUPO


DE ESPÉCIES EXPLOTADAS

Neste capítulo serão abordadas a biologia e pesca das 17 espécies ou oficialmente, foram simplesmente repetidos os valores de 1990, o que nos
grupos de espécies da biodiversidade aquática responsáveis por 75% da pro- levou a não lançar essas repetições nos respectivos gráficos.
dução da pesca continental, e das 25 principais espécies ou grupo de espé-
Uma sístese dos resultados desse item é apresentada na Tabela 13 do
cies, responsáveis pela produção de cerca de 60% da produção da pesca
item 3.1.2, com a produção média do período e a de 2010, o status e a fonte
marinha.
que avaliou a situação de uso de cada espécie ou grupo de espécie, assim
2.3.1 Biodiversidade continental como uma discussão sobre a importância do conjunto dessas espécies para a
pesca continental brasileira.
Segundo o Ibama (2009), a produção da pesca comercial continental é
resultado da explotação de 82 espécies ou grupo de espécies de peixes, além
Bagre mandi Pimelodus spp.
de um grupo de “outros” (espécies com pequena produção anual) e uma es- Um conjunto de espécies da família Pimelodidae é, certamente, in-
pécie de crustáceo (camarão). Já o MPA (2012) relaciona 72 espécies ou cluído na produção nacional como sendo o bagre mandi. Somente para o Rio
grupo de espécies de peixes, além da categoria “outros”, e uma de crustáceo Paranapanema é relatada a existência de 11 espécies conhecidas vulgar-
(camarão). mente como mandi (BRITTO, 2008). Considerando, entretanto, os três esta-
dos que apresentaram maior produção, nos anos de 2005 a 2007, em ordem
Ao considerar as espécies ou grupo de espécies historicamente com
decrescente, quais sejam: São Paulo, Maranhão, e Pará ou Minas Gerais (os
maior produção nos últimos 16 anos (média de mais de 4.000 t/ano – excetu-
dois últimos alternam-se, no período considerado, entre o terceiro e quarto
ando o pirarucu, incluído pela importância ecológica e econômica específica),
lugar), é provável que as espécies com maior participação nas capturas se-
segundo dados oficiais divulgados pela Sudepe, Ibama, Seap/PR e MPA, cons-
jam: Pimelodus maculatus Lacépède, 1803, nos ambientes ou nas bacias
tata-se que 17 (computando um grupo de exóticos – as tilápias) são respon-
hidrográficas do Sudeste e do Rio São Francisco (AGOSTINHO et al., 2003;
sáveis por 75% da produção nacional da pesca continental.
BRITTO, 2008; IBAMA, 2008; MARUYAMA et al., 2009), e nas bacias Ama-
Para essas principais espécies ou grupos de espécies, buscaram-se zônica e Araguaia-Tocantins as espécies P. blochii Valenciennes, 1840, e Pi-
informações bioecológicas na bibliografia especializada e foram consolidados melodina flavipinnis Steindachner, 1876 (SANTOS et al., 2006; MÉRONA,
os dados estatísticos de produção no período de 1980 a 2010. 2010).
Nos gráficos sobre a evolução da produção dessas espécies da pesca Instituto Brasileiro
P. maculatus Lacepède, 1803, conhecido também como mandi-amare- do Meio Ambiente e
continental, analisados a seguir, existe uma lacuna de informações para os lo (Figura 64), é uma espécie que pode atingir 50 cm, embora domine na dos Recursos
Naturais Renováveis
anos de 1991 a 1994, período em que não foi realizada a coleta de dados e, pesca indivíduos com comprimento entre 15-20 cm; possui nadadeiras, dor-
112 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

sal e peitoral, com espinhos fortes e pontiagudos; tem hábitos noturnos e


alimenta-se de outros peixes, insetos e restos vegetais (onívoro); espécie
migradora, com fecundação externa, desova parcelada, reprodução no lei-
to dos rios, na época das cheias, e sem cuidado parental; os jovens são
encontrados em braços mortos ou leitos abandonados de rios que se li-
gam ao canal principal na época das enchentes (BRITTO, 2008; NUNES,
2012).

Figura 65 Mandi-comum P. blochii Valenciennes, 1840.


Fonte: Santos et al. (2006).

Pimelodina flavipinnis Steindachner, 1876 (mandi-moela), é de


porte médio, com até 30 cm; corpo alongado; boca distintamente sub-
terminal e focinho longo; ausência de espinho nas nadadeiras peitorais
e dorsal; nadadeira adiposa longa e baixa; corpo cinza-amarelado com
numerosas manchas escuras arredondadas (Figura 66); estômago cons-
tituído por musculatura forte, bem desenvolvida, semelhante a uma moela
de ave. O nome “moela” é indicativo de que sua dieta inclui alimentos de
consistência dura ou envolvidos em “casca” rígida. Carnívoro, consome
Figura 64 Mandi-amarelo Pimelodus maculatus Lacepède, 1803. invertebrados como insetos e crustáceos, que são capturados no fundo.
Fonte: Nunes (2012).
Não há dados publicados sobre a reprodução do mandi-moela, mas supõe-
Segundo Santos et al. (2006), P. blochii Valenciennes, 1840 (mandi- se que sua desova seja total, no início da enchente (SANTOS et al.,
comum), é um bagre pequeno, de até 20 cm; corpo roliço a ligeiramente ele- 2006).
vado; cabeça alta e fortemente ossificada; olhos grandes; nadadeiras dorsal e
peitoral com espinho forte e pontiagudo; nadadeira adiposa alta e de contorno
anguloso; coloração variável entre cinza e amarelada, às vezes formando uma
ou duas faixas claras longitudinais nos lados do corpo; ampla distribuição na
Bacia Amazônica, sendo especialmente abundante em rios e lagos de águas
brancas; ocorre também em rios e igarapés maiores tanto em águas claras
quanto pretas (Figura 65).
Santos et al., 2006, informam, ainda, que é uma espécie de hábito
alimentar onívoro, consome frutos, detritos, invertebrados e pequenos peixes;
forma cardumes no período da seca, que são explorados pela pesca comercial Figura 66 Mandi-moela Pimelodina flavipinnis Steindachner, 1876.
Instituto Brasileiro Fonte: Santos et al. (2006).
em algumas regiões da Amazônia; desova no início da enchente; uma fêmea
do Meio Ambiente e
dos Recursos pode depositar cerca de 115.000 ovócitos; os menores exemplares sexual- O principal método de pesca empregado no estado de São Paulo, maior
Naturais Renováveis
mente maduros medem cerca de 14 centimetros. produtor, é o realizado com redes de emalhe (rede de espera), com diferentes
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 113

tamanhos de malha. Entretanto, são usados outros métodos como linha e


anzol, espinhel e tarrafa, entre outros. As embarcações usadas no apoio à
pesca são de pequeno porte (em torno de 6 m), a maioria é de alumínio e com
motor de 15 HP (MARUYAMA et al., 2009).
Nas bacias Amazônica e Araguaia-Tocantins as indicações encontra-
das na bibliografia especializada apontam que o método de pesca dominan-
te na captura comercial do bagre mandi é, também, o emalhe (rede de es-
pera ou malhadeira), existindo, ainda, outros como o uso de redes de cerco
(redinha), linha e anzol, tarrafa etc. Na região, utilizam-se, majoritariamente,
barcos pequenos (canoas a remo e a motor), seguidos dos de médio e gran-
de porte. Esses últimos, mais para o transporte da produção das áreas de
pesca para os grandes centros consumidores (RUFFINO, 2004; PETRERE, Figura 67 Comportamento da produção total nacional (t) do bagre mandi no período de 1980 a 2010.
2007; MÉRONA, 2010). O quadro descrito, diante da demanda crescente de pescado no mer-
Na Bacia do Rio São Francisco e, especialmente, em Minas Gerais (ter- cado nacional, o comportamento migratório do grupo de espécies e o compro-
ceiro ou quarto maior produtor, dependendo do ano considerado) a pesca do- metimento de alguns dos ambientes aquáticos onde ocorrem as principais
minante é, como nos casos anteriores, com rede de emalhe, seguida da pesca espécies do chamado bagre mandi, seja pela construção de barragens ou
com tarrafa, com linha e com espinhel. A frota do estado (2.027 embarca- outros impactos antrópicos, permite inferir que esse recurso encontra-se ple-
ções) é, basicamente, formada por canoas de madeira (79%) ou de alumínio namente explotado. Essa inferência merece uma atenuante quando se fala
(19%). Já a propulsão dominante é com motor (59%) e o restante com remo especificamente da Bacia Amazônica, contudo, não se afigura como razoável
(IBAMA, 2008). esperar grande aumento de produção em decorrência dessa possibilidade.

Segundo os dados da estatística pesqueira oficial, para o período de As pecarias do grupo de espécies vulgarmente conhecidos como
1980 a 2010, consolidados a partir de publicações de Sudepe/IBGE, Ibama e bagre mandi devem seguir as regras gerais definidas em legislações especí-
MPA, o comportamento da produção total do grupo de espécies incluídas no ficas seja nacional ou dos estados, para cada ambiente onde ocorre o grupo
nome vulgar de bagre mandi e cujas espécies possivelmente mais significati- de espécies, especialmente no tocante aos métodos de pesca e respectivas
vas nas pescarias nacionais foram descritas, é o apresentado na Figura 67, e características, áreas permitidas para a captura, entre outros aspectos.
podemos observar que a produção, em 1980, foi da ordem de 6.500 t, apre- Existem, entretanto, algumas regras específicas para esse grupo de
sentando tendência de crescimento até 1986, quando a produção total foi de espécie, conforme apresentado:
13.244 t. Nos três anos seguintes decresceu, com ligeira recuperação em
Tamanho mínimo de captura (comprimento total – CT)
1990 (11.549 t). Entre 1995 e, especialmente, 1996 (entre 1991 e 1994 não
houve coleta de dados de produção), registraram-se grandes decréscimos, Para P. maculatus: Sul e Sudeste (SP, ES e RJ): 18 cm (Portaria Ibama
quando a produção foi de apenas 5.466 t. No final dos anos de 1990 e até n° 25-N/1993); Bacia do Rio Paraná: 25 cm (IN Ibama n° 26/2009); Bacias hi-
2010 (com exceção de 2000, quando a produção foi de 10.362 t), a produção drográficas de Minas Gerais: 25 cm (Portaria IEF n° 111/2003); e Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
total nacional desse grupo de espécies variou entre 5.588 t (1997) e 6.432 t Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco: mandi Pimelodus sp.: 15 cm dos Recursos
em 2010 (Figura 67). (Portaria Ibama n° 92/1995). Naturais Renováveis
114 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

As informações levam a ponderar que existe mais de um tamanho mí- outras espécies com o mesmo método de pesca que captura mandis (como o
nimo de captura regulamentado para uma mesma espécie de mandi, em um emalhe e a redinha), especialmente a da Amazônica; e considerando, ainda,
mesmo espaço geográfico; ocorre, ainda, igual diferença para uma espécie que o pescado capturado transite entre fronteiras dos estados ou áreas com
em áreas diferentes. Essa constatação, certamente, dificulta, em muito, o períodos de pesca distintos, e que não existe um sistema seguro de declara-
controle e a fiscalização do cumprimento dessas importantes medidas de ges- ção de origem do pescado, não se pode deixar de ponderar que esses aspec-
tão entre os estados e nas distintas bacias, e, especialmente, no conjunto do tos dificultam, em muito, o controle e a fiscalização, podendo minimizar, seve-
território nacional. É necessário, ainda, avaliar se não existe a possibilidade de ramente, ou mesmo anular a possível eficiência e eficácia dessa importante
tamanhos inadequados para a espécie P. maculatus capturada no Sul e no medida.
Sudeste (SP, ES e RJ) e/ou para Pimelodus sp. da Bacia Hidrográfica do Rio As questões abordadas permitem sugerir que se leve em considera-
São Francisco. ção, sempre que pertinente, os aspectos comentados no item 3.3.2 e, espe-
Defeso (proibição da pesca no período de migração reprodutiva) cificamente, discutir as seguintes medidas, objetivando aperfeiçoar as regras
de gestão para o uso sustentável da espécie:
• Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco: anual, no período de 1° de
novembro a 28 de fevereiro e nas lagoas marginais de 1° de novembro • Padronizar o tamanho mínimo de captura para cada espécie, em deter-
a 30 de abril (Portaria Ibama n° 50/2007). minada área ou bacia hidrográfica;
• Só adotar o defeso de reprodução se for para toda a Bacia Amazônica
• Bacias hidrográficas dos rios Araguaia, Paraná, do Sudeste (ES, MG,
e se os principais métodos de pesca direcionados à captura das espé-
RJ, SP e PR), Tocantins e Gurupi: anual, no período de 1° de novembro
cies forem também proibidos;
a 28 de fevereiro (Portarias Ibama n° 49/2007, nº 194/2008, nº
195/2008, INI n° 12/2011 e nº 13/2011). • Estudar a possibilidade de estabelecer áreas de exclusão para a pesca
(as consideradas críticas para a reposição dos estoques);
• Bacia Hidrográfica do Rio Uruguai (RS e SC): anual, de 1° de outubro a
31 de janeiro (Portaria Ibama n° 193/2008). • Considerar, ponderadamente, sempre que ocorrer a captura de mandis
em pescarias multiespecíficas.
• Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas, nos rios de Mato Grosso, anual,
de 5 de novembro a 28 de fevereiro; nos rios do AC, AM, RO, AP e PA: Branquinha Potamorhina altamazonica
anual, de 15 de novembro a 15 de março; e Roraima: anual, de 1° de (Cope, 1878) e Potamorhina latior (Spix & Agassiz, 1829)
março a 30 de junho (Portaria Ibama n° 48/2007). Santos et al., 2006, descrevem cinco espécies conhecidas vulgar-
As regras sobre os defesos, citadas anteriormente, liberam, com algu- mente como branquinha para a Bacia Amazônica, entretanto, informam
mas especificidades, a pesca esportiva e/ou de subsistência desembarcada que a espécie mais importante, economicamente, no mercado de Ma-
naus, é Potamorhina altamazonica (Cope, 1878), vulgarmente conhecida
(em alguns casos, com o uso de embarcação não motorizada), com o uso de
como branquinha-cabeça-lisa (Figura 68), vindo, em seguida, Potamorhina
linha de mão, caniço, vara com molinete ou carretilha. Definindo, para cada
latior (Spix & Agassiz, 1829), com o nome vulgar de branquinha-comum
bacia ou área, cotas individuais de captura (com limite, em quilo, mais um
(Figura 68). Uma terceira espécie com importância no Araguaia-Tocantins
exemplar), bem como a pesca com fins científicos.
(pesca no Lago de Tucuruí) é Psectrogaster amazonica Eigenmann & Ei-
Instituto Brasileiro Mesmo que se admita a possível necessidade de diferenciação dos genmann, 1889 (MÉRONA, 2010). Considerando, entretanto, que os três
do Meio Ambiente e
dos Recursos períodos ou a inclusão ou não de uma mesma espécie nos defesos, nas distin- estados com maior produção desse grupo de espécies são o Maranhão, o
Naturais Renováveis
tas áreas para uma mesma bacia hidrográfica; a não proibição da pesca de Amazonas e o Acre, neste estudo consideramos as duas primeiras espé-
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 115

cies como as mais importantes na pesca comercial do Norte e do Nordes-


te do Brasil.
A espécie Potamorhina altamazonica (Cope, 1878), conhecida no
mercado de Manaus como branquinha-cabeça-lisa, é um peixe de porte
médio, até 30 cm; corpo relativamente alongado; escamas diminutas e
em grande número, havendo 90 a 120 na linha lateral; 21 a 27 séries de
escamas entre a origem da nadadeira dorsal e a linha lateral, e 17 a 23
entre esta e a origem da anal; região pré-pélvica transversalmente arre- Figura 69 Branquinha-comum Potamorhina latior (Spix & Agassiz, 1829).
dondada, sem quilha; corpo uniformemente prateado (Figura 68). É uma Fonte: Santos et al.(2006).
espécie detritívora, consome matéria orgânica floculada, algas, detritos e
A pesca do grupo de espécies consideradas na estatística pesqueira
microrganismos associados; empreende migrações reprodutivas e desova
nacional, como a branquinha, é realizada na Bacia Amazônica, dominantemen-
no início da enchente; ocorre comumente em lagos de água branca (SAN- te com as redes de emalhe, aí incluído o sistema denominado regionalmente
TOS et al., 2006). de redinha (rede de emalhe utilizada na forma de cerco) e a tarrafa, entre ou-
tros (RUFFINO, 2004).
O comportamento histórico da produção total nacional do grupo deno-
minado branquinha, no período de 1980 a 2010, é apresentado na Figura 70,
que também apresenta que a produção do ano de 1980 foi de 4.282 t, apre-
sentando tendência de crescimento até 1987, quando foi registrado o recorde
de 8.746 t; decresceu nos dois anos seguintes, recuperando em 1990 (8.204
t), e, a partir de 1995 (de 1991 a 2004 não houve consolidação e divulgação
oficial da produção da pesca nacional) ocorreram significativos declínios na pro-
dução, atingindo, em 1998, apenas 4.374 t; nos anos seguintes foi registrada
pequena recuperação e na primeira década do século XXI tem ficado em torno
Figura 68 Branquinha-cabeça-lisa Potamorhina altamazonica (Cope, 1878), vulgarmente chamada de branquinha-comum. de 5.000 t (a produção de 2010 foi de 5.205 t).
Fonte: Santos et al.(2006).

Potamorhina latior (Spix & Agassiz, 1829), chamada no mercado de


Manaus de branquinha-comum, segundo Santos et al. (2006), é uma espécie
de porte médio, com até 30 cm; corpo relativamente alongado; região pré-
pélvica com quilha mediana que se estende até a porção pós-pélvica, porém
sem serras; linha lateral com 90 a 120 escamas; 15 a 18 séries de escamas
entre a origem da nadadeira dorsal e a linha lateral, e de 16 a 20 entre esta e
a origem da anal; coloração uniformemente cinza, ligeiramente mais escura no
dorso e clara no ventre (Figura 69). É um peixe que apresenta o mesmo regi-
me alimentar da espécie anterior e também empreende migrações reproduti- Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
vas e desova no início da enchente, ocorrendo comumente em lagos de água dos Recursos
Naturais Renováveis
branca. Figura 70 Comportamento da produção total nacional (t) do grupo denominado branquinha – 1980 a 2010.
116 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Os aspectos abordados, em especial os relativos à biologia reprodu- Curimatã Prochilodus nigricans Agassiz, 1829, e Prochilodus lineatus
tiva das espécies (dependente do fenômeno da migração); o indicativo do (Valenciennes, 1847)
crescimento continuado do esforço de pesca nas áreas do entorno dos gran-
O grupo de espécies consideradas nas estatísticas oficiais como curi-
des centros urbanos (crescimento da demanda por pescado); a construção de
matã, grumatã, curimba ou curimbatá, entre outros nomes vulgares, apresen-
barramentos nos rios e o comportamento da produção (declínio, com poste-
ta desembarques em todos os estados do Brasil. O fato anterior é compatível
rior estagnação), permitem inferir que o recurso (conjunto de espécies), no
com as informações disponíveis sobre o conjunto de espécies registradas
geral, encontra-se plenamente explotado.
ocorrendo nos ambientes continentais do País. Esse é, também, o grupo de
Quanto às regras gerais de gestão para a pesca desse grupo de espé- espécies com maior produção nacional na pesca continental, conforme será
cies, valem as considerações apresentadas para o grupo de espécies anterior- abordado adiante. As maiores produções, entretanto, ocorrem nas regiões
mente discutido. Norte (destaque para AM e PA) e Nordeste (especialmente BA, MA e CE),
Nas regras específicas, as branquinhas estão incluídas no defeso anual com pouco mais de 60% do total nacional.
dos rios da Bacia do Rio Amazonas e seus tributários no estado de Mato Grosso: Das espécies incluídas no grupo de curimatã, com base em Carolsfeld et
anual, de 5 de novembro a 28 de fevereiro; nos rios das bacias dos rios Araguari, al. (2003); Ruffino (2004); Santos et al. (2006); Petrere (2007); Britto (2008);
Flexal, Cassiporé, Calçoene, Cunani, Uaçá e seus tributários, no estado do Ama- Ibama (2008) e Maruyama et al. (2009), entre outros, consideramos que as
pá, e nos rios do estado do Pará: anual, no período de 15 de novembro a 15 de espécies Prochilodus nigricans Agassiz, 1829, e Prochilodus lineatus (Valencien-
março; nos rios do estado de Roraima: de 1° de março a 30 de junho (Portaria nes, 1847) são as mais destacadas.
Ibama n° 48/2007); na Bacia Hidrográfica do Rio Araguaia: anualmente, no
período de 1° de novembro a 28 de fevereiro (Portaria Ibama n° 49/2005). Batista et al. (apud RUFFINO, 2012), informam que P. nigricans Agassiz,
1829, é uma espécie restrita das bacias da Amazônia e do Tocantins e, segundo
A eficiência e a eficácia dessa medida para a recuperação e manuten- Santos et al. (2006), é considerada espécie de porte médio, podendo atingir até
ção dos estoques de branquinhas ficam, certamente, limitadas em decorrên- 50 cm e 3 kg; tem boca em forma de ventosa, com lábios bastante desenvolvi-
cia dos mesmos aspectos levantados quando discutiu-se essa medida para dos, bordejados por inúmeras papilas globulares ou cristas carnosas e reversí-
os mandis. veis; numerosos dentes diminutos, espatulados, móveis, implantados em duas
• A gestão do uso dessas espécies deveria ser aperfeiçoada para buscar fileiras, sendo a interna em forma de V e a externa reta, ao longo da margem
a sustentabilidade nas pescarias e, considerando os aspectos aborda- externa dos lábios; escamas ctenoides, ásperas ao tato; nadadeira caudal com
dos, é sugerido discutir a pertinência de adotar, especificamente, as fileiras verticais irregulares e sinuosas de pequenas manchas escuras; linha late-
seguintes medidas: ral com 44 a 51 escamas; 7 a 11 fileiras de escamas entre a origem da nadadei-
• Só adotar o defeso de reprodução se for para toda a Bacia Amazônica ra dorsal e a linha lateral, e 7 a 9 fileiras entre esta e a origem da nadadeira
e os principais métodos de pesca, direcionados à captura das espé- ventral (Figura 71). É um peixe detritívoro, que se alimenta de algas perifíticas,
cies, forem também proibidos. microrganismos animais e matéria orgânica em decomposição, geralmente de-
positada no fundo dos rios; formam cardumes numerosos e empreendem longas
• Estudar a possibilidade de estabelecer áreas de exclusão para a pesca migrações reprodutivas e tróficas, podendo superar grandes obstáculos como
(as consideradas críticas para a reposição dos estoques). corredeiras e pequenas cachoeiras; desova na enchente, em rios de água bran-
Instituto Brasileiro • Sempre que ocorrer a captura de branquinhas em pescarias multiespecí- ca ou clara; os alevinos e jovens são criados nas áreas de várzea; o comprimen-
do Meio Ambiente e
dos Recursos ficas, considerar as implicações desse fato para definir as novas regras to-padrão médio da primeira maturação sexual é em torno de 26 cm, quando os
Naturais Renováveis machos atingem cerca de 1,7 ano e as fêmeas 2,1 anos de idade.
de uso.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 117

total desembarcado em Santarém, 81% provêm de barcos motorizados que


levam gelo e equipe de pescadores com suas canoas, transportando a produ-
ção até a cidade. Os 19% restantes são desembarcados por canoas, com e
sem motor, barco de recreio e barco de carga.
Já no Médio Solimões, segundo Viana, apud Ruffino (2004), domina a
captura com redes ativas (rede de emalhe utilizada na forma de cerco ou ar-
rastando), seguida da malhadeira. A frota da área é dominada por canoas a
remo ou a motor (rabeta).

Figura 71 Curimatã Prochilodus nigricans Agassiz, 1829. Batista et al., apud Ruffino (2012), por sua vez, informam que a captu-
Fonte: Santos et al. (2006). ra da curimatã da pesca profissional na Amazônia Central é efetuada principal-
mente com a redinha, mas a malhadeira é importante ou até predominante
Britto (2008) descreve P. lineatus (Valenciennes, 1847) com um cor- em cidades do interior da Amazônia, no Baixo Amazonas ou em comunidades
po de coloração clara a prateada com dorso levemente mais escuro; as na- ribeirinhas do Baixo Solimões.
dadeiras levemente escurecidas; boca terminal com lábio superior espesso
e dentes finos e depressíveis implantados nos lábios; presença de pequeno Santos et al., 2006, e Batista et al., apud Ruffino (2012), consideram a
osso, formando um espinho, antes da nadadeira dorsal. Informa ser uma curimatã como um dos peixes mais populares e de maior importância econô-
espécie migradora com desova total, fecundação externa, sem cuidado pa- mica em vários mercados pesqueiros da região amazônica. Em decorrência de
essa região ser a maior produtora e por ser essa espécie a que apresenta
rental e hábito alimentar iliófago. Os comprimentos-padrão médios da pri-
maior participação histórica na produção total da pesca continental, pode-se
meira maturação (Ls 50%), estimados para a Bacia do Rio Miranda/MS, para
considerá-la como a espécie que tem mais relevância para a alimentação e
machos e fêmeas, foram de 26,6 cm e 28,5 cm, respectivamente (RESENDE
para a economia pesqueira das capturas provenientes de ambientes continen-
et al., 1995).
tais do País.
Na área do Baixo Amazonas, a pesca é, dominantemente, realizada
O grupo vulgarmente conhecido como curimatã ocupa o primeiro lugar
com redes de emalhe, seguida da redinha (rede de emalhe utilizada na forma
na produção nacional de peixes da pesca continental do Brasil. A produção
de cerco), e da tarrafa (ISSAC et al., apud RUFFINO, 2004). As pescarias são média do grupo, no período de 1995 a 2010, foi de 26.960 t. Em 2010, a pro-
mais concentradas nos lagos, seguidas por pescarias em rios. A frota é com- dução total foi de 28.433 toneladas.
posta de canoas (com e sem motor) e barcos motorizados de pequeno e
médio porte. O comportamento histórico da produção de curimatãs, no período
de 1980 a 2010, é apresentado na Figura 72. Nos anos de 1980 a 1987 é
No Médio Amazonas, a captura da curimatã é realizada com grande observada tendência da produção total crescente, atingindo o máximo no
variedade de artes de pesca, no entanto, segundo Mota e Ruffino (1997), no último ano, de 35.795 t; a partir de 1989, a tendência foi de produção
biênio 1992 e 1993, as redes de espera, conhecidas regionalmente como ma- decrescente, atingindo o menor valor do período histórico considerado,
lhadeira, foram responsáveis por 80% da captura total. Informam, ainda, que em 1998, com 21.364 t; a partir de então, houve significativa recupera-
53% das capturas ocorreram em lagos, 41% em rios e apenas 3% em outros ção, voltando, nos anos de 2002 e 2003, a patamares pouco acima de
ambientes, tais como igarapés, enseadas, furos e praias, e aproximadamente 30.000 t; nos últimos anos, a produção total esteve em torno de 28.000 Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
3% dos desembarques não possuem referência ao local de captura. Já do toneladas. dos Recursos
Naturais Renováveis
118 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

sentado declínio dramático de produção na Bacia do Rio São Francisco (Pro-


chilodus sp.).
Em decorrência dos dados e informações expostos, associados aos
problemas de degradação ambiental e das condições naturais de grande
parte das principais bacias hidrográficas brasileiras e, ainda, das caracterís-
ticas intrínsecas desse grupo de peixes, com destaque para a dependência
do fenômeno da migração, considera-se que o grupo encontra-se plena-
mente explotado ou em situação de sobrepesca em áreas específicas. As-
sim, a possibilidade de manutenção ou ligeiro incremento da produção des-
se grupo de espécies seria mais viável se recuperadas as condições
ambientais dessas principais bacias ou, ainda, de medidas de gestão que
favorecessem a recuperação dos estoques em áreas identificadas como crí-
ticas.
Figura 72 Comportamento da produção total nacional (t) do grupo de curimatãs –1980 a 2010.
A pescaria de curimatãs está sujeita a uma série de regras gerais defi-
As avaliações sobre a situação do uso de curimatãs são espaçadas, nidas para a pesca continental no Brasil.
pontuais e, em alguns casos, controversas. Como exemplos, citam-se os es-
tudos realizados no estado do Amazonas, um dos estados com maior produ- As regras específicas para esse grupo de espécies contemplam:
ção. As conclusões de Fonseca et al. (2011), que fizeram a caracterização dos Tamanho mínimo de captura (comprimento total – CT)
desembarques pesqueiros efetuados na Colônia de Pescadores Z-31, no mu-
nicípio de Humaitá/AM, apontaram que havia indícios de que a espécie Curi- Para Prochilodus nigricans: 25 cm – bacias hidrográficas dos rios To-
matã, por ter grande procura regional, pode passar por um processo de dimi- cantins (INI MPA/MMA n° 13/2011), Araguaia (INI MPA/MMA n° 12/2011),
nuição drástica de produção, pois os dados indicam projeção de redução para do Amazonas (Portaria Ibama-AM n° 1/2001); e de Mato Grosso: 30 cm (Lei
2014 de aproximadamente zero, enquanto as outras espécies não sofrem re- estadual n° 9.794/2012).
duções nos desembarques no período do estudo. Já Freitas et al., apud Petre- Para Prochilodus lineatus: 38 cm – bacias hidrográficas dos rios Paraná
re Junior. (2007), em levantamento do estado de explotação dos estoques de (IN Ibama n° 26/2009), Paraguai, nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso
curimatã, jaraqui, surubim e tambaqui na Bacia Amazônica, consideram que
do Sul (Portaria Ibama n° 3/2008 e Lei estadual n° 9.794/2012); e 30 cm nos
“... os estoques desta espécie que abastecem o mercado de Tefé apresentam
estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Ja-
indício de sobrepesca”, enquanto as avaliações com os dados de produção de
neiro e Espírito Santo (Portaria Ibama n° 24-N/1993).
Manaus indicam que somente em um ano (1994), da série de anos, e de da-
dos estudados, o esforço de pesca foi superior ao ótimo calculado e capaz de Os dados apresentados evidenciam que para a espécie P. lineatus há
favorecer o Rendimento Máximo Sustentável (RMS). Conclui, entretanto, que a definição de dois tamanhos mínimos diferentes, apesar de ambientes dis-
“... o estudo parece indicar que os estoques de curimatã ainda não se encon- tintos. Considerando que, possivelmente, esse fato não encontre fundamen-
tram em regime de sobrepesca”. tação do ponto de vista biológico e, muito menos, sob os aspectos jurídicos
Instituto Brasileiro e institucionais, é recomendável a unificação desse parâmetro para a espé-
do Meio Ambiente e Estudos constantes em Carolsfeld et al. (2003) indicam que o grupo
dos Recursos de curimatãs encontra-se sobrepescado na Bacia do Paraguai-Paraná (P. li- cie, definindo o mais adequado quanto à bioecologia do peixe e das pesca-
Naturais Renováveis
neatus), com baixa biomassa na Bacia do Uruguai (P. lineatus), e tem apre- rias.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 119

Defeso (proibição da pesca no período de migração reprodutiva) • Quando as capturas das espécies ocorrerem em pescarias multiespe-
Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco: anual, no período de 1° de cíficas, considerar as implicações desse fato para definir as novas re-
novembro a 28 de fevereiro, e nas lagoas marginais de 1° de novembro a 30 de gras de uso.
abril (Portaria Ibama n° 50/2007). Dourada Brachyplatystoma rousseauxii (Castelnau, 1855)
Bacias hidrográficas dos rios Araguaia, Uruguai (Santa Catarina e Rio Brachyplatystoma rousseauxii (Castelnau, 1855) é uma espécie de por-
Grande do Sul), Paraná, do Sudeste (Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Ja-
te grande, medindo até 1,8 m e pesando 30 kg. Difere das demais espécies de
neiro, São Paulo e Paraná), do Leste (Sergipe, Bahia, Minas Gerais e Espírito
bagres pela coloração típica, a cabeça prateada e o corpo amarelo-dourado;
Santo); rios dos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, do Araguaia,
do Tocantins e do Gurupi: anual, no período de 1° de novembro a 28 de feverei- barbilhões curtos e maxilas superior e inferior de comprimentos aproximada-
ro (Portarias Ibama n° 49/2007, nº 193/2008, nº 194/2008, nº 195/2008, nº mente iguais (Figura 73); ampla distribuição na Amazônia, desde o estuário
196/2008, nº 197/2008; INI n° 12/2011 e nº 13/2011). até as cabeceiras dos rios da Bacia Amazônica. Ocorre principalmente em
sistemas de águas brancas, mas também é encontrada em rios de água preta;
Bacia Hidrográfica do Rio Uruguai (Rio Grande do Sul e Santa Catarina):
habita principalmente o canal dos rios, mas indivíduos jovens também são
anual, de 1° de outubro a 31 de janeiro (Portaria Ibama n° 193/2008).
encontrados em áreas de várzea (SANTOS et al., 2006).
Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas, nos rios do estado de Mato Gros-
so: anual, de 5 de novembro a 28 de fevereiro; rios da Ilha do Marajó: anual, de Os autores citados informam que a dourada consome peixes inteiros;
1° de janeiro a 30 de abril; e nos rios de Roraima: anual, de 1° de março a 30 empreende grandes migrações, locomovendo-se desde o estuário até as ca-
de junho (Portaria Ibama n° 48/2007). beceiras do Amazonas e de alguns afluentes, onde ocorre a desova; os ovos e
as larvas são carreados rio abaixo até o estuário, que é o local de crescimento
As diferenças dos períodos de defeso estabelecidos, dentro de uma
e alimentação das formas jovens; tem período de reprodução longo, com de-
mesma bacia hidrográfica e entre bacias distintas, permitem recomendar que
sejam levadas em consideração as ponderações já apresentadas, quando dis- sova total; primeira maturação sexual por volta do quarto ano de vida em indi-
cutimos a medida para outras espécies. víduos com pelo menos 1 m de comprimento. Entre os grandes bagres ama-
zônicos, essa espécie parece ser a menos demersal, já que normalmente é
Em função dos aspectos anteriormente constatados, é recomendável ,
encontrada em meia-água.
ainda, que se promova ampla discussão sobre o assunto, em fórum compe-
tente, visando aprimorar as regras de gestão para o uso sustentável das espé-
cies, oportunidade em que se deve levar em consideração, sempre que perti-
nente, os aspectos abordados no item 3.3.2 e, especificamente, para atingir
os seguintes objetivos:
• Padronizar o tamanho mínimo de captura para a espécie P. lineatus, em
todo o território nacional, associado a estudos de seletividade para
definir as características dos métodos de pesca utilizados. Figura 73 Dourada Brachyplatystoma rousseauxii (Castelnau, 1855).
Fonte: Santos et al. (2006).
• Só adotar o defeso de reprodução se for para toda a Bacia Amazônica
e se os principais métodos de pesca direcionados à captura das espé- Batista et al. (2012), apoiados em resultados de estudo molecular e de
cies forem também proibidos. estrutura etária, indicam que existe um único estoque de dourada no eixo Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
• Estudar a possibilidade de áreas de exclusão para a pesca (as conside- Solimões-Amazonas, confirmando hipótese já levantada por Barthem e Goul- dos Recursos
Naturais Renováveis
radas críticas para a reposição dos estoques). ding (1997).
120 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Para corroborar com a hipótese anterior, Batista et al. (2012), com ríodo de 1980 a 1990 a produção total variou entre pouco menos de 3.000
base em estudos específicos, descrevem a dinâmica de migração, por classe (1990) e quase 5.000 t (1987); a partir de 1995 apresentou forte tendência de
etária ou coortes distribuídas ao longo do eixo Solimões-Amazonas, e identifi- crescimento (com algumas flutuações para menos) até 2004, quando a pro-
cam três grupos de indivíduos associados a áreas geográficas diferentes. Des- dução foi recorde: 20.057 t; em 2006, ocorreu grande queda na produção
crevem, então, o fenômeno da migração quando afirmam que os peixes so- (11.600 t), que foi um pouco inferior em 2007; recuperou-se, entretanto, no
bem o rio de forma cíclica e escalonada no espaço e no tempo, com um ano seguinte, para cerca de 15.000 t, e, nos dois últimos anos da série, a
primeiro grupo de indivíduos maiores e na fase de crescimento rápido (com produção total variou em torno de 14.000 toneladas.
idade de 2 anos) partindo do estuário na vazante, quando a água mais salina
avança sobre a do Amazonas (maio-junho), chegando a Tefé na vazante-seca
(novembro-dezembro); após recuperar da longa viagem, prosseguem a subida
durante a enchente, atingindo a área de reprodução na cheia – início da vazan-
te no Alto-Solimões (Letícia-Iquitos), reproduzindo entre maio e junho.
Continuando, informam que um segundo grupo, composto por douradas
menores, partem no final da safra do estuário Amazônico e só conseguem che-
gar até a região de Santarém/Manaus, onde permanecem até o próximo ano,
esperando os jovens migrantes de crescimento rápido, aos quais se somarão,
formando o terceiro grupo para a subida, até atingir as áreas reprodutivas.
Batista et al. (2012), analisando dados de desembarque no período de
2001 a 2004, indicam que a produção da espécie foi maior entre agosto e
outubro, no estuário e no Baixo Amazonas (vazante), e entre setembro e mar-
ço no Baixo e Alto Solimões (com maior dispersão). Figura 74 Comportamento da produção total nacional (t) de dourada de 1980 a 2010.

O método de pesca mais utilizado para a pesca de dourada, na calha A pesca da dourada no estuário, área considerada de alimentação e
principal do Solimões-Amazonas, é o com rede de emalhe e, secundariamen- crescimento, é muito preocupante já que incide sobre a fase de juvenis e
te, com a redinha (rede de emalhe utilizada na forma de cerco). Já no estuário, pré-adultos da espécie, especialmente se for considerado que é, majorita-
domina a pesca com redes de arrasto, tracionadas por barcos em parelha ou riamente, realizada por um dos métodos de pesca mais predatórios (o arras-
trilheira (direcionadas para a pesca da piramutaba), seguida das com redes de to). Essa pescaria pode, certamente, causar sobrepesca de crescimento do
emalhe e o espinhel. segmento do estoque no estuário, considerado área-berçário para a espé-
Como indicado, as maiores produções da espécie, no período de 1980 cie.
a 2010, foram registradas nos estados do Amazonas e Pará e, apesar de apre- Alonso e Pirker, apud Fabré e Barthem (2005), em estudo da dinâmi-
sentar pouca significância nas feiras de Manaus, é muito importante para as ca populacional e estado atual da exploração da espécie, constatam que
indústrias de pescado sediadas em Belém-PA. A espécie ocupa, ainda, o quar- grande número de douradas está sendo capturada pela pesca comercial nas
to lugar no ranque das dez espécies com maior produção média na pesca macrorregiões do estuário, Santarém e Manaus, antes mesmo de iniciar o
Instituto Brasileiro continental brasileira, no período de 1995 a 2010. ciclo reprodutivo, sugerindo que o recurso encontra-se no limite de um es-
do Meio Ambiente e
dos Recursos O comportamento da produção da dourada, no período mencionado tado estável de explotação. Já Batista et al. (2012) classificam a dourada
Naturais Renováveis
anteriormente, é apresentado na Figura 74, onde fica evidenciado que no pe- como em sobrepesca de crescimento no estuário e no Alto Solimões.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 121

A dourada está, ainda, incluída no Anexo II da IN MMA n° 05/2004, abordados no item 3.3.2 e, especificamente, a discussão da possibilidade de
que relaciona as espécies brasileiras sobrepescadas ou ameaçadas de adoção das seguintes medidas:
sobre-explotação.
• Proibir a pesca com redes de arrasto pelos sistemas de parelha e tri-
Em função dos aspectos apontados, a dourada está plenamente ex- lheira, em toda a área do estuário (só permite a pesca com redes de
plotada ou, mesmo, em situação de sobrepesca de crescimento no estuário e emalhe e espinhel).
no Alto Solimões.
• Adotar o tamanho mínimo de captura de 100 cm (comprimento-padrão
As capturas de dourada devem respeitar as regras gerais definidas ou standard) nas pescarias na calha principal e em lagos dos rios Soli-
para as pescarias de águas continentais. mões-Amazonas, associado a estudos de seletividade, para definir as
No tocante às regras específicas, a dourada está incluída no defeso características dos métodos de pesca utilizados.
anual da Bacia Amazônica somente para os rios do estado do Acre, no período • Estabelecer áreas de exclusão para a pesca, preferencialmente as
de 15 de novembro a 15 de março. No estado de Rondônia, a espécie só pode identificadas como de reprodução.
ser capturada com tamanho superior a 65 cm, medido sem cabeça. As pesca-
• Definir o tamanho mínimo de malha nas redes de emalhe e do anzol,
rias realizadas no estuário estão condicionadas às mesmas medidas de ges-
compatíveis com a bioecologia da espécie (de preferência, fundamen-
tão para a pesca de piramutaba, ou seja:
tados em estudos de seletividade).
• Características permitidas para as redes de espera (emalhe): tamanho
Nos ambientes onde as capturas das espécies ocorrerem em pescarias
máximo de 4.000 m, para o conjunto de panos das redes entralhadas,
multiespecíficas, considerar as implicações desse fato para definir as novas re-
por barco, e proibição do uso de rede com malha inferior a 140 mm,
gras de uso.
medida entre os ângulos opostos da malha esticada (IN MMA n°
06/2004). Jaraquis Semaprochilodus spp.
• Tamanho mínimo da malha no saco-túnel das redes de arrasto: 100 No mercado de Manaus, a produção de peixes conhecidos vulgarmente
mm, medido entre os ângulos opostos da malha esticada (IN MMA n° como jaraquis inclui duas espécies: Semaprochilodus insignis (Jardine &
06/2004). Schomburgk, 1841), denominada jaraqui-escama-grossa (Figura 75), que
Santos et al. (2006) informam ser responsável por 70% da produção desem-
• Número máximo de barcos de arrasto autorizados a realizar a pesca:
barcada em Manaus, e Semaprochilodus taeniurus (Valenciennes, 1817), ou
48 (IN MMA n° 06/2004).
jaraqui-escama-fina (Figura 76), responsável por 30% da produção.
• Os arrastos só podem ser realizados por, no máximo, três barcos tra-
cionando duas redes, conhecidos como trilheira (IN MMA n° 06/2004). As duas espécies mencionadas são amplamente distribuídas na Bacia
Amazônica, ocorrendo na maioria dos tributários. Existe, ainda, a espécie Se-
• Proíbe o arrasto, sob qualquer sistema, na área que vai até o limite maprochilodus brama (Valenciennes, 1850), que ocorre exclusivamente nos
definido pelo Paralelo de 00°05’N e Meridiano de 048°00’W (IN MMA rios Tocantins-Araguaia e no Rio Xingu (BATISTA et al., 2012).
n° 06/2004).
Segundo Santos et al. (op, cit.), os jaraquis são peixes de porte médio,
• Defeso anual no período de 15 de setembro a 15 de novembro (INI MPA/ em torno de 35 cm; dentes pequenos, delicados e numerosos, implantados na
MMA n° 11/2011). margem externa dos lábios, em duas fileiras em cada maxila, sendo a fileira
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
Com o objetivo de aperfeiçoar as regras de gestão para o uso susten- interna em forma de V e a externa em linha reta; escamas cicloides, ou seja, dos Recursos
Naturais Renováveis
tável da espécie, sugere-se considerar, sempre que pertinente, os aspectos com bordas lisas; nadadeiras caudal e anal adornadas por bandas diagonais
122 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

escuras, intercaladas por bandas amarelo-alaranjadas; o número de bandas na


nadadeira caudal aumenta com o crescimento dos indivíduos; forma imensos
cardumes e empreende longas migrações; a desova ocorre no início da enchen-
te e, nessa ocasião, os reprodutores emergem em grupos pequenos para a de-
sova na superfície ou em meia-água, enquanto os machos que se encontram no
fundo produzem de maneira sincronizada sons audíveis pelos pescadores.
Santos et al. (op, cit.) descrevem a espécie S. insignis (Jardine &
Schomburgk, 1841) como apresentando o corpo moderadamente alto e Figura 76 Jaraqui-escama-fina Semaprochilodus taeniurus (Valenciennes, 1817).
romboide; linha lateral com 47 a 53 escamas; 9 a 11 séries de escamas Fonte: Santos et al.(2006).
entre a origem da nadadeira dorsal e a linha lateral, e igual número entre
As duas espécies principais migram duas vezes ao ano. A primeira
esta e a origem da ventral; 18 a 22 séries de escamas ao redor do pedúncu-
migração, para a reprodução, no início da enchente, é rio abaixo, saindo
lo caudal; 11 a 15 séries de escamas entre a cabeça e a origem da nadadei-
dos tributários pobres em nutrientes (águas pretas e claras) para desovar
ra dorsal; ocorre comumente em rios de água branca e preta, empreenden-
nos rios ricos em nutrientes. O jaraqui-escama-fina, em geral, começa a
do migrações anuais entre ambas. É detritívoro, consome matéria orgânica,
migrar antes do jaraqui-escama-grossa. Logo após a desova, os peixes
algas, bactérias, fungos e outros microrganismos depositados em substra-
ocupam os ambientes de florestas inundadas, onde se alimentam por 4
tos; o comprimento total médio da primeira maturação é em torno de 26
meses. A segunda migração é a de dispersão, que ocorre no meio da es-
cm, sendo que com 36 cm todos os indivíduos são adultos (Figura 75).
tação cheia, quando os peixes, mais uma vez, saem dos rios pobres em
nutrientes, sobem os rios ricos em alimentação, sucessivamente, entran-
do e saindo em outros tributários durante a época de águas baixas. A re-
produção dos jaraquis é notória pelo fato de a desova ocorrer no encontro
de rios de águas brancas e pretas, com a espécie S. taeniurus desovando
entre novembro e janeiro, e a S. insignis em janeiro, mas esses não são,
necessariamente, os períodos de maior disponibilidade para a pesca, já
que as capturas são também elevadas durante a temporada de migração
de dispersão, que corresponde à safra do “peixe gordo”, cujo pico ocorre
Figura 75 Jaraqui-escama-grossa Semaprochilodus insignis (Jardine & Schomburgk, 1841). entre maio e junho, com alguma defasagem para as duas espécies (BA-
Fonte: Santos et al. (2006). TISTA et al., 2012).
Já o jaraqui-escama-fina S. taeniurus (Valenciennes, 1817) é descrito Segundo Batista et al. (2012), a captura dos jaraquis é principalmente
pelos autores citados como tendo o corpo relativamente baixo e alongado; li- feita por barcos (mais de 90%) que pescam com rede de cerco, também co-
nha lateral com 64 a 77 escamas; 12 a 14 séries de escamas entre a origem nhecida como redinha (rede de emalhe utilizada na forma de cerco) e, secun-
da nadadeira dorsal e a linha lateral, e igual número entre esta e a origem da dariamente, por canoa que pesca com rede de emalhe e rede de cerco, além
ventral; 23 a 26 séries de escamas ao redor do pedúnculo caudal; 16 a 22
de outros equipamentos de pesca.
séries de escamas entre a cabeça e a origem da nadadeira dorsal. É também
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e detritívoro; desova na enchente, um pouco antes do jaraqui-escama-grossa, Cabe evidenciar que os jaraquis são o segundo mais importante peixe
dos Recursos com o comprimento total médio de primeira maturação em torno de 25 cm, do mercado de Manaus, superado apenas pelo tambaqui. É o peixe mais po-
Naturais Renováveis
sendo que aos 32 cm todos são adultos (Figura 76). pular, pela grande aceitação e consumo pelas populações de baixa renda, e
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 123

ocupa a primeira posição nas feiras de bairros. Faz parte do folclore local a sembarque de Manaus como os de Tefé, os resultados indicaram que a espé-
lenda de fazer permanecer na região o visitante que consumi-lo. O recurso cie encontrava-se em sobrepesca. Por sua vez, Batista et al. (2012) informam
ocupa, ainda, a terceira posição entre as dez espécies ou grupo de espécies que as duas espécies encontram-se em sobrepesca de recrutamento.
com maior produção média da pesca continental nacional no período de 1995 As duas espécies de jaraquis estão incluídas no Anexo II da IN MMA n°
a 2010. 05/2004, que relaciona as espécies brasileiras sobrepescadas ou ameaçadas
A Figura 77 apresenta o comportamento da produção total dos jara- de sobre-explotação.
quis, no período de 1980 a 2010, ficando demonstrado o seguinte: em 1980, Em função do exposto, das características das espécies, da grande
a produção foi de 7.483 t; subiu para 16.930 t em 1983; caiu para pouco mais demanda e do crescente nível de esforço de pesca utilizado para a captura
de 9.000 t em 1984; recuperou nos anos seguintes, até 1986, quando a pro- desse recurso, consideramos que os jaraquis encontram-se em situação de
dução foi de 14.758 t; a partir de então, pode-se notar tendência de decrésci- sobrepesca.
mos, até 1997, quando obteve cerca de 9.000 t de produção; de 1998 a 2007,
As regras gerais de gestão para as pescarias de águas continentais
a tendência de produção foi crescente, com produção recorde neste último
valem, também, para as capturas de jaraquis.
ano de 17.474 t; decresceu nos anos seguintes, sendo que a produção de
2010 foi de 16.435 toneladas. As pescarias direcionadas para as espécies de jaraquis devem, ainda,
respeitar o período de defeso anual definido para a Bacia Amazônica, somente
nos rios do estado de Mato Grosso: anual, de 5 de novembro a 28 de fevereiro;
e nos rios de Roraima: anual, de 1° de março a 30 de junho (Portaria Ibama n°
48/2007).
Considerando a importância do recurso para a Região Amazônica e a
situação de uso das principais espécies, é sugerido que se discuta a possibili-
dade de adequação ou definição de novas regras de gestão para o uso susten-
tável dos jaraquis, avaliando, sempre que pertinente, os aspectos abordados
anteriormente e, especificamente, as seguintes medidas adicionais:
• Definir tamanho mínimo de captura para cada espécie para toda a Ba-
cia Amazônica, sempre associado a estudos de seletividade, para defi-
nir as características dos métodos de pesca utilizados;
• Só adotar o defeso de reprodução se for para toda a Bacia Amazônica
Figura 77 Comportamento da produção total nacional (t) de jaraquis – 1980 a 2010. e se os principais métodos de pesca direcionados à captura das espé-
cies forem também proibidos;
Segundo Freitas et al., apud Petrere Jr. (2007), que analisaram o estado
de explotação dos jaraquis na Bacia Amazônica, os dados dos desembarques do • Estudar a possibilidade de estabelecimento de áreas de exclusão para
jaraqui-escama-fina de Manaus (responsável por cerca de 90% dos desembar- a pesca (as consideradas importantes para a desova e/ou reposição
ques) não possibilitaram uma avaliação conclusiva, e para a região de Tefé o dos estoques);
esforço de pesca e os desembarques, na maioria dos anos, oscilaram em torno Instituto Brasileiro
• Quando as capturas das espécies ocorrerem em pescarias multiespe- do Meio Ambiente e
dos valores dos RMS estimados. Já para o jaraqui-escama-grossa, que repre- cíficas, considerar as implicações desse fato ao definir as novas regras dos Recursos
Naturais Renováveis
senta cerca de 70% da produção total de jaraquis, tanto para os dados de de- de uso.
124 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Maparás Hypophthalmus spp. rior arredondado. Pode alcançar até 35 cm de comprimento (Figura 79). É,
também, planctívoro, consome microcrustáceos, algas, larvas de insetos e
Sob o nome vulgar de mapará, estão incluídas pelo menos três espé-
outros itens diminutos filtrados na coluna d’água; desova parcelada durante o
cies distintas, ou seja: Hypophthalmus marginatus Valenciennes, 1840, H. final da seca e início da enchente, produzindo cerca de 80.000 ovócitos por
edentatus Spix & Agassiz, 1829, e H. fimbriatus Kner, 1858. Segundo Santos desova; primeira maturação sexual aos 22 cm de comprimento. É a segunda
et al. (2006), as duas primeiras são as mais importantes, especialmente no espécie mais importante entre os maparás.
mercado de Manaus.
Os maparás são peixes de porte médio, atingindo até cerca de 50 cm,
e diferem dos demais peixes lisos pela posição dos olhos, praticamente volta-
dos para baixo; rastros branquiais longos e numerosos; abertura branquial
muito ampla e livre do istmo; nadadeira anal muito longa e ausência de espi-
nho nas nadadeiras (entretanto, em indivíduos jovens com cerca de 10 cm de
comprimento, há espinhos relativamente frágeis nas nadadeiras peitorais). As
Figura 79 Mapará Hypophthalmus edentatus Spix & Agassiz, 1829.
três espécies podem ser separadas por detalhes do formato do focinho, da
Fonte: Santos t al. (2006).
nadadeira caudal e da largura dos barbilhões, e de comportamento migratório
(SANTOS et al., 2006). A espécie H. fimbriatus Kner, 1858, vulgarmente conhecida como mapa-
rá-bico-de-pena, difere das duas outras espécies de maparás pelos barbilhões
A espécie H. marginatus Valenciennes, 1840, apresenta focinho longo
muito largos, em forma de pena. Atinge cerca de 30 cm de comprimento e
e a nadadeira caudal profundamente furcada, com lóbulos pontiagudos. Atin-
ocorre em rios e lagos com diversos tipos de água, sendo mais comum em rios
ge cerca de 50 cm de comprimento (Figura 78). É planctívoro, consome micro-
de água preta. Apresenta o mesmo hábito alimentar das duas outras espécies.
crustáceos e algas, embora inclua também larvas de insetos e outros itens
diminutos filtrados na coluna d’água. É a espécie mais importante entre os Os maparás são muito explorados no Baixo Amazonas (PA) e o seu filé
maparás (SANTOS et al., op. cit.). congelado é muito comum nos supermercados das cidades. A pesca do recur-
so é realizada, dominantemente, por redes de emalhe, no caso específico
denominadas de miqueiras, entre outras modalidades.
A evolução da produção total de maparás no Brasil, no período de
1980 a 2010, é ilustrada na Figura 80, onde pode ser observado: nos anos
de 1980 a 1998 (exceto o ano de 1983, quando a produção foi de 8.865 t) a
produção variou em torno de 3.000 t; em 1999 a produção foi a menor de
Figura 78 Mapará Hypophthalmus marginatus Valenciennes, 1840. todo o período: 866 t; nos três anos seguintes registrou-se grandes incre-
Fonte: Santos et al. (2006).
mentos na produção, sendo a de 2003 recorde: 13.004 t; nos três anos se-
A espécie H. edentatus Spix & Agassiz, 1829, segundo os mesmos guintes houve tendência de declínio, com a produção de 2006 ficando em
autores, citados anteriormente, distingue-se dos demais maparás pelo foci- 8.401 t; a produção dos últimos anos tem variado entre 9.000 e 10.000 to-
nho curto e a nadadeira caudal apenas levemente furcada, com o lóbulo infe- neladas.
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 125

Bacias dos rios Araguaia (INI MPA/MMA n° 12/2011), Tocantins e


Gurupi (INI MPA/MMA n°13/2011): anual e no período de 1° de novembro a 28
de fevereiro;
Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas, nos rios dos estados do Acre,
Amazonas, Amapá e Pará: anual, de 15 de novembro a 15 de março; e nos
rios de Roraima: anual, de 1° de março a 30 de junho (Portaria Ibama n°
48/2007).
Tais informações permitem constatar que existe tamanho mínimo de
captura apenas para uma das espécies de mapará, válido somente para a
parte da área de ocorrência e de pesca. Já o defeso é só para parte da bacia
e, mesmo assim, em dois períodos diferentes. Assim, são válidas as preocu-
pações quanto à eficácia e efetividade dessas medidas.
Figura 80 Comportamento da produção total nacional (t) de maparás – 1980 a 2010. Em decorrência do exposto e da importância do recurso para a Região
Norte, é importante aprofundar as discussões, sempre que pertinente, espe-
Segundo Costa et al. (2010), na avaliação da pesca dos maparás no
cificamente, a possível adoção das medidas a seguir, com o objetivo de aper-
Amazonas, o aumento da intensidade de captura sobre os estoques de mapa-
feiçoar as regras de gestão para o uso sustentável das espécies:
rás pode ser atribuído à indústria pesqueira, já que boa parte da produção
desse pescado destina-se ao mercado externo, além de ser uma das catego- • Definir tamanhos mínimos de captura para as outras espécies com
rias mais desembarcadas e consumidas no estado do Pará. importância para as pescarias da Bacia Amazônica, associados a estu-
dos de seletividade para definir as características dos métodos de pes-
Esses autores afirmam, também, que o aumento da pressão de pesca
ca utilizado.
nos anos de 2003 (58,3%) e 2004 (75,0%), a estagnação dos dados de CPUE
(entre 21,00 e 30,99 kg pescador/dia), além de informações sobre a diminui- • Só adotar o defeso de reprodução se for para todas as espécies e em
ção do tamanho médio dos indivíduos capturados, podem indicar possível so- toda a Bacia Amazônica, e se os principais métodos de pesca direcio-
brepesca para esse recurso. nados à captura das espécies forem também proibidos.
Em função dos aspectos apontados, esta análise considera que os ma- • Estudar a possibilidade de estabelecer áreas de exclusão para a pesca
parás encontram-se plenamente explotados. (as consideradas relevantes para a reprodução e/ou reposição dos es-
toques).
As regras gerais para as pescarias continentais também são válidas
para as capturas de maparás. Quanto às regras específicas, as seguintes me- • Sempre que ocorrer a captura das espécies em pescarias multiespecí-
didas se aplicam para as espécies anteriormente abordadas: ficas, levar na devida consideração as possíveis implicações das medi-
das de gestão a serem adotadas.
• Tamanho mínimo de captura (comprimento total – CT): 29 cm, para a
espécie H. marginatus nas capturas das bacias dos rios Araguaia (INI Matrinxã Brycon amazonicus (Spix & Agassiz, 1829)
MPA/MMA n° 12/2011), Tocantins e Gurupi (INI MPA/MMA Instituto Brasileiro
Santos et al. (2006) informam que a matrinxã é um peixe de porte do Meio Ambiente e
n°13/2011).
médio, alcançando cerca de 50 cm; possui dentes multicuspidados em 3 a 4 dos Recursos
Naturais Renováveis
• Defeso (proibição da pesca no período de migração reprodutiva) fileiras na maxila superior, e duas fileiras na maxila inferior, sendo a principal
126 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

formada por dentes robustos e atrás da qual ocorre um par de dentes cônicos; A grande captura da matrinxã ocorre, entretanto, na Bacia Amazônica
coloração cinza-amarelada, mais clara no ventre; escamas com as bordas es- (Amazonas e Amapá respondem por cerca de 80% da produção) e é realizada
curas formam linhas contínuas sinuosas, mais evidentes na porção terminal do com o uso da rede de cerco ou redinha (rede de emalhe utilizada na forma de
corpo, onde aparecem em forma de ziguezague; linha lateral com 69 a 80 es- cerco), com a rede de emalhe, entre outros métodos de pesca (BATISTA et al.,
camas (Figura 81). É onívora, consome basicamente frutos, sementes, insetos 2004, apud RUFFINO, 2004). A espécie é importante, ainda, para a piscicultu-
e outros invertebrados; os jovens e pré-adultos têm preferência por peixes e ra da Região Norte.
artrópodes, enquanto os adultos preferem frutos e sementes.
O comportamento da produção total do conjunto das espécies incluí-
Continuando, os autores afirmam que B. amazonicus faz migração das na estatística nacional como matrinxã, no período de 1980 a 2010, é
reprodutiva no início da enchente, quando desce os afluentes para deso- apresentado na Figura 82, onde observa-se: de 1980 a 1997 houve tendência
var nos rios de água branca; realiza também migração trófica, quando de crescimento da produção, com três grandes picos em 1982 (3.470 t), 1986
sobe os rios na enchente/cheia, para se alimentar na floresta alagada. (5.392 t) e 1996, quando a produção foi recorde: 7.024 t; a partir de então, a
Além disso, faz também deslocamentos de dispersão, quando deixa as produção apresentou tendência decrescente, atingindo 3.550 t em 2004; re-
áreas que estão secando, e penetra no leito dos rios. Os alevinos e jovens cuperou-se nos últimos anos da série e a produção de 2010 foi de 5.028 tone-
são criados nas áreas de várzea, no período que vai da enchente até a ladas.
seca; os adultos e jovens recrutados das áreas de várzea fazem “arriba-
ção”, isto é, dispersam-se rio acima no período da seca. A pré-desova,
que corresponde à fase de repouso e início da maturação gonadal, ocorre
enquanto os adultos permanecem no canal dos afluentes, no período de
seca; o comprimento-padrão médio de primeira maturação sexual se dá em
torno de 32 centímetros.

Figura 81 Matrinxã Brycon amazonicus (Spix & Agassiz, 1829). Figura 82 Comportamento da produção total nacional (t) de matrinxã – 1980 a 2010.
Fonte: Santos et al. (2006).
O conjunto das informações anteriormente apresentadas, em especial
Outras espécies chamadas de matrinxã são capturadas em outras ba- o comportamento migratório, o constante crescimento do esforço de pesca
cias, como no caso da do Rio São Francisco onde ocorre B. lundii, espécie sobre o recurso e a constatação de Sato e Godinho, 2003 apud Carolsfeld et
endêmica da bacia cujas produções têm sido significativamente reduzidas em al. (2003) possibilitam inferir que o recurso, no todo, encontra-se plenamente
Instituto Brasileiro
várias áreas, mas continua, mesmo assim, importante para as pescarias es- explotado ou em sobrepesca em algumas áreas específicas.
do Meio Ambiente e
dos Recursos portivas e comerciais próximas à barragem de Três Marias – MG (SATO; GO- A pesca de matrinxã deve respeitar todas as regras gerais que governam
Naturais Renováveis
DINHO, apud CAROLSFELD et al., 2003). as pescarias de águas continentais no Brasil.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 127

No tocante às regras específicas, a pesca das espécies é contemplada Com o objetivo de aperfeiçoar as regras de gestão para o uso susten-
com as seguintes medidas de gestão: tável das espécies, sugerimos realizar discussão em fórum específico, consi-
derando, sempre que pertinente, os aspectos já abordados especificamente,
Tamanho mínimo de captura (comprimento total – CT)
as seguintes propostas de medidas:
Para B. lundii: 22 cm – bacias hidrográficas do Rio São Francisco (Por-
• Definir tamanho mínimo de captura para a espécie com maior impor-
taria Ibama n° 92/1995). regulamentação do estado de Minas Gerais define
tância para as pescarias da Bacia Amazônica, sempre combinado com
em 25 cm (Portaria IEF n° 111/2003).
estudos de seletividade, para definir as características dos métodos de
A espécie B. goulding das bacias dos rios Araguaia (INI MPA/MMA n° pesca utilizados.
12/2011), Tocantins e Gurupi (INI MPA/MMA n° 13/2011) tem o parâmetro • Só adotar o defeso de reprodução se for para todas as espécies, em
definido em 30 cm. toda a Bacia Amazônica, e se os principais métodos de pesca direcio-
Daí conclui-se que tamanhos mínimos de captura diferentes estão de- nados à captura das espécies forem também proibidos.
finidos para a espécie B. lundii, para a mesma bacia hidrográfica. Em função • Estudar a possibilidade de estabelecer áreas de exclusão para a pesca
desses aspectos, valem para este caso as considerações realizadas anterior- (as consideradas relevantes para a reprodução e/ou reposição dos es-
mente, para fatos semelhantes. Destaca-se ainda não existir tamanho mínimo toques).
de captura regulamentado para a espécie B. amazonicus (mais importante nas
pescarias do Norte). • Quando as capturas das espécies ocorrerem em pescarias multiespe-
cíficas, considerar as implicações desse fato para definir as novas re-
Defeso (proibição da pesca no período de migração reprodutiva) gras de uso.
Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco: anual, no período de 1° de Pacus Mylossoma duriventre (Cuvier, 1818) e Piaractus mesopotamicus
novembro a 28 de fevereiro, e nas lagoas marginais de 1° de novembro a 30 de (Holmberg, 1887)
abril (Portaria Ibama n° 50/2007).
Pacu é um nome aplicado a um conjunto de pelo menos oito gêneros
Bacias hidrográficas dos rios Araguaia; Paraná; do Sudeste (ES, MG, e, aproximadamente, 30 espécies, sendo que nos mercados da Amazônia
RJ, SP e PR); e Tocantins e Gurupi: anual, no período de 1° de novembro a 28 Central as mais comuns pertencem aos gêneros Mylossoma e, secundaria-
de fevereiro (Portarias Ibama n° 49/2007, nº 194/2008, nº 195/2008, INIs n° mente, Myleus e Metynnis, todos pertencentes à subfamília Serrasalminae
12/2011 e nº 13/2011). (SANTOS et al., 2006). As características básicas desse grupo são o corpo
Bacia Hidrográfica do Rio Uruguai (RS e SC): anual, de 1° de outubro a bastante comprimido e alto, quase redondo; uma série de escudos ósseos,
31 de janeiro (Portaria Ibama n° 193/2008). em forma de serra, no ventre; dentes incisivos largos, alguns molariformes,
próprios para quebrar frutos e sementes. Os dentes se distribuem em duas
Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas e afluentes, no estado de Mato fileiras na maxila superior e apenas uma na maxila inferior, sendo que atrás
Grosso: anual, de 5 de novembro a 28 de fevereiro; nos rios do estado do Acre, desta, geralmente, ocorre um par de dentes na região mediana ou sinfisial;
do Amazonas, do Amapá, Pará e Rondônia: anual, de 15 de novembro a 15 de osso maxilar curto, sem dentes; escamas diminutas; nadadeira dorsal longa,
março; e em Roraima: anual, de 1° de março a 30 de junho (Portaria Ibama n° geralmente filamentosa nos machos por ocasião da reprodução.
48/2007).
Segundo esses autores, os pacus têm importância relativa em torno de
Os períodos de defeso diferentes, quando envolver uma mesma 5% da produção, representando o sexto lugar entre os peixes mais comercia-
Instituto Brasileiro
espécie, podem dificultar o controle na aplicação dessas medidas, especial- lizados no mercado de Manaus. Durante a vazante, quando os peixes estão do Meio Ambiente e
mente se tramitar entre os estados ou regiões, assim como em nível nacional migrando no leito do rio, ficam mais vulneráveis à pesca e essa participação dos Recursos
Naturais Renováveis
e, portanto, contribuir para minimizar os possíveis efeitos positivos da medida. praticamente dobra, chegando a 12%. Naquele mercado foram encontradas
128 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

seis espécies de pacus, quais sejam: Metynnis lippincottianus (Cope, 1870); Em termos de produção, além da Região Norte (com destaque para
Myleus rubripinnis (Müller & Troschel, 1844); Myleus schomburgkii (Jardine & o estado do Amazonas, maior produtor de pacus), em segundo lugar vem
Schomburgk, 1841); Myleus torquatus (Kner, 1858); Mylossoma aureum a Região Centro-Oeste (especialmente os estados do MS e MT). Nessa
(Agassiz, 1829); e Mylossoma duriventre (Cuvier, 1818). A mais representati- última região, especialmente na Bacia do Paraguai-Paraná (pantanal), se-
va é M. duriventre. gundo Resende, apud Carolsfeld et al. (2003), a espécie mais importante
M. duriventre é um peixe de porte pequeno, até 25 cm; o número de é Piaractus mesopotamicus (Holmberg, 1887) (pacu-caranha ou simples-
serras na série entre as nadadeiras ventrais e anal varia entre 18 e 22, sendo mente pacu).
a última unida ao primeiro raio dessa nadadeira; tem 37 raios ramificados na
P. mesopotamicus é a espécie mais representativa do pantanal e
nadadeira anal. Apresenta coloração esbranquiçada, sendo a cabeça e a re-
gião ventral normalmente amarelo-alaranjadas; tem uma mancha escura no ocorre em toda a parte da região, durante o período de cheia. É um peixe
opérculo (Figura 83). É a espécie de pacu mais importante, chegando em cer- de cor escura que atinge 70 cm ou mais, apresenta corpo de oval para
tas ocasiões a 100% da produção desse grupo de pacus no mercado de Ma- elíptico, assim como pronunciada dentição para quebrar frutos, sementes,
naus (SANTOS et al., op. cit.). bem como caranguejos, moluscos e insetos (Figura 84). A maturação go-
nadal ocorre entre julho e outubro e a desova é realizada no canal da ca-
É uma espécie herbívora, com tendência onívora; alimenta-se basica-
beceira do Rio Cuiabá em outubro-dezembro, com o pico em novembro.
mente de frutos, sementes e de larvas de insetos aquáticos. Os adultos ocor-
rem nas várzeas e igapós onde consomem principalmente frutos, enquanto os Adultos reprodutivos também têm sido capturados na cabeceira do Rio
jovens alimentam-se de plantas aquáticas. O início da maturação sexual ocor- Taquari (RESENDE, apud CAROLSFELD et al., op. cit.). A maturidade sexu-
re em indivíduos com cerca de 16 cm, estando todos aptos a reproduzir com al é alcançada com cerca de três anos e aproximadamente 34 cm do com-
19 cm de comprimento total. O período reprodutivo é longo, havendo dois pi- primento total (FERRAZ DE LIMA et al., 1984; VAZZOLER et al., 1997, apud
cos de desova no período de enchente. Ocorre comumente em rios e lagos de SUGANUMA, 2008).
água branca.

Figura 84 Piaractus mesopotamicus (Holmberg, 1887) pacu-caranha.


Instituto Brasileiro Fonte: Franceschini (2012).
do Meio Ambiente e
dos Recursos Figura 83 Pacu Mylossoma duriventre (Cuvier, 1818). A pesca na Bacia Amazônica é realizada, dominantemente, com o
Naturais Renováveis
Fonte: Santos et al. (2006). uso de lanço ou redinha (rede de emalhe utilizada na forma de cerco), rede
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 129

de emalhe, entre outros métodos de pesca (BATISTA et al., apud RUFFINO,


2004).
Já no Pantanal Mato-Grossense a pesca do pacu-caranha é legalmen-
te autorizada somente com o uso de linha e anzol (PEIXER; PETRERE JR.,
2007), embora ainda existam pescarias ilegais com a rede de emalhe.
O grupo de espécies incluídas na estatística pesqueira nacional,
como o pacu, ocupa o sexto lugar das espécies ou grupo de espécies com
maior produção média na pesca continental brasileira no período de 1995 a
2010.
A Figura 85 ilustra o comportamento da produção total de pacus, no
período de 1980 a 2010, onde fica evidenciado o seguinte: no período de 1980
a 2003 a produção apresentou tendência de crescimento, merecendo desta- Figura 85 Comportamento da produção total nacional (t) de pacus no período de 1980 a 2010.
que o acentuado salto ocorrido em 2002 e 2003, quando a produção foi de As capturas de pacus devem respeitar todas as normas gerais que re-
10.232 t e 11.660 t, respectivamente; ocorreu, em seguida, leve e continuado gulamentam as pescarias de águas continentais no Brasil.
decréscimo até 2006 (10.766 t); nos últimos anos da série a produção anual Quanto às regras específicas, a pesca das espécies é contemplada
apresentou tendência de estabilidade, variando em torno de 10.000 tonela- com as seguintes medidas de gestão:
das.
Tamanho mínimo de captura (comprimento total – CT)
Resende, apud Carolsfeld et al. (2003), informa que a espécie P. meso-
Para P. mesopotamicus: no Sul e Sudeste (SP, ES e RJ): 40 cm (Portaria
potamicus é considerada sobrepescada no Pantanal brasileiro e que o estado
Ibama n° 25-N/1993); para as bacias dos rios Paraguai (MT e MS) e Paraná:
de Mato Grosso aumentou o tamanho mínimo de captura de 40 para 45 cm, e
45 cm (Portaria Ibama n° 3/2008 e IN Ibama n° 26/2009); e bacias hidrográfi-
a pesca só é permitida com o uso de linha e anzol, embora ainda exista a cas de MG: 30 cm (Portaria IEF n° 111/2003).
pesca ilegal com redes de emalhe.
Para Myleus micans: da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e ba-
A situação de sobrepesca da espécie foi, ainda, reforçada por Pei- cias hidrográficas de MG: 40 cm (Portaria Ibama n° 92/1995 e Portaria IEF n°
xer et al. (2007) que, ao analisarem o rendimento por recruta, no Panta- 111/2003).
nal do Mato Grosso do Sul, concluíram que o pacu estava sobre-explo-
No caso específico de Mato Grosso, a Lei Estadual n° 9.794, de 30 de
tado.
julho de 2012, modificou lei anterior (n° 9.096/2009) e definiu para a pesca do
Levando em conta a situação do estoque no Pantanal (de sobrepesca), pacu, entre outros aspectos, os tamanhos mínimo e máximo de captura para
a aparente estabilização da produção na Bacia Amazônica, mesmo conside- P. mesopotamicus em, respectivamente, 48 cm e 55 cm.
rando o incremento constante da demanda e do esforço de pesca que vem Em decorrência das ponderações já apresentadas para as espécies ou
incidindo sobre a principal espécie, o recurso, no todo, encontra-se plenamen- grupo de espécies discutidas, é preocupante a coexistência de três tamanhos
te explotado, não apresentando, portanto, perspectivas de aumento da produ- mínimos de captura para P. mesopotamicus. É necessário avaliar, ainda, se
ção, a não ser que ocorra significativa recuperação do estoque na Bacia do existe a possibilidade de tamanhos inadequados para a espécie, diante do Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
Paraguai-Paraná. objetivo da medida. dos Recursos
Naturais Renováveis
130 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Defeso (proibição da pesca no período de migração reprodutiva) • Estudar a possibilidade de estabelecer áreas de exclusão para a pesca
(as consideradas relevantes para a reprodução e/ou reposição dos es-
Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco: anual, no período de 1° de
toques).
novembro a 28 de fevereiro, e nas lagoas marginais de 1° de novembro a 30 de
abril (Portaria Ibama n° 50/2007). Quando as capturas das espécies ocorrerem em pescarias multiespe-
cíficas, considerar as implicações desse fato na definição de novas regras de
Bacias hidrográficas dos rios Araguaia, Paraná, do Sudeste (ES, MG,
uso.
RJ, SP e PR), do Tocantins e do Gurupi: anual, no período de 1° de novembro a
28 de fevereiro (Portarias Ibama n° 49/2007, nº 194/2008, nº 195/2008, INIs Pescada (pescada-do-piauí) Plagioscion squamosissimus (Heckel, 1840)
n° 12/2011 e nº 13/2011). A pescada (pescada-do-piauí) pertence à família Sciaenidae, caracte-
Bacia Hidrográfica do Rio Uruguai (RS e SC): anual, de 1° de outubro a rizada pela presença de dois espinhos na nadadeira anal; linha lateral contínua
31 de janeiro (Portaria Ibama n° 193/2008). do opérculo até o final da nadadeira caudal, sendo que as escamas da linha
lateral são maiores que aquelas do restante do corpo; nadadeira caudal rom-
Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas e afluentes, nos rios do estado
boidal, com projeção mediana em forma de lança; grupo formado por cerca de
de Mato Grosso: anual, de 5 de novembro a 28 de fevereiro; nos rios do es-
70 gêneros, principalmente marinhos e estuarinos, amplamente distribuídos
tado do Acre, do Amazonas, do Amapá, Pará e Rondônia: anual, de 15 de
pelos oceanos, sendo cinco deles exclusivamente de água doce; quatro ocor-
novembro a 15 de março; rios da Ilha de Marajó: anual, de 1° de janeiro a 30
rem na Amazônia (Petilipinnis, Plagioscion, Pachypops e Pachyurus), com cer-
de abril, e em Roraima: anual, de 1° de março a 30 de junho (Portaria Ibama
ca de 14 espécies. No mercado de Manaus são encontradas duas: a Plagios-
n° 48/2007).
cion squamosissimus (Heckel, 1840) e a Plagioscion auratus (Castelnau, 1855),
Conforme discutido, é preocupante as diferenças dos períodos de de- conhecida como pescada-preta (SANTOS et al., 2006).
feso dentro de uma mesma bacia hidrográfica e entre bacias distintas, adicio-
Os autores citados afirmam que P. squamosissimus (Heckel, 1840)
nadas ao fato de se poder pescar outras espécies no mesmo ambiente, com
são peixes de médio porte, com até 50 cm de comprimento; bentônicos,
os métodos de pesca direcionados para a captura dos pacus.
isto é, vivem próximo ao fundo, e sedentários, com preferência por lagos e
Com base no quadro abordado para os pacus, conclui-se que as regras poços profundos de canais de rios; hábitos crepusculares e noturnos; carní-
de gestão para o uso sustentável desse grupo de espécies devem ser objeto voros; alimentam-se basicamente de peixes, quando em rios de água preta,
de aperfeiçoamento. Nessa pespectiva, sugerem-se avaliar as seguintes me- e peixes e camarões quando em águas brancas; ocasionalmente consomem
didas, entre outras: também insetos; desovam parceladamente, com um pico no período da
seca.
• Unificar os tamanhos mínimos de captura para P. mesopotamicus e
avaliar a adoção unificada de um tamanho máximo de captura, para P. squamosissimus (Heckel, 1840) é espécie originária da Bacia Amazô-
toda a área de ocorrência, sempre associado a estudos de seletivida- nica, responde por participação média de 95% das duas pescadas desembar-
de, para definir as características dos métodos de pesca utilizado. cadas no mercado de Manaus e está presente (foi introduzida) em ambientes
aquáticos de todo o território nacional. A espécie tem coloração uniforme-
• Adotar tamanhos mínimos unificado de captura s para as outras espé-
mente cinza-claro a prateada, com pequena mancha escura na base da nada-
cies, em todas as áreas de ocorrência.
deira peitoral (Figura 86); primeira maturação sexual com 18 a 20 cm de com-
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e • Só adotar o defeso de reprodução se for para toda a Bacia Amazônica, primento; a reprodução ocorre nos períodos de vazante e seca. Nessa época,
dos Recursos e se os principais métodos de pesca direcionados à captura das espé- os machos produzem sons característicos (roncos) audíveis fora d’água (SAN-
Naturais Renováveis
cies forem também proibidos. TOS et al., op. cit.).
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 131

Figura 86 Pescada-do-piauí Plagioscion squamosissimus (Heckel, 1840).


Fonte: Santos et al. (2006).

Na Bacia Amazônica, as capturas são realizadas principalmente com Figura 87 Comportamento da produção total nacional (t) de pescadas no período de 1995 a 2010.
redes de emalhe e linha de mão (RUFFINO, 2004). A pesca com redes de Não foi encontrada avaliação do status de uso dos estoques de pesca-
emalhe domina, também, nos outros ambientes aquáticos do território nacio- das nos ambientes onde as espécies são autóctones. Entretanto, consideran-
nal. do o crescente e continuado incremento do esforço de pesca, ao longo dos
anos, a crescente demanda por pescado e por esse grupo de peixes desfrutar
Os três estados com maior produção de pescadas, de 2005 a 2007, de boa aceitação no mercado (segundo Santos et al., op. cit., no mercado de
em ordem decrescente, foram: Pará (com pouco mais de 50% da produção Manaus as pescadas são altamente valorizadas), os estoques nesses ambien-
dos últimos anos), Maranhão e Ceará. As pescadas ocupam, ainda, o quinto tes encontram-se plenamente explotados.
lugar entre as dez espécies com maior produção média na pesca continental
Considerando, entretanto, que desde o final da década de 1930 as
brasileira no período de 1995 a 2010.
pescadas são introduzidas em outras bacias (ambientes), em especial em
A produção de pescadas (pescada-do-paiuí) só passou a ser discrimi- açudes e nos reservatórios de hidroelétricas, e que novos reservatórios conti-
nada na consolidação da estatística pesqueira nacional, em 1995, e o compor- nuam a ser construídos, existe a possibilidade de a produção desse pescado
tamento da produção a partir daquele ano até 2010 é apresentado na Figura apresentar incremento em decorrência de novas introduções (independente-
87, onde fica evidenciado: a produção total apresentou forte tendência de mente de outros impactos que esse fato possa acarretar sobre o ambiente e
crescimento de 1995 a 2002, passando de pouco mais de 2.700 t, no primeiro as espécies nativas), o que, mesmo assim, não significa que os estoques das
ano, para 13.611 t no último desses anos; declinou em 2003: 10.142 t; de espécies em ambientes onde são endêmicas estejam subexplotados ou em
2003 a 2010 registrou período de aparente estabilização, com a produção to- recuperação.
tal variando entre 12.000 e 13.000 t; em 2010, a produção estimada pelo MPA A captura das pescadas deve estar alinhada com todas as nor-
foi de 14.967 t, incremento de difícil explicação, considerando a metodologia mas gerais que regulamentam as pescarias de águas continentais no
utilizada por aquele ministério. Brasil.
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
132 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Em relação às regras específicas, a pesca desse recurso dever respei- de pescadas devem ser objeto de aperfeiçoamento, após ampla discussão em
tar as seguintes medidas de gestão, para o uso sustentável: foro especializado. Para tanto, considerar os aspectos abordados e, especifi-
Tamanho mínimo de captura (comprimento total – CT) camente, as seguintes medidas, entre outras:

Para P. squamosissimus: no Sul e Sudeste (SP, ES e RJ); Bacia Hidrográ- • Unificar os tamanhos mínimos de captura para P. squamosissimus e
fica do Rio São Francisco: 25 cm (Portarias Ibama n° 25-N/1993; nº 92/1995); avaliar a possibilidade de definir a espécie com tamanho mínimo de
nas bacias dos rios Araguaia, Tocantins e Gurupi: 32 cm (INIs MPA/MMA n° captura em rios do estado de Mato Grosso.
12/2011 e nº 13/2011); • Só adotar o defeso se for para toda a Bacia Amazônica e se os princi-
Para Plagioscion spp. em rios do estado do MT: 40 cm (Lei Estadual n° pais métodos de pesca direcionados à captura das espécies forem
9.794/2012). também proibidos.
Assim, é preocupante a coexistência de tamanhos mínimos de captura • Estudar a possibilidade de estabelecer áreas de exclusão para a pesca
diferentes para P. squamosissimus. Em decorrência, sugere-se avaliar se não (as consideradas relevantes para a reprodução e/ou reposição dos es-
existe a possibilidade de tamanhos inadequados, diante do objetivo da medida. toques).
Defeso (proibição da pesca no período de reprodução) • Quando as capturas das espécies ocorrerem em pescarias multiespe-
cíficas, considerar as implicações desse fato para definir as novas re-
Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco: anual, no período de 1° de
gras de uso.
novembro a 28 de fevereiro, e nas lagoas marginais de 1° de novembro a 30 de
abril (Portaria Ibama n° 50/2007). Piaus ou aracus Schizodon fasciatus Spix & Agassiz,
Bacias hidrográficas dos rios Araguaia, Paraná, do Sudeste (ES, MG, 1829, e Leporinus spp.
RJ, SP e PR), Tocantins e Gurupi: anual, de 1° de novembro a 28 de fevereiro Os peixes conhecidos como piau ou aracu pertencem à família Anos-
(Portarias Ibama n° 49/2007, nº 194/2008, nº 195/2008, INIs MPA/MMA n° tomidae; possuem o corpo alongado e fusiforme; nadadeira anal curta, nor-
12/2011 e nº 13/2011). malmente com 9 a 11 raios; narinas anteriores com expansão carnosa em
Bacia Hidrográfica do Rio Uruguai (RS e SC): anual, de 1° de outubro a forma de tubo; abertura branquial unida ao istmo; boca pequena, não protrá-
31 de janeiro (Portaria Ibama n° 193/2008). til; processo ascendente do pré-maxilar bem desenvolvido, maxilas relativa-
mente curtas; dentes incisivos, côncavos internamente, numa única fileira,
Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas e afluentes, nos rios do estado de
em forma de escada, firmemente implantados, em número de 6 a 8 em cada
Mato Grosso: anual, de 5 de novembro a 28 de fevereiro; nos rios do estado do
maxila; esses peixes, quando parados, normalmente se posicionam com a
Amapá e de Rondônia: anual, de 15 de novembro a 15 de março; e em Rorai-
ma: anual, de 1° de março a 30 de junho (Portaria Ibama n° 48/2007). cabeça voltada para baixo; hábito alimentar herbívoro a onívoro, consumin-
do basicamente frutos, sementes, raízes, esponjas, insetos e outros inverte-
Em razão das diferenças dos períodos de defeso, dentro de uma mes- brados aquáticos. A maioria das espécies forma cardumes e empreende
ma bacia hidrográfica e, mesmo, entre bacias distintas, aliadas ao fato de se migrações tróficas e reprodutivas, e algumas têm destacada importância na
poder pescar outras espécies no mesmo ambiente, com os métodos de pesca pesca comercial e de subsistência. A família é formada por 12 gêneros e
direcionados para a captura das pescadas, recomenda-se que sejam levadas cerca de 140 espécies. É um dos mais diversificados grupos de peixes no
Instituto Brasileiro em conta as ponderações apresentadas. mercado de Manaus, representados por cinco gêneros e 10 espécies, com
do Meio Ambiente e
dos Recursos As análises das medidas específicas sobre os tamanhos mínimos e os os seguintes nomes científicos: Anostomoides laticeps, Laemolyta varia, Le-
Naturais Renováveis
defesos sugerem que as regras de gestão para o uso sustentável desse grupo porinus agassizii, L. falcipinnis, L. fasciatus, L. friderici, L. trifasciatus, Rhytio-
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 133

dus argenteofuscus, R. microlepis, Schizodon fasciatus (SANTOS et al., zontais de escamas entre a nadadeira dorsal e a linha lateral. Onívoro, conso-
2006). me larvas de insetos e material vegetal; ocorre comumente em rios e lagos de
água branca.
Esses autores evidenciam que Schizodon fasciatus é a espécie mais
importante no mercado de Manaus, seguida de R. microlepis. Outras espécies
que Carolsfeld et al. (2003) apontam como importantes em outros ambientes
aquáticos são: L. fasciatus, L. elongatus (Bacia do Rio São Francisco e do Pa-
raná) e L. obtusidens (Bacia do Paraná), entre outros.
Considerando a bibliografia especializada e os estados com maior pro-
dução do conjunto de espécies incluídas nas estatísticas, como piau ou aracu,
três das espécies mais importantes serão descritas a seguir:
Figura 89 Piau (aracu) Leporinus trifasciatus Steindachner, 1876.
Schizodon fasciatus Spix & Agassiz, 1829, tem porte médio, com até
Fonte: Santos et al. (2006).
40 cm; oito dentes largos e multicuspidados em cada maxila; coloração cinza
intercalada por quatro faixas transversais escuras sobre o tronco, e uma man- L. fasciatus (Bloch, 1794) é de porte médio, até 35 cm; oito a 10 faixas
cha arredondada na extremidade do pedúnculo caudal (Figura 88). Ocorre em escuras sobre fundo amarelo no tronco e na cabeça; linha lateral com 43 a 45
rios de água branca; reproduz-se uma vez por ano, no início da enchente; a escamas; sete a oito séries de escamas entre a origem da nadadeira dorsal e a
primeira maturação sexual ocorre com cerca de 180 mm, em machos, e 220 linha lateral; nos jovens, com cerca de 5 cm, algumas das faixas apresentam-
mm nas fêmeas; apresentam grande fecundidade; ovos pequenos; não cui- se fundidas, separando-se à medida que crescem (Figura 90). Também onívo-
dam da prole; os alevinos se desenvolvem em lagos, normalmente entre ca- ro, consome material vegetal e larvas de insetos; migrações reprodutivas com
pins aquáticos. É a espécie mais importante entre os aracus ou pacus no desova uma vez por ano, no início da enchente; ocorre comumente nas mar-
mercado de Manaus. gens de rios e lagos de água branca.

Figura 88 Piau (aracu-comum) Schizodon fasciatus Spix & Agassiz, 1829.


Fonte: Santos et al. (2006).

L. trifasciatus Steindachner, 1876, tem porte médio, até 40 cm; corpo Figura 90 Piau (aracu) Leporinus fasciatus (Bloch, 1794).
robusto, coloração cinza-escuro no dorso e cinza-claro no ventre; três faixas Fonte: Santos et al. ( 2006).

transversais escuras no tronco, sendo mais destacada a situada entre as na- As pescarias dos pacus ou aracus na Bacia Amazônica são realizadas
Instituto Brasileiro
dadeiras dorsal e ventral; uma mancha arredondada na base do pedúnculo principalmente com redes de emalhe e vara, linha e anzol (RUFFINO, 2004). A do Meio Ambiente e
caudal; parte inferior da cabeça e região opercular alaranjadas (Figura 89); pesca com redes de emalhe domina, também, nos outros ambientes aquáti- dos Recursos
Naturais Renováveis
seis dentes em cada maxila; linha lateral com 43 escamas; seis fileiras hori- cos do território nacional.
134 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Os estados com maior produção de piaus ou aracus, nos anos de 2005 Tamanho mínimo de captura (comprimento total – CT)
a 2007, foram: Bahia, Maranhão, Mato Grosso e Minas Gerais, respondendo
Bacia Hidrográfica do Rio Tocantins: para piau (aracu) Leporinus trifas-
por mais de 50% da produção nacional. O grupo ocupa, ainda, o oitavo lugar
ciatus: 30 cm e L. fasciatus: 20 cm (INI MPA/MMA n° 13/2011).
no ranque das dez espécies ou grupo de espécies com maior produção média
na pesca continental brasileira, no período de 1995 a 2010. Bacia do Rio Paraguai (MT e MS): piau L. obtusidens: 25 cm (Portaria
Ibama n° 3/2008).
A dinâmica evolutiva da produção total de piaus ou aracus, para o pe-
ríodo de 1980 a 2010, é apresentada na Figura 91, onde fica evidente grande Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco: piau-verdadeiro L. elongatus:
aumento da produção de 1980 (5.820 t) a 1986 (10.994 t); tendência de de- 30 cm (Portaria Ibama n° 92/1995).
créscimo de 1987 a 1998 (6.692 t); a partir de então, volta a crescer, até Bacias hidrográficas de Minas Gerais: piau L. elongatus e L. obtusidens:
2007, quando a produção foi a maior: 11.207 t; decresceu nos dois anos se- 25 cm (Portaria IEF n° 111/2003).
guintes e a produção de 2010 foi de 10.677 toneladas.
A legislação citada relaciona, ainda, tamanhos mínimos para outras
espécies conhecidas vulgarmente como piau ou aracu.
Defeso (proibição da pesca no período de migração reprodutiva)
Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco: anual, no período de 1° de
novembro a 28 de fevereiro e nas lagoas marginais de 1° de novembro a 30 de
abril (Portaria Ibama n° 50/2007).
Bacias hidrográficas dos rios Araguaia, Paraná; do Sudeste (ES, MG,
RJ, SP e PR); Araguaia, Tocantins e Gurupi: anual, no período de 1° de novem-
bro a 28 de fevereiro (Portarias Ibama n° 49/2007, nº 194/2008, nº 195/2008,
INIs n° 12/2011 e nº 13/2011).
Bacia Hidrográfica do Rio Uruguai (RS e SC): anual, de 1° de outubro a
Figura 91 Comportamento da produção total (t) de piaus ou aracus – 1980 a 2010. 31 de janeiro (Portaria Ibama n° 193/2008).
Por realizar migração reprodutiva e trófica, apresentar elevada aceitação Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas e afluentes nos rios do estado de
no mercado consumidor, ter seus ambientes naturais significativamente modifi- Mato Grosso: anual, de 5 de novembro a 28 de fevereiro; nos rios do estado
cados (poluição, degradação e barramentos dos rios, entre outros), o esforço de Amapá e Rondônia: anual, de 15 de novembro a 15 de março; nos rios da Ilha
pesca aumentando continuadamente, ser objeto de medidas de gestão, entre de Marajó: anual, 1° de janeiro a 30 de abril; e em Roraima: anual, de 1° de
outros aspectos, consideramos que o recurso já se encontra plenamente explo- março a 30 de junho (Portaria Ibama n° 48/2007).
tado ou, mesmo, sobrepescado em áreas específicas.
Repetem-se para os piaus ou aracus diferenças nos períodos de defe-
A pesca de piaus ou aracus deve respeitar todas as normas gerais que so dentro de uma mesma bacia hidrográfica e entre bacias distintas, o que,
regulamentam as pescarias de águas continentais no Brasil. somado à permissão para pescar outras espécies no mesmo ambiente, com
Instituto Brasileiro os métodos de pesca direcionados para a captura desse grupo de espécies,
do Meio Ambiente e Quanto às regras específicas, as capturas desse grupo de espécies
dos Recursos estão regulamentadas pelas seguintes medidas de gestão para uso sustentá- recomendam que sejam consideradas as ponderações apresentadas anterior-
Naturais Renováveis
vel: mente.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 135

Com vistas ao aperfeiçoamento das regras de gestão para o uso sus- longa do que a da anal; coloração uniformemente acinzentada, sendo mais
tentável dos piaus ou aracus, considerar, sempre que pertinente e depois de clara no ventre (Figura 92) ocorre ao longo do sistema Solimões-Amazonas
ampla discussão com especialistas, os aspectos abordados e, especificamen- e nos principais afluentes de água branca, embora também seja encontrada
te, os arrolados a seguir: em sistemas de água preta como no Rio Orinoco (Venezuela); é pouco fre-
quente em áreas de floresta alagada na várzea. É um peixe piscívoro e sua
• Revisão dos tamanhos mínimos de captura para o grupo de piaus ou
dieta inclui pequenos peixes lisos e também peixes de escamas que formam
aracus, de preferência, associados a estudos de seletividade para de-
cardumes em certas épocas do ano; ocasionalmente consome invertebra-
finir as características dos métodos de pesca utilizados.
dos; não há informações conclusivas sobre a reprodução, mas há evidências
• Só adotar o defeso de reprodução se for para toda a Bacia Amazônica, de que a desova seja total, na enchente; a primeira maturação sexual ocor-
e se os principais métodos de pesca direcionados à captura das espé- re em exemplares com cerca de 50 cm de comprimento; e o local provável
cies forem também proibidos. de desova situa-se nas cabeceiras do Rio Amazonas, para onde os peixes
• Estudar a possibilidade de estabelecer áreas de exclusão para a pesca adultos migram quando atingem cerca de três anos de idade (SANTOS et
(as consideradas relevantes para a reprodução e/ou reposição dos es- al., op. cit.).
toques).
• Quando as capturas das espécies ocorrerem em pescarias multiespe-
cíficas, considerar as implicações desse fato quando forem definidas
as novas regras de uso.
Piramutaba Brachyplatystoma vaillantii (Valenciennes, 1840)
A piramutaba Brachyplatystoma vaillantii (Valenciennes, 1840) perten- Figura 92 Piramutaba Brachyplatystoma vaillantii (Valenciennes, 1840).
Fonte: Santos et al. (2006).
ce à família Pimelodidae e seus integrantes apresentam corpo nu, sem placas
ou escamas, apenas coberto por pele; três pares de barbilhões longos, sendo Estudos sugerem que a espécie migra 3.500 km a montante da Foz do
um no maxilar e dois nos mentonianos; aberturas branquiais amplas, prolon- Rio Amazonas, para realizar a desova em tributários andinos, tais como o Rio
gando-se para a frente até próximo ao queixo e para trás, além de inserção do Ucayali e Rio Japurá (BARTHEM; GOULDING, 1997). As larvas e os juvenis
primeiro raio da nadadeira peitoral; órbita com margem livre; dentes vilifor- (13-30 mm de comprimento furcal (CF)) são encontrados nas calhas principais
mes, quase sempre inseridos em placas dentígeras, em ambas as maxilas; dos rios Solimões-Amazonas, próximo de Tefé, de Manaus e da Foz do Rio
nadadeiras peitorais e dorsal geralmente com o primeiro raio transformado em Xingu, na estação de águas baixas, entre setembro e novembro. Nenhum
espinho pungente; adiposa bem desenvolvida; canais da linha lateral cutâneos exemplar foi observado durante a estação de águas altas, entre março e julho.
ramificados ou anastomosados na cabeça e parte anterior do corpo. A família Juvenis menores de 40 mm de comprimento (CF) vivem na calha principal dos
inclui 31 gêneros e 90 espécies denominadas conjuntamente bagres ou pei- rios Solimões-Amazonas e no estuário. Adultos são encontrados em toda a
xes lisos, mas tem vários nomes populares específicos. Alguns representan- extensão dos mencionados rios e seus tributários de água branca, existindo,
tes desse grupo estão entre os maiores peixes de água doce da América do entretanto, poucos registros de peixes sexualmente maduros.
Sul e a maioria apresenta destacada importância na pesca comercial ou de
A migração rio acima ocorre entre maio e outubro. No estuário, a pira-
subsistência. No mercado de Manaus, foram encontradas 22 espécies perten-
mutaba evita água salgada e durante a estação de águas baixas, quando a
centes a 16 gêneros (SANTOS et al., 2006). Instituto Brasileiro
água doce recua, os peixes se movem para o interior do estuário (BARTHEM; do Meio Ambiente e
B. vaillantii tem porte grande, até 1m e 10 kg; corpo robusto; maxila GOULDING, op. cit.), considerado área de alimentação e de crescimento da dos Recursos
espécie. Naturais Renováveis
superior um pouco mais longa que a inferior; base da nadadeira adiposa mais
136 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Batista et al. (2005) realizaram estudo do DNA (genético-populacional) A espécie ocupa o segundo lugar entre as dez com maior produção
da piramutaba quando apontaram a sugestão de que há uma única população média na pesca continental brasileira, no período de 1995 a 2010. Esse recur-
com grande padrão de migração ao longo de toda a calha e dos tributários do so é um dos três mais importantes do ponto de vista social e econômico para
Rio Amazonas. o parque industrial de pesca sediado em Belém-PA, só perdendo para o cama-
rão-rosa e, dependendo do ano, para o pargo ou lagostas (nos últimos anos).
A pesca de piramutaba é realizada pelas modalidades de pequena es-
cala, ou artesanal, e industrial, sendo que a primeira ocorre tanto no estuário A evolução da produção total de piramutaba, no período de 1972 a
como na calha principal do eixo Amazonas-Solimões, enquanto a industrial só 2010, está apresentada na Figura 93, onde fica demonstrado o seguinte com-
ocorre na área estuarina. As capturas artesanais são realizadas com redes de portamento: partindo de uma produção de apenas 835 t no primeiro ano da
emalhe e, secundariamente, com espinhel, redinha (rede de emalhe utilizada série, atingiu a produção recorde de 28.829 t, em 1977, comportamento só
na forma de cerco), tarrafa e linha de mão (DIAS-NETO et al., 1985; e BAR- possível devido à eficiência (elevado poder predador) do método de pesca
THEM; GOULDING, op. cit.). A pesca industrial é realizada com o uso de redes empregado na pesca do estuário (arrasto com parelhas). A partir de então,
de arrasto tracionadas pelo sistema de parelhas ou trilheiras. mesmo tendo sido adotadas medidas de gestão, conforme abordado a seguir,
a tendência foi de decréscimo, com algumas flutuações, chegando a atingir,
Os barcos utilizados na pesca de pequena escala ou artesanal apresen-
em 1992, apenas 7.070 t. De 1993 a 1999 ocorreu a recuperação da produção
tam grande variedade de tamanho e categorias, enquadrando-se, entretanto,
total, atingindo 22.087 t nesse último ano. Em seguida, a produção apresenta
em embarcações a remo, vela, motor de centro ou de rabeta e misto (vela e
flutuações típicas de um recurso explotado em níveis máximos ou, mesmo,
motor). É, ainda, bastante diversificada a composição desses tipos de barco,
em recuperação de situação de sobrepesca, com nova grande produção em
dependendo da macrorregião considerada, conforme caracterizado por Fabré
2006 (28.195 t). No último ano da série, a produção total foi de 24.607 tone-
e Barthem (2005).
ladas.
Carvalho et al. (2004) informam que a frota direcionada para as captu-
ras industriais da espécie é composta de embarcações motorizadas, de casco
de aço, apresentando comprimento de 17 a 29 m, com capacidade de estoca-
gem de 50 t, e tripuladas por sete pescadores. A idade média dos barcos
componentes da frota era de 20 anos, o que indica alto grau de obsolescência.
Diferentemente da pesca com rede de emalhar, a pesca de arrasto captura
indivíduos jovens que são separados a bordo e devolvidos à água, geralmente
mortos. Esse é um problema gerador de conflitos entre as duas frotas, pois o
descarte de pescado nos barcos industriais pode chegar a 31% (IBAMA,
1999), enquanto na pesca artesanal é praticamente nulo (DIAS NETO et al.,
1982).
A produção de piramutaba no estuário ocorre o ano inteiro, com des-
taque para o primeiro semestre e, em menor quantidade, agosto/setembro
(DIAS-NETO; DORNELLES, 1996; RUFFINO, 2012). Nas demais macrorregiões,
Figura 93 Comportamento da produção total nacional (t) de piramutaba de 1972 a 2010.
praticamente não ocorrem desembarques no primeiro semestre, sendo os pi-
cos de produção entre agosto e setembro, no Baixo e no Alto Amazonas. Já Cabe evidenciar que a pesca de piramutaba no estuário, à semelhança
Instituto Brasileiro no Baixo Solimões, os desembarques foram maiores entre agosto e novembro do que ocorre com a dourada, é realizada, majoritariamente, em área conside-
do Meio Ambiente e
dos Recursos (vazante/seca) e alcançaram pico em dezembro. No Alto Solimões as captu- rada de alimentação e crescimento, e com arrasto (pouco seletivo), o que a
Naturais Renováveis ras ocorrem o ano inteiro, mas em menor quantidade (RUFFINO, 2012). torna muito preocupante, já que incide sobre a fase de juvenis e pré-adultos
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 137

da espécie. Essa pescaria foi, certamente, a principal causa da sobrepesca de • Tamanho mínimo da malha no saco-túnel das redes de arrasto: 100
crescimento do segmento do estoque no estuário, considerado área-berçário mm, medida entre ângulos opostos da malha esticada (IN MMA n°
para a espécie. 06/2004).
O crescimento da pesca na calha principal do eixo Solimões-Amazonas • Número máximo de barcos de arrasto autorizados a realizar a pesca:
agravou o quadro anterior, especialmente no início dos anos de 1990, quando 48 (IN MMA n° 06/2004).
os pré-adultos e adultos passaram a ser capturados com maior intensidade,
• Os arrastos só podem ser realizados por, no máximo, três barcos tra-
podendo chegar a uma sobrepesca de recrutamento que, associada à de cres-
cionando duas redes, método conhecido como trilheira (IN MMA n°
cimento, torna a situação mais grave.
06/2004).
Já foram realizadas várias avaliações do estoque para a piramutaba,
• Proíbe o arrasto, sob qualquer sistema, na área que vai até o limite defi-
especialmente com dados da pescaria do estuário, conforme informado por
nido pelo Paralelo 00°05’N e Meridiano 048°00’W (IN MMA n° 06/2004).
Dias-Neto e Dorneles (1996). Posteriormente, outras avaliações foram execu-
tadas, como as realizadas por Alonso e Pirker, apud Fabré e Barthem (2005). • Defeso anual, no período de 15 de setembro a 15 de novembro (INI
MPA/MMA n° 11/2011).
Os resultados dessas avaliações apontam que o recurso passou a ser
sobrepescado no início dos anos de 1980 (DIAS-NETO; DORNELLES, op. cit.). Visando aperfeiçoar as regras de gestão para o uso sustentável da
As últimas avaliações continuaram a afirmar que o recurso encontrava-se em espécie, sugerimos que se discuta em fórum específico a possibilidade de
sobrepesca, sendo que Alonso e Pirker, apud Fabré e Barthem (2006), a define adotar as seguintes medidas:
como sobrepesca de crescimento. • Proibir a pesca com redes de arrasto pelos sistemas de parelha e tri-
A piramutaba está incluída no Anexo II da IN MMA n° 05/2004, que lheira em toda a área do estuário (só permitir a pesca com redes de
relaciona as espécies brasileiras sobrepescadas ou ameaçadas de sobre-ex- emalhe e com espinhel).
plotação. • Adotar o tamanho mínimo de captura de 50 cm ou 55 cm (comprimen-
to-padrão ou standard) nas pescarias na calha principal e em lagos dos
As informações apresentadas, associadas às medidas de gestão que
rios Solimões-Amazonas;
vêm sendo adotadas para a pescaria da espécie desde a década de 1980, e
aos fatores de mercado como a redução da demanda de importação e a valo- • Estabelecer áreas de exclusão para a pesca, preferencialmente as
rização do real diante do dólar, permitem inferir que nos anos recentes o re- identificadas como de reprodução.
curso vem passando por um período de possível recuperação da situação de • Definir tamanho mínimo de malha nas redes de emalhe e do anzol,
sobrepesca, entretanto, em condição instável. compatíveis com a bioecologia da espécie.

A pesca de piramutaba em águas continentais deve obedecer às re- • Avaliar adequadamente sempre que ocorrer a captura de piramutaba
em pescarias multiespecíficas.
gras gerais. Já em relação às regras específicas, as capturas realizadas no
estuário estão condicionadas às seguintes medidas de gestão: Pirarucu Arapaima gigas (Schinz, 1822)
• Características permitidas para as redes de espera (emalhe): tama- O pirarucu pertence à família Arapaimatidae cujos peixes apresentam
nho máximo de 4.000 m, para o conjunto de panos das redes entra- características primitivas e confinadas às águas doces da África (Heterotis nilo-
lhadas, por barco, e proibição do uso de rede com malha inferior a ticus) e América do Sul (Arapaima gigas). Seus representantes têm língua óssea Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
140 mm, medida entre ângulos opostos da malha esticada (IN MMA e espinhosa, bastante áspera ao tato; corpo cilíndrico na porção anterior e ligei- dos Recursos
Naturais Renováveis
n° 06/2004). ramente comprimido na porção posterior; escamas grandes e imbricadas, em
138 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

forma de mosaico; nadadeiras dorsal e anal muito alongadas, contornando gran- avermelhados. Os reprodutores fazem escavações de aproximadamente 30
de parte da porção posterior do corpo e quase se unindo à nadadeira caudal, que cm de diâmetro e 20 cm de profundidade, em lugares rasos, com menos de
é curta. Até recentemente, os peixes desta família eram incluídos na família 1 m de profundidade, onde depositam os produtos gonadais e os protegem.
Osteoglossidae (SANTOS et al., 2006). As larvas recém-nascidas permanecem no ninho até por volta do quinto dia e
A. gigas é uma espécie de grande porte, chegando a mais de 2 m e depois começam a nadar e se agrupar em torno da cabeça do pai, que as
200 kg; corpo roliço; região ventral com secção arredondada (Figura 94). É o protege contra predadores. Os alevinos, com cerca de um mês, tendo entre 8
peixe mais famoso e emblemático da ictiofauna amazônica, não somente pelo e 10 cm de comprimento, normalmente já perderam a vesícula vitelínica, ten-
porte, mas pelo papel histórico que tem desempenhado na pesca e, portanto, do que buscar fontes alimentares externas, geralmente invertebrados e pe-
na socioeconomia da região. O nome comum é de origem indígena e significa quenos peixes (SANTOS et al., 2006).
peixe (pira) vermelho (urucu), em referência à coloração de suas escamas A pesca do pirarucu é realizada nos lagos com arpão, quando os peixes
(SANTOS et al., 2006). boiam, oportunidade em que os pescadores, na popa das canoas, lançam o
Segundo esses autores, é um peixe carnívoro, que consome peixes e equipamento (RUFFINO, 2012).
ocasionalmente camarões, caranguejos e insetos; é territorialista, tem preferên- O pirarucu, mesmo não tendo apresentado, no período considerado
cia por lagos e não realiza migrações consideráveis; a respiração aérea obrigató- neste estudo, produção em torno de 5.000 t/ano, foi incluído por sua impor-
ria permite-lhe ficar vivo fora da água por mais de 24 horas, desde que seu corpo tância histórica na pesca nacional, em especial na Amazônia.
seja mantido úmido; a tomada de ar atmosférico é vital e os adultos não toleram
A esse respeito, Santos et al. (2006) evidenciam que, em 1895, José
permanecer submersos, sem vir à tona, por mais de 40 minutos. A necessidade
Veríssimo afirmava que o pirarucu era a base da alimentação amazônica, com-
de repetidas subidas à superfície constitui grande ameaça para o pirarucu, tanto
parando seu papel ao da carne-seca (charque) no Sul do Brasil, e ao bacalhau
para adultos, que são alvo da pesca, quanto para os jovens que se tornam pre-
na Europa e na América do Norte. No século XIX, a salga do pirarucu era tão
sas fáceis para predadores, principalmente aves.
importante que determinava uma época da região: “o tempo da salga”, que
ocorre entre setembro e outubro. A forma de conservação desse peixe, a
salga, e seu tamanho e sabor fizeram do peixe a principal fonte alimentícia das
populações locais, já que a salga mantém a carne comestível por longos perío-
dos, o que era fundamental numa época que não existiam outros meios de
conservação de alimentos, como o resfriamento ou congelamento atuais. Em-
Figura 94 Pirarucu Arapaima gigas (Schinz, 1822). bora sua importância e produção tenham diminuído, deve-se salientar que a
Fonte: Santos et al.(2006). espécie tem uma presença constante nas feiras e mercados, tanto na forma
de peixe salgado quanto fresco. Assim sendo, a participação do pirarucu nas
O início da maturação ocorre, normalmente, após o quarto ou quinto
estatísticas pesqueiras pode ser não apenas um reflexo da real diminuição da
ano de vida, quando os exemplares atingem de 40 kg a 45 kg e de 1,6 m a
produção, mas falha na coleta de dados estatísticos. É bem provável que esse
1,85 m de comprimento. A desova é parcelada, já que os óvulos são expelidos
peixe não esteja entrando no mercado de Manaus em barcos pesqueiros, que
em diferentes lotes ao longo do ano, e ocorre com mais frequência durante a
são amostrados no desembarque, mas por outras vias como barcos de “re-
subida do nível dos rios, entre outubro e abril. A fecundidade média é de apro-
Instituto Brasileiro creios”.
do Meio Ambiente e
ximadamente 11.000 ovócitos; a larva eclode com cerca de 12 mm de com-
dos Recursos primento. Há dimorfismo sexual no período da reprodução: os machos ficam O estado do Amazonas é responsável por mais de 80% da produção
Naturais Renováveis
com a região posterior da cabeça e o dorso escurecidos, e o flanco e o ventre total dos últimos três anos da série estudada. O comportamento da produção
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 139

total, no período de 1980 a 2010, é ilustrado na Figura 95, onde podem ser para os peixes de bom tamanho para comercialização, a um preço médio
observadas as maiores produções de pirarucu ocorrendo no início da série, de R$ 10,00 o quilo, deduz-se que um exemplar renda cerca de R$ 500,00,
onde fica evidente tendência de declínio, passando de 3.823 t , em 1980, para o que corresponde ao preço médio de um animal bovino de grande porte.
413 t em 2004; merecem ressalva os anos de 1984, a maior produção do Felizmente, experiências de manejo de estoques no ambiente natural,
período (4.287 t), e 1987 (3.873 t); em 2005 registra-se boa recuperação como tem ocorrido na área da Reserva de Desenvolvimento Sustentável
(1.228 t), nível que foi mantido nos últimos anos. A produção total de 2010 foi Mamirauá, dão um novo alento à preservação do pirarucu na Amazônia (SAN-
de 1.253 toneladas. TOS et al., 2006).
A espécie está, também, incluída no Anexo II da IN MMA n° 05/2004,
que relaciona as espécies brasileiras sobrepescadas ou ameaçadas de so-
bre-explotação.
Atenção especial deve ser dada para as tentativas de criação da es-
pécie na aquicultura, já que grande parte desses esforços resume-se à en-
gorda (com a captura de alevinos ou jovens no ambiente natural – insusten-
tável), o que pode resultar em mais esforço de pesca, para agravar a
sobrepesca da espécie em um momento inapropriado do ciclo de vida, e em
desrespeito ao tamanho mínimo de captura. A aquicultura pode, ainda, ser
utilizada para “esquentar” o produto oriundo de pescarias ilegais seja no
período de defeso, seja de exemplares pescados abaixo do tamanho mínimo
de captura.
Figura 95 Comportamento da produção total nacional (t) de pirarucu – 1980 a 2010.
O cultivo é, certamente, muito bem-vindo e importante para diminuir
Certamente, estudo específico poderia aprofundar análise do ocorrido
a pressão da pesca sobre os estoques naturais e para o incremento da ofer-
com a produção de pirarucu, em especial, sobre quais as produções totais
ta do pescado, se fundamentado em estudo que viabilize o fechamento de
anteriores a 1980, as eventuais causas da grande queda verificada entre 1995
todo o ciclo de cultivo: ambientes (tanques) artificiais; plantel de reproduto-
e 1996, e a boa recuperação ocorrida em 2005. Provavelmente, aspectos re-
res próprios; obtenção dos alevinos por meio desses reprodutores e em
lativos à coleta de dados podem ser uma das causas, além da sobrepesca.
ambiente controlado; engorda em ambiente próprio e controlado, entre ou-
Outras causas podem ser as medidas de gestão adotadas, que influenciaram
nas maiores produções dos últimos anos. tros aspectos.

O pirarucu vem sendo considerado, por muitos e há algum tempo, Em decorrência do grande declínio da produção e da depleção do esto-
como vulnerável, fato decorrente do intenso esforço de pesca que vem que de pirarucu, a pesca da espécie no estado do Amazonas foi totalmente
sendo aplicado sobre essa espécie desde o início da colonização na Ama- proibida durante alguns anos (SANTOS; SANTOS, 2005). Hoje, a pesca é re-
zônia. Apesar das medidas legais tomadas para sua proteção, essa espécie gulamentada pelas seguintes medidas de gestão:
continua sendo explorada indiscriminadamente, pois é encontrada nos Proibição anual da captura
principais mercados e feiras durante todos os períodos do ano. Devido,
Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas (IN Ibama n° 34/2004): Instituto Brasileiro
sobretudo, à baixa densidade dos estoques e às medidas controladoras de do Meio Ambiente e
sua captura, o pirarucu tornou-se um tipo de pescado bastante disputado, a) nos estados do Amazonas, Pará, Acre e Amapá: de 1° de dezembro dos Recursos
Naturais Renováveis
sendo o mais caro da Amazônia. Considerando um peso médio de 50 quilos a 31 de maio;
140 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

b) em Rondônia: de 1° de novembro a 30 de abril; ra) pouco ou nenhum resultado devem ter adicionado à sustentabilidade do
uso da espécie.
c) em Roraima: de 1° de março a 31 de agosto.
Sobre as dificuldades de fiscalização do produto oriundo do manejo
A IN Ibama n° 34/2004 exclui da proibição os espécimes provenien-
controlado, Bessa e Lima, op. cit., ponderam que”enquanto “... o peixe perma-
tes de piscicultura devidamente registrada e os acompanhados de compro-
nece inteiro é facilmente identificado, mas depois que o peixe é retalhado e o
vação de origem (essa exclusão é, também, prevista na IN MMA n° 24/2005);
lacre de origem é retirado, fica difícil exercer a fiscalização”. Na realidade,
delega, também, aos gerentes executivos do Ibama, nos estados que com-
nesse momento, não tem como saber a origem.
põem a Bacia Amazônica, em suas jurisdições, a competência de estabele-
cer instrumentos normativos complementares para restringir a pesca do pira- A inexistência de um sistema eficiente de identificação da origem é,
rucu. também, o grande problema do controle do produto da aquicultura e do pira-
rucu capturado em um estado com temporada de pesca aberta e que transita
Bacia Hidrográfica dos rios Araguaia-Tocantins: de 1° de outubro a 31
para outro estado com a pesca fechada (no defeso).
de março (IN MMA n° 24/2005):
Esses fatos são, certamente, as causas que levaram Santos et al.
Tamanho mínimo de captura, comercialização e transporte
(2006) a afirmarem que, apesar das medidas legais tomadas para sua pro-
Bacias hidrográficas do Rio Amazonas e dos rios Araguaia-Tocantins teção, a espécie continua sendo explorada indiscriminadamente, pois é en-
(IN Ibama n° 34/2004 e IN MMA n° 24/2005): contrada nos principais mercados e feiras durante todos os períodos do ano.
a) 1,50 m de comprimento total, para o peixe inteiro; As considerações apresentadas permitem apresentar, para discussão,
b) 1,20 m de comprimento total, para a manta fresca; sempre que pertinente, os aspectos abordados e, especificamente, as suges-
tões a seguir, objetivando melhorar o sistema de gestão para a recuperação
c) 1,10 m de comprimento total, para a manta seca. dos estoques de pirarucu e a manutenção de uma exploração sustentável:
Adicionalmente às regras abordadas, passaram a existir regras especí- • Desenvolvimento e implementação de um sistema eletrônico de certi-
ficas para a captura de pirarucu em áreas com manejo controlado. Tudo come- ficação da origem de produtos do pirarucu disponível no mercado (da
çou na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá, em 1999, pesca e da aquicultura).
e em 2010 já existiam 12 áreas (RDS, Resex e lagos) que usavam o sistema
de manejo desenvolvido na RDS Mamirauá e, segundo Bessa e Lima (2010), a • Só autorizar a piscicultura de pirarucu que não dependa da coleta dos
produção passou de 3 t, em 1999, para 727 t em 2009. alevinos/jovens no ambiente natural (a produção dos alevinos deve ser
de reprodutores próprios e de desova em ambiente controlado).
Os defesos em períodos distintos em alguns estados e a possibilidade
de comércio do pirarucu de cultivo e dos produtos da pesca de áreas de ma- • Unificar os períodos de defeso (com pesca proibida) ou proibir a pesca
nejo sustentável (disponíveis do final de julho a 30 de novembro de cada ano) em áreas que não adotem o manejo controlado.
facilitaram a continuidade da pesca ilegal seja em períodos com a pesca proi- • Melhorar o sistema de controle e de fiscalização do pirarucu (produtos
bida, seja pela captura de indivíduos abaixo do tamanho mínimo (ao argumen- frescos ou salgados).
tar que são oriundos de cultivo), já que tem dificultado ou inviabilizado um
Instituto Brasileiro controle eficiente da pesca na região. Assim, se a pesca sustentável nas áreas
Surubins Pseudoplatystoma spp.
do Meio Ambiente e
dos Recursos de manejo foi o grande avanço da exploração da espécie na Amazônia, certa- Segundo Batista et al. (2012), os surubins na região Neotropical passa-
Naturais Renováveis
mente as demais medidas de gestão (defesos e tamanhos mínimos de captu- ram por uma revisão taxonômica recente, sendo que P. fasciatum foi subdividi-
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 141

da em cinco espécies: P. fasciatum (apenas nas Guianas), P. punctifer (rios significativa variação, dependendo da macrorregião da bacia considerada e do
Solimões-Amazonas), P. orinocoense (Rio Orinoco), P. magdaleniatum (Rio tipo de barco utilizado na captura (canoa e barco motorizado).
Magdalena); e P. reticulatum (rios Paraná e Negro).
Na Bacia do Rio São Francisco, as capturas de surubins são realizadas
Continuando, afirmam que P. tigrinum foi subdividido em duas espécies: por canoas, dominantemente a remo ou motorizadas, seguidas por barcos
P. tigrinum (rios Solimões-Amazonas) e P. mataense (Rio Orinoco). P. corruscans, motorizados que utilizam principalmente redes de emalhe, linha e anzol, e,
da Bacia do São Francisco e da Bacia do Prata, manteve o mesmo nome. secundariamente, tarrafa (IBAMA, 2008). A espécie ocupou, ainda, o décimo
Os surubins pertencem à família Pimelodidae, anteriormente descri- lugar na lista das dez espécies com maior produção média na pesca continen-
ta. Esses peixes também têm porte grande e, no caso do surubim-tigre, tal brasileira no período de 1995 a 2010.
atingem mais de 1 m e 20 kg; coloração cinza, com barras negras emenda- Esse recurso apresenta importância muito grande tanto na pesca co-
das entre si, em forma de rede, nas laterais do corpo; cabeça longa e achata- mercial quanto na piscicultura de várias partes da Bacia Amazônia, do São
da, com constrição na região mediana do focinho; nadadeira caudal com lóbu- Francisco e do Paraná.
los arredondados (Figura 96); ocorre em rios e lagos de águas brancas, claras
A Figura 97 apresenta a evolução da produção total do grupo de suru-
ou pretas. É piscívoro, consome principalmente peixes de escamas e sarapós
bins, no período de 1980 a 2010, onde pode ser constatado: nos 5 primeiros
(Gymnotiformes). Demonstra intensa atividade crepuscular e noturna quando
anos da série, a tendência da produção total foi de crescimento, partindo de
os indivíduos dessa espécie caçam suas presas próximo às margens; desova
8.838 t, em 1980, para 14.797 (produção recorde) em 1984; de 1985 a 1996 a
total no início da enchente; fecundidade em torno de 1.500.000 ovócitos por tendência foi de decréscimo, atingindo, no último ano, apenas 6.009 t; apresen-
postura; exemplares a partir de 45 cm de comprimento são considerados se- tou alguma recuperação nos anos seguintes, mas com aparente estagnação até
xualmente maduros. 2004 (7.218 t); novos incrementos com flutuações ocorreram nos últimos anos,
com a produção total de 2010 tendo ficado em 8.688 toneladas.

Figura 96 Ilustração do exemplar de surubim-tigre Pseudoplatystoma tigrinum (Valenciennes, 1840).


Fonte: Santos et al. (2006).

Considerando que a estatística pesqueira nacional não separa as dis-


tintas espécies para consolidar a produção de surubins, e, ainda, que os esta-
dos que apresentaram as maiores produções nos anos de 2005 a 2007 foram
Bahia (Bacia do São Francisco), Pará e Amazonas (Bacia Amazônica), com
cerca de 70% da produção brasileira, serão consideradas, neste trabalho, as
espécies P. punctifer, P. tigrinum e P. corruscans como as mais representativas,
o que, certamente, limitará as conclusões apresentadas. Figura 97 Comportamento da produção total nacional (t) de surubins Pseudoplatystoma spp. - 1980 a 2010. Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
A pesca de surubins na Bacia Amazônica, segundo Batista et al. (2012), As análises do estado de explotação dos surubins da Bacia Amazôni- dos Recursos
ca, realizadas por Freitas et al., apud Pretere Junior. (2007), tanto com os Naturais Renováveis
é realizada com redes de emalhe e linha e anzol, entre outros métodos, com
142 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

dados dos desembarques de Manaus como os de Tefé, indicam perigo de dificulta bastante o controle e a fiscalização do cumprimento dessas importan-
sobrepesca. tes medidas de gestão entre os estados, nas distintas bacias e, especialmen-
Já as informações disponíveis em Carolsfeld et al. (2003) para as ba- te, no conjunto do território nacional.
cias do São Francisco e do Paraná apontam sobrepesca para os estoques da- Defeso (proibição da pesca no período de migração reprodutiva)
queles ambientes.
Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco: anual, no período de 1° de
Em decorrência dos dados e de informações anteriormente apresenta- novembro a 28 de fevereiro e nas lagoas marginais de 1° de novembro a 30 de
das, do comportamento migratório das espécies e dos grandes danos ambien- abril (Portaria Ibama n° 50/2007).
tais provocados nos ambientes naturais, os surubins, no seu conjunto, encon-
Bacias hidrográficas dos rios Araguaia, Paraná, do Sudeste (ES, MG,
tram-se sobrepescados.
RJ, SP e PR), Araguaia, Tocantins e Gurupi: anual, no período de 1° de novem-
O adequado domínio do uso do recurso na piscicultura pode desempe- bro a 28 de fevereiro (Portarias Ibama n° 49/2007, nº 194/2008, nº 195/2008,
nhar importante papel para a diminuição da pressão da pesca sobre os esto- INIs n° 12/2011 e nº 13/2011).
ques nos ambientes naturais, favorecendo a recuperação dos estoques e o
incremento da oferta do produto para o consumo. Bacia Hidrográfica do Rio Uruguai (RS e SC): anual, de 1° de outubro a
31 de janeiro (Portaria Ibama n° 193/2008).
As capturas dos surubins, além de estarem submetidas às regras ge-
rais para as pescarias em águas continentais no Brasil, estão sujeitas às se- Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas e afluentes, e nos rios do estado
guintes medidas específicas de gestão: de Mato Grosso: anual, de 5 de novembro a 28 de fevereiro; nos rios do estado
do Acre e Rondônia: anual, de 15 de novembro a 15 de março; e em Roraima:
Tamanho mínimo de captura (comprimento total – CT) anual, de 1° de março a 30 de junho (Portaria Ibama n° 48/2007).
Sul e Sudeste (SP, ES e RJ): para P. corruscans e P. fasciatum: 80 cm Observa-se, também, para os surubins as diferenças nos períodos de
(Portaria Ibama n° 25-N/1993). defeso dentro de uma mesma bacia hidrográfica e entre bacias distintas. Po-
Bacia Hidrográfica do Rio Paraguai nos estados de MT e MS para P. de-se, ainda, pescar outras espécies no mesmo ambiente, com os métodos
corruscans: 85 cm; para P. fasciatum: 80 cm (Portaria Ibama n° 3/2008). de pesca direcionados para a captura desse grupo de espécies, aspectos que
levam a recomendar que sejam consideradas as ponderações apresentadas
Bacia Hidrográfica do Rio Paraná: para P. corruscans: 90 cm; para P. quando discutiu-se esta medida para as outras espécies.
fasciatum: 70 cm (IN Ibama n° 26/2009).
Quando houver revisão das regras de gestão para o uso sustentável
Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco: para P. corruscans: 80 cm (Por-
dos surubins, considerar os seguintes aspectos:
taria Ibama n° 92/1995).
• Avaliar se não existe a possibilidade de terem sido estabelecidos tama-
Bacias hidrográficas dos rios Araguaia e Tocantins: para P. fasciatum:
nhos mínimos de captura inadequados para as espécies na regulamen-
80 cm (INIs MPA/MMA n° 12/2011 e nº 13/2011).
tação em vigor.
Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas: para P. fasciatum: 80 cm (Portaria
• Estudar a eventual necessidade de revisão da denominação científica
Ibama n° 8/1996).
das espécies, por bacia, diante da recente revisão taxonômica para as
Bacias hidrográficas de Minas Gerais: para P. corruscans: 80 cm (Porta- espécies.
Instituto Brasileiro ria IEF n° 111/2003).
do Meio Ambiente e • Estabelecer áreas de exclusão para a pesca, preferencialmente as
dos Recursos Como pode ser observado, existe mais de um tamanho mínimo de cap- identificadas como importantes para a manutenção do ciclo de vida do
Naturais Renováveis
tura regulamentado para uma mesma espécie de surubim. Essa constatação recurso.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 143

• Atrelar os tamanhos mínimos de captura às características fundamen- trado para fêmeas maduras foi de 45 cm; a proporção sexual é de aproxima-
tais dos principais métodos de captura, sempre fundamentados em damente 1:1 na Amazônia Central, e um número relativamente maior de ma-
estudos de seletividade. chos na Bacia do Rio Mamoré. A massa de ovos é de aproximadamente 2% a
• Ter a devida consideração sempre que ocorrer a captura dos surubins 8% do peso corpóreo da fêmea e se desenvolvem mais acentuadamente du-
em pescarias multiespecíficas. rante o período de seca, quando o peixe consome menos alimento, mas pos-
sui grande quantidade de gordura estocada, que chega a cerca de 10% do
Tambaqui Colossoma macropomum (Cuvier, 1818) peso corpóreo; a idade média dos indivíduos sexualmente maduros é de 3,5 a
O tambaqui, segundo Santos et al. (2006), é um peixe de grande porte, 4 anos, quando atinge 6,3 quilos.
até 100 cm de comprimento, e mais de 45 kg, correspondendo ao segundo
maior peixe de escamas da América do Sul, depois do pirarucu; tem corpo
alto, romboidal, lábios grossos, dentes molariformes; ausência de espinho
pré-dorsal; nadadeira adiposa com raios. No decorrer de seu desenvolvimen-
to, o tambaqui sofre grandes variações tanto no padrão de coloração quanto
na forma do corpo. Nos juvenis, com até 10 cm de comprimento, ocorre uma
mancha escura arredondada na região mediana do corpo, ao nível da nadadei-
ra dorsal, desaparecendo completamente a partir desse tamanho. Nos jovens
com até cerca de 30 cm o corpo é bastante alto, tornando-se mais alongado
na fase adulta. A coloração nos adultos é também bastante variável com a cor
da água, sendo mais escura nos indivíduos que vivem em rios de água preta e Figura 98 Tambaqui Colossoma macropomum (Cuvier, 1818). Fonte: Santos et al. (2006).
mais clara nos de água barrenta (Figura 98). É uma espécie endêmica das
bacias do Amazonas e do Orinoco, sendo muito comum em lagos de várzea. É um peixe que apresenta ciclo de vida longo, de pelo menos 13 anos,
tendo sido calculada uma expectativa de vida de aproximadamente 17 anos;
Segundo esses autores, é uma espécie onívora e os adultos conso- para cada ano de vida, há a formação de um anel nas escamas e otólitos for-
mem basicamente frutos e sementes, tendo zooplâncton como complemen- mado durante o período de vazante e seca que, na Amazônia Central, geral-
to. É o único peixe de grande porte na Amazônia que possui rastros branquiais mente ocorre entre outubro e dezembro; peixes de idade conhecida apresen-
longos e fortes dentes molariformes, sendo essa característica anatômica tam o mesmo padrão de anéis sazonais e diários, quer estejam em condições
singular o que lhe permite alimentar-se tanto de zooplâncton quanto de frutos naturais ou confinados, evidenciando que há um ritmo endógeno para a sua
e sementes. A atividade alimentar dessa espécie é baixa no período de vazan- formação. Fecundidade bastante alta, aumentando com o tamanho e o peso
te e seca, quando empreende migrações ascendentes, de dispersão, e utiliza das fêmeas. Indivíduos com tamanho médio de 80 cm produzem cerca de 1,2
suas reservas de gordura acumuladas no fígado e cavidade abdominal; a ativi- milhão de óvulos; cada um, quando maduro, mede 1,3 mm de diâmetro; o
dade alimentar é muito alta por ocasião da enchente/cheia, quando ocupa as número médio de ovócitos por grama de peso corpóreo é de aproximadamen-
florestas inundadas nas margens dos rios e lagos, e onde há maior disponibili- te 78; desova total, na enchente, em rios de água branca; as larvas são
dade de itens alimentares. O estômago é bastante volumoso e na fase de in- carreadas pela correnteza durante 4 a 15 dias, percorrendo de 400 km a 1.300
tensa alimentação chega a consumir uma quantidade de alimento correspon- km; depois, nadam em direção aos lagos de várzea, onde passam as fases
dente a cerca de 9% do peso de seu corpo; no período de seca permanece no juvenil e pré-adulto; peixes jovens, entre 1,3 cm e 15 cm de comprimento, são
leito dos rios; penetra nos afluentes de menor porte para explorar as matas encontrados exclusivamente entre capins aquáticos tanto enraizados quanto
Instituto Brasileiro
alagadas na enchente e na cheia, e desloca-se para os rios de águas barrentas flutuantes, localizados nas margens de rios de água branca e em lagos ou do Meio Ambiente e
para desovar; o comprimento-padrão médio da primeira maturação é de 61 enseadas próximas a esses mesmos rios; as larvas começam a se alimentar dos Recursos
Naturais Renováveis
cm, estando o total da população adulta aos 76 cm; o tamanho mínimo encon- de fontes externas ao atingir entre 5 mm e 7 mm de comprimento, quando
144 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

passam a consumir zooplâncton, sobretudo cladóceros, rotíferos, copépodes


e larvas de insetos, que são muito abundantes nos lagos de várzea. A presen-
ça de maior quantidade de gordura estocada na cavidade abdominal no perío-
do de seca é interpretada como uma adaptação para a manutenção do esto-
que de reserva energética, utilizada no período de reprodução que ocorre no
início da enchente (SANTOS et al., op. cit.).
A pesca do tambaqui é realizada, dominantemente, com redes de
emalhe, tanto por barcos de pesca como por canoas motorizadas, e não há
diferenciação marcante entre as macrorregiões da Bacia Amazônica. Existem
dois picos de safra: o primeiro entre março e maio, e o segundo, menos evi-
denciado, na vazante/seca, variando os meses com a macrorregião considera-
da (BATISTA et al., 2012).
Segundo Santos et al. (2006), o tambaqui é o peixe mais importante
na pesca e na piscicultura da Região Amazônica. Acrescenta-se que, em Figura 99 Comportamento da produção total nacional (t) de tambaqui no período de 1980 a 2010.
1976, foram comercializadas, somente em Manaus, cerca de 14.000 t des- Os autores citados mostram preocupação com o grande crescimento
sa espécie, e que a produção diminuiu consideravelmente a partir daquele da produção oriunda da piscicultura no estado do Amazonas, registrando em
ano. 2001 e 2002 a produção da pesca extrativa, que foi de 2.663 t e 2.929,5 t,
Além do estado do Amazonas (historicamente, o maior produtor), o respectivamente, enquanto a do cultivo foi de 3.000 t e 3.500 t no mesmo
período. Esses dados indicam estar ocorrendo problemas com o controle es-
tambaqui é importante para o Pará e o Amapá (correspondendo aos três esta-
tatístico das produções da pesca e da piscicultura, e exemplares da espécie
dos com maior participação na produção, nos últimos anos). O comportamen-
sendo vendidos com tamanho muito inferior ao permitido, em muitos casos,
to da produção total, no período de 1980 a 2010, é ilustrado na Figura 99, onde
abaixo de 20 cm de comprimento total. Comercialização, portanto, fora dos
pode ser verificado que a produção total de 1980 a 1995 apresentou grandes parâmetros estipulados pela legislação.
oscilações, iniciando com 10.106 t, no primeiro ano da série, e crescendo no
ano seguinte (12.381 t). Depois caiu para 7.808 t em 1986; em 1987, foi re- É possível,ainda, que parte dos tambaquis capturados abaixo do tama-
gistrada a maior produção do período: 15.264 t; retornou no ano seguinte para nho mínimo de captura esteja sendo colocada no mercado como produto da
piscicultura, o que contribui para reduzir a produção da pesca e incrementar a
10.275 t; entre 1989 e 1995 ficou entre 11.000 t e 12.000 t; em 1996, foi re-
oriunda do cultivo, além, é claro, de servir para encobrir a ilegalidade do pro-
gistrada grande queda na produção; diminuiu ainda mais nos dois anos seguin-
duto da pesca, capturado à revelia da legislação específica.
tes, quando chegou a apenas 2.760 t em 1998 (a menor do período); ocorre-
ram recuperações e decréscimos nos anos seguintes, podendo, entretanto, Batista et al. (2012), ao considerarem que o tambaqui sempre repre-
observar-se tendência de estagnação das produções entre 2000 e 2010, sen- sentou a espécie-chave na pesca da Amazônia, por ter elevada apreciação por
do que as dos últimos anos ficaram um pouco acima de 4.000 toneladas. parte da população regional e possuir demanda de outros centros, afirmam
que a espécie entrou em regime de sobrepesca de crescimento ainda na dé-
Comparando a evolução das produções com a relatada por Santos et cada de 1970. O diagnóstico de sobrepesca já havia sido feito por várias ou-
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e al. (op. cit.), quando somente a produção desembarcada em Manaus foi de tras avaliações, conforme Freitas et al., apud Petrere Junior. (2007), que, em
dos Recursos cerca de 14.000 t, pode-se inferir que as produções da década de 1970 foram conclusão sobre análises do estado de explotação da curimatã, dos jaraquis,
Naturais Renováveis
superiores às registradas nas décadas de 1980 e 1990. do surubim e do tambaqui, na Bacia Amazônica, afirmam que este último
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 145

apresenta a situação de exploração mais crítica. Continuando, adiantam que o claro, pelo insuficiente comprometimento dos que atuam na pesca e na ca-
caso é agravado com o crescente mercado de exemplares imaturos cuja pre- deia produtiva, o que, no conjunto, certamente explica a grande depleção dos
sença nos locais de comercialização tornou-se rotina há mais de uma década. estoques na década de 1990 e, mesmo, a crítica situação em que se encontra
a pesca de tambaqui nos últimos anos.
O tambaqui está incluído no Anexo II da IN MMA n° 05/2004, que rela-
ciona as espécies brasileiras sobrepescadas ou ameaçadas de sobre-explota- Os problemas abordados, entre outros, devem ser objeto de profunda
ção. análise por parte dos gestores, para que se encontrem saídas para tornar as
medidas de gestão efetivas e possa ser revertida essa crítica situação de ex-
A pesca do tambaqui deve respeitar as regras gerais para as pescarias
plotação do recurso. Nesse sentido, as sugestões a seguir objetivam melhorar
em águas continentais no Brasil, sujeitas às seguintes medidas específicas de
o sistema de gestão para recuperar os estoques de tambaqui e manter a ex-
gestão:
ploração sustentável:
• Tamanho mínimo de captura (comprimento total – CT): para a Bacia
• Implementar um sistema eletrônico de certificação da origem dos tam-
Hidrográfica do Rio Amazonas é definido em 55 cm (Portaria Ibama n°
baquis disponíveis no mercado, de forma a identificar, em todos os elos
8/1996).
da cadeia produtiva, se o produto teve origem na pesca legal ou na
• Defeso (proibição da pesca): na Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas aquicultura.
é proibida a pesca, o transporte, o armazenamento, o beneficiamento
• Avaliar se o tamanho mínimo atual está compatível para assegurar a
e a comercialização, anualmente, no período de 1° de outubro a 31 de
desova da maioria dos reprodutores e, assim, contribuir para a reposi-
março (IN MMA n° 35/2005).
ção dos estoques.
A proibição excetua produtos oriundos da piscicultura, devidamente
• Associar a definição de tamanho mínimo a parâmetros de seletividade
registrados e acompanhados de comprovante de origem, bem como os da
dos principais aparelhos de pesca.
pesca realizada em lagos, autorizada pelo Ibama. Não contempla, também, a
proibição dos métodos de pesca direcionados para a pesca do tambaqui, o • Definir áreas permanentes de exclusão para a pesca ou, até, uma mo-
que, na prática, anula o objetivo da proibição, pois continuar capturando ou- ratória de alguns anos para toda ou parte da pesca, ou em todas as
tras espécies no mesmo ambiente e com os mesmos métodos de pesca, é áreas de ocorrência da espécie na bacia.
continuar capturando a espécie. Deve ser acrescentado o fato de até hoje não
• Se continuar a pesca no todo ou em parte da área, proibir as pescarias
existir um sistema eficiente que possa servir de comprovação da origem do
que utilizam os mesmos métodos que são direcionados para a captura
pescado: se de ato legal (da pesca de lagos autorizados ou da piscicultura) ou
do tambaqui.
da pesca clandestina. Esses aspectos, na prática, dificultam enormemente ou,
mesmo, inviabilizam uma fiscalização eficiente. • Melhorar o sistema de controle e de fiscalização da pesca e da aquicul-
tura.
Esses aspectos são, provavelmente, os responsáveis pelo elevado
desrespeito quanto ao cumprimento da medida, conforme relatado na biblio- Traíras Hoplias spp.
grafia especializada. Como exemplo, cita-se o caso apontado por Batista et al. As traíras pertencem à família Erythrinidae que contempla três gêne-
(2012), que consideram que mesmo os defesos tendo sido adotados a partir ros e 15 espécies, popularmente denominadas traíras ou jejus. No mercado
de 1989, 48% da produção desembarcada em Manaus, em 2002, ocorreu no de Manaus são encontradas duas espécies. Das traíras, a mais comum é
período em que a pesca era proibida Hoplias malabaricus (Bloch, 1794), um peixe de médio porte de até 40 cm; Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
Em função do exposto, a medida, tal como adotada (com elevada corpo escorregadio devido à intensa quantidade de muco produzido; colora- dos Recursos
Naturais Renováveis
possibilidade de inutilidade), passa a ser, no máximo, paliativa. Agravada, é ção cinza-escura a amarronzada, às vezes com barras angulares ao longo
146 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

dos flancos; nadadeiras com faixas formadas por pequenas manchas escuras das dez espécies com maior produção média na pesca continental brasileira,
e claras, alternadamente; cabeça robusta, bastante ossificada; escamas du- no período de 1995 a 2010.
ras e lisas; nadadeira caudal arredondada; dorsal com 13 a 15 raios; dentes O comportamento da produção total de traíras no período de 1980 a
cônicos e caniniformes, de diversos tamanhos, firmemente implantados em 2010 é apresentado na Figura 101, onde pode ser constatada a produção de
ambas as maxilas (Figura 100). É um dos peixes mais comuns do Brasil, ocor- 1980, que foi de 13.434 t; decresceu nos três anos seguinte, chegando a
rendo em todas as bacias hidrográficas e em todo tipo de ambiente, inclusive 10.038 t em 1983; entre 1984 e 1987 ocorreram recuperações seguidas,
em áreas poluídas (SANTOS et al., 2006). atingindo 14.177 t no último ano; a partir de então, ocorreu flutuação com
tendência decrescente da produção, atingindo 11.247 t em 1995; no ano
seguinte teve boa recuperação, quando a produção foi recorde: 14.898 t;
em 1997, registrou grande queda: 7.155 t; continuou a diminuir em 1998,
quando ocorreu a menor produção do período: 6.559 t; os anos de 1999 a
2005 foram de recuperações continuadas, atingindo 10.038 t; os anos se-
guintes foram de aparente estagnação, com a produção de 2010 ficando em
Figura 100 Traíra Hoplias malabaricus (Bloch, 1794). 9.821 toneladas.
Fonte: Santos et al. (2006).

As traíras alimentam-se de peixes e, ocasionalmente, de camarões


e insetos aquáticos. Para capturar alimentos, utiliza a tática de embosca-
da cujas presas são engolidas inteiras. Vive comumente em águas lênti-
cas como lagos, margens e remansos de rios, e é capaz de suportar am-
bientes com baixíssimas concentrações de oxigênio. Maturação sexual
com 1 ano e cerca de 15 cm de comprimento. O período de desova é
longo, abrangendo cerca de 5 meses, mas o pico da desova ocorre geral-
mente no começo da enchente. A fecundidade é baixa, em torno de 2.500
a 3.000 ovócitos, que apresentam diâmetro em torno de 2 mm. Durante a
desova, os reprodutores preparam ninhos, fazendo ou limpando depres-
sões do terreno em águas rasas, e os ovos são guardados pelo macho.
Tem a capacidade de se mover fora d’água e, graças a isso, normalmente
faz migração entre um corpo d’água e outro, por meio da vegetação ou de
terreno úmido. Em muitos reservatórios é utilizado na pesca esportiva Figura 101 Comportamento da produção total nacional (t) de traíras – 1980 a 2010.
(SANTOS et al., 2006.). Não foram encontrados trabalhos abrangentes que apresentem resul-
tados da avaliação do status de explotação de traíras no Brasil, entretanto,
A pesca de traíras é realizada com linha e anzol, redes de emalhe e
considerando o contínuo crescimento por demanda de pescado, o indiscutível
tarrafa, entre outros métodos.
aumento do esforço de pesca em todas as principais bacias hidrográficas, a
Instituto Brasileiro O grupo é capturado em todo o território nacional e os estados com
do Meio Ambiente e degradação da qualidade ambiental dessas áreas, o decréscimo e a posterior
dos Recursos maior produção, nos anos de 2005 a 2007, foram Maranhão, Ceará e Bahia. estagnação da produção total do grupo, entendemos que o recurso encontra-
Naturais Renováveis
Têm uma grande importância na pesca de subsistência e ocupa o sétimo lugar se plenamente explotado.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 147

As capturas de traíras estão sujeitas a uma série de regras gerais defi- ainda se pode pescar outras espécies no mesmo ambiente, com métodos de
nidas para a pesca continental no Brasil. As regras específicas para esse gru- pesca direcionados para a captura desse grupo de espécies, aspecto que nos
po de espécies contemplam: leva a recomendar que sejam levadas em consideração as ponderações apre-
Tamanho mínimo de captura (comprimento total – CT) sentadas anteriormente.

Para a Bacia Hidrográfica do Rio Paraná: H. malabaricus: 25 cm (IN Quando houver revisão das regras de gestão para o uso sustentável
Ibama n° 26/2009). dos recursos de cada bacia hidrográfica, sugerimos considerar, especifica-
mente para as traíras, os seguintes aspectos:
Para as bacias hidrográficas de Minas Gerais: H. malabaricus: 30 cm
(Portaria IEF n° 111/2003). • Revisão dos tamanhos mínimos de captura, de preferência, associados
a estudos de seletividade para definir as características dos métodos
No caso de também existir mais de um tamanho mínimo de captura de pesca utilizados.
regulamentado para a mesma espécie, conforme especificado, algumas re-
gras têm de ser observadas. • Só adotar o defeso se for para toda a Bacia Amazônica e se os princi-
pais métodos de pesca direcionados à captura forem também proibi-
Defeso (proibição da pesca no período da reprodução) beneficiado nas dos.
seguintes bacias e períodos:
• Quando as capturas ocorrerem em pescarias multiespecíficas, consi-
Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco: anual, no período de 1° de derar as implicações para definir as novas regras de uso.
novembro a 28 de fevereiro e nas lagoas marginais de 1° de novembro a 30 de
abril (Portaria Ibama n° 50/2007). Tucunarés Cichla spp.
Bacias hidrográficas dos rios Araguaia, Uruguai, Paraná, do Sudeste Os tucunarés pertencem à família Cichlidae, juntamente com os aca-
(ES, MG, RJ, SP e PR), do Leste (SE, BA, MG e ES), dos rios dos estados do rás e os jacundás. São peixes caracterizados pela presença de apenas uma
RS e SC, do Araguaia, do Tocantins e do Gurupi: anual, no período de 1° de narina de cada lado do focinho; linha lateral geralmente composta por dois
novembro a 28 de fevereiro (Portarias Ibama n° 49/2007, nº 193/2008, nº ramos isolados, sendo um superior e outro inferior; vários espinhos na nada-
194/2008, nº 195/2008, nº 196/2008, nº 197/2008; INIs n° 12/2011 e nº deira dorsal, um espinho na pélvica e pelo menos três na anal; a maioria das
13/2011). espécies vive em águas lênticas, tem hábito onívoro, desova parcelada e
cuida da prole. A família compreende um dos grupos de peixes mais nume-
Bacia Hidrográfica do Rio Uruguai (RS e SC): anual, de 1° de outubro a
rosos do mundo, com mais de 1.300 espécies, sendo que aproximadamente
31 de janeiro (Portaria Ibama n° 193/2008).
450 delas ocorrem na América do Sul. Somente no mercado de Manaus
Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas, nos rios do estado de Mato foram encontrados três grupos, formados por 22 espécies (SANTOS et al.,
Grosso: anual, de 5 de novembro a 28 de fevereiro; nos rios Guaporé/Ma- 2006).
moré, em Rondônia, e nos rios do Amapá: anual, de 15 de novembro a 15 de
Os autores citados informam, ainda, que os tucunarés são caracteri-
março; nos rios da Ilha de Marajó: anual, de 1° de janeiro a 30 de abril; e nos
zados pela boca larga, mandíbula protrátil e maxila exposta; nadadeira dor-
rios de Roraima: anual, de 1° de março a 30 de junho (Portaria Ibama n°
sal com um entalhe, sendo a primeira porção constituída por raios duros ou
48/2007).
espinhos, em número de 12 a 15, e a segunda por raios moles, em número
Instituto Brasileiro
A pesca das traíras também enfrenta diferenças nos períodos de defe- de 15 a 18; nadadeira anal com 3 espinhos, e de 10 a 11 raios moles e do Meio Ambiente e
so dentro de uma mesma bacia hidrográfica e entre bacias distintas. Nos es- quase completamente cobertos por escamas. O padrão de colorido dos tu- dos Recursos
Naturais Renováveis
tados com defeso na Bacia Amazônica, além das diferenças nos períodos, cunarés é variável, com a presença de faixas verticais ou manchas (ocela-
148 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

das ou não) escuras, sobre um fundo amarelo-oliváceo; o ventre é claro,


tornando-se avermelhado em alguns peixes na época da reprodução; um
ocelo na base da nadadeira caudal em indivíduos a partir de 10 cm de com-
primento. Como a maioria dos representantes da família Cichlidae, durante
a reprodução os tucunarés formam pares, preparam ninhos e dispensam
cuidados à prole; a desova é parcelada, isto é, ocorre mais de uma vez por
ano. A reprodução se dá normalmente em águas lênticas e os óvulos, uma vez
fecundados, ficam aderidos a troncos, galhos ou outros substratos duros.
Além disso, os pais são territorialistas, atacando e não permitindo a entrada
de outros peixes em sua zona de proteção. Figura 102 Tucunaré-comum Cichla monoculus Spix & Agassiz, 1831.
Originário da Bacia Amazônica, o tucunaré foi introduzido em quase Fonte: Santos et al. (2006).

todas as demais bacias hidrográficas do Brasil e até mesmo de outros países O tucunaré-comum é carnívoro, consome peixes e, em menor es-
das Américas do Sul, Central e do Norte. Por ser um peixe voraz e de médio cala, camarões, e eventualmente insetos; é sedentário e normalmente se
porte, é muito apreciado na pesca esportiva e no controle de espécies muito refugia em paus e galhos submersos. O início da época reprodutiva coinci-
prolíficas, como a tilápia. No Centro-Oeste brasileiro existem muitas fazendas de com o início da temporada de chuvas, ainda no período de águas baixas
que se dedicam à sua criação para a prática de pesca esportiva no sistema
dos rios, estendendo-se pelo período de enchente; a fecundidade média é
pesque e pague.
de aproximadamente 7.400 ovócitos por postura; o tamanho mínimo e
No mercado de Manaus foram encontradas quatro espécies: Cichla médio da primeira maturação é de cerca de 23 e 27 cm, respectivamente,
monoculus (tucunaré-comum), a mais importante nos desembarques estando todos os indivíduos na fase adulta ao atingirem 28 cm. A relação
(com participação média de 75% da produção), C. temensis, a segunda comprimento/idade indica que no primeiro ano de vida o tucunaré-comum al-
em importância, e com menor participação, C. orinocensis e, por último, cança cerca de 25 cm, chegando à plena maturação sexual com pouco mais
Cichla sp. (SANTOS et al., op. cit.). Considerando esse fato e que nas de 2 anos (SANTOS et al., 2006).
demais bacias a espécie C. monoculus é a que domina nas informações
sobre capturas, neste trabalho consideraremos essa espécie como a mais Na pesca comercial, as maiores capturas dos tucunarés são obtidas
importante. com o uso de redes de emalhe, linha e anzol, e arpão cuja dominância depen-
de de cada macrorregião, ambiente e período do ano.
C. monoculus Spix & Agassiz, 1831, ou tucunaré-comum, é uma espé-
cie de porte médio, até 50 cm; menos de 100 escamas na linha longitudinal No Brasil, os tucunarés mantêm sua importância tanto na pesca co-
do corpo; pedúnculo caudal relativamente elevado; 3 a 4 faixas verticais escu- mercial quanto na esportiva. Os estados com maior produção, de 2005 a
ras sobre o tronco, não atingindo a região ventral; uma mancha horizontal 2007, foram: Amazonas, Pará e Ceará. A dinâmica da produção total dos tucu-
contínua ou mesmo interrompida, na altura da base da nadadeira peitoral (Fi- narés no Brasil, no período de 1980 a 2010, é evidenciada na Figura 103, onde
gura 102). Essa espécie foi, por muito tempo, denominada erroneamente C. pode ser constatado: contínuo crescimento de 1980 (4.193 t) a 1989, quando
ocellaris, uma espécie endêmica de rios do Suriname e da Guiana, tendo re- atingiu a maior produção (10.482 t); decresceu continuamente nos anos se-
gistro para afluentes do Rio Branco, na fronteira do Brasil com a Guiana; assim guintes, chegando a 4.838 t em 1999; entre 2000 e 2006 a tendência foi de
Instituto Brasileiro recuperação continuada, com algumas flutuações, atingindo 9.968 t. Nos últi-
do Meio Ambiente e sendo, muitas informações obtidas na Amazônia Central, e a ela referidas,
dos Recursos podem ter sido realizadas, de fato, com C. monoculus, a espécie mais comum mos 4 anos da série ocorreram novas flutuações, com leve tendência de de-
Naturais Renováveis
nas proximidades de Manaus. créscimo, com a produção de 2010 ficando em 9.236 toneladas.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 149

dança radical na composição de peixes e a eliminação de 6 das 8 es-


pécies nativas mais comuns (ZARET e PAINE, 1973). Na Bacia do Rio
Doce, em Minas Gerais, 50% das espécies de peixes de um lago foram
extintas após a introdução do tucunaré e da piranha-vermelha Pygo-
centrus nattereri (ALVES et al., 2007). Em outro lago, no município de
Lagoa Santa, em Minas Gerais, aproximadamente 70% das espécies
de peixes foram extintas no decorrer de 150 anos; entre as principais
causas suspeitas está a introdução do tucunaré e de outras 4 espécies
de peixes exóticos (POMPEU; ALVES, 2003).
Para as capturas de tucunarés devem ser observadas as regras gerais
definidas para a pesca continental no Brasil. Quanto às regras específicas, a
pesca desse grupo deve respeitar as seguintes normas:
Tamanho mínimo de captura (comprimento total – CT)
Figura 103 Comportamento da produção total nacional (t) de tucunarés – 1980 a 2010.
Bacias hidrográficas dos rios Araguaia e Tocantins: Cichla sp.: 35 cm
Não foram encontrados trabalhos científicos com a avaliação nacional (INIs MPA/MMA n° 12/2011 e nº 13/2011).
do status de uso dos tucunarés. Trabalhos específicos para determinados am-
Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas: Cichla spp.: 25 cm (Portaria
bientes apontam tendência de sobrepesca como o realizado por Freitas e
Ibama/AM n° 01/1996).
Campos (2009) para o Lago Grande de Manacapuru (Amazonas) e o de Santos
e Oliveira Junior. (1999), que analisaram a pesca no reservatório da Hidrelétri- No estado de Mato Grosso, na Bacia Araguaia/Tocantins (forma-
ca de Balbina. dores, afluentes, lagos, lagoas e reservatórios: Cichla spp.: 35 cm (Lei
MT n° 9.794/2012).
Pelos aspectos apontados e o crescente e continuado incremento do
esforço de pesca em todas as áreas de pesca comercial e esportiva de tucu- No trecho que vai da cabeceira do Rio Araguaia (GO) até o município
narés, a degradação dos ambientes naturais de ocorrência do recurso e o au- de Antônio Rosa (MT) e o Parque Nacional do Araguaia (TO): Cichla spp.: 35
mento de demanda por pescado, consideramos os tucunarés plenamente cm (Portaria Ibama n° 106/1998 e Lei MT n° 9.794/2012).
explotados. Entretanto, a introdução do recurso em outras áreas e o surgi-
Apesar de não ser especificado e de existir mais de um tamanho míni-
mento de novos lagos artificiais podem contribuir para o incremento da produ-
mo de captura regulamentado para os tucunarés, algumas regras devem ser
ção desse grupo de espécies, em anos futuros.
obedecidas.
É necessário registrar que existem vários relatos, na bibliografia espe-
Defeso (proibição da pesca no período da reprodução)
cializada, sobre os impactos negativos causados às espécies autóctones,
quando da introdução de tucunarés. Como exemplo, transcrevemos abaixo Bacias hidrográficas dos rios Araguaia e Tocantins: anual, no período de
texto de Leão et al. (2011). 1° de novembro a 28 de fevereiro (INIs MPA/MMA n° 12/2011 e nº 13/2011).
Entre os principais impactos decorrentes da introdução e do estabele- Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas, nos rios do estado de Mato Gros-
Instituto Brasileiro
cimento do tucunaré, estão alterações na composição e na estrutura so: anual, de 5 de novembro a 28 de fevereiro; nos rios Guaporé/Mamoré em do Meio Ambiente e
da comunidade biológica e a massiva extinção local de espécies nati- Rondônia: anual, de 15 de novembro a 15 de março; e nos rios de Roraima: dos Recursos
Naturais Renováveis
vas. No Lago Gatún, no Panamá, a introdução do tucunaré causou mu- anual, de 1° de março a 30 de junho (Portaria Ibama n° 48/2007).
150 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Também no caso da pesca dos tucunarés observa-se diferenças nos rais transparentes; corpo arredondado; focinho curto; olhos claros e boca nor-
períodos de defeso dentro de uma mesma bacia hidrográfica e entre bacias mal (Figura 104).
distintas. Nos estados com defeso na Bacia Amazônica, além das diferenças
nos períodos, é possível pescar outras espécies no mesmo ambiente, com os
métodos de pesca direcionados à captura desse grupo de espécies, aspectos
que nos leva a recomendar que sejam levados em consideração os aspectos
apresentados nos demais casos.
Em função dos aspectos identificados na revisão das regras de gestão
para o uso sustentável dos recursos de cada bacia hidrográfica, sugerimos
considerar as seguintes propostas:
• Revisão dos tamanhos mínimos de captura, identificando a espécie e,
de preferência, os tamanhos associados a estudos de seletividade,
para definir as características dos métodos de pesca utilizados.
• Só adotar o defeso se for para toda a Bacia Amazônica e se os princi-
pais métodos de pesca direcionados à captura das espécies forem Figura 104 Tilápia-do-nilo Oreochromis niloticus (Linnaeus, 1758).
Fonte: http://www.pisciculturasaojeronimo.com.br/portfolio/tilapia-nilotica/ (consultado em 4/1/2012).
também proibidos.
• Quando as capturas das espécies ocorrerem em pescarias multiespe- Já a tilápia-do-congo possui escamas grandes (maiores que a tilápia-
cíficas, considerar as implicações desse fato quando definir as novas do-nilo) e tem cores fortes; manchas transversais e escuras no corpo, sendo
regras de uso. que as posicionadas acima da linha lateral podem apresentar tonalidade es-
verdeada; nadadeira caudal com pontos claros numa metade; cabeça arre-
• Considerando os impactos negativos causados sobre as espécies au- dondada com pequena depressão acima da boca (SILVA, 2009).
tóctones, pela introdução de tucunarés, conforme abordado, recomen-
damos evitar novas introduções e manter o monitoramento e a avalia- A tilápia-de-zanzibar, segundo o mesmo autor, tem corpo alongado; na-
ção dos eventuais danos que possam causar em ambientes nos quais dadeira caudal totalmente lisa; coloração preta ou quase preta; focinho longo;
foi introduzido. olhos com pigmentos pretos; maxilar inferior projetado; nadadeiras peitorais es-
curas; cauda arredondada; perfil reto da cabeça (crânio côncavo).
Tilápias Oreochromis spp.
O híbrido obtido pelo macho de O. urolepis e a fêmea de O. niloticus,
As tilápias são espécies exóticas cujas primeiras introduções no Brasil muito difundido no País, é similar à tilápia-do-nilo, podendo apresentar colora-
ocorreram ainda na década de 1950. Originária da África, o grupo é represen- ção um pouco mais escura e corpo um pouco mais arredondado; a nadadeira
tado, principalmente, pela tilápia-do-nilo Oreochromis niloticus (Linnaeus, caudal tem estrias verticais. O focinho é longo; as nadadeiras peitorais escu-
1758); tilápia-do-congo Tilapia rendalli (Boulenger, 1897); e tilápia-de-zanzibar ras; a cauda é arredondada; o perfil da cabeça ligeiramente convexo. Portanto,
O. urolepis (Norman, 1922). Dessas, a primeira é a mais importante para o com características das duas espécies usadas no cruzamento (SILVA, 2009).
Brasil.
Ainda de acordo com esse autor, a tilápia-do-nilo e a tilápia-de-zanzi-
A tilápia-do-nilo, segundo Silva (2009), apresenta listas transversais na bar são micrófagas e onívoras, A alimentação dos jovens (pós-larvas e alevi-
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e nadadeira caudal, cabeça em forma de cunha (crânio um tanto retilíneo) e nos) consiste, principalmente, de zooplâncton, seguida por fitoplâncton tam-
dos Recursos coloração geralmente clara (podendo variar do prata ao cinza-escuro). As es- bém utilizado. A primeira espécie consome, ainda, larvas de insetos e, às
Naturais Renováveis camas são grandes e com pouco brilho; a nadadeira dorsal é longa e as peito- vezes, moluscos. Regime alimentar similar é apresentado pelo híbrido das
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 151

duas espécies. A tilápia-do-congo é herbívora, consumindo, preferencialmen- Dominantemente, as tilápias são euritérmicas e eurialinas. A tilápia-
te, algas filamentosas e macrófitas aquáticas. do-nilo sobrevive a temperaturas de 11 ºC a 42 ºC, contudo, a temperatura
Silva (2009) afirma, também, que a tilápia-do-nilo consome grande varie- ótima é de 28 ºC. Quanto à salinidade, é resistente a variações entre 0‰ e
dade de alimentos naturais e que a espécie ajuda a controlar plantas aquáticas 22‰, podendo reproduzir, normalmente, em salinidades variando de 7‰ a
submersas e flutuantes, favorecendo o equilíbrio do ecossistema aquático. 14‰. As tilápias são, também, resistentes às baixas taxas de oxigênio dissol-
vido. Quanto ao pH, crescem mais em águas neutras ou ligeiramente alcali-
Quanto à reprodução, Silva (2009) evidencia que as três espécies de nas, provavelmente (SILVA, op. cit.).
tilápias apresentam desova parcelada com a maturação das gônadas bastan-
te precoce. Nas condições climáticas do Nordeste brasileiro, acontece com Essas características das tilápias fazem com que sejam espécies
quatro a seis meses de vida e menos de 15 cm de comprimento total, depen- com elevado poder de adaptação aos ambientes aquáticos o que, por um
dendo da abundância de alimentos. A quantidade de óvulos eliminados por lado, tem favorecido a difusão desses peixes em todo o mundo, tornando-as
uma fêmea das tilápias varia com o tamanho (peso), podendo chegar a mais uma das mais relevantes espécies na aquicultura mundial e, assim, muito
de 1.000. importante para muitos países; por outro, também as tornam responsáveis
por significativos impactos à ictiofauna nativa de vários países seja no am-
Para reproduzir, machos e fêmeas de tilápia-do-congo se acasalam e biente continental, marinho ou estuarino. Quando no ambiente natural, elas
constroem ninhos que podem variar de cinco a dez, de formato circular, pouco não só competem por espaço e alimentos com as outras espécies, mas
profundos e escavados e, normalmente, em terreno lamacento. Em um dos alimentam-se de ovos e larvas das espécies autóctones, chegando a colo-
ninhos, a fêmea deposita os óvulos, que são, em seguida, fecundados pelos car em risco espécies como os mugilídeos marinhos/estuarinos, entre ou-
machos. O casal faz a incubação no próprio ninho. Após a desova, o casal dá tros grupos de peixes.
total proteção à prole, ficando sempre um dos exemplares (a fêmea é mais
ativa) sobre os ovos e larvas, no ninho, arejando-os com as nadadeiras e de- A pesca de tilápias em ambiente natural (rios e lagos) e em reser-
fendendo-os. Com cerca de um mês de vida (3 cm a 3,5 cm), os alevinos são vatórios (açudes e hidrelétricas) é feita por vários métodos, contudo, do-
abandonados pelos pais (SILVA, 2009). mina a pesca com redes de emalhe (redes de espera), sendo importantes
ainda a vara com linha e anzol e a tarrafa. Os barcos utilizados no apoio à
A tilápia-do-nilo e a tilápia-de-zanzibar, segundo o mesmo autor, acasa-
pesca são, dominantemente, canoas a remo, especialmente nos açudes
lam-se somente no momento da desova e fazem a incubação oral dos ovos,
do Nordeste.
sempre pela fêmea. Cabe ao macho das duas espécies cavar os ninhos em
fundos de lama ou areia do ambiente, com lâmina d’água de 0,30 cm a 1,5 cm. Os estados com maiores produções de tilápias, nos anos de 2005 a
Podem desovar até oito vezes ao ano, em intervalos de cinco a sete semanas. 2007, foram Ceará, o Rio Grande do Norte e Pernambuco. O grupo ocupou o
9º lugar das dez espécies ou grupo de espécies com maior produção média na
O macho da tilápia-do-nilo apossa e defende seu território, limpa e
pesca continental brasileira, no período de 1995 a 2010.
cava com a boca os ninhos circulares, enxotando os demais peixes. Uma fê-
mea é atraída para o local e aí ocorre o ritual do acasalamento, no qual o A evolução da produção de tilápias, no período de 1980 a 2010, é
macho faz a corte à fêmea, que facilita a ovulação e estimula a desova em um apresentada na Figura 105, onde pode-se observar que a produção de 1980
dos ninhos, sendo os óvulos imediatamente fecundados pelo macho, ao lançar foi de 9.222 t, decresceu sucessivamente até 1983, com apenas 2.945 t (a
o sêmen sobre eles. Concluída a desova, a fêmea aspira os ovos para a boca menor do período); recuperou-se de forma acentuada até 1987, quando a
e se afasta para fazer a incubação oral. O macho, então, prepara-se para re- produção total foi recorde: 12.331 t; nos anos seguintes, a tendência foi de
Instituto Brasileiro
ceber outra fêmea. A fecundação também pode ser oral, quando a fêmea faz declínio até 1995 (6.234 t); até 2008, ocorreu flutuação, mas com tendência do Meio Ambiente e
a postura no ninho e recolhe os óvulos para a boca, indo, em seguida, à papila de incremento, com a produção fechando em 10.087 t; em 2010 a produção dos Recursos
Naturais Renováveis
genital do macho para recolher o sêmen para a cavidade oral. foi de 9.610 toneladas.
152 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Os aspectos anteriormente relatados sobre os impactos negativos


causados ao ambiente e sobre as espécies autóctones, nos leva a recomen-
dar que os órgãos competentes procurem mudar a tendência de apoio irrestri-
to às novas introduções de tilápias, e realizem esforços para manter um pro-
cesso competente de monitoramento e avaliação dos eventuais danos que
possam causar à biodiversidade e aos ecossistemas onde já foram introduzi-
das, e ainda não ocorreram avaliações.

Figura 105 Comportamento da produção total nacional (t) de tilápias – 1980 a 2010.

Considerando que as tilápias são espécies introduzidas nos ambien-


tes naturais ou artificiais (açudes, lagos, barragens) e que continuam a ser o
principal grupo de peixes utilizados na piscicultura brasileira, de forma aleató-
ria e indiscriminada, independentemente dos impactos negativos que essa
prática causa, é provável que a produção desse recurso na pesca extrativa
continue a apresentar tendência de crescimento, com algumas flutuações,
nos próximos anos.
Leão et al. (2011), abordando os possíveis impactos decorrentes da
invasão da tilápia-do-nilo, alertam que:
Entre as características da tilápia-do-nilo que a tornam uma espécie
com alto poder de invasão ... A [espécie] pode aumentar rapidamente
o tamanho da população e se tornar dominante, alterando a estrutura
da comunidade aquática, reduzindo a abundância de microcrustáceos
planctônicos, aumentando a abundância de microalgas e reduzindo a
transparência da água (ATTAYDE et al., 2007; VITULE et al., 2009).
Em um reservatório na Caatinga do Rio Grande do Norte, por exemplo, Foto: Viana (2009)
foi observado que, após a introdução da tilápia-do-nilo, houve redução
populacional das espécies nativas Prochilodus brevis, Leporinus sp. e 2.3.2 Biodiversidade Marinha
Instituto Brasileiro Hoplias malabaricus, bem como da espécie introduzida Plagioscion
do Meio Ambiente e O Ibama (2009) relaciona como parte da biodiversidade marinha da
dos Recursos squamosissimus (pescada-branca), a mais frequente no reservatório, pesca comercial em 2007, 134 espécies ou grupo de espécies de peixes, 13
Naturais Renováveis
antes da introdução da tilápia-do-nilo (MENESCAL, 2002). espécies ou grupo de espécies de crustáceos e 10 espécies ou grupo de espé-
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 153

cies de moluscos (total: 158). O MPA (2012), por sua vez, lista como partici- das quais 40 são de maior interesse comercial. São geralmente agrupados em
pando da produção marinha, nos anos de 2008 a 2010, 121 espécies ou grupo duas categorias principais: os camarões de águas quentes cujas espécies per-
de peixes, 12 de crustáceos e 10 de moluscos (total: 143). Em ambos os ca- tencem à família Penaeidae, e os camarões de águas frias, que compreendem
sos, constam para peixes, crustáceos e moluscos um grupo de “outros” que, as famílias Caridae, Pandalidae e Crangonidae. Suportam grande variedade de
certamente, apresentaram pequena participação, individualmente, na produ- pescarias em áreas tropicais, subtropicais e subpolares em todo o mundo
ção anual. (ARAGÃO, 2012).
Considerando os dados oficiais divulgados pela IBGE, Sudepe, Ibama, Os camarões marinhos costeiros de importância econômica que ocor-
SEAP/PR e MPA no período de 1995 a 2010, e tendo como critérios as espé- rem na costa do Brasil pertencem a duas famílias: Penaeidae e Solenoceridae
cies ou grupo de espécies que no período apresentaram produção média su- (DIAS-NETO, 2011).
perior a 4 mil toneladas ou relevante importância social e econômica para a O gênero Penaeus foi desmembrado por Pérez-Farfante e Kenseley
pesca nacional, como o camarão-rosa do Sudeste e do Sul, agrupados em um (1998) em vários gêneros, permanecendo Penaeus para o Indo-Pacífico. As
conjunto de espécies de outros camarões tanto do Sudeste e do Sul como do espécies brasileiras foram alocadas nos gêneros Farfantepenaeus e Litopenaeus.
Nordeste, foi possível identificar que 25 espécies ou grupos de espécies são O gênero Farfantepenaeus está representado por três espécies, a saber: Farfan-
responsáveis por cerca de 60% da produção média total da pesca marinha do tepeaneus subtilis (Pérez-Farfante, 1967), conhecido como camarão-rosa da
Brasil, no citado período. costa norte; Farfantepenaeus brasiliensis (Latreille, 1817); Farfantepenaeus pau-
Importa acrescentar que para algumas dessas 25 espécies ou grupos lensis (Pérez-Farfante, 1967), os dois últimos chamados comercialmente cama-
de espécies tivemos que estimar os dados de produção para os anos de 2008 rão-rosa do Sudeste/Sul.
a 2010, já que as produções consolidadas pelo MPA não apresentam a produ- A espécie dominante
ção por espécie e por estado, agregando, portanto, grupos de espécies ou, A Figura 106 apresenta o camarão-rosa da costa norte, F. subtilis. Esse
mesmo, de estoques distintos, mas com um mesmo nome vulgar, como se camarão tem distribuição de caráter mais tropical, estendendo-se desde Cuba
fossem iguais (Box 3). até o estado do Rio de Janeiro. O tipo de fundo é importante na definição da
Neste item serão abordadas informações bioecológicas e pesqueiras, distribuição dos estoques e sua abundância é diretamente dependente da exis-
disponíveis na bibliografia especializada, assim como séries de dados estatís- tência de fundos lamosos.
ticos e com a maior quantidade de anos possíveis, os quais, nas séries mais
curtas, correspondem ao período de 1995 a 2010, entretanto, em alguns ca-
sos, voltam até a década de 1960.
A abordagem inicia-se com as análises dos recursos e pescarias da
costa norte, do Nordeste, do Sudeste e do Sul, finalizando com aquelas que
ocorrem em todo o litoral do país.
No item 3.1.2 (tabela 13) é apresentada uma síntese das produções
médias e atual, bem como avaliações da situação de uso desse conjunto de
espécies ou grupo de espécies.
Camarão-rosa da costa norte Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
Os camarões são crustáceos da ordem Decápode que inclui grande Figura 106 Camarão-rosa da costa norte Farfantepenaeus subtilis. dos Recursos
Naturais Renováveis
diversidade de espécies, sendo conhecidas mais de 3 mil em todo o mundo, Fonte: Dias-Neto (2011).
154 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

A distribuição batimétrica parece assumir gradiente transversal, se-


gundo o ciclo migratório das diversas espécies, com maiores concentrações
em diferentes estratos de profundidade, na seguinte ordem, da costa para o
oceano, aparentemente em função do tamanho individual: X. kroyeri, L. sch-
mitti, F. paulensis, F. brasiliensis e F. subtilis.
Ciclo de vida
Os camarões têm ciclo de vida curto, dimorfismo sexual, elevadas ta-
xas de crescimento e de mortalidade. A expectativa de vida das espécies fica
entre 18 e 24 meses, com várias fases de vida em diferentes ambientes (ARA-
GÃO, 2012).
Os gêneros Farfantepenaeus e Litopenaeus apresentam as duas princi-
pais fases do ciclo vital (desenvolvimento juvenil e fase adulta), geografica-
mente separadas nas zonas costeira/estuarina e na plataforma continental
Figura 108 Ciclo migratório típico da maioria dos camarões peneídeos, mostrando as principais fases de seu ciclo de vida
interna (40 m – 100 m de profundidade). Os membros da família Penaeidae (preto) e as causas de mortalidade (vermelho).
apresentam ciclos semelhantes com desenvolvimento dos seguintes está- Fonte: Dias-Neto (2011).
gios: larva (náuplio), protozoea, misis, pós-larva, juvenil, subadulto e adulto, de
acordo com o ciclo migratório mostrado na Figura 107 e representado na for- As fêmeas dos camarões amadurecem e desovam no oceano; os ovos
ma de organograma na Figura 108. são bentônicos, as larvas são planctônicas e desenvolvem-se na coluna
d’água, passando por diversos estágios até a fase de pós-larva, quando estão
aptas a penetrar no estuário e adquirir hábito bentônico. Na zona costeira e
estuarina tornam-se juvenis e na fase pré-adulta retornam à zona oceânica
para se reproduzir e, assim, fechar o ciclo vital.
Os camarões peneídeos são, em geral, animais de atividade noturna
que permanecem enterrados nos sedimentos durante o dia, com exceção de
X. kroyeri, que é principalmente diurno, a julgar pelo maior rendimento dos
arrastos realizados nesse período (SANTOS et al., 2006a).
Quanto à reprodução, os camarões se distinguem de outros crustá-
ceos por apresentar estrutura reprodutiva peculiar com as seguintes estrutu-
ras: petasma, órgão copulador formado a partir dos endopoditos do primeiro
par de pleópodos, muito desenvolvidos, sendo responsável pela implantação
dos espermatóforos no interior do télico, órgão receptor feminino localizado na
região do externo da fêmea, formado por duas expansões laminiformes do
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e extremo do último segmento torácico, que recobre uma cavidade colocada
dos Recursos Figura 107 Ciclo de vida de camarões peneídeos. entre os apêndices desse mesmo segmento, e constitui-se de dois receptá-
Naturais Renováveis
Fonte: adaptado de Gillett (2008), apud Aragão (2012). culos.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 155

A fecundação dos óvulos é externa, com a liberação dos ovos para o te do ponto de vista da segurança alimentar, mas também serve como fonte
meio ambiente. Informações sobre a fecundidade dos camarões são escas- geradora de renda para grande massa de pescadores.
sas, entretanto, a bibliografia aponta para pelo menos algumas dezenas de
As pescarias artesanais ou de pequena escala são realizadas nos
milhares de óvulos.
estuários, nas reentrâncias e no litoral (águas rasas), em áreas próximas à
F. subtilis, capturado na plataforma continental amazônica brasileira costa. As operações de pesca são desenvolvidas: a) com aparelhos de pes-
(camarão-rosa da costa norte), possui ampla distribuição na faixa de águas ca fixos (zangaria), que atuam passivamente ao sabor das marés, com pe-
tropicais do Atlântico Leste, estendendo-se desde Cuba até o Rio de Janeiro quenas redes de arrasto de abertura fixa (puçá de arrasto e puçá de murua-
(PÉREZ-FARFANTE, 1969). É também uma espécie de longevidade curta, com da – Figura 109) operadas manualmente; b) com redes de arrasto de porte
uma única classe etária principal, que passa parte de seu ciclo de vida no mar maior (redes de lance), também operadas manualmente, e auxiliadas por
e parte em áreas costeiras. Indivíduos maiores são capturados em áreas de embarcação de pequeno porte; c) com pequenas redes de lançar (tarrafas).
águas profundas, enquanto os exemplares menores são encontrados próxi-
mos à costa, em águas rasas e estuários (ARAGÃO, 2012).
O camarão-rosa da costa norte desova durante todo o ano e, segun-
do Isaac et al. (1992), apresenta dois períodos de maior intensidade, um
entre fevereiro e abril e outro entre julho e agosto de cada ano. Aragão (op.
cit.), por sua vez, informa que a proporção de fêmeas maduras (estádios III
e IV) é maior de maio a agosto na subárea Amazonas, e de maio a outubro na
subárea Amapá, sendo maior de maio a setembro na área como um todo.
O comprimento médio da carapaça (CC) de fêmeas para a primeira
maturação corresponde a 39,6 mm (ISAAC et al., 1992). Aragão (op. cit.)
concluiu que o comprimento total médio de primeira maturação de F. subtilis
na plataforma amazônica era de 142,6 mm, enquanto o comprimento total de
início de maturação foi estimado em 89,8 mm.
O comprimento total máximo estimado para a espécie, em águas bra-
sileiras, é de 177 mm para machos e 217 mm para fêmeas (ISAAC et al., Figura 109 Puçá de arrasto operado por dois pescadores, utilizado em áreas estuarinas do Pará.
1992). Fonte: Dias-Neto (2011).
A pesca A área de pesca onde atua a frota industrial corresponde à faixa oceâ-
A pesca de pequena escala é realizada em estuários, baías e águas nica da plataforma continental amazônica brasileira, principalmente, no trecho
rasas, e as capturas são compostas, pela ordem de importância de volume, pelo situado na costa dos estados do Pará e do Amapá, em faixas de profundidade
camarão-branco L. schmitti, camarão-sete-barbas X. kroyeri e camarão-rosa que variam de 40 a 80 metros. As capturas das pescarias industriais de cama-
F. subtilis, além de uma espécie de camarão de água doce Macrobrachium rão-rosa são compostas principalmente por F. subtilis, embora haja registros
amazonicum (Heller, 1862). Informações detalhadas sobre essa atividade não da captura de outras espécies como F. brasiliensis e L. schmitti (camarão-bran-
co). Nos últimos anos, no entanto, observa-se que a participação relativa de F. Instituto Brasileiro
estão disponíveis na literatura especializada e não existem sequer estatísticas do Meio Ambiente e
confiáveis sobre os desembarques ou número de unidades pesqueiras operan- subtilis chega a representar praticamente a totalidade dos desembarques dos Recursos
Naturais Renováveis
do (ARAGÃO, 2012). Sabe-se, entretanto, que são importantes principalmen- (ARAGÃO, 2012).
156 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

A área total da pesca industrial tem sido dividida em três subáreas principais Os barcos industriais são de casco de aço, com cerca de 22 metros de
de características distintas (Figura 110), a saber: a) litoral do Maranhão – comprimento, 6,5 metros de boca e potência do motor principal variando de
compreendida entre a Foz do Rio Parnaíba (02º53’S) e o Cabo Gurupi (00º53’S), 365 HP a 425 HP. São equipados com modernos equipamentos de navegação
onde os substratos são constituídos de lama e areia e os pesqueiros ficam e comunicação, e possuem sistema de congelamento a bordo. Utilizam, geral-
mais próximos da costa; b) Amazonas – essa segunda grande subárea abran- mente, duas redes de arrasto do tipo jib ou flat e realizam, normalmente, qua-
ge a faixa compreendida entre as latitudes 00º50’N e 02º30’N, com substrato tro arrastos diários, com duração aproximada de 5-6 horas, durante o período
constituído predominantemente de lama; c) litoral do Amapá – compreendida de maior produtividade, e apenas dois arrastos noturnos, de duração um pou-
co maior, na entressafra. A tripulação é composta por cinco homens em cada
entre as latitudes 02º30’N e 04º23’N (Cabo Orange), onde predominam subs-
barco.
tratos duros e rochosos.
Nos últimos anos, surgiu uma frota de barcos de pequeno e médio
porte, sediados no Maranhão e no Piauí, que apresenta uma dinâmica de ope-
ração diferente da frota industrial. O total de barcos em atuação na área é 181,
sendo 99 da frota industrial e 82 barcos menores (Tabela 2).
O tratamento dado às capturas a bordo dos barcos industriais, logo
após o embarque das redes, consiste inicialmente em separar o camarão da
fauna acompanhante, lavar e levá-lo para o porão, onde é imerso em solução
aquosa de açúcar, sal e metabissulfito de sódio. Em seguida, é congelado por
processo de ar forçado, colocado em sacos de polietileno e estocado em câ-
maras. Paralelamente, a fauna acompanhante de valor comercial é separada
da que vai ser descartada e levada para congelamento na própria câmara de
estocagem, onde fica armazenada.
A frota industrial atua, basicamente, na captura do camarão-rosa nas
áreas do Amazonas, costa do Amapá e Maranhão, realizando, normalmente,
entre quatro e seis viagens durante o ano, com duração de 40 a 60 dias. Os
melhores rendimentos são obtidos de fevereiro a junho, período em que as
operações de pesca são realizadas durante o dia e à noite. No segundo se-
mestre, as operações concentram-se no período noturno e alguns barcos des-
locam-se para pescar na área do Maranhão.
Figura 110 Áreas de pesca de arrasto do camarão-rosa da costa norte (ARAGÃO et al., 2001).
Tradicionalmente, a maior parte da produção industrial era destinada
As pescarias industriais realizadas por barcos de casco de ferro, com ao mercado externo, na forma de caudas congeladas. Pequena parcela era
comprimento em torno de 22 metros, constituem-se em uma das atividades processada e exportada como produto inteiro, basicamente para o mercado
de maior importância no cenário pesqueiro regional e nacional como geradora japonês. Essa dinâmica vem mudando e parte da produção, na atualidade, já
de divisas. Belém, no estado do Pará, é o principal porto onde se concentram se destina ao mercado interno.
a maioria dos desembarques, e a base da indústria de processamento de ca-
Instituto Brasileiro
marão da Região Norte. Algumas embarcações operavam a partir de Fortale- A produção
do Meio Ambiente e
dos Recursos za, no Ceará, onde também existiam indústrias de processamento (ARAGÃO; O volume de desembarques anual de camarão-rosa da frota industrial,
Naturais Renováveis
CINTRA; SILVA, 2001). no período de 1970 a 2010, em peso inteiro, é apresentado na Figura 111,
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 157

onde se observa que apresentou crescimento expressivo entre 1970 e 1988. se mais do que as receitas, o que provocou paralisação de parte da frota.
Nos anos de 1987/1988 atingiu os níveis mais elevados até então, em torno Certamente contribuíram, também, para a redução do esforço de pesca (e da
de 10 mil toneladas. Nesse período, a frota também atingiu o número máximo produção), a desvalorização do dólar diante do real, os preços internacionais
de embarcações autorizadas para essa pescaria, chegando a 250 barcos. A do camarão e a concorrência do camarão de cultivo no mercado nacional e
partir de 1986, a tendência foi de diminuição da frota e a partir de 1998 o vo- internacional.
lume dos desembarques passou a cair, totalizando cerca de 6 mil toneladas
A fauna acompanhante
em 1990.
Um dos graves problemas da pesca industrial de arrasto de camarão-rosa
Nos anos seguintes, voltou a aumentar, atingindo novamente elevado
da costa norte é o grande volume de capturas de fauna acompanhante. Parte
pico de pouco mais de 8,1 mil toneladas em 1993. Em seguida, as produções
caíram de forma acentuada, chegando a 3,2 mil toneladas em 2001. A partir desta é composta por espécies de valor comercial, mas apenas uma propor-
de 2002, verifica-se gradativa recuperação, voltando a alcançar o expressivo ção relativamente pequena é aproveitada, sendo a maioria descartada. Essas
volume de 7,2 mil toneladas em 2006. No ano seguinte ocorreu acentuada capturas certamente constituem-se grandes impactos sobre a biodiversidade
queda, quando a produção ficou em apenas 2,2 mil toneladas, recuperando e o ecossistema. Estudos indicam que, para cada quilograma de camarão, são
para 3,4 mil toneladas em 2008, entretanto, as produções dos dois últimos capturados 6,93 kg de fauna acompanhante, sendo 61,1% de peixes ósseos,
anos foram as mais baixas em 30 anos, tendo ficado em torno de 2 mil tone- 29% de crustáceos e 29% de uma “mistura” composta de peixes, crustáceos
ladas. e moluscos de pequeno porte, e 2,9% de elasmobrânquios. Estimou-se que
em 2003 foram capturadas 24,8 mil toneladas de fauna acompanhante nes-
sas pescarias, sendo 20,6 mil toneladas correspondentes aos arrastos realiza-
dos nas áreas dos estados do Pará e do Amapá (CINTRA et al., no prelo).
Os maiores entraves para o aproveitamento da fauna acompanhante
de valor comercial são: a) pequena disponibilidade de espaço para o acondi-
cionamento a bordo; b) baixo preço de mercado para as espécies; c) necessi-
dade de maior número de tripulantes, para que o pescado seja manuseado; d)
possível comprometimento da qualidade do camarão, devido ao uso comum
das câmaras de congelamento e frigoríficas.
Nos últimos anos, houve crescimento na proporção de fauna acompa-
nhante aproveitada, entretanto, é inaceitável que se continue a desperdiçar a
grande maioria desse pescado, especialmente quando se sabe que existem
soluções para seu aproveitamento. No caso da pesca de camarão-rosa da
costa norte, especificamente, no período de 1987 a 1999, foi realizado minu-
Figura 111 Produção desembarcada (em peso inteiro) da pesca industrial de camarão-rosa da costa norte, no período de 1970 cioso estudo multidisciplinar para avaliar alternativas de aproveitamento da
a 2010 (as produções de 2007 a 2010 são estimativas dos autores, considerando dados de Aragão, 2012). fauna acompanhante, conforme descrito em Dias-Neto (2011) e Ibama (1994).
Aragão (2012), analisando o comportamento da produção dos últimos Nas pescarias de pequena e média escala, o problema da fauna acom-
anos da série, pondera que os declínios decorreram, principalmente, da redu- panhante também existe, embora em menor grau, mas com o agravante de
Instituto Brasileiro
ção da frota em operação (do esforço de pesca aplicado nos anos), motivada que parcela das capturas está composta de exemplares jovens de algumas do Meio Ambiente e
por razões econômicas, quando informa que, segundo o Sindicato das Empre- espécies de peixes. Araujo Junior et al. (2005) reportam que na pesca de ar- dos Recursos
Naturais Renováveis
sas de Pesca de Belém (Sinpesca), os custos, proporcionalmente, elevaram- rasto de pequeno porte dirigida ao camarão no estuário do Rio Salgado, em
158 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Alcântara, no estado do Maranhão, a ictiofauna acompanhante esteve consti- tentável (MSY = 4.032 t, de peso de cauda, ou 6.290 t de peso inteiro),
tuída por 16 espécies pertencentes a 12 famílias e 15 gêneros, e muitas espé- quando ponderou que os resultados foram compatíveis com os rendimentos
cies de peixes, crustáceos, moluscos e outros organismos marinhos captura- que vêm sendo obtidos pela pescaria, embora o esforço máximo sustentável
dos como fauna acompanhante encontram-se nos estágios iniciais do ciclo de (de 19.370 dias de mar) tenha ficado abaixo dos níveis aplicados historica-
vida. Os autores sugerem ainda a necessidade de implementação de medidas mente ao recurso.
mitigadoras do impacto da pesca de arrasto do camarão sobre as comunida- Acrescentou, entretanto, que em alguns anos, o nível de esforço foi
des ictiofaunísticas, pois a estimativa elevada da fauna acompanhante indica muito superior ao recomendado e somente nos últimos anos flutuou em torno
que muitas espécies podem estar com seus estoques ameaçados pela pres- do esforço ótimo estimado e até um pouco abaixo dele. Adiantou, ainda, que
são pesqueira. os intervalos de confiança relativamente estreitos das estimativas dos princi-
As avaliações de estoque pais pontos de referência (MSY e esforço máximo sustentável) e biomassa
anual sugerem certa confiabilidade aos resultados obtidos, sendo o vício esti-
As avaliações do estoque do camarão-rosa foram realizadas, no passa-
mado para o MSY bem menor do que para a taxa de crescimento da popula-
do, com a aplicação de modelos de produção. Em todos os casos, a CPUE-pa-
drão utilizada foi calculada dividindo a captura total pelo esforço de pesca de ção.
uma frota-padrão de referência. As estimativas de rendimento máximo sus- Ponderou, finalmente, que quando o esforço de pesca ultrapassa o es-
tentável (RMS) apresentaram resultados variando de 7,3 a 9,6 mil toneladas forço máximo sustentável, na faixa de 19 a 20 mil dias de mar, a frequência
de peso inteiro, por ano (SUDEPE, 1981; SUDEPE, 1986; ISAAC; DIAS-NETO; com que o nível de biomassa passa a ser menor do que a biomassa média,
DAMASCENO, 1992) e o esforço máximo anual de 32.000 a 72.298 dias de aumenta consideravelmente. Portanto, a limitação do esforço de pesca ao ní-
mar. A validade dessas estimativas, obviamente, é questionável devido às in- vel estimado como o máximo sustentável, pode garantir a sustentabilidade na
certezas inerentes à aplicação de modelos de produção, que consideram as exploração do estoque.
condições de equilíbrio, entre outros aspectos. Aragão (2012) realizou, ainda, avaliação do estoque de F. subtilis utili-
Posteriormente, estudo sobre os estoques de camarão-rosa da costa zando o modelo baseado em crescimento estocástico, oportunidade em que
norte foi desenvolvido por Ehrhardt; Aragão; Silva (1999), utilizando estimati- observou que os pressupostos se apresentaram como realistas para a espé-
vas de captura e amostras mensais de comprimento, às quais foi aplicado o cie. A avaliação apresentou as seguintes conclusões:
método de “análise de coorte”, utilizando o processo de “calibração”. Os prin- • “O padrão de variação intra-anual da abundância, para ambos os se-
cipais resultados obtidos indicaram que a abundância do recrutamento seguia xos, é bastante raro, sendo elevada no início da temporada e decli-
a tendência sazonal da precipitação de chuvas, mantendo coerência com a
nando continuamente ao longo do ano, sendo a abundância das fê-
dinâmica geral do ambiente e da espécie; a captura por unidade de esforço de
meas maior que a dos machos;
pesca estava relacionada à maneira como a biomassa capturável se distribuía
entre as unidades de esforço; a quantidade que a frota era capaz de capturar • A abundância apresenta elevada variabilidade interanual, para am-
parecia depender bem mais do nível de abundância do estoque do que da bos os sexos, que pode estar relacionada não apenas à intensidade
quantidade de esforço de pesca aplicado. do esforço de pesca, mas, principalmente, a fatores ambientais;
Recentemente, Aragão (2012) realizou nova avaliação de estoques • O recrutamento à pesca também apresenta padrão intra-anual bem
para F. subtilis, utilizando os modelos de dinâmica de biomassa e considerou definido com um pico no primeiro trimestre do ano. Juntamente com
que, embora persistam restrições em relação a esses modelos, a análise per- a mortalidade, é o principal responsável pelo padrão de comporta-
Instituto Brasileiro mento da abundância;
do Meio Ambiente e mitiu algumas conclusões consistentes em relação ao nível de explotação,
dos Recursos diante do histórico das pescarias da plataforma continental amazônica brasi- • A CPUE e o coeficiente de capturabilidade (q) apresentam variações
Naturais Renováveis
leira. Os resultados apontaram valor estimado para o rendimento máximo sus- intramensais bem como interanuais, sendo essas últimas determina-
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 159

das pela combinação de variação na abundância e no padrão de dis- • A diminuição da vazão do Rio Amazonas coincide com o início do
tribuição do esforço de pesca; período de maior intensidade de migração das larvas, assentamento
• As capturas nessas pescarias parecem ser fundamentalmente gover- das pós-larvas nos estuários e desenvolvimento dos juvenis, podendo
nadas pelo nível de abundância sazonal que, geralmente, determina afirmar que, de forma geral, os primeiros estágios da vida e os juvenis
o nível de intensidade de esforço de pesca; de F. subtilis, na plataforma continental amazônica brasileira, estão as-
sociados às fases de diminuição e vazão mínima do Rio Amazonas,
• Uma vez que o padrão de intensidade e distribuição do esforço de enquanto a população de subadultos e adultos está relacionada, princi-
pesca está relacionado com a abundância sazonal, resulta que a cap- palmente, às fases de aumento e pico da vazão do rio;
tura por unidade de esforço de pesca (CPUE) não reflete inteiramente
• As anomalias negativas da vazão média do Rio Amazonas, no período
uma relação de proporcionalidade com a abundância do estoque;
de junho a novembro, estão associadas a anomalias positivas da
• O coeficiente de capturabilidade apresenta tendência de crescimento CPUE no ano seguinte. Em geral, a ocorrência de episódios de El Niño
devido a dois fatores: a) aumento gradativo da eficiência da frota na irá resultar numa diminuição na intensidade da vazão do Rio Amazo-
fase de desenvolvimento das pescarias, quando a abundância era nas, no final do ano, e em uma anomalia positiva na CPUE no ano
elevada; b) concentração da atividade da frota em áreas mais produ- seguinte;
tivas no período de declínio da intensidade do esforço de pesca e
• Os modelos estatísticos utilizados na análise confirmaram forte corre-
recuperação da biomassa;
lação entre o rendimento das pescarias com o esforço de pesca, e a
• A relativa estabilidade no padrão de mortalidade por pesca, para fê- intensidade da vazão do Rio Amazonas no período de junho a novem-
meas e machos, ao longo dos anos, demonstrando uma relação tê- bro do ano anterior, que corresponde ao período de migração e de-
nue entre F e a intensidade de esforço de pesca, decorre, também, senvolvimento das fases iniciais de vida nos estuários;
da conclusão anterior;
• O nível do esforço de pesca deve ser regulado de acordo com a abun-
• O estoque encontra-se em um nível de explotação de certa forma dância esperada da população, procurando evitar que uma forte in-
moderado, durante o período analisado, com uma taxa de explotação tensidade de pesca venha a reduzir o tamanho da população a níveis
de 0,557 um pouco superior ao valor da taxa de explotação conside- muito baixos, resultando na obtenção de menores rendimentos das
rada ótima (F/Z = 0,5 ). No entanto, há indícios de que a taxa de pescarias nos anos seguintes.
explotação pode estar diminuindo no período posterior a 2006.” Concluindo os aspectos relativos às avaliações de estoques e à influ-
Aragão (2012) também mostrou que há uma relação de causa e efeito ência das variáveis ambientais sobre a pescaria, podemos inferir que a pesca
entre a variabilidade da vazão do Rio Amazonas, durante o período de maior de F. subtilis na costa norte passou pelas seguintes fases:
intensidade de imigração das larvas, assentamento das pós-larvas nas zonas • Em fins dos anos de 1980 o recurso atingiu plena explotação. Mes-
costeiras e desenvolvimento de juvenis, no segundo semestre do ano, e a mo assim, era considerado como uma “... das poucas pescarias [bra-
abundância da população adulta do camarão-rosa F. subtilis, bem como com o sileiras] que, em se mantendo um ordenamento como o ocorrido nos
rendimento das pescarias no ano seguinte. A esse respeito, apresentou as últimos dez anos, pode permanecer em níveis sustentáveis ...” (DIAS-
seguintes principais conclusões: NETO; DORNELLES, 1996);
• “É possível inferir que o ciclo de vida do camarão-rosa F. subtilis está • Dias-Neto (2003), analisando a situação da pescaria com base nos
Instituto Brasileiro
intimamente associado às condições ambientais globais na área, es- dados do final dos anos de 1990, ponderou que “As capturas bem do Meio Ambiente e
pecialmente ao nível de salinidade na costa, muito influenciado pela abaixo daquelas estimadas como sendo as CMSs, nos últimos cinco dos Recursos
Naturais Renováveis
intensidade da vazão do Rio Amazonas; anos, associadas ao declínio de rentabilidade da pescaria, levam a
160 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

acreditar que a sustentabilidade dessa pescaria encontre-se compro- Obrigatoriedade de uso, nas redes de arrasto, de dispositivo para esca-
metida...”; pe de tartarugas (TED) (Portaria Ibama n° 36-N de 7 de abril de 1994);
• A situação evidenciada nos últimos anos analisados (2009 e 2010), Proibição da pesca com arrasto motorizado na faixa que vai até 10
levam-nos a acreditar que a biomassa pode se encontrar em recu- milhas da costa do litoral do Maranhão ao Amapá (Portaria Sudepe n°
peração do sobreuso enfrentado em fins dos anos de 1990, entre- N-11/1987).
tanto, à semelhança do recomentado por Aragão (2012), é necessá- É importante ponderar que se for mantido o permissionamento dos
rio manter o esforço de pesca, nos anos futuros, na faixa de 19 a 20 barcos dessa frota para a realização de uma pescaria alternativa, durante o
mil dias de mar”. defeso, na mesma área de ocorrência do camarão-rosa da costa norte, e com
É importante destacar que recursos com forte dependência ou correla- o mesmo método de pesca, como ocorreu em alguns dos últimos anos, o que
ção com fatores ambientais têm grande influência sobre a abundância das pode simplesmente ter eliminado os possíveis benefícios do defeso, é preferí-
fases iniciais de vida; e, se essa espécie tem ciclo de vida curto (uma única vel que se reveja a duração ou que essas medidas sejam substituídas por ou-
classe anual na pesca), como é o caso dos peneídeos; quando associado a tras que venham apresentar resultados e eficácia mais significativos para a
uma biomassa reprodutora baixa (relação estoque desovante/recrutamento); sustentabilidade da pescaria.
e, ainda, se conjugado com níveis elevados de esforço de pesca, é elevado o Foi elaborada, recentemente, uma proposta de Plano de Gestão para o
risco de ocorrer a sobrepesca de recrutamento (GARCIA, 1996) e, mesmo, o Uso Sustentável dos Camarões Marinhos no Brasil (DIAS-NETO, 2011), que
colapso da pescaria. apresenta um conjunto de recomendações para melhorar a gestão das pesca-
rias de F. subtilis, entre elas, destacam-se:
F. subtilis está, ainda, incluída no Anexo II da IN MMA n° 05/2004,
que relaciona as espécies brasileiras sobrepescadas ou ameaçadas de Limitação do esforço de pesca: limitar o esforço de pesca em 19 mil
sobre-explotação. dias de mar, avaliar e, se necessário, reduzir o esforço de pesca exercido pelos
barcos de pequeno e médio porte (PI/MA e PA/AP).
As regras de gestão em vigor
Defeso: proibir a pesca no período de 15 de outubro a 31 de janeiro, e
A pesca de camarão-rosa da costa norte deve obedecer às normas avaliar o atual defeso para a pesca de pequena escala (artesanal).
gerais para ser exercida a pesca no Brasil. No caso específico, a pesca indus-
trial está submetida às seguintes regulamentações: Fauna acompanhante: propor medidas para diminuir a vulnerabilidade e
favorecer o escape das espécies da fauna acompanhante (decorrente de es-
Limitação do esforço de pesca: máximo de 101 barcos (podendo che- tudo de seletividade, entre outros), e tornar obrigatório o desembarque de, no
gar a 110 barcos). Estão excluídas dessa quantidade as embarcações que mínimo, 3.000 kg de peixes por viagem de cada barco.
tenham as seguintes especificações: i) comprimento total: inferior a 18 m
entre perpendiculares; ii) arqueação bruta (AB) inferior a 80; iii) potência do Métodos de pesca: desenvolver experimentos de seletividade visando
motor principal inferior a 250 HP (INI N° 15/2012). Devem, entretanto, ficar a regulamentação do uso de malha quadrada e/ou válvulas de escape para
minimizar a captura de fauna acompanhante, e estudar e definir parâmetros
limitadas ao número permissionado até a publicação da INI;
adequados para o uso das redes tipo zangaria.
Paralisação da pesca (defeso): a pesca de arrasto e a pesca artesanal
Áreas de exclusão: proibir, permanentemente, a pesca na área denomi-
com emprego de demais modalidades de pesca, tendo como espécies-alvo o
nada “lixeira”; manter a proibição da pesca de arrasto industrial a menos de 10
camarão-rosa Farfantepenaeus subtilis, o camarão-rosa Farfantepenaeus bra-
Instituto Brasileiro milhas; definir áreas de exclusão para a pesca de pequena escala (nos estuá-
do Meio Ambiente e siliensis, o camarão-branco Litopenaeus schmitti e o camarão-sete-barbas Xi-
dos Recursos rios).
phopenaeus kroyeri, no período de 15 de dezembro a 15 de fevereiro (INI Nº
Naturais Renováveis
15/2012); Áreas degradadas: monitorar e recuperar áreas costeiras degradadas.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 161

Pesquisa: manter um permanente programa de pesquisa e monitora- Os ariídeos são largamente distribuídos ao longo da costa brasileira e
mento da pesca de camarões da costa norte tanto nos estuários como em têm grande importância econômica no País por sua contribuição nas pesca-
mar aberto. rias, especialmente artesanais e algumas industriais, além do papel relevante
Gurijuba Sciades parkeri (Traill, 1832) no equilíbrio trófico dos ecossistemas costeiros (SCZEPANSKI, 2008).

Segundo Sczepanski (2008), a gurijuba integra a família Ariidae, que Os peixes dessa família possuem capacidade de dispersão limitada,
possui 26 gêneros, com cerca de 133 espécies, sendo que 120 apresentam ficando restritos às águas do litoral devido não só ao seu desenvolvimento não
distribuição circunglobal, habitando regiões litorâneas, estuarinas e rios de pelágico, mas ao hábito reprodutivo especializado, oportunidade em que pro-
regiões tropicais e temperadas. A maioria das espécies ocorre em áreas cos- curam a desembocadura dos rios e regiões lagunares, na época da desova,
teiras pouco profundas e em estuários, com fundos lodosos ou arenosos. Es- para os machos e raramente as fêmeas realizarem incubação oral carregando
pécies exclusivamente marinhas podem ser encontradas em profundidades os ovos e formas iniciais da prole na cavidade bucal, até que se complete todo
superiores a 100 m, enquanto outras ocorrem somente em água doce. o desenvolvimento embrionário. Possuem, portanto, uma tendência a serem
Essa família é composta por peixes de tamanho médio a grande (200- estrategistas k, característica pelo grande esforço reprodutivo, no qual a maior
2.000 mm de comprimento total); diferenciam-se dos outros Siluriformes pe- parte da energia é direcionada para o processo de desova associado a cuida-
las seguintes características: cabeça com escudo cefálico conspícuo, coberto dos parentais (SCZEPANSKI, 2008).
por pele fina na maioria das espécies ou por pele espessa e tecido muscular
S. parkeri ocorre no litoral da América Central e do Sul. É uma espécie
em outras; barbilhões maxilares e mentais geralmente presentes; aberturas
de crescimento lento, podendo atingir de 150 a 200 cm, e vive 17-20 anos
nasais anterior e posterior bem próximas entre si, abertura posterior com uma
(MMA, 2006). Habita bocas de rios ou águas turvas estuarinas e costeiras,
válvula e sem barbilhões; olhos com a margem orbital livre ou coberta por
pele; placas de dentes relacionadas ao vômer e placas acessórias geralmente sob fundos lodosos. Em levantamentos feitos no estuário amazônico, a maior
presentes; dentes das placas relacionadas ao vômer e placas acessórias côni- densidade ocorreu entre 10 e 20 m de profundidade na estação seca, mas,
cas ou molariformes; acúleos das nadadeiras dorsal e peitorais bastante de- aparentemente, existe uma relação entre profundidade e tamanho médio,
senvolvidos; nadadeiras pélvicas com seis raios; nadadeira anal com 14 a 40 sendo que os indivíduos maiores habitam, preferencialmente, áreas mais pro-
raios; nadadeira caudal furcada; linha lateral completa, posteriormente alcan- fundas. Aparentemente, realiza migração no sentido da costa, na época da
çando o lobo superior e/ou inferior da nadadeira caudal; escamas ausentes reprodução.
(Figura 112). No entanto, a forma e disposição das placas de dentes relacio- A reprodução da espécie foi observada, na costa do Amapá, em águas
nadas ao vômer e das placas acessórias é a característica mais empregada na
mornas dos manguezais, no período entre novembro e março, época que os
diagnose dos gêneros, mesmo com valores informativos reconhecidos como
cardumes deslocam-se de locais mais profundos para águas mais barrentas
inconsistentes para esse fim (SCZEPANSKI, 2008).
da região costeira. A primeira maturação sexual ocorre com 2 anos de idade,
com comprimentos entre 46 cm e 59 cm, e L50 de 71 cm. As gônadas femi-
ninas maduras são de grande porte e os óvulos, de cor alaranjada, podem al-
cançar 2 cm de diâmetro (Figura 113). Após a fecundação, os ovos são reco-
lhidos pelo macho, que os incuba na boca. Durante a incubação os indivíduos
não se alimentam. Após essa fase, ocorre a liberação dos filhotes e os adultos
afastam-se da costa (adaptado de ARAÚJO, 2001; SOUSA; FONSECA, 2008). Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
Figura 112 Gurijuba S. parkeri. A alimentação dessa espécie é constituída principalmente de peixes, dos Recursos
Naturais Renováveis
Foto: Israel Cintra – UFRA/Cepnor. sobretudo de Perciformes e Siluriformes. Das presas mais importantes, desta-
162 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

cam-se os peixes das famílias Gobiidae e Sciaenidae (MENDES, 1999; MEN-


DES; BARTHEM, 2010).
Os parâmetros de mortalidade total, natural e por pesca foram estima-
dos por Araújo (2001) e, posteriormente, pelo Programa Revizee (SOUZA;
FONSECA, 2008).
A pesca da gurijuba é realizada, dominantemente, por emalhe e, se-
cundariamente, por espinhel de fundo. As maiores produções são desembar-
cadas nos estados do Pará, Amapá e Maranhão. Nesses estados a espécie
tem significativo valor econômico e social, pois além da alimentação tem ele-
vada importância econômica sua bexiga natatória, que alcança bom preço no
mercado e é utilizada na indústria de cosméticos.

Figura 114 Produção (t) anual da gurijuba nas regiões Norte/Nordeste, de 1995 a 2010.
Na avaliação de estoques para a espécie foi estimada uma captura
máxima sustentável de 9.355,23 t/ano, quando foi concluído que a espécie
encontrava-se plenamente explotada (MMA, 2006). Esse resultado, quando
associado a aspectos como a espécie ter crescimento lento; possuir alta lon-
gevidade e fecundidade baixa; apresentar cuidados parentais; e por ter tido
grande declínio e posterior estagnação da produção, permite-nos inferir que o
recurso pode estar passando por situação de sobre-explotação.
As capturas de gurijuba devem obedecer às normas gerais para o exer-
cício da pesca no Brasil, além de outras regras de gestão em vigor. Quanto às
medidas específicas, a pesca da espécie tem uma paralização (defeso) anual
de 1°/11 a 31/3 (Portaria Ibama n° 73/1996).
Sugestões para a melhoria da gestão do uso sustentável da espécie
Figura 113 Ovas de gurijuba.
Considerando que se encontra em discussão entre o MPA, o MMA e
Foto:Israel Cintra – Ufra/Cepnor.
segmentos da pesca a definição de regras para a pescaria de emalhe da costa
O comportamento da produção total da gurijuba, no Norte e Nordeste, norte, que, certamente, definirá regras que contemplam as capturas com re-
no período de 1995 a 2010, está apresentado na Figura 114, onde pode ser des de emalhe para a gurijuba, recomenda-se urgência na publicação dessa
observado que no primeiro ano da série a produção foi de 4.267 t; mostra medida.
grande incremento de 1999 a 2001, quando atingiu produção recorde de Entendendo, entretanto, que as regras para a pesca de emalhe, certa-
14.238 t (em 2001); nos anos de 2002 a 2006, ocorreram sucessivos declí- mente, não serão suficientes para assegurar o uso sustentável da gurijuba, no
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e nios, chegando a 5.504 t em 2006; nos últimos anos da série a produção longo prazo, nem a institucionalização do Comitê Permanente de Gestão (CPG)
dos Recursos mostrou-se estagnada, em torno de 6.000 t, sendo a produção de 2010 de para os peixes demersais da costa norte, é importante que seja discutido e
Naturais Renováveis
6.160 toneladas. proposto um conjunto de regras para a captura dessa espécie, entre elas:
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 163

• Medidas que minimizem a captura de juvenis da espécie (tamanho ou em pequenas agregações, na faixa mais profunda (próximo ao fundo), en-
mínimo de malha, proibição da pesca em áreas de concentração de quanto os jovens formam grandes cardumes e ocupam faixas menos profun-
juvenis etc.). das do ambiente aquático. O pargo é carnívoro e alimenta-se de peixes, segui-
dos de crustáceos e moluscos. Apresenta crescimento lento e vida longa (33
• Definir limite máximo de esforço de pesca para a captura com redes
a 36 anos), podendo atingir até 116 cm (SOUZA, 2002; FONTELES-FILHO,
de emalhe.
2007).
• Estabelecer áreas de exclusão para a pesca da gurijuba.
Segundo esses autores, a reprodução do pargo ocorre por acasala-
• Analisar a pertinência de definir tamanho mínimo e máximo para mento emparelhado do macho com a fêmea, mas sem contato direto dos in-
captura. divíduos. Os óvulos são liberados diretamente para o meio aquático marinho,
Pargo Lutjanus purpureus (Poey, 1866) ficando sujeitos a enorme taxa de mortalidade, estendendo-se até a fase lar-
val. A desova é total e periódica, entretanto podem ser encontradas fêmeas
O pargo Lutjanus purpureus Poey, 1866, é um peixe da família Lutjanidae em estádios reprodutivos durante quase todo o ano, com dois picos de maior
que apresenta o corpo relativamente alto com coloração rosa-avermelhada; em intensidade, um entre dezembro e março, e outro de menor intensidade em
exemplares menores de 25 cm de comprimento observa-se uma mancha ne- outubro. As últimas estimativas do comprimento total médio de primeira re-
gra sobre a linha lateral, abaixo da nadadeira dorsal. A nadadeira anal possui produção apontaram resultados em torno de 44 centímetros.
perfil anguloso com raios centrais prolongados. A nadadeira dorsal apresenta
14 raios e a linha lateral possui de 49 a 53 fileiras de escamas na vertical (Figu- Estudos mais recentes com dados biológicos, merísticos e morfológi-
ra 115). Apresenta placa de dentes vomerianos com uma expansão posterior cos, e técnicas de análise de DNA mitocondrial apontaram a existência de
na linha mediana, rastros branquiais numerosos com 14 a 16, inclusive os rudi- apenas uma população do pargo no Norte e Nordeste do Brasil, mas com dois
mentares no ramo inferior do primeiro arco branquial (SOUZA, 2002). estoques bem definidos. Os indivíduos, ao se tornarem maduros na Plataforma
Norte, próximo à Foz do Rio Amazonas, migram para os bancos oceânicos no
Nordeste, onde desovam, retornando em seguida para a área de alimentação
na plataforma continental do Norte e Nordeste, sendo que cada estoque mi-
gra uma vez por ano, para desovar em diferentes bancos oceânicos. Ambos os
estoques retornam para o mesmo local de desova a cada ano. Na Plataforma
Norte é amplamente dominante a presença de indivíduos jovens (IVO; HAN-
SON e SALES, apud SOUZA, op. cit.).
A frota de barcos permissionados para a pesca do pargo está limitada
Figura 115 Pargo Lutjanus purpureus Poey, 1866, capturado na costa norte do Brasil. (o esforço está sob controle) e é composta por cerca de 138 barcos sediados,
Foto: Israel Cintra – Ufra/Cepnor. basicamente, no Pará e no Ceará (Tabela 2).
A espécie é nectônica demersal, costeira e oceânica, de águas relati- Há pelo menos quatro áreas distintas para a pesca do pargo, como a
vamente profundas tanto na plataforma continental quanto nos bancos oceâ- dos Bancos de Caiçara; a dos Bancos do Ceará; a da Plataforma Continental
nicos, podendo ser capturada em profundidades de até 200 m. Pode ser en- Norte, entre as longitudes 38º W e 46º W; e a da Plataforma Continental Nor-
contrada no Norte e Nordeste do Brasil, em todo o mar do Caribe e parte da deste, entre as longitudes 46º W e 50º W.
costa dos Estados Unidos (SOUZA, 2002). A pesca industrial do pargo no Brasil teve início em 1961, nos bancos
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
A espécie se distribui em diferentes faixas de profundidade, na depen- oceânicos do Nordeste, com o uso da linha pargueira (espinhel vertical), ante- dos Recursos
Naturais Renováveis
dência do tamanho individual, sendo que o pargo adulto é encontrado solitário riormente descrita. A produção nos bancos oceânicos atingiu seu ápice em
164 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

1967, com produção total de 4.862 t. A partir desse ano, a produção nessas passou a comprar o pargo do “tamanho do prato”, em torno de 30 cm, em
áreas diminuiu até 1971 (2.170 t). Durante o período de declínio da pesca nos substituição ao produto em forma de filé, como dominava no passado. Isso
bancos oceânicos, a frota passou a explorar novas áreas na plataforma conti- pode ter contribuído para a recuperação da produção, além de ter sido o as-
nental, do estado do Ceará em direção ao norte do Brasil. Com a expansão da sunto de difíceis discussões entre órgãos de gestão e o setor, e que resultou
pesca para essa nova área, ocorreu um novo período de crescimento dos de- na eliminação do tamanho mínimo de captura (41 cm), na diminuição do nú-
sembarques, até 1977 (7.547 t); a partir de então, nova tendência de decrés- mero de barcos permissionados para a pescaria, na definição de um período
cimo, com algumas flutuações, foi verificada, atingindo uma das menores de defeso e de área de exclusão para a pesca.
produções da série em 1990, de apenas 1.612 t. Esse período foi considerado Várias estimativas de produção máxima sustentável e esforço ótimo
de colapso da pesca no Nordeste. Após essa baixa produção, novo período de foram feitas por diferentes autores, considerando distintas épocas e áreas de
incremento foi verificado, quando a frota já havia se estabelecido na costa dos pesca. Os maiores valores de produção máxima e esforço ótimo foram esti-
estados do Pará e Amapá, e havia sido introduzida a pesca com o uso do mados para a costa norte/nordeste, incluindo dados do período 1967-1983.
manzuá (armadilha para peixe) e, em 1999, foi alcançada a máxima produção Nessa estimativa foi calculada a produção máxima de 6.791 t/ano e um esfor-
histórica (9.790 t). A partir do desembarque máximo, observa-se novo período ço ótimo de 1.843 x 10³ anzóis-dia (SUDEPE/PDP, 1984).
de decréscimo na produção, atingindo 3.694 em 2007. Com a redução dos
desembarques na Região Norte e a aparente recuperação do estoque nos A estimativa mais recente da produção máxima sustentável e do esfor-
bancos do Nordeste, a pesca retornou, em parte, para aquela região. Nos últi- ço ótimo foi obtida incluindo dados de toda área de pesca do pargo, no período
mos anos da série, a produção tem variado em torno de 6.000 t, conforme de 1967 a 1987, realizada por Ivo e Sousa (1988), que obtiveram a produção
ilustrado na Figura 116. máxima sustentável de 5.937 t/ano e o esforço ótimo de 2.074 x 10³ anzóis-
dia.
A espécie vem sendo considerada como sobrepescada, conforme
Dias-Neto e Dornelles (1996) e MMA (2006), entre outros, e encontra-se in-
cluída no Anexo II da IN MMA N° 05/2004, que relaciona as espécies brasilei-
ras sobrepescadas ou ameaçadas de sobre-explotação.
Além da obrigatoriedade de respeito às normas gerais para o exercício
da pesca no Brasil, a pesca do pargo tem as seguintes regras específicas:
Esforço de pesca limitado a: 101 barcos com até 15 m de comprimen-
to total e 36 embarcações com comprimento superior a 15 m; definição de
regras para substituição dos barcos (IN MMA n° 4/2004, modificada pela IN
Ibama n° 168/2007);
As embarcações que desrespeitarem as regras terão suas autorizações
canceladas e não serão substituídas por outra;
Figura 116 Evolução da produção (t) total anual do pargo Lutjanus purpureus Poey, 1866, no período de 1964 a 2010.
É obrigatória a implementação das seguintes medidas de monitora-
Cabe registrar que as capturas realizadas na costa norte (Pará e Ama- mento, controle e fiscalização pelos responsáveis legais das embarcações
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e pá) têm sido, dominantemente, de indivíduos jovens e, portanto, abaixo do autorizadas a capturar o pargo: I - aderir a embarcação autorizada ao Progra-
dos Recursos tamanho médio de primeira maturação. Esse fato decorreu, ou foi alimentado, ma Nacional de Rastreamento de Embarcações Pesqueiras por Satélite
Naturais Renováveis
pelo surgimento de grande demanda do produto pelo mercado americano, que (PREPS) e mantê-lo em funcionamento nos moldes estabelecidos em norma
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 165

específica; II - garantir, sempre que solicitado pelo Ministério da Pesca e Aqui- roliço e mais alongado do que o de seus congêneres. A cabeça é relativamen-
cultura, ou Ministério do Meio Ambiente, o embarque de observador de bordo te grande e ocupa 1/4 do comprimento do corpo. Possui boca terminal ampla
indicado para o monitoramento da pesca de pargo em qualquer embarcação e maxilas providas de pequenos dentes aciculares, que não são muito desen-
autorizada; III - entregar os mapas de bordo referentes a todas as operações volvidos. A nadadeira caudal é romboidal. As nadadeiras dorsais, com raios
das embarcações autorizadas, inclusive as realizadas em período de proibição duros e moles, são bem altas e desenvolvidas. A coloração geral é amarelada,
da pesca do pargo; e IV - permitir aos coletores de dados biológicos designa- um tanto dourada, principalmente no dorso e na extremidade das nadadeiras,
dos pelo Ministério da Pesca e Aquicultura, ou Ministério do Meio Ambiente, sobre um fundo prateado nos flancos e no ventre. A região dorsal também
o acesso ao pescado capturado, para fins de amostragem biológica, com a pode ser mais escura, em tons de cinza (Figura 117).
utilização de metodologia que não comprometa a qualidade do pescado, no A espécie ocorre em águas rasas tropicais e subtropicais da costa atlân-
momento do desembarque (INI MPA/MMA n° 8/2012); tica da América do Sul. No Brasil, é encontrada ao longo de todo o litoral, na
Defeso anual, no período de 15 de dezembro a 30 de abril (INI MPA/ plataforma interna, em águas rasas e salobras dos estuários, lagoas estuarinas
MMA n° 8/2012); e desembocaduras dos rios, podendo penetrar em água doce. Apresenta hábi-
tos nectônicos, demersais e costeiros. A pescada-amarela alimenta-se basica-
Métodos de pesca permitidos: espinhel vertical com anzóis de números mente de peixes e crustáceos, principalmente da família Penaeidae, podendo se
6, 5, e 4, e com abertura igual ou superior a 1,6 cm; armadilhas do tipo covo aproximar de águas mais rasas durante o período noturno, para alimentar-se, e
ou manzuá, com malha em forma de losango, hexágono, ou outra qualquer, durante o dia a frequência alimentar é pequena. Tem grande valor comercial
com diagonal de menor comprimento ou medida entre nós opostos, igual ou tanto pela qualidade de sua carne como também pela bexiga natatória, denomi-
superior a 13 cm, em todas as seções do covo; nada “grude”, que é retirada do animal imediatamente após a captura e, ainda a
bordo, é colocada ao sol para secar. Esse subproduto é utilizado para a produção
Limitação de áreas de pesca: na área compreendida entre o litoral do
de cola, gelatina, clarificante na indústria vinícola e também como alimento na
Amapá e a divisa de Alagoas e Sergipe fica proibida a pesca a menos de 50 m
China e em outros países da Ásia (MOURÃO et al., 2009; e ALMEIDA et al.,
de profundidade.
2009).
Considerando que as recentes mudanças nas regras de gestão dessa
pescaria necessitam de aprofundado acompanhamento, especialmente por-
que a suspensão da aplicação do tamanho mínimo de captura foi bastante
discutida e, mesmo, polêmica, principalmente pela incerteza de que as de-
mais medidas compensatórias introduzidas são suficientes para evitar o agra-
vamento da sobrepesca do pargo, recomendamos que essas mudanças, dian-
te da atual situação da pesca e do recurso, sejam avaliadas pelo CPG de
peixes demersais do Norte e Nordeste, com previsão de ser implementado e,
Figura 117 Pescada-amarela Cynoscion acoupa.
se for o caso, com novas adequações nas medidas a serem definidas. Foto: Israel Cintra – Ufra/Cepnor.
Pescada-amarela Cynoscion acoupa (Lacepède, 1801) Segundo Almeida (2008), a espécie possui comprimento médio de pri-
Cynoscion acoupa é uma espécie da família Sciaenidae, da qual 57 meira maturação sexual entre 39 e 41 cm. A desova é contínua, entretanto,
espécies conhecidas ocorrem no Atlântico Sul (IKEDA, 2003) e no litoral do apresenta dois períodos de maior atividade reprodutiva, um entre março e
Instituto Brasileiro
Brasil existem 21 espécies denominadas pescada, sendo a pescada-amarela abril, e outro entre novembro e dezembro. No estuário do Rio Caeté, em Bra- do Meio Ambiente e
a maior delas, chegando a medir até 180 cm de comprimento total; tem cres- gança-PA, larvas e juvenis apresentaram densidades máximas no alto estuário dos Recursos
Naturais Renováveis
cimento médio e pode viver até 12 anos. A espécie tem o formato de corpo e na estação chuvosa, sugerindo que a desova desta espécie possa ocorrer
166 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

perto da boca dos rios, ou perto da costa, em baixas profundidades, o que


facilita a entrada dos estágios mais jovens para as águas protegidas e mais
ricas dos estuários.
A pescada-amarela é capturada em todo o litoral brasileiro, entretanto,
as maiores produções ocorrem no Pará e no Maranhão (responderam por pou-
co mais de 80% da produção total, dos anos de 2005 a 2007). O principal
método de pesca utilizado nesses estados é o que utiliza redes de emalhe,
também denominadas pescadeiras, que são tecidas com fio multifilamento
(nº 48), apresentam tamanhos variados, chegando a mais de 5.000 m de ex-
tensão (com tendência de crescimento, nos últimos anos) e 4,5 a 6 m de al-
tura. As malhas variam de 100 a 200 mm (medidos entre nós opostos). No
litoral do Pará a captura ocorre durante todo o ano, entretanto, é mais impor-
tante nos meses de maio a agosto (MMA, 2006). A espécie é, ainda, captu- Figura 118 Produção (t) brasileira de pescada-amarela no período de 1995 a 2010.
rada como fauna acompanhante na pesca de arrasto de piramutaba, e em
O exercício da pesca de pescada-amarela deve obedecer às normas
pescarias de espinhel (linha e anzol). gerais para a atividade pesqueira no Brasil. Não existem outras medidas que
O histórico da produção da pescada-amarela, no período de 1995 a disciplinem, diretamente, as capturas da espécie.
2010, é ilustrado na Figura 118, onde pode ser observado que a produção do Como sugestões para a gestão do uso sustentável da espécie, reco-
primeiro ano da série foi de 776 t, apresentando, em seguida, tendência de menda-se que o MPA e o MMA agilizem as discussões objetivando a definição
crescimento, com forte incremento entre 1998 (3.679 t) e 2002, quando atin- de regras para a pescaria de emalhe da costa norte, que, certamente, contem-
giu a maior produção registrada: 27.558 t. Nos dois anos seguintes declinou, plarão as capturas com essa modalidade de pesca, que tem a pescada-amarela
registrando produção de 21.258 t em 2004. Nos anos recentes a tendência foi como espécie-alvo.
de estagnação e as produções de 2009 e 2010 foram de 22.102 t e 20.879 t, Entendendo que as regras para a pesca de emalhe, certamente, não
respectivamente. serão suficientes para assegurar o uso sustentável da espécie no longo prazo
Estudo sobre a avaliação do estoque da Região Norte (da Foz do Rio e, ainda, a institucionalização do Comitê Permanente de Gestão (CPG) para os
peixes demersais da costa norte, recomendamos que seja discutido e propos-
Oiapoque à Foz do Rio Parnaíba) apontou captura máxima sustentável (CMS)
to um conjunto de regras para a captura dessa espécie, entre elas, são reco-
para a pescada-amarela de 18.000 t/ano (SOUZA et al., 2003). O Relatório
mendadas:
Executivo do Programa Revizee (MMA, 2006), com dados até meados dos
anos de 2000, informa que o estoque capturado na região já se encontrava • Medidas que minimizem a captura de juvenis da espécie (tamanho
plenamente explotado naquela ocasião. mínimo de malha, proibição da pesca em áreas de concentração de
juvenis etc.).
Considerando as informações anteriores e associando-as com os
• Definir limite máximo de esforço de pesca para a captura com redes
parâmetros de crescimento e com os hábitos alimentares que coloca a
de emalhe.
espécie em alta posição na cadeia alimentar, caracterizando-a como de
Instituto Brasileiro
relativa sensibilidade para taxas intensas de explotação, ponderamos não • Estabelecer áreas de exclusão para a pesca nos ambientes de desova.
do Meio Ambiente e
dos Recursos ser recomendável nenhum incremento no esforço de pesca aplicado sobre • Analisar a pertinência de definir tamanho mínimo e máximo para
Naturais Renováveis
o recurso. captura.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 167

Pescada-gó Macrodon ancylodon (Bloch & Schneider, 1801) dieta alimentar aumentando com o tamanho dos indivíduos (HAIMOVICI,
2006).
Macrodon ancylodon ou pescada-gó, como é conhecida na costa nor-
te, é também denominada pescadinha-real, pescada-foguete ou simplesmen- Já Santos (2006), estudando a estrutura genética de população da
te pescadinha (especialmente no Sul e no Sudeste). É mais uma espécie da pescada-gó na costa atlântica da América do Sul, concluiu que as populações
família Sciaenidae que ocorre no Atlântico Sul, portanto, em todo o litoral do analisadas podem ser separadas em dois clados: um tropical (populações da
Brasil. A espécie apresenta grande importância econômica devido a sua abun- Venezuela até a Bahia) e outro subtropical (populações do Espírito Santo até a
dância e ampla aceitação nos mercados da costa norte, com especial desta- Argentina).
que para o de Belém-PA.
A citada autora, estudando a reprodução da espécie na costa norte,
A pescada-gó apresenta corpo fusiforme, moderadamente alonga- concluiu que o período reprodutivo é prolongado, com desova do tipo parcela-
do e comprimido; a boca é grande e oblíqua, com a mandíbula saliente; a do tendente à intermitência, apresentando picos nos meses de julho-agosto e
cor do corpo é prateada, escuro no dorso e claro nas laterais e no ventre; dezembro-fevereiro. O comprimento no qual 50% das fêmeas estão no pro-
as nadadeiras dorsal e pélvicas são claras, a primeira tem a margem ter- cesso reprodutivo (L50) foi estimado em 25,08 cm, com 1,5 ano de vida, quan-
minal escura; a ponta do focinho e a base das nadadeiras peitorais são
do afirma a autora que grande parte da captura na região, especialmente da
escuras; a nadadeira anal é amarelada e tem a parte terminal enegrecida
pesca industrial, incide sobre indivíduos jovens. Conclui, ainda, que todas as
(Figura 119); o dorso dos juvenis tem diversos pontos negros (LEAL; BEM-
fêmeas estão aptas a participar do processo reprodutivo (L100), a partir de 34
VENUTI, 2006).
centímetros.
As capturas da pescada-gó na costa norte são realizadas, dominante-
mente, com redes de emalhe, curral e redes de arrasto. A pesca com redes de
emalhe é direcionada para a espécie e é realizada por uma frota, majoritaria-
mente, de pequeno e médio porte. Já a pesca de arrasto era, historicamente,
decorrente de capturas incidentais (fauna acompanhante) das pescarias dire-
cionadas à captura do camarão-rosa, com o sistema de redes com portas.
Merece ressaltar que a grande maioria das capturas com redes de arrasto era
Figura 119 Pescada-gó ou pescadinha-real Macrodon ancylodon. descartada, conforme abordado quando discutimos a pesca de camarão-rosa
Fonte: Leal; Bemvenuti (2006). da costa norte. Nos últimos anos, tem surgido algum interesse em se realizar
uma pescaria de arrasto direcionada para os peixes demersais da área, fato
M. ancylodon é um peixe demersal encontrado em águas rasas costeiras
de ampla área geográfica ao longo da costa atlântica da América do Sul, do que merece rigorosa avaliação.
Golfo de Paria (10°N), na Venezuela, até Bahia Blanca (40°S) na Argentina. Essa O comportamento da produção total desembarcada (não inclui os des-
espécie tem hábito migratório restrito e habita fundos de areia e lama, ocor- cartes) das capturas de pescada-gó (dominantemente do Pará e do Mara-
rendo em profundidades de até 70 m, sendo mais comum até 30 m, onde nhão) é ilustrado na Figura 120, onde pode ser observado que a produção, no
ocorre a desova e os estuários servem de berçário e abrigo para os juvenis, início da série (1995), foi de apenas 901 t; cresceu, acentuadamente no ano
até estes alcançarem a maturidade sexual. De tamanho relativamente peque- seguinte, quando atingiu 4.496 t; flutuou nos anos seguintes, mas com ten-
no, atinge comprimento máximo em torno de 45 cm (IKEDA, 2003, HAIMOVI- dência de crescimento até 2002, quando a produção foi de 6.411 t; decresceu
CI, 2006). nos três anos seguintes, atingindo 3.772 t em 2005; recuperou-se significati-
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
Na alimentação de subadultos e adultos de pescada-gó, predomi- vamente nos dois anos seguintes, quando, em 2007, a produção foi recorde: dos Recursos
Naturais Renováveis
nam os camarões, peixes e lulas, com importância relativa dos peixes na 11.252 t; nos três últimos anos a produção ficou em torno de 7.000 toneladas.
168 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

• Medidas que minimizem a captura de juvenis da espécie na pesca


de arrasto de camarão-rosa (malha quadrada, válvula de escape
etc.).
• Definir limites de esforço de pesca para a pesca de emalhe.
• Avaliar e, se for o caso, evitar a formação de uma frota que direcione
a pesca de arrasto para a captura da espécie.
• Estabelecer áreas de exclusão para a pesca da pescada-gó.
• Analisar a pertinência de definir tamanhos mínimo e máximo para a
captura da espécie.
Serra Scomberomorus brasiliensis Collette, Russo & Zavalla-Camin, 1978
A serra pertence ao grupo dos atuns e afins e ocorre em clima tropi-
Figura 120 Produção (t) total anual de pescada-gó na costa norte, de 1995 a 2010 (os dados de 2008 a 2010 correspondem a cal, tendo distribuição desde o Atlântico Oeste 21ºN - 36ºS e 90ºW - 29ºW,
estimativas efetuadas pelos autores).
na região de Belize, até a América do Sul, no Rio Grande do Sul, Brasil. Vi-
Importa acrescentar que nas capturas com rede de emalhe (gozeira), vendo normalmente associados a recifes, são espécies que ao longo de sua
direcionadas à captura de pescada-gó, é elevada a pesca de fauna acompa- vida apresentam migrações entre diferentes locais dos oceanos, devido a
nhante, destacando como principais espécies a uritinga, a tainha, a serra, a fatores climáticos, principalmente temperatura. Alimenta-se de pequenos
sarda, a pescada-branca, a pescada-amarela, o pargo, a corvina etc. peixes, pequenas quantidades de camarões e casualmente cefalópodes
Dados constantes no relatório final do Grupo Técnico de Trabalho (GTT) (FONTELES-FILHO, 1988; ARAÚJO et al., 2004; LIMA, 2004; FISHBASE,
que avaliou a gestão da pesca de emalhe no Brasil (MPA; MMA, 2011) apontam 2013).
captura máxima sustentável (CMS) para a pescada-gó da costa norte de 5.291 Segundo os citados autores, a espécie apresenta coloração azulada no
t/ano. Já as avaliações realizadas durante o Programa Revizee (MMA, 2006) dorso, prateada nos flancos e branca no ventre, com grandes pontos dourados
concluíram que a espécie encontra-se plenamente explotada. (marrom) nos lados, dispostos em três ou quatro filas longitudinais. O corpo é
As pescarias direcionadas para a espécie devem obedecer os condi- longilíneo com escamas pequenas, dando a impressão de pele lisa, altura cor-
cionantes legais definidos para toda a atividade pesqueira nacional, não exis- respondente a 1/5 do comprimento, com cabeça relativamente curta, boca
tindo, ainda, regras específicas para a captura da pescada-gó. Encontra-se, terminal grande, maxila com uma série de dentes cônicos de tamanho irregu-
lares, palato e vômer com dentes viliformes, focinho longo e pontiagudo com
entretanto, em discussão entre o MPA, o MMA e segmentos da pesca, a de-
narina composta (dois pares). Distingue-se de outras espécies do gênero por
finição de regras para a pescaria de emalhe da costa norte, que, certamente,
apresentar a linha lateral com uma curva gradual e suave em direção ao pe-
contemplarão as capturas com redes de emalhe para a pescada-gó.
dúnculo caudal. A região anterior da nadadeira dorsal é espinhosa e negra,
Considerando que as regras para a pesca de emalhe, certamente, não enquanto a nadadeira caudal é fortemente furcada e fina. A segunda nadadei-
serão suficientes para assegurar o uso sustentável da pescada-gó no longo ra dorsal e a nadadeira anal apresentam pínulas. Já o pedúnculo caudal é
Instituto Brasileiro prazo e, ainda, a institucionalização do CPG para os peixes demersais da costa bastante estreito (Figura 121). É um peixe de vida relativamente longa, poden-
do Meio Ambiente e
dos Recursos norte, recomendamos que seja discutido e proposto um conjunto de regras do viver até 13 anos, e o tamanho máximo de cerca de 100 cm de comprimen-
Naturais Renováveis
para a captura dessa espécie, entre elas, recomendamos: to furcal.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 169

Figura 121 Serra Scomberomorus brasiliensis.


Fonte: http://www.fishbase.org/Photos/PicturesSummary, consultado em 29/4/2013.

Esse peixe possui comportamento pelágico, e por ser um excelente


nadador, pode realizar grandes migrações para reprodução ou alimentação.
Formam cardumes quando jovens e também no período da reprodução. No
Brasil sua fase reprodutiva ocorre nos meses quentes do ano, época em que Figura 122 Produção (t) total anual da serra S. brasiliensis no Brasil - 1995 a 2010.
migram no sentido Sul-Norte-Sul e quando os adultos vivem em pequenos
grupos ou solitários. A desova é periódica (anual), total e coletiva, estenden- Não foi encontrada uma avaliação da captura máxima sustentável (CMS)
do-se por vários meses, demonstrando que os indivíduos amadurecem sexu- para toda a área de ocorrência dessa espécie no Brasil. Entretanto, MPA/MMA
almente em diferentes épocas do ano. Existem indícios de que a desova ocor- (2011) informam que a CMS da serra na área da costa norte (Pará e Maranhão) foi
re na plataforma continental, provavelmente entre as isóbatas de 15 e 36 estimada em 10.620 t/ano. Já Fonteles-Filho (2006), avaliando o estoque da serra
metros, com distância de 10 a 30 milhas da costa. A espécie é ovípara, por- capturada na costa do estado do Ceará, calculou uma CMS de 1.331 toneladas.
tanto, tem fecundação e desenvolvimento embrionário externos, sendo seus O Programa Revizee (MMA, 2006), ao avaliar a situação de uso desse
ovos pelágicos (FONTELES-FILHO, 2006). peixe nas regiões Norte e Nordeste, concluiu que a espécie encontra-se plena-
Estudos realizados no litoral do Maranhão apontaram que a reprodução mente explotada.
é mais intensa entre junho e novembro, com comprimento zoológico (CZ) mé- Não existem normas específicas que regulamentem a pesca da serra na
dio de primeira maturação para fêmeas de 411 mm, e para machos 443 mm, costa do Brasil, entretanto, as capturas direcionadas para a espécie devem obe-
com idades de 3 e 3,4 anos, respectivamente (LIMA, 2004). decer aos condicionantes legais definidos para toda a atividade pesqueira nacio-
A pesca da serra é realizada, dominantemente, com rede de emalhe, nal. Encontra-se, entretanto, em discussão entre o MPA, o MMA e segmentos
seguida de linha e anzol, incluindo o corrico, e, ainda, com curral de pesca. Os da pesca, uma possível definição de regras para o uso do emalhe, que deve
estados brasileiros com maior produção, segundo os dados de 2005 a 2007, contemplar as redes direcionadas à captura de S. brasiliensis.
são o Pará e o Maranhão, seguidos de longe pelo Ceará e o Rio Grande do Como é provável que as regras para a pesca de emalhe, certamente,
Norte. Esses estados responderam, naqueles anos, por mais de 90% da pro- não serão suficientes para assegurar o uso sustentável da serra, no longo
dução total anual do Brasil. prazo, recomendamos que seja discutido um conjunto de regras para a captu-
O comportamento da produção nacional total de serra, no período de ra dessa espécie, entre elas, recomendamos:
1995 a 2010, é ilustrado na Figura 122, onde fica demonstrado que a produção • Definir limites de esforço de pesca para a pesca de emalhe.
total foi de 5.728 t em 1995; apresentou tendência de crescimento até 2002,
quando foi registrada a maior produção do período: 16.443 t; a partir de então, a • Estabelecer áreas de exclusão para a pesca da serra. Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
produção foi de tendência decrescente, atingindo em 2007, 7.887 t; nos três • Analisar a pertinência de definir tamanhos mínimo e máximo para a dos Recursos
Naturais Renováveis
últimos anos as produções variaram entre 9.000 t e 10.000 toneladas. captura da espécie.
170 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

• Aprofundar o conhecimento sobre a espécie e as pescarias que afe- As lagostas capturadas na plataforma continental do Brasil são da fa-
tam o estoque na costa brasileira. mília Palinuridae e do gênero Panulirus, com três espécies em ordem decres-
Lagostas Panulirus argus (Latreille, 1804) e P. laevicauda (Latreille, 1817) cente de importância: lagosta-vermelha P. argus, lagosta-verde P. laevicauda,
As lagostas espinhosas, também denominadas lagostas rochosas, e lagosta-pintada P. echinatus, esta última, de insignificante participação nas
da família Palinuridae, Latreille, 1803, contemplam 49 espécies que se ca- pescarias. A participação relativa das duas principais espécies na captura tem
racterizam por possuir numerosos espinhos na carapaça e no segmento ba- sido, em média, 56,5% e 43,5%, em número, e 70,6% e 29,4% em peso (IVO
sal da segunda antena. O gênero Panulirus White, 1847, com cinco espé- et al., 2012).
cies, é o mais importante dessa família. Nele estão incluídas as espécies P. P. argus apresenta ampla distribuição geográfica, sendo encontrada
argus (Figura 123), Panulirus cygnus George, 1962, de razoável importância nos Estados Unidos desde a Carolina do Norte até a Flórida; no Golfo do Méxi-
econômica mundial, a espécie P. laevicauda (Figura 124), que tem sua maior
co e ilhas Bermudas; na América Central – Antilhas e Bahamas; na América
captura comercial no Brasil, e a P. echinatus. As duas outras famílias, Syna-
do Sul – Colômbia até o Brasil; e na África – Cabo Verde e Costa do Marfim.
xidae – lagosta-de-coral e Scyllaridae – lagosta-sapateira, respectivamen-
te, com duas e 74 espécies, são de menor importância (IVO, 1996, apud No Brasil ocorre desde o Amapá até São Paulo, além do Atol das Rocas e ar-
DIAS-NETO, 2008). quipélagos de Fernando de Noronha e São Pedro e São Paulo (TAVARES, 2003;
FREITAS; CASTRO, 2005, COELHO et al., 2007). P. laevicauda, segundo Ivo
(2012), é endêmica da Região Nordeste.
Essas duas espécies estão distribuídas em áreas mais próximas dos
trópicos, portanto em águas mais quentes, seja em pequenas ou razoavel-
mente elevadas profundidades, quando comparadas às águas frias onde são
capturadas as espécies de outros gêneros. P. argus tem abundância com ten-
dência crescente no sentido perpendicular à costa e atinge seu máximo na
faixa de profundidade de 41-50 metros, enquanto a abundância de P. laevicau-
Figura 123 Lagosta-vermelha Panulirus argus. da tem seu máximo na faixa de 31-40 metros (SOUSA, 1987, e FONTELES-
Fonte: Raul et al. (2011). FILHO, 2000, apud DIAS-NETO, 2008). A área total de captura comercial dos
estoques de lagostas no Brasil distribui-se entre os estados do Amapá e do
Espírito Santo.
As lagostas apresentam dimorfismo sexual representado pelas seguin-
tes distinções anatômicas: (1) aberturas genitais na base do quinto par de
patas, no macho, e do terceiro par de patas na fêmea; (2) pleópodos duplos
na fêmea e simples nos machos; (3) presença de uma quela na extremidade
do quinto par de patas da fêmea, para o rompimento da massa espermatofó-
rica depositada no esterno (IVO et al., 2012).
Apresentam, também, dimorfometria sexual determinada basicamen-
Instituto Brasileiro te pela instalação da maturidade reprodutiva funcional: (1) o cefalotórax é
do Meio Ambiente e
dos Recursos Figura 124 Lagosta-verde Panulirus laevicauda. maior e o terceiro par de patas (utilizado no acasalamento) mais longo, no
Naturais Renováveis
Fonte: Raul et al. (2011). macho; (2) o abdômen é maior na fêmea, por ser essa a parte cujos pleópodos
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 171

ficam aderidos à massa ovígera; (3) o macho tem menor comprimento total,
mas pesa mais devido ao maior comprimento do cefalotórax, que corresponde
a 2/3 do peso individual.
O ciclo reprodutivo da lagosta compreende as seguintes etapas: (1)
maturação das gônadas (ovário) no interior do cefalotórax; (2) acasalamen-
to emparelhado do macho com a fêmea, com contato direto das respectivas
regiões ventrais; (3) deposição da massa espermatofórica pelo macho so-
bre o esterno da fêmea; (4) liberação dos óvulos maduros e simultâneo
rompimento da massa espermatofórica; (5) aglutinação dos óvulos e fertili-
zação numa massa ovígera que fica aderida ao abdômen da fêmea por meio
dos pleópodos; (6) pós-desova identificada pela presença de restos de mas-
sa espermatofórica e ausência de ovos no abdômen (IVO et al., op. cit.).
A retenção dos ovos no corpo da fêmea é responsável pela alta taxa de
Figura 125 Aspecto espacial do ciclo de vida de lagostas do gênero Panulirus no Nordeste do Brasil.
sobrevivência na fase de ovo, característica que determina grande potencial
Fonte: Ivo et al. (2012).
reprodutivo e, em parte, explica a notável capacidade de resistência das po-
pulações à predação pela pesca. O período de incubação dura de 4 a 6 sema- Afirmam ainda que, em geral, as lagostas realizam, numa mesma fase
nas, quando ocorre a eclosão da filosoma, larva transparente de hábitos pelá- do ciclo vital, um ou mais dos seguintes tipos de movimento: 1) migração, que
gicos e fototropismo positivo, que passa por até 11 estágios e chega a 10 consiste de deslocamentos com grande componente direcional e pequeno
meses de idade. Por meio de metamorfose, a filosoma transforma-se em componente aleatório, principalmente entre as zonas de desova (migração
puerulus, já com a forma definitiva e com 12 meses de idade, tendo hábitos genética) e alimentação (migração trófica); 2) dispersão, que consiste de des-
locamentos com grande componente aleatório e pequeno componente dire-
pelágicos a partir de então, passando à fase pós-puerulus com 15 meses de
cional, principalmente na fase de recrutamento, quando os indivíduos afas-
idade e assumindo hábitos bentônicos após o endurecimento da carapaça, de
tam-se da zona de criação para a zona de alimentação; 3) vagueação, que
coloração marrom-avermelhada. A partir desse estágio, e já como juvenis (24-
consiste de deslocamentos de pequena duração e distância, geralmente à
36 meses de idade), as lagostas adquirem a coloração típica da espécie e procura de alimento e abrigo.
definem as características sexuais. Após atingir a maturidade sexual, a partir
de 48 meses, fecha o ciclo de formação de uma coorte do período de uma A desova das espécies é parcelada, em termos individuais e populacio-
geração que dura, em média, 4 anos (IVO et al., op. cit.). nais, motivo por que são encontrados indivíduos em reprodução durante todos
os meses do ano. No entanto, existem períodos de maior intensidade reprodu-
Os autores citados informam que o ciclo de vida das lagostas compre-
tiva: em janeiro-abril e setembro-outubro, para P. argus, e fevereiro-maio para
ende o seguinte processo migratório: tem início quando as larvas filosomas
P. laevicauda (SOARES; CAVALCANTE, 1985; SOARES, 1994). O comprimento
derivam para a zona costeira, levadas por correntes, prosseguindo com a des-
médio das fêmeas na primeira maturidade sexual foi estimado em 20 cm de
cida das pós-larvas puerulus para a zona bentônica, após o endurecimento da
comprimento total (CT) e 13 cm de comprimento da cauda (CC) para P. argus,
carapaça, quando atingem o estágio juvenil nas zonas de criação e se disper-
e 17 cm de CT e 11 cm de CC para P. laevicauda (IVO, 1996).
sam para as zonas de alimentação. A partir destas, quando se tornam madu-
Instituto Brasileiro
ras, migram para zonas ainda mais afastadas da costa, para realizar a desova, As lagostas apresentam grande fecundidade absoluta e relativa, com do Meio Ambiente e
dando início a um novo ciclo, com a liberação dos ovos para o meio ambiente valores médios de 294.175 ovos e 630 ovos/g para P. argus, e 166.036 e 597 dos Recursos
Naturais Renováveis
(Figura 125). ovos/g para P. laevicauda. Quanto à proporção sexual, verifica-se predominân-
172 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

cia numérica dos machos no estoque capturável (provavelmente também no P. laevicauda os valores da longevidade em nossas águas, no estoque captu-
estoque disponível), parecendo indicar que esta decorre da necessidade da rável e no ciclo de vida são, respectivamente, 12,5 anos e 34,7 anos (IVO,
realização de vários acasalamentos, para assegurar a fecundação da fêmea 1996). Esses parâmetros evidenciam que as duas espécies apresentam ciclo
(IVO, 2012). de vida longo, aspecto que deve ser levado na devida consideração quando da
O período de tempo necessário para que a totalidade das fêmeas de adoção e implementação de medidas de gestão e, especialmente, recupera-
uma coorte desove equivale a 3,3 meses (FONTELES-FILHO, 1979, apud IVO, ção dos estoques, quando em sobrepesca.
2012). A desova ocorre longe da costa, em profundidades de 40-50 metros, O Brasil é, historicamente, o terceiro maior produtor de lagostas espi-
num processo que envolve, conforme relatado, migração com elevado com- nhosas do mundo, após a Austrália e Cuba, e o maior produtor da espécie P.
ponente direcional (FONTELES-FILHO; IVO, 1980, apud IVO, 2012). laevicauda. Dias-Neto (2008) informa que estudos realizados por Diniz et al.,
As lagostas são animais carnívoros e oportunistas, e exercem preda- 2005a; Diniz et al., 2005b; Diniz et al., 2005c; e Diniz et al., 2004 dentre outros
ção ativa sobre presas sedentárias ou de movimentos lentos. Possuem hábi- autores, tendo como base a análise da estrutura genética populacional de P.
tos alimentares noturnos, motivo por que as pescarias são realizadas à noite, argus, por meio do uso de marcadores moleculares, entre outros métodos,
sendo a isca e a forma dos aparelhos de pesca elementos destacados no indicam que as populações de lagosta do mar do Caribe e da costa brasileira
processo de captura, pois funcionam como fonte de alimento e de abrigo con- devem ser consideradas como duas unidades geneticamente e ecologica-
tra predadores (IVO, 2012). mente distintas.
Os autores informam, ainda, que a dieta alimentar consiste de molus- Os referidos estudos possibilitaram, ainda, afirmar que existem evidên-
cos gastrópodos e crustáceos (alimentos essenciais); equinodermos, algas, cias claras de elevado fluxo gênico entre estoques pesqueiros da lagosta-ver-
cnidários e briozoários (alimentos secundários); e esponjas (alimentos ocasio- melha no mar do Caribe, o que pode ser justificado pelo grande potencial de
nais). Destacam, também, que as duas espécies e ambos os sexos apresen- dispersão e longevidade de seu filosoma. O mesmo foi observado entre os
tam regime alimentar muito semelhante, apresentando como traço comum a estoques localizados na costa brasileira, dessa forma, foi refutada a hipótese
presença de elementos ricos em carbonato de cálcio, substância muito impor- de que a bifurcação da Corrente Sul Equatorial (SEC) agiria como uma barreira
tante para a formação do exoesqueleto, após os diversos episódios de ecdise para a dispersão larval e o fluxo gênico entre essas regiões. Os estoques pes-
ao longo do ciclo vital. queiros na costa do Brasil são geneticamente homogêneos, formando uma
população pan-mítica.
As lagostas têm o corpo revestido por um exoesqueleto quitinoso, rico
em carbonato de cálcio, rígido e inextensível, que não permite o crescimento No Brasil, a pesca direcionada às lagostas teve início em meados dos
contínuo do indivíduo. Dessa forma, o crescimento da lagosta, como dos demais anos de 1950, por uma pesca eminentemente artesanal. No início dos anos de
crustáceos, ocorre periodicamente, após o indivíduo abandonar o exoesqueleto, 1960, as pescarias tomaram novos rumos e nos anos de 1970 atingiam níveis
fenômeno conhecido como muda ou ecdise. Durante a pré-muda, os indivíduos máximos, quando já existia um parque industrial instalado, com empresas que
entocam-se, param de se alimentar, ingerem e absorvem água que se espalha capturavam, beneficiavam e comercializavam (exportavam) o produto (um
por todo o corpo. A muda ocorre quando a lagosta liberta-se do exoesqueleto sistema de produção verticalizado). Existia, então, uma frota composta de
velho, forçando uma abertura na junção do cefalotórax com o abdômen. Após a barcos de pequeno, médio e grande porte, conforme classificação descrita no
muda, os indivíduos procuram proteger-se até que a nova carapaça fique com- Plano de Gestão para o Uso Sustentável de Lagostas (DIAS-NETO, op. cit.)
pletamente rígida. O número de ecdises, em um período anual, depende da cuja situação atual é resumida a seguir.
idade do indivíduo e, obviamente, das condições orgânicas. Em geral, os indiví- Atualmente, a frota é composta por 2.988 barcos, conforme a Tabela 2.
Instituto Brasileiro duos jovens mudam mais frequentemente do que os adultos. A parcela de embarcações artesanais ou de pequeno porte, segundo a classifi-
do Meio Ambiente e
dos Recursos A longevidade de P. argus em águas brasileiras apresenta valores mé- cação do plano citado, é composta por 2.647 barcos permissionados e corres-
Naturais Renováveis
dios no estoque capturável de 13,9 anos e no ciclo vital de 37,9 anos. Já para ponde a 88,47% do total. Essa parcela tem as seguintes características: são
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 173

movidos a remo, vela e/ou motor, com comprimento de até 11 metros; usam de ir e vir, outros passam até 12 dias no mar (os maiores); usam tripulação de
caixas isotérmicas com gelo para conservar as lagostas; alguns fazem pesca até quatro homens e o motor pode chegar a 70 HP, conforme a Figura 126.

Paquete – RN Jangada - PB

Paquete - RN

Canoa - PE Lancha pequena - ES

Figura 126 Barcos de pequeno porte utilizados na pesca de lagostas.


Fonte: Dias-Neto (2008).

Os barcos de médio porte têm comprimento total entre 11 m (exclusi- lhimento do petrecho de pesca; tripulação de até seis homens; caixa térmica
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ve) e 15 m; possuem motor com potências variando entre 70 HP e 130 HP; ou pequena urna com gelo para acondicionamento das lagostas (Figura 127). do Meio Ambiente e
autonomia que pode atingir até 15 dias de mar; casaria na popa ou na proa; Esses tipos de barcos estão representados por 338 unidades ou 11,30% do dos Recursos
Naturais Renováveis
podem possuir equipamentos de auxílio à pesca, entre eles, tralha para reco- total da frota permissionada.
174 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Barcos de médio porte Barcos de médio porte

Figura 127 Barcos de médio porte utilizados na pesca de lagostas.


Fonte: Dias-Neto (2008) e Ivo et al. (2012).

As embarcações de grande porte possuem comprimento total superior quais um mestre, um motorista, um geleiro, um cozinheiro e até seis pescado-
a 15 metros; casco de madeira ou ferro; motor de até 250 HP; urnas com gelo res (Figura 128). Na atualidade, estão permissionados para pescar lagostas
ou câmara frigorífica para acondicionar as lagostas; equipados com aparelhos apenas sete barcos ou 0,23% do total da frota e, mesmo assim, parte destes
de auxílio à pesca e à navegação (guincho mecânico, ecossonda, rádio e bús- não operam regularmente. No passado, essa frota chegou a contar com até
sola); autonomia de mar de até 50 dias; tripulação de até 10 pessoas, dos 300 embarcações (DIAS-NETO, 2008).

Lancha motorizada grande Lancha/barco industrial grande


Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos Figura 128 Lancha/barcos de grande porte utilizados na pesca de lagostas.
Naturais Renováveis
Fonte: Dias-Neto (2008) e Ivo et al. (2012).
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 175

A coexistência da pesca artesanal ou de pequeno porte e a industrial tes técnicas, econômicas, culturais e ambientais, aspectos que propiciaram o
perdurou até meados dos anos de 1990, quando a primeira complementava a surgimento de cinco alternativas de pesca desses crustáceos: jereré, covo,
oferta do produto para o beneficiamento e a exportação da segunda. A partir cangalha, rede de emalhe tipo caçoeira e mergulho – ultimamente, associado
de meados dos anos de 1990, quando houve grande queda na produtividade ao uso de marambaias.
e, portanto, elevados riscos econômicos na atividade de captura, entre outros
O uso do jereré (Figura 129a) iscado ocorreu no início da explora-
aspectos, as indústrias tradicionais abandonaram, num primeiro momento, a
ção de lagostas, quando a produtividade era elevada. Com a sua queda,
etapa de captura (pararam, venderam ou arrendaram seus barcos), ficando
maior demanda por lagostas e necessidade de pescar em áreas mais dis-
somente com as fases de compra, beneficiamento e exportação de lagostas.
tantes, surgiu a cangalha (bem mais restrita e em algumas comunidades)
Posteriormente, venderam ou arrendaram suas plantas de beneficiamento,
e o covo ou manzuá com iscas (Figuras 129b e 129c), nos anos de 1960.
quando passou a existir empresários que só compram a produção de lagostas
Com a contínua queda da produtividade e a demanda aquecida, surgiu,
de barcos de pequeno porte (a reartesanalização da pesca), pagam os servi-
nos anos de 1970 e firmando-se nos anos de 1980, o uso da rede de ema-
ços de beneficiamento e exportam o produto – o chamado “empresário de
lhe tipo caçoeira (Figuras 129d: multifilamento, e 129e: monofilamento),
mala” – basta ter dinheiro (DIAS-NETO, 2003). Esse último quadro é o que
ao mesmo tempo, o mergulho livre e, posteriormente, mergulho com o
domina.
auxílio de equipamentos, conforme ilustrado na Figura 129f (válvula, man-
A chamada terceirização da captura ou a reartesanalização da pesca gueira, compressor e botijão). Por último (2006/2007), o mergulho, mes-
de lagostas é comprovada, em parte, pela atual composição da frota, confor- mo proibido, passou a ser praticado associado a marambaias (artefato
me apresentado, e tornou o cenário atual da pesca e da gestão do uso susten- que serve para concentrar as lagostas – quando procura locais para refú-
tável de lagostas no Brasil muito complexo. gio –, conforme abordado e ilustrado na Figura 130). Uma descrição deta-
A história da pesca de lagostas evidencia o uso de diferentes petre- lhada da operação de pesca com esses petrechos pode ser encontrada
chos e métodos de pesca que, segundo Ivo et al. (2012), reflete condicionan- em Ivo et al. (op. cit.).

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176 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Figura 129 Petrechos e equipamentos utilizados na pesca de lagostas: a – jereré; b – cangalha; c – covo ou manzuá; d – caçoeira multifilamento; e – caçoeira monofilamento; f – equipamentos utilizados no mergulho (IVO et al., 2012).

Hoje, o único petrecho de pesca permitido é o covo ou manzuá. A proibi- proibido em virtude dos seguintes fatores: limitar a atuação da pesca em áreas
ção do uso da rede de emalhe tipo caçoeira decorreu fundamentalmente do fato pouco profundas, onde domina a presença de lagostas jovens (especialmente
de o petrecho remover grande quantidade do substrato típico das áreas preferi- o mergulho livre); uso de equipamentos inadequados e falta de preparo do
das pelas lagostas (o cascalho e as algas calcárias), causando elevado impacto pescador, que vinha acarretando elevados danos à saúde (a falta de preparo
sobre o ambiente. Secundariamente, as redes davam maior poder de pesca para do pescador, especialmente quanto ao processo de descompressão do retor-
as embarcações (um barco de pequeno porte podia transportar grande quanti- no à superfície, provocou invalidez ou morte a muitos pescadores), entre ou-
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do Meio Ambiente e dade de redes), o que agravou a sobrepesca do recurso. Já o mergulho foi tros aspectos (DIAS-NETO, 2008; IVO et al., 2012).
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Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 177

Figura 130 Barco com carga de marambaia e uma marambaia submersa com lagostas.
Fonte: Banco de fotos do Ibama e Ivo (2012).

A proibição dos métodos de pesca decorreu de mais uma tentativa de pesca clandestina ou irregular, com a seguinte constatação: a participação
retornar a pesca de lagostas no Brasil a práticas que viabilizassem sua sustenta- dos apetrechos/métodos de pesca na produção de lagostas, em ordem de-
bilidade, com o menor impacto social e econômico possível para os que vivem crescente de importância, é a seguinte: rede-caçoeira (53,9%), mergulho
da atividade. Nesse contexto, foi apresentado e aprovado por consenso, no Co- (30,2%), covo (14,4%) e cangalha (1,5%). Portanto, apenas 15,9% da produ-
mitê Permanente de Gestão para o Uso Sustentável de Lagostas no Brasil (DIAS- ção foi obtida de forma legal.
NETO, 2008), no decorrer do período de 2005 a 2007, um conjunto de propostas Em decorrência do exposto, existe uma corrente de especialistas que
que redefiniram ou ratificaram as regras de uso para a pesca. Nas propostas afirma que os recursos financeiros aportados pelo Estado (com as indeniza-
foram incluídas medidas complementares como a indenização (por meio da ções) serviram, dominantemente, para a renovação de equipamentos velhos
compra e destruição e/ou inutilização) dos petrechos de pesca proibidos, incluin- e/ou obsoletos, fazendo com que a pesca irregular retornasse com mais força.
do os clandestinos, bem como os de auxílio à pesca com mergulho.
Há os que ponderam que a grande maioria dos que praticam a pesca
Mesmo após todo esse investimento, que culminou com a aplicação de lagostas está mais preocupada com os ganhos imediatos (incluindo o se-
de mais de 60 milhões de reais, entre 2007 e 2008 (Box 6), segundo dados guro-defeso – Box 6) e, portanto, evidenciando pouco compromisso com a
coletados por Ivo et al. (2012), nos anos de 2010 e 2011, voltou a dominar a sustentabilidade dessa pescaria.

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178 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Box 6 O uso do seguro-defeso, o treinamento e a indenização de petrechos de pesca proibidos na pesca de lagostas.

O USO DO SEGURO-DEFESO NA PESCA DE LAGOSTAS


Dias-Neto (2008), analisando o volume de recursos financeiros aplicados no seguro-defeso, no período de 1995 a 2005, na pesca de lagostas, apresentou os
seguintes dados: i) as aplicações anuais passaram de R$ 1.045.594,00 para R$ 25.251.570,00, o que equivale a um incremento de 2.315%; ii) o Ceará foi o estado
que mais recursos aplicou, entretanto, se os fundamentos legais fossem o principal critério para pagamento, somente 37% dos pescadores (3.379) teriam direito a
receber o seguro; iii) o Rio Grande do Norte ficou em segundo lugar, entretanto, os indícios de irregularidades foram maiores, já que somente 15%, ou 1.107 pescado-
res, fariam jus ao recebimento; iv) a Paraíba ocupou o terceiro lugar e os indícios de aplicação indevida foram próximos aos do Rio Grande do Norte, uma vez que
apontam que 22% (442 trabalhadores) deveriam ter recebido o seguro; v) os outros estados que aplicaram recursos foram: PE, AL, BA, ES e PI.
As análises desse autor apresentam, portanto, as seguintes constatações:
• Pagamento indevido do seguro – neste caso, incluem-se: i) recebimento do seguro por parte de pescadores que trabalham em barcos que pescam lagostas
ilegalmente (sem permissão); ii) pagamento a pescadores que dependem de outras espécies de pescado não incluídas no defeso de lagostas e, portanto, não
fazem jus ao benefício; iii) pagamento a pessoas que não são pescadores, mas que conseguem (indevidamente) documentação para comprovar a atividade.
• Contribuiu para aumentar o esforço de pesca sobre o recurso lagosta: como não se tem levado em conta o fato de o pescador trabalhar em um barco de pesca
de lagostas devidamente permissionado, tem-se observado que grande quantidade de barcos realiza pelo menos uma pescaria durante o ano, para comprovar
que atuou na captura desses crustáceos.
• Intensificou a captura de indivíduos jovens (abaixo do tamanho mínimo): proporcionou o incremento da pesca de barcos de pequeno porte (especialmente
jangadas e paquetes) que, por terem pequena autonomia, atuam dominantemente em área de concentração de indivíduos jovens de lagostas.
• Esses desvios deveriam ser rapidamente eliminados, pois além de estarem onerando indevidamente a União, têm gerado efeito inverso como instrumento de
apoio às medidas de gestão, contribuindo, portanto, para o uso insustentável de lagostas no Brasil.
A INDENIZAÇÃO DE ARTES DE PESCA PROIBIDAS E O USO DE OUTROS INSTRUMENTOS ECONÔMICOS
Quando da aplicação das ações aprovadas no Plano de Gestão de Lagostas (Dias-Neto, 2008), no ano de 2007/08 (12 meses), segundo os dados apresenta-
dos por representantes da Seap/PR (hoje MPA), nas reuniões do CGSL, os seguintes valores foram alocados do orçamento da Secretaria e do MTE:
• Indenização de petrechos proibidos (rede caçoeira e compressores – equipamentos de mergulho – Lei nº 11.524/2007): R$: 13 milhões.
• Cursos de alfabetização e de qualificação: R$ 16,5 milhões.
• Pagamento do seguro-desemprego (defeso) na pesca de lagostas em 2007: R$ 30 milhões.
Portanto, somente em período aproximado de 12 meses, com essas ações a União aplicou cerca de R$ 60 milhões. Adicionalmente, foi aplicada significativa
quantidade de recursos nas atividades de fiscalização, de geração de dados estatísticos da produção e de pesquisa, e monitoramento da pesca. Para se ter uma ideia,
o total de recursos que a União aplicou somente na pesca de lagostas no período pode ter representado 50% do total da receita gerada com as exportações de lagos-
tas em 2008.

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do Meio Ambiente e O mais preocupante e lamentável foi que, segundo avaliações dos petrechos proibidos ou motivos de novas indenizações (redes caçoeira e com-
dos Recursos agentes de campo tanto do Ibama quanto do próprio MPA, parte dos recursos pressores). Essa constatação evidencia a falta de compromisso dos que reali-
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aplicados com as indenizações e treinamentos foram utilizados na compra de zam a pesca, uma vez que em desrespeito ao compromisso assumido e à le-
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 179

gislação vigente, boa parte dos pescadores, com destaque para o RN, parte
do CE e ES, continua a realizar a pesca de lagostas com os aparelhos proibi-
dos.
Considerando a área de ocorrência das lagostas, o Ceará, no passado,
respondia por cerca de 2/3 da produção total desembarcada (IVO, 2012). Le-
vando em conta os dados dos anos de 2005 a 2007, consolidados pelo Ibama,
constata-se mudança na concentração dos desembarques, com o Ceará con-
tinuando com a maior participação na produção desembarcada, entretanto,
com acentuada queda na participação, variando entre 42,9% (2005) e 28,4%
(2006); no segundo lugar ficou o Pará, em 2006 e 2007, com 21,2% e 20,9%,
respectivamente, ou a Bahia, com 17,8% (em 2005); em seguida vem o Rio
Grande do Norte e o Espírito Santo.
O comportamento da produção total brasileira de lagostas (peso in-
teiro), no período de 1965 a 2010, é apresentado na Figura 131, onde, no Figura 131 Produção (t) total anual da lagosta-vermelha e da lagosta-verde no Brasil, 1965 a 2010.
geral, fica evidente grande flutuação ou instabilidade na produção anual, o Considerando as constatações anteriores e o observado com as acen-
que se deve, em parte, aos ciclos de esgotamentos (sobrepesca) de deter- tuadas quedas na CPUE (DIAS-NETO, 2008, e IVO et al., 2012), bem como os
minadas áreas de pesca e deslocamento (expansão) da frota para ocupação ciclos de sobrepesca, podemos apontar para pelo menos quatro ciclos de
de outras áreas de captura. Essa hipótese é coerente com o apontado por produção: 1965-1975, 1976-1986, 1987-1998 e o iniciado em 1999. Isso nos
Ivo et al. (2012), ao afirmar que “...desde 1955 foram identificados pelo permite inferir, por fim, que a pescaria possa estar no limiar desse último ciclo.
menos três estados de sobrepesca (1963-1967, 1980-1984 e 1996-2000) Importa ponderar que a pesca de lagostas tem significativa importân-
que devem ter sido determinados pela saturação temporária da área de pes- cia social e econômica, gerando uma receita que, historicamente, tem ficado
ca e da capacidade de suporte da população”. É provável, portanto, que acima de 50 milhões de dólares e ocupa, diretamente, 11 mil pescadores.
estejamos passando por um novo estado, onde, mesmo aumentando o es- Estima-se que mais de 150 mil pessoas estejam indiretamente envolvidas
forço de pesca total (especialmente o ilegal), não se consegue aumentos na com o setor lagosteiro, desenvolvendo atividades nas áreas de construção e
produção. reparo de embarcações e aparelhos de pesca, venda de materiais de pesca,
No tocante ao comportamento interanual da produção total (peso fornecimento de rancho, fabricação e transporte de gelo, comercialização, re-
inteiro), podemos constatar: tendência de crescimento até 1974 (9.231 t); cepção, armazenagem, beneficiamento, congelamento e exportação da pro-
decréscimo acentuado em 1975 (6.679 t); recuperações sucessivas até dução (DIAS-NETO, 2008).
1979, quando a produção foi de 11.032 t; grandes flutuações, mas com A produção resultante da pesca de lagosta, nas últimas décadas, teve
tendência de declínio até 1986, quando a produção foi de apenas 4.441 t; como destino principal (acima de 90%) o mercado externo. Somente os indi-
seguiu-se um novo período de grandes recuperações, culminando com a víduos que não apresentavam o padrão exigido pelo importador ficaram no
produção recorde de 11.068 t em 1991; novo período de flutuações decres- mercado nacional. Até a década de 1990, as exportações eram de caudas
centes até 1998 (6.002 t); o período entre 2000 e 2010 é o que apresentou congeladas. A partir de então, passou-se a exportar lagostas inteiras cozidas
Instituto Brasileiro
maior estabilidade na produção anual (exceção em 2004, com produção de congeladas, lagostas vivas que, apesar de menor quantidade, possibilitou do Meio Ambiente e
8.688 t), quando a produção total variou em torno de 6.000 e 7.000 t (Figu- maior aproveitamento da captura. A exportação, somente da cauda, propor- dos Recursos
Naturais Renováveis
ra 131). ciona desperdício de 2/3 da produção (DIAS-NETO, 2008).
180 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Uma detalhada análise de toda a cadeia produtiva envolvida com a tes a quase três vezes a mortalidade natural, e esse incremento
explotação de lagostas foi, recentemente, realizada por Ivo et al. (2012). pode ser creditado ao aumento das capturas de lagosta de tamanho
Os autores apresentam um conjunto de considerações e sugestões sobre abaixo do permitido.
os aspectos históricos da gestão, com especial ênfase para métodos de
• Ivo et al. (2012), também utilizando a análise de coortes por compri-
pesca, épocas de defeso, arranjos produtivos etc., que, entendemos, de-
mento para a lagosta P. argus (71% do total da biomassa capturável
vem ser motivo de especial discussão no Subcomitê Científico do Comitê
das duas espécies de lagostas), analisando o período de 1999-2005,
Permanente de Gestão de Lagostas (SC/CPGL).
calcularam CMS de 4.967 t, considerando um fator de mortalidade
Conforme citado por Dias-Neto (2008), vários autores realizaram ava- de 0,6.
liação dos estoques de lagosta, como Paiva e Fonteles-Filho, em várias opor-
As avaliações utilizando os modelos analíticos apresentam resulta-
tunidades.
dos mais condizentes com a situação atual da pesca de lagostas e nos per-
Fonteles-Filho (1997) estimou as capturas máximas sustentáveis mitem concordar com Ivo et al. (op. cit.), quando afirmam que as popula-
(CMP) para P. argus e para P. laevicuada em 6.464 t e 2.724 t (peso intei- ções de lagostas no Brasil passaram a sofrer, a partir de 1980, um estado
ro), respectivamente. Paiva (1997) estimou CMS de 9.468t/ano (peso in- crônico de sobrepesca, o que pode ser agravado com a reartesanalização da
teiro), para ambas as espécies, obtidas com um esforço de pesca de 26,8 pesca, já que, em decorrência da pouca autonomia dos barcos, as opera-
milhões de covos/dia, e CPUE ótima, de 0,35 kg/covo-dia. Essas avalia- ções têm sido concentradas em áreas mais próximas da costa (menos pro-
ções, entre várias outras, com valores similares, foram realizadas utilizan- fundas) e, portanto, sobre o contingente, dominantemente, de indivíduos
do os modelos logísticos ou de produção. Ivo et al. (2012), analisando tais
jovens.
resultados, consideraram que representam valores sobre-estimados, já
que os dados da série histórica anual da produção de lagostas, anterior- A situação de sobrepesca evidencia as dificuldades que o Estado bra-
mente discutidos, mostram que esses valores raramente alcançaram os sileiro tem enfrentado no processo de gestão do recurso, mesmo tendo indi-
valores das CMSs, ponderando que, provavelmente, isso ocorreu por fa- cado medidas de ordenamento ainda em 1961 (CAVALCANTE et al., 2011).
lhas dos dados. Uma revisão geral do conjunto de medidas adotadas, desde os anos de
Os modelos analíticos também foram utilizados para a avaliação do 1960, é apresentada por Cavalcante et al. (op. cit.). Na atualidade, o fruto das
recurso lagosteiro, em várias oportunidades. Dos resultados obtidos com es- discussões, quando da aprovação do Plano de Gestão para o Uso Sustentável
sas metodologias, citam-se: de Lagostas no Brasil (DIAS-NETO, 2008), são as seguintes medidas de orde-
• Ehrhardt e Aragão (2006) realizaram a avaliação do estoque da la- namento em vigor (IN Ibama n° 138/2006; n° 144/2007; n° 206/2008):
gosta P. argus, por meio da análise de coortes, concluindo que: a) o • Defeso anual no período de 1º de dezembro a 31 de maio, do ano
recrutamento apresentou grande variação interanual, sugerindo forte subsequente.
influência de fatores ambientais, com queda acentuada nos últimos
• É proibida a captura, o desembarque, a conservação, o beneficia-
5 anos, embora ainda encontre-se em nível aceitável; b) a abundân-
mento, o transporte, a industrialização, a comercialização e a expor-
cia do recurso também apresentou grande variabilidade interanual,
tação de lagostas com comprimento de cauda inferior a, respectiva-
contudo, com tendência geral decrescente ao longo dos últimos 10
Instituto Brasileiro anos, com ênfase maior para os anos mais recentes; c) a mortalida- mente, 130 mm e 110 mm, para Panulirus argus e P. laevicauda.
do Meio Ambiente e
dos Recursos de por pesca vem crescendo continuamente ao longo dos anos e nos • É proibida a descaracterização das caudas de lagostas que impeçam
Naturais Renováveis
anos recentes a situação se agravou, chegando a valores equivalen- a identificação da espécie.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 181

• É proibida a pesca nas áreas identificadas como criadouros naturais seguro-desemprego aos pescadores, durante os 6 meses de parada da
e na área compreendida no limite de 4,0 milhas da costa. pesca.
• Só é permitida a pesca de lagostas para embarcações com compri- Não resta dúvida, finalmente, que as capturas com redes tipo caçoeira
mento superior a 4 m de comprimento total. e com o mergulho, tal como praticadas, são ecologicamente insustentáveis
(IVO et al., 2012). O mergulho, associado ou não a marambaias, é uma prática,
• É proibida a pesca com qualquer outro aparelho que não corresponda
ainda, socialmente não recomendável em decorrência do comprometimento
às armadilhas fixas denominadas manzuá ou covo e cangalhas.
da saúde do pescador e até de sua morte.
• É proibido o uso de dispositivos atratores e concentradores de lagos-
Considerando os aspectos anteriormente apontados, recomenda-se
tas, denominados marambaias.
que o Subcomitê Científico da CPG–Lagostas faça com que as autoridades
• Limitação do esforço máximo de pesca em 30 milhões de covos-dia, competentes promovam a retomada da geração de dados (inclusive a básica
com tolerância, nos últimos anos, de um excedente de 10 milhões estatística de produção, por espécie) e de informações que conduzam a uma
de covos-dia, e a previsão de transformação do esforço máximo per- fundamentada e aprofundada análise do subcomitê científico, sobre as causas
mitido em número de barcos autorizados para a pesca de lagostas, do elevado desrespeito à legislação em vigor, bem como à situação das popu-
o que resultou em cerca de 3.000 embarcações (já que os 10 mi- lações das lagostas e de sua pescaria, para corrigir eventuais problemas no
lhões de covos-dia excedentes ainda não foram retirados). processo de gestão em andamento.
• A embarcação deve ter permissão de pesca específica para a captu- É um equívoco atender às fortes pressões do segmento de expor-
ra de lagostas, e deve constar o número máximo de covos com que tação para mudar o período do defeso quanto à redução e ao deslocamen-
é autorizada a pescar. to, conforme ocorrido nos últimos anos. Sobre esse aspecto, não é de-
• As embarcações acima de 10 metros de comprimento total devem mais lembrar que esse segmento é, nos anos recentes, representado
utilizar o sistema de monitoramento remoto e informar dados de pro- dominantemente por “empresários de mala” que, segundo o entendimen-
dução. As com 15 m ou mais são obrigadas a entregar mapas de to de parte dos especialistas, é o de menor comprometimento com a sus-
bordo. tentabilidade de lagostas no Brasil (eles nada têm a perder, pois se os
estoques colapsarem, mudam de setor e vão utilizar o capital em outra
Adicionalmente, todo pescador e embarcação de pesca devem estar
atividade).
em situação regularizada, conforme legislação específica, no MPA e na Mari-
nha do Brasil. Cabe, ainda, ponderar que as recentes solicitações do uso de sistemas
de cotas de captura (global ou individual), como medida de gestão na pesca
Em relação a todo o esforço realizado pelo Estado, inclusive a indeni-
de lagostas, devem ser avaliadas à luz de condicionantes básicas que apre-
zação de equipamentos de pesca ilegais (os de mergulho) ou proibidos (as
sentamos e que foram apoiadas na última reunião do Subcomitê Científico da
caçoeiras) (Box 6) nos últimos anos, como vinha ocorrendo anteriormente,
CPG–Lagostas, a seguir explicitadas:
84% (IVO et al., 2012.) da pesca de lagostas praticada no Brasil é ilegal.
Essa ilegalidade não é só pelo uso de equipamentos ou métodos de pesca • A primeira diz respeito ao conhecimento científico atualizado da bio-
proibidos (rede tipo caçoeira e o mergulho associado com o uso de maram- massa, disponível no ambiente aquático, e o quanto desta pode ser
baias), mas pela captura de lagostas abaixo do tamanho mínimo, pela pesca utilizado pela pesca (avaliação de estoque), sem comprometer a re- Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
em áreas proibidas, bem como ao desrespeito ao período de defeso, mesmo posição dos estoques e/ou favorecer a recuperação desses, quando dos Recursos
Naturais Renováveis
o Governo investindo vultosas quantidade de recursos com o pagamento do for o caso. Não é demais lembrar que não existe avaliação recente e
182 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

abrangente (para toda a área de pesca) dos estoques de lagostas naeus kroyeri cujas principais características serão apresentadas a seguir, o
que ocorrem no litoral brasileiro. camarão-branco Litopenaeus schmitti e o camarão-rosa Farfantepenaeus sub-
tilis.
• A segunda está relacionada com a autonomia e autoridade da mesa
de negociação para, fundamentada na avaliação de estoque, definir Na costa nordeste, o regime dos rios é fator importante na dinâmica
a cota total anual a ser adotada (de preferência, 90% a 95% do valor ambiental das áreas de ocorrência de camarão, tendo em vista a influência da
calculado). vazão na variação de salinidade e de temperatura, dispersão e sobrevivência
das larvas, envio de nutrientes aos bancos pesqueiros, manutenção sedimen-
• A terceira condição é manter e fazer respeitar as demais regras de
tológica dos habitats e dinâmica reprodutiva dos camarões marinhos, entre
uso imprescindíveis para a sustentabilidade ou recuperação do esto- outros. Assim, a formação de uma área de pesca do camarão ocorre em con-
que, e a economicidade da pescaria (por ex.: tamanho mínimo de sequência dos rios que deságuam no mar e, na maioria dos estados, onde a
captura, áreas de exclusão, critérios e limites para o acesso ao re- pesca de camarões é realizada, predominantemente, a menos de 1 mn da
curso etc.). Sobre esse requerimento, parte dos proponentes do uso costa. Merecem destaque dois grandes rios do Nordeste: o Rio Parnaíba, que
de cotas tem evidenciado o entendimento de que a adoção de cotas banha os estados do Maranhão e do Piauí, e o São Francisco, que deságua
prescinde do uso das demais medidas de gestão. entre Alagoas e Sergipe (DIAS-NETO, op. cit.).
• A quarta diz respeito à necessidade de se dispor de um sistema de Em decorrência dessas características, Dias-Neto (2011) aponta três
controle estatístico com eficiência suficiente para acompanhar a áreas e os respectivos sistemas de pescarias de águas rasas da costa nordes-
produção (total ou individual), de forma a estimar a proximidade de te, a saber:
atingir a cota estabelecida e, assim, ter condição de parar a atividade
• a do Nordeste Setentrional, do Piauí ao Rio Grande do Norte, onde as
de captura no tempo certo. Essa condicionante, se não atendida, é
principais áreas de pesca estão localizadas próximas aos municípios
suficiente para inviabilizar o uso do sistema de cotas. Sobre esse
de Luís Correia (PI); Fortaleza e Aracati (CE); Nísia Floresta, Porto do
aspecto, ressalta-se que no Brasil, há mais de 6 anos, não existe um
Mangue, Macau, Guamoré, Touros e Baía Formosa (RN);
controle estatístico mínimo, conforme abordado, e muito menos de-
mandado para a aplicação de um sistema de cotas de captura. • a do Nordeste Oriental, da Paraíba à Bahia, cujas áreas de pesca
estão localizadas próximas aos municípios de Lucena e Pitimbu (PB),
Portanto, parece indubitável que os desafios são muitos e as limita- Tamandaré, Sirinhaém e São José da Coroa Grande-PE, Maceió, Co-
ções a serem superadas devem ser enfrentadas imediatamente, se o objetivo ruripe, Jequiá da Praia, Barra de Santo Antônio e Maragogi (AL); área
for recuperar e manter as pescarias de lagostas no País em níveis de susten- de influência da Foz do Rio São Francisco (AL/SE); Pirambu, Aracaju
tabilidade. e Abaés (SE), e áreas das costas sul e extremo sul do litoral baiano,
Camarões do Nordeste em frente aos municípios de Valença, Ilhéus, Canavieiras, Prado, Al-
cobaça, Caravelas e Nova Viçosa;
Segundo Dias-Neto (2011), no Nordeste, ao longo de toda sua costa,
mais particularmente nos estuários e nas reentrâncias litorâneas dos estados • as áreas de baías, lagoas e estuários onde ocorrem pescarias de
do Piauí à Bahia (os dados sobre a pesca de camarões do estado do Maranhão camarões estão localizadas principalmente na Baía de Todos-os-
foram incluídos nos dos camarões da costa norte), desenvolvem-se pescarias Santos, Baía de Camamu e Baixo Sul (BA), estuário do São Francisco
Instituto Brasileiro de camarões em águas rasas costeiras, em profundidades de até 20 metros. (AL/SE) e lagoas de Mundaú e Manguaba (AL).
do Meio Ambiente e
dos Recursos A participação das espécies nas capturas é variada, dependendo da área, As pescarias consideradas artesanais utilizam artes de pesca traciona-
Naturais Renováveis
entretanto, as espécies mais frequentes são o camarão-sete-barbas Xiphope- das por um ou mais pescadores no estuário e na zona costeira, com destaque
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 183

para as seguintes: a) arrastão de praia, puçá de arrasto, tresmalho, mangote;


b) tarrafa – aparelho de lance operado por um pescador e com área de atua-
ção restrita a estuários, com baixo poder de pesca; c) armadilhas fixas (zan-
garia, fuzaca, muruada) e redes de espera, com modo de atuação com carac-
terísticas passivas.
Não foram encontradas informações seguras sobre a frota que pesca
camarões na costa nordeste. A principal dificuldade pode ser a grande parce-
la pertencente à chamada frota diversificada costeira. A parcela motorizada
utiliza redes de arrasto de portas nos sistemas simples e duplo, cerco e ema-
lhe, com predomínio das duas primeiras. Os barcos são de diferentes tama-
nhos e potências, de acordo com a profundidade e a distância da costa, geran-
do um poder de pesca proporcional a essas características. A maioria não
conduz gelo a bordo, para a conservação do pescado, já que realizam viagens Figura 132 Produção (t) total, por ano, de camarões do Nordeste do Brasil – 1987 a 2010 (as produções de 2008 a 2010 foram
de ir e vir com duração média de 10 horas. Somente 10% das embarcações estimadas pelos autores).
executam viagens de até 5 dias e, nesse caso, usam gelo para conservar o O sistema de pescarias de camarões de águas rasas da costa nordes-
pescado (DIAS-NETO, 2011). te, pelas próprias características do habitat, diversidade de espécies e siste-
A produção desembarcada, na maioria dos estados, não distingue a ma de coleta e consolidação de dados, não permite uma avaliação da sua
quantidade por espécie, ficando, portanto, impossível discriminar a contribui- capacidade de produção máxima sustentável, entretanto, é muito provável
ção de cada espécie no desembarque, por estado e total. Portanto, as análises que o conjunto dos recursos encontre-se plenamente explotado, não sendo
da produção serão feitas considerando o conjunto das espécies capturadas, o razoável uma expectativa de aumento da produção nos anos vindouros e, se
que representa uma grande limitação para as conclusões a serem apresenta- vier a ocorrer, poderá ser em função das futuras medidas de gestão para a
recuperação de estoques em áreas intensamente explotadas.
das.
As pescarias de camarão na costa do nordeste devem obedecer às
Dias-Neto (2011) informa ainda que existe grande disparidade de pro-
regulamentações do exercício da atividade pesqueira no Brasil. Em termos
dução entre os estados e que, no período de 1987 a 2006, os três com maior
de legislação específica, são as seguintes para a atividade na área:
participação média na produção total da costa nordeste foram: Bahia com
44,9%; Alagoas com 19,2%; e Sergipe com 19,1%. Portanto, esses estados • Defesos anuais para as pescarias no Piauí, Alagoas, Sergipe, Bahia e Per-
contribuíram com 83,2% e os demais com apenas 16,8% da produção da área. nambuco, com períodos distintos para as espécies, em algumas áreas.

A evolução da produção total do conjunto das espécies, para todos • Limitação do tamanho mínimo da malha para as redes de arrasto,
com portas, em 28 mm para a plataforma continental, e em 20 mm
os estados da costa nordeste (com exceção do Maranhão), no período de
para o estuário, medidas entre nós opostos, aplicada para a pesca
1987 a 2010, é apresentada na Figura 132, onde fica evidenciado que a pro-
de todas as espécies e em todo o litoral.
dução nos 11 primeiros anos variou entre 3 e 4 mil toneladas, podendo ser
observada pequena tendência de crescimento; entre 1998 e 2005 houve forte • Proibido, em todo o litoral da região, o uso de sobressaco nas redes
tendência de crescimento, quando a produção atingiu 15.522 t (produção re- de arrasto, independentemente do tamanho das malhas. Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
corde); decresceu abruptamente em 2006 e 2007, e as produções dos últi- • As operações de arrasto motorizado de camarão encontram-se proi- dos Recursos
Naturais Renováveis
mos anos têm variado entre 7.000 e 8.000 toneladas. bidas dentro de estuários em todo o litoral da costa nordeste. Tam-
184 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

bém estão proibidas operações com arrasto nas seguintes áreas, por • Manter permanente trabalho de sensibilização e fiscalização.
estado: (i) Piauí – trecho I (41°30 W e 41°50 W), a menos de 1 mn,
Atuns e afins
por qualquer embarcação; e entre 1 e 3 mn, por embarcações moto-
rizadas com mais de 5 AB; trecho II (41°20 W e 41°30 W), por qual- Os atuns e afins são peixes que vivem em regiões tropicais e subtropi-
quer tipo de arrasto a menos de 3 mn; (ii) Ceará – arrasto de qual- cais de todos os oceanos. Apresenta corpo alongado, fusiforme, boca grande
quer natureza a menos de 3 mn; (iii) Rio Grande do Norte, e alongada, duas nadadeiras dorsais bem separadas e encaixadas em um
Pernambuco e Alagoas – arrasto de qualquer natureza a menos de 1 sulco no dorso, seguidas por grupos de lepidotríquias (também na região ven-
mn; (iv) Sergipe – arrasto de qualquer natureza a menos de 2 mn; (v) tral). A barbatana caudal é bifurcada e, no seu pedúnculo, ostenta duas qui-
Bahia – 1) até 3 milhas, para trecho entre a fronteira SE/BA e a Mata lhas de queratina. Têm sistema vascular especializado em trocas de calor,
de São João; 2) até 1.000 metros, no trecho compreendido entre podendo elevar a temperatura do corpo acima da da água onde nadam – são
Itacaré-Canavieiras; 3) até 500 metros, para arrasto em geral no tre- endotérmicos. Por isso, são grandes nadadores, podendo realizar migrações
cho Camaçari-Maraú (Bahia); 4) até 300 metros, no trecho Belmon- dentro ou entre oceanos (algumas espécies). Um atum pode nadar até 170
te-fronteira Bahia/Espírito Santo (IN MMA nº 14/2004). km num único dia. Normalmente, formam cardumes só de peixes da mesma
idade. São predadores ativos. Do ponto de vista da reprodução, são dioicos e
Essas pescarias são beneficiadas pelo seguro-desemprego (defeso) e não mostram dimorfismo sexual. As fêmeas produzem grandes quantidades
têm subsídio no preço do óleo diesel, conforme legislação específica. de ovos planctônicos que se desenvolvem em larvas pelágicas.
Entretanto, não são cumpridas as medidas de ordenamento, em decor- Estão incluídas no grupo dos atuns e afins várias espécies da ordem
rência de deficiências nos mecanismos de controle e vigilância, para a aplica- Scombriformes; os atuns-verdadeiros ou albacoras pertencem à família Scom-
ção das medidas de ordenamento, possivelmente decorrência do fato históri- bridae e todas são do gênero Thunnus (SOUTH, 1845), constituindo-se nas
co de que as bases e infraestruturas para a implementação das medidas espécies de maior valor comercial das pescarias mundiais. Outras de menor
foram e continuam sendo extremamente frágeis e insuficientes. Existem, ain- importância do grupo são os bonitos Euthynnus, Katsuwonus e Auxis, os agu-
da, deficiências crônicas no trabalho de sensibilização para a aplicação das lhões (família Istiophoridae), o espadarte (família Xiphiidae), a cavala e a serra
medidas e divulgação junto aos interessados (DIAS-NETO, 2011). (espécies do gênero Scomberomorus). Com exceção das duas últimas, que
A proposta do plano de gestão para as pescarias de camarões do têm distribuição geográfica mais costeira e são capturadas em pescarias de
Brasil apontam as seguintes medidas, entre outras, visando a sustentabilidade pequena escala, todas as demais são exploradas pela pesca industrial, em
das capturas na costa nordeste: áreas mais amplas do mar, consideradas altamente migratórias pela Conven-
ção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (LIMA, 2007).
• Defesos anuais para as pescarias de todos os estados.
Do grupo de atuns e afins importantes para as pescarias comerciais
• Avaliar por pesquisa e, se for o caso, definir tamanhos de malha para brasileiras, encontram-se as seguintes espécies: bonito-listrado Katsuwonus
as redes de arrasto manual e redefinir o tamanho mínimo de malha pelamis Linnaeus, 1758; albacora-bandolim Thunnus obesus (Lowe, 1839);
para as redes com tração motorizada. albacora-branca T. alalunga (Bonnaterre, 1788); albacora-laje T. albacares,
• Realizar pesquisas e monitoramento de forma a: (i) definir o status (Bonnaterre, 1788); espadarte Xiphias gladius Linnaeus, 1758; dourado
de explotação dos estoques; (ii) estabelecer o nível de esforço de Coryphaena hippurus, Linnaeus, 1758; cavala Scomberomorus cavalla (Cuvier,
pesca sustentável, para as distintas espécies, por áreas de pesca; 1829); serra S. brasiliensis. Outras espécies com menor importância nas pes-
(iii) mapear as áreas degradadas; (iv) recuperar as áreas degrada- carias comerciais, embora com eventual importância em determinadas áreas
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e das; (v) minimizar os impactos da pesca sobre a fauna acompa- ou estados são a albacorinha T. atlanticus, o bonito-cachorro Auxis thazard, a
dos Recursos nhante e a captura incidental (especialmente de tartarugas e ma- cavala-empinge Acanthocybium solandri e o peixe-papagaio ou lua Lampris
Naturais Renováveis
míferos); (vi) definir áreas permanentes de exclusão para a pesca. guttatus. O agulhão- branco Tetrapterus albidus, o agulhão-vela Istiophorus
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 185

albicans e o agulhão-negro Makaira nigricans são especialmente importan- Da análise da produção por espécie, verifica-se que o bonito-listrado
tes na pesca esportiva (DIAS-NETO; DORNELLES, 1996). Estão incluídos domina e dita o comportamento da produção total nacional (Figura 13), com
como afins dos atuns alguns tubarões, entretanto, o conjunto dessas espé- uma média de 55% para o período, seguido pela albacora-laje (9%), o espa-
cies será motivo de análise separada. darte (6%), a albacora-branca (4%) e a albacora-bandolim (3%). A participa-
Os últimos dados obtidos junto ao SisRGP–MPA mostram que a frota ção da produção total de outras espécies representou 23% na média do
nacional autorizada para a pesca de atuns e afins é composta de 680 barcos período considerado, entretanto, isso deve-se ao fato de até 2003 não ter-
(Tabela 2), sediados em 13 portos diferentes de 10 unidades da Federação. mos conseguido suprimir a produção de tubarões, possivelmente ali incluí-
As informações apresentadas pelo Brasil à ICCAT (2012) evidenciam que dos. Portanto, é provável que a participação de outras espécies esteja so-
pouco mais de 80% dessa frota é composta por embarcações menores de brestimada.
20 m de comprimento total e as arrendadas por empresas brasileiras repre- Chamamos a atenção para grandes flutuações nas produções anu-
sentavam 2,5%, ou 15 unidades do total da frota, em 2011. ais das albacoras e do espadarte, o que se deve, em grande medida, ao
O comportamento da produção total, das cinco principais espécies fato de o Brasil não possuir frota própria (só na última década começou a
de atuns e afins capturadas pela frota brasileira, bem como do total do con- consolidar uma frota nacional para a pesca do espadarte) e ter ficado na
junto de outras espécies, no período de 1977 a 2010, é apresentado na Fi- dependência histórica do arrendamento de barcos estrangeiros por em-
gura 133, onde pode ser observado (não inclui as produções de serra e tu- presas nacionais, para obter produção dessas espécies. Isso tem sido um
barões dos últimos anos): a produção total partiu de 7.016 t, em 1977, e fator de vulnerabilidade da pesca nacional e tem recebido severas críticas
passou a apresentar crescimento até 1986 (39.430 t), quando flutuou ou de especialistas.
estacionou em torno de 35.000 t; em seguida, ocorreram novos incremen-
tos, até 2001, quando a produção foi recorde: 60.642 t; nos anos seguintes, É importante ponderar, ainda, que a tão propalada possibilidade de o
as produções foram, no geral, decrescentes (apesar de algumas flutuações) Brasil aumentar a produção nacional de atuns e afins é muito limitada, pois
e, em 2010, a produção total foi de 33.420 toneladas. as principais espécies de atuns e afins capturadas no Atlântico estão explo-
tadas ou em recuperação de sobrepesca e só se alcançará uma produção
continuada, com possibilidade de crescimento, se houver capacidade de con-
solidar uma frota nacional de espinheleiros, com mão de obra qualificada e,
mesmo assim, para concorrer com frotas modernas de países com a pesca
considerada como bem desenvolvida como o Japão, a Espanha, a China e a
Coreia, entre outros.
Cabe, ainda, argumentar que as empresas brasileiras têm arrendado
barcos de armadores de pesca dos mesmos países que são, também, nos-
sos principais concorrentes, e esta tem sido a principal razão de, quando
não interessar mais, tais países simplesmente suspenderem os arrenda-
mentos e o Brasil não ter como continuar as pescarias e as produções des-
sas espécies.
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do Meio Ambiente e
dos Recursos
Figura 133 Produção (t) total anual de atuns e afins, bem como das cinco principais espécies e de outras capturadas pela frota Naturais Renováveis
do Brasil – 1977 a 2010.
186 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Box 7 A prática do arrendamento de embarcações estrangeiras por empresas e armadores de pesca nacionais7.

O arrendamento de barcos atuneiros estrangeiros foi iniciado em 1976 e tinha por objetivo expandir a produção nacional de tunídeos, possibilitar a absorção
de novas tecnologias e aumentar as exportações e a oferta de tunídeos para o mercado interno, até então limitada às pescarias artesanais da Região Nordeste e às
pescarias industriais da pequena frota de espinheleiros do estado de São Paulo, que, embora operando desde 1967, não apresentavam sinais de evolução.
Em meados dos anos de 1980, transcorridos cerca de 10 anos do uso do instrumento, foi realizada uma avaliação técnico-científica dos arrendamentos. Na opor-
tunidade, foi apontado que a prática não teve o desenvolvimento esperado, com poucos contratos tendo sido efetivados. Apesar disso, os seguintes resultados positivos
foram atingidos:
• o arrendamento de espinheleiros japoneses em Rio Grande (RS) permitiu estabelecer pescaria de tunídeos na Região Sul e surgir de uma frota nacional, composta
de dois barcos, sendo um nacionalizado e outro adaptado a partir de um antigo arrasteiro;
• a operação de atuneiros de isca-viva, em Itajaí (SC), possibilitou a expansão da área de pesca em direção ao Sul, com exploração de novas áreas desde o Cabo de
Santa Marta até o limite sul do País, e resultou no desenvolvimento dessa atividade de pesca em Santa Catarina.
Todavia, o programa foi questionado pelos empresários nacionais que operavam na pesca de tunídeos, pela competição desigual com os barcos nacionais, menos
eficientes, em parte, porque os barcos estrangeiros, além de empregar novas tecnologias, eram equipados com instrumentos e artes de pesca importadas e não acessíveis
aos barcos nacionais.
Apesar de reconhecer que os arrendamentos poderiam contribuir para o desenvolvimento da pesca de atuns, por meio de barcos adequadamente equipados, foi
ponderado que, além dos aspectos puramente técnicos, deveria-se, também, considerar as repercussões socioeconômicas desses empreendimentos, pois o arrendamen-
to de barcos em grande número poderia afetar o rendimento econômico da frota nacional, se esses barcos mais eficientes operassem na mesma área de pesca.
Especificamente com relação a barcos cerqueiros, considerou-se que a introdução de tecnologia especializada, utilizada por grandes cerqueiros que empregam
mão de obra reduzida e com nível maior de especialização, poderia inibir ou substituir a pesca de isca-viva nacional, que é intensiva na utilização de mão de obra com
menor qualificação.
Nova análise da política de arrendamentos foi realizada por Dias-Neto (1990), na qual o autor conclui que a maioria dos objetivos dos arrendamentos, até então
realizados, não foram cumpridos, citando como exemplos: 1) o arrendamento de boniteiros iniciado em 1981 caracterizou desvio na aplicação da legislação, pois além da
tecnologia da captura com vara e isca-viva já ter sido dominada no País, a frota estava em expansão; 2) não ocorreu a esperada elevação do nível de tecnologia nacional
na pesca, pois foram arrendados barcos cuja técnica já era dominada (pesca com vara e isca-viva), e, no caso dos espinheleiros, a contraparte da tripulação brasileira não
tinha condições de assimilar qualquer tecnologia, pois foi empregada em trabalho dominantemente mecânico; 3) não ocorreu aumento das exportações brasileiras, pois
na quase totalidade dos contratos de arrendamento, o valor pago pela embarcação equivale a 95% da receita líquida gerada pela produção da unidade envolvida (embar-
cação); 4) também não houve acréscimo de produção para abastecer a zona deficiente de pesca, já que o produto dessas pescarias vem sendo direcionado para o mer-
cado externo.
Em fins dos anos de 1980, foi concluído que as possíveis contribuições que a política de arrendamento pode propiciar já haviam sido atingidas e sua continuidade
seria desestímulo à formação de uma frota brasileira de espinheleiros. Ressaltou-se, finalmente, que a formação de tal frota deve ser o primeiro objetivo da administração
pesqueira e que todos os obstáculos devem ser removidos para a sua concretização.
Em 1992, foi constituído um Grupo de Trabalho (GT) para estudar e elaborar subsídios para a definição de uma política de ordenamento e ocupação da ZEE, bem
como realizar uma avaliação dos arrendamentos de embarcações estrangeiras.
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
7
Utilizou como base Lima et al. (2011).
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 187

Com a implementação dessa política, o Brasil disporia de melhores informações técnicas e científicas sobre o potencial dos recursos vivos do mar e a situação
ambiental, e teria uma frota oceânica para enfrentar os desafios que adviriam com a vigência da Convenção do Direito do Mar.
O relatório do GT é um resumo final com várias sugestões e recomendações para subsidiar a definição de uma política de ocupação da ZEE. Nesse relatório desta-
cam-se as seguintes conclusões e recomendações relacionadas com os arrendamentos de embarcações estrangeiras de pesca:
• Os arrendamentos de barcos estrangeiros se constituíam numa transação comercial e, portanto, tornava-se necessária uma análise dos aspectos econômicos
desses empreendimentos, com vistas a identificar as vantagens e desvantagens que traziam para o País. Embora o GT não tenha tido acesso a dados econômicos
das operações de pesca, existiam evidências de que a balança comercial dos arrendamentos era deficitária;
• Grande parte da frota pesqueira nacional não possuía características físicas ou não estava devidamente equipada para obter melhor aproveitamento de recur-
sos pesqueiros nas regiões oceânicas da ZEE. Nesse contexto, as embarcações mais novas, com comprimentos acima de 20 m, poderiam ser adaptadas para
operar nessas áreas e os barcos arrendados, que eram mais modernos e melhor equipados, teriam melhores condições para a pesca oceânica;
• A falta de observadores de bordo foi apontada como a principal deficiência no acompanhamento das operações de pesca nas embarcações arrendadas e em
assimilação das tecnologias;
• A formação e o treinamento de mão de obra foram apontados como fatores decisivos e limitantes para a implementação da política de ocupação da ZEE e a frota
oceânica arrendada não contribuiu para suprimir essa deficiência;
• Para incentivar a formação de uma frota pesqueira oceânica, foram sugeridas várias medidas, inclusive, recomendando o arrendamento de embarcações estrangeiras para
ocupar temporariamente a ZEE e fornecer subsídios técnicos para o conhecimento dos recursos vivos na referida zona, bem como criar linhas de crédito específicas para
aquisição dessas embarcações e construção de embarcações destinadas à pesca de alto-mar, com juros e prazos compatíveis com a atividade.
Para superar os gargalos apontados e viabilizar a ocupação da ZEE foram sugeridas mudanças e aprimoramentos da legislação vigente.
Quanto aos aspectos econômicos, Teixeira et al. (2004) realizaram uma análise econômica dos arrendamentos no período de 1998 a 2002, destacando que tais
embarcações extraem um volume de recursos significativos, especialmente as que pescam espécies de altos valores comerciais, focadas no mercado internacional, como
é o caso dos atuns e afins, e que tal atividade, sem dúvida, contribui para o aumento de divisas ao País. No entanto, o que torna oneroso à atividade é o alto valor pago
pelo arrendatário dessas embarcações. Ao mesmo tempo que essa atividade promove as exportações, não gera um efeito multiplicador interno de riqueza, pois, em média,
95% do lucro dessa atividade é revertido ao exterior.
Hazin e Travassos (2006) avaliaram que os arrendamentos de barcos atuneiros foram úteis para a construção de um histórico de captura, que tem assegurado ao
Brasil, nas negociações realizadas na ICCAT, dispor de um percentual da quota de captura do espadarte acima do que poderia conseguir, com base apenas nas capturas
dos barcos nacionais. Ressaltam, no entanto, que isso tornou o País extremamente vulnerável a eventuais retaliações dos países com bandeira de embarcações arrenda-
das, particularmente quando são importantes mercados para o pescado brasileiro, como a Espanha.
Rodrigues e Quinóz (1998) destacaram os equívocos ocorridos entre 1991 e 1997, quando foram autorizados arrendamentos de 147 embarcações estrangeiras para
empresas de pesca nacionais, entretanto, cerca de 50% das autorizações foram concedidas para empresas sem tradição ou experiência na atividade pesqueira, que foram
constituídas especificamente para a pesca pelo arrendamento de embarcações estrangeiras. Tais fatos evidenciam o pouco interesse das empresas pesqueiras tradicionais
pelo arrendamento e, possivelmente, explicam porque este não contribuiu de forma efetiva para a formação de uma frota nacional para a pesca oceânica.
Na realidade, Dias-Neto (1993) pondera que, com a prática dos arrendamentos, o Governo Federal passou a outorgar a um brasileiro (empresa) a competência para Instituto Brasileiro
vender o direito para barcos estrangeiros pescarem em águas jurisdicionais do Brasil, usufruírem de um bem comum da sociedade e utilizarem nosso território como porto do Meio Ambiente e
avançado dos seus países de origem, sem que a Nação obtenha o adequado usufruto de suas riquezas e potencialidades. dos Recursos
Naturais Renováveis
188 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Diante dos problemas apontados com a prática dos arrendamentos e com o lançamento do Programa Nacional de Financiamento e Modernização da Frota Pesquei-
ra Nacional (Profrota-Pesqueira), quando se passou a acreditar que havia um fator motivador para a importação e construção de novos atuneiros pelas empresas arrenda-
tárias, a Seap/PR defendeu e a Presidência da República aditou o Decreto n° 4.810/2003 que considerava o arrendamento de embarcações estrangeiras um instrumento
temporário e com previsão de não mais continuar no prazo de 2 anos.
Em paralelo, foi discutida e evidenciada a urgência de se viabilizar o arrendamento de embarcações a casco “nu”, com suspensão de bandeira estrangeira, uma
vez que sob tal enquadramento jurídico a mesma passa a ser, para todos os efeitos da legislação nacional e internacional, uma embarcação brasileira.
Nesse sentido, foi aprovada a Lei n° 11.380/2006, que Institui o Registro Temporário Brasileiro para embarcações de pesca estrangeiras arrendadas ou afretadas, a casco
“nu”, por empresas, armadores de pesca ou cooperativas de pesca brasileira, e dá outras providências. Entretanto, até agora, essa lei não foi implementada e, portanto, os objetivos
esperados não foram alcançados.
Em contrapartida, no final de 2010, o MPA promoveu um grande retrocesso na prática de arrendamento de barcos estrangeiros por empresas brasileiras. Essa
oportunidade possibilitou que uma “empresa” constituída para esse fim arrendasse mais de uma dezena de barcos espinheleiros e que não fosse cumprida a lei dos 2/3 de
mão de obra nacional (inicialmente, foi autorizado que a totalidade dos tripulantes poderia ser de estrangeiros).
Essa nova prática tornou ainda mais verdadeiro o afirmado por Dias-Neto (1993), anteriormente citado.
É importante apontar que em todo o período da prática dos arrendamentos estiveram presentes fortes denúncias de corrupção praticada, especialmente por em-
presas de fachada, sobre alguns gestores que, de passagem pelo Serviço Público, escolhiam o caminho de “ganhar dinheiro fácil” em vez de se dedicar a defender os reais
interesses da sociedade brasileira (objetivo precípuo do cargo que ocupava).

O Brasil tem internalizado as medidas de gestão para o uso dos atuns bem como o comportamento individual da produção nacional de cada uma, e as
e afins, sempre que necessário, as recomendações da ICCAT, entretanto, tem medidas de gestão em vigor, quando for o caso.
sido apontada, em vários eventos e fóruns nacionais, a necessidade de ado-
ção de medidas complementares específicas para as pescarias nacionais e
Bonito-listrado Katsuwonus pelamis, Linnaeus, 1758
entre elas citamos: O ICCAT (2010) informa que o bonito-listrado é uma espécie gregária
• Regulamentar e limitar o esforço de pesca para a modalidade com que forma cardumes e está presente em águas tropicais e subtropicais dos
vara, linha, anzol e isca-viva. três oceanos. Uma característica do listrado é que a partir da idade de um ano
ele se reproduz de forma oportunista durante todo o ano e em vastas áreas
• Regular e, se for o caso, limitar o uso do cerco para a pesca de boni-
dos oceanos. No Brasil, a maior intensidade de reprodução ocorre no primeiro
to-listrado e albacoras.
trimestre (durante o verão) e em águas mais quentes do Norte e Nordeste
• Definir regras e, se for o caso, limites para a frota de espinheleiros (MATSUURA; ANDRADE, apud LIMA, 2007). A taxa de crescimento da
tipo Itaipava. espécie é variada, dependendo da latitude. O tamanho máximo observado
• Suspender, definitivamente, o arrendamento de barcos estrangeiros foi de 108 cm (34,5 kg), embora o tamanho máximo nas capturas tenha
por empresas nacionais. ficado em 80 cm (8-10 kg). A idade máxima é de 12 anos.
• Regulamentar e estimular o arrendamento ou afretamento de barcos O corpo de K. pelamis é alongado, fusiforme e arredondado, com pe-
estrangeiros na modalidade “casco nu”, conforme previsto na Lei n° quenos dentes cônicos e dispostos em uma única linha; apresenta poucas
Instituto Brasileiro 11.380, de 1° de dezembro de 2006. escamas, exceto na linha lateral; tem duas nadadeiras dorsais separadas por
do Meio Ambiente e
dos Recursos A seguir, as principais características das espécies mais importantes nas um pequeno espaço, a primeira com 14-17 espinhos e a segunda com 12-16
Naturais Renováveis
pescarias comerciais no Brasil, a situação dos estoques e o nível de explotação, raios moles, seguidos por pínulas. A barbatana peitoral é curta e tem 24 ou 32
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 189

raios. A nadadeira anal possui 13-17 raios moles, seguidos de 6-8 pínulas.
Uma forte quilha, em ambos os lados da base da nadadeira caudal, encon-
tra-se entre duas outras pequenas. O dorso é azul-escuro purpúreo; flancos
e ventre prateados com 4-6 listras escuras longitudinais muito evidentes,
mas que em exemplares vivos podem aparecer como linhas descontínuas
(Figura 134).

Figura 135 Produção anual(t) de bonito-listrado no período de 1979 a 2010.


Lima (2007) informa que a pescaria brasileira do bonito-listrado tem
representando cerca de 60% da produção total da espécie no Atlântico Oci-
Figura 134 Katsuwonus pelamis.
dental. Os dados dos últimos anos demonstram que essa participação tem
Fonte: ICCAT (2012).
apresentado incremento. As avaliações mais recentes indicam que a parcela
Segundo o ICCAT (2012), existem dois estoques de bonito-listrado no do estoque capturado pela frota nacional é considerada plenamente explotada
Oceano Atlântico, um do lado ocidental e outro do lado oriental, separados (MMA, 2006).
pela longitude de 30° W. As últimas avaliações de estoques (CMS) para o
Já segundo o ICCAT (2012), órgão responsável por recomendar medi-
bonito-listrado do Atlântico Ocidental (área onde é realizada a pesca do Brasil)
das de ordenamento para a pescaria da espécie, não existe recomendação
apontaram CMS de 30.000-36.000 toneladas.
específica aprovada pela Comissão. Entretanto, considera que não se deve
As capturas totais de bonito-listrado em todo o Atlântico, em 2010, che- permitir que a captura supere a CMS estimada e indicou, ainda, que as captu-
gou a 212.668 t. As pescarias no Brasil são realizadas, dominantemente, com o ras atuais encontram-se no nível de rendimento máximo estimado ou acima,
uso de vara, anzol e isca-viva e, ultimamente, cerco. o que significa que o estoque encontra-se sobrepescado.
A frota nacional que utiliza linha e isca-viva é composta por 91 barcos, Albacora-bandolim Thunnus obesus (Lowe, 1839)
sendo que 45 pescam com vara, anzol e isca-viva direcionadas à captura do
A albacora-bandolim apresenta ampla distribuição em águas tropicais
bonito-listrado, incluindo um que pesca com cerco (Tabela 2).
e subtropicais dos oceanos Atlântico, Índico e Pacífico (não ocorre no Mar
O comportamento da produção total do bonito-listrado no Brasil, no Mediterrâneo). Os limites geográficos de ocorrência ficam situados entre
período de 1979 a 2010, é apresentado na Figura 135, onde pode ser obser- 55º-60ºN e 45º-50ºS. Os exemplares juvenis encontram-se principalmente na
vada produção total a partir de 1.818 t em 1979; tendência de crescimento região equatorial. A distribuição no Atlântico Oriental vai desde a Irlanda até a
acentuado até 1985 (25.051 t); decresceu e estacionou entre 16.000 t e África do Sul, e no Atlântico Ocidental, do sul do Canadá até o norte da Argen-
Instituto Brasileiro
20.00 t até 1995; voltou a aumentar até 1997, quando a produção foi a maior tina. É uma espécie epi e mesopelágica, que tem como principais fatores am- do Meio Ambiente e
do período: 26.564 t; decresceu e flutuou entre 20.000 e 25.000 t e a produ- bientais de influência a distribuição vertical, a temperatura e a concentração dos Recursos
Naturais Renováveis
ção de 2010 foi de 20.640 toneladas. de oxigênio dissolvido (ICCAT, 2010).
190 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

T. obesus é uma das espécies de maior tamanho entre os atuns, po- A espécie, como os demais atuns, forma cardumes livres ou as-
dendo atingir 250 cm de comprimento furcal (CF), embora os exemplares captu- sociados a objetos flutuantes, animais marinhos e montes submarinhos.
rados raramente estejam acima de 180 centímetros (CF) e o tamanho habitual Os cardumes livres tendem a ser constituídos de indivíduos grandes e
das capturas entre 40-170 cm (CF). O peso máximo relatado foi de 210 kg. A monoespecíficos. Pode ser encontrado, entretanto, associado a outras
longevidade máxima da espécie pode ser de cerca de 15 anos, embora a idade espécies como o bonito-listrado e as albacoras branca e laje. É um pre-
máxima registrada tenha sido de 11 anos. O tamanho médio de primeira matu- dador oportunista, portanto com dieta variada tanto em termos espacial
ração (50% de fêmeas maduras) é de 110 cm. A reprodução ocorre durante todo quanto temporal, tendo as comunidades mesopelágicas (migradoras ou
o ano, em uma vasta zona em torno do equador, com temperatura superior a
não) cefalópodes, eufausiáceos e peixes como itens dominantes na ali-
24 °C. O pico de maior intensidade de reprodução é de janeiro a junho na costa
mentação.
sul do Brasil; de dezembro a abril no Golfo de Guiné; e no terceiro trimestre do
ano numa ampla zona ao largo do norte do Brasil e da Venezuela, entre outros O ICCAT (2010) considera que existe somente um estoque de albaco-
períodos e em outras áreas (ICCAT, op. cit.). ra-bandolim em todo o Atlântico, que é capturado por três artes de pesca
O corpo da espécie é robusto, com cabeça e olhos grandes; a altura do principais: espinhel, linha, anzol, vara e isca-viva, e cerco. No Brasil, as captu-
corpo é superior a 25% do comprimento furcal; a altura máxima ocorre no ras mais significativas são realizadas com espinhel.
meio do corpo, em torno da metade da primeira nadadeira dorsal; escamas As capturas da albacora-bandolim no Atlântico são realizadas com espi-
pequenas; pequenos dentes cônicos em série simples; duas espaçadas nada- nhel, vara, linha, anzol e isca-viva, e cerco, sendo que a pesca com espinhel tem
deiras dorsais, sendo a primeira maior e espinhosa; as nadadeiras peitorais sido, historicamente, responsável por mais de 60% da produção total, especial-
são moderadamente longas; a nadadeira da cauda é grande, com fortes qui- mente no lado da costa africana, que tem se apresentado como mais produtiva.
lhas de cada lado da cauda e entre as duas menores; a segunda nadadeira
No Brasil, as pescarias mais significativas são realizadas com espinhel (ICCAT,
dorsal e a anal têm raios curtos; na sequência destas e até a cauda tem pínu-
2010).
las triangulares. A cor é azul-metálico, com a zona inferior de ambos os lados
e o ventre variando do embranquecido ao prateado, enquanto os flancos apre- A última avaliação de estoque da espécie ocorreu em 2010 (ICCAT,
sentam cor marrom-amarelado; nadadeiras dorsais e peitorais amarelo-escu- 2012), quando foi calculada uma CMS variando entre 78.700-101.600 t (mé-
ro e a anal prateada (Figura 136). dia de 92.000 t). A produção total máxima histórica foi de aproximadamente
133.000 t em 1994, passando a decrescer desde então, e a produção de 2010
foi de 75.710 toneladas.
A evolução da produção do Brasil, no período de 1977 a 2010, é
apresentada na Figura 137, onde pode ser constatada grande variação e
instabilidade nas produções anuais, o que pode dever-se, em parte, à de-
pendência de arrendamento de barcos estrangeiros por empresas brasilei-
ras, que direcionam as capturas para a espécie (Box 7), já que a parte
capturada pela frota de espinheleiros nacionais é menor. Deixando de lado
as flutuações de 1977 a 1991, no período seguinte as variações apresen-
taram tendência crescente até 2000, quando a produção máxima foi de
Instituto Brasileiro Figura 136 Albacora-bandolim. 2.768 t; decresceu muito nos anos seguintes e, em 2010, foi de 1.151
do Meio Ambiente e
dos Recursos Fonte: ICCAT(2012). toneladas.
Naturais Renováveis
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 191

inclusive o Mediterrâneo. Os limites geográficos vão de 45-50°N a 30-


40°S, mas são menos abundantes em águas superficiais de 10°N e 10°S.
A ampla distribuição explica a grande diversidade de pescarias direciona-
das para a espécie em todo o mundo. Adultos (acima de 90 cm) ocorrem
em águas tropicais e subtropicais, enquanto os imaturos são encontrados
em águas temperadas. No Atlântico, as classes de idade com maiores
tamanhos (80-125 cm) estão associadas com águas mais frias, enquanto
indivíduos menores tendem a ocorrer nos estratos de águas mais quentes.
No Oceano Atlântico, a distribuição no lado ocidental vai de Nova Escócia
até o norte da Argentina. Do lado oriental vai da Irlanda para a África do
Sul.
A espécie apresenta corpo robusto, alongado e fusiforme, coberto de
pequenas escamas cicloides; as nadadeiras peitorais são longas, com até
Figura 137 Produção anual (t) de albacora-bandolim –1977 a 2010. 30% do comprimento furcal, ou mais, para indivíduos superiores a 50 cm; a
espécie é, muitas vezes, confundida com T. obesus, que também tem barba-
O estoque já passou por um período de sobrepesca e é considerando, tanas peitorais longas, mas com extremidades arredondadas; a ausência de
nos últimos anos, como em situação de recuperação. Existe, entretanto, mui- linhas ou pontos a distingue dos outros tunídeos; o pedúnculo caudal é delga-
tas incertezas quanto ao futuro do estoque e das pescarias, em especial se a do e quilhado em ambos os lados; a nadadeira caudal é relativamente curta e
produção ultrapassar a CMS, se continuar ocorrendo captura de indivíduos larga, terminando em um semicírculo muito marcado, e com margem poste-
jovens e se for confirmada a forte suspeita de pesca não declarada, não regu- rior branca e estreita só nesta espécie; a nadadeira dorsal posterior e a anal
lamentada e não controlada (ICCAT, 2012). possuem raios moles; as nadadeiras ventrais são pequenas; a cor do dorso é
Existe uma série de medidas de conservação e ordenamento adotadas azul-escuro metálico e o ventre branco-prateado. O comprimento furcal má-
no âmbito do ICCAT e em execução, por vários países que integram a Comis- ximo estimado para o Atlântico foi de 130 cm e a longevidade de 15 anos
são, como: cota global de 85.000 t, com limites definidos para alguns países (ICCAT, 2010) (Figura 138).
(grandes pescadores), e indicativos para outros (no caso do Brasil – conside-
rado país costeiro em desenvolvimento – o limite indicado é de 3.500 t e se
for ultrapassado deve ser definida uma cota específica para os próximos
anos); limitação do número de barcos com base na quantidade operando em
1991 e 1992, entretanto, para alguns países encontra-se fixo o número de
barcos espinheleiros e cerqueiros; é proibida a pesca associada a atratores
naturais ou artificiais durante os meses de janeiro e fevereiro, em área espe-
cífica da costa africana (ICCAT: Rec. 09-01; parágrafo 1 da Rec. 06-01; Rec.
04-01; Rec. 10-01; e Rec. 11-01).
Albacora-branca T. alalunga (Bonnaterre, 1788) Figura 138 Albacora-branca.
Fonte: ICCAT (2012). Instituto Brasileiro
Segundo o ICCAT (2010), a albacora-branca é uma espécie meso- do Meio Ambiente e
pelágica com distribuição entre zero e 380 m de profundidade. Apresenta T. alalunga, como os demais atuns, não apresenta dimorfismo sexual dos Recursos
Naturais Renováveis
ampla distribuição em águas temperadas e tropicais de todos os oceanos, em relação à cor ou às características morfológicas externas. A desova é
192 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

múltipla, intermitente e em diferentes momentos; os ovócitos hidratados portantes são realizadas com espinhel e, em menor proporção, vara, linha,
são lançados diretamente na água onde ocorre a fecundação. Ocorre uma anzol e isca-viva, e cerco. No Brasil, as capturas historicamente mais repre-
estreita relação entre a desova e a temperatura da superfície do mar, pois sentativas são realizadas com espinhel, seguidas das com vara, linha, anzol e
temperaturas acima de 24 ºC e termoclina profunda parecem estimular a isca-viva.
atividade de maturação e reprodução. Aparentemente, a desova pode ser A produção total do Atlântico, em 2010, foi de 40.637 t, sendo que
sincronizada com altas temperaturas, a fim de aumentar o crescimento de 19.647 t foram capturadas no Norte; 18.866 t no Sul e 2.124 t no Mediterrâ-
ovos e de larvas. Desovas ocorrem nas áreas costeiras, onde normalmente neo.
vivem. Áreas de desova da albacora-branca no Atlântico são encontradas no
ocidente subtropical de ambos os hemisférios e ao redor do Mar Mediterrâ- O histórico da produção brasileira, no período de 1977 a 2010, está
neo. ilustrado na Figura 139, onde pode ser constatado que a produção nacional
tem ficado abaixo de mil toneladas por ano, ressalvando que de 1991 a
Faltam estudos abrangentes sobre a maturidade sexual da espécie 1994 atingiu 3.613 t (1993) e, de 1998 a 2003, ocorreu a maior produção,
no Atlântico. Alguns apontam, entretanto, que a primeira maturidade sexual é de 6.862 t (em 2001). Em 2010 a produção foi de apenas 271 t. Essas maio-
atingida com 75-85 cm de comprimento furcal (FL), enquanto outros assu- res produções também ocorreram em função de arrendamentos de barcos
mem que a maturidade sexual ocorre quando a albacora-branca chega a 85 estrangeiros por empresas brasileiras, para os quais valem as mesmas pon-
cm (cerca de 13 kg). Outros estudos afirmam que 50% dos exemplares da derações apresentadas anteriormente.
espécie no Atlântico Norte e Sul atingem a maturidade sexual com 90 cm
(CF), por volta dos 5 anos; na área do Mediterrâneo isso acontece com o peixe
medindo em torno de 62 cm (ICCAT, 2010).
A albacora-branca apresenta uma das mais longas migrações de pei-
xes do mundo. Embora não ocorra movimentação do Atlântico Norte para o
Atlântico Sul, alguns exemplares migraram do Atlântico Norte para o Mediter-
râneo e vice-versa, e as migrações transatlânticas também ocorrem. No en-
tanto, as rotas de migração permanecem incertas. No Atlântico Norte tanto
os jovens como os adultos passam o inverno, aparentemente, na área central.
Quando a água começa a aquecer, na primavera, juvenis iniciam uma migra-
ção trófica (alimentar) e seguem para águas altamente produtivas no nordeste
do Atlântico. A espécie é carnívora e caça suas presas de forma oportunista,
preferindo sardinhas, boqueirão, carapau e lulas, entre outros grupos (ICCAT,
op. cit.).
Figura 139 Produção anual (t) de albacora-branca no período de 1977 a 2010.
Segundo o ICCAT, existem três estoques de albacora-branca: um para o
Atlântico Norte (acima de 5° N), outro para o Sul (abaixo de 5° N) e um para o A Comissão considera que a situação de explotação do recurso seja a
Mediterrâneo. As últimas avaliações de estoques estimaram as seguintes seguinte (ICCAT, 2012):
CMSs: (i) Atlântico Norte: 29.000 t; (ii) Atlântico Sul: 27.964 t ; (iii) Mediterrâ- Atlântico Norte: o estoque passou a ser sobrepescado em meados de
Instituto Brasileiro neo: não estimado (ICCAT, 2012). 1980.
do Meio Ambiente e
dos Recursos A pesca da albacora-branca no Atlântico Norte é realizada com o uso Atlântico Sul: as últimas avaliações apontam que existia 54% de chan-
Naturais Renováveis
do corrico e vara, anzol e isca-viva. Já no Atlântico Sul as capturas mais im- ce de o estoque estar em sobrepesca; ou 10% de probabilidade de o estoque
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 193

ter superado o regime de pesca excessiva; ou 36% de chance de que a bio-


massa esteja acima dos objetivos de sustentabilidade (as incertezas são ele-
vadas).
Mediterrâneo: situação estável.
A medida de gestão em vigor para a espécie no Atlântico Sul (área de
interesse direto do Brasil) define uma cota global, por ano, de 24 mil toneladas
para 2012 e 2013, sendo que a do Brasil não poderá altrapassar produção
total, por ano, de 3.500 toneladas.
Albacora-laje T. albacares (Bonnaterre, 1788) Figura 140 Albacora-laje T. albacares (Bonnaterre, 1988).
Fonte: ICCAT (2012).
T. albacares apresenta ampla distribuição em águas tropicais e subtro-
picais do Atlântico, Índico e Pacífico, e não ocorre no Mar Mediterrâneo. Os A albacora-laje apresenta padrão de reprodução indefinido, envolvendo
limites geográficos de ocorrência estão entre 45°- 50°N e 45°- 50°S. Os juve- o desenvolvimento assincrônico dos ovócitos. Em indivíduos maduros não
nis da albacora-laje permanecem na região equatorial e nas zonas costeiras, apresenta clara diferenciação na distribuição de frequência dos estágios de
enquanto pré-adultos e adultos atingem latitudes mais altas e águas oceâni- maturação. O tamanho em que 50% dos indivíduos estão em reprodução é em
cas (ICCAT, 2010). É uma espécie mesopelágica que pode atingir até 350 m torno de 100 cm de comprimento furcal (CF).
de profundidade, entretanto, fica quase sempre na superfície, em profundida- No Atlântico Oriental, a zona equatorial, desde a costa do Gabão (Golfo
des de até 100 m. de Guiné) até 25°W, é a principal área de reprodução da espécie, durante os
meses de outubro a março. Na região norte equatorial (Senegal-Guiné) ocorre
O tamanho máximo registrado para a albacora-laje é de 239 centí- de abril a junho. Tem um período definido durante a estação quente nas ilhas
metros de comprimento furcal (CF), 200 kg e idade máxima de 8 anos. O de Cabo Verde, nos meses de junho-outubro, embora ocorram alguns anos
corpo é alongado, fusiforme, delgado, ligeiramente comprimido lateral- com variação. No Golfo do México e no Mar do Caribe dois grupos reproduto-
mente e coberto de pequenas escamas; a cabeça e os olhos são peque- res foram observados na área central do Atlântico Ocidental. Esses grupos
nos; apresenta pequenos dentes cônicos em série única; as duas nadadei- diferem pelo tamanho e pela época de desova de um grupo de tamanho me-
ras dorsais são separadas por pequeno espaço; os exemplares grandes nor que 150 cm se reproduzindo no Golfo do México, nos meses de maio a
(120 cm de CF) têm a segunda nadadeira dorsal e a anal muito longas; as agosto, e um segundo grupo, com tamanho variando de 150-170 cm, que se
barbatanas peitorais são moderadamente longas e geralmente atingem a reproduz no Mar do Caribe nos meses de julho a novembro (ICCAT, op. cit.).
borda da segunda nadadeira dorsal, mas não até o fim da base; o pedún- A albacora-laje, assim como os demais atuns, é uma predadora opor-
culo caudal é estreito, tendo em cada lado uma forte quilha lateral entre tunista, por isso sua dieta varia tanto no espaço como no tempo. Como preda-
duas quilhas menores. A coloração do dorso é preto-azulada metálica, dora eurifágica, não faz distinção quanto ao tipo ou tamanho da presa, embora
mudando do amarelo para o cinza-prateado na barriga, com os flancos o micronécton seja o maior componente na dieta alimentar oceânica. O amplo
dourados; em exemplares jovens, o ventre apresenta mais de 10 linhas espectro alimentar da espécie evidencia seu hábito alimentar generalista, es-
verticais contínuas e descontínuas, alternadamente, curvadas para trás pecialmente em ambiente pobre em concentração de alimentos. No sul do
em direção à parte ventral; em indivíduos adultos tendem a desaparecer; Brasil, existem variações na composição da dieta, de acordo com a época do Instituto Brasileiro
a região médio-ventral não apresenta padrão de pontos e linhas (ICCAT, ano, com peixes teleósteos e lulas, como o principal alimento durante o inver- do Meio Ambiente e
no, enquanto anfípodas são dominantes na primavera. dos Recursos
2010) (Figura 140). Naturais Renováveis
194 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

A espécie, entre os atuns tropicais, é a que realiza as maiores migra-


ções, com movimentos periódicos regulares de parte significativa da popula-
ção. Uma vez que os padrões migratórios, presumivelmente, variam com a
idade, as migrações desta espécie podem incluir, além dos espécimes abaixo
de 50 centímetros de CF, três categorias de tamanho: jovens (50-65 cm),
pré-adultos (65-110 cm) e adultos (110-170 cm). Para uma melhor compreen-
são da dinâmica migratória desta espécie no Oceano Atlântico, sugerimos
consultar o ICCAT (2010).
O ICCAT considera que existe apenas um estoque de albacora-laje em
todo o Atântico e a última avaliação de estoque, realizada em 2011, estimou
CMS em 144.600 t (variando entre 114.200-155.100 t), oportunidade em que
foi apontado elevado grau de incerteza com os resultados das avaliações dos
dois modelos utilizados.
Figura 141 Produção anual (t) de albacora-laje – 1977 a 2010.
A pesca da albacora-laje no Atlântico Tropical é realizada com artes de
A Comissão informa que T. albacares enfrentou sobrepesca em anos
superfície com cerco, vara, anzol e isca-viva, e espinhel. As áreas mais produti-
passados e que as estimativas atuais apontam que a biomassa mais provável
vas estão do lado da costa da África, onde dominam as capturas com cerco e
para a espécie esteja 15% abaixo da ideal para assegurar sustentabilidade na
anzol, vara e isca-viva. No Brasil, as maiores capturas são oriundas da pesca
pescaria. Reforçando, entretanto, as incertezas das avaliações, aponta que,
com espinhel horizontal (ICCAT, 2010).
enquanto os modelos baseados em estrutura de idade indicam que a taxa de
A produção total da espécie em todo o Atlântico, em 2010, foi de mortalidade por pesca aumentou, diminuindo os níveis de biomassa do esto-
107.678 toneladas. que nos últimos anos, os modelos de produção mostram tendências opostas
A albacora-laje é a que, historicamente, tem apresentado maior contri- (ICCAT, 2012).
buição, dentre as três albacoras. O comportamento da produção brasileira, no Existem as seguintes medidas de ordenamento aprovadas pelo ICCAT
período de 1977 a 2010, é apresentado na Figura 141, onde pode ser constatado para as pescarias da espécie:
que apresenta grandes flutuações da produção em decorrência de arrendamen-
• O esforço de pesca total não deve ultrapassar o nível do aplicado em
tos temporários, entretanto, é a espécie em que a tendência de crescimento de
produção é mais clara, partindo de produção anual, em torno de 1.000 t, e che- 1992 (Rec. 93-04).
gando a 3.617 t em 2010. As maiores produções ocorreram em 1993 (5.131 t), • Área e período proibidos para a pesca de cerco associada a objetos
2001 (6.239 t) e 2005 (7.223 t – recorde). flutuantes (atratores artificiais).

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 195

• Limite específico para o número de barcos espinheleiros ou cerquei- Segundo o ICCAT (op. cit.), a espécie possui dimorfismo sexual no
ros, por país, e para os com 20 m ou mais de comprimento total; crescimento, com os machos apresentando crescimento mais lento que as
cota total de 110.000 t, a partir de 2012 (Rec. 11-01). fêmeas; estas alcançam comprimento assintótico maior que os machos. A
maturidade sexual no Atlântico Sul é alcançada a partir de 156 cm de compri-
Não existe uma cota específica para o limite de captura do Brasil.
mento, medida tomada da mandíbula inferior até a forquilha da cauda (LJ-FL).
Espadarte Xiphias gladius Linnaeus, 1758 A desova é condicionada por fatores ambientais, principalmente a temperatu-
ra de superfície. No Atlântico, a desova ocorre geralmente em temperaturas
O espadarte é uma espécie cosmopolita encontrada em águas tropi-
entre 23° e 26 °C; ocorre durante todo o ano, com o máximo de atividade
cais e temperadas de todos os oceanos, entre 45ºN e 45ºS, inclusive no Mar
entre dezembro e junho. No Atlântico Sul, a área de desova é em frente a
Mediterrâneo e no Mar Negro, entre outros. É observada variação na distribui-
costa sul do Brasil, ente as latitudes de 20°S e 30°S, entre novembro e março.
ção vertical, segundo o tamanho e o sexo. Os indivíduos grandes são encon-
trados em águas frias e os menores que 90 kg frequentam, raras vezes, águas
de temperatura inferior a 18 °C. Em águas quentes, os machos são mais abun-
dantes que as fêmeas. No Oceano Atlântico, as pescarias ocorrem desde lati-
tudes na altura do Canadá até a Argentina, assim como desde o este da No-
ruega até a África do Sul. É uma espécie oceânica, mas que pode ser
encontrada em águas costeiras, geralmente acima da termoclina. A espécie
pode alcançar até 455 cm de comprimento, 537 kg de peso e idade máxima
estimada em 15 anos (ICCAT, 2010).
Figura 142 Espadarte Xiphios gladius Linnaeus 1958.
O corpo de Xiphias gladius é alongado e cilíndrico; nos adultos, a man- Fonte: ICCAT (2012).
díbula superior prolonga-se em uma espada ou bico muito longo e plano; os
O espadarte efetua dispersão significativa nas águas subtropicais
olhos são grandes; os jovens de até 1 metro de comprimento possuem peque-
quentes e temperadas do Atlântico Norte e Sul, no entanto, não realiza movi-
nos dentes, dos quais só restam vestígios quando alcançam a idade adulta; as mentos transequatoriais. A dieta alimentar muda da fase jovem (cefalópodes)
nadadeiras dorsais e anais se compõem de duas partes separadas amplamen- para a adulta (sobretudo peixes, mesmo variando consideravelmente, de
te, nos adultos, entretanto, contínuas nos juvenis e nos jovens; a primeira acordo com o ambiente). Os adultos alimentam-se na camada mista, perto da
nadadeira dorsal é bem maior que a segunda; assim como a primeira anal em superfície, no período da noite, e descem para águas mais profundas durante
relação à segunda; a posição da segunda nadadeira anal encontra-se ligeira- o dia (ICCAT, 2012).
mente adiante da segunda dorsal; já as nadadeiras peitorais são um tanto rí-
gidas e cada uma está situada na parte inferior dos dois lados; não tem nada- O ICCAT (2012) informa, ainda, que para fins de avaliação e ordena-
deiras pélvicas; a nadadeira caudal tem a forma de meia-lua nos adultos e é mento dos estoques, a Comissão considera a existência de três unidades di-
recortada na forquilha nos jovens; presença de uma só quilha pronunciada em ferenciadas: uma no Atlântico Norte, outra no Atlântico Sul e uma no Mediter-
cada lado do pedúnculo caudal; o ânus está situado perto da origem da primei- râneo. As últimas avaliações apontaram os seguintes resultados de CMS para
ra nadadeira anal; os jovens de até 1 metro apresentam linha lateral que de- as duas unidades de estoques do Atlântico: 13.730 t (13.020-14.183 t) para o
saparece com o crescimento (nos adultos); o mesmo ocorre com estruturas Norte; aproximadamente 15.000 t para o Sul.
semelhantes a escamas, ausentes nos adultos; o dorso e as laterais superio- O espadarte é capturado tanto no Atlântico Norte como no Sul, princi-
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res têm cor marrom-escuro, que tende ao marrom no ventre (Figura 142). palmente, com o uso do espinhel horizontal pelágico (tipo americana), e as do Meio Ambiente e
Com o crescimento, os espadartes sofrem mudanças morfológicas drásticas, capturas de 2010 foram, respectivamente, 11.553 t e 12.655 t, totalizando dos Recursos
Naturais Renováveis
que afetam a forma do corpo e do bico (ICCAT, op. cit.). produção de 24.208 t naquele ano (ICCAT, 2012).
196 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

A evolução da produção anual do Brasil, no período de 1977 a 2010, é Outras espécies


apresentada na Figura 143, onde pode ser observada tendência de crescimen- Além das espécies de atuns e afins, e da serra S. brasiliensis, aborda-
to, com algumas flutuações até 1999, quando a produção foi a maior: 4.721 t; das, são importantes para as pescarias comerciais brasileiras as seguintes
decresceu nos anos seguintes e retornou a 2.910 em 2002; ocorreu nova re- espécies: dourado Coryphaena hippurus, Linnaeus, 1758 (Figura 144); cavala
cuperação e, em seguida, declínio, ficando a produção de 2010 em 2.926 t. Scomberomorus cavalla (Cuvier, 1829); albacorinha T. atlanticus, bonito-ca-
Assim, pode-se inferir que a produção brasileira pode se estabilizar em pata- chorro Auxis thazard, cavala-empinge Acanthocybium solandri e o peixe-papa-
mares de 3.000 t, já que existe o embrião de uma frota nacional que tende a gaio ou peixe-lua Lampris guttatus. O agulhão-branco Tetrapterus albidus, agu-
se consolidar para a captura da espécie, tornando o País menos dependente lhão-vela Istiophorus albicans e o agulhão-negro Makaira nigricans têm
de arrendamentos. importância, especialmente, para a pesca esportiva, já que enfrentam sérias
restrições à pesca comercial, em decorrência da crítica situação dos esto-
ques, conforme avaliações e recomendações do ICCAT.

Figura 143 Produção anual (t) do espadarte no período de 1977 a 2010.


O estoque da espécie no Atlântico Sul passou a ser sobrepescado em
meados dos anos 1990 e as medidas de gestão adotadas nos anos 2000 le-
varam à redução do esforço de pesca e das capturas, fazendo com que as
últimas avaliações realizadas na Comissão apontassem para uma recuperação
da biomassa. Afirma também que o estoque não mais se encontra em sobre- Figura 144 Dourado Coryphaena hippurus.
Foto: Banco de imagens do Tamar.
pesca, entretanto alerta para o elevado nível de incertezas quanto à situação
atual (ICCAT, 2012). A contribuição desse conjunto de espécies para a produção de atuns e
As medidas de ordenamento em implementação para as pescarias do afins, no período de 1977 a 2010, é apresentada na Figura 145, onde, após
espadarte são as seguintes: crescimento acentuado de 1977 a 1984 (13.876 t), apresentou decréscimo e
recuperação até 1999 (5.723 t); a produção foi máxima em 2001 (16.654 t),
Instituto Brasileiro Atlântico Norte: cota total de 13.700 t/ano (Rec. 11-02).
do Meio Ambiente e apresentando a menor produção do período analisado em 2002 (1.684 t); re-
dos Recursos Atlântico Sul: cota total de 15.000 t, com cota individual para o Brasil, cuperou e flutuou nos anos seguintes e a produção de 2010 foi de 4.815 tone-
Naturais Renováveis
em 2013, de 3.940 t (Rec. 12-01). ladas.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 197

Já F. paulensis apresenta distribuição desde o sul da Bahia (Brasil) até


o litoral norte da Argentina (Mar del Plata).
Quanto ao habitat, segundo abordado por Dias-Neto (2011), F. bra-
siliensis e F. paulensis ocorrem na macrofauna bentônica associada aos
bancos da vieira Euvola ziczac, no litoral sul do Brasil, destacando a pro-
fundidade como fator estruturador das comunidades bênticas em seu ter-
ritório. No Sudeste e no Sul do Brasil as espécies apresentam estratifica-
ção em relação ao tipo de fundo, onde os camarões menores foram
encontrados em fundos arenosos e, à medida que o tamanho aumenta, os
adultos, em sua maioria, são capturados em fundos de lama ou de lama e
areia.

Figura 145 Produção anual (t) de outros tunídeos – 1977 a 2010.

Camarão-rosa do Sudeste e Sul, Farfantepenaeus brasiliensis (Latreille,


1817) e F. paulensis Pérez-Farfante, 1967
O camarão-rosa do Sudeste e Sul do Brasil envolve duas espécies per-
tencentes ao gênero Farfantepenaeus, denominadas Farfantepenaeus brasi-
liensis (Latreille, 1817) (Figura 146) e Farfantepenaeus paulensis Pérez-Farfan-
te, 1967 (Figura 147).
Figura 147 Camarão-rosa Farfantepenaeus paulensis.
O camarão-rosa F. brasiliensis tem ampla distribuição, ocorrendo desde
Fonte: Dias-Neto (2011).
a costa leste dos Estados Unidos (Virgínia) até o sul do Brasil (Rio Grande do
Sul). No Brasil, a espécie está registrada para todos os estados costeiros, do Segundo D`Incao (1991), a relação entre o estoque de juvenis de F.
Amapá ao Rio Grande do Sul. paulensis da Lagoa dos Patos e o estoque adulto oceânico não é clara como
em outras regiões. Não são conhecidas áreas de concentração de adultos no
litoral do Rio Grande do Sul, sendo que as mais próximas localizam-se no lito-
ral de Santa Catarina, o que significa que as pós-larvas, que anualmente po-
dem ser recrutadas nesse estuário, sejam resultantes de reprodução no litoral
catarinense. A pouca abundância de adultos na plataforma continental do Rio
Grande do Sul pode ser explicada por uma migração dos camarões para o
norte ou pelo fato de a pesca artesanal ser de tal intensidade, no interior da
lagoa, que impediria a migração estuário-oceano, podendo, ainda, ser o con-
junto das duas causas.
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As duas espécies de camarões se reproduzem o ano inteiro, com dois do Meio Ambiente e
Figura 146 Camarão-rosa Farfantepenaeus brasiliensis. picos de maior intensidade: um de abril a junho e o outro de setembro a no- dos Recursos
Naturais Renováveis
Fonte: Dias-Neto (2011). vembro. Já os dois picos de maior intensidade de recrutamento ocorrem nos
198 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

meses de fevereiro a abril, e de outubro a dezembro de cada ano (DIAS-NETO, As outras principais áreas estuarinas e lagunares das regiões Sudeste
2011). e Sul do Brasil são a Lagoa de Santo Antônio, Lagoa de Imaruí, Lagoa Mirim,
Segundo esse autor, os comprimentos da carapaça relativos à primeira Lagoa da Conceição, as baías norte e sul da Ilha de Santa Catarina, e a Baía da
maturação sexual podem ser distintos entre diferentes áreas, mesmo assim, Babitonga (SC), Paranaguá-Cananeia (SP/PR), as lagoas de Saquarema, Mari-
apresentam os seguintes valores para as duas espécies no Sudeste e no Sul: cá e Araruama, as baías de Ilha Grande, Sepetiba e Guanabara (RJ), que apre-
sentam, dominantemente, maior interação com as marés.
F. brasiliensis: 16,5 mm;
As pescarias artesanais ou de pequena escala do camarão-rosa no
F. paulensis: 20,4 mm. Sudeste e Sul são realizadas com as seguintes artes de pesca: aviãozinho,
Evidencia, ainda, que a taxa de crescimento das duas espécies é ele- saco e coca – semelhante ao puçá de arrasto (RS), tarrafas (SC, PR, SP e RJ),
vada e acelerada, assim como a taxa de renovação das coortes, uma vez que gerival (SC, PR e SP), arrasto de portas (SC, SP, RJ). A pesca industrial de
a expectativa de vida raramente ultrapassa 2 anos. Os parâmetros de cresci- camarões é realizada empregando apenas o arrasto de fundo.
mento para cada espécie (ambos os sexos) são os seguintes: A pescaria industrial incide sobre ambas as espécies. As áreas de pes-
F. brasiliensis: L∞ (comprimento máximo teórico): 290 mm; K (coefi- ca em mar aberto encontram-se na plataforma continental interna e externa,
ciente de crescimento): 1,24 ano; tmax (expectativa de vida): 2,4 anos. dependendo da abundância e do tamanho dos indivíduos, de modo que os
maiores indivíduos são capturados em zonas mais afastadas e profundas,
F. paulensis: L∞ (comprimento máximo teórico): 275 mm; K (coefi-
onde as operações de pesca são mais complicadas e exigem maior nível tec-
ciente de crescimento): 1,34 ano; tmax (expectativa de vida): 2,2 anos.
nológico das embarcações e da tripulação. As principais áreas de operação
A pesca de camarão-rosa no Sudeste e no Sul é realizada sobre dois concentram-se entre as isóbatas de 40 e 80 metros, entre os estados do Rio
extratos populacionais, bem como a captura de juvenis e pré-adultos ocorre de Janeiro e Santa Catarina. No Rio Grande do Sul, onde a abundância é me-
em áreas estuarinas e lagunares (criadouros), onde ocorre a pesca artesanal nor, a pesca ocorre no litoral norte, entre Torres e Tramandaí, com produção
ou de pequena escala, e a pesca do estoque adulto em águas oceânicas rea- pouco relevante.
lizada pela pesca industrial.
Os camarões capturados pelas pescarias de pequena escala ou artesa-
A principal área de pesca artesanal ou de pequena escala é a Lagoa nais, dentro dos estuários e áreas lagunares, em geral são comercializados na
dos Patos, onde domina nas capturas a espécie F. paulensis. Essa lagoa é um forma de produto fresco, conservado em gelo ou congelado, quando, em al-
ambiente considerado do tipo irregularmente inundado, onde as marés não guns casos, passam por algum beneficiamento, em geral em base familiar. A
têm a importância que apresentam em outros estuários. O sucesso da entrada maior parte dessa produção, especialmente a oriunda da Lagoa dos Patos,
de água marinha depende de fatores ambientais, principalmente da pluviosi- onde ocorrem mais capturas, são vendidas a intermediários/atravessadores
dade na bacia de drenagem do sistema, composto pela Lagoa dos Patos e a que distribuem essa produção a diversos mercados do Sudeste e Sul do Bra-
Lagoa Mirim, e da incidência de ventos do quadrante sul. Em anos de grande sil, em geral, via terrestre, por caminhões frigoríficos. A figura do atravessador
pluviosidade, nos meses de inverno e primavera, observa-se que a forte vazão pode ser vista com certa restrição por ser considerado, muitas vezes, um ex-
de água doce impede ou limita a penetração da água marinha, resultando plorador dos pescadores, entretanto, agem como financiadores dos insumos
em safras pequenas ou inexistentes. Os ventos do quadrante sul represam
para as pescarias, até mesmo apoiando economicamente as famílias dos pes-
as águas da lagoa, facilitando a penetração de águas marinhas, enquanto os
cadores.
ventos de nordeste facilitam sua vazão. Além disso, deve-se considerar a
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do Meio Ambiente e frequência dos fenômenos meteorológicos conhecidos como El Niño e La Segundo Dias-Neto (2011), a pesca do camarão-rosa alcança elevado
dos Recursos Niña, importantes na região por representarem a ocorrência, respectivamen- valor comercial, chegando a representar cerca de 70% do rendimento anual
Naturais Renováveis
te, de períodos mais chuvosos ou mais secos (D’INCAO, 1991). dos pescadores artesanais do estuário da Lagoa dos Patos. A frota está repre-
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 199

sentada por grande número de pequenas embarcações do tipo canoas e Segundo informações mais recentes, a frota permissionada pelo MPA
botes (não encontramos uma estimativa do total de barcos utilizados na para a pesca de camarão-rosa no Sudeste e Sul está composta por 273 em-
pesca do camarão-rosa nas duas regiões), sendo a maioria com propulsão a barcações (Tabela 2), mas avaliações realizadas em reuniões com especialis-
motor e parte a remo e/ou vela. As embarcações possuem casco de madei- tas afirmam que a quantidade em efetiva operação e tendo o camarão-rosa
ra com comprimento total variando entre 4 e 10 m. Estas servem principal- como espécie-alvo é inferior (cerca de 150). Cabe acrescentar que essa frota
mente para dar apoio às pescarias realizadas por esforço pessoal de coleta não deveria ter aumentado desde meados dos anos de 1980 (quando o esfor-
da captura pelas redes de aviãozinho, saco, coca e tarrafa. Embora proibidas ço de pesca começou a ser limitado). Mesmo assim, o quantitativo atualmen-
pela legislação, também são usadas artes dinâmicas de arrasto como a coca te permissionado oficialmente para essa pescaria tem sido considerado como
e a prancha. sobredimensionado, sendo, inclusive, apontado como uma das razões para
A pesca industrial do camarão-rosa no Sudeste e no Sul é realizada por não se ter revertido, até hoje, a crítica situação de sobrepesca do recurso.
uma frota de arrasto de fundo cuja mecanização começou na metade da dé- O processamento e a comercialização do camarão-rosa podem ocorrer
cada de 1950 nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo (VALENTINI et al., de diferentes formas, dependendo do sistema de pescarias – barcos com fri-
1991). A frota industrial pode ser classificada em dois tipos: a) média escala gorífico ou com conservação no gelo. No primeiro caso, o tempo de dias no
(semi-industrial) – embarcações com comprimento de 10-15 metros, operan- mar geralmente é maior e a qualidade do produto bastante alta, com menor
do com arrasto duplo (duas redes) com guincho e tangones no convés, e via- desperdício na produção e maior agregação de valor ao produto final. A bordo,
gens semanais; b) grande escala (industrial) – embarcações com comprimen-
o camarão passa por uma classificação de tamanho e é embalado separada-
to maior que 15 metros, com uso de guincho e tangones, e pescarias com
mente, de acordo com a classificação. Também é separada parte da captura
duração de várias semanas, incluindo barcos frigoríficos. A Figura 148 apre-
em camarões inteiros ou só a cauda, sendo esta a menor parte. Toda a captu-
senta a ilustração de um barco típico da pesca de camarão-rosa.
ra é congelada a bordo, em câmaras frigoríficas. Em geral, nas indústrias de
pescado, onde ocorrem os desembarques, parte dessa produção sofre nova
classificação e o produto é embalado e comercializado, especialmente, para o
mercado interno das regiões Sudeste e Sul.
No segundo caso, com conservação no gelo, os barcos de pesca sepa-
ram a captura de camarão, do restante das espécies, em urnas com camadas
de gelo entre o pescado, já tendo sido feita uma seleção prévia do tamanho
dos camarões (que também são separados por espécie). O tempo de perma-
nência no mar é menor que o anterior, por causa do sistema de conservação.
Parte da produção é distribuída como camarão fresco, destinada ao mercado
interno regional, e parte vai para o processamento, que pode ser na forma de
caudas, inteiro, descascado ou para a elaboração de produtos industrializa-
dos, à base de camarão, que são posteriormente congelados e comercializa-
dos em outras regiões.
O comportamento da produção total (artesanal e industrial) do cama-
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rão-rosa do Sudeste e Sul, no período de 1965 a 2010, é apresentado na Figu- do Meio Ambiente e
ra 149, onde pode ser observado que um primeiro aspecto a ser evidenciado dos Recursos
Naturais Renováveis
Figura 148 Barco de pesca industrial de arrasto-duplo (tangoneiro), da pesca de camarão-rosa. refere-se às grandes flutuações nas produções totais interanuais. Nas produ-
200 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

ções totais no período considerado, constata-se que o recorde de produção regime de sobrepesca que o recurso passou a sofrer a partir da década de
ocorreu em 1972 (16.623 t); a partir de então, continuou a ocorrer grandes 1970 e que não foram revertidas pelas medidas de gestão adotadas pelo Es-
flutuações nas produções anuais, entretanto, com picos decrescentes até tado brasileiro. Por sua vez, as melhores produções observadas nos últimos
2003, quando a produção foi de apenas 1.174 t (a menor do período); nos úl- anos, apesar de importantes, podem não representar recuperação consolida-
timos anos da série constata-se recuperação na produção, chegando a 6.000 da dos estoques em decorrência dos ciclos de flotações (declínios e recupe-
t em 2008; ficou ao redor de 4.000 t nos dois últimos anos (2009 e 2010). As rações) constatadas em períodos anteriores (de 1974 a 1980 e de 1988 a
produções dos anos de 2008 a 2010 foram estimadas a partir de estatísticas 1992) ou pela não redução dos níveis atuais de esforço de pesca autorizados
geradas pelo Ceperg-Ibama (RS), IP/SP (SP) e Univali (pesca industrial de SC). tanto para as áreas estuarino-lagunares como as de mar aberto, que podem
comprometer ou anular essa eventual recuperação.
Importa ponderar que a produção média de camarão-rosa da pesca
artesanal ou de pequena escala, segundo informa Dias-Neto (op. cit.), anali- É importante acrescentar que o controle da produção do camarão-rosa
sando o período de 1965 a 2007, representou cerca de 60% da produção total, do Sudeste e Sul não tem sido, historicamente, separado por espécie resul-
enquanto os outros 40% seriam gerados pela pesca industrial, em mar aberto. tante da pesca artesanal ou de pequena escala ou da industrial.

Quanto às grandes flutuações na produção total de ano para ano, de- Quanto à variabilidade genética do camarão-rosa, estudos não identifi-
mostrada na Figura 149, a principal razão está associada ao resultado das caram heterogeneidade populacional para F. brasiliensis ao longo da costa do
Sudeste e Sul. Entretanto, foram encontradas diferenças entre as populações
produções obtidas na Lagoa dos Patos, que, conforme abordado, estão rela-
de F. paulensis da Lagoa dos Patos e outras do Sudeste do Brasil, indicando
cionadas com as condições ambientais que ditam a entrada ou não de cama-
que representam diferentes estoques pesqueiros geneticamente estruturados
rão no ambiente e, em decorrência, alta ou baixa produção de camarão-rosa
(GUSMÃO et al., 2005).
na lagoa, em cada ano.
Das várias avaliações de estoque para o camarão-rosa (as duas espé-
cie em conjunto) utilizando os modelos de produção, apresentamos a seguir
um resumo das realizadas por D’Incao (2002):

1965-1972 1973-1986 1987-1995


CMS 7.165 t 3.049 t 1.963 t
Fmax 577.035 h 731.964 h 623.522 h
CPUEótima 2,42 kg/h 4,16 kg/h 3,15 kg/h

Como pode ser observado, o resultado obtido com o uso da última


série de dados aponta CMS para a pesca de mar aberto (pesca industrial) de
1.963 t/ano, esforço máximo de 623.522 h e CPUE ótima de 3,15 kg/h de ar-
rasto.
Valentini e Pezzuto (2006), ao comentarem o decréscimo considerável
Figura 149 Produção (t) total anual de camarão-rosa F. brasiliensis e F. paulensis no Sudeste/Sul do Brasil, no período de 1965 no tamanho médio do estoque do camarão-rosa, que atingiu 72,6% no período
a 2010 (as produções de 2008 a 2010 foram estimadas pelos autores, considerando as estatísticas geradas pelo Ceperg-Ibama, de 1987-1995 (1.963 t/ano), em comparação ao estimado para 1965-1972
Instituto Brasileiro IP/SP e Univali).
do Meio Ambiente e (7.165 t/ano), ponderam que esse quadro pode refletir modificações no equi-
dos Recursos Já a continuada tendência de declínio na produção, registrada a partir líbrio populacional, originadas: a) dos incrementos na atividade pesqueira em
Naturais Renováveis
de 1972 e até 2003, a literatura especializada aponta que foi decorrente do mar aberto (com substanciais crescimentos da frota regional, no início dos
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 201

anos de 1970 e meados da década de 1980) e na artesanal nos criadouros; b) É importante considerar, ainda, que é elevada a quantidade de fauna
da degradação ambiental nesses últimos, via desmatamentos, dragagem, as- acompanhante capturada nas pescarias artesanais ou de pequena escala,
soreamento, aterros e aporte de poluentes. Tal situação, há tempos, vem sen- realizadas nas áreas estuarinas e lagunares, ou nas industriais efetuadas em
do denunciada e os autores ressaltam a necessidade de controle sobre a ati- mar aberto.
vidade pesqueira nas lagoas e estuários, falha que persiste como um dos Pesca artesanal ou de pequena escala (áreas estuarinas-lagunares)
principais problemas de gerenciamento da pesca de camarão-rosa no Sudes-
te-Sul. Na pesca na Lagoa dos Patos, as pesquisas evidenciaram que a rede
aviãozinho apresenta elevada seletividade para a captura da espécie-alvo (acima
Por sua vez, D’Incao et al. (op. cit.) apontam que as condições críticas de 50% do peso é camarão-rosa), mas pouco mais de 40% do peso ainda é de
do estoque provocaram crise na pesca industrial, que teve sua sustentabilida- fauna acompanhante descartada. Desta, mais de 80% é do siri-azul Callinectes
de econômica mantida pela modificação do objeto da pesca, que passou de sapidus e de peixes, destacando as famílias Ariidae, Sciaenidae, Carangidae,
um sistema mono (camarão-rosa) para multiespecífico (camarão-rosa, outros Stromateidae e Clupeidae, sendo mais abundante, entretanto, a corvina.
camarões – santana, barba-ruça e pitu – e várias espécies de peixes).
Nas pescarias na Lagoa do Peixe (RS) foram identificadas 44 espécies de
Cabe, ainda, aludir que as duas espécies de camarão-rosa do Sudeste peixes, das quais se destacaram como as mais abundantes, em termos de nú-
e Sul estão incluídas na IN MMA n° 05/2004 como espécies sobrepescadas mero (90,4%) e peso (91,5%): Brevoortia pectinata, Micropogonias furnieri,
ou ameaçadas de sobre-explotação. Jenynsis multidentata, Geophagus brasiliensis, Odontesthes argentinensis, Euci-
Quanto às avaliações de estoques realizadas utilizando os modelos de nostomus argenteus e Hoplias malabaricus. A contribuição da espécie-alvo F.
produção, conforme abordado, certamente devem ser vistas como indicador paulensis capturada com a pesca aviãozinho foi semelhante à da Lagoa dos Pa-
importante, mas que carrega elevado grau de incertezas inerentes ao modelo, tos e de Tramandaí, onde o camarão-rosa atinge proporções superiores a 50%.
diante das características do camarão. Entre eles citamos os modelos que Merece evidenciar, por oportuno, o fato de que os descartes das cap-
foram desenvolvidos para avaliação de recursos com ciclo de vida longo; con- turas nessas áreas são constituídos em sua maior parte de indivíduos jovens,
sideram que o estoque encontra-se em condições de equilíbrio; que o esforço comum em outras regiões e alvo de pescarias específicas, demandando, por-
de pesca é padrão e se distribui igualmente sobre o recurso; que as capturas tanto, atenção dos órgãos de gestão no sentido de prevenir tais impactos e/
se distribuem de forma homogênea ao longo do ano; que a média anual da ou na impossibilidade de promover o aproveitamento comercial dessa fauna
CPUE é um índice diretamente proporcional à biomassa do estoque, ao longo acompanhante.
do ano; entre outros aspectos. Esse caso ilustra o fato de se estar pescando
duas espécies diferentes, uma com estoques distintos, mas, mesmo assim, Pesca industrial (áreas de mar aberto)
as avaliações consideraram como se fosse somente uma e de um único esto- A baixa seletividade da rede de arrasto de fundo, utilizada na pesca
que. industrial de camarões, proporciona uma captura extremamente heterogênea
A ponderação anterior tem, portanto, a intenção de mostrar que ape- e em razão disso, a fauna acompanhante comercialmente desembarcada ou
sar de ser a melhor informação disponível, deve ser levado na devida conta rejeitada é composta por grande diversidade de espécies entre cnidários,
que se está trabalhando com espécies que têm ciclo de vida muito curto; que equinodermas, crustáceos, peixes e moluscos distribuídos em várias classes
o esforço de pesca não se distribui homogeneamente durante os anos (tem, de tamanho e idade, em geral com o predomínio de indivíduos juvenis.
inclusive, um período de paralização da pesca por três meses), que o estoque Na pescaria realizada entre os estados do Rio de Janeiro e Santa Cata-
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não se encontra em equilíbrio há várias décadas etc. O que nos leva a sugerir rina, segundo resultados de pesquisas (KOTAS, 1998; VIANNA; ALMEIDA, do Meio Ambiente e
que outros métodos sejam também aplicados para avaliar o status dos esto- 2005), mais de 100 espécies de peixes são registradas como fauna acompa- dos Recursos
Naturais Renováveis
ques de camarão-rosa do Sudeste e Sul, no futuro. nhante, sendo os descartes, por não possuir valor comercial, por volta de 50%.
202 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Nessa área, a relação entre a captura de camarão-rosa e de fauna acompa- Quanto às medidas necessárias para o aperfeiçoamento da gestão
nhante, por hora de arrasto, foi de 10,5 kg de peixes por quilo de camarão. das pescarias do camarão-rosa do Sudeste e Sul, a proposta de Plano de
Já na pesca industrial de São Paulo, foram encontrados 191 táxons, sen- Gestão para o Uso Sustentável dos Camarões Marinhos no Brasil, preparada
do 160 de peixes, 19 de crustáceos e 12 de moluscos. De forma geral, na fauna pelo Ibama e que contou com a contribuição de vários especialistas de todo o
acompanhante, mais de 30% apareceram na categoria “rejeitada”, enquanto Brasil (DIAS-NETO, 2011), apresenta um conjunto de recomendações, entre
25% ocorreram nos desembarques comerciais e 40% são espécies de interesse elas destacamos:
comercial, mas abaixo do tamanho desejado (GRAÇA-LOPES et al., 2002a). Para as áreas estuarinas e lagunares:
• Deve ser considerado, ainda, que, atualmente, em razão da sobrepes- Promover a revisão de todo o arcabouço legal.
ca, com a diminuição drástica dos estoques, as pescarias da frota per-
Promover o efetivo cumprimento das seguintes regras: tamanho míni-
missionada do camarão-rosa são multiespecíficas (VALENTINI; PEZZU-
mo de captura (90 mm de comprimento total); período de safra; proibição da
TO, 2006), portanto, parte dos lances de pesca de uma mesma viagem
pesca em áreas específicas; proibição da pesca de arrasto motorizado; respei-
pode ser especificamente direcionada ao camarão e parte a outros
alvos, muitos deles sazonais, como o caso de linguados, cienídeos e to às características definidas para a rede tipo aviãozinho.
lulas, não caracterizando, propriamente, como fauna acompanhante, Limitar o esforço de pesca em 80% dos níveis praticados em 2007 e
embora apareçam em conjunto nos desembarques. 2008, e redefinir, após avaliação, se necessário.
As pescarias de camarão-rosa do Sudeste e Sul estão regulamentadas Fechamento de 20% das áreas de pesca consideradas estratégicas
por um conjunto de regras, conforme resumo apresentado a seguir: para o recrutamento do camarão para o mar aberto.
• Defeso anual no período de 1º de março a 31 de maio, entre a divisa Recuperar as áreas degradadas.
dos estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro à foz do Arroio Chuí-RS;
Reduzir a ocupação de APP no entorno das lagoas.
e de 15 de novembro a 15 de janeiro e de 1° de abril a 31 de maio no
litoral do Espírito Santo (IN Ibama n° 189/2008). Criar Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie)
• Esforço de pesca limitado, nas pescarias de mar aberto, desde a Reduzir o nível de poluição e degradação dos ecossistemas lagunares.
década de 1970, ao número de barcos então permissionados (regra Fortalecer o exercício da gestão compartilhada.
mantida pela Portaria Ibama n° 97/1997).
Pesquisa: manter permanente programa de pesquisa e monitoramento
• Limite de esforço de pesca para o complexo da Lagoa dos Patos: 800 da pesca de camarão-rosa nas lagoas e estuários.
aviãozinhos – 10 por pescador (IN MMA/Seap-PR N° 03/2004).
Para as áreas de mar aberto:
• Proibido o arrasto em áreas estuarinas.
Limitação do esforço de pesca a 100-150 barcos (com as característi-
• Tamanho mínimo de captura: 9 cm (Portaria Sudepe n° 55/1984).
cas equivalentes às atuais), em atuação a cada ano e, após um período de
• Uso obrigatório do Dispositivo de Escape de Tartarugas (TED). implementação, avaliar e, se necessário, redefinir (reduzir).
• Definição dos tamanhos mínimos de malha para os diferentes apare- Defeso: 90 dias, entre fevereiro e abril, e em conjunto com o da pesca
lhos de pesca empregados na pesca estuarino-lagunar (DIAS-NETO, de camarão-sete-barbas.
Instituto Brasileiro 2011).
do Meio Ambiente e Fauna acompanhante: testar e definir (regulamentar) modelo de válvula
dos Recursos • Proibição de arrasto mecanizado, variando a distância da costa, por de escape para minimizar a captura de fauna acompanhante e eliminar as
Naturais Renováveis
estado/área (DIAS-NETO, 2011). capturas incidentais.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 203

Áreas de exclusão: restringir a pesca de arrasto em 50% das áreas Apesar de habitar as mesmas províncias do domínio bentônico (lito-
de agregação reprodutiva. ral – zona de marés; sublitoral – plataforma continental) das populações das
Pesquisa: manter um permanente programa de pesquisa e mo- espécies Farfantepenaeus e Litopenaeus, X. kroyeri evita a competição dire-
nitoramento da pesca de camarões-rosa em mar aberto do Sudeste e ta por alimento e abrigo com aquelas, ocupando zonas batimétricas diversas
Sul. e realizando as funções principais do ciclo biológico, em épocas diferentes.

Camarão-sete-barbas Xiphopenaeus kroyeri (Heller, 1862) do Sudeste/Sul D’Incao (1995) evidencia que apesar de a espécie ocorrer até a pro-
fundidade máxima um pouco superior a 100 metros, é mais abundante na
Conforme evidenciado em Dias-Neto (2011), o camarão-sete-barbas faixa que vai até 30 metros. Tem, ainda, ciclo de vida curto (em torno de 24
X. kroyeri é considerado de pequeno porte, com o 4º e o 5º pereiópodos alon-
meses), o que aponta para um crescimento rápido e mortalidade natural
gados, o rostro longo, fino e encurvado para cima (Figura 150). A espécie
elevada.
apresenta télico fechado.
A abundância da espécie está indiretamente relacionada com as os-
A espécie ocorre na costa americana do Pacífico (México ao Peru) e
cilações da temperatura e da salinidade, e a literatura informa haver contro-
tem ampla distribuição no Atlântico Ocidental (da Carolina do Norte, Estados
Unidos, ao Rio Grande do Sul, incluindo o Caribe e a América Central). No vérsia quanto ao ciclo migratório do camarão-sete-barbas, com três possi-
Brasil, tem ocorrência registrada em todos os estados, desde o Amapá até o bilidades: a) ciclo completo realizado no interior de baías como a de
Rio Grande do Sul, sendo que neste último apenas com frequência ocasional Todos-os-Santos; b) ciclo realizado em parte no estuário e em parte na pla-
(DIAS-NETO, op. cit.). taforma continental; c) ciclo realizado totalmente na plataforma continental.
Entretanto, parece definitivo que essa espécie não realiza migrações de re-
Os dados populacionais disponíveis sobre X. kroyeri referem-se à espé- crutamento, diferentemente do camarão-rosa, de modo que a área de cres-
cie como sendo a única no Brasil, embora existam evidências de que se trata cimento coincide com a de ocorrência do estoque adulto (DIAS-NETO,
de duas espécies crípticas, com alta similaridade morfológica, possuindo, ain-
2009).
da, subpopulações distintas ao longo da costa brasileira (GUSMÃO et al.,
2006). Como evidenciado, a taxa de crescimento da espécie é acelerada e o
comprimento máximo teórico pode variar com a região, existindo informações
que apontam comprimento total variando entre 121 mm e 144 mm para ma-
chos; e de 149 mm a 162 mm para fêmeas.
A estrutura reprodutiva do camarão-sete-barbas é similar à das outras
espécies de camarões, anteriormente descritas, e o pico de maior intensidade
reprodutiva varia com a região, sendo que no Sudeste e Sul ocorre entre outu-
bro e fevereiro.
O comprimento da carapaça, relativo à primeira maturação sexual,
pode variar entre diferentes áreas e é um pouco maior para as fêmeas, sendo
apontada variação em torno de 20 mm para o litoral do Sudeste/Sul.
A pesca da espécie, que se distribui ao longo do litoral dos estados do
Instituto Brasileiro
Espírito Santo a Santa Catarina, é tradicionalmente realizada com o emprego do Meio Ambiente e
Figura 150 Camarão-sete-barbas Xiphopenaeus kroyeri. de rede de arrasto de fundo. Por habitar dominantemente águas costeiras ra- dos Recursos
Naturais Renováveis
Fonte: Dias-Neto (2011). sas, com fundos areno-lodosos até 30 m de profundidade, é principalmente
204 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

acessível à pesca de pequena escala, embora embarcações consideradas in-


dustriais façam parte dessa frota e realizem essa pescaria, em especial nos
estados de São Paulo e Santa Catarina.
A frota permissionada para a pesca do camarão-sete-barbas foi
limitada, ainda na década de 1990, em decorrência de o recurso na área
apresentar sinais de sobrepesca. As últimas informações obtidas no SisRGP
– MPA apontam para um total de 3.140 barcos, sendo 338 sediados no ES,
640 no PR, 450 no RJ, 988 em SC e 724 em SP (Tabela 2). A grande maioria
dos barcos é de pequeno porte, seguidos dos de médio porte, com o
comprimento total variando entre 3,8 m e 18,3 m e a média em torno de 9 m.
Informações apontam para uma significativa quantidade de barcos operando
de forma irregular (não possui a permissão para a pesca do camarão-
sete-barbas).
Figura 151 Produção (t) total anual do camarão-sete-barbas X. kroyeri no Sudeste-Sul do Brasil – 1965 a 2010 (as produções
A produção da espécie é, em termos médios, a maior entre os cama-
dos anos de 2008 a 2010 foram estimadas pelos autores).
rões capturados no Sudeste e Sul. A evolução do comportamento dessa pro-
dução, no período de 1965 a 2010, é apresentada na Figura 151, onde pode Nas pescarias de arrasto do camarão-sete-barbas também ocorre ele-
ser observada tendência de crescimento (excetuando os anos de 1974 a vada quantidade de fauna acompanhante, conforme relatado por Dias-Neto
1976) até 1981, quando a produção foi recorde: 15.580 t; desse ano até 1991 (2011) e resumido a seguir:
ocorreu acentuado declínio, quando a produção foi de apenas 4.657 t; de 1991 • Em Santa Catarina, os principais componentes da fauna acompanhan-
a 1994 observou-se recuperação, quando a produção retornou para 8.706 t; te foram: ictiofauna (39,6%), cnidofauna (18,1%), carcinofauna
voltou novamente a apresentar tendência de declínio (com flutuações) até (16,7%), X. kroyeri (10%), malacofauna (4,3%) e equinofauna (1,5%),
2003, quando a produção foi de apenas 4.203 t; nos últimos anos, apresentou sendo o lixo representado por 9,8%.
tendência de recuperação e as estimativas para os últimos anos da série • Na pescaria do camarão-sete-barbas de São Paulo, considerando a
apontam produções em torno de 6.000 toneladas. pesca com embarcações de pequeno porte, foram registrados 83 tá-
O grande contingente de pescadores que atuam sobre o camarão-se- xons (53 de peixes, 17 de crustáceos e 13 de moluscos), enquanto na
te-barbas possui características bastante diversificadas e de difícil definição. pesca industrial identificaram 145 táxons (119 de peixes, 19 de crus-
Encontram-se nessa atividade pescadores de subsistência, de pequena esca- táceos e 7 de moluscos). As principais famílias encontradas foram
la e os industriais. Os de subsistência constituem o maior grupo, que atua de muito semelhantes às encontradas na pesca do camarão-rosa, espe-
forma pulverizada e, em geral, não é atingido pela rede de coleta de dados, o cialmente na pescaria industrial, sendo os peixes representados por
que impede o dimensionamento da produção total e do esforço de pesca exer- Sciaenidae, Balistidae, Monacanthidae, Batrachoididae e Rajidae, os
cido por essa grande parcela. É relevante destacar, em função dessas carac- crustáceos pelas famílias Portunidae, Penaeidae, Diogenidae e Soleno-
terísticas, que a pescaria do camarão-sete-barbas é muito importante para a ceridae, e os moluscos por gastrópodes e lulas.
segurança alimentar de um significativo contingente de famílias que habitam Foram realizadas várias avaliações de estoque para o camarão-
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e o litoral e usam a produção diretamente para alimento, bem como o exceden- sete-barbas do Sudeste e Sul, utilizando os modelos matemáticos ou de pro-
dos Recursos te para a prática do escambo, de forma a adquirir outros gêneros alimentícios dução, em diferentes períodos. Os resultados das realizadas por D’Incao et al.
Naturais Renováveis
e de primeira necessidade. (2002) e Ibama (2006) são resumidos a seguir:
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 205

1972-1989¹ 1990-1999¹ 1994 e 20042 ximadamente 72% da produção ocorreu em apenas três meses (maio a julho
– Figura 152); enquanto em 2009, 41% se deu somente no mês de junho e
CMSmax 13.972 t 7.341 t 7.051 t 80% entre junho e setembro (Figura 153). Nesse caso, logo após a abertura da
Fmax 605.891 h 524.350 h 544.000 h pesca. Vale lembrar que no ano de 2008 o defeso do sete-barbas no Sudeste
e Sul estava em período diferente ao do camarão-rosa e em 2009 voltou a ser
CPUEótima 23,06 kg/h 14,00 kg/h 13,0 kg/h
em conjunto, entre março e maio.
Fontes: ¹D’Incao, et al.(2002); ² Ibama (2006).

Como pode ser constatado, os resultados das avaliações realizadas


com dados até a década de 1980 apresentaram os maiores valores para CMS
e à medida que a situação de sobreuso se agravava, as avaliações apresenta-
vam menores valores para CMS, CPUE ótima e esforço máximo.
Em análise da retrospectiva das produções para os três períodos de ava-
liação do estoque pode ser observado que em todos ocorreram níveis de produ-
ção muito inferiores aos calculados, como de capturas máximas sustentáveis, e
que a CMS do último período (7.051 t) representa apenas 50% da do período
1972-1989. Sobre essa situação, D’Incao et al. (op. cit.) ponderam que os acen-
tuados e contínuos declínios na produção total e no rendimento podem estar
relacionados ao emprego de níveis de esforço de pesca, por alguns anos, acima
Figura 152 Produção mensal do camarão-sete-barbas desembarcado em Itajaí-SC em 2008.
do máximo suportável pelo estoque. Assim, não seria demais aludir que é gran-
Fonte: Univali: http://siaiacad04.univali.br/.
de a possibilidade de esse comportamento dever-se à sobrepesca que o recurso
vem enfrentando, especialmente nos últimos 30 anos.
Os autores ponderam, ainda, que os declínios na rentabilidade, mesmo
com a aplicação de esforço abaixo do máximo estimado, pode ser reflexo da
sobrepesca que o recurso enfrenta e da possibilidade de os barcos com maior
poder de pesca operarem oportunisticamente e concentrando suas atividades
nos períodos de mais rentabilidade, especialmente após o fim dos defesos.
O camarão-sete-barbas é, ainda, incluído como espécie sobrepescada
ou ameaçada de sobre-explotação, conforme definido na IN MMA n° 5/2004.
Sobre a atuação da frota licenciada para a pesca da espécie, os dados
disponíveis pela Univali (htt://siaiacad04.univali.br/) sobre a operação dos bar-
cos de maior porte, sediados em Santa Catarina nos anos de 2008 e 2009 e
desembarcados em Itajaí (até 35 barcos, em maio de 2008, e 42 em junho de
Figura 153 Produção mensal do camarão-sete-barbas desembarcado em Itajaí-SC em 2009.
2009), permitiram constatar um comportamento extremamente oportunista.
Fonte: Univali: http://siaiacad04.univali.br/. Instituto Brasileiro
Esse comportamento está demonstrado nas Figuras 152 e 153, onde se pode do Meio Ambiente e
observar que a grande maioria da produção concentra-se em três ou quatro As constatações anteriores reforçam algumas ponderações já apresen- dos Recursos
Naturais Renováveis
meses do ano e, especialmente, após o defeso, ou seja, no ano de 2008 apro- tadas sobre a aplicação de modelos matemáticos ou de produção, para a ava-
206 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

liação do estoque de camarões, em complementação às já citadas, quando se Essa pescaria deve obedecer às regras gerais definidas para a pesca
discutem as avaliações para os camarões-rosa, como: no litoral brasileiro, assim como às medidas de gestão específicas para essa
pescaria, que tiveram início na década de 1980 e que na atualidade são as
• Os modelos de produção foram desenvolvidos para aplicação em re-
seguintes:
cursos com ciclo de vida longo, o que não é o caso para essa espé-
cie. • Defeso anual no período de 1º de março a 31 de maio, entre a
divisa dos estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro, à foz do
• Pressupõem que as capturas se distribuem de forma homogênea ao
Arroio Chuí-RS; de 15 de novembro a 15 de janeiro e de 1° de
longo do ano, fato irreal para o caso, conforme apontado.
abril a 31 de maio no litoral do Espírito Santo (IN Ibama n°
• Que o esforço de pesca é padrão e se distribui igualmente sobre o 189/2008).
recurso.
• Esforço de pesca limitado, desde a década de 1990, ao número de
• Consideram que o estoque encontra-se em condições de equilíbrio. barcos então permissionados, transformando o esforço total em AB
e com regras para substituição dos barcos (regras constantes na IN
• Que a média anual da CPUE é um índice diretamente proporcional à
Ibama n° 164/2007).
biomassa do estoque, no ano, entre outros aspectos.
• Uso obrigatório do Dispositivo de Escape de Tartarugas (TED).
Considerando, portanto, esses aspectos e que é provável que o
mesmo comportamento ocorreu com a frota de barcos médios e grandes • Definição dos tamanhos mínimos de malha para os diferentes apare-
(industriais) de SP, possivelmente, nenhum dos pressupostos do modelo lhos de pesca empregados na pesca (DIAS-NETO, 2011).
enquadra-se para a espécie e sua pescaria, o que pode significar que a
• Proibição de arrasto mecanizado, variando a distância da costa, por
aplicação desses modelos pode não ser o mais recomendável para a pescaria
estado/áreas (DIAS-NETO, 2011).
do sete-barbas ou ter levado à apresentação de resultados subestimados
para o esforço máximo e sobre-estimados para a CPUE ótima, interferindo, Quando da elaboração da proposta de Plano Nacional de Gestão para o
em decorrência, na CMS. Uso Sustentável de Camarões Marinhos no Brasil, os especialistas recomen-
daram a adoção das seguintes medidas para promover o retorno à sustentabi-
Não podemos deixar de reconhecer, entretanto, que tais avaliações
lidade dessa pescaria (DIAS-NETO, 2001):
são importantes e, no caso, as únicas possíveis e capazes de fornecer indica-
tivos relevantes para a tomada de decisões quanto às melhores medidas de Promover a revisão de todo o arcabouço legal.
ordenamento da pescaria. Definir o tamanho mínimo de captura em 75 mm de comprimento to-
Os aspectos anteriormente discutidos levam-nos a sugerir que a ges- tal, atrelado a um tamanho mínimo de malha das redes de arrasto de 40
tão no uso do camarão-sete-barbas deve dar grande atenção para a frota in- milímetros.
dustrial, composta de barcos com maior porte, com casaria e maior raio de Limitar o esforço de pesca nas 9.300 ABs atualmente licenciadas, ou o
atuação, uma vez que realiza pescaria oportunista e capaz de cobrir grande equivalente em número de barcos; avaliar a possibilidade de recuperação da
parte da área de distribuição da espécie, e na dependência das rentabilidades. produtividade e, se for o caso, redefinir.
Por sua vez, a frota da pescaria de pequena escala, caracterizada por barcos
Instituto Brasileiro de boca aberta (sem casaria), tem raio de ação limitado e, historicamente, Defeso: de 90 dias, entre fevereiro e abril, em conjunto com o da pesca
do Meio Ambiente e do camarão-rosa.
dos Recursos atua em áreas específicas e pulverizadas ao longo do litoral das regiões Su-
Naturais Renováveis
deste e Sul. Fechamento das áreas críticas para proteger a reprodução da espécie.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 207

Fauna acompanhante: desenvolver e implementar medidas tecnológi-


cas para a redução da fauna acompanhante, das capturas incidentais, por
área, e propor a criação de áreas de exclusão.
Identificar e recuperar as áreas degradadas.
Evitar a degradação ambiental de áreas de criadouros.
Criar Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie).
Estimular e apoiar a modernização e a transformação dos barcos, res-
peitado o limite de AB, de forma a melhorar a qualidade da produção.
Apoiar a organização da cadeia produtiva. Figura 154 Camarão-branco Litopenaeus schmitti.
Fortalecer o exercício da gestão compartilhada. Fonte: Dias-Neto (2011).

Pesquisa: manter permanente programa de pesquisa e monitoramento O ciclo de vida de L. schmitti é semelhante ao dos camarões do gênero
da pesca de camarão-sete-barbas no Sudeste e Sul. Farfantepenaeus, com a fase juvenil em estuários e baías e a fase adulta em mar
aberto. O estoque adulto é também capturado pela frota do camarão-sete-bar-
Outros camarões do Sudeste e Sul bas, por isso considerado como um dos alvos secundários dessa pescaria, que
Além dos camarões já abordados, três outras espécies apresentam atua, principalmente, em águas rasas com fundos lodosos da plataforma conti-
importância para as pescarias do Sudeste e Sul, são eles: o camarão-branco nental.
Litopenaeus schmitti, o camarão-barba-ruça Artemesia longinaris e o camarão- A primeira maturação sexual ocorre com cerca de 6 e 7 meses, tama-
santana Pleoticus muelleri, que serão discutidos a seguir. nho de carapaça de 15,8 mm no litoral do sudeste/sul. A longevidade é de
A – Camarão-branco Litopenaeus schmitti (Burkenroad, 1936) aproximadamente 24 meses. Na costa Sudeste/Sul, ocorre um único pico re-
produtivo em outubro e novembro, com fecundidade entre 500 mil e 1 milhão
Dias-Neto (2011) informa que Litopenaeus schmitti (camarão-branco),
de óvulos.
conhecida também como camarão-legítimo (Figura 154), ocorre no Atlântico
Ocidental desde a Baía de Matanzas (Cuba) até o estado do Rio Grande do Sul Os adultos são encontrados em regiões marinhas desde pequenas pro-
(Brasil), incluindo o Caribe e a América Central. No Brasil, está citada para fundidades até 30 metros, com registros de ocorrência a 47 metros, onde são
todo o litoral, desde o Amapá até o Rio Grande do Sul. capturados comumente pela frota de arrasteiros duplos, direcionada ao cama-
rão-sete-barbas Xiphopenaeus kroyeri.
Os locais habitados pelo camarão-branco são caracterizados por pos-
suir grande disponibilidade de nutrientes, ocorrendo, em alguns deles, exten- Os juvenis são capturados pela pesca artesanal, que apresenta um
sos manguezais. São também influenciados por grandes variações de outros mesmo sistema de operação. Entre algumas dessas principais áreas de pesca
fatores ambientais, como temperatura e salinidade, afetando diretamente os podem ser citadas a Lagoa de Ibiraquera e a Baía da Babitonga (SC), as baías
padrões biológicos da espécie. de Paranaguá e Guaraqueçaba (PR), o complexo estuarino-lagunar de Cana-
Apesar de habitar as mesmas províncias do domínio bentônico (litoral neia-Iguape-Ilha Comprida, a Baixada Santista (SP) e a Baía de Sepetiba (RJ).
– zona de marés; sublitoral – plataforma continental), as populações das es- Essas são áreas de criação de juvenis e pré-adultos.
Instituto Brasileiro
pécies Farfantepenaeus, Litopenaeus e Xiphopenaeus evitam a competição O camarão-branco é capturado por vários petrechos de pesca, como a do Meio Ambiente e
direta por alimento e abrigo, ocupam zonas batimétricas diversas e realizam rede de arrasto de fundo, a tarrafa, o emalhe, o gerival, o caceio, as armadi- dos Recursos
Naturais Renováveis
as funções principais do ciclo biológico em épocas diferentes. lhas fixas (currais), entre outras, cujas capturas sempre tiveram seus registros
208 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

feitos de forma esparsa e incompletos, seja nas capturas como espécie-alvo, regiões Sudeste e Sul, a partir do Rio de Janeiro. A espécie é morfologicamen-
em algumas localidades do sul do Brasil, ou quando pescado como fauna te semelhante à X. kroyeri, diferindo pelo número e forma dos espinhos ros-
acompanhante das pescarias do camarão-rosa e sete-barbas. trais dorsais (Figura 155). O número de dentes pode indicar a origem do esto-
que. O télico é do tipo fechado.
Não existe uma frota autorizada a pescar, exclusivamente, o camarão-
branco, podendo o recurso ser capturado como espécie secundária ou fauna
acompanhante das frotas autorizadas para a captura do camarão-rosa e sete-
barbas. Além dessas frotas, há, ainda, a chamada frota diversificada costeira
(artesanal) do Sudeste e Sul. Assim, podemos dizer que existem dois tipos
principais de frota: uma denominada artesanal, com embarcações de pequeno
porte, em sua maioria sem casaria, que operam sem recursos de conservação
da produção a bordo, efetuando viagens diárias (sol a sol), e outra constituída
por embarcações de pequeno e médio porte (da pesca do sete-barbas,
especialmente), que realizam viagens de alguns dias, vários arrastos por dia e
conservam a produção em gelo picado.
O comportamento histórico da produção e as medidas de gestão do
camarão-branco, camarão-santana e camarão-barba-ruça serão discutidos
em conjunto.
Dados preliminares de estudos realizados na Baía da Babitonga, em Figura 155 Camarão-barba-ruça Artemesia longinaris.
Santa Catarina, pela Univille e Cepsul, indicam que na captura de camarão-​ Fonte: Dias-Neto (2011).
branco com gerival, principal petrecho utilizado na área, é pequena a ocorrên- A abundância de A. longinaris é parcialmente regida pela temperatu-
cia de outras espécies, tendo sido registradas 11 de peixes, em geral juvenis ra, apresentando clara preferência por zonas de águas frias. As fêmeas mi-
ou adultos de pequeno tamanho, principalmente das famílias Ariidae, Carangi- gram para desovar em áreas mais profundas, mais salinas e frias, sendo o
dae, Gerreidae e Sciaenidae, duas espécies de siris, Callinectes danae e C. desenvolvimento ontogenético completado inteiramente no ambiente mari-
ornatus, e juvenis do camarão-rosa F. paulensis (DIAS-NETO, op. cit.). Quando nho (DUMONT; D´INCAO, 2008, apud DIAS-NETO, 2011).
capturado com arrasto, a fauna acompanhante é similar à apresentada para a
Quanto à abundância relativa dessas espécies, na costa do Rio Gran-
pesca do camarão-sete-barbas.
de do Sul, foram identificadas duas áreas principais onde as densidades são
Segundo Gusmão et al. (2005), na costa sudeste e sul nenhuma hete- máximas. A primeira coincide com uma área entre 15 e 20 metros de pro-
rogeneidade populacional foi detectada para as populações de L. schmitti. fundidade, na porção sul do estado do Rio Grande do Sul (aproximadamente
Também não foi encontrada informação sobre a avaliação de estoques para a entre 33°S e 32°00’S), e a segunda na região central (30°30’S a 31°48’S).
espécie.
Como para a maioria das espécies de camarões comerciais, o
O camarão-branco é incluído como espécie sobrepescada ou ameaça- camarão-barba-ruça apresenta maior afinidade por sedimentos finos, evitan-
da de sobre-explotação, conforme definido na IN MMA n° 5/2004. do as áreas com fundo consolidado. A espécie concentra mais de 77% da sua
biomassa no Rio Grande do Sul, em 12% do seu nicho espacial na plataforma,
Instituto Brasileiro B – Camarão-barba-ruça Artemesia longinaris Bate, 1888
do Meio Ambiente e resultando em alta susceptibilidade ao esforço de pesca. Os maiores compri-
dos Recursos O camarão-barba-ruça ocorre desde Atafona (Rio de Janeiro, 21º37’S) mentos médios são encontrados nessa faixa batimétrica entre 15 e 30 me-
Naturais Renováveis
até Puerto Rawson (Argentina, 43º S). No Brasil, ocorre nos estados das tros, onde ocorrem as maiores abundâncias.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 209

A estrutura populacional de A. longinaris foi investigada por sequencia- Nas pescarias industriais do camarão-barba-ruça, o produto capturado é
mento de aproximadamente 0,7kb da região-controle do DNA, incluindo conservado no gelo e a tripulação separa a captura de camarão de outras espé-
amostras do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mar del Plata cies, e acondiciona-o em urnas com camadas de gelo entre o pescado. Parte da
(DUMONT, 2008). Essa análise sugere que existe estruturação significativa produção é comercializada como camarão fresco, destinada ao mercado interno
das populações da espécie ao longo de sua área de distribuição. As distâncias regional, e parte vai para o processamento que pode ser na forma inteiro, des-
genéticas estimadas (Fst) demonstram que existe maior fluxo genético entre cascado ou para a elaboração de produtos industrializados à base de camarão,
as populações que habitam o sul do Brasil e a Argentina, enquanto a popula- que são posteriormente congelados e distribuídos para outras regiões.
ção localizada no extremo norte da distribuição da espécie (Rio de Janeiro) foi A CMS estimada para A. longinaris foi estimada em 3.579 t/ano, com
significativamente diferente das demais. A análise demográfica indicou signi- esforço máximo de 160.000 horas de arrasto (BAPTISTA-METRI, 2007, In:
ficante instabilidade para as populações que habitam zonas próximas aos limi- DIAS-NETO, 2011). Essa captura foi ultrapassada em 2000, 2003 e 2004, ca-
tes de distribuição da espécie, enquanto a população central apresentou racterizando exploração em níveis não seguros.
maior grau de estabilidade histórica. Mesmo assim, esse grupo mostrou pa-
drão oscilatório das diferenças genéticas, indicando que também apresenta Nas pescarias da espécie são conhecidos alguns impactos sobre ou-
variações importantes com relação ao tamanho. A população que habita o li- tras espécies que ocorrem como fauna acompanhante, em especial, juvenis
mite norte de distribuição (Rio de Janeiro) parece ser mais diferenciada do de Sciaenidae, e fêmeas ovígeras do siri-azul Callinectes sapidus.
restante, no que diz respeito a aspectos morfométricos e merísticos, concor- Os estudos disponíveis apontam para a necessidade de definição de regras de
dando com a análise genética anteriormente realizada. gestão para assegurar o uso sustentável da espécie pelas pescarias de arras-
to no Sul do Brasil.
A espécie é prevista como captura assessória ou fauna acompanhan-
te da frota autorizada para a pesca de camarão-rosa e camarão-sete-bar- C – Camarão-santana Pleoticus muelleri (Bate, 1888)
bas, o que representa um esforço de pesca potencial exagerado, se direcio- A espécie ocorre no Atlântico Ocidental desde o Espírito Santo (Bra-
nado para a captura. Existe, ainda, previsão de autorização específica para sil) até a Província de Santa Cruz (Argentina). No Brasil, ocorre em todos os
barcos que operam na captura direcionada para a espécie, no litoral do Rio estados entre o Espírito Santo e o Rio Grande do Sul. É caracterizada por sua
Grande do Sul. cor avermelhada, rostro curto com apenas dentes dorsais e um dentículo
No Rio Grande do Sul, onde são encontradas as maiores capturas da subocular (Figura 156). O télico é do tipo aberto (DIAS-NETO, 2011).
espécie, existe uma frota residente dirigida ao camarão-barba-ruça e ao
camarão-santana, composta por barcos pequenos (24 HP) a partir de Rio
Grande, para pescaria sazonal com safra de junho a setembro. Os botes que
efetuam essa pescaria na área costeira são os mesmos que atuam ilegal-
mente com arrasto no estuário, dentro do limite de 3 milhas, ao longo de
toda a costa do estado. As capturas são realizadas em profundidades infe-
riores a 40 m e a produção de A. longinaris é 270% acima da de Pleoticus
muelleri (camarão-santana).
Além do arrasto, existe pescaria com rede fixa semelhante à rede de
saquinho utilizada para a captura do camarão-rosa no estuário e adaptada
Instituto Brasileiro
para a utilização no oceano. A abundância de P. muelleri é mais sazonal que de do Meio Ambiente e
A. longinaris, espécie que pode ser capturada o ano inteiro e que tem maior Figura 156 Camarão-santana Pleoticus muelleri. dos Recursos
Naturais Renováveis
importância comercial. Fonte: Dias-Neto (2011).
210 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

O camarão-santana também apresenta maior afinidade por sedimen- O produto resultante da pesca direcionada ao camarão-santana passa
tos finos, evitando as áreas com fundo consolidado. A distribuição halina da pelo mesmo processo de conservação, processamento e comercialização
espécie é mais homogênea do que a do camarão-barba-ruça, pois sua abun- descrito para o camarão-barba-ruça.
dância se mantém estável mesmo na zona de influência direta do aporte con-
A captura máxima sustentável para P. muelleri, de 4.447 t/ano, e o
tinental da Lagoa dos Patos. As maiores abundâncias são observadas entre 15
esforço máximo de 102.000 horas, são considerados superestimados (BAP-
e 30 metros.
TISTA-METRI, 2007, apud DIAS-NETO, 2011), o que pode dever-se ao fato de
A espécie cumpre todo o seu ciclo de vida no ambiente marinho, que a espécie-alvo da pescaria é A. longinaris, ou em decorrência do modelo
entretanto, é pouco conhecida a dinâmica desse ciclo, assim como a estru- de avaliação utilizado. O fato é que as produções anuais da série histórica que
tura populacional na plataforma continental do sul do Brasil. Mesmo assim, analisaremos a seguir jamais atingiram esse valor.
estudos realizados indicam que o camarão-santana parece pertencer à
Também para a pescaria dessa espécie é apontada a necessidade de
mesma população da costa do Uruguai e do norte da Argentina, tratando-
definição de regras de gestão para assegurar o uso sustentável da espécie na
se, portanto, de estoque compartilhado pelos três países. O ciclo de vida
costa sul e sudeste do Brasil.
está, possivelmente, associado a migrações pelo menos entre a costa do
sul do Brasil e a do Uruguai (BAPTISTA-METRI, 2007, apud DIAS-NETO, op. A dinâmica de produção das três espécies de camarões, anteriormen-
cit.). te abordadas, é evidenciada na Figura 157, onde pode ser observado:
Dias-Neto (op. cit.) informa também que na Argentina foi identificada Camarão-branco: a produção foi crescente até 1969 (1.251 t), quan-
migração reprodutiva em direção a maiores profundidades, na busca por do passou a decrescer até 1975 (705 t); houve incremento nos dois anos
águas de maior salinidade, onde atinge a maturidade sexual e realiza a de- seguintes, sendo que em 1977 a produção foi a máxima do período: 1.403
sova, retornando à zona costeira. Também evidencia que o pico de maior t; nos anos seguintes, o nível de produção ficou estagnado ou flutuou, mas
intensidade reprodutiva ocorre entre outubro e janeiro de cada ano. com tendência decrescente, sendo que em 1995 a produção foi de apenas
110 t e as produções dos últimos anos da série ficaram em torno de 450
P. muelleri é o principal alvo das pescarias comerciais de camarão na
toneladas.
Argentina. No Brasil, a pescaria da espécie ocorre de forma sazonal (primave-
ra-verão) na costa do Rio Grande do Sul, em profundidades inferiores a 40 m, Camarão-barba-ruça: as produções dessa espécie apresentam
e as maiores capturas são de camarão-barba-ruça, que é cerca de 270% aci- grandes flutuações no período considerado, observando-se, entretanto,
ma da do camarão-santana. tendência de incremento até 1988, quando atingiu 3.734 t; em 1991, a
produção foi de apenas 247 t; a maior produção foi registrada em 2003,
Como relatado para o camarão-barba-ruça, é prevista a captura da es-
de 7.044 t; nos últimos anos a produção tem variado em torno de 3.000
pécie como alternativa ou fauna acompanhante da frota autorizada para a
toneladas.
pesca de camarão-rosa e camarão-sete-barbas, o que representa um esforço
de pesca potencial extremamente elevado, se direcionado para a captura des- Camarão-santana: a produção dessa espécie também flutuou muito no
ses recursos. Existe, também, previsão de autorização específica para barcos período analisado, tendo apresentado crescimento de 1978 a 1984, quando
que operam na captura direcionada para as espécies no litoral do Rio Grande atingiu 1.504 t; a produção foi recorde em 1988 (4.112 t); decresceu nos anos
do Sul. Nos demais estados, a pescaria desses camarões é bem costeira e de seguintes e até 1992, quando a produção foi a menor da série estudada (183
Instituto Brasileiro t); as flutuações continuaram, não voltando, entretanto, ao nível de produção
do Meio Ambiente e pequena escala, embora seja observada pescaria de médio porte entre Lagu-
dos Recursos na e Imbituba (SC), que atua principalmente sobre alguns pesqueiros locais de de 1988; as produções dos últimos anos variaram em torno de 1.000 tonela-
Naturais Renováveis
P. muelleri. das.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 211

Defeso: de 90 dias, entre fevereiro e abril, em conjunto com o da pesca


do camarão-rosa;
Fechamento das áreas críticas para a proteção da reprodução da espé-
cie, atrelado à igual medida para a pesca do camarão-sete-barbas.
Fauna acompanhante: desenvolver e implementar medidas tecnológi-
cas para a redução da fauna acompanhante, das capturas incidentais, por
área, e propor a criação de áreas de exclusão.
Identificar e recuperar áreas degradadas.
Evitar a degradação ambiental de áreas de criadouros.
Criar Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie).
Estimular e apoiar a modernização e a transformação dos barcos, res-
Figura 157 Produções (t) totais, por ano, do camarão-branco, camarão-barba-ruça e camarão-santana no Sudeste/Sul do Brasil, peitando o limite de esforço de pesca definido, de forma a melhorar a qualida-
no período de 1965 a 2010 (as produções dos anos de 2008 a 2010 foram estimadas pelos autores). de da produção.
As pescarias dessas espécies devem obedecer às regras gerais defini- Apoiar a organização da cadeia produtiva.
das para a pesca no litoral brasileiro. Já a pesca do camarão-branco é regula-
mentada por algumas medidas regionais específicas. As três espécies estão Fortalecer o exercício da gestão compartilhada.
incluídas em algumas regras de gestão para o camarão-rosa e o camarão- Pesquisa: manter permanente programa de pesquisa e monitoramento
sete-barbas, entre elas a do período anual de defeso.
da pesca de camarão-sete-barbas no Sudeste e Sul.
À exceção do defeso, não existem outras regras de gestão específicas
Peixes demersais do Sudeste/Sul (castanha,
para as pescarias do camarão-barba-ruça e o camarão-santana. Entretanto,
recomendamos que o CPG camarões, criado em dezembro de 2012 (PI N° corvina, pescada-olhuda e pescadinha-real)
05/2012) e ainda não implementado, seja o fórum adequado para analisar as A pesca dos peixes demersais das regiões Sudeste e Sul é uma das
pescarias desses camarões e, se for o caso, propor medidas necessárias para mais tradicionais do Brasil e teve início no Rio Grande do Sul com a pesca in-
sua sustentabilidade. dustrial de arrasto de fundo, em 1947, em profundidades de até 50 m (YE-
Já para o ordenamento do uso do camarão-branco, na proposta de SAKI; BAGER, 1975). As principais espécies-alvo de captura são a castanha,
Plano Nacional de Gestão para o Uso Sustentável de Camarões Marinhos no a corvina, a pescada-olhuda e a pescadinha-real.
Brasil, os especialistas recomendaram a adoção das seguintes medidas, para
promover o retorno à sustentabilidade da pescaria sobre a espécie (DIAS-NE- Nas duas últimas décadas, entretanto, grande parte da produção dos
TO, op. cit.), que sugerimos que sejam avaliadas pelo CPG citado: peixes demersais vem sendo capturada com redes de emalhe de fundo. Sobre
esse aspecto, Valentini e Pezzuto (2006) destacam que a pesca de emalhe,
Promover a revisão de todo o arcabouço legal.
uma das mais tradicionais das regiões Sudeste e Sul do Brasil, nos níveis arte-
Fixar o tamanho mínimo de captura em 90 mm de comprimento total, sanal e industrial, ganhou grande importância nos últimos anos, em razão dos
atrelado às características dos principais aparelhos de pesca. custos de operação relativamente reduzidos, em comparação com outras pes- Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
Limitar o esforço de pesca por grandes áreas (número de pescadores carias, principalmente as de arrastos. A atividade sempre foi marcada pelo dos Recursos
Naturais Renováveis
ou de petrechos de pesca). direcionamento das capturas aos elasmobrânquios. Contudo, a participa-
212 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

ção desse grupo vem decrescendo devido à queda na rentabilidade de captu- uso das espécies no limite da sustentabilidade, entretanto, tais esforços
ra, sendo paulatinamente substituído por cienídeos (principalmente corvina e ou não resultaram nos objetivos esperados ou foram comprometidos por
castanha) e outros peixes ósseos. fatores imprevistos como o surgimento de outras modalidades de pesca
que se somaram às pescarias de arrasto e passaram a atuar sobre os re-
Os dados constantes da Tabela 2 evidenciam que 119 barcos (incluindo
cursos, com destaque para a pesca com redes de emalhe de fundo, con-
os da pesca de abrótea, galo e merluza) estão permissionados para a pesca
forme apontado anteriormente, fazendo com que a produção se recupe-
de arrasto dos peixes demersais do Sudeste e Sul, distribuídos nos seguintes
rasse e atingisse pouco mais de 60.000 t em 2010. Esses níveis de
estados: 86 em SC, 20 em SP, 9 no RJ e 4 no RS.
explotação, possivelmente, ultrapassaram todos os limites de sustentabi-
As evidências apontam que parte significativa dos barcos, antes auto- lidade dos estoques.
rizados para a pesca de arrasto de fundo naquelas regiões (já chegou a mais
A situação de uso desses recursos merece a mais urgente atenção dos
de 300), foi adaptada e hoje é autorizada para operar com rede de emalhe de
gestores pesqueiros nacionais.
fundo, tendo como alvo principal de captura as quatro espécies que ora anali-
samos.
Por sua vez, a frota permissionada para a pesca com redes de emalhe
de fundo, sediadas nos estados que compõem as duas regiões, é composta
de 3.294 barcos cuja grande maioria tem as quatro espécies como alvo
principal de suas pescarias. A distribuição da frota por estado é a seguinte:
2.140 em SC, 461 no RJ, 348 em SP, 176 no ES, 110 no RS e 59 no PR (Ta-
bela 2).
Cabe ponderar que, segundo informações contidas no Relatório do
Grupo Técnico de Trabalho sobre a Gestão da Pesca de Emalhe no Brasil (GTT/
emalhe) (MPA/MMA, 2011), a quantidade de barcos pescando com redes de
emalhe de fundo pode ser bem maior. Só para se ter um ideia, esse documen-
to aponta que para o estado de São Paulo existem cerca de 3.200 embarca-
ções pescando com essa modalidade de pesca para os peixes demersais,
Figura 158 Produção (t) total anual dos peixes demersais (castanha U. canosai, corvina M. furnieri, pescada-olhuda
com destaque para a corvina, enquanto a Tabela 2 apresenta só 348. É prová- C. guatucupa, e pescadinha-real M. ancylodon) no sudeste/sul do Brasil, no período de 1975 a 2010.
vel que a grande maioria desses barcos seja de pequeno porte e, portanto,
ainda não incluída no SisRGP-MPA. Será apresentada, a seguir, a caracterização biológica de cada uma
das quatro espécies, a situação de uso e possíveis medidas para a gestão de
A produção total dessas quatro espécies apresentou bastante flutu- suas pescarias.
ação de 1975 a 2010 (Figura 158), já tendo atingido pouco mais de 53.000 t,
ainda em 1977, quando basicamente a pesca de arrasto atuava sobre essas Castanha Umbrina canosai Berg, 1895
espécies. Os anos de 1980, quando a sobrepesca atingiu os estoques (HAI- Segundo Haimovici et al. (2006), Umbrina canosai é um peixe cienídeo
Instituto Brasileiro MOVICI et al., 2006), e os anos de 1990 foram de grandes quedas na produ- demersal que ocorre entre o Rio de Janeiro (22°S) até próximo do Rio Colora-
do Meio Ambiente e
dos Recursos ção (ressalva para os períodos de 1984 a 1986 e de 1993 e 1994). Nessas do na Argentina (41°S). É uma espécie de pequeno porte e crescimento lento
Naturais Renováveis
décadas, grandes esforços foram empreendidos para recuperar e manter o (Figura 159).
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 213

ano de vida na plataforma intermediária do sul do Brasil (ZANETI PRADO, 1979,


HAIMOVICI, l982).
Portanto, a reprodução da castanha tem início no inverno, ao norte de
Rio Grande-RS, e desloca-se para o sul nos meses seguintes. As fêmeas
maiores são as primeiras a desovar e também as primeiras a migrar para o sul
em direção a áreas de alimentação no litoral do Uruguai e da Argentina. Os
machos permanecem por mais tempo nas áreas de desova e, junto com as
fêmeas menores, são os últimos a migrar para o sul, no final da primavera. Os
comprimentos médios de primeira maturação foram de 184 mm para machos
e de 219 mm para fêmeas. Com 2 anos de idade, 60% dos machos e 27,4%
Figura 159 Castanha Umbrina canosai. das fêmeas apresentaram-se sexualmente maduros (HAIMOVICI et al., 2006).
Fonte: Haimovici et al.(2006). Esses autores informam que as características adaptativas que expli-
A castanha alimenta-se principalmente de organismos bentônicos. An- cam a abundância da castanha no sul do Brasil podem estar relacionadas com
fípodes e misidáceos são os mais importantes na dieta das castanhas peque- sua longevidade, o comportamento migratório, áreas de alimentação diferen-
nas, e poliquetos, ofiuroides, peixes, bivalves, gastrópodes e crustáceos decá- tes para jovens e adultos, elevada fecundidade e estação de desova prolonga-
podes são os mais frequentes na alimentação dos indivíduos maiores. A da, numa ampla área geográfica.
atividade alimentar é máxima no verão e mínima no início da primavera e, ao Até a década de 1990, a modalidade de pesca predominante na captu-
longo do ciclo diário, mais intensa na tarde e no início da noite (HAIMOVICI et ra de castanha era o arrasto, nas suas diversas formas, e a pesca de emalhe
al., 2006.). artesanal, costeiro e industrial representava não mais que 10% dos desembar-
A idade máxima observada foi de 26 anos. As fêmeas crescem mais ques da espécie em Rio Grande. Nos últimos anos, entretanto, a pesca de
depressa e atingem maiores tamanhos que os machos. O crescimento da emalhe aumentou paulatinamente, respondendo por mais de 60% da produ-
espécie na Região Sul foi determinado em cinco períodos, entre os quais se ção em 2003 (HAIMOVICI et al., 2006).
observa paulatino aumento dos comprimentos médios por idade. O compri- Haimovici et al. (op. cit.) consideram, ainda, que a castanha é uma das
mento máximo teórico calculado foi de cerca de 40 cm. O crescimento dessa espécies demersais mais abundantes e intensamente explotadas na platafor-
espécie parece ser fortemente denso-dependente na fase adulta e o aumento ma continental sul do Brasil e, em decorrência de sua importância econômica,
do crescimento médio pode estar relacionado com a diminuição da abundân- vem sendo estudada desde o início da pesca industrial na região, que ocorreu
cia do estoque. Nas capturas comerciais de castanha, por parte dos arrastei- no final da década de 1940.
ros de parelha no sul do Brasil, a classe de idade 4 era a mais frequente até o
início da década de 1990 e na última década caiu para a classe 2. A porcenta- O número de barcos que oficialmente estão permissionados para pes-
gem de castanhas maiores que 4 anos decresceu de 33% para 6% entre o car a espécie com arrasto ou com emalhe é o apresentado inicialmente. Cabe
início e o fim do período estudado, de 1976 a 2001 (HAIMOVICI et al., 2006). destacar que a castanha, com base na produção média do período de 1985 a
2010, ocupa o 10° lugar entre as 25 espécies ou grupo de espécies de pesca-
O estoque mais importante da espécie ocorre na Região Sul e apresen-
dos marinhos capturados nas águas jurisdicionais brasileiras, com maior con-
ta ciclo migratório definido: a reprodução ocorre no litoral do RS onde também
tribuição para a produção nacional (Tabela 12). Instituto Brasileiro
ocorre a principal pesca de arrasto de fundo sobre a espécie, no inverno e na do Meio Ambiente e
primavera. No verão e no outono as castanhas adultas deslocam-se para o Já o comportamento da produção anual de castanha, no período de dos Recursos
Naturais Renováveis
Uruguai e o norte da Argentina. Os juvenis permanecem durante seu primeiro 1975 a 2010, é apresentado na Figura 160, onde pode ser constatado que as
214 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

maiores produções ocorreram nos anos de 1970 (18.785 t em 1976) e 1980 A avaliação do estoque resultante da aplicação do modelo de bio-
(19.046 t em 1984 – maior produção da série); podemos inferir, entretanto, massa de equilíbrio de Shaeffer, com base em dados de captura e esforço
que do início da série apresentada e até 1998, a tendência foi de declínio, de 1976 a 1982 e de mortalidades totais estimadas a partir de curvas de
quando ocorreu a menor produção registrada: 2.217 t; nos anos seguintes e captura do mesmo período, apontou rendimento anual de equilíbrio em torno de
até 2002 ocorreram sucessivas e importantes recuperações, quando a produ- 15.000 t anuais, e que a taxa de exploração estava acima da adequada para uma
ção atingiu 14.596 t. Nos últimos anos, a produção apresentou sinais de es- explotação sustentável.
tagnação, variando em torno de 12.000 toneladas. Mais recentemente, a evolução da biomassa do estoque foi estuda-
É provável que a grande recuperação da produção nos anos de 2000 da utilizando um modelo dinâmico de biomassa de Schaefer, ajustado à
possa ter ocorrido em função da entrada da pesca de emalhe, que, em parte, equação e aplicado à série de desembarques totais do estoque sul e à CPUE
substituiu a pesca de arrasto, conforme anteriormente abordado. Entretanto, da frota de arrasteiros de parelha de Rio Grande, posteriores a 1976. Como
o contínuo e absurdo incremento no tamanho das redes de emalhe, à medida resultado, o modelo apresentou biomassa inicial de 132.000 t, que dimi-
nuiu rapidamente para 50.000 t em 1988 e para 35.500 t em 2003.
que os rendimentos dessa pescaria diminuíam, pode ter sido a causa provável
dessa aparente recuperação da produção que provocou o agravamento da Como resultado, os citados autores ponderam que, ao longo dos
sobrepesca da espécie. anos, foram observadas várias mudanças no estoque sul da castanha. A
mais importante foi a diminuição da biomassa, evidenciada por todos os
modelos de avaliação aplicados. Essa queda na abundância foi acompanha-
da pela variação na estrutura de comprimentos e idades na faixa de tama-
nhos vulneráveis ao arrasto. A sobre-exploração da castanha é evidenciada
por altas taxas de explotação a que vem sendo submetida. A biomassa de
2003 representava menos de 25% da existente em 1976 e talvez 20% do
estoque virgem do período de pré-explotação. Acrescentam, ainda, que re-
duções dessa magnitude podem levar à denominada sobrepesca de recruta-
mento, em que a biomassa de reprodutores é sensivelmente diminuída e a
capacidade de recuperação do estoque severamente afetada.
Esses autores argumentam que a substituição gradual da pesca de
arrasto pela de emalhe de fundo, em anos recentes, pode representar, a prin-
cípio, diminuição da pressão de pesca sobre os juvenis que, na pesca de arras-
to, são normalmente descartados a bordo. Todavia, evidenciam aumento do
Figura 160 Produção (t) anual da castanha U. canosai no Sudeste/Sul do Brasil de 1975 a 2010. esforço de pesca total associado à tendência do aumento das capturas com
emalhe de fundo, o que pode diminuir ainda mais a biomassa do estoque.
Segundo Haimovici et al. (2006), as avaliações do estado de explo-
tação do estoque de castanha da Região Sul foram baseadas nas mudan- É preciso acrescentar que a castanha está incluída como espécie so-
ças da estrutura populacional, mortalidade e análise da série de dados de brepescada ou ameaçada de sobre-explotação (Anexo II), conforme definido
capturas e esforço dos desembarques de arrasto de parelha, em Rio Gran- na IN MMA n° 5/2004.
Instituto Brasileiro de, de 1976 a 2003. Os autores afirmam que embora se trate de uma pes- O tamanho mínimo de captura para a espécie é definido em 20 cm e as
do Meio Ambiente e
dos Recursos caria multiespecífica, a castanha tem representado, em média, 27% do medidas de gestão em vigor para a pescaria são as mesmas apresentadas
Naturais Renováveis desembarque das parelhas, constituindo-se na principal espécie-alvo. para o conjunto das demais espécies demersais do litoral do Sudeste e Sul.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 215

Corvina Micropogonias furnieri (Desmarest, 1823) entre 29°S e 33°S, relacionadas aos deslocamentos da Convergência Subtro-
pical. Na Região Sudeste não foram detectadas tais migrações.
A espécie pertence à família Sciaenidae, tem o corpo fusiforme, leve-
mente alongado e comprimido. A cor é prateada, o dorso é escuro e o ventre O comprimento assintótico estimado para o estoque do Sudeste foi
branco; estrias escuras e oblíquas no dorso e laterais do corpo. A boca é infe- de 961,58 mm – possivelmente superestimado (CARNEIRO et al., 2006).
rior, com dentes viliformes e diversos barbilhões abaixo da mandíbula. A nada- Para o Sul foi de 658,2 mm (possivelmente subesetimado, já que nas amos-
deira dorsal tem a margem escurecida e as demais são claras a amareladas tras foram encontrados indivíduos com até 736 mm). Nas capturas do Su-
com pigmentos escuros e esparsos (Figura 161). Emitem roncos através de deste, o comprimento apresentou média em 347 mm e moda em 290 mm
músculos sonoros ligados à bexiga natatória (LEAL; BEMVENUTI, 2006). (classe etária entre 3 e 4), valor aproximado ao comprimento de primeira
maturação (L50) para a região. Já para o Sul, as distribuições de comprimen-
tos de corvina foram analisadas em três períodos: 1976-1980, 1989-1992 e
1997-1998. Foi possível, portanto, comparar de forma consistente as mu-
danças na composição de comprimentos entre os períodos assinalados,
quando foi constatada queda dos comprimentos médios de 47,0 cm em
1976-1980, 42,7 cm em 1989-1992 e 42,1 cm em 1997-1998, com aumen-
to na proporção de exemplares menores de 40 cm (HAIMOVICI; IGNÁCIO,
2006).
A reprodução do estoque sudeste de M. furnieri ocorre sobre a plata-
Figura 161 Corvina M. furnieri. forma adjacente de áreas estuarino-lagunares e os últimos estudos indicam
Fonte: Haimovici e Ignácio (2006). que era realizada durante o inverno, com pico de desova em agosto e um se-
M. furnieri é uma espécie demersal costeira, de ampla distribuição geo- gundo pico em novembro. Na década de 1980, para essa mesma população,
gráfica, ocorrendo entre a Península de Yucatán (Golfo de México, 20°N) e o a época de desova da corvina ocorreu em abril-junho (outono-início do inver-
Golfo de San Matias (Argentina, 41°S), associada às desembocaduras de no), agosto-setembro (final do inverno-início da primavera) e novembro-feve-
água doce. É encontrada em toda a costa brasileira, sendo abundante nas reiro (primavera-verão). Os autores ponderam que variações no processo re-
regiões Sudeste e Sul. Nessas duas regiões, compreende duas populações: produtivo ocorrem ao longo do tempo em função de fatores bióticos e
uma situada entre 23°S e 29°S – estoque Sudeste –, e a outra entre abióticos, e da pressão pesqueira sobre os estoques, podendo justificar as
29°S-33°S – estoque Sul (CARNEIRO et al., 2006, e HAIMOVICI; IGNÁCIO, diferenças observadas. A desova da espécie é parcelada em mais de dois
2006). grupos, parecendo tender à assincrônica, devido ao longo período de reprodu-
ção. O comprimento médio de primeira maturação gonadal da corvina (L50),
Segundo os autores citados, trata-se de uma espécie de ocorrên-
estimado para fêmeas com dados do triênio 2001-2003, foi de 292,24 mm
cia em águas com ampla variação de salinidade (0,1‰ a 35‰) e tempe-
(CARNEIRO et al., 2006).
ratura (11 °C a 31,6 °C); é encontrada em fundos de areia e lama, princi-
palmente em profundidades de até 50 m, e em menor proporção até 100 m. O comprimento médio de primeira maturação sexual (L50) da corvina do
Quando jovem, ocorre em águas estuarinas, utilizando desses ambientes estoque Sul, na década de 1960, foi estimado em 35 cm. Uma parte do esto-
para alimentação e crescimento; na fase adulta ocupa a plataforma adja- que do Rio Grande do Sul atinge a maturidade sexual, dentro das lagoas cos-
Instituto Brasileiro
cente onde se reproduz. A espécie tem distribuição agregada, existindo, teiras, com um a dois anos de idade e em torno de 20 cm de comprimento. As do Meio Ambiente e
entretanto, dois estoques: uma para a Região Sul e outro para a Região porcentagens de fêmeas maiores de 35 cm em maturação foram superiores a dos Recursos
Naturais Renováveis
Sudeste. Na Região Sul a espécie realiza migrações latitudinais sazonais 20% de fevereiro a junho, e atingiram os máximos em abril e maio. Os índices
216 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

gonadossomáticos mensais médios apresentam ciclo anual com os máxi-


mos de abril a junho. A corvina é um desovante múltiplo de elevada fecun-
didade (HAIMOVICI; IGNÁCIO, 2006).
A corvina tem sido capturada no Sudeste pela pesca industrial com
arrasto de parelha direcionada para a captura de peixes, a pesca de arrasto
de camarões pelo cerco (traineira) e com linha. Já no Sul, inicialmente, a
maior parte da produção ocorria com a pesca industrial de arrasto e com a
pesca artesanal com diversas artes, mas principalmente com redes de ema-
lhe. Com o desenvolvimento da frota costeira em meados da década de
1980, começou a predominar a pesca de emalhe e, nos últimos anos, até as
traineiras capturavam quantidades consideráveis de corvina (CARNEIRO et
al., 2006; HAIMOVICI; IGNÁCIO, 2006).
Segundo esses autores, da produção média total de corvina nas regiões
Sul e Sudeste, para o período de 1986 a 2002, 74% foi desembarcado nos Figura 162 Produção (t) anual da corvina M. furnieri no Sudeste/Sul do Brasil no período de 1975 a 2010.
estados do RS e SC, e 26% ocorreu no RJ, SP e PR. A grande produção anual de corvina, a partir dos anos de 1990 e,
Os tamanhos (em número de barcos) das frotas de arrasteiros e da destacadamente, em 2000, foi decorrente de dois fatores específicos: o
que utiliza redes de emalhe de fundo são os informados no início deste item. primeiro decorreu da crise do petróleo, nos anos de 1970/80, que elevou o
preço do óleo diesel, o que, associado à queda na produtividade das pesca-
A produção média da corvina, no período de 1995 a 2010, ocupou o
rias de arrasto direcionadas aos peixes demersais no Sul, fez com que parte
2º lugar entre as 25 espécies ou grupo de espécies de pescados marinhos
das embarcações de arrasto sediadas em Rio Grande (RS) e, mesmo, das de
capturados nas águas jurisdicionais brasileiras e com maior participação na
arrasto de camarões (CARNEIRO et al., 2006), posteriormente, de todo o
produção nacional. Só perdeu, no período, para a produção média da sardi-
Sudeste e Sul, passassem a utilizar redes de emalhe, que apresentavam
nha-verdadeira (Tabela 12).
custos menores. Em paralelo, surgiu uma frota típica de emalhe nas regiões.
A grande maioria da produção é direcionada para o abastecimento do Esses barcos utilizavam, inicialmente, redes com comprimento total (con-
mercado interno, apresentando, portanto, grande importância para a seguran- junto de panos) menor que 2.000 m, e em 2011 chegou a mais de 30.000 m
ça alimentar do brasileiro, de distintas regiões. (MPA/MMA, 2011).
O comportamento da produção total da espécie para as regiões Su- O segundo fator está relacionado com o fato de parte da frota de cerco
deste e Sul, no período de 1975 a 2010, é apresentado na Figura 162, onde permissionada para a pesca de sardinha-verdadeira, em decorrência da grande
pode ser constatado: no início do período considerado e até 1987 a produ- crise e, mesmo, colapso ocorrido na pescaria em 2000, ter direcionado seu es-
ção ficou estagnada, em torno de 15.000 t; declinou acentuadamente em forço de pesca para a captura de corvina, durante parte do ano (especialmente
1988, quando ocorreu a menor produção de todo o período (apenas 7.721 nos meses de abril a outubro – período de agregação reprodutiva), pescaria
t); a partir de então, ocorreu tendência de grande incremento, mesmo que considerada irregular e que levou à publicação, em 1997, da Portaria Ibama n°
Instituto Brasileiro 43/2007, que proibiu a captura da corvina e das três outras espécies de peixes
do Meio Ambiente e com acentuadas flutuações, quando as produções chegaram a patamares
dos Recursos recordes e superiores a 37.000 t, e a produção de 2010 foi estimada em demersais do Sudeste e Sul, pela frota de cerco (método direcionado para a
Naturais Renováveis
cerca de 36.000 toneladas. pesca de espécies pelágicas – sardinha-verdadeira).
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 217

Portanto, o grande incremento ocorrido na produção da espécie nos deram que no período 1945 a 1974, os registros de desembarques de corvina
anos de 1990 e 2000 está associado à coexistência de três modalidades de capturada pela frota artesanal, que atuou na Lagoa dos Patos e adjacências,
pesca: arrasto, cerco e emalhe e, enquanto a primeira diminuiu, as duas últi- foram em média de 7.000 t anuais. No período posterior, incluindo a pesca
mas cresceram vertiginosamente, até que o cerco foi proibido e nada evitou a industrial no litoral do Rio Grande do Sul, os desembarques vêm se manten-
continuidade do salto do esforço de pesca do emalhe (número de barcos e do, na maioria dos anos, entre 12 e 17 mil toneladas, enquanto os rendimen-
tamanho da rede), que só foi regulamentado em 2012, quando foram definidas tos em toneladas por dia no mar de parelhas têm se reduzido paulatinamen-
as características da rede (altura e tamanho máximo das redes e dimensões te, até para menos de um terço do valor de 1976.
da malha), proibição da emissão de novas permissões, áreas de exclusão etc. Carneiro et al. (2006), ao elaborarem diagnóstico do estoque de corvi-
O certo é que, se a espécie era considerada plenamente explotada ou, na do Sudeste, lembram que em função do colapso das principais pescarias
mesmo, sobrepescada pelo arrasto, no final dos anos de 1980, os níveis de industriais costeiras, como o da sardinha e o do camarão-rosa, as frotas per-
explotação posteriores a 1990 passaram a ser insustentáveis e a possibilidade missionadas para a pesca dessas espécies, na busca de alternativas para su-
de uma forte redução das capturas no futuro é grande (HAIMOVICI; IGNÁCIO, perar os baixos rendimentos econômicos, direcionaram seus esforços para
2006), particularmente por que o esforço de pesca sobre as concentrações do outros alvos, como os peixes demersais. Nos últimos anos, praticamente não
estoque desovante, próximo à desembocadura da Lagoa dos Patos, continuou ocorreu mais pescaria voltada a um único alvo; essas embarcações, embora
aumentando. sem as permissões devidas, passaram a buscar alternativas na fauna acompa-
nhante.
Segundo Haimovici e Ignácio (op. cit.), a avaliação do estado de ex-
plotação do estoque de corvina da Região Sul baseia-se nas mudanças da Argumentam, ainda, que se deve dar especial atenção e incluir em
estrutura populacional e da mortalidade apresentadas nas seções anteriores futuras avaliações do estoque as informações sobre o volume de desembar-
e na série de capturas e esforço, com base nos desembarques em Rio Gran- que da corvina de pequeno porte. Exemplares com comprimentos inferiores
de de 1976 a 2002. Nessa avaliação, foi considerada a hipótese de que o a 160 mm e de baixo valor comercial passaram a ser desembarcados na
estoque capturado no sul do Brasil apresenta pouca mistura com os explo- categoria designada “mistura” e, portanto, não registrados nas estatísticas
tados no sudeste do Brasil e no Uruguai e Argentina. Esse modelo estimou oficiais dentro da categoria corvina. Estimativas recentes mostraram que o
que a biomassa em 1996 era próxima a 220.000 t e que diminuiu para percentual de participação da espécie, na categoria mistura, representa
70.000 t em 2002. A mortalidade por pesca apresenta um paulatino aumen- 13,2% do peso dos desembarques da frota de parelhas em São Paulo.
to de valores próximos a 0,1, no início da série, para maiores de 0,2 no final. A recomendação é que não seja incentivado o aumento do esforço
Os citados autores destacam que a mortalidade média por pesca de sobre o estoque da corvina, uma vez que em função de sua coexistência com
corvina, entre 1976 e 1995, foi de 0,12 e que, adicionada a uma estimativa várias outras espécies demersais a sustentabilidade desses recursos pode ser
de mortalidade natural de 0,11, soma 0,23, valor muito próximo da mortali- ainda mais comprometida.
dade derivada da curva de captura, que abrange o mesmo período. Tanto as Decorrente da constatação anterior, ainda no final da década de 1980,
CPUEs como as curvas de captura baseiam-se em premissas de represen- teve início a regulamentação da pescaria de arrasto, única modalidade de pes-
tatividade que podem envolver desvios. Por exemplo, as composições de ca atuando e autorizada para a captura dos peixes demersais do Sudeste e
comprimentos em que se originam as estimativas de Z podem corresponder Sul. Naquela época, foram estabelecidas medidas como o tamanho mínimo de
à mistura de estoques em reprodução em frente à Lagoa dos Patos com os captura (25 cm), o tamanho de malha no saco-túnel das redes de arrasto e
desovantes no litoral oceânico uruguaio. A CPUE, em toneladas por dia no limitado o esforço de pesca (em número de barcos) no patamar então permis-
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mar, pressupõe que não houve aperfeiçoamento na capacidade de localiza- sionado (Portaria Sudepe nº 22, de 3 de julho de 1987, hoje Portaria Ibama nº 95, do Meio Ambiente e
ção das melhores áreas de pesca nem no direcionamento para esta. Portan- de 22 de agosto de 1997). Como a situação só se agravou em 2004, a espécie dos Recursos
Naturais Renováveis
to, os resultados desse modelo têm de ser interpretados com reservas. Pon- foi incluída no Anexo II da IN MMA nº 5, de 21 de maio de 2004, que instituiu no
218 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

País a lista oficial de espécies de peixes e invertebrados aquáticos ameaçadas têm as extremidades escuras (Figura 163). Atingem cerca de 60 cm de
de extinção, e a de espécies sobrepescadas ou ameaçadas de sobrepesca. comprimento total, 2 kg de peso e mais de 15 anos de idade, considerada,
Posteriormente, outras medidas foram adotadas, como: portanto, como de longevidade intermediária, quando comparada com ou-
tros cienídeos da região, como a castanha, a pescadinha-real e a corvina. A
• Proibição da pesca da espécie pela modalidade de cerco (Portaria
alimentação é composta principalmente de crustáceos anfípodos, copépo-
Ibama n° 43/2007);
dos, eufausiáceos, misidáceos, camarões e peixes como manjubas, pesca-
• Definição de critérios, parâmetros e limites para a pesca da corvina das e a maria-luiza.
com o uso de redes de emalhe, como: suspensão da concessão de
novas autorizações de pesca; tamanho máximo das redes (total dos
panos), por categoria de tamanho dos barcos, podendo chegar a, no
máximo, 18.000 m; altura máxima da rede em 4 m; proibição da
pesca por 1 mês, para embarcações superiores a 20 AB; áreas de
exclusão para a pesca (INI MPA/MMA n° 12, de 22 de agosto de
2012).
Na realidade, a situação do uso da corvina no Sudeste e Sul está a
merecer atenção especial das autoridades responsáveis pela gestão da pesca Figura 163 Pescada-olhuda C. guatucupa.
nacional, em especial quanto ao monitoramento permanente e detalhado das Fonte: Haimovici e Miranda (2006).
distintas pescarias que incidem sobre a espécie, bem como sobre os níveis de
No sul do Brasil, os adultos ocorrem em águas costeiras, geralmente
esforço de pesca das duas modalidades de pesca que hoje são autorizadas
em profundidades inferiores a 50 m, embora alguns exemplares grandes
para a explotação da corvina, sob pena de a espécie, que ocupa, historica-
sejam capturados até 150 m. Os juvenis, com até 8 cm, são encontrados
mente, o segundo lugar na produção pesqueira marinha nacional, ter a conti-
próximo à costa e os subadultos, menores de 30 cm, ocorrem em vastas
nuidade de uso comprometida de forma irreversível. Nesse contexto, é urgen-
áreas da plataforma do sul do Rio Grande do Sul, entre 25 e 100 m de pro-
te a instalação e o adequando funcionamento do Comitê Permanente de
fundidade.
Gestão (CPG) para os peixes demersais do Sudeste e Sul.
Embora a distribuição da espécie seja praticamente contínua, há evi-
Pescada-olhuda Cynoscion guatucupa (Cuvier, 1830)
dências de que o estoque explorado em São Paulo e no Rio de Janeiro apre-
Segundo Haimovici e Miranda (2006), a pescada-olhuda ou maria-mo- senta pouco intercâmbio com o explorado na Argentina, Uruguai e sul do Bra-
le, ou simplesmente pescada Cynoscion guatucupa, distribui-se no Atlântico sil. Entre o estoque explorado no litoral do Rio Grande do Sul e na Zona Comum
Sul Ocidental desde o litoral do Rio de Janeiro (22°S), no Brasil, até o Golfo de de Pesca Argentina-Uruguai, onde a reprodução ocorre nos mesmos períodos,
San Matias (43°S) na Argentina, sendo pescada comercialmente ao longo de há continuidade das áreas de desova e de criação (HAIMOVICI; MIRANDA, op.
toda a área de distribuição. cit.).
A espécie pertence à família Sciaenidae e é um peixe de corpo alon- Os autores, anteriormente citados, informam que o comprimento total
gado, boca grande, oblíqua, com mandíbula projetando-se adiante da maxi- médio de primeira maturação sexual (L50), em que 50% dos exemplares estão
la. Os olhos são relativamente grandes. Tem cor acinzentada a azul-escuro sexualmente maduros, foi estimado em 29,6 cm para ambos os sexos, no
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do Meio Ambiente e no dorso e prateada nas laterais do corpo; estrias escuras acompanham as início do outono, e 32,6 cm para machos e 34,6 cm para fêmeas na primavera.
dos Recursos séries oblíquas de escamas; as nadadeiras peitorais, pélvicas e anais são O recrutamento do estoque adulto ocorre no início do outono, com idade de 4
Naturais Renováveis
amareladas; a base das peitorais é escura; as nadadeiras dorsais e caudal anos aproximadamente.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 219

Quanto à reprodução, os valores médios dos índices gonadossomáti-


cos mensais de fêmeas maiores de 350 mm, em estágios de maturação avan-
çada e em desova, foram mais elevados nos meses de outubro e abril, com
dois picos distintos: um entre fevereiro e abril (outono) e outro entre setembro
e dezembro (primavera). As distribuições de diâmetros de ovócitos nos ová-
rios de fêmeas em maturação avançada apresentaram duas modas de ovóci-
tos com vitelo, indicando estratégia de desova múltipla da espécie.
A pescada-olhuda tem sido capturada no Sudeste-Sul, historicamente,
pela pesca industrial com arrasto de parelha; pesca de arrasto de camarões
como fauna acompanhante; pesca artesanal com diversas artes, mas princi-
palmente com redes de emalhe de fundo; as traineiras capturavam quantida-
des consideráveis da espécie até 2007. Nos últimos anos, dominam as pesca-
rias com grandes redes de emalhe de fundo, praticadas tanto por barcos
pequenos quanto de grande porte.
Figura 164 Produção (t) anual da pescada-olhuda C. guatucupa no Sudeste/Sul do Brasil - 1975 a 2010.
As frotas (em número de barcos, por unidade da Federação) autoriza-
das para a captura da pescada-olhuda com o arrasto e o emalhe de fundo são Haimovici e Miranda (2006) relatam a aplicação de um modelo de ren-
as relatadas no início deste item. dimento por recruta para avaliar o estado de exploração da pescada-olhuda,
do qual se obteve um rendimento máximo com F de 0,30 ano-1, que reduziria
A grande maioria da produção da espécie é direcionada para o abasteci- a biomassa a 24% da do estoque virgem. O rendimento por recruta, obtido
mento do mercado interno e das quatro principais espécies-alvo da pescaria com o valor de F, estimado para a situação de meados dos anos de 2000,
com arrasto e emalhe. A pescada-olhuda só perde para a corvina e a castanha, correspondente a 90% do rendimento máximo, reduzia a biomassa a 11% da
o que reflete a importância da espécie para a segurança alimentar do brasileiro. biomassa virgem e, mesmo assim, seria obtido com o dobro do esforço, que
Haimovici e Miranda (2006) informam que do total da produção das maximizou os rendimentos. Esse modelo indicou situação de sobrepesca de
regiões Sudeste-Sul, no período de 1986 a 2002, 75,2% são provenientes do crescimento da pescada-olhuda. Além do mais, uma taxa de explotação aci-
Rio Grande do Sul, 17% de Santa Catarina, 6,2% do Rio de Janeiro e 1,6% de ma de 70% não é sustentável por longo tempo.
São Paulo. Adicionalmente, os mencionados autores informam que o recrutamen-
O comportamento da produção total da pescada-olhuda no Sudeste-Sul, to pelas redes de arrasto (que são pouco seletivas) começa com pescadas de
no período de 1975 a 2010, é apresentado na Figura 164, onde podem ser ob- 1 ano, e com o emalhe de fundo, com 3 anos. Observa-se que a proporção de
servados que os desembarques apresentaram grandes oscilações no período, pescadas com 4 anos ou mais, capturadas pelo arrasto de parelhas, era de
partindo de 4.347 t em 1975; nos anos seguintes apresentou variações e grande cerca de 50% até 1987 e diminuiu para 25% no início dos anos de 2000. Além
incremento nos anos de 1984 e 1985, quanto atingiu 14.061 t; decresceu nos disso, a proporção dos exemplares com 1 ano, capturados pelo arrasto sim-
anos seguintes até atingir a produção de apenas 4.222 t em 1989; os três anos ples, aumentou a partir de 1988. Dessa forma, a análise da composição etária
seguintes foram de grandes recuperações, atingindo a maior produção em 1993, mostra diminuição da idade média do estoque da pescada-olhuda, o que refor-
ça a situação de sobreuso da espécie.
de 15.688 t; apresentou grandes decréscimos nos anos seguintes e até 1999,
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quando atingiu 5.168 t; as oscilações continuaram, com nova grande queda em Esse resultado confirma os diagnósticos anteriores que já apontavam a do Meio Ambiente e
2007, ano em que a produção foi a menor de todo o período (3.050 t); a produ- espécie como sobrepescada. Considerando, entretanto, o constante cresci- dos Recursos
Naturais Renováveis
ção dos três últimos anos ficou em torno de 6.000 toneladas. mento do esforço de pesca sobre o recurso, especialmente com redes de
220 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

emalhe de fundo, conforme abordado quando discutimos a corvina, é provável na, a castanha, a pescada-olhuda, o goete Cynoscion jamaicensis e o pei-
que a situação só tenha se agravado. xe-porco Balistes capriscus, como espécie-alvo da pesca de arrasto de pa-
relha, que responde a 70% da captura de peixes demersais costeiros
A espécie foi incluída no Anexo II da IN MMA nº 5, de 21 de maio de
desembarcados em São Paulo. A espécie também é objeto de captura de
2004, que instituiu no País a lista oficial de espécies de peixes e invertebrados
pescarias industriais, artesanais ou de pequeno porte, com redes de emalhe
aquáticos ameaçadas de extinção e a de espécies sobrepescadas ou ameaça-
de fundo e arrastos de praia. Adiantam, ainda, que as produções de Santa
das de sobrepesca.
Catarina e do Rio Grande do Sul correspondem a 50-75% do volume desem-
As pescarias da pescada-olhuda devem, ainda, obedecer às mesmas barcado anualmente, confirmando ser o estoque Sul mais abundante do que
regulamentações aplicadas para a captura da corvina (para os peixes demer- o do Sudeste.
sais do Sudeste e Sul). O tamanho mínimo de captura para a espécie é fixado
As informações oficiais sobre a produção da pescadinha-real mos-
em 30 cm (Portaria Ibama n° 73/2003).
tram importantes oscilações nos últimos 35 anos (Figura 165), havendo cla-
O uso da pescada-olhuda no Sudeste e Sul também demanda atenção ra tendência de decréscimo, mesmo considerando uma aparente recupera-
especial das autoridades responsáveis pela gestão da pesca nacional, em es- ção nos anos de 1990. A maior produção foi registrada no início do período
pecial quanto ao monitoramento permanente e detalhado das distintas pesca- analisado, quando atingiu 10.510 t em 1977; as menores produções ocorre-
rias que incidem sobre a espécie, bem como sobre os níveis de esforço das ram em 1988 (2.578 t), em 1992 (2.410 t) e em 2001 (2.641 t); as produ-
duas modalidades de pesca, que hoje são autorizadas para explotação. É ur- ções dos últimos anos variaram em torno de 3.500 t, com tendência de es-
gente, ainda, a instalação e o adequando funcionamento do CPG para os pei- tagnação, representando cerca de um terço da maior registrada. Isso,
xes demersais do Sudeste e Sul. mesmo com o aumento do esforço de pesca ocorrido nos últimos anos.
Pescadinha-real Macrodon ancylodon (Bloch & Schneider, 1801)
Macrodon ancylodon já teve suas principais características e área de
ocorrência descritas anteriormente e neste capítulo abordaremos apenas os
dados mais relevantes sobre o ciclo de vida e a situação de uso da espécie nas
regiões Sudeste e Sul.
Segundo Carneiro e Castro (2006), a pescadinha-real é mais abun-
dante na Região Sul e em seguida na Sudeste, e forma duas populações
distintas nas regiões. A primeira (população sul) se distribui em latitudes
maiores que 28°S e a segunda (população sudeste) entre 23° e 28°S.
A desova da espécie é prolongada e apresenta dois picos de maior
intensidade no Sudeste e Sul, que correspondem a dezembro e abril. O valor
de (L50) foi estimado em 29 cm para as fêmeas, sendo os valores para ma-
chos e gêneros agrupados de 23,9 cm e 25,9 cm, respectivamente (CAR-
NEIRO; CASTRO, 2006). Figura 165 Produção (t) anual da pescadinha-real M. ancylodon no Sudeste/Sul do Brasil no período de 1975 a 2010.
Carneiro e Castro (2006) afirmam que a pescadinha-real é um recur- A pescadinha-real está incluída no Anexo II da IN MMA nº 5, de 21 de
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do Meio Ambiente e so importante para as pescarias comerciais das regiões Sudeste e Sul do maio de 2004, que instituiu no País a lista oficial de espécies de peixes e inver-
dos Recursos Brasil tanto em volume de captura quanto em valor econômico, sendo muito tebrados aquáticos ameaçadas de extinção, e a de espécies sobrepescadas
Naturais Renováveis ou ameaçadas de sobrepesca.
apreciada pelo mercado consumidor. Configura-se, juntamente com a corvi-
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 221

Carneiro e Castro (2006) destacam que ocorreu uma mudança impor- A sardinha-verdadeira é um peixe de pequeno porte, de corpo lateral-
tante na biologia populacional da pescada-foguete, em relação ao decréscimo mente comprimido e prateado, possui apenas uma nadadeira dorsal sem
observado de 4,1 cm no comprimento médio de primeira maturação gonadal, espinho, assim como a nadadeira anal; a cauda é bifurcada; a boca não tem
sem distinção de gênero (L50 de 25,9 cm), desde meados do século passado dentes e o maxilar é curto (Figura 166). É uma espécie pelágica que forma,
(L50 de 30 cm). Evidencia, ainda, que mais de 50% (2,4 cm) dessa diminuição com frequência, grandes cardumes e habita águas costeiras, entrando em
ocorreu nos últimos 10 anos. baías e estuários.
Continuando, apontam que o conjunto das informações, associado à
tendência de diminuição da produção e produtividade observada, representa
que o estoque Sudeste da pescadinha-real continua em estado de sobre-ex-
plotação. Com base em várias referências bibliográficas, entendemos que a
mesma situação ocorre com o estoque Sul.
As regras de uso para a pescadinha-real são as mesmas aplicadas para
a captura da corvina (para os peixes demersais do Sudeste-Sul). O tamanho Figura 166 Sardinha-verdadeira S. brasiliensis.
mínimo de captura para a espécie é fixado em 25 cm (Portaria Ibama n° Fonte: Cergole e Dias-Neto (2011).
73/2003).
A sardinha-verdadeira S. brasiliensis está geograficamente isolada dos
Entretanto, a situação aponta para a necessidade da urgente instalação demais grupos do gênero Sardinella no Oceano Atlântico. A sardinha-verdadei-
e funcionamento do CPG para os peixes demersais do Sudeste-Sul. Sugerimos ra é encontrada ao longo da área compreendida entre os estados do Rio de
que seja discutida a diminuição do esforço das duas modalidades de captura que Janeiro (Cabo de São Tomé, 22°S) e Santa Catarina (ao sul do Cabo de Santa
hoje são autorizadas para explotação da pescadinha-real, a definição de áreas de Marta Grande, 28°S). É capturada, normalmente, na parte superior da coluna
exclusão da pesca, assim como um monitoramento permanente e detalhado de águas, com profundidade variando entre 30 e 100 metros.
das distintas pescarias que incidem sobre a espécie.
S. brasiliensis ocorre no domínio interno da plataforma continental da
Sardinha Sardinella brasiliensis (Steindachner, 1879) região ocupada principalmente pela água costeira que apresenta coluna d’água
Segundo Cergole e Dias-Neto (2011), na subordem Clupeoidei (Clu- homogênea resultante do processo de mistura causado pelo vento. O limite ex-
peoides) existem duas famílias importantes: Clupeidae e Engraulidae. A terno da plataforma interna é caracterizado pela frente térmica profunda, que
maioria dos peixes desses grupos ocorre em mares temperados, tropicais pode variar ao longo do ano, estando mais próxima da costa no verão (10 a 20
e subtropicais. A família Clupeidae (clupeídeos) inclui os representantes km) e mais distante no inverno (40-50 km). A plataforma continental média
mais importantes para a pesca como espécies do gênero Sardina, na Eu- apresenta estratificação de massas d’água mais definidas no verão, quando
ropa, do gênero Sardinops nos oceanos Pacífico e Índico, e do gênero ocorre a termoclina sazonal, estando a camada inferior ocupada pela Água Cen-
Sardinella nos mares tropicais e subtropicais. Esses três gêneros são mui- tral do Atlântico Sul (Acas). A plataforma continental externa, limitada por uma
to parecidos e, portanto, as espécies são consideradas genericamente frente salina superficial, entre 80 e 120 km da costa, bem como a quebra da
como sardinhas. plataforma, são ocupadas por águas características da Água Tropical (AT), na
A nomenclatura Sardinella brasiliensis (Steindachner, 1979) é qualifica- camada superficial, enquanto na camada inferior pode ser observada forte influ-
da como nomen protectum (nome protegido), de acordo com o Código Inter- ência da Acas. A intrusão da Acas na plataforma continental Sudeste está rela-
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nacional de Nomenclatura Zoológica. A nomenclatura Sardinella janeiro (Ei- cionada ao fenômeno da ressurgência, que se caracteriza pelo afloramento de do Meio Ambiente e
genmann, 1984), utilizada em algumas publicações, permanece como água mais fria na superfície, por meandros e vórtices da Corrente do Brasil e por dos Recursos
Naturais Renováveis
sinônimo (FIGUEIREDO et al., 2010). mudanças no padrão de ventos (CERGOLE; DIAS-NETO, 2011).
222 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Os ventos predominantes no Sudeste e Sul do Brasil, segundo esses e a adulta apresentam flutuações sazonais em suas dietas, sendo considerada
autores, que possibilitam o fenômeno de ressurgência, caracterizam-se por espécie onívora, pois no outono e na primavera sua presa predominante é o
baixa intensidade no verão. Os limites ótimos para a intensidade do vento, no zooplâncton, que representa 74,2% do volume alimentar. No inverno ocorre
que se refere ao sucesso do recrutamento da sardinha-verdadeira, situam-se uma mudança, quando o fitoplâncton representa 66% do volume dos itens
entre 3 e 4,5 m/s. Essas intensidades seriam adequadas para garantir os pro- alimentares. Essas variações podem estar relacionadas à variação sazonal da
cessos de ressurgência, sem, no entanto, determinar turbulências que pode- disponibilidade de alimento na área de ocorrência.
riam perturbar o padrão de distribuição planctônico adequado para o desenvol-
As capturas ficam, segundo esses autores, dominantemente, concen-
vimento das larvas de sardinha na região.
tradas na coluna d’água, a uma profundidade de 70 m ou a uma distância de
Estudos mais recentes não encontraram diferenças significativas entre até 30 milhas da costa. Há, no entanto, registro de ocorrência em profundida-
exemplares de sardinha-verdadeira capturados em distintos locais da área de des de 100 m. A disponibilidade à pesca difere de ano para ano e, particular-
ocorrência da espécie. Assim, foi concluído que existe apenas um único esto- mente, de mês para mês, sem, contudo, obedecer a um padrão definido de
que pesqueiro da sardinha-verdadeira, ao longo da costa (VIANNA, M. apud comportamento. Esse fato está relacionado, principalmente, às oscilações
IBAMA, 2009). Em decorrência desses resultados, para fins de gestão do uso verificadas na estrutura oceanográfica, que podem determinar pronunciados
da sardinha-verdadeira, considera-se que a espécie forma um estoque único deslocamentos dos cardumes, mantendo-se ou não disponíveis à frota pes-
no litoral brasileiro. queira comercial, em determinada área.
A sardinha-verdadeira é uma espécie de vida curta e de crescimento A pesca da sardinha-verdadeira em águas jurisdicionais do Brasil é reali-
rápido, e apresenta altas taxas de fecundidade e de mortalidade naturais. O zada com o cerco, segundo Valentini e Pezzuto (2006), iniciada na década de
comprimento médio em que 50% da população (L50) está madura e capaz de 1940, nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Tomou impulso com a me-
se reproduzir é de 170 mm. A longevidade é de pouco mais de 3 anos, com canização das embarcações e apenas por volta de 1962 o estado de Santa
comprimento total por volta de 28 centímetros. Catarina entrou nessa pescaria. As frotas foram, a partir de então, compostas
A espécie pode desovar ao longo de todo o ano. A maior intensidade e estruturadas tendo a sardinha-verdadeira como espécie-alvo, em função de
reprodutiva ocorre no fim da primavera e no verão (outubro-março), com o seu volume de produção.
pico de desova em dezembro e janeiro, quando tem sido observada frequência A frota de traineiras autorizada para a pesca da sardinha-verdadeira
máxima de indivíduos desovantes. Podem ocorrer, entretanto, variações inte- está limitada em número de barcos, desde os anos de 1980, mas a dinâmica
ranuais dependendo das condições oceanográficas. anual do número de barcos e o poder de pesca da frota têm sido muito eleva-
A sardinha-verdadeira apresenta estratégia de desova parcelada, em dos e injustificáveis. Os dados mais recentes obtidos do SisRGP-MPA apon-
que cada fêmea desova vários lotes de ovócitos durante uma única estação, tam para um total de 174 barcos, assim distribuídos: 71 no RJ, 17 em SP, 84
com fecundidade parcial média variando entre 30.000 e 40.000 ovócitos por em SC e 2 no RS (Tabela 2).
fêmea, por desova. O número de dias entre uma desova e outra varia entre 4 Dias-Neto et al. (2011), analisando as principais características da fro-
e 11. Não se sabe quantos lotes de ovócitos cada fêmea pode produzir numa ta de traineiras, constataram que Santa Catarina apresenta barcos com menor
estação reprodutiva. Sabe-se, porém, que a intensidade da desova varia de idade, portanto, mais modernos, vindo em seguida os barcos do Rio de Janei-
área para área, sem um padrão geográfico específico. Da mesma forma, as ro. Os maiores são os de armadores de Santa Catarina e os menores do Rio de
áreas principais de desova podem variar de ano para ano, também em função Janeiro. As maiores arqueações brutas são as dos barcos de Santa Catarina,
Instituto Brasileiro das variáveis ambientais. enquanto as menores são as dos barcos do Rio de Janeiro. Observaram, ain-
do Meio Ambiente e
dos Recursos Conforme Cergole e Dias-Neto (2011), as larvas e os juvenis têm com- da, que os barcos construídos nos últimos anos e autorizados a substituir ou-
Naturais Renováveis tros desativados têm sido, dominantemente, de grande porte, o que compro-
posição alimentar diferentes da dos indivíduos maiores. A sardinha pré-adulta
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 223

va que a substituição de barcos pequenos por outros bem maiores, aumenta tuação crítica. Os barcos com maior potência são, também, os de Santa Cata-
o poder de pesca da frota sobre um recurso cuja pescaria encontra-se em si- rina e os menos potentes são os do Rio de Janeiro.

Box 8 A injustificável dinâmica do número de barcos permissionados para a pesca da sardinha-verdadeira.

Dias-Neto et al. (2011), analisando a dinâmica da frota legalmente permissionada para a pesca de cerco da sardinha-verdadeira, nos anos de 2008 a 2010, obser-
varam que o total anual de barcos da mencionada frota variou de um mínimo de 158 barcos, em 2008, a um máximo de 210 barcos em 2009.
A comparação nominal da relação de barcos permissionados para essa pescaria (2008 x 2009) evidenciou incremento de 52 barcos em todos os estados,
sendo que o aumento no Rio de Janeiro foi de 50%. Verificou-se, ainda, que 64 barcos eram novos na pescaria ou não eram permissionados em 2008. Essa constata-
ção permite inferir que 12 embarcações podem ter entrado em funcionamento em decorrência da substituição de barcos desativados, conforme previsto na legislação
específica, mas que 52 eram barcos que entraram na pescaria em 2009, o que não era permitido pelas regras em vigor.
Os mencionados autores ponderaram que, além da eventual irregularidade, o órgão responsável não levou em consideração que o plano de gestão para a es-
pécie, que vem sendo discutido no Comitê de Gestão, desde 2006 (a então Seap/PR era integrante do Comitê), aponta para a necessidade da permanência de um
esforço máximo de apenas 80 barcos-padrão (CERGOLE; DIAS-NETO, op. cit.) e uma alternativa para promover essa significativa redução no nível de esforço de pesca
seria não promover a redistribuição de permissões de barcos que saíram da pescaria por qualquer motivo.
Na mesma comparação entre a relação de barcos de 2009 e 2010 foi observada redução significativa nos totais, caindo de 210 para 158, ou seja, menos 52
embarcações. Mesmo com a queda no número total, chama a atenção a grande quantidade de barcos que não constavam na relação de 2009. Tal registro pode sig-
nificar que, além de terem saído da pescaria 52 embarcações, outras 76 foram substituídas ou passaram a integrar a frota ilegalmente, já que a IN Ibama n° 15, de 21
de maio de 2009, não permitia a entrada de novos barcos.
Já a comparação do total de barcos entre as relações oficiais de 2008 e 2010 mostrou as mesmas quantidades de barcos. Entretanto, confirmou a grande
dinâmica de substituições ou entrada de novos barcos na frota, já que 64 não estavam presentes entre os permissionados em 2008, evidenciando, ainda, que as
maiores mudanças ocorreram na frota do Rio de Janeiro, o que já havia ocorrido na comparação anterior. Por seu turno, mais de 40% dos barcos permissionados em
2010 não existiam na relação de 2008.
Segundo os autores, os dados anteriormente apresentados e discutidos remetem a graves problemas. Por exemplo, ou a grande dinâmica de entrada e saída
de barcos é decorrente de falhas no sistema de controle do Registro Geral da Pesca (RGP), da então Seap/PR, hoje MPA, ou pode ter ocorrido o fornecimento dessas
permissões, ao arrepio da lei. Em ambos os casos, em desacordo com a legislação específica.
Ponderam, ainda, que em situação de normalidade ou de respeito à legislação vigente, considerando que essa é uma frota cujo esforço de pesca é limitado há
mais de 30 anos, era de se esperar grande estabilidade no número total de barcos entre anos subsequentes e para cada estado.
Adicionam, ainda, que esse quadro era agravado pelo fato de alguns barcos terem sido substituídos (e a legislação permitia) por outros, com características
muito superiores, o que contribuiu para aumentar, significativamente, o poder de pesca e o esforço total da frota permissionada.
Concluindo, afirmam que, aparentemente, os fatos apontados podem ser resultado do descontrole do sistema de RGP ou, até, de irregularidades no processo
de renovação de permissões de pesca, ou, ainda, do fornecimento de novas permissões de pesca, ao arrepio da lei.

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
As produções anuais da sardinha-verdadeira totais e por estado, ao ções, conforme apresentado na Figura 167. Nesse período, podem ser iden- dos Recursos
longo do período de 1964 a 2010, caracterizaram-se por grandes oscila- tificados pelo menos cinco ciclos de produção, conforme a seguir: Naturais Renováveis
224 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

• No primeiro, constata-se grande incremento da produção, partindo 2007, quando o Rio de Janeiro voltou a dominar os desembarques dos últimos
de cerca de 38,8 mil t, em 1964, para a produção recorde de 228 mil anos. Cabe ponderar que, especialmente nos anos recentes, a concentração
t em 1973; decresce nos anos seguintes, até 1976, quando a produ- de desembarques em determinado estado ou porto não significa, necessaria-
ção total atingiu 105 mil toneladas. mente, produção de barcos nele sediados (Santa Catarina tem a maior quan-
tidade de barcos), já que por questão de economicidade ou de redução dos
• O segundo apresenta recuperação até 1979, quando a produção to-
custos de captura, os barcos realizam as descargas no porto mais próximo da
tal volta a 149,6 mil t; decresce até 1982, quando a produção total
foi de 98,9 mil toneladas. área, onde os cardumes estão concentrados, e a matéria-prima é transporta-
da por caminhões frigoríficos para as plantas de beneficiamento.
• Já no terceiro ciclo a recuperação não chega a 140 mil t, em 1983,
e decresce para apenas 32,0 mil t em 1990, ano considerado como Quanto às grandes quedas e recuperações da produção total, Cergole
do primeiro colapso da pescaria. (2002) evidenciava que a cada ciclo de queda da produção total, a recupera-
ção da produção do ciclo seguinte era sempre menor que a anterior, como
• No quarto, a recuperação da produção foi mais lenta, atingindo o má- mostra a Figura 167, apontando que os ciclos se afiguravam como um modelo
ximo em 1997, com 117,6 mil t; decresce em seguida, atingindo a de espiral decrescente. Nesse sentido, parece razoável apontar que se essa
menor produção de todo o período, de apenas 17,2 mil t em 2000, ano tendência não for revertida, pode ocorrer colapsos e recuperações cada vez
considerado como do segundo e crítico colapso da pescaria. mais críticas e inviáveis de continuarem acontecendo ou da pescaria ser invia-
• O quinto e atual ciclo, com as produções flutuando, apresenta ten- bilizada.
dência ainda mais lenta de recuperação, e a maior produção, até Pode-se notar, ainda, na mencionada figura, que os ciclos de queda e
2010, foi de 83,9 mil t em 2009. recuperação da produção são cada vez mais longos, ou seja, o segundo trans-
correu em 6 anos; o terceiro ocorreu em 8 anos; o quarto durou 10 anos; e o
último aponta para um período superior a 10 anos.
Em decorrência das quedas e da instabilidade na produção nacional, o
parque industrial de enlatamento vem demandando a importação de sardinhas
de outras partes do mundo, para complementar a demanda de matéria-prima
para o enlatamento, o que tem gerado competição com o produto nacional
(quando de boas produções internas), além de contribuir para o déficit na balan-
ça comercial de pescado, conforme detalhado por Dias-Neto et al. (2011).
Não se pode deixar de mencionar, ainda, que a sardinha-verdadeira é a
espécie que ocupa o primeiro lugar, entre as com maior produção média, nos
últimos 16 anos, conforme apresentado na Tabela 12, representando, ainda, o
produto mais importante para a segurança alimentar e o bom hábito do con-
Figura 167 Desembarques totais da sardinha-verdadeira Sardinella brasiliensis e participação absoluta por estado entre 1964 sumidor brasileiro, em termos de pescado.
e 2010. É importante destacar que a sardinha-verdadeira é uma das espécies
Considerando as produções por estado, observa-se que, no início do mais estudadas no Brasil e, em decorrência do conhecimento acumulado e do
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e período, o Rio de Janeiro contribuía com a maior produção. Isso até 1977, monitoramento permanente da pescaria, os especialistas, em avaliações pe-
dos Recursos quando São Paulo e Santa Catarina passaram a se alternar como maiores riódicas realizadas em reuniões promovidas pelos órgãos de gestão, alertaram
Naturais Renováveis
produtores, mesmo assim com ligeiro predomínio de Santa Catarina, até as autoridades quanto aos riscos iminentes dos colapsos (DIAS-NETO, et al.,
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 225

op. cit.). Portanto, se medidas adequadas tivessem sido adotadas os colapsos Apresenta-se a seguir, um breve resumo dessas avaliações, com des-
teriam sido evitados ou ocorrido com menor intensidade e, certamente, a si- taque para as mais recentes, conforme relatado em Cergole e Dias-Neto
tuação não seria hoje tão instável. (2001):
Além da pesca da sardinha-verdadeira para o consumo humano, a es- • Modelos de produção: as primeiras avaliações de estoque para a
pécie é utilizada como isca-viva para a captura do bonito-listrado. Essa, certa- sardinha-verdadeira, usando esses modelos, foram realizadas ainda
mente, tem sido uma das pressões adicionais sobre a biomassa do recurso, na década de 1970. As realizadas na década de 1980 apresentaram
especialmente por utilizar indivíduos jovens (inferior a 7 cm de comprimento estimativas de captura máxima sustentável (CMS) entre 170.000 t e
total), com exceção, portanto, ao tamanho mínimo de captura, e por ter sido 200.000 t, pressupondo, sempre, o estoque em situação de equilí-
capturada durante os defesos (só recentemente foi proibida a captura de isca brio.
no defeso de recrutamento). Esses aspectos têm causado bastante polêmica • Modelos analíticos (Análise de População Virtual (VPA) e Rendimen-
e até conflito entre os usuários, especialmente em momentos de crise ou to por Recruta (RR)): iniciados em fins de 1970, o primeiro modelo,
colapso do estoque (CERGOLE; DIAS-NETO, 2011). na avaliação de 2002, apresentou variação temporal do recrutamen-
Cergole e Dias-Neto (2011) apontam, também, outras pressões sobre to e do estoque desovante, salientando dois ciclos: um na década de
o estoque de sardinha-verdadeira, com destaque para: 1980 e outro na década de 1990, sendo que cada um compreende
um período ascendente, favorável ao estoque, e outro descendente,
• Inanição: a inadequada disponibilidade de alimentos provoca inani- não favorável, que apontou que no final do segundo ciclo (1990) ha-
ção das larvas que, em decorrência, tornam-se mais vulneráveis à via indicações de início de um novo período descendente, com bio-
predação, refletindo, posteriormente, diretamente na taxa de recru- massa do estoque desovante (131 mil t em 1997) inferior à biomas-
tamento do estoque explotado. sa crítica de 180 mil t, indicando a possibilidade do último colapso.
• Mortalidade por predação: por se tratar de recurso da base da ca- Já o último apontou que qualquer aumento na idade de primeira
deia trófica, a sardinha-verdadeira tem importante papel trófico para captura ou do esforço de pesca não traria benefícios para a pescaria;
diversos consumidores do ecossistema, incluindo alguns recursos que a limitação da produção estava relacionada a níveis muito baixos
pesqueiros. Portanto, quanto menor a biomassa disponível, maior os de recrutamento e biomassa de adultos, e que o esforço de pesca
impactos sobre o estoque remanescente para a pesca. deveria ser contido enquanto não houvesse evidências de recupera-
ção do estoque tanto no tocante ao recrutamento quanto ao estoque
• Mudanças climáticas: por ser um pequeno pelágico, como os de- desovante.
mais estoques de clupeídeos o da sardinha é sensível às mudanças
climáticas. Estudos específicos apontaram que as variações no re- • Avaliações pelo método de ovos e larvas: o uso desse método teve
início em 1969 e se repetiu em várias oportunidades. Nas realizadas
crutamento estão relacionadas às condições atmosféricas e oceâni-
nos anos de 1970 e, especialmente, na dos anos de 1980 concluiu-
cas regionais e que o fenômeno El Niño interfere no pico de recruta-
se que a biomassa encontrava-se em torno de 500 a 600 mil t, numa
mento da espécie, enquanto La Niña teria implicações no
época em que as capturas totais eram da ordem de 150 mil t. As
recrutamento biológico.
últimas avaliações não possibilitaram a estimativa de biomassa total,
As avaliações de estoques para a sardinha-verdadeira foram realizadas entretanto, foram calculados os índices de abundância de larvas, o
em várias oportunidades, utilizando tanto modelos de produção quanto mode- que permitiu compará-los com os obtidos em cruzeiros anteriores.
Instituto Brasileiro
los analíticos e, mesmo, avaliações diretas da biomassa instantânea no mar, Essa comparação evidenciou que a média dos três últimos índices do Meio Ambiente e
por meio da disponibilidade de ovos e larvas, e de ecointegração (prospecções (jan.-fev./2008, nov./2008, mar./2010) foi inferior às obtidas nos cru- dos Recursos
Naturais Renováveis
hidroacústicas). zeiros realizados em jan./1988 e dez./1990-jan./1991, períodos ante-
226 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

rior e posterior, respectivamente, ao primeiro grande colapso da Conforme indicado, a disponibilidade da sardinha-verdadeira à pesca
produção de sardinha-verdadeira. Foi constatada, ainda, grande re- varia, mesmo mensalmente, em função de alterações na estrutura oceanográ-
tração da área de desova, com tendência a uma concentração na fica da região, que podem determinar deslocamentos significativos dos cardu-
área do extremo norte. mes e, consequentemente, incrementos ou reduções da captura em cada
área (CERGOLE, 1993). Existem correlações significativas entre os desembar-
• Método de Produção de Ovos (EPM): aplicado a partir do fim dos
ques sazonais de sardinha-verdadeira ao longo do litoral sudeste-sul e variá-
anos de 1980, mostrou a situação crítica do estoque desovante de
veis meteorológicas e oceanográficas em cada região, sugerindo sua influên-
sardinha entre 1988/1989 e prognosticou a crise de 1990. Não foi cia sobre a disponibilidade do recurso (SUNYÉ; SERVAIN, 1998).
utilizado nos últimos anos.
Além das variações intra-anuais, o estoque de sardinha-verdadeira tem
• Relação estoque desovante/recrutamento: as avaliações realizadas apresentado significativas flutuações interanuais de abundância, que têm sido
mostraram a prevalência do efeito da biomassa desovante para o relacionadas a variações no sucesso do recrutamento, causadas por altera-
recrutamento, relativamente aos fatores ambientais. Uma das ava- ções também interanuais na estrutura oceanográfica da região (MATSUURA,
liações apontou que uma biomassa de 180 mil toneladas correspon- 1996, 1998). Segundo Cergole et al. (2002), recrutamentos importantes da
deria ao tamanho crítico para o estoque desovante, abaixo do qual sardinha-verdadeira foram observados nos anos de 1991 a 1994. Continuan-
sua manutenção se tornaria estritamente dependente do sucesso do do, informam que a série histórica de estimativas de biomassa desovante e os
recrutamento e estaria, portanto, mais vulnerável a condições ocea- níveis de recrutamento da espécie evidenciaram que, de modo geral, declínios
nográficas desfavoráveis; a última avaliação estimou que o limite acentuados no recrutamento do recurso foram seguidos por quedas significa-
crítico estaria entre 200-250 mil toneladas. Os resultados encontra- tivas do estoque desovante 1 a 2 anos depois. Adicionam, ainda, que entre
dos foram considerados importantes para a gestão do estoque, à 1990 e 1996 a biomassa desovante da sardinha permaneceu acima dos níveis
medida que reforçam a exigência de estratégias baseadas no tama- considerados críticos, caindo para valores 27% inferiores a esse patamar em
nho do estoque desovante e não apenas na contenção do esforço de 1997, quando foi registrada a captura de mais de 117 mil t da espécie, o que
pesca e na definição de épocas de defeso. provocou o colapso da pescaria em 2000.
• Ecointegração (prospecções hidroacústicas): os levantamentos hi- Mesmo reconhecendo a expressiva redução do tamanho da frota sar-
droacústicos tiveram início em 1974, tendo ocorrido várias avalia- dinheira atuante na região (cerca de 50%, quando comparado com o número
ções desde aquele ano. Os resultados obtidos entre 1974-1980 de barcos da década de 1990), o remanescente caracteriza-se por elevado
apontam biomassa total variando entre 142 mil e 414 mil t, com poder de captura, pois é formado por embarcações de maior porte equipadas
média situada em torno de 250 mil t. Esses valores foram considera- com sonares para a detecção dos cardumes, e redes maiores que possibilitam
dos subestimados quando comparados às capturas anuais do perío- sua atuação em áreas mais profundas e captura de maiores porções. Esse
do. As estimativas dos quatro últimos cruzeiros (Ecosar) foram extre- elevado poder de pesca, quando aplicado em períodos de baixa abundância do
mamente baixas e consideradas pelo Subcomitê Científico do estoque (resultante de fatores ambientais ou de sobrepesca), tende a agravar
Comitê de Gestão do Uso Sustentável da Sardinha-Verdadeira (SC- ainda mais a redução da biomassa explotável, colocando em risco a pescaria
CGSS) como de elevada preocupação, quando, na reunião de no- nos períodos subsequentes (VALENTINI; PEZZUTO, 2006).
vembro de 2010, ponderou que a atuação das traineiras nas áreas de Conforme comentado, os dados dos cruzeiros do Ecosar (IBAMA,
maior concentração, especialmente do estoque de adultos, nos se- 2009, 2010) nos anos de 2008 a 2010 mostram que os cardumes de sardinha-
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e tores norte e centro-norte, poderia influenciar decisivamente na di- verdadeira de maior porte, conforme abordado, têm se concentrado na área
dos Recursos minuição do estoque desovante e, portanto, nos níveis de recruta- norte do estado do Rio de Janeiro, o que tem contribuído para as maiores
Naturais Renováveis produções do estado.
mento subsequentes.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 227

Quanto ao quadro da produção dos últimos anos, os relatórios da últi- Portanto, as recuperações acentuadas da produção dos últimos anos (ex-
ma reunião do SC-CGSS, realizada em julho de 2009 (IBAMA, 2009), e da ceção para 2010), decorrentes da mudança da estratégia de captura, de um esfor-
reunião de especialistas em sardinha-verdadeira, realizada em novembro de ço de pesca superior ao recomendado e da atuação sobre as concentrações de
2010 (IBAMA, 2011), apresentaram as seguintes ponderações (CERGOLE; adultos em período próximo ou que antecede a reprodução, podem contribuir para
DIAS-NETO, 2011): interromper o ciclo positivo de recuperação do estoque da espécie. Esse fato,
quando associado à grande redução da área de desova e aos baixos índices de
• Apesar do quadro de boas capturas no final de 2008, os dados de
abundância de larvas, estimados nas últimas viagens do Ecosar, poderão conduzir
produção e os resultados dos cruzeiros de prospecção, analisados
a um novo colapso no estoque e na pescaria, num futuro próximo.
em conjunto, demonstraram que a sardinha-verdadeira encontrava-
se concentrada em áreas restritas, talvez com biomassa em recupe- A sardinha-verdadeira é considerada uma espécie em crítica situação
ração, mas com intensa captura de futuros reprodutores, podendo de sobrepesca, apesar de o estoque apresentar alguns sinais de recuperação
ter ocasionado reduzida quantidade de ovos e de larvas na reprodu- e estar incluída no Anexo II da IN MMA n° 5/2004, que instituiu as espécies
ção de 2008/09, com consequente recrutamento reduzido em 2009 sobre-explotadas ou ameaçadas de sobre-explotação.
e queda na produção. Quanto à gestão do uso da sardinha-verdadeira, as medidas atuais,
• A possibilidade de mudança da estratégia de pesca, já que existem fruto de revisão das medidas de ordenamento para essa pescaria e atendendo
indícios de que os armadores, na tentativa de mostrar que a situação em parte as recomendações do Comitê de Gestão do Uso Sustentável da
do recurso e da pescaria não era tão crítica, articularam-se e instruí- Sardinha (CGSS) (CERGOLE; DIAS-NETO, 2011), são as seguintes (IN Ibama n°
ram seus mestres a intensificar a procura por cardumes de sardinha- 15/2009 e nº 16/2009):
verdadeira e, quando localizados, realizar imediata comunicação en- Esforço de pesca limitado em número de barcos, desde a década de
tre eles, de forma a se concentrarem na área para obter o máximo 1970, entretanto, com elevadas flutuações e, mesmo, injustificados incre-
de captura possível, o que, associado à hipótese anterior, pode ter mentos (especialmente nos últimos anos);
favorecido a recuperação da produção no último semestre de 2008.
Obrigatoriedade do uso do Programa Nacional de Rastreamento de Em-
• os mais baixos índices de abundância de larvas e a grande retração
barcações Pesqueiras por Satélite (PREPS) nas embarcações.
da área de desova, observados nas viagens do Ecosar, eram indícios
preocupantes de que o estoque de sardinha não estava em situação Defeso de reprodução no período de 1° de novembro a 15 de fevereiro;
animadora. e recrutamento de 15 de junho a 31 de julho de cada ano.
Adicionalmente, aponta-se como preocupante o fato de, a partir de Tamanho mínimo de captura de 17 cm de comprimento total.
2008, ter sido interrompida a geração e consolidação de dados estatísticos da Permite a captura de sardinha-verdadeira abaixo de 17 cm e maior que
pesca nacional, certamente com reflexos no controle da produção de sardi- 5 cm, somente pela frota que emprega vara e anzol com isca-viva como mé-
nha-verdadeira, pois se houve continuidade no levantamento estatístico em todo de pesca do bonito-listrado.
Santa Catarina e São Paulo, o mesmo não aconteceu para o Rio de Janeiro,
justamente o estado onde passou a ocorrer concentração dos desembarques. Proíbe a captura de sardinha-verdadeira para o uso com isca-viva no
Sobre esse aspecto, existem indícios de que as produções, de alguns dos úl- defeso de recrutamento de 15 de junho a 31 de julho de cada ano.
timos anos, no Rio de Janeiro, foram incrementadas por informações de pro- O esforço de pesca tem apresentado um controle bastante deficiente,
Instituto Brasileiro
dução apresentadas por representantes do setor, para mascarar uma queda a começar pelas práticas implementadas pelos gestores públicos responsá- do Meio Ambiente e
ou tendência de queda da produção. Esses indícios, se ocorreram, serão facil- veis pelo RGP (Box 8), o que, associado à operação de barcos não permissio- dos Recursos
Naturais Renováveis
mente constatados em futuro próximo. nados, tem tornado essa medida bastante desrespeitada.
228 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

As avaliações realizadas, considerando os anos de 2000 a 2009, sobre • Manter permanente e eficiente programa de controle e fiscalização
os benefícios relativos à adoção de defeso de 6 a 7 meses, cobrindo os picos da pesca da sardinha-verdadeira.
de maior intensidade de desova e do recrutamento, por ano ou temporada de
• Executar, permanentemente, programa de pesquisa e monitoramen-
captura, adotados nos anos de 2004 a 2009, foram muito positivos para a re-
to da pesca de sardinha, conforme apontado no Plano de Gestão.
cuperação do estoque e do rendimento da pesca, uma vez que ocorreu um
incremento significativo no rendimento médio de produção mensal, nesses Como o risco de um novo colapso nessa pescaria não está descartado
anos, de 11.145 t por mês, quando comparados com a média mensal do período e o limite de esforço de pesca hoje permissionado está muito acima do reco-
de 2000 a 2003 (2.980 t mensais), anos em que os defesos foram de 3 meses mendado no Plano de Gestão, sugerimos, como ação emergencial, a redução
(só na desova), o que representou acréscimo de, aproximadamente, 274% no imediata do esforço de pesca para os 80 barcos-padrão e o retorno dos defe-
rendimento mensal dessa atividade pesqueira. Em outras palavras, com me- sos para um total de 6 meses, sendo quatro no pico de maior intensidade re-
nor custo (rancho, gelo e óleo) e menos tempo no mar, o armador obteve produtiva e dois no de maior intensidade de recrutamento.
melhores volumes de captura e, consequentemente, melhores retornos finan- As medidas de ordenamento atuais e as anteriormente indicadas como
ceiros (CERGOLE; DIAS-NETO, 2011). prioridade devem ser acompanhadas dos programas de fiscalização e de mo-
O respeito ao tamanho mínimo de captura tem apresentado altos e nitoramento e pesquisa, conforme caracterizados no Plano de Gestão.
baixos, desde o início de sua adoção, ainda na década de 1970, seja por falta Outras sardinhas
de adequada fiscalização ou, principalmente, pelo desrespeito que a medida
enfrenta por significativa parcela dos patrões de pesca e pescadores. Além da sardinha-verdadeira, outras espécies de Clupeidae denomina-
das sardinhas são capturadas no litoral do Brasil. Entre essas, as consideradas
Em decorrência do anteriormente exposto e especificamente por parte mais importantes são Opistonema oglinum, conhecida como sardinha-laje ou
das propostas do Plano de Gestão, formuladas pelo Comitê de Gestão do Uso sardinha-bandeira, e Harengula jaguana, denominada sardinha-cascuda. A pri-
Sustentável da Sardinha (CGSS), ainda não foram adotadas (CERGOLE; DIAS- meira destaca-se da segunda em termos de participação na produção nacio-
NETO, 2011), e em reforço às medidas de ordenamento atuais, sugerimos que
nal.
sejam discutidas e implementadas, entre outras, as seguintes medidas com-
plementares: A sardinha-laje distribui-se do sudeste dos EUA até o sul do Brasil. É,
à semelhança da sardinha-verdadeira, um peixe pelágico de pequeno porte
• Avaliar a pertinência de criação de algumas áreas complementares
(Figura 168) que forma densos cardumes em águas tropicais e subtropicais, e
de exclusão para a pesca de cerco direcionada para a sardinha-ver-
é a base alimentar de muitos peixes predadores de maior tamanho (LINO,
dadeira, como áreas de criadouros, e 5 milhas de distância mínima
2003).
da costa para a operação da frota de cerco.
Segundo Feltrim e Schwingel (2006), a partir do mês de novembro
• Redefinir o limite máximo do esforço para a pesca de cerco em, no
ocorre um aumento significativo na atividade reprodutiva da espécie no Su-
máximo, 80 unidades do barco-padrão, conforme definido na propos-
deste e Sul do Brasil, indicando que o período reprodutivo se inicia no final da
ta do Plano de Gestão;
primavera e, provavelmente, se prolonga durante o verão. O comprimento de
• Definir as características principais e as dimensões máximas das re- primeira maturação da sardinha-laje foi estimado em 191,67 milímetros.
des de cerco para as traineiras de pequeno a grande porte.
estudos realizados no litoral do Nordeste (Itapissuma – Pernambuco)
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e • Proteger as áreas de criadouros naturais de indivíduos jovens de apontaram o comprimento de primeira maturação de O. oglinum (Lpm) em
dos Recursos sardinha-verdadeira e mitigar ações antrópicas que impactam o 117 mm. Na oportunidade, verificou-se que 92,7% dos exemplares captura-
Naturais Renováveis
habitat. dos estavam abaixo do Lpm (LINO, 2003).
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 229

uma média de 1.048 t desembarcadas anualmente no Piauí, Ceará, Rio Grande


do Norte, Pernambuco, Alagoas e Bahia. Em 2001, desembarcaram 1.565 t,
representando o terceiro maior volume desde 1980. O declínio das capturas
da serra Scomberomorus brasiliensis, alvo do emalhe no Nordeste, tem inten-
sificado as capturas da sardinha-laje, principalmente no Ceará, onde o tama-
nho das malhas nas redes diminuiu, maximizando as capturas dessa espécie
(LESSA et al., 2009).
Acrescentam que o Ceará é o responsável pelos maiores desembar-
ques (50,5%), que apresentaram grande aumento em 1983 (2.124 t), mas
Figura 168 Sardinha-laje Opistonema oglinum. passaram a diminuir em 1984 (244 t). A partir desse ano, oscilações nos de-
(Fonte:http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.pesqueirapioneira.com.br/wp-content/uploads/Sardinha-Lage – Consultada em 21/8/2013). sembarques ocorreram naquele estado, com uma média de 447 t entre 1986
e 2001. A Bahia contribui com 15,3% dos desembarques na região, com os
No Sudeste e Sul do Brasil, a sardinha-laje, além de ser fauna acompa-
maiores desembarques de 1980 a 1983, mas declínio a partir de 1984. O Rio
nhante da pesca da sardinha-verdadeira e espécie alternativa da pesca de
Grande do Norte é responsável por 13,4% das capturas, com os maiores volu-
cerco das traineiras, é bastante capturada nos períodos em que ocorre o de-
mes desembarcados de 1999 a 2001. Em Alagoas, também a partir de 1999,
feso de S. brasiliensis. A sardinha-laje é considerada a principal espécie para
ocorreram as maiores capturas, sendo esse estado responsável por 10% do
manter o fornecimento de matéria-prima para o setor pesqueiro industrial, total desembarcado entre 1980 e 2001. Os estados de Pernambuco, Piauí e
diante do declínio nas capturas da sardinha-verdadeira, uma vez que apresen- Sergipe contribuíram com 6,3%; 2,8% e 1,7% do total, respectivamente.
ta qualidades nutricionais, gustativas e visuais muito semelhantes às da sardi-
nha-verdadeira. Considerando, a partir desse ponto, o total da produção do conjunto de
outras sardinhas capturadas em todo o litoral do Brasil (sardinha-laje, sardi-
Além desse grande esforço para a pesca da espécie, recentemente foi nha-cascuda e outras não especificadas), no período de 1995 a 2010 (Figura
permissionada uma frota específica para a captura da sardinha-laje, composta 169), observa-se o seguinte comportamento: as produções anuais apresenta-
de 260 barcos (Tabela 2), que representa um esforço descomunal e insusten- ram tendência de crescimento até 2000, com produção total de 31.444 t;
tável para a exploração da espécie. Adicionalmente, é elevada a possibilidade decresceu até 2005 (21.041 t), quando apresentou recuperação e passou a
de esses barcos passarem a direcionar, ilegalmente, capturas para a sardinha- oscilar com tendência de estagnação, sendo que as produções dos últimos
verdadeira, com o risco de agravar a crise da pesca sobre a espécie. anos ficaram um pouco acima de 26.000 toneladas.
Essa é uma situação que exige medidas imediatas por parte dos ges-
tores da pesca nacional.
Em 1997, a proporção de sardinha-laje nas capturas na frota de cerco
em Santa Catarina representou 3%, alcançando 85% no primeiro semestre de
1999. Em 2000, a sardinha-laje representou 20% do total desembarcado pela
frota de cerco, quando foram capturadas 4.274 t. Nos anos seguintes, as
proporções de sardinha-laje mantiveram-se bastante significativas nos de-
sembarques, com 10,1%, 10,4% e 16% em 2001, 2002 e 2003, respectiva-
mente (FELTRIM; SCHWINGEL, 2006). Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
Na Região Nordeste, a sardinha-laje é importante recurso para a frota dos Recursos
Naturais Renováveis
pesqueira artesanal, empregando rede de emalhar. Essa espécie apresenta

Foto: Miguel von Ber


230 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

• Instalação urgente dos CPGs de pelágicos do Norte-Nordeste e do


Sudeste-Sul, com inclusão desse grupo de espécies.
• Que sejam consideradas as especificidades da pesca no Sudeste-Sul
e no Norte-Nordeste.
• Imediata avaliação e, se for o caso, definição de limites para o esforço de
pesca sobre a sardinha-laje no Sudeste-Sul.
• Implementação de programa de pesquisa e monitoramento para
esse conjunto de espécies, para viabilizar um conhecimento adequa-
do das espécies e da situação de seus usos.
Abrótea Urophycis brasiliensis (Kaup, 1858), e U. mystacea Ribeiro, 1903
As pescarias e produções do Sudeste e Sul envolvem duas espécies
comumente chamadas de abrótea: abrótea-de-fundo U. brasiliensis e abró-
Figura 169 Desembarques totais do conjunto de outras sardinhas (sardinha-laje, sardinha-cascuda e outras não especificadas) tea-de-profundidade U. mystacea. Ambas pertencem à família Gadidae e as
capturadas no litoral do Brasil entre 1995 e 2010. estatísticas de produção pesqueira nacional não as discrimina, em decor-
rência de o controle nos desembarques não distinguir as produções das
Pode-se notar, do quadro anteriormente descrito, que o grande cresci-
duas espécies. As principais características dessas espécies serão aborda-
mento da produção de todas as sardinhas ocorreu justamente quando houve
das a seguir.
a segunda grande crise da pesca da sardinha-verdadeira, confirmando a busca
de alternativas da frota de cerqueiros por recursos alternativos para a pesca A abrótea-de-fundo, também chamada de abrótea-comum ou abrótea-
no Sudeste e Sul, conforme apontado por Feltrim e Schwingel (op. cit.). de-penacho U. brasiliensis, apresenta o corpo alongado e fusiforme, com um
barbilhão curto e fino abaixo da ponta da mandíbula. Tem duas nadadeiras
Não existem avaliações de estoques específicas e abrangentes para
dorsais, a primeira é curta e a segunda é longa, as nadadeiras pélvicas são fi-
as duas principais espécies de sardinhas capturadas em todo o litoral do lamentosas, já as nadadeiras peitorais e a nadadeira anal são longas. A cor é
Brasil. Entretanto, as avaliações feitas para o estoque da sardinha-laje da marrom-pardo no dorso e branco-amarelado no ventre. As nadadeiras pélvicas
Região Nordeste concluíram que a taxa de explotação da espécie encontra- e a parte anterior da nadadeira anal são claras e as outras nadadeiras são es-
se próxima da estimada para o limite de máximo rendimento sustentável. curas. Atingem mais de 60 cm de comprimento e cerca de 3 kg de peso
Assim, o conjunto das sardinhas encontra-se plenamente explotado ou no li- (LEAL; BEMVENUTI, 2006) (Figura 170).
mite máximo de uso.
A espécie distribui-se do Rio de Janeiro à Argentina (40°S). Vive desde
Por esse grupo de espécies ocupar o quarto lugar entre os com maior águas costeiras rasas até 190 m de profundidade. Os adultos estão próximos
participação média na produção total da pesca marinha do Brasil, nos últimos ao fundo de areia, lama ou cascalho, e os jovens são pelágicos. Alimentam-se
16 anos (Tabela 12), constata-se sua grande importância para a pesca nacio- de crustáceos, principalmente camarões, invertebrados do fundo e peixes. A
nal, exigindo atenção quanto à adoção de medidas para manter o uso susten- reprodução ocorre no inverno (HAIMOVICI et al., 2008; LEAL; BEMVENUTI, op.
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e tável. Por isso, propomos: cit.).
dos Recursos
Naturais Renováveis
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 231

nho, atingindo máximos em abril e maio. Os valores médios mensais dos índi-
ces gonadossomáticos apresentam ciclo anual com máximos de abril a junho.
Nos ovários de fêmeas desovantes foram observadas duas modas de ovócitos
em maturação, indicando estratégia de desova múltipla.
Quanto às pescarias:
• A abrótea-de-fundo U. brasiliensis é frequente nas capturas das fro-
tas de arrasto de fundo (tangones, parelhas) durante todo o ano. No
Figura 170 Abrótea-de-fundo U. brasiliensis. entanto é apontada como mais abundante nos desembarques de
Fonte: Leal e Bemvenuti (2006). primavera e verão, nos portos de São Paulo e Rio Grande do Sul,
A abrótea-de-profundidade U. mystacea apresenta morfologia com enquanto as maiores capturas em Santa Catarina são obtidas no ou-
várias similaridades à U. brasiliensis, distinguindo-se, entretanto, pelas carac- tono e no inverno. Além de adultos de interesse comercial, frequen-
terísticas da cabeça, olhos e da primeira nadadeira dorsal, entre outros aspec- temente são capturados juvenis que constituem parcela significativa
tos, conforme comparação das figuras 170 e 171. do rejeito de pesca (ANDRADE et al., 2005).
• A abrótea-de-profundidade U. mystacea é capturada incidentalmen-
te na pesca de linha e espinhel de profundidade e o principal alvo dos
arrastos duplos de portas, acontecendo em menor grau com arrasto
de portas simples, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Habi-
tualmente, apenas os maiores exemplares são estocados a bordo e
desembarcados, sendo os restantes utilizados como isca (HAIMOVI-
CI et al., 2006). De acordo com Pio (2011), nos últimos anos, foi
possível identificar uma parcela da frota de emalhe de médio porte,
de Santa Catarina (de 5 embarcações em 2007 para 14 em 2008),
direcionando suas capturas para áreas de profundidades variando
Figura 171 Abrótea-de-profundidade U. mystacea.
entre 450 e 500 metros, e empregando redes com malhas de 110
Fonte: Bernardes et al.(2005).
mm, tendo como principal alvo (71,5% da produção) a abrótea-
A abrótea-de-profundidade é um peixe de ampla distribuição no Oceano de-profundidade.
Atlântico Ocidental entre o Golfo do México e a Argentina. A espécie ocorre ao A regulamentação específica (INI MPA/MMA n° 10/2011) contempla
longo de todo o Sul e Sudeste do Brasil, na plataforma externa e no talude conti- permissões de pesca para barcos que utilizem arrasto de fundo oceânico –
nental superior (HAIMOVICI et al., 2008). É uma espécie demersal bentônica e vive simples/duplo (abrótea, galo e merluza) – para atuar no litoral sudeste-sul
entre 60 m e 700 m de profundidade. Representa uma das espécies demersais (profundidade de 250 m a 500 m), em 2013 estavam permissionados 15 bar-
mais abundantes no talude superior das regiões Sudeste-Sul do Brasil. O cresci- cos para essa modalidade de pesca, sendo um sediado no Rio de Janeiro e 14
mento é lento e diferenciado entre machos e fêmeas, tendo a mortalidade natural em Santa Catarina (Tabela 2). Conforme abordado, capturam ainda essas duas
e a longevidade moderadas. As fêmeas atingem mais de 65 cm e, em média, espécies de pescado, parte dos barcos permissionados para o arrasto e o
maturam sexualmente com 43 cm, entre 3 e 6 anos de vida; os machos raramen- emalhe de peixes demersais do Sudeste-Sul e, eventualmente, fração dos que
te ultrapassam 45 cm e 10 anos (HAIMOVICI et al., 2006). utilizam a linha e o espinhel de profundidade. Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
Segundo esses autores, os percentuais de fêmeas em maturação de As estatísticas de produção não discriminam a abrótea-de-profundida- dos Recursos
Naturais Renováveis
U. mystacea, maiores que 42 cm, foram superiores a 20%, de fevereiro a ju- de da abrótea-comum, ou abrótea-de-fundo, portanto, as produções anuais
232 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

que discutiremos a seguir referem-se aos totais de desembarques das duas Considerando, entretanto, a situação de uso desses importantes recur-
espécies, conforme apresentado na Figura 172. sos, sugerimos que sejam discutidas, em fórum apropriado, medidas de ges-
tão que favoreçam seu uso sustentável e entre elas sugerimos:
Na citada figura fica evidenciado os seguintes aspectos: as produções
apresentaram significativas flutuações no período considerado; entre 1980 e • Limitação do esforço máximo de pesca a ser permissionado (número de
1984 a tendência foi de crescimento, atingindo, no último ano, cerca de 3.100 t; barcos).
decresceu nos três anos seguintes, atingindo apenas 1.121 t em 1987; no • Restrições de áreas de pesca.
período seguinte e até 2000 as produções oscilaram em torno de 2.000 t; nos
anos seguintes houve grande incremento na produção, atingindo o recorde em • Temporada de pesca etc.
2002, de 8.207 t; decresceu nos dois anos seguintes e em 2004 foram 3.864 Peixe-sapo Lophius gastrophysus Miranda-Ribeiro, 1915
toneladas; recuperou novamente e atingiu 6.579 t em 2006; voltou a decrescer O peixe-sapo Lophius gastrophysus Miranda-Ribeiro, 1915, pertence à
e nos últimos anos a produção ficou em torno das 5.500 t. Segundo os especia- família Lophiidae, atinge 90 cm de comprimento e apresenta pouca mobilida-
listas nessas pescarias, possivelmente, até o ano de 2000 a produção era, do- de. É um peixe bentônico que habita a plataforma continental e o talude supe-
minantemente, da abrótea-de-fundo e a partir de então, com o surgimento e a rior do Oceano Atlântico Ocidental, ocorrendo desde a Carolina do Norte
consolidação das pescarias na plataforma externa e no talude superior, passou a (39°N), EUA, até a Argentina (39°S), sendo encontrado entre 40 m e 620 m
dominar a participação da abrótea-de-profundidade. de profundidade (HAIMOVICI et al., 2008).
A morfologia do peixe-sapo pode ser considerada incomum (Figura
173), tendo como principais características o corpo achatado dorso-ventral-
mente; cabeça e boca grandes; os dentes são do tipo canino, fortes, cônicos
e em forma de presas, característica de peixes predadores; coloração de par-
dacenta a marrom; possui barbilhões sensoriais próximos à boca (BEMVENU-
TI; FISCHER, 2010).

Figura 172 Desembarques totais das duas espécies de abrótea (U. brasiliensis e U. mystacea) capturadas no Sudeste e Sul do
Brasil entre 1980 e 2010.
As avaliações da situação de uso da abrótea-de-fundo indicam que a
espécie encontra-se em situação de pleno uso ou de sobrepesca (ANDRADE
et al., 2005; JABLONSKI, 2005; MMA, 2006). Situação idêntica é apontada
nas avaliações para a abrótea-de-profundidade (JABLONSKI, 2005; MMA,
2006; HAIMOVICI et al., 2006). Figura 173 Peixe-sapo L. gastrophysus.
Instituto Brasileiro Fonte: Haimovici et al. (2008).
do Meio Ambiente e Não foi identificada nenhuma medida de gestão em vigor para as pes-
dos Recursos carias dessas duas espécies, uma vez que o tamanho mínimo que existia para Segundo Haimovici et al. (op. cit.), são relevantes as seguintes carac-
Naturais Renováveis
uma das espécies foi revogado. terísticas desse peixe, para o ordenamento de sua pescaria:
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 233

• A espécie ocorre ao longo de toda a região, com pouca variação na


distribuição e na abundância entre épocas do ano.
Os exemplares menores, com baixo valor comercial, se distribuem prefe-
rencialmente na plataforma externa e na quebra do talude; os exemplares maio-
res se distribuem sobre o talude superior entre 200 e 400 m de profundidade.
• As fêmeas predominam entre os exemplares maiores, indicando di-
ferenças de crescimento entre machos e fêmeas.
• A contribuição reprodutiva das fêmeas de maior tamanho, por unida-
de de peso, é muito maior que a das fêmeas maduras de menor ta-
manho e idade, devendo ser ressaltada sua importância para asse-
gurar o potencial reprodutivo do estoque.
Esses autores concluíram que os índices gonadossomáticos das fêmeas
foram mais elevados no inverno-primavera, particularmente para as classes Figura 174 Produção total de peixe-sapo L. gastrophysus no Brasil entre 1995 e 2010.
de comprimentos totais superiores a 500 mm, indicando que a primeira matu- Segundo informações contidas em Valentini e Pezzuto (op. cit.), a CMS
ração das fêmeas ocorre a partir desse comprimento. A desova ocorre a partir foi estimada, inicialmente, em 2.500 t e, posteriormente, em 1.500 t. A espé-
da primavera e finaliza antes do fim do verão. cie é considerada sobrepescada (MMA, 2006; HAIMOVICI et al., 2008) e tam-
O peixe-sapo era pescado pela frota de arrasteiros do Rio de Janeiro bém está incluída no Anexo II da IN MMA n° 5/2005 como sobre-explotada ou
há décadas, tornando-se, mais recentemente, espécie-alvo da frota de barcos ameaçada de sobre-explotação.
de emalhe arrendados entre 1999 e 2002 (PEREZ et al., 2003). As pescarias Situação de rápida expansão e grande queda na produção, ocorrida
desses barcos foram suspensas após significativa queda dos rendimentos e a com a pesca do peixe-sapo, foi observada também e para o mesmo período
espécie ter sido considerada sobre-explotada (VALENTINI; PEZZUTO, 2006) nas pescarias dos caranguejos-de-profundidade.
retornando, posteriormente, à coexistência da pesca de arrasto e de emalhe
restritas aos barcos nacionais. A produção dos últimos anos tem sido, domi- Conforme evidenciado, a pesca de emalhe do peixe-sapo é normatiza-
nantemente, desembarcada nos estados do Rio de Janeiro e Santa Catarina. da pela INI MMA/MPA n° 3/2009, que define, além do número de barcos, os
seguintes aspectos:
A frota está limitada a um máximo de nove barcos, que deve operar
com rede de espera do tipo fixa de fundo (INI MPA/MMA n° 3/2009). O pro- • Cota anual máxima de mil e quinhentas toneladas de peso inteiro
duto da pescaria desfruta de elevado valor comercial, destinando-se, domi- eviscerado.
nantemente, à exportação, e tem os mercados europeu e asiático como os • Limitação máxima de redes transportadas por embarcação (mil redes).
principais compradores.
• Profundidade mínima permitida para as operações de pesca: 250
O comportamento da produção, no período de 1995 a 2010, é apresen- metros.
tado na Figura 174, onde pode ser observada produção entre 1995 e 1998,
ficando entre 300 t e 500 t; a partir de 1999 apresentou rápido crescimento, • As redes devem ter panagens confeccionadas com fio de náilon,
fruto da atuação de barcos arrendados, atingindo, em 2001, a maior produção: monofilamento, e empregar tralhas sem flutuadores.
Instituto Brasileiro
7.094 t; decresceu nos dois anos seguintes, quando atingiu 2.677 t em 2003; • As redes não podem ter malha inferior a 280 mm entre nós opostos do Meio Ambiente e
a produção dos últimos anos tem ficado em torno das 2.500 t, e tem extrapo- da malha esticada e comprimento superior a 50 m, medidos na tra- dos Recursos
Naturais Renováveis
lado a cota anual de captura. lha superior.
234 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

• É obrigatório o recolhimento de todos os petrechos de pesca, ao final do Como evidenciado, além das cotas anuais não terem sido respeitadas, al-
cruzeiro, não sendo permitido o desembarque do produto da captura gumas das medidas definidas são de difícil acompanhamento, controle ou avalia-
sem a comprovação do recolhimento, a bordo, de todos os petrechos. ção, especialmente depois de o MPA, no final de 2012, de forma unilateral, ter
• As embarcações permissionadas devem operar exclusivamente na desrespeitado legislação específica e deixado de cobrar a necessidade de obser-
captura de peixe-sapo, utilizando unicamente o método de rede de vadores de bordo em cada embarcação permissionada, nessa e em outras pesca-
espera fixa de fundo. rias.
• Definir áreas de exclusão para a pesca. Em decorrência dos aspectos abordados, essas medidas de gestão
• Obrigar o responsável legal pela embarcação a promover o imediato devem ser avaliadas em fóruns especializados, de forma a possibilitar eventu-
e completo resgate das redes no final do cruzeiro. ais adequações e contribuir para assegurar a sustentabilidade dessa pescaria.

Box 9 A pesca de caranguejos-de-profundidade Chaceon spp. realizada no Sudeste e Sul do Brasil.


A pesca de caranguejos-de-profundidade no Sudeste e Sul do Brasil incide sobre duas espécies, Chaceon ramosae e Chaceon notialis, cujas informações detalha-
das sobre área de ocorrência, ciclo de vida etc., podem ser encontradas em Athiê (2004).
Segundo Lima e Branco (1991), as primeiras pescarias de caranguejos-de-profundidade no Brasil ocorreram entre 1984 e 1985 e foram realizadas por dois barcos
japoneses arrendados, operando com armadilhas circulares no talude continental da Região Sul. Naquela oportunidade, a captura total foi de 1.471 t, para 276 dias de
pesca efetiva. Os autores registraram acentuado decréscimo da captura por unidade de esforço (CPUE), sobre a captura acumulada, ao longo de sete meses, indicando
aparente limitação do estoque.
Após um período sem capturas direcionadas aos caranguejos-de-profundidade, a pesca foi retomada em 1999, novamente por barcos estrangeiros arrendados. Nesse úl-
timo período, a produção partiu de 632 t, em 1999, para 2.169 t em 2003, caindo nos anos seguintes e registrando, em 2006, apenas 292 t. Em 2007, apresentou leve recuperação,
ficando em torno de 500 t, conforme ilustra a figura ao lado (DIAS-NETO, 2010).
Segundo Athiê (op. cit.), Matsuura, com base nos dados de Lima e Branco (op. cit.), es-
timou que o estoque inicial seria de 574,1 t de caranguejos, com biomassa média de 145 kg/km².
As avaliações realizadas pelo autor anteriormente citado e as confrontações que fez
com resultados de outras avaliações de pesquisadores uruguaios, levaram a concluir os va-
lores de captura máxima sustentável de 1.760 e 3.700 t/ano e rendimento potencial médio
de 2.700 t/ano. Recomendou, então, que apenas dois barcos deveriam ter permissão para a
captura do recurso na ZEE Sudeste-Sul do Brasil.
Pezzuto et al. (2006) estimaram a CMS para o caranguejo-vermelho C. notialis
em um mínimo de 395,6 t e um máximo de até 1.135,3 t. Já a estimativa para o caran-
guejo-real C. ramosae foi de 593,5 t. Na oportunidade, apresentaram um conjunto de
medidas para o ordenamento desses caranguejos.
Considerando que o recurso encontra-se em sobrepesca (MMA, 2006), é provável que uma pescaria sustentável na área do Sudeste-Sul, para as duas espécies, deve
ter por base valores iniciais em torno de 300-400 t/ano e até que se consolide uma recuperação do estoque e se estabilize por um período em 1.000 t/ano (quando pode ser
revisto); que apenas um ou dois barcos, de preferência nacionais, sejam autorizados a capturar esse recurso permanentemente; que outras medidas de gestão (tamanho mí-
Instituto Brasileiro nimo de malha das armadilhas, temporadas de pesca, áreas de exclusão etc.) sejam adotadas.
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis 7
Fonte das informações sistematizadas de vários autores sobre sistemática, biologia, ciclo de vida, habitat etc.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 235

Caranguejo-uçá Ucides cordatus (Linnaeus, 1763) movimentando-se lateralmente e com os quelípodes curvados à frente do cor-
po (COSTA, 1972). O formato elíptico das aberturas das galerias ocorre devido
Segundo informações contidas em Dias-Neto (2011)7, o caranguejo-uçá às dimensões corporais e ao comportamento da espécie. A maior dimensão
pertence à família Ucididae, que é representada por duas espécies – Ucides cordatus da abertura de galeria corresponde à altura total do habitante (altura do cefa-
(Linnaeus, 1763) e Ucides occidentalis (Ortmann, 1897), encontradas nas zonas en- lotórax somada à altura dos pereiópodos flexionados), havendo também influ-
tremarés de baías abrigadas e estuários de regiões tropicais e subtropicais. ência do desgaste da lama devido ao ato de entrar e sair. Como esses animais
O gênero Ucides é caracterizado por possuir órbitas profundas, mas não entram sempre de lado em sua habitação, a menor dimensão da galeria cor-
muito maiores que os olhos; distância interorbital um pouco maior do que a me- responde necessariamente ao comprimento do cefalotórax.
tade da largura da carapaça; antênulas oblíquas; epístoma pequeno, mas proemi- O caranguejo-uçá alimenta-se quase que exclusivamente de material
nente; dez apêndices ou pernas articulados, fortes, com o primeiro par terminan- vegetal, especialmente das folhas, flores e propágulos das árvores e outras
do em uma grande pinça móvel (quelípodo), que é usada para o transporte de plantas. Prefere as folhas dos mangues às das gramíneas, aparentemente por
folhas quando da alimentação, e para a defesa; abdômen dobrado por baixo do estas serem digeridas com menor eficiência. Podem ingerir também outros
cefalotórax e parte central do corpo revestido por carapaça (Figura 175). materiais como sedimentos, detritos, raízes, cascas de árvores do manguezal
e, eventualmente, pequena quantidade de invertebrados.
A espécie pode viver até 11 anos, com os machos crescendo mais e
apresentando largura da carapaça (LC) de 83,5 mm e as fêmeas com LC de 77,9
mm. A maturidade é atingida com 2 a 3 anos, com alguma variação, dependen-
do da localização geográfica (latitude). O tamanho no início da maturidade sexual
também pode variar, ocorrendo, na média, quando os caranguejos atingem o
tamanho de primeira maturação com 51,7 mm, para os machos, e 46,7 mm para
as fêmeas.
Durante o período reprodutivo, machos e fêmeas saem de suas gale-
rias em um fenômeno denominado pelas comunidades litorâneas de andada,
andança, corrida ou carnaval. A porcentagem de machos durante as andadas
pode chegar a 94%. Estes liberam uma espuma branca 3 a 9 dias antes da
andada, possivelmente, para a atração sexual por feromônios. Durante as an-
Figura 175 Caranguejo-uçá Ucides cordatus. dadas, ocorre com frequência o confronto entre os machos, pela posse das
Fonte: Ibama. parceiras, por meio de golpes de quelípodos. No Brasil, as andadas podem
A ocorrência do caranguejo-uçá está limitada à costa oeste do Oceano ocorrer de novembro a março, geralmente iniciando um dia após a Lua cheia
Atlântico, desde a Flórida (EUA) até Santa Catarina (Brasil). Sua área de distri- ou nova, prolongando-se por até 6 dias.
buição se sobrepõe à dos manguezais, sendo Laguna, no estado de Santa Ca- A espécie realiza acasalamento (cópula) quando as fêmeas estocam
tarina, seu limite de distribuição austral (SCHAEFFER-NOVELLI et al., 2000). os espermatozoides nas espermotecas, até que suas gônadas se desenvol-
De ocorrência restrita ao manguezal, U. cordatus é uma espécie semiter- vam e ocorra a exteriorização dos ovos. Os espermatóforos podem ser esto-
restre que habita galerias cavadas em áreas de substrato macio, próximas ao cados por longos períodos. O desenvolvimento embrionário da espécie dura
mar, entre os níveis médios de preamar e baixa-mar. A profundidade média 18 dias, a 27 ºC, enquanto o desenvolvimento larval leva 60 dias, a 25 ºC. Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
das galerias desta espécie é de 84 cm, podendo chegar a 115 cm. Os indiví- A reprodução de U. cordatus é sazonal e a maior atividade reprodutiva dos Recursos
Naturais Renováveis
duos caminham por um mesmo trecho quando saem e entram das galerias, ocorre nos meses de primavera-verão, com destaque para janeiro. Os machos
236 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

apresentam ciclo sexual mais rápido e estão aptos para a reprodução antes do e o juvenil bentônico. O retorno ao manguezal ocorre durante as marés en-
que as fêmeas. A desova ocorre imediatamente após a cópula. As fêmeas chentes de Lua cheia e nova, onde os caranguejos completam seu desenvol-
exteriorizam uma grande e única massa ovígera durante o período reprodutivo, vimento. Os primeiros estágios juvenis são encontrados em associação ao
não ocorrendo desovas múltiplas. sedimento removido das galerias, pelos animais de maior porte, aproveitando
sua menor compactação para escavar suas próprias galerias.
As fêmeas liberam as larvas, denominadas zoeias, principalmente an-
tes da maré vazante de sizígia, facilitando sua dispersão para o mar aberto. As Segundo Dias-Neto (op. cit.), as elevadas taxas de mortalidade por
larvas desenvolvem-se em áreas oceânicas, sendo descritos sete estágios pesca sugerem tendência à sobre-explotação, independentemente do sexo, o
larvais para a espécie. As zoeias permanecem longe dos manguezais por três que justificou a inclusão desta espécie no Anexo 2 da Instrução Normativa nº
a quatro semanas, completando seu desenvolvimento em águas costeiras. 5/2004. Além da pesca, são frequentemente citados como importantes fontes
Iniciam uma migração para dentro dos estuários, já na forma de recrutas, ou de mortalidade a destruição dos manguezais e as doenças ou mortandade em
megalopas, que consiste num estágio intermediário entre a larva planctônica massa (Box 10).

Box 10 Mortandade do caranguejo-uçá.

Um dos primeiros relatos sobre a mortandade em massa de U. cordatus consta em uma reportagem do Jornal do Comércio, do Recife, de 29 de abril de 1997. O
fenômeno chegou ao litoral da Paraíba em 1998 e, em 2000, já havia chegado ao Rio Grande do Norte. Nesse mesmo ano, o fenômeno de mortandade em massa se ex-
pandiu para o sul. O estado de Sergipe foi atingido em janeiro/2001. No mesmo ano, esse fenômeno começou a ser detectado em manguezais do Una e do norte de Ca-
navieiras (sul da Bahia), alastrando-se para o sul de Canavieiras e Belmonte em janeiro/2003; para Cabrália, em julho/2003. Em janeiro/2005, as populações de carangue-
jo-uçá de Caravelas/BA foram afetadas, quando foram descritos os efeitos e quantificado o fenômeno. A propagação continuou para o sul, atingindo as populações de
Mucuri/ES, em maio/2005, e São Mateus/ES em setembro/2005.
Os estudos apontaram que a mortalidade em massa de U. cordatus atinge indivíduos de todas as classes de tamanho e a porcentagem de galerias vazias aumen-
ta drasticamente com a mortandade, chegando a 65%. Aparentemente, a maior parte dos caranguejos-uçá deixou suas galerias antes de morrer, já que 79% das carcaças
foram encontradas fora delas. Uma análise comparativa da população do caranguejo-uçá em Caravelas/BA, antes da mortandade (julho/2004) e depois dela (julho/2005),
mostrou redução de 80,4% na densidade da espécie para a zona de apicum, 92,4% para a zona de L. racemosa e 99,4% para a zona de R. mangle, esta última onde pre-
dominam os caranguejos com tamanho comercial.
Monitoramentos realizados em Caravelas/BA indicaram significativa recuperação da densidade populacional de U. cordatus. No manguezal estudado, a densidade
que era 0,70±0,10 ind./m2 em fevereiro/2006 (um ano e um mês após a mortandade), aumentou para 1,33±0,13 ind./m2 em fevereiro/2007 (dois anos e um mês após a
mortandade). Enquanto a densidade populacional aumentou em 90%, o comprimento médio dos caranguejos aumentou em apenas 27%, devido ao crescimento lento, que
é característica dessa espécie.
Schaeffer-Novelli et al. (2004) citam coincidência dos sintomas apresentados pelos caranguejos-uçá doentes (danos no aparelho digestivo, hepatopâncreas, outros
órgãos internos, anorexia, letargia e alterações na cor da carapaça) com aqueles decorrentes de várias doenças típicas de camarões peneídeos marinhos. Assim, postulou-
se que a causa da mortandade em massa estaria ligada à carcinicultura.
Segundo Boeger et al. (2005), os caranguejos-uçá em áreas de alta mortandade compartilham de vários sintomas, como letargia, controle-motor deficiente e in-
capacidade de retornar à posição normal quando virado de cabeça para baixo. Por isso, denominaram esse mal como Doença do Caranguejo Letárgico (DCL). Análises
histológicas realizadas pelos citados autores demonstraram que a maioria dos caranguejos classificados como moribundos apresentavam uma profusão de hifas e conidi-
ósporos fúngicos de um ascomiceto do subfilo Pezizomycotina em vários órgãos, especialmente o coração, gânglio torácico e hepatopâncreas. Segundo Ribeiro et al.
Instituto Brasileiro (2006), duas espécies de leveduras-negras foram isoladas de caranguejos doentes: Exophiala cf. psycrophila e Cladophialophora cf. devriesii. Boeger et al. (2007) apontam
do Meio Ambiente e o fungo do gênero Exophiala como o agente causador da DCL, sendo os tecidos mais afetados a epiderme, tecido conectivo, coração, hepatopâncreas, sistema nervoso e
dos Recursos
Naturais Renováveis brânquias. Ainda segundo Boeger et al. (2007), a dispersão do fungo dentro dos caranguejos ocorre no sistema sanguíneo.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 237

Dias-Neto (op. cit.) relata que o estudo que avaliou uma possível ocor- sucessivamente, até bater no caranguejo, para depois removê-lo.
rência de diferentes populações do caranguejo-uçá, ao longo da costa brasi- Alta taxa de mortalidade de caranguejos é atribuída a ferimentos
leira, constatou alto grau de fluxo gênico e apontou não ter encontrado evidên- ocasionados por esse instrumento, com perfurações na carapaça e
cias de estratificação geográfica para a espécie. perda de apêndices.
O recrutamento de U. cordatus ainda é pouco compreendido, já que os • Chuncho: é um instrumento de madeira, em formato de clave, afila-
juvenis são raramente encontrados em campo. Os recrutas, quando encontra- do na extremidade inferior, que serve como alargador do ducto das
dos, estão associados ao sedimento das paredes e/ou utilizados para selar a galerias, sendo utilizado para facilitar o braceamento.
abertura das galerias de caranguejos maiores desta mesma espécie, principal- • Redinha: consiste numa armadilha feita de fios de sacos plásticos
mente em zonas pouco inundadas, próximas à transição do manguezal para a (ráfia) amarrados pelas extremidades, em gravetos retirados das
terra firme – apicum. Embora seja comprovado que substâncias liberadas pe- próprias árvores do manguezal, que são inseridos no sedimento nas
los adultos possam estimular o assentamento larval desta espécie, ainda é
laterais da abertura da galeria, com fibras colocadas em seu interior.
necessário confirmar se o recrutamento ocorre por seleção ativa, pela larva,
Quando as fibras são amarradas em um ramo só, temos o lacinho,
ou é decorrente da menor mortalidade dos juvenis recém-assentados, dentro
que é um petrecho considerado altamente predatório, uma vez que
das galerias, em áreas menos inundadas.
não seleciona tamanho nem sexo. Cada catador chega a colocar 300
A coleta do caranguejo-uçá é realizada no interior dos manguezais, armadilhas num só dia. De difícil detecção, essas técnicas têm sido
tornando o acesso a esse ecossistema um fator importante. Os pescadores ou amplamente utilizadas, apesar de proibidas.
catadores normalmente exploram áreas de manguezal mais próximas, para
A captura ocorre em praticamente toda a costa brasileira, sendo des-
onde se deslocam a pé, de bicicleta ou utilizando barcos normalmente sem
crita como uma das mais significativas atividades econômicas e de subsistên-
motor.
cia em vários estados do litoral brasileiro. Em alguns casos, é o principal pro-
Os sistemas estuarinos e lagunares, ao longo de toda a costa brasilei- duto pesqueiro de alguns municípios, ocupando grande parcela da produção
ra, sempre que apresentam manguezais em bom estado de conservação, des- pesqueira nessas localidades. Seguramente, é o recurso pesqueiro de maior
tacam-se como importantes áreas de pesca deste recurso para as comunida- relevância entre os que são extraídos manualmente. A atividade ganha ainda
des locais. mais importância em épocas de turismo, devido ao aumento da demanda.
A pesca ou cata do caranguejo-uçá é feita de forma artesanal e os Normalmente, os catadores são homens, havendo importante participação de
principais métodos ou instrumentos de captura são: mulheres em algumas comunidades, com destaque para a atividade da cata
da carne.
• Coleta manual: também conhecida como braçada ou braceamento,
é o método mais usado na captura do caranguejo-uçá, que consiste Os catadores de caranguejo detêm conhecimento sólido sobre as ca-
na simples introdução da mão/braço na galeria para a retirada do racterísticas populacionais e o ciclo de vida desses animais. Sabem diferen-
caranguejo. ciar os sexos e estimam o tamanho apenas pelos rastros e a abertura da toca.
• Tapeamento: consiste na obstrução da abertura da toca com um Vários tipos de pequenas embarcações são utilizados em auxílio à pes-
misto de raízes e sedimentos do próprio manguezal, forçando o ca- caria, visando reunir e transportar o produto catado manualmente, até o porto de
ranguejo a subir à superfície para a desobstrução, o que facilita a desembarque. São citados botes a remo, jangadas, canoas e lanchas no desem-
captura. penho dessa função, em diferentes pontos da costa. Porém, essas embarcações
são utilizadas apenas para o transporte e não para o esforço produtivo. Instituto Brasileiro
• Gancho ou cambito: é um vergalhão com a ponta curvada ou uma do Meio Ambiente e
haste de madeira na qual se acopla uma alça de vergalhão amarrada A comercialização é geralmente feita com o animal ainda vivo, sendo dos Recursos
Naturais Renováveis
na ponta. Os coletores introduzem verticalmente o gancho na lama, vendido na casa dos pescadores, nos mercados, restaurantes ou na beira das
238 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

estradas. É um recurso normalmente direcionado para abastecer os mercados


locais e de outros estados.
A produção total média do caranguejo-uçá, nos últimos 16 anos, colo-
ca-o como a espécie que ocupa o 9º lugar na classificação daquelas que mais
contribuíram para a produção total da pesca marinha do Brasil.
Cabe ponderar que, a despeito de ocupar esse importante lugar de
destaque na produção nacional, é necessário apontar que as informações es-
tatísticas sobre as produções de caranguejo-uçá, mesmo sendo as melhores
disponíveis, são consideradas por especialistas um conjunto de problemas,
pois na geração desses dados pode ter havido interferência na consolidação
de uma série histórica anual mais consistente que reflita, com segurança, o
que vem ocorrendo com a produção da espécie. Entre esses problemas, cita-
mos: produção espalhada em extensa área de difícil acesso e por atividade
informal; a maioria dos locais de captura não conta com coletores de dados Figura 176 Produção total do caranguejo-uçá U. cordatus no Brasil entre 1993 e 2010.
permanentes; modificações na metodologia de coleta e consolidação de da- No norte do País, o Amapá e o Pará (na região de Salgado) apresentam
dos; a forma de arrumação (em cordas) para o transporte e o comércio do grandes capturas pelas expressivas áreas de manguezal e estuarinas ali exis-
produto é uma variável para dificultar a estimativa do total capturado. tentes. No Nordeste, a região do Delta do Parnaíba, na divisa entre o Mara-
O comportamento da produção total, no período de 1993 a 2010, é nhão e o Piauí, assim como importantes áreas do litoral da Bahia são de reco-
apresentado na Figura 176, onde se observa o seguinte comportamento: é nhecida importância, assim como são relevantes as várias áreas estuarinas
possível identificar três fases distintas: na primeira, a produção inicia com com mangues dos demais estados da região, essas últimas, certamente, mais
cerca de 15.500 t (em 1993) e declina para 9.203 t (em 1998); na segunda, sobrepescadas. No Sudeste, os estados de São Paulo e Rio de Janeiro regis-
ocorre recuperação, atingindo o máximo de 12.694 t em 2001, decrescendo e tram produção considerável.
ficando estagnada em torno de 10.000 t até 2006; o atual período inicia com
Considerando individualmente os estados, o Pará é, notoriamente, o
acentuada queda da produção em 2007 (6.818 t – a menor), ficando entre
principal produtor da última década, respondendo por mais da metade da pro-
8.000 e 9.000 t nos três últimos anos.
dução total média anual do País. Destacam-se, ainda, como grandes produto-
res, os estados do Maranhão, Piauí e Bahia.
A maioria dos estados não possui levantamentos precisos de esforço,
embora alguns tenham estimativa do número de catadores. Estima-se que no
Maranhão haja 4.000 catadores, na Paraíba 3.100, no Piauí 2.500 e em Sergi-
pe 1.250. No Delta do Parnaíba, entre os estados do Maranhão e do Piauí,
estima-se que 4.500 atuem na região e trabalhem, em média, 5 dias por se-
mana. A atividade dos catadores é intensificada nos meses de verão e em
julho, coincidindo com o aumento do fluxo de turistas.
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e As estimativas de estoque do caranguejo-uçá são raras e, na maioria,
dos Recursos para áreas restritas. Entretanto, vários autores citados na proposta de Plano
Naturais Renováveis
Foto: Miguel von Ber Nacional de Gestão para o Uso Sustentável da espécie indicam possível esgo-
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 239

tamento do recurso ao longo de partes importantes do litoral brasileiro, como fêmeas ovadas entre o Espírito Santo e Santa Catarina (Portaria Ibama n°
no litoral do Ceará, pela sobre-explotação. 52/2003).
Além da sobrepesca, muitos sistemas estuarinos vêm sofrendo impac- É proibida a retirada da pata e a devolução do caranguejo ao ambiente.
to ambiental por indústrias e outras fontes poluidoras como a agropecuária,
Permite a captura somente pelo método de braceamento ou com o au-
atingindo os ecossistemas costeiros por drenagem continental. Existem indí-
xílio de gancho/cambito, entre o litoral do Pará e o da Bahia (Portaria Ibama n°
cios de contaminação em caranguejos e esses agentes químicos podem estar
34/2003).
sendo bioacumulados nos consumidores.
Existem outras medidas mais restritivas em determinadas áreas ou es-
Em áreas de manguezal, frequentemente, tem sido observado que
tados.
após o esgotamento de um recurso pesqueiro, a comunidade, que dele sobre-
vivia, vai aos poucos deixando essas áreas à procura de outras onde são man- A proposta de um Plano Nacional de Gestão para o Uso Sustentável da
tidos os níveis ainda adequados à extração. Assim, essas áreas passam a espécie apresenta, entre outras, as seguintes medidas de gestão para recupe-
sofrer esforço de captura pela comunidade que ali vive, além do decorrente rar e manter a pescaria em nível de sustentabilidade:
das pessoas que chegaram e se encontravam no limiar da pobreza e da misé- • Método de pesca: proibir qualquer tipo de armadilha, instrumentos
ria, e que não têm qualquer ligação com o ecossistema, promovendo sua cortantes e produtos químicos.
destruição. A redução das atividades tradicionais, com a consequente perda
do conhecimento, vem diminuindo a autossuficiência local e aumentando a • Não permitir a retirada de partes isoladas (como as patas) na ativi-
dependência externa. Esse é mais um fator de ameaça ao ecossistema de dade de cata.
manguezal. • Manter a medida de tamanho mínimo de captura de 6 cm de largura
A regulamentação da captura do caranguejo-uçá teve início nas déca- da carapaça, estabelecida na legislação em vigor.
das de 1980 e de 1990, com medidas de abrangência municipal, estadual e • Manter, além dos métodos de braceamento e tapeamento, os petre-
regional. Atualmente, são as seguintes as medidas de ordenamento para a chos cambito e gancho, já permitidos pela legislação em vigor.
pesca da espécie:
• Manter a paralisação da captura nos períodos de andada nos meses
Defeso durante os períodos da andada no litoral dos estados do Nordes- de janeiro, fevereiro e março.
te e do Pará (Portaria Ibama n° 34/2003).
• Definir áreas de pesca/cata e outras de exclusão, podendo ocorrer o
Defeso anual no litoral dos estados do Espírito Santo a Santa Catarina, no rodízio entre elas.
período de 1°/10 a 30/11, para machos e fêmeas, e de 1° a 31/12 somente
Além das propostas para aperfeiçoar o ordenamento da pesca, ante-
para fêmeas (Portaria Ibama n° 52/2003).
riormente apontadas, a proposta de um plano considera imprescindível a im-
Tamanho mínimo de captura (largura da carapaça): no litoral do Pará a plementação dos seguintes programas, conforme as características definidas:
Santa Catarina, de 6,0 cm (Portaria Ibama n° 34/2003 e nº 52/2003) e, ainda,
• Programa de educação ambiental.
do Espírito Santo a Santa Catarina é proibida a captura de fêmeas ovadas e a
retirada de partes isoladas (quelas, pinças ou garras) (Portaria Ibama n° • Programa de pesquisa.
52/2003). • Programa de fiscalização: não apenas em relação ao catador/pesca- Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
Limitação do uso na captura de determinados petrechos de pesca como: dor, mas também no que diz respeito aos demais impactos antrópi- dos Recursos
Naturais Renováveis
armadilhas, instrumentos cortantes, produtos químicos. Proíbe a captura de cos (ex.: especulação imobiliária, poluição industrial/doméstica, su-
240 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

pressão da vegetação etc.), responsáveis pela degradação dos


ecossistemas costeiros.
É recomendada, ainda, ampla participação da sociedade no processo
de gestão, de preferência, por meio da criação de espaços democráticos de
negociação que permitam a prática da gestão compartilhada do uso do recur-
so entre representantes do Estado e dos usuários.
Tainhas (gênero Mugil)
A família Mugilidae possui 14 gêneros, dominando, entretanto, no lito-
ral do Brasil, as espécies do gênero Mugil, que podem ser denominadas tai- Figura 177 Tainha Mugil liza.
nha, saúna, parati e curimã. Essas espécies são eurihalinas e euritérmicas e Fonte: Leal e Bemvenuti (2006).

apresentam ampla distribuição, ocorrendo em águas costeiras marinhas e M. liza distribui-se no Atlântico Ocidental da costa da Flórida até a Ar-
estuarinas (HERBST, 2013). gentina, incluindo o Mar do Caribe, e no Brasil ocorre em todo o litoral. Exis-
As últimas avaliações e, em especial, a conclusão de Menezes et al. tem, entretanto, indícios de ocorrência de estruturação genética de popula-
(2010) afirmam haver apenas uma espécie de tainha na região do Mar do ções, apontando características biológicas distintas ao longo de sua área de
Caribe e na costa Atlântica da América do Sul, denominada de Mugil liza, ra- distribuição no Brasil. Junto com outras congêneres, representam recursos
zão pela qual neste trabalho se assumiu que essa é a espécie dominante nas ictíicos tradicionalmente explorados pela pesca costeira artesanal, mas na
pescarias e na produção total das chamadas tainhas no litoral do Brasil. As- última década tornou-se também importante espécie-alvo da frota industrial
sim, passaremos a apresentar, a seguir, as características principais relaciona- no Sudeste e Sul, principalmente durante o período reprodutivo, quando as
das com o habitat e o ciclo de vida dessa espécie. gônadas passam a ter alto interesse comercial, especialmente para exporta-
ção.
Entretanto, a identificação das tainhas que ocorre no Atlântico Sul Oci-
dental tem sido exaustivamente discutida e vários autores apresentam M. Essa tainha é uma espécie catádroma que passa a maior parte de seu
curema como a espécie com grande participação na produção da costa do ciclo de vida em ambientes estuarinos (estuários de planície, baías e lagoas
Norte e Nordeste cujas informações apontam para um peixe de menor porte costeiras) e migra para o oceano para desovar no outono. As larvas e os pré-
e que ocorre desde o nordeste dos Estados Unidos até o Sudeste do Brasil juvenis retornam para os estuários, que são usados como ambientes de cria-
(NÓBREGA et al., 2009). ção e alimentação. Os juvenis de tainha permanecem no estuário até a idade
de primeira maturação, quando realizam a primeira migração reprodutiva (BI-
A espécie M. liza (Figura 177) possui corpo quase cilíndrico na parte ZERIL; COSTA, 2001), quando pode formar grandes cardumes (THOMSON,
anterior e comprimido na posterior. Tem duas nadadeiras dorsais bem sepa- 1978).
radas, a primeira constituída por quatro espinhos ligados por membrana e a
segunda um espinho, e 7 a 8 raios; a nadadeira anal é constituída por 3 es- Alimenta-se de detritos orgânicos e algas filamentosas (CERVIGÓN,
pinhos, e 8 a 9 raios. A boca é relativamente pequena e de forma angular 1993). O tamanho máximo registrado é de 100 cm de comprimento total (CT),
quando fechada; os dentes são muito pequenos, flexíveis, distribuídos em sendo mais comuns indivíduos ao redor de 40 cm (CT) (HARRISON, 2002). As
determinações de idade, coincidentes na Argentina e no Brasil, indicam uma
séries irregulares, os mais externos sendo, em geral, um pouco mais desen-
expectativa de vida de até 12 anos (CASTELLO et al., 2012).
volvidos. Os olhos são parcialmente recobertos por uma membrana adiposa
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e muito desenvolvida nos exemplares adultos. Não existe uma linha leteral De acordo com Garbin et al. (2012), que realizaram estudo para o Su-
dos Recursos típica como na maioria dos peixes; cada escama do corpo possui pequena deste e o Sul do Brasil, o tamanho de primeira maturidade das fêmeas é al-
Naturais Renováveis
depressão canalicular na região mediana (MENESES, 1983). cançado com 47 cm, correspondendo à idade de 5 anos, o que foi considerado
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 241

pelos autores como uma idade alta, levando em conta que a maior que encon- A quase totalidade da pesca de mugilídeo no Norte e Nordeste é arte-
traram foi de 9 anos. sanal ou de pequena escala. Já no Sudeste e Sul, a produção média da pesca
artesanal dominava amplamente, até meados dos anos de 1990, entretanto,
Em estudo na mesma área e sobre tainhas capturadas pela frota indus-
nos anos de 2006 e 2007 representou 37% da produção total, enquanto o
trial de cerco, Schroeder et al. (2012) constataram que o comprimento total
crescimento desordenado da produção da pesca industrial de cerco respon-
variou entre 35 cm e 69 cm, sendo as fêmeas 6 cm maiores que os machos,
deu pelos outros 63% (IBAMA, 2007, 2008). Portanto, em apenas 2,5 meses
em média, e o peso das gônadas entre um mínimo de 0,15 g, chegando a de pesca por ano, as capturas industriais foram capazes de retirar, na média
503,5 g nas fêmeas. daqueles dois anos, quase o dobro do que foi produzido pela pesca artesanal,
Castello et al. (op. cit.) informam que a espécie é identificada como que ocupa 94% da mão de obra envolvida.
desovante total, migradora, estuarino-dependente e catádroma que utiliza a Considerando a produção nacional, no período de 1994 a 2010, obser-
zona de arrebentação numa fase de pré-recrutamento aos estuários. A migra- va-se que o estado com maior participação média foi a Bahia (18,1%), seguido
ção reprodutiva parece seguir uma sequência espaço-temporal, e conforme de perto por Santa Catarina (17,7%), Maranhão (14,7%), Rio de Janeiro
as posições de captura da pesca industrial, ocorre próxima à costa em águas (9,5%), Alagoas (8,9%) e Rio Grande do Sul (8,7%). Importa ponderar que a
de até 50 m. A reprodução inicia-se em fevereiro/março na Argentina e no produção anual da grande maioria dos estados variou bastante ao longo do
Uruguai, março/abril no Rio Grande do Sul e abril/maio em Santa Catarina. período citado.
Quando chega à costa do Paraná, em julho, a maioria das fêmeas já desovou.
A frota empregada na pesca de mugilídeo em todo o litoral brasileiro é
Essa sequência sugere que a reprodução acontece em águas com 19 a 21 °C
bastante diversificada, envolvendo desde canoa a remo, motorizada, como
ao longo da rota migratória. Porém, ao longo de todo o ano, foram observados barcos a vela e motorizados cuja quantidade não foi possível determinar. Já a
no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina 23% de indivíduos desovados. frota industrial de cerco está limitada a um máximo de 60 barcos, para operar
Informam, ainda, que existe uma alta pressão pesqueira artesanal e no Sudeste e no Sul, com a pescaria autorizada a iniciar em 15 de maio e,
industrial sobre as fêmeas ovadas e que uma forte correlação negativa foi normalmente, estendendo-se até o final de julho de cada ano.
observada entre a produção pesqueira de tainha no sul do Brasil e o recruta- Apesar de a estatística pesqueira oficial apresentar produções discri-
mento da tainha no Estuário da Lagoa dos Patos (RS). Concluindo, ponderam minadas para os principais mugilídios, apresentamos na Figura 178 a evolução
que atualmente os dados sugerem que o recurso teria suportado essa pressão histórica do total da produção nacional do conjunto das espécies, ou seja,
pesqueira graças a sua estratégia reprodutiva e de recrutamento. tainha (a grande maioria da produção), parati, curimã e saúna para o período
A pesca de mugilídeo é realizada em todo o litoral brasileiro pela pesca de 1980 a 2010. Na mencionada figura pode ser observado dois períodos: o
de subsistência, artesanal e industrial. Os métodos de pesca mais utilizados primeiro entre 1980 e 1994, quando a produção manteve-se em patamar mé-
na pesca artesanal são: o arrastão de praia, o emalhe (com diferentes siste- dio anual em torno de 20.850 t e ocorreu a produção máxima (pouco mais de
25.871 t) em 1982; o final desse período caracterizou-se por declínio acen-
mas de operação), a tarrafa, o caceio, o cerco-fixo e o curral. Já na pesca in-
tuado, atingindo a produção mínima de 7.465 t em 1996; é provável que essa
dustrial utiliza-se o emalhe e, principalmente, o cerco.
queda tenha ocorrido de forma mais gradual, o que pode não ter sido observa-
Não é adequadamente conhecida a quantidade de mão de obra envol- do pela ausência de controle de produção nos anos de 1991 a 1994. No se-
vida na pesca de mugilídeo no Brasil. As estimativas indicam que a pesca de gundo período, entre 1995 e 2010, a média anual da produção nacional decli-
subsistência e a artesanal no Sudeste e Sul envolve um contingente superior nou para 13.650 t e o incremento verificado na produção nacional, a partir de
Instituto Brasileiro
a 20 mil pescadores diretamente envolvidos e dependentes dessa atividade. 1997, apesar das flutuações interanuais, intensificou-se após o ano 2000, do Meio Ambiente e
Já o número de pescadores que sazonalmente realizam a pesca industrial é de atingindo 21.412 t em 2007, o que pode estar associado a uma maior partici- dos Recursos
Naturais Renováveis
cerca de 1.200. pação da pesca industrial de traineiras no Sudeste e no Sul, e não a uma recu-
242 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

peração na abundância da espécie. No final desse período, a tendência de A competição das várias modalidades de pesca e, em especial, o gran-
declínio retornou e a produção dos três últimos anos variou em torno de de crescimento da pesca de cerco e emalhe, decorrente da valorização da
18.000 toneladas. ova, tem diminuído a disponibilidade da tainha para a pesca artesanal, causan-
do o desaparecimento de pescarias tradicionais como as que utilizam o arras-
tão de praia, como ocorreu na pesca do litoral do estado do Paraná, parte do
de Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro.
Cabe destacar que métodos como o de arrastão de praia são ativida-
des coletivas, em que cada operação de pesca envolve mais de uma dezena
de pescadores, e com forte componente de criação de laços comunitários. Por
sua vez, as novas tecnologias que surgiram, como as redes de caça e emalhe
e, mais recentemente, a pesca com rede de emalhe anilhada, são pescarias
individuais ou realizadas por pequenos grupos.
Já o crescimento da pesca de traineiras com cerco passou a represen-
tar um poder de pesca tão elevado sobre os estoques, quando comparado
com os métodos da pesca tradicionais, que simplesmente passou a ser uma
competição desproporcional e injusta para a pequena produção, tornando-a
insustentável, especialmente pelo fato de ser realizada no momento de migra-
Figura 178 Desembarques totais de tainhas (tainha, curimã, parati e saúna) entre 1980 e 2010.
ção reprodutiva, acelerando, em decorrência, o processo de substituição dos
Considerando as produções médias do grupo de espécies mais impor- métodos artesanais, que levaram a pesca de tainha a ser considerada um
tantes para a pesca marinha e estuarino-lagunar nacional, nos últimos 16 anos patrimônio histórico, artístico e cultural de Santa Catarina.
(período de 1995 a 2010), os mugilídeos responderam pelo sétimo lugar (Ta-
bela 12), só perdendo para as sardinhas, a corvina, o bonito-listrado e a pes- Na pesca industrial, há mais de uma década, toda tainha capturada
cada-amarela. pela frota de cerco é destinada para o processamento de retirada de ovas e
moelas. Esses subprodutos, segundo o Sindicato das Indústrias de Pesca de
Cabe acrescentar, ainda, que a totalidade das carcaças (excluindo a Itajaí (Sindipi), destinam-se, sobretudo, à exportação, sendo a carcaça do pei-
maioria das ovas e moelas) das tainhas são consumidas no mercado nacio- xe também comercializada no mercado interno. Os países importadores de
nal, especialmente nas comunidades litorâneas, o que as tornam um dos ovas e moelas de tainha do Brasil são Taiwan, França, Grécia, Itália e Espanha.
mais importantes grupos de peixes para a segurança alimentar do Brasil. As
tainhas e suas capturas são tão relevantes que têm propiciado e consolida- O Sindicato acrescentou que o processamento industrial da tainha en-
do diversas manifestações culturais regionais associadas às pescarias arte- volve as etapas de seleção de machos e fêmeas, o corte para a extração de
sanais desses mugilídeos. Em Santa Catarina, a Lei Estadual nº 15.922/2012 ovas e moelas, a classificação das ovas de acordo com seu peso, a embala-
declarou que a pesca artesanal da tainha integra o patrimônio histórico, ar- gem em caixas de 2,7 kg, o congelamento e a expedição para a comercializa-
tístico e cultural do estado. ção no mercado exterior. Uma pequena parcela do produto final de ovas tem
sido desidratada para comercialização no mercado interno.
No Sudeste e no Sul, parte excedente do consumo dos pescadores
artesanais e suas famílias, mais o que é produzido pelas traineiras (pesca de O Sindipi informa, ainda, que o preço de primeira comercialização da
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do Meio Ambiente e cerco) são vendidos para as indústrias de beneficiamento de ova e moela, tainha capturada pela frota de cerco em Santa Catarina apresentou incremen-
dos Recursos para exportação, sendo a carcaça do peixe, dominantemente, destinada ao to na ordem de 100% nos últimos 2 anos, indicando maior demanda do que
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mercado interno. oferta do produto.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 243

Estudos de genética populacional, conduzidos pelo Projeto Tainha, da Das medidas de gestão em vigor, citam-se:
Universidade Federal do Rio Grande (Furg), utilizando microssatélites polimór- • Tamanho mínimo de captura: 35 cm para Mugil platanus e M. Liza e 20
ficos, definiram a existência de duas subpopulações entre o Rio de Janeiro e cm para M. curema para o Sudeste e Sul (IN MMA nº 53/2005).
a Baía de Samborombon na Argentina. O primeiro (estoque Norte) localizado
no Rio de Janeiro e com possível distribuição para o Norte, e outro (estoque • A IN Ibama nº 171/2008 estabelece normas, critérios e padrões para o
Sul), distribuído de São Paulo até o Rio Grande do Sul. Apontaram, ainda, que exercício da pesca de tainha Mugil platanus e M. Liza nas áreas costeiras
o estoque Sul é compartilhado com o Uruguai e a Argentina. e marinha, exceto nas lagoas e estuários do Sudeste e Sul, destacando:

Não existe avaliação de estoques para os mugilídeos, seja do Sudeste (i) Proíbe a pesca em todas as desembocaduras estuarino-lagunares
ou do Sul, ou do Norte e Nordeste do Brasil. As tainhas M. Liza e M. platanus entre 15/mar e 15/ago, exceto a pesca com tarrafa.
são, entretanto, espécies incluídas no Anexo II da IN MMA n° 5/2005, como (ii) Define a abertura do período de safra às embarcações legais e
sobre-explotadas ou ameaçadas de sobre-explotação. A recente avaliação do permissionadas, a partir de 15 de maio.
estado de conservação das espécies, que aplicou os critérios da IUCN, con-
(iii) Estipula esforço máximo de 60 embarcações para a frota de trai-
cluiu que o estado de conservação das espécies é de Quase Ameaçada (NT)
neiras.
(ICMBio, no prelo).
(iv) Define área de exclusão à pesca para barcos > 4 AB, em 3 MN
É possível apontar que no caso do agravamento da situação de uso dos na costa do Rio de Janeiro; barcos > 10 AB, em 5 MN na costa
estoques das espécies ou, mesmo, risco de colapso da pescaria, os danos são do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina; e 10 MN
infinitamente superiores para os trabalhadores da pesca artesanal, para os na costa do Rio Grande do Sul, tendo como referência as linhas de
quais não existiria alternativa de pesca com igual importância. Já a pesca in- base reta.
dustrial de cerco, cuja principal espécie-alvo é a sardinha-verdadeira (em fase
de possível recuperação, conforme apontado) e respectiva fauna acompa- (v) Proíbe a pesca por vários petrechos/modalidades, entre 1º de
nhante, continuaria a ter sua atividade econômica viabilizada, em decorrência maio e 30 de julho, nas praias licenciadas para a prática de arras-
da disponibilidade da espécie-alvo mais importante para sua captura. tão de praia, usando canoa a remo na costa de Santa Catarina.

O crescimento da pesca de traineiras com cerco passou a exercer um (vi) Define condições para renovar a permissão, sendo: MB, coleta de
poder de pesca tão elevado sobre os estoques, quando comparado com os amostras de desembarque por instituições afins, e RGP válido.
métodos tradicionais da pesca, que simplesmente representa uma competi- (vii) Define a perda da permissão aos barcos infratores.
ção desproporcional e injusta, tornando-a insustentável, especialmente pelo
Importa acrescentar que e a nova legislação (IN Ibama n° 171/2008)
fato de ser realizada no momento de migração reprodutiva, e acelera o pro-
que tentou harmonizar a atividade de pesca entre os segmentos artesanal e
cesso de substituição dos métodos artesanais.
industrial, e minimizar os efeitos da explotação sobre o recurso, não vem sur-
Não se pode deixar de reconhecer que o elevado nível de esforço de tindo os efeitos esperados, possivelmente, em decorrência da protelação do
pesca artesanal aplicado nos ambientes estuarino-lagunares, como o da Lagoa MPA em aplicar o limite máximo de traineiras acordado com os armadores e
dos Patos, sobre o segmento do estoque composto, majoritariamente, de indiví- definido na citada IN; pelo desrespeito da frota às áreas de exclusão; pela
duos jovens ou pré-adultos, seja também motivo de elevada preocupação. prática de pesca ilegal (sem permissão e/ou praticada fora do período definido
As regras de ordenamento para a pesca das tainhas no Brasil tiveram como temporada anual de pesca de tainha); entre outras ilegalidades.
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início no final dos anos de 1960 (Portaria Sudepe nº 406/1969). Desde então, Portanto, o quadro atual da pesca de tainhas assim como os conflitos no do Meio Ambiente e
um conjunto de normas foram adotadas e a mais recente é a IN Ibama n° Sudeste e no Sul agravaram-se ao ponto de a sentença judicial, resultante da dos Recursos
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171/2008. Ação Civil Pública nº 5001964-45.2011.404.7101/RS, movida pelo MPF, deter-
244 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

minar o cumprimento dos termos da IN Ibama nº 171/2008, até que fosse fi- cia do indivíduo em todos os estágios da sua vida. Uma característica geral da
nalizado o Plano de Gestão para a Pesca de Tainha. Nesse contexto, foi insti- estratégia-k é o grande tamanho corporal, que é uma feição geral dos tuba-
tuído pelo MPA/MMA um Grupo Técnico de Trabalho (GTT) para elaborar a rões e que determina que esses peixes têm poucos inimigos naturais e, por
proposta do plano cujos trabalhos encontram-se em andamento. isso, possuem altas taxas de sobrevivência.
Espera-se que as questões relacionadas com as dimensões éticas Considerando a grande quantidade de espécies de tubarões capturada
decorrentes da pesca de tainha, durante o processo reprodutivo, bem como na costa brasileira, não iremos descrever as características específicas do ci-
sociais (especialmente de segurança alimentar) e econômicas levem o Es- clo de vida de algumas ou de parte delas. Apresentaremos, a seguir, alguns
tado brasileiro a direcionar esforços para redefinir os mecanismos legais, de aspectos desse grupo de peixes e, sempre que necessário, exemplos especí-
forma a recolocar essa importante pescaria na perspectiva da sustentabili- ficos dos mais representativos para a pesca nacional.
dade.
O neonato do tubarão e do cação, ao nascer de mãe vivípara, ou ao
Cações e tubarões (elasmobrânquios) eclodir do ovo de mãe ovípara, já está grande e pronto para escapar de inimi-
Dias-Neto (2011) aponta que os cações ou tubarões fazem parte da gos naturais e viver como predador de pequenos peixes e invertebrados. In-
classe Chondrichthyes e da subclasse Elasmobranchii, que incluem peixes vestem sua energia reprodutiva na produção de poucos e bons neonatos com
com esqueleto cartilaginoso. São, em sua grande maioria, espécies conside- elevada expectativa de vida. A baixa taxa de produção de neonatos é compen-
radas predadoras, que ocupam posições de topo das cadeias tróficas em am- sada pela também baixa taxa de mortalidade natural dos adultos. Assim, a
bientes pelágicos, demersais, abissais, costeiros, estuarinos ou dulcícolas. população mantém sempre seu equilíbrio estável entre nascimentos e mortes.
Entretanto, a pesca atua como um novo predador que aumenta drasticamente
Continuando, informa que existem, no mínimo, 376 espécies de tuba-
a taxa de mortalidade dos elasmobrânquios. Sob essa mortalidade adicional
rões e que a mais recente listagem de Chondrichthyes viventes indica a exis-
pela pesca, os nascimentos não compensam mais as mortes, podendo levar a
tência de aproximadamente 405 espécies de tubarões (COMPAGNO, 2005).
sua extinção (BORNATOWSKI, 2012).
No Brasil, o Relatório do Programa Nacional de Levantamento Biológico
A reprodução desse grupo de elasmobrânquios é altamente especiali-
(LESSA et al., 1999a) indicou a ocorrência de 82 espécies de tubarões. Mes-
zada, com fertilização interna e produção de um número relativamente baixo
mo assim, estima-se que os números de espécies no litoral brasileiro certa-
de filhotes muito desenvolvidos. Esse modo de reprodução pode ser dividido
mente ainda serão ampliados, considerando que revisões, descrições e redes-
em oviparidade e viviparidade. Os ovíparos depositam os ovos no substrato e
crições ainda são frequentes nesse grupo.
o desenvolvimento embrionário ocorre fora do corpo da mãe. Os embriões fi-
Os elasmobrânquios, de maneira geral, apresentam características úni- cam dentro de uma cápsula e nutrem-se por meio do vitelo (bolsa vitelínica
cas em sua biologia, tornando insustentável sua captura contínua em larga ligada ao embrião).
escala. Estudo realizado com 26 espécies de tubarões na região do Pacífico
Bornatowski (2012) informa que no caso dos vivíparos, os embriões
indicou que alguns paradigmas desenvolvidos para peixes ósseos precisam
desenvolvem-se dentro da mãe, porém a nutrição pode ocorrer de diferentes
ser deixados de lado para que o manejo de elasmobrânquios seja eficiente e
formas. Na viviparidade lecitotrófica, observada no cação-anjo Squatina sp.,
que algumas espécies requeiram medidas de proteção específicas como con-
no tubarão-tigre Galeocerdo cuvier, no cação-bagre Squalus sp. e no cação-
dição básica para a continuidade da pesca (DIAS-NETO, op. cit.).
sebastião Mustelus canis, o embrião nutre-se pelo vitelo. Na viviparidade ovo-
A estratégia reprodutiva de elasmobrânquios marinhos tem sido apon- fágica, o embrião alimenta-se dos próprios ovos liberados pela mãe. Esse
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do Meio Ambiente e tada como fator limitante para a sustentabilidade da atividade pesqueira. Se- modo de reprodução ocorre com o tubarão-mangona Carcharias taurus, que
dos Recursos gundo Bornatowski (2012), essa vulnerabilidade à pesca é determinada pela pratica “canibalismo” intrauterino, ou seja, os embriões mais desenvolvidos
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denominada estratégia-k de vida. Esse tipo de estratégia prioriza a sobrevivên- consomem os menos desenvolvidos, nascendo normalmente dois filhotes, um
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 245

em cada útero. Na viviparidade aplacentária (ou análogos placentários), os É marcante, ainda, na maioria das espécies do grupo, a grande lon-
embriões alimentam-se pela placenta e essa condição pode ser observada gevidade, o que remete a uma reprodução tardia, aspectos que explicitam a
nos tubarões da família Carcharhinidae, exceto Galeocerdo cuvier. já anunciada vulnerabilidade, quando associada à atividade de captura co-
mercial.
Além da reprodução, outra característica importante nos elasmobrân-
quios é a avançada capacidade sensorial. A visão e o olfato, por exemplo, são A maioria dos tubarões apresenta ampla distribuição, ocorrendo, com
altamente especializados e desenvolvidos, permitindo a detecção de uma pre- frequência, em mais de um oceano ou, mesmo, com distribuição circunglo-
sa a grandes distâncias. A linha lateral é responsável pela detecção de estí- bal, como o tubarão-azul Prionace glauca (Figura 179) e o tubarão-martelo­-
mulos mecânicos na água, especialmente vibrações. Além disso, esses ani- recortado ou cambeva-branca Sphyrna lewini. Essas espécies são, ainda,
mais contam também com estruturas na cabeça, chamadas ampolas de grandes migradoras. Existem, entretanto, os de distribuição mais restrita,
Lorenzini, que os tornam capazes de detectar pequenos estímulos eletromag- como é o caso do cação-azeitona ou cação-junteiro Carcharhinus porosus, e
néticos, inclusive de organismos (presas) enterrados. o tubarão-martelo ou cação-martelo Sphyrna tiburo.

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do Meio Ambiente e
Figura 179 Tubarão-azul Prionace glauca (Linnaeus, 1758). dos Recursos
Naturais Renováveis
Foto: Guy Marcovaldi – Projeto Tamar.
246 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Um dos grandes problemas das capturas de cações e tubarões no Bra- dos casos, pescarias direcionadas para espécies integrantes do Anexo II,
sil é que o produto é desembarcado sem que ocorra a identificação da espé- da IN n° 4/2004, entre outras não ameaçadas de extinção, como as de
cie. Um exemplo típico é apresentado por Vorren, ao prefaciar o livro de Bor- espinhel, arrasto e emalhe para a captura do tubarão-martelo-recortado
natowski (op. cit.), quando informa que “da captura de 2.735 t de Sphyrna lewini e do tubarão-martelo-liso Sphyrna zygaena, no Sudeste e
elasmobrânquios em 2008, pela frota industrial do Porto de Itajaí, 86% foram no Sul, assim como para o tubarão-toninha Carcharhinus signatus e para o
desembarcadas sem identificação no nível da espécie”. tubarão-mangona Sphyrna tiburo no Nordeste, devido à valorização de
seus subprodutos no mercado nacional e internacional (DIAS-NETO op.
O fato é que a produção é importante, conforme discutiremos na
cit.).
sequência, e já existem 12 espécies de tubarões e raias capturadas no litoral
brasileiro, incluídas na relação de espécies em extinção (Anexo I da IN MMA Cabe destacar que é proibida a captura, o desembarque, o transporte,
n° 5/2004) e com possibilidade de ser ampliada num futuro próximo. A men- o beneficiamento e o comércio das espécies ameaçadas de extinção, confor-
cionada IN, no seu Anexo II, relaciona oito espécies como sobre-explotadas ou me previsto no art. 6° da Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009, e definido na
ameaçadas de sobre-explotação. IN MMA n° 5/2004 (Anexo I).
As espécies consideradas em extinção são: Isogomphodon oxyrhy- Conforme informado, a grande maioria da produção de tubarões e ca-
chus, Negaprion brevirostris, Galeorhinus galeus, Mustelus schmitti, Ce- ções desembarcada não identifica a espécie e, portanto, a estatística oficial
torhinus maximus, Ginglymostoma cirratum, Rhincodon typus, Pristis perotte- apresenta um agregado especificado como tubarões ou cações, não sendo
ti, Pristis pectinata, Rhinobatus horkelii, Squatina guggenheim e Squatina possível discutir a produção por espécie. Assim, na Figura 181 é apresentada
occulta. uma evolução histórica para o período de 1980 a 2010, do total anual da pro-
dução do conjunto de tubarões e cações.
Já as relacionadas como sobre-explotadas ou ameaçadas de sobre-ex-
plotação são: Carcharias taurus, Carcharhinus longimanus, Carcharhinus poro- Na mencionada figura é possível observar três períodos: (i) o primeiro
sus, Carcharhinus signatus (Figura 180), Prionace glauca, Sphyrna lewini, vai de 1980 a 1989, quando as produções, após um crescimento inicial,
Sphyrna tiburo e Sphyrna zygaena. atingiram o recorde de 23.717 t em 1982, e passou a variar em torno de
20.000 t; (ii) o segundo, vai de 1990 a 2007, quando ocorreu grande declínio
inicial e, depois, continuou uma tendência de diminuição mais suave até
2007; nesse período é possível que a queda observada entre 1989 e 1995
tenha sido mais gradual, entretanto, a ausência de coleta de dados entre
1991 e 1994 nos impede de ter essa comprovação; em 1999 ocorreu a
menor produção de todo o período (7.556 t); (iii) o terceiro período corres-
ponde de 2008 a 2010, quando as produções foram estimadas pelo MPA.
Desconhecemos qualquer fundamentação para recuperar a produção, pois
Figura 180 Tubarão-toninha Carcharhinus signatus (Poey, 1868). de acordo com os boletins divulgados pelo MPA, as estimativas desse perí-
Foto: Paulo A. S. Costa.
odo foram feitas com base nas estatísticas consolidadas pelo Ibama, poden-
Tradicionalmente, os elasmobrânquios têm sido capturados como do-se deduzir que deveriam ter ficado estagnadas e em patamares inferio-
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fauna acompanhante de pescarias direcionadas a outras espécies com res a 10.000 t. Diferentemente, as produções dos três últimos anos variaram
do Meio Ambiente e maior valor comercial. Existem, entretanto, e tem crescido, em determina- de 12.000 t a 13.400 t (Figura 181).
dos Recursos
Naturais Renováveis
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 247

o tempo de vida média de um tubarão. Conclui, então, que um tubarão vivo


pode render 750 vezes mais do que um tubarão morto.
Importa acrescentar que a prática do finning é proibida na pesca do
Brasil e que, recentemente, a norma foi aperfeiçoada, tornando essa possibili-
dade ainda mais difícil de ser realizada, já que tornou obrigatório o desembar-
que de tubarões e cações com as nadadeiras no corpo (INI MPA/MMA n°
14/2012).
No Box 11 encontra-se uma análise da situação da pesca de emalhe de
fundo de elasmobrânquios, no estado de Santa Catarina, onde fica evidente a
crítica situação da atividade, com determinadas espécies praticamente desa-
parecendo nas capturas, como o tubarão-mangona (Figura 182).

Figura 181 Desembarques totais de tubarões e cações no Brasil entre 1980 e 2010.
A maioria da produção nacional desse grupo de peixes é direcionada
ao consumo interno, entretanto, o grande interesse na captura dos tubarões
está relacionado ao valor das suas nadadeiras, que são exportadas pelo alto
valor econômico e consumidas principalmente pelo mercado asiático, bem
como por turistas interessados em iguarias consideradas afrodisíacas ou com
valor terapêutico.
O grande interesse pelas barbatanas provocou uma prática em todas
as pescarias mundiais, denominada finning, que consiste no seguinte proce-
dimento: assim que ocorre a captura, os tubarões têm suas nadadeiras corta-
das e, em seguida, o restante do corpo (charuto) é jogado no mar, muitas
vezes ainda com vida.
O comércio mundial de barbatanas, de acordo com Bornatowski (op.
cit.), entre 1987 e 2004, passou de 4.900 t para 13.600 t. Em números, cerca Figura 182 Tubarão-mangona Carcharias taurus Rafinesque, 1810.
Foto: Francisco Marcante Santana.
de 30 a 100 milhões de tubarões são capturados no mundo, a cada ano, só
para a retirada das barbatanas, já que as nadadeiras representam de 1% a 5% Atualmente, 12 espécies de elasmobrânquios estão incluídas no Ane-
do peso total de cada tubarão. xo I como Ameaçadas de Extinção, enquanto 8 estão incluídas no Anexo II
como sobre-explotadas ou ameaçadas de sobre-explotação (IN MMA n°
O autor destaca ainda que, se considerarmos somente o aspecto finan-
5/2004 e IN MMA nº 52/2005). As avaliações recentes, realizadas sob a coor-
ceiro, estudos recentes indicam que um tubarão vivo é muito mais valioso do
denação do ICMBio, apontam para um acentuado incremento, especialmente
que um morto. Enquanto um tubarão morto rende 100 dólares para o comér-
no número de espécies ameaçadas de extinção. Instituto Brasileiro
cio das barbatanas, estimativas realizadas com a indústria do turismo de mer- do Meio Ambiente e
gulho indicam que um tubarão vivo pode render cerca de 170 mil dólares por Considera-se que as espécies que ainda são alvo de pescarias estão dos Recursos
Naturais Renováveis
ano, valor que pode alcançar quase 1,7 milhão de dólares, se considerarmos sobrepescadas ou em situação de pleno uso.
248 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Box 11 A pesca de elasmobrânquios com o uso do emalhe no estado de Santa Catarina8.

Segundo Torres et al., no prelo, In: MPA/MMA (2011), a produção de elasmobrânquios desem-
barcada em Santa Catarina pelo emalhe de fundo manteve-se estável entre 2001 e 2003, com uma
produção média de 840 toneladas, atingindo um pico máximo em 2004, de 1.056 toneladas, declinan-
do progressivamente a partir de então, até atingir um mínimo de 121 toneladas em 2010, que repre-
senta pouco mais de 14% do desembarcado no início da década (Figura a).
Os supracitados autores informam que os caçonetes e o cação-anjo têm na modalidade de
emalhe de fundo a principal arte responsável por suas capturas, atingindo patamares médios de produ-
ção anual de 63% e 58%, respectivamente, do total desembarcado pela frota industrial. As outras es-
pécies ou grupos de cações, que incluem o mangona, o martelo, o machote e as famílias Lamnidae,
Carcharhinidae, Triakidae, Odontaspididae, Sphyrnidae, Alopidae, Squalidae, foram detectadas em per-
centuais menores nas capturas de emalhe de fundo, mas representativos do total produzido pela frota, Figura (a) - Produção de elasmobrânquios desembarcados (t) pela frota de emalhe de fundo em Santa
atingindo em média 39% das capturas. Catarina entre 2001 e 2010.
Os exemplares adultos do cação-mangona Carcharias taurus são capturados intensamente Fonte: Torres et al., no prelo, In: MPA/MMA, 2011).
pela rede de emalhe oceânico de sub-superfície (sistema de filame ou velame) durante o pico de agre-
gação reprodutiva da espécie. Os neonatos e juvenis do cação-mangona, assim como os dos cações
-martelo, compõem parte das capturas incidentais das redes de emalhe de fundo, responsável pela
produção média de 44 toneladas entre os anos de 2001 e 2003, atingindo o máximo de 76 toneladas
em 2004. A partir de então, igualmente aos outros elasmobrânquios, exibiu contínuo declínio até 2008
e 2009, quando desapareceu das capturas. Em 2010, foi registrado o desembarque de cerca de 2 to-
neladas (Figura b).
Para os cações-anjo, que
inclui três espécies de ocorrência
no Sul e Sudeste brasileiro: Squati-
na guggenheim, S. occulta. e S. ar-
gentina, os citados autores eviden-
ciam que entre 2001 e 2004 o Figura (b) - Produção desembarcada, em toneladas, de elasmobrânquios pela frota de emalhe em Santa
volume médio desembarcado foi Catarina entre 2001 e 2010.
de 298 t, com detecção de pico Fonte: Torres et al., no prelo, In: MPA/MMA, op. cit.).
máximo no último ano, com 340
toneladas. Naquele momento foi publicada a IN MMA n° 5/2004, que incluiu duas dessas três espécies
de cação-anjo na lista nacional de espécies ameaçadas de extinção, S. guggenheim e S. occulta, tornan-
Figura (c) - Produção por viagem do emalhe de fundo, de corvina e de elasmobrânquios, em Santa Catarina, do-as proibidas à pesca. A orientação legal é que no caso de captura incidental de exemplares de espé-
entre 2001 e 2010. cies ameaçadas, estas não deveriam ser desembarcadas, mas descartadas. Como consequência, a
partir de então, os registros de desembarque do cação-anjo foram desaparecendo dos controles esta-
tísticos tanto pelo redirecionamento da frota para outros recursos quanto pela não detecção de informações de desembarque, em função da descaracterização do pesca-
Instituto Brasileiro do a bordo – a filetagem –, para evitar o flagrante pela fiscalização. Em 2010, apenas 2,6 toneladas foram contabilizadas (Figura c).
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis 8
Fonte: MPA/MMA. Relatório do Grupo Técnico de Trabalho sobre a Gestão da Pesca de Emalhe no Brasil (GTT/Emalhe) (Instituído pela Portaria interministerial nº 2, de 14 de setembro de 2010). Brasília, 2011. 220 p. Mimeo.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 249

Complementando a IN MMA n° 5/2004 e a IN MMA nº 52/2005, são as A Proposta de Plano de Gestão para o Uso Sustentável de Elasmobrân-
seguintes as principais regras direcionadas para a regulamentação da pesca quios Sobre-Explotados ou Ameaçados de Sobre-Explotação no Brasil (DIAS-
de elasmobrânquios no Brasil: NETO, 2011) apresenta um conjunto de medidas visando aprimorar a gestão
• Portaria Ibama n° 73, de 24 de novembro de 2003, define os seguintes para esse importante grupo de espécies. Entre elas citamos:
tamanhos mínimos de captura para espécies de tubarão: • Tamanho mínimo de captura para determinadas espécies.
• Tubarão-martelo-recortado Sphyrna lewini: 60 cm. • Moratórias da pesca para algumas espécies.
• Tubarão-martelo-liso Sphyrna zygaena: 60 cm. • Definição de áreas de exclusão para a pesca, por espécie ou grupo
• Cação-anjo-asa-longa Squatina argentina: 70 cm. de espécies.

• Cação-listado/malhado Mustelus fasciatus: 100 cm. • Proibição do uso de redes de emalhe iscadas.

• INI MPA/MMA n° 5, de 15 de abril de 2011: proíbe a captura, retenção • Execução continuada de um programa de monitoramento e pesquisa
a bordo, desembarque, armazenamento e comercialização do tuba- para a pesca de tubarões e cações.
rão-raposa Alopias superciliosus em águas jurisdicionais brasileiras e • Implementação de programa de educação ambiental para as pesca-
alto-mar, por embarcações brasileiras de pesca e estrangeiras arren- rias desse grupo de espécies.
dadas por empresas ou cooperativas de pesca brasileiras.
• Contínuo programa de fiscalização sobre as pescarias direcionadas
• INI MPA/MMA n° 11, de 5 de julho de 2012: proíbe, nas águas sob aos cações e tubarões.
jurisdição nacional, o uso e o transporte de redes de emalhe de su-
perfície oceânico de deriva, popularmente conhecido como malhão Bagres (família Ariidae)
– panagens de náilon multifilamento, malhas com tamanho igual ou a família Ariidae possui 26 gêneros, com 133 espécies conhecidas,
superior a 140 mm, entre nós opostos. sendo que 120 apresentam distribuição circunglobal, habitando regiões litorâ-
• INI MPA/MMA n° 12, de 22 de agosto de 2012: dispõe sobre critérios neas, estuarinas e rios de regiões tropicais e temperadas. A maioria das espé-
e padrões para o ordenamento da pesca praticada com o emprego cies ocorre em áreas costeiras pouco profundas e em estuários com fundos
de redes de emalhe nas águas jurisdicionais brasileiras das regiões lodosos ou arenosos. Espécies exclusivamente marinhas podem ser encontra-
Sudeste e Sul, incluindo os tamanhos máximos das redes; define das em profundidades superiores a 100 m, enquanto outras ocorrem somente
período para a pesca; tamanho de malhas; áreas de exclusão da em água doce.
pesca; limita o esforço de pesca (número de barcos) no Sudeste e As características da família já foram observadas, e, além da gurijuba,
no Sul. um conjunto de outros bagres da família Ariidae são muito importantes para
• INI n° 14, de 26 de novembro de 2012: dispõe sobre normas e proce- as pescarias ao longo de toda a costa brasileira.
dimentos para o desembarque, o transporte, o armazenamento e a No litoral sul do Brasil são especialmente importantes para a pesca
comercialização de tubarões e raias – proíbe a prática do finning, artesanal três espécies: Genidens genidens, Genideus planifrons (Higuchi,
entre outras providências. Reis & Araújo, 1982) e G. barbus (Lacepède, 1803). O grupo de bagres consti-
• INI n° 1, de 12 de março de 2013: proíbe a pesca direcionada, reten- tuiu-se um dos mais capturados pela pesca artesanal, no período de 1960-
Instituto Brasileiro
ção a bordo, transbordo, desembarque, armazenamento, transporte 1979, com desembarques médios de 5.046 t. No período de 1980-1994, as do Meio Ambiente e
e comercialização do tubarão-galha-branca Carcharhinus longimanus capturas diminuíram (778 t), representando um pequeno volume pescado no dos Recursos
Naturais Renováveis
em águas jurisdicionais brasileiras e em território nacional. estuário da Lagoa dos Patos. Das três espécies citadas, o bagre-branco ou
250 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

bagre-marinho (Figura 183) era responsável por mais de 94% da captura Considerando a média anual da produção de bagres marinhos do Brasil,
(LEAL; BEMVENUTI, 2006). de 2005 a 2007, os estados com maior participação foram o Pará, o Maranhão
e a Bahia. Se forem consideraradas as produções médias do grupo de espé-
cies mais importantes para a pesca marinha e estuarino-lagunar nacional, nos
últimos 16 anos (período de 1995 a 2010), esse grupo de bagres ocupa o 8º
lugar (Tabela 12).
Na Figura 184 é apresentado o comportamento da produção total
do conjunto dos bagres aqui discutidos, no período de 1980 a 2010, onde
pode ser observado que a produção foi decrescente; as maiores produ-
ções ocorreram no início da série, com o recorde em 1982 (21.508 t); nas
Figura 183 Bagre-branco ou bagre-marinho.
duas últimas décadas ocorreram flutuações, com a menor produção em
Fonte: Leal e Bemvenuti (2006).
2006 (7.446 t) e as produções dos últimos anos entre 9.000 t e 10.000
Na costa norte brasileira é citada a ocorrência de 13 espécies de toneladas.
bagres estuarinos/marinhos da família Ariidae. Destas, sete foram identifi-
A acentuada queda da produção no período pode estar vinculada à
cadas como mais representativas: cambéua Notarius grandicassis (Valen-
sobrepesca dos bagres, especialmente no Sul. Já a pequena recuperação da
ciennes, 1840), gurijuba, já analisada, cangatá Aspistor quadriscutis (Valen-
produção dos últimos anos deve-se, possivelmente, ao maior aproveitamento
ciennes, 1840), bandeirado Bagre bagre (Linnaeus, 1766), jurupiranga
do cangatá e da cambéua nas pescarias de arrasto de piramutaba e camarão­-
Amphiarius rugispinis (Valenciennes, 1840), uricica Cathorops spixii (Agas-
siz,1829), e uritinga Sciades proops (Valenciennes,1840). As três primeiras rosa, na costa norte, além do surgimento de uma pesca industrial direcionada
são destacadas como as mais abundantes (NASCIMENTO et al., 2002). a esses bagres, entre outros peixes, na mesma área.

Segundo os mesmos autores, esses bagres são capturados tanto pela


pesca industrial como a artesanal. Na pesca industrial são capturados como
fauna acompanhante nas pescarias de camarão-rosa e piramutaba, que eram,
normalmente, descartados e só nos últimos anos passaram a ser, em parte,
aproveitados. Na pesca artesanal, são capturados por embarcações de ma-
deira com as seguintes características: a) canoas de 3 m a 5 m de compri-
mento, tripuladas por 2 a 3 pescadores, operando com espinhel ou redes de
emalhe em áreas próximas à costa; b) geleiras com até 18 m de comprimento,
tripuladas por 4 a 6 pescadores e operando com rede de emalhar de até 3 km
de comprimento. Contudo, nos últimos anos, há registros de embarcações
operando com até 10 pescadores e 6 km de rede.
Na Região Nordeste, é citada a ocorrência do bagre-ariaçu Sciades
parkeri (Traill, 1832), cangatan Aspistor quadriscutis (Valenciennes, 1840),
bagre-branco Bagre marinus (Mitchill, 1815), bagre Genidens genidens (Cur-
Instituto Brasileiro Figura 184 Desembarques totais de bagres (família Ariidae) no Brasil entre 1980 e 2010.
do Meio Ambiente e vier, 1829) e uritinga Sciades proops (Valenciennes, 1840), capturados, do-
dos Recursos minantemente, com redes de emalhe e linha de fundo (NÓBREGA et al., À exceção dos 14 barcos permissionados para a pesca de arrasto para
Naturais Renováveis
2009). peixes diversos (incluindo o cangatá e a cambéua na costa norte – Pará e
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 251

Amapá), os demais barcos pescam os bagres como fauna acompanhante ou • Defeso anual para a pesca dos bagres Genidens genidens; G. bar-
estão incluídos na chamada frota diversificada costeira, que pode utilizar dis- bus; Cathorops agassizii no litoral dos estados do Rio Grande do
tintas modalidades de pesca para a captura de espécies variadas, desde que Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo (Portaria Sudepe n°
não esteja com o esforço sob controle. 42/1984).
De modo geral, a produção desse grupo de espécies destina-se ao • Tamanhos mínimos de captura (IN MMA n° 53/2005):
consumo interno, tendo maior ou menor demanda, dependendo da região • Bagre-branco Genidens barbus: 40 cm;
(unidade da Federação) e da espécie ofertada, já que umas têm mais aceita-
ção e valor do que outras. • Bagre Cathorops spixii: 12 cm;
Quanto ao nível de explotação, são raras as fontes que apresentam • Bagre Genidens genidens: 20 cm.
avaliação para as espécies desse grupo de peixes, entretanto, Jablonski Como medidas para eventuais aprimoramentos da gestão do uso de
(2005) aborda a seguinte avaliação: no Sul, os bagres Genidens spp. encon- bagres no Brasil, sugerimos um permanente monitoramento das pescarias
tram-se em sobrepesca de recrutamento desde a década de 1980; no Sudes- das principais espécies do Sul, Sudeste, bem como as do Norte e Nordeste, e
te, a pesca encontra-se em acentuada expansão, podendo antecipar, a partir uma avaliação periódica, em instância adequada, das medidas adotadas com
das características biológicas das espécies envolvidas, uma evolução rápida vistas à aferição dos resultados atingidos e da eventual necessidade de medi-
para a sobrepesca. O Ministério do Meio Ambiente (2006) descreve o mesmo das complementares para a retomada ou manutenção do uso sustentável
grupo como sobrepescado entre o Cabo de São Tomé-RJ (22° S) e o Arroio desse importante grupo de peixes.
Chuí-RS (34°40’S). Para as espécies capturadas no Norte e no Nordeste, não
existe avaliação específica. Outras espécies ou grupo de espécies relevantes
A IN MMA n° 5/2004 inclui a espécie Genidens barbus (Lacepède, Considerando a grande diversidade de espécies nas águas jurisdicio-
1803) na lista de espécies sobre-explotadas ou ameaçadas de sobre-explota- nais brasileiras tanto continentais quanto marinhas, um conjunto importante
ção. de outras espécies ou grupo de espécies poderia ter sido também abordado.
Entretanto, em decorrência dos critérios utilizados e da biodiversidade, foi im-
Considerando a situação de sobrepesca do grupo dos principais bagres possível considerá-lo em uma única publicação. Mesmo assim, não podemos
do Sul-Sudeste e a acentuada queda de produção nacional no período analisa-
deixar de mencionar a importância para a segurança alimentar do brasileiro, as
do, pode indicar o sobreuso do grupo. Não se pode deixar de registrar que,
seguintes espécies:
mesmo existindo possibilidade de incremento da produção de bagres no Nor-
te, as duas principais espécies enfrentam mortalidade de pesca muito eleva- • Águas continentais: acará, aracu, filhote, piranha, pirapitinga, sardi-
da, causada pelas pescarias de arrasto do camarão-rosa e da piramutaba. Em nha, entre outras.
decorrências desses aspectos, considera-se esse conjunto de peixes como • Ambiente estuarino-marinho: anchova ou enchova, robalo, melro, ga-
sobrepescado ou plenamente explotado. roupa, cabra ou cabrinha, cavala, outros vermelhos (ariacó, biquara,
O grupo de bagres está submetido, especificamente, às seguintes re- dentão, guaiúba etc.), congro, guete, linguado, palombeta, pargo-ro-
gras de uso: sa, peroá, uritinga, xaréu, xerelete, chicharro etc.

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
Foto: Miguel von Behr
3.
RESULTADO DO USO DA
BIODIVERSIDADE AQUÁTICA NO
BRASIL – UMA possível avaliação

“De tanto ver triunfar as nulidades,de tanto ver


prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus,
o Homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da
honra e a ter vergonha de ser honesto.”
Rui Barbosa
Fonte: Haimovici,2009.
255

3.1 RESULTADO DO USO DA BIODIVERSIDADE


AQUÁTICA NO BRASIL

Considerando as avaliações realizadas nos Capítulos 1 e 2, é apresen- mos que 18 (72%) estão como sobre-explotadas ou ameaçadas de sobre-ex-
tada, a seguir, uma síntese dos resultados até aqui alcançados. plotação.
3.1.1 Situação de explotação das principais espécies do Em decorrência, acredita-se que 100% dos recursos mais importantes
ambiente marinho para a pesca marinha nacional, constantes da citada tabela, encontram-se ple-
namente explotados ou sobre-explotados. Esse quadro permite ponderar que
Com base nos critérios e nas avaliações apresentadas, foi possível ela-
seria mais provável incrementar a produção nacional da pesca marinha, por
borar a Tabela 12, onde constam as 25 espécies ou grupo de espécies com
meio da recuperação dos estoques dos recursos em situação mais crítica como,
maior participação na produção média, assim como a produção de 2010, o
provável status de uso e as fontes bibliográficas que apontam essa condição por exemplo, a sardinha, do que por meio da captura dos poucos recursos
(em alguns casos, os autores inferiram esse status). subexplotados ou inexplotados, como a anchoíta.

Essas 25 espécies ou grupo de espécies relacionadas na Tabela 12 são


responsáveis por cerca de 60% da produção média total da pesca marinha do
Brasil, no período de 1995 a 2010, sendo a sardinha-verdadeira a que mais
contribuiu, especialmente, no período em que o estoque encontrava-se em
situação satisfatória. Na segunda posição, vem a corvina e, continuando em
ordem decrescente, o bonito-listrado, as outras sardinhas, os outros tunídeos
(albacoras, espadarte, dourado, agulhões etc.), a pescada-amarela, as tai-
nhas, os bagres, o caranguejo-uçá e a castanha, entre as dez melhores colo-
cadas.
Ao considerar o status de uso dessas 25 espécies ou grupos de espé-
cies relacionadas na Tabela 12, a bibliografia especializada aponta que 11
(44%) encontram-se em situação de sobre-explotação; duas (8%) sobrepes-
cadas, mas em processo de recuperação; e as demais 48% plenamente ex-
plotadas.
Instituto Brasileiro
Ao comparar a relação de espécies ou grupo de espécies (consideran- do Meio Ambiente e
do a inclusão de pelo menos uma espécie de cada grupo) da Tabela 12, com dos Recursos
Naturais Renováveis
as incluídas no Anexo II da Instrução Normativa MMA n° 5/2004, constata-
Foto: Miguel von Ber
256 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Tabela 12 Principais espécies ou grupo de espécies capturadas na pesca marinha do Brasil, produção média no período de 1995 a 2010, produção em 2010 e status de uso.

Espécie
Produção média Produção em 2010
Área de pesca* Status de uso/fonte
Nome vulgar Nome científico (t) ** (t)

Abrótea Urophycis brasiliensis S/Sul 4.427 5.532 Plenamente explotado13


Bagres Família Ariidae Brasil 10.669 9.555 Plenamente explotado14
Bonito Katsuwonus pelamis S/Sul 23.449 20.640 Plenamente explotado1
Cações/tubarões Várias espécies Brasil 9.946 13.409 Plenamente explotado17
Camarão-rosa Farfantepenaeus subtilis Norte 4.133 2.194*** Sobre2/em recuperação14
Camarão-rosa Farfantepenaeus paulensis e F. brasiliensis S/Sul 3.935 4.914*** Sobre-explotado3
Camarão-sete-barbas Xiphopenaeus kroyeri S/Sul 5.800 6.466*** Sobre-explotado3
Outros camarões S/Sul (1) S/Sul 4.965 4.592*** Plenamente explotado14
Camarões do Nordeste (2) Ne 8.235 7.800*** Plenamente explotado14
Caranguejo-uçá Ucides cordatus Brasil 10.049 8.535 Sobre-explotado4
Castanha Umbrina canosai S/Sul 9.969 12.052 Sobre-explotado5
Corvina Micropogonias furnieri S/Sul 28.319 36.064*** Sobre-explotado6
Gurijuba Sciades parkeri Norte 7.749 6.160 Plenamente explotado7
Lagostas Panulirus argus e P. laevicauda No/Ne/S 7.180 6.866 Sobre-explotado8
Outros tunídeos (3) Brasil 19.520 15.000 Plena/em recuperação15
Pargo Lutjanus purpureus No/Ne 6.281 6.199 Sobre-explotado8
Pescada-amarela Cynoscion acoupa No/Ne 16.981 20.879 Plenamente explotado7
Pescada-gó Macrodon ancylodon No/Ne 5.753 7.145 Plenamente explotado9
Pescada-olhuda Cynoscion guatucupa S/Sul 7.180 6.002 Sobre-explotado10
Pescadinha-real Macrodon ancylodon S/Sul 4.064 3.362 Sobre-explotado11
Peixe-sapo Lophius gastrophysus S/Sul 2.221 2.592 Sobre-explotado11
Sardinha Sardinela brasiliensis S/Sul 56.334 62.134 Sobre-explotado12
Outras sardinhas (4) Brasil 21.842 26.467 Plenamente explotado14
Serra Scomberomorus brasiliensis Brasil 9.883 9.573 Plenamente explotado7
Tainha Mugil spp. Brasil 13.623 17.866 Plenamente explotado16
Produção total média no período = 491.185 t Produção total média das espécies no período = 287.233 t (58,5 %)

(1) Camarão-branco, barba-ruça e santana; (2) Camarão-branco, camarão-rosa e camarão-sete-barbas; (3) Albacoras branca, bandolim e laje; Espadarte, dourado e agulhões; (4) Sardinhas laje, cascuda e outras; *S/Sul: Sudeste e Sul; NO/NE: Norte e Nordeste; NO/NE/S: Norte,
Instituto Brasileiro Nordeste e Sudeste; **Produção média para o período de 1995 a 2010; e *** Estimativa dos autores.
do Meio Ambiente e ¹ Andrade apud MMA (2006); ²Dias-Neto, 2003; ³D’Incao et al., 2002; Valentini e Pezzuto (2006), entre outros; 4Dias-Neto, Org. (2011); 5Haimovici et al., apud MMA(2006); 6Haimovici e Ignácio (2005); 7Souza et al., apud MMA (2006); 8Dias-Neto e Dornelles (1996) e MMA (2006);
dos Recursos 9
Ikeda et al. apud MMA (2006); MMA (2006); e Oliveira et al., apud MMA (2006); 10Haimovici e Miranda (2005); ¹¹Haimovici (1997) apud MMA (2006); ¹²Cergole e Rossi-Wongtschowski (2005); ¹³Haimovici et al. (2006); 14Inferência dos autores; 15MMA (2006) e ICCAT (2012);
Naturais Renováveis 16
IN MMA n° 5/2004 e ICMBio (no prelo); 17IN MMA n° 5/2004 e inferência dos autores.
Capítulo 2 – O Uso da Biodiversidade Aquática no Brasil com foco na pesca 257

3.1.2 Situação de explotação Tabela 13 Principais espécies ou grupo de espécies capturadas na pesca continental do Brasil, no período de 1995 a 2010, a produção em 2010 e o status de uso.
das principais espécies Espécie Produção Produção
Área de Status de
do ambiente continental pesca*
média** em 2010
uso/fonte
Nome vulgar Nome científico (t) (t)
Com base nos critérios Bagremandi Pimelodus spp. Se/No/Ne 6.688 6.432 Plenamente explotado1
abordados, foi elaborada a Tabela
Branquinha Potamorhina altamazonica No/Ne 5.163 5.206 Plenamente explotado1
13, onde estão relacionadas as 17
espécies ou grupo de espécies Curimatã Prochilodus nigricans Brasil (No/Ne) 26.960 28.433 Plena ou sobrepescada2
(computando um grupo de exóticas Dourada Brachyplatystoma rousseauxii Norte 13.306 14.379 Sobre-explotado3
– as tilápias) historicamente com Jaraquis Semaprochilodus spp. Norte 13.478 16.435 Sobre-explotados4
maior produção nos últimos 16
Maparás Hypopthalmus spp. Norte 7.459 9.573 Plenamente explotados5
anos (de 1995 a 2010) e, como re-
Matrinxã Brycon amazonicus Norte 4.829 5.028 Plenamente explotado6
latado, são responsáveis por 75%
da produção nacional da pesca Pacus Metynnis spp. No/CO 9.432 11.042 Plena ou sobrepescados7
continental. Pescada Plagioscion squamosissimus No/Ne/CO 10.006 14.967 Plenamente explotado1

Das espécies ou grupo de Piau/aracu Leporinus spp. No/Ne 8.722 10.677 Plenamente explotado1
espécies nativas, relacionadas na Piramutaba Brachyplatystoma vaillantii Norte 21.730 24.607 Sobre8/em recuperaçãol
Tabela 13, destacam-se, em ordem Pirarucu Arapaima gigas Norte 965 1.253 Sobre-explotado9
decrescente de participação, o
Surubins Pseudoplatystoma spp. Norte 8.028 8.688 Sobre-explotado1O
curimatã, a piramutaba, o jaraqui, a
dourada, a pescada, o pacu, a traí- Tambaqui Colossoma macropomum Norte 4.296 4.204 Sobre-explotadoll
ra, o surubim, o tucunaré, o mapa- Traíras Hoplias spp. Brasil (No/CO) 9.076 9.821 Plenamente explotadol
rá, entre outros. Já o grupo das ti- Tucunarés Cichla spp. No/Ne 7.705 9.236 Plenamente explotado12
lápias ocupa o oitavo lugar na
Tilápias Oreochromis spp. Brasil (Ne/CO) 8.371 9.610 -
média de produção dos últimos 16
Produção total média no período = 222.540 t Produção total média das espécies no período = 167.867 t (75,40 %)
anos.
* SE/NO/NE: Sudeste, Norte e Nordeste; NO/NE: Norte e Nordeste; NO/CO: Norte e Centro-Oeste; NO/NE/SE: Norte, Nordeste e Sudeste – onde a pesca é mais importante; ** Produção média para o período de 1995
Considerando o status de uso
a 2010.
dos recursos nativos, segundo a bi- ¹Inferência dos autores; ²Fonseca et al. (2011), Freitas et al. (2007) e Carolsfeld et al. (2003); Vieira, 2005; ³Vieira (2005) e Batista et al. (2012); 4Freitas et al. (2007) e Batista et al. (2012); 5Costa et al. e in-
bliografia especializada, cinco (31%) ferência dos autores; 6Sato e Godinho (2003) e inferência dos autores; 7Rezende (2003), Peixer et al. (2007); 8Dias-Neto e Dornelles (1996), Alonso e Perker (2005); 9Ruffino (2003) e Santos et al. (2006);
10
Freitas et al. (2007) e Carolsfeld at al. (2003); ¹¹Ruffino (2005), Freitas (2007) e Batista et al. (2012); ¹²Santos e Oliveira (1999) e Freitas e Campos (2009).
espécies ou grupo de espécies são
citadas como sobre-explotadas; Das 16 espécies ou grupo de espécies nativas, seis (38%) estão relacionadas no Anexo II da Instrução Norma-
duas (6%) sobrepescadas, mas em tiva MMA n° 5/2004, como sobre-explotadas ou ameaçadas de sobre-explotação.
processo de recuperação, e 10 (63%) À semelhança da pesca marinha, entendemos que é mais provável o incremento da produção da pesca con-
estão plenamente explotadas (Tabe- tinental, por meio da recuperação dos estoques dos recursos em situação mais crítica, do que pela incorporação de Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
la 13). recursos inexplotados ou subexplotados. dos Recursos
Naturais Renováveis
Foto: Rodrigo Vasconcelos
259

3.2 SITUAÇÃO DE USO DA BIODIVERSIDADE AQUÁTICA NACIONAL E DO MUNDO, COM FOCO NA


PESCA E NA AQUICULTURA

Neste item abordaremos a comparação sintética de alguns aspectos do apresentadas apontam que 100% encontram-se ou plenamente explotados,
uso da biodiversidade aquática nacional, diante da situação mundial, com foco em sobrepesca ou em recuperação de sobre-explotação.
na pesca e aquicultura, e a partir dos dados e informações dos Capítulos 1 e 2. 3.2.4 Produção da aquicultura
3.2.1 Produção total A produção total da aquicultura, em todo o mundo, encontra-se em
expansão, sendo que a registrada pelo Brasil é mais significante, especialmen-
O comportamento da produção total de pescado do Brasil, a exemplo
te nos últimos anos (se as estimativas realizadas pelo Brasil forem mantidas).
do ocorrido com a produção mundial, tem apresentado incrementos nos últi-
mos anos em decorrência, fundamentalmente, dos significativos crescimen- 3.2.5 Posição da produção brasileira diante da produção mundial
tos da produção da aquicultura. Segundo os dados comparativos, divulgados pelo MPA (2012) para os
anos de 2008 e 2009, o País ocupa o 18° lugar na produção total de pescado
3.2.2 Produção da pesca extrativa
(da pesca e aquicultura). Considerando somente a produção da pesca extrati-
A produção total da pesca extrativa brasileira, após apresentar forte va, o País ocupa a 23ª posição entre os países produtores de pescado.
declínio, na segunda metade da década de 1980, passou por um período de 3.2.6 Perspectivas da produção no Brasil e no mundo
estagnação idêntica à da produção da pesca extrativa do mundo e, nos últi-
mos anos, aponta para flutuação com leve tendência de crescimento, possi- Fundamentado nos dados apresentados, a produção da pesca extrativa
velmente, em decorrência da recuperação de estoques de recursos em situa- brasileira, assim como a mundial, não deve apresentar incrementos significa-
tivos e é mais provável que ocorra algum aumento em decorrência de um
ção de sobrepesca, como é o caso da sardinha e da piramutaba, ou de maior
desejado êxito no processo de gestão que favoreça a recuperação de recursos
participação em pescarias de espécies como as dos atuns e afins.
sobrepescados.
3.2.3 Situação de uso dos principais recursos mundiais e do É provável, entretanto, que continue ocorrendo incrementos da produ-
Brasil ção total, motivados pelo crescimento da produção da aquicultura tanto no
Enquanto 87% dos estoques utilizados pelas principais pescarias mun- Brasil como no mundo.
diais encontram-se em situação de pleno uso ou sobre-explotados, os princi- Seria extremamente positivo e seguro que o Brasil investisse com mais
pais recursos utilizados pela pesca nacional (responsáveis por cerca de 60% vigor na geração de tecnologias de cultivo de espécies nativas e na superação Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
da nossa produção marinha e por 75% da produção continental), possivelmen- de gargalos no cultivo das espécies atualmente cultivadas, com destaque para dos Recursos
Naturais Renováveis
te, encontram-se em situação mais crítica, já que as avaliações anteriormente os problemas enfrentados com a criação de camarões.
Fonte:Cepenor
261

3.3 DISCUSSÃO “O que me assusta não são as ações


e os gritos das pessoas más, mas a indiferença
e o silêncio das pessoas boas.”
Martin Luther King

Considerando as análises e os resultados alcançados, será feita uma entre eles citam-se: Dias-Neto (2003 e 2010.), Hazin et al. (2007), Cembra
discussão sobre as possíveis causas que levaram a esses acontecimentos, (2012), nos quais os interessados poderão se aprofundar no tema.
apresentando as perspectivas e algumas alternativas que favoreçam a supe-
Esta análise se deterá na abordagem sobre o período iniciado em
ração de eventuais dificuldades presentes e futuras.
2009, quando foi criado o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) (Lei n°
Com o objetivo de comparar os últimos resultados com os registrados, 11.958, de 26 de junho de 2009) e definidas as novas competências relativas
historicamente, sobre o uso da biodiversidade aquática e da gestão pesqueira ao uso sustentável dos recursos pesqueiros, conforme descritas no § 6°, art.
no Brasil, serão utilizadas informações contidas na bibliografia especializada e, 27 da citada lei:
em especial, as publicadas por Dias-Neto (2003, 2010).
“..........................................................................
3.3.1 Aspectos institucionais – a governança § 6º Cabe aos Ministérios da Pesca e Aquicultura e do Meio Ambiente,
Neste item será feita uma discussão sintética da atual base legal, da em conjunto e sob a coordenação do primeiro, nos aspectos relacionados ao
estrutura do Estado, da organização dos segmentos sociais e uma avaliação uso sustentável dos recursos pesqueiros:
dos aspectos que fundamentam a governança no uso e na gestão da biodiver- I - fixar as normas, critérios, padrões e medidas de ordenamento do uso
sidade aquática no Brasil. sustentável dos recursos pesqueiros, com base nos melhores dados científicos
A base legal e existentes, na forma de regulamento;
Quanto à base legal, não serão abordados novamente os aspectos que ..........................................................................”
fundamentam a questão da propriedade e das regras gerais para o uso da Nesse mesmo período, também ocorreu a aprovação da Lei nº
biodiversidade aquática, mas, especificamente, a base legal que estrutura e 11.959, de 29 de junho de 2009, que representa a nova Lei da Pesca.
define as competências da União para a gestão do uso dos recursos pesquei-
ros no Brasil, que foi discutida em duas oportunidades por Dias-Neto (2003 e Dias-Neto (2010) descreve esses eventos históricos ocorridos em
2010) e outros autores. 2009 como o segundo momento de grande euforia para parte do setor pes-
queiro e considerado por algumas entidades como a nova redenção da pes-
A estrutura do Estado ca nacional – a primeira ocorreu com o DL nº 221/67, convertida em Lei
Uma retrospectiva histórica das transformações ou fases por que pas- Áurea da Pesca (SILVA, 1972) –, como bem demonstrou a revista Pesca &
Instituto Brasileiro
sou a organização do Estado brasileiro quanto às competências e estrutura Mar (SAPERJ, julho/agosto, 2009, p. 6): “A criação do Ministério da Pesca e a do Meio Ambiente e
institucional para a gestão do uso da biodiversidade aquática (recursos pes- aprovação da nova Lei da Pesca representam uma virada histórica. Parece milagre, dos Recursos
Naturais Renováveis
queiros) pode ser encontrada em alguns importantes trabalhos publicados e como a transformação da água em vinho... Demorou, mas esse é o grito de indepen-
262 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

dência dos trabalhadores das águas do Brasil. É a abolição da escravatura. É o grito de Prioridades e formas de atuação
liberdade...”.
Serão discutidos a seguir os principais programas, a forma de atuação
Feito esse registro inicial, cabe evidenciar que o MPA, quando com- dos gestores, a desestruturação dos sistemas de informação, a estatística e o
parado à ex-Seap/PR, teve suas estruturas e competências ampliadas, espe- desrespeito às regras legais.
cialmente no tocante à gestão do uso sustentável dos recursos pesqueiros, a) principais programas
herdando, entretanto, todo um passivo seja especificamente da ex-Secretaria
ou do quadro acumulado da situação de uso da biodiversidade aquática nas Como herança da ex-Secretaria, o MPA vem dando continuidade à ex-
águas jurisdicionais do País. periência do modelo desenvolvimentista da Sudepe, no tocante à política de
incentivo e subsídios fiscais e creditícios, que, como apontado por Dias-Neto
A estrutura funcional (op. cit.), sempre atraiu a simpatia dos que já lucraram muito com esse mode-
Segundo o Decreto nº 8.092, de 4 de setembro de 2013, o MPA lo, sem, necessariamente, ser com a atividade pesqueira e aquícola. Esse
possui na sua estrutura básica uma Secretaria-Executiva, quatro Secretarias modelo foi reforçado, em outubro de 2012, com o lançamento do Plano Safra
Setoriais, 27 Superintendências (uma em cada unidade da Federação) e 27 da Pesca e Aquicultura – 2012/2013/20149, que contempla recursos da or-
Escritórios Regionais. Ao todo, o Ministério tem 504 cargos comissionados dem de 4,1 bilhões de reais.
(363 DAS) ou Funções Gratificadas (141) e poucos funcionários da carreira de Esse plano manteve e ampliou o financiamento de obras de infraestru-
Serviço Público no seu quadro próprio, ou seja, em torno de 260 servidores, tura, tais como a construção de fábricas de gelo e de terminais públicos pes-
dos quais aproximadamente 100 são efetivos, 65 readmitidos, em decorrência queiros, alguns em locais com prioridade duvidosa e, a maioria, sem funcionar
de decisão judicial que anistiou os demitidos pelo ex-presidente Fernando ou operando precariamente (Ata da reunião do Conape realizada em 20 e 21
Collor, e cerca de 100 temporários. de maio de 201310); equipamentos de apoio à comercialização do pescado e
programas de apoio à pesca de pequena escala, visando a modernização ou
Esse quadro é, certamente, uma das causas e consequências dos pro-
revitalização das embarcações costeiras (Revitaliza), para a captura de recur-
blemas que enfrenta o MPA: grande quantidade de cargos comissionados e
sos pesqueiros, todos ou quase todos sobre-explotados.
funções, quando comparado com os poucos e recentes convocados trabalha-
dores da Carreira de Servidor Público. Também foi dada continuidade ao fomento do uso do seguro-desem-
prego (atividade sob a coordenação do Ministério do Trabalho e Emprego –
Um primeiro aspecto a ser considerado é a existência de grande con-
MTE) nos períodos de defeso (paralisação da pesca) das principais pescarias
centração de cargos na sede (Brasília) e poucos comissionados e servidores
brasileiras, como uma meta de avanço dos benefícios oferecidos pelo Estado
lotados nas representações dos estados. Na média, há cerca de 10 servidores para a classe de pescadores. Sendo assim, certamente contribuiu direta (ao
por estado. emitir carteiras para quem não é pescador) e indiretamente (difundir o uso de
O segundo problema é o fato de as nomeações de cargos comissiona- um instrumento de apoio à gestão, como se fosse de transferência de renda),
dos, além de levar em conta a filiação partidária, recrutar neófitos ou pessoas para tornar a utilização do seguro-desemprego em um dos maiores escânda-
que não entendem do assunto nem têm compromisso com a atividade de los da pesca nacional (uso do erário por quem não tem direito) e inviabilizar a
pesca e aquicultura, mas com agendas e interesses próprios (DIAS-NETO, continuidade desse instrumento de suporte à gestão do uso da biodiversidade
2010). aquática (Box 5).
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos 9
Plano Safra: http://www.mpa.gov.br/images/Docs/Planos_e_Politicas/Plano%20Safra(Cartilha).pdf
Naturais Renováveis 10
http://www.mpa.gov.br/images/Docs/Conape/docs/2013/Ata%20reuni%C3%A3o%2020%20e%2021%20de%20maio%20%202013%20-%20CONAPE.pdf, acessada em 14/10/2013.
Capítulo 3 – Discussão 263

A aplicação das subvenções ao óleo diesel, também com elevado tado como mais uma atividade que alimenta a corrupção no setor pesqueiro
potencial de desvios seja pelas fragilidades contidas na legislação específi- nacional.
ca, já que as entidades de classe são as responsáveis pela apresentação da
O fomento ao uso de recursos para projetos de pesquisa e tecnologia,
demanda, nem sempre fundamentada na realidade, e sem uma avaliação da
por meio de editais em parceria com o MCTI/CNPq, que entre 2003 e 2013,
demanda com base nas características dos barcos que compõem a frota,
segundo informações apresentadas por representantes do Ministério, em reu-
seja pelo controle ineficiente (têm sido comuns apurações sobre desvios da
nião do Conselho Nacional de Aquicultura e Pesca (Conape), foram usados 60
finalidade do instrumento, como pode ser constatado, em parte, no portal
milhões de reais13, cujas avaliações feitas por parte dos conselheiros e por
JusBrasil, indicado na nota de rodapé11 e, mesmo, do uso do combustível
instituições públicas de controle indicam que não têm sido adequadamente
para outras atividades diferentes das da pesca) pode, simplesmente, mas-
direcionados ou não têm gerado os resultados esperados, conforme lacunas
carar o ponto de equilíbrio econômico de rentabilidade das pescarias e agra-
de dados, conhecimentos e avaliações sobre os estoques e a atividade pes-
var a situação de sobreuso dos recursos-alvo, já que não aplica critérios ou
queira, apontadas em CGU (2014).
distingue o emprego dos instrumentos entre as diferentes pescarias.
Especificamente quanto ao Plano Safra da Pesca e Aquicultura, a pro-
A compra de 28 lanchas (por 31,1 milhões de reais) para apoio à fis-
posta contempla as seguintes ações (documento completo pode ser acessa-
calização, processo iniciado ainda pela ex-Seap/PR, e que, segundo investi-
do na página do MPA):
gação do TCU12, com graves desvios e com a possibilidade de “... imputar
débito aos responsáveis que, ao superdimensionar as necessidades do MPA • Resgate de 100 mil famílias que estão na linha de pobreza.
e a sua capacidade de colocar as lanchas em operação, deram causa a aqui- • Mais de 330 mil famílias beneficiadas com o Plano Safra.
sições que se revelaram sem serventia à Administração ou ao interesse públi-
• Brasil Sem Miséria: 3.500 famílias beneficiadas com assistência
co. O dano ao erário corresponderia a um montante superior a 78% do valor
técnica e extensão rural diferenciada, com recursos de fomento não
contratado, equivalente aos bens integralmente pagos, mas nunca utilizados
reembolsáveis de R$ 2.400,00.
..., e que correm o risco de, a médio prazo, tornarem-se inservíveis”. Agrava
os problemas apurados pelo TCU o fato de o MPA não ter servidor para reali- • Reestruturação de nove unidades de produção de formas jovens e
zar a atividade de fiscalização da pesca e aquicultura em razão de os gesto- alevinos.
res não quererem desgastes com os pescadores e aquicultores, em decor- • Brasil Maior: Desoneração da cadeia produtiva.
rência da atividade de fiscalização ou, ainda, porque a maioria das instituições
• R$ 4,1 bilhões em financiamentos (Pronaf, Prodecoop, Pronamp,
que receberam as lanchas não as usam para fiscalizar a pesca ou usam so-
Procap-Agro, Moderagro e BNDES).
mente eventualmente, representando, portanto, mais uma iniciativa aponta-
da como de desvio de finalidade do erário. • Criação do Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento de
Novas Tecnologias MPA/Mapa e Embrapa Pesca e Aquicultura.
A aplicação piorada do instrumento do arrendamento de barcos es-
trangeiros por empresas ou armadores de pesca do Brasil é outra iniciativa • Execução de 75 projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação.
revitalizada com força pelo MPA, que vem causando bastante polêmica pelos • Implantação do Plano Nacional de Prevenção e Combate à Pesca
resultados duvidosos ou descontínuos que pode gerar (Box 7) ou por ser apon- Ilegal.

Instituto Brasileiro
11
http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=Subven%C3%A7%C3%A3o+econ%C3%B4mica do Meio Ambiente e
12
http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/imprensa/noticias/noticias_arquivos/017.740_2011-8%20-%20Lanchas%20Pesca.pdf dos Recursos
Naturais Renováveis
13
http://www.mpa.gov.br/images/Docs/Conape/docs/2013/Diretrizes%20estrat%C3%A9gicas%20em%20PDI_%20MPA%20CONAPE_22-05-2013.ppt#556,8,Slide 8, acessada em 14/10/2013.
264 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

• Criação do Instituto Nacional de Pesquisa para o Desenvolvimento ções para implementar o plano. O MMA coloca-se à disposição para construir
Pesqueiro (Indep). um plano com bases sustentáveis como bem merece a pesca e aquicultura do
Brasil”.
Por ocasião da apresentação da primeira versão da proposta deste pla-
no ao Conape, o representante do MMA, presente na reunião, fez as seguin- É necessário reconhecer que a meta de produzir 2 milhões de tonela-
tes considerações14: inicialmente informou que “...entramos em contato com a das anuais de pescado, até 2014, é possível de ser atingida (especialmente
Secretaria-Executiva do Conape com o objetivo de realizar uma reunião com os pelo incremento da produção, por meio de uma aquicultura sustentável), mes-
órgãos governamentais ...” e que a Secretaria Executiva do Conselho havia mo assim, pouco provável. Entretanto, o então ministro Crivella, certamente
retornado informando não ter conseguido agenda com a equipe responsável por assessoria inadequada, passou, posteriormente, a defender metas já alar-
pela elaboração da proposta, para viabilizar o encontro. Continuando, apresen- deadas por administrações anteriores (DIAS-NETO, 2010) e consideradas por
tou as seguintes considerações quanto à proposta de plano: “...necessidade especialistas como inatingíveis ou ilusórias, quando aponta para uma produ-
de fundamentação técnica – base de sustentação [técnica e ambiental] da ção de 20 milhões de toneladas/ano15, como fez em pronunciamentos, e es-
proposta; prazo totalmente insuficiente [o tempo inicial era de menos de dois creveu em artigo publicado no Jornal Folha de S. Paulo, de 2/10/2013, com o
anos], frente ao montante de recursos que pretende aplicar (necessitaria de 6 título “o uso duplo da água”.
a 10 anos); parte de bases de implementação não existentes – especialmente Especialistas apontam que os maiores equívocos do Ministério e de
a de assistência técnica e extensão pesqueira (com honrosas exceções); mo- seu staff decorrem de não ter percebido que o melhor caminho para evitar a
dernização e renovação de 6.000 barcos [foi ampliado para 12.500 embarca- desmoralização é fundamentar suas políticas e diretrizes para a pesca extrati-
ções] – em que bases e com base em quê? (risco de endividar os pescadores); va na recuperação dos estoques dos recursos sobrepescados ou em processo
não aponta caminhos para efetivar o uso da anchoíta e dos atuns e afins; im- de esgotamento (Box 12); para a aquicultura, é preciso embasar suas ações
plantação de infraestrutura com possibilidade de repetir erros da Sudepe e de expansão e desenvolvimento, via pesquisa e tecnologia, para viabilizar a
atuais (entrepostos [terminais públicos pesqueiros] parados ou inacessíveis – definição de pacotes tecnológicos para o cultivo de espécies nativas e sempre
RN), fábricas de gelo paradas...; pacotes tecnológicos de cultivo ainda não preocupadas ou orientadas na sustentabilidade da atividade e do meio am-
disponíveis – caso do cultivo de pirarucu; e falta de detalhamento na aplicação biente; nas ações de fomento, subsídios e infraestrutura, definir critérios para
dos recursos (como no caso do Complexo Integrado de Beneficiamento de os distintos casos, evitando, em todos os casos, o paternalismo e a promis-
Pescado)”. Como consideração final: “se não falta espaço para crescer [a pro- cuidade entre o público e o privado, não admitindo, jamais, a barganha nos
dução da pesca e, especialmente, da aquicultura], falta base, tempo e condi- processos de fornecimento, compras e contratações de produtos e serviços.

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos 14
http://www.mpa.gov.br/images/Docs/Conape/docs/2012/ATA%20REUNI%C3%83O%20EXTRAORDIN%C3%81RIA%20DO%20CONAPE%20-%2023%20AGOSTO.doc, consultada em 14/10/2013.
Naturais Renováveis 15
Dados estimados por consultoria da FAO e adotados pelo MPA.
Capítulo 3 – Discussão 265

Box 12 As vantagens da recuperação dos estoques sobrepescados ou em vias de esgotamento.


As vantagens:
Segundo Sumaila et al. (2012), os benefícios globais da pesca marinha são atualmente insatisfatórios, em grande parte devido à sobrepesca. Os autores, analisan-
do as bases de dados globais, verificaram que o orçamento total a ser utilizado para a recuperação de pescarias, em nível mundial, pode levar uma situação de saldo ne-
gativo de US$ 13 bilhões para um saldo positivo de 54 bilhões de dólares americanos, por ano, proporcionando um ganho líquido de US$ 600 bilhões a US$ 1,4 trilhão,
depois de decorridos 50 anos após o início dos trabalhos de recuperação das pescarias. Para atingir esse ganho, os governos precisariam implementar um programa de
reconstrução, a um custo de US$ 203 (130-292) bilhões, em valor corrente. Os autores estimaram que se levaria apenas 12 anos, após o começo da recuperação, para os
benefícios superarem os custos.
No estudo foi estimada a contribuição potencial da recuperação das pescarias, em que foi obtida estimativa de 89 milhões de toneladas por ano (com intervalo de
confiança de 50%, variando de 83 milhões a 99 milhões de toneladas por ano) e US$ 100 bilhões por ano para o valor desembarcado (previsão de intervalo de confiança
de 50%: 93 bilhões de dólares a 116 bilhões de dólares por ano). Isso representa um aumento, diante do valor atual dos desembarques da pesca, de 13 bilhões de dólares
por ano (intervalo: US$ 5 bilhões a 29 bilhões por ano).
Os autores também estimaram o intervalo de confiança para mudanças no custo das pescarias, quando encontraram que a redução necessária do nível de
esforço, para atingir o rendimento máximo sustentável, estaria dentro de um intervalo de 40-60% do esforço de pesca corrente, com um intervalo médio de confiança
de 50%.
Os caminhos:
Várias nações estão investindo na busca desse caminho. Para ilustrar esse esforço, vale considerar os dados constantes do relatório que o NOAA encaminhou ao
congresso dos EUA, sobre a situação dos estoques e das pescarias americanas em 2012. De forma sintética, o relatório informa:
• Vem sendo avaliada a situação de 230 estoques que representam mais de 90% do total de desembarques norte-americanos.
• Quando um estoque é identificado como sobrepescado, é implementado um plano de recuperação. Um plano típico de recuperação permite a continuidade da
pesca, mas a um nível reduzido, de modo que o estoque possa ser recuperado para seu nível-alvo e produzido o rendimento máximo sustentável.
• Cinquenta estoques estão atualmente submetidos aos planos de recuperação nos EUA;
• Nem todos os estoques responderam ao plano de recuperação tão rapidamente e o monitoramento do progresso da recuperação das unidades populacionais
pode levar, se necessário, a ajustes;
• Em 2012, foi avaliado que 10 estoques não estão mais sujeitos à sobrepesca, quatro estoques já não são objeto de sobrepesca excessiva, e seis foram recupe-
rados, trazendo o número total de estoques recuperados para 32, desde 2000;
• Esses resultados mostram clara vantagem de gestão baseada na ciência pesqueira.
Concluindo, o relatório apresenta um conjunto de indicadores que evidencia os progressos adicionais em direção à sustentabilidade biológica e econômica de
longo prazo, ao eliminar a sobrepesca por meio da recuperação da abundância dos estoques e apontar os claros benefícios econômicos conseguidos com a pesca susten-
tável.

b) A forma de atuação dos gestores Instituto Brasileiro


político do Ministro Crivella), assim como a forma de atuação dos dirigentes do Meio Ambiente e
O MPA vem mantendo os mesmos critérios adotados pela ex-Seap/PR (eventuais exceções confirmam a regra), conforme descrito por Dias-Neto dos Recursos
Naturais Renováveis
para a nomeação de seu quadro de gestores (apesar de ter mudado o partido (2010), ou seja:
266 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

• Domina a nomeação dos cargos de pessoas dos “...quadros de lacionamento com as autoridades e estruturas do MMA e suas vinculadas,
partidos políticos, sem qualquer conhecimento ou aptidão para com onde deve haver entendimento para o bom êxito da gestão conjunta. Nesse
as demandas do setor, mas com agendas e interesses próprios, caso, tem dominado a desarticulação, a busca de soluções imediatas e iso-
e a insuficiente coordenação nacional dos trabalhos sobre as ladas, a falta de fundamentação técnica que embase o que os gestores do
representações das unidades da Federação fez com que uma série MPA apresentam ou defendem e, até, o desrespeito às leis, ao assinarem e
de fragilidades ou, mesmo, desmandos ocorressem, tais como: publicarem regras de gestão isoladas, quando deveriam ser em conjunto
emissão de carteiras de pescador para quem não tem direito ou não (Box 13).
exerce a profissão; permissões de pesca concedidas para barcos em É preocupante também o trabalho que o MPA tem desenvolvido,
desrespeito à legislação vigente; ...”; nos últimos anos, para evitar um processo com abrangência mais plural e
• Manteve a especialização “... em atender às reivindicações democrático de participação de representantes dos movimentos sociais or-
do setor, mesmo que o atendimento possa comprometer a ganizados nos fóruns assessores ao Ministério, como ocorreu com a com-
existência desse mesmo setor em anos futuros. Como variante posição do Conape, ao ter promovido ou possibilitado a eliminação de repre-
do comportamento anterior, quando não podia atender, na grande sentantes de entidades consideradas como mais independentes e legítimas
maioria dos casos, alegam que é a área ambiental (o MMA ou o na representação, especialmente dos pescadores de pequena escala ou
Ibama) a culpada ...”. Não ter aprendido ou saber administrar um artesanais, como o Movimento Nacional dos Pescadores (Monape), o Con-
“dizer não”, para demandas inviáveis, pode vir a ser fatal para o selho Pastoral dos Pescadores (CPP), a Articulação Nacional das Pescadoras
futuro do Ministério. (ANP), entre outras.

É muito grave o desentendimento ou a ausência de convergência Domina naquele Ministério, finalmente, o comportamento de instância
entre os vários secretários e o corpo de servidores das secretarias. Como de representação e defesa do interesse público secundário ou individual (pri-
vado) para parte do setor de pesca e aquicultura e não de instância do Estado
não existem interesses comuns, domina a competição entre os secretários
brasileiro de definição de política, diretrizes e normas para esses segmentos,
e as respectivas secretarias. Assim, é cada um por si, levando à total falta
e orientado pelo interesse público primário (interesse do conjunto da socieda-
de diálogo e, mesmo, desentendimento entre as áreas que, da forma como
de), como ilustram as argumentações constantes da sentença judicial proferi-
foram estruturadas, demandam complementaridade. Com isso, perde o Mi-
da no processo da Ação Civil Pública nº 5001964-45.2011.404.7101/RS17. Na
nistério e o setor de pesca e aquicultura, levando a resultados pífios ou
realidade, os gestores do Ministério têm se comportado mais como se fossem
equivocados.
dirigentes do Sistema CNPA ou Conepe, ou das representações da aquicultu-
Ocorrem casos, ainda, em que determinado secretário declara aberta- ra. Em decorrência, não têm priorizado a busca de entendimento para a cons-
mente que é contra determinada ação ou atividade desenvolvida pela secreta- trução dessas políticas, diretrizes e normas, juntamente com outros ministé-
ria que administra, como foi o caso dos Terminais Públicos Pesqueiros (TPPs), rios e instâncias do Estado, que têm atribuições e competências relacionadas
conforme pode ser observado na Ata da Reunião Ordinária do Conape, de 20 com a pesca e aquicultura, norteados, como se destacou, pelo interesse pú-
e 21 de maio de 201316. blico primário.
Se entre as autoridades do MPA não existe convivência harmoniosa e Esse comportamento tem sido, certamente, o principal responsável
de busca de construção de consensos, é fácil perceber as dificuldades no re- por alimentar a mistura dissonante entre o interesse público primário e o inte-
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
16
http://www.mpa.gov.br/images/Docs/Conape/docs/2013/Ata%20reuni%C3%A3o%2020%20e%2021%20de%20maio%20%202013%20-%20CONAPE.pdf, acessada em 14/10/2013
17
http://www.jfrs.jus.br/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7581509v3 e, se solicitado, do código CRC 20613CE8.
Capítulo 3 – Discussão 267

resse privado ou público secundário. Nesse aspecto, é necessário esclarecer É fato que foi criado um centro na Embrapa voltado para a pesquisa em
que o interesse público primário é aquele decorrente do interesse geral da aquicultura e pesca. Foi instalado no Tocantins, mas com estrutura insuficien-
sociedade, expresso pelos princípios adotados pela Constituição Federal de te e ainda não apresentou caminhos consistentes especialmente para as de-
1988 (buscado pelo Estado em prol da coletividade, como é o caso da prote- ficiências na área de pesca, a não ser alguns eventos, que, se justificam sua
ção ambiental e do desenvolvimento sustentável). Já o interesse público se- existência, estão longe de apresentar soluções para as grandes deficiências
cundário (individual) representa o interesse do indivíduo (MELLO, 2009), que é discutidas neste trabalho.
similar ao interesse particular ou privado.
d) O desrespeito à base legal
c) A desestruturação dos sistemas de informação, estatísticas e
É provável que a base legal que remeteu a uma atribuição conjunta
geração do conhecimento
entre o MPA e o MMA, sob a coordenação do primeiro, não seja a mais
Um dos maiores equívocos do MPA foi não ter resolvido com celerida- adequada, conforme tem manifestado gestores do MPA, em distintas opor-
de o absurdo equívoco cometido pela ex-Seap/PR, quanto à desestruturação tunidades, ou possa apresentar vício que remete à inconstitucionalidade,
do sistema de geração de dados estatísticos de produção da pesca e aquicul- como defende Dias-Neto (op. cit.). Entretanto, esse não deve ser o motivo
tura (boxes 1 a 3). O fato é que o Brasil está há 6 anos sem uma coleta de para o ministério coordenador assinar e publicar, de forma individual e sem
dados minimamente aceitável, divulgando estimativas com atrasos de cerca concordância da área ambiental, normas específicas ou em desrespeito a
de dois anos e, mesmo assim, totalmente precárias e frágeis (CGU, 2014). As outras regras existentes, ferindo o mandato conjunto dos dois ministérios.
últimas notícias de que o problema da estatística será resolvido, via trabalho
Tem sido comum, em distintos casos e tempos, o fato de o Ministério
conjunto entre o MPA e o IBGE é, lamentavelmente, duvidoso, ao não contem-
Público recorrer ao Poder Judiciário ou ao Tribunal de Contas da União para
plar um quadro de servidores para essa finalidade nem construir parcerias
que atos ilegais e ações equivocadas do MPA sejam revogados ou corrigidos.
com outras instituições experientes e importantes na área de uso da biodiver-
Esse equivocado posicionamento tem contribuído para uma crescente desmo-
sidade aquática.
ralização e descrédito do Sistema de Gestão definido entre os dois ministérios
Também seria preciso buscar parcerias e caminhos consistentes para e que se fundamenta no processo de gestão compartilhada entre usuários da
gerar e divulgar resultados de pesquisas do uso sustentável dos recursos biodiversidade aquática e representações do Estado, conforme previsto e re-
pesqueiros, assim como pesquisas continuadas em suporte a uma aquicultu- gulamentado pelo Decreto n° 6.981, de 13 de outubro de 2009, e INI MPA/
ra sustentável (lançamento de editais esporádicos e de curta duração, assim MMA n° 2, de 13 de novembro de 2009. Esse processo de desmoralização
como o uso de convênios efêmeros não serão, jamais, suficientes) têm dei- pode ser percebido em avaliações encontradas em memórias de reuniões da
xado o País em situação mais vulnerável do que a das décadas de 1970 e Comissão Técnica da Gestão dos Recursos Pesqueiros (CTGP)18 ou em atas de
1980. reuniões do Conape19.

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
18
http://www.mpa.gov.br/images/Docs/Pesca/Gestao_compartilhada/18%C2%AA%20Reuniao%20CTGP.pdf, consulta realizada em 18/10/2013. dos Recursos
Naturais Renováveis
19
http://www.mpa.gov.br/images/Docs/Conape/docs/2013/Ata%20reuni%C3%A3o%2020%20e%2021%20de%20maio%20%202013%20-%20CONAPE.pdf, consulta realizada em 18/10/2013.
268 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Box 13 A judicialização do processo de gestão: os casos da pesca da tainha e da implantação de Comitês Permanentes de Gestão (CPGs).

O caso da tainha
Em 2007, o Ibama promoveu duas reuniões técnicas com o objetivo de estabelecer novas regras para exploração da tainha, de forma a minimizar os impactos
da pesca sobre o recurso, até que um plano de gestão fosse elaborado. Nessas oportunidades, foram resgatadas informações científicas sobre a tainha e ocorreram
debates com representantes dos setores produtivo, técnico e de outras instâncias do Governo. Como resultado foi publicada a Instrução Normativa Ibama nº 171/2008.
A partir de então, parte das regras vem sendo reiteradamente frustrada e materializada nas sucessivas suspensões de aplicação dos dispositivos centrais da
IN Ibama nº 171/2008, tanto que em 2011 a divulgação do Acórdão TCU nº 496/2011 reforçou as exigências quanto ao cumprimento dos limites de esforço de pesca
aplicado sobre a espécie em migração reprodutiva. Porém, pressões políticas, contrárias ao seu cumprimento, lograram novamente sucesso e levaram à suspensão
do referido acórdão. Entretanto, ainda no final de 2011, uma Sentença Judicial resultante da Ação Civil Pública nº 5001964-45.2011.404.7101/RS, movida pelo Minis-
tério Público Federal de Rio Grande/RS (MPF/RS), determinou o cumprimento dos termos da IN Ibama nº 171/2008, até que fosse finalizado o Plano de Gestão para a
Tainha cujo prazo de elaboração encerra em 2014.
Com a publicação da IN MPA nº1/2012 e da IN MPA nº 2/2013, que definiram critérios de seleção para as traineiras, o MPF/RS entendeu que tanto a IN Ibama
nº 171/2008, quanto à mencionada Sentença Judicial haviam sido descumpridas, oportunidade em que apresentou notificação argumentando que as instruções nor-
mativas do MPA apresentavam vício formal, afrontando o art. 27, XXIV, parágrafo 6º da Lei nº 10.683/2003, que exige que as normas, critérios, padrões e medidas de
ordenamento do uso sustentável dos recursos pesqueiros devam ser fixados pelo Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA),
em conjunto, e sob a coordenação do primeiro, o que não retira a competência, que é própria do MMA, ausente no ato normativo em questão. Ainda alegou que os
critérios de seleção de barcos definidos pelas instruções normativas, que dão preferência à embarcação mais nova e com maior ‘arqueação bruta’, significa a exacer-
bação de tal poder de pesca, quando a finalidade da determinação judicial era de reduzir o esforço da pesca de cerco direcionada às agregações reprodutivas de tainha.
Em decorrência, em decisão de cumprimento, foi fixada pelo juízo multa contra a União, que foi suspensa após termo de conciliação celebrado na Câmara de Conci-
liação e Arbitragem da Administração Federal, vinculada à Advocacia-Geral da União.
Situações similares ocorreram com a regulamentação da pesca de corvina e o uso de redes de emalhe no Sudeste e Sul.
A implementação dos Comitês Permanentes de Gestão (CPGs)
O Sistema de Gestão Compartilhada (SGC) para o uso sustentável dos recursos pesqueiros foi estabelecido pelo Decreto nº 6.981, de 13 de outubro de 2009,
que regulamenta o art. 27, § 6º, inciso I da Lei nº 10.683, de 2003, que definiu a atuação conjunta dos Ministérios da Pesca e Aquicultura (MPA) e do Meio Ambiente
(MMA), sob a coordenação do primeiro. O SGC dispõe sobre o formato operacional da atuação conjunta dos dois ministérios, nos aspectos relacionados à definição
de normas, critérios, padrões e medidas de ordenamento para o uso sustentável dos recursos pesqueiros.
Para criar as condições necessárias e propiciar a organicidade institucional, foi estruturada a forma de funcionamento do SGC, do MPA e do MMA, após longas
discussões concluídas em reuniões da Comissão Técnica da Gestão Compartilhada dos Recursos Pesqueiros (CTGP), definindo a forma de trabalho e o fluxograma
operacional do Sistema cujo processo passa pela necessidade de constituir e implementar Comitês Permanentes de Gestão (CPGs) do Uso Sustentável dos Recursos
Pesqueiros. Todo o processo foi aprovado no início de 2011.
A grande morosidade ou falta de condições operacionais, entre outros aspectos, por parte do MPA, em coordenar a constituição e implementação dos CPGs,
levou o Tribunal de Contas da União (TCU), por intermédio do Acórdão nº 1404/2012 – TCU – Plenário, de 6 de junho de 2012 (item 9.2.1), a determinar ao Ministério
da Pesca e Aquicultura e ao Ministério do Meio Ambiente que apresentassem“...no prazo de 120 dias, uma proposta conjunta dos dois órgãos acerca de um plano de
Instituto Brasileiro ação para a implementação dos Comitês Permanentes de Gestão (CPGs) e seus respectivos Subcomitês Científicos e de Acompanhamento, priorizando a instalação dos
do Meio Ambiente e CPGs mais críticos e apresentando os meios para operacionalizá-los, definindo prazos e os responsáveis por tais medidas, em atendimento ao Decreto nº 6.981/2009,
dos Recursos
Naturais Renováveis art. 3º, parágrafo único, e Portaria Interministerial nº 2/2009”. A proposta foi elaborada e encaminhada ao TCU, dentro do prazo definido.
Capítulo 3 – Discussão 269

As dificuldades continuaram e os CPGs não foram constituídos ou, se constituídos, não foram instalados.
Outros casos existem e são, em alguns aspectos, até mais graves como: a solicitação, por parte de autoridades do MPA, de que o Ibama não fiscalize ou exerça
suas obrigações (crime de prevaricação ou de advocacia administrativa); a publicação de normas de gestão, em atendimento a demandas específicas como a publicação
da IN MPA nº 13/2013, em desacordo com legislações vigentes e superiores (INI nº 11/2011 e 14/2011), com vício de origem (ilegalidade);
Os argumentos utilizados pelos representantes do MPA são totalmente ilegais, confrontando, inclusive, com o definido na Constituição Federal de 1988, em espe-
cial, os aspectos a seguir transcritos:
“Artigo 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.(...);
§ 3° As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, inde-
pendentemente da obrigação de reparar os danos causados.”.
Assim, a proteção ao meio ambiente é considerado princípio fundamental do nosso ordenamento jurídico, de modo que tanto na elaboração de leis quanto na
execução ou edição de atos normativos secundários pelo Poder Executivo, toda e qualquer atividade seja pública ou privada, deve respeitar, como premissa, a proteção
ambiental, na busca da denominada ‘sustentabilidade’.
Entendemos que as autoridades do MPA têm nitidamente assumido a defesa do interesse público secundário ou individual (privado) em benefício de parte do setor
da pesca extrativa, e não de instância do Estado brasileiro de definição de política, diretrizes e normas orientadas pelo interesse público primário (interesse do conjunto da
sociedade).
Esses casos têm levado o Poder Judiciário a propor ou até a aplicar multas contra a União, quando, na realidade, deveriam ser contra os gestores, afinal, as insti-
tuições (União) não têm vontade ou tendências, diferentemente dos gestores.

O amadorismo ou o desconhecimento da base legal e do processo de A organização e representação dos movimentos sociais de usuários da
gestão definido entre os dois ministérios é tamanho que, até hoje, tanto repre- biodiversidade aquática
sentantes do Estado, especialmente do MPA, quanto do segmento de usuá-
rios, confundem as competências conjuntas entre os dois ministérios, com a Agrava o quadro de estrutura e competências do Estado brasileiro
alternativa de fazer ou promover a gestão por meio do compartilhamento de a forma de organização e o histórico comportamento de parte dos repre-
atribuições e responsabilidades entre os representantes do Estado e dos mo- sentantes dos movimentos sociais organizados. Inicialmente, é importan-
vimentos sociais organizados, conforme registrado na Ata da reunião do Cona- te informar que não iremos fazer uma discussão exaustiva sobre esse
pe20. Corre-se o risco, inclusive, de a eventual inadequação das atribuições importante aspecto. Entretanto, os que desejarem se aprofundar no tema,
conjuntas inviabilizar ou desacreditar o que vem sendo trilhado e fortalecido, podem consultar vasta bibliografia sobre a questão: Villar (1945); Silva
em boa parte do mundo, para a adequada gestão do uso sustentável da biodi- (1972); Diegues (1983); Silva-Filho (1985); Loureiro (1985), e Dias-Neto
versidade aquática, por meio da boa prática da gestão compartilhada. (2003).

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
20
http://www.mpa.gov.br/images/Docs/Conape/docs/2013/Ata%20reuni%C3%A3o%2020%20e%2021%20de%20maio%20%202013%20-%20CONAPE.pdf, consulta realizada em 18/10/2013. Naturais Renováveis
270 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

No tocante às organizações e representações institucionais da pesca Tem sido aventado que a quebra de alianças momentâneas acontece,
artesanal ou de pequena escala, a situação continua similar à descrita por também, quando um ou parte de alguns envolvidos consegue, em paralelo e,
Dias-Neto (2003). para uns foi evolução, para outros foi retrocesso. nem sempre por meios lícitos, atingir o objetivo particular imediato, afastan-
do-se ou deixando os demais sozinhos na luta que era coletiva.
Para os que entendem que houve avanço, citam o status de sindicato
assumido pelo Sistema de Colônias, Federações e Confederação Nacional de A direção do Conepe mantém a característica de alternância de lide-
Pesca e Aquicultura (Sistema CNPA). Essa posição acirrou a disputa com ou- ranças regionais (até de um único grupo empresarial) que defendem interes-
tras organizações de pescadores (associações, Conselho Pastoral dos Pesca- ses específicos (ou incentivos/subsídios, exportações, arrendamentos, mu-
dores (CPP), Movimento Nacional dos Pescadores (Monape) etc.) ao ponto de dança de determinadas regras regionais de pesca etc.). A bandeira mais
considerar o único sistema legal e legítimo para a representação da categoria. forte no momento é modificar a lei que define as competências das regras
Se é verdade que aquele sistema passou a cobrar ou receber mais dinheiro de uso da biodiversidade aquática, de modo a ficar somente com o MPA.
dos pescadores (a cobrança da taxa sindical) é também verdade que as repre- Essa bandeira é, também, encampada pelos principais líderes do Sistema
sentações institucionais (presidentes das unidades locais, estaduais ou nacio- CNPA.
nal) em nada mudaram. Continua dominando a atuação de pessoas que nunca
A expectativa dessa coalizão momentânea e ampliada é de ver fora
foram pescadores ou, quando foram, aliaram-se aos empresários e suas orga-
das decisões de gestão ou da definição de regra de uso sustentável da biodi-
nizações, deixando seus representados em situação crítica diante dos grandes
versidade aquática o MMA e suas vinculadas (em especial o Ibama), respon-
problemas da pesca nacional.
sabilizadas, tanto pelo Conepe quanto pelo Sistema CNPA, assim como pelo
Já os que apontam retrocesso argumentam que a força adquirida pelo próprio MPA, como instâncias responsáveis pelo não atendimento das de-
Sistema CNPA, especialmente junto ao MPA, anulou ou inviabilizou a partici- mandas ou reivindicações das representações dos segmentos de pesca e
pação dos movimentos e das organizações que surgiram a partir dos anos de aquicultura.
1980, que se mostram mais comprometidos com a luta pela superação dos
Como um leve sinal de mudança, representantes e integrantes do
reais problemas dos pescadores artesanais, na medida que passaram a ter
Conepe têm buscado, nos últimos anos, fundamentar suas ações e ativida-
dificuldade para se fazerem ouvir junto às instâncias de Governo municipais,
des em resultados de pesquisa. Há quem argumente, entretanto, que uma
estaduais e federal.
pequena parcela busca apenas encontrar fundamento técnico para tentar
Quanto às representações dos empresários ou dos armadores de superar conhecimentos consolidados sobre a situação de uso de determina-
pesca, a situação permanece praticamente a mesma da descrita por Dias- dos recursos pesqueiros, especialmente entre gestores do MPA com pouco
Neto (op cit.), ou seja, continua a coexistência de associações e sindicatos ou nenhum conhecimento da atividade pesqueira, e, assim, encaminhar pro-
estaduais ou regionais, congregados ou associados, no nível nacional, ao postas para modificar regras que, na maioria dos casos, vêm apresentando
Conselho Nacional de Pesca e Aquicultura (Conepe). bons resultados, como foi evidenciado quando se discutiu a pesca da pira-
mutaba, do camarão-rosa da costa norte e da sardinha-verdadeira, entre
Esse Conselho pouco evoluiu e hoje é um aglomerado de entidades e
outras.
representantes com interesses distintos ou particulares que, em determina-
dos momentos críticos, chegam até a construir “alianças estratégicas”, porém Na ausência de consenso ou com base na construção de consensos
as divergências de crenças os levam à dissolução dessas alianças tão logo a fundamentados em premissas equivocadas, domina entre grande parcela dos
Instituto Brasileiro percepção de risco iminente (prejuízo econômico) seja superada. A aliança que compõem o Conselho, a máxima apontada por Dias-Neto (2003) sobre o
do Meio Ambiente e
dos Recursos estratégica dessas elites é relativamente estável para reivindicar benesses do uso da biodiversidade aquática: “enquanto se tem, se tira, e quando acabar
Naturais Renováveis
Estado e para criticar o Governo. para um, acaba para todos”.
Capítulo 3 – Discussão 271

3.3.2 Uma avaliação da governança elites do setor que, novamente, passaram a lutar para mudar o arranjo institu-
cional como forma indireta de atingir seus objetivos.
Tomando por base os aspectos institucionais – governança – anterior-
mente abordados e referenciados, será traçado um paralelo com as conclu- A novidade anunciada pode não durar muito, pois como previsto por
sões apontadas, por Dias-Neto (2003 e 2010) e outros autores, na expectati- Dias-Neto (2010), há “uma possibilidade de o MPA, na tentativa de viabilizar
va de aferir possíveis avanços ou retrocessos da governança sobre a gestão as metas inatingíveis e continuar agradando os políticos e os representantes
do uso da biodiversidade aquática (recursos pesqueiros) no Brasil. das entidades de classe do setor, promover um regime de terra arrasada,
semeando a insustentabilidade, em larga escala, na pesca e aquicultura
Uma primeira constatação é que o Estado manteve comportamento
desse país, cabendo ao MMA continuar batalhando para qualificar os deba-
denominado por Dias-Neto (2003) patrimonialista, com nuanças neoliberais, tes e evitar maiores danos, acirrando, dessa forma, o “cabo de guerra” ins-
especialmente quando discriminou parcela das representações dos pescado- titucional.”
res artesanais. Apresentou indícios de retomada da dilapidação dos recursos
pesqueiros, com a possibilidade de maior comprometimento da rentabilidade Na realidade, seja por desgastes ou por conveniência de alguns gesto-
das pescarias, o que pode levar ao subemprego e desemprego, e ao endivida- res, a área ambiental vem demonstrando “cansaço” do permanente confronto
mento de parcela de pescadores menos favorecidos. com o comportamento e com as propostas absurdas apresentadas por gesto-
res do MPA.
O Estado manteve, também, excessiva mistura dissonante entre o pú-
blico e o privado, em detrimento do interesse comum da sociedade e, sempre, Quanto às leis e decretos, sob seus aspectos intrínsecos, não podiam
vulnerável à conveniência das elites. ser considerados responsáveis pelos problemas do uso da biodiversidade
aquática nacional, até o final da década de 1990, época da instalação da cha-
As políticas mantêm a tendência histórica de, dominantemente, não mada “anarquia institucionalizada” (DIAS-NETO, 2003). O mesmo não se pode
levarem em consideração os aspectos fundamentais do sistema de parâme- dizer das suas regulamentações e implementações. O panorama atual, mes-
tros estáveis como a potencialidade dos recursos pesqueiros e a sustentabili- mo com as mudanças ocorridas em 2003 e em 2009, não é o adequado e, se
dade ambiental. não for corrigido, pode inviabilizar a recuperação e manutenção da pesca na-
Já os mediadores políticos aumentaram a discriminação de parcela cional em níveis sustentáveis.
das instituições da pesca artesanal e a tendência é priorizar as demandas de O conhecimento científico foi negligenciado ou desvirtuado, o que con-
pequena parcela das elites da pesca, em detrimento de princípios éticos da tribuiu inquestionavelmente para que a crise atingisse e permanecesse como
gestão pública. uma das lamentáveis características do setor pesqueiro nacional. A situação
A burocracia, peça importante no processo institucional e político, atual é bem mais grave, com a desestruturação da geração de dados estatís-
manteve ou até aumentou a tendência em estratégias e usos de instrumentos ticos de produção e das pesquisas e monitoramento das principais pescarias
econômicos e normativos, com os burocratas exercendo, com mais força, um nacionais.
papel forte e personalístico seja em seu próprio interesse ou defendendo os As organizações e lideranças da pequena produção ou do artesanato
que os apoiavam. Isso tende a manter resultados negativos para a Nação. A pesqueiro mantêm-se inadequadamente representadas e desarticuladas, não
novidade consolidada, mas ultimamente ameaçada, foi a que teve início na conseguindo formar uma coalizão capaz de fazer valer seus interesses. As da
metade dos anos de 1990, com o comando da gestão na área ambiental, por pesca industrial e suas estruturas têm mantido a eficiência na dilapidação do
meio do adequado uso de diretrizes e instrumentos normativos em defesa da Patrimônio Público (biodiversidade aquática), porém sem demonstrar capaci-
Instituto Brasileiro
sustentabilidade de bens de propriedade da União (DIAS-NETO et al., 1997), dade de construir consenso para problemas específicos como a sobrepesca do Meio Ambiente e
que levou a resultados positivos como nas pescarias da sardinha-verdadeira, da sardinha-verdadeira, entre outras, o arrendamento de barcos estrangeiros dos Recursos
Naturais Renováveis
do camarão-rosa da costa norte e da piramutaba, mesmo desagradando as etc.
272 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

Quanto ao desempenho da produção, à rentabilidade econômica e aos defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”
benefícios sociais, foram mantidas tendências de resultados aquém dos pre- (Constituição Federal, 1988). Em decorrência, a proteção ao meio
vistos pelas políticas públicas. O setor continua a afirmar que sobrevive, há ambiente deve ser considerada princípio fundamental do nosso
aproximadamente três décadas, sob o constante fantasma da crise e com ordenamento jurídico. A elaboração de lei, sua execução, edição de
perspectivas nada animadoras, com grande contingente de pescadores viven- atos normativos secundários pelo Poder Executivo, bem como toda e
do em condições injustas. qualquer atividade pública ou privada, deve respeitar, como premissa,
a proteção ambiental, na busca da sustentabilidade.
É importante destacar que o Estado brasileiro tem, em seu quadro de
servidores ou de pesquisadores das instituições-parceiras, conhecimento acu- • Respeitar as bases legais é o pilar fundamental do Estado Democrático
mulado e competência para executar uma governança que possibilite recupe- de Direito, assim como a lisura, a transparência e o compromisso
rar os estoques de espécies em situação crítica de sobrepesca, assim como com a coisa pública. Deve ser promovida, ainda, a oportunidade para
manter esses estoques em condição de uso sustentável, conforme ocorreu uma participação plural e democrática da sociedade, no processo de
com a sardinha-verdadeira, o camarão-rosa da costa norte e a piramutaba. gestão compartilhada.

Em decorrência do exposto, propõem-se: • Gerir o uso da biodiversidade aquática com os distintos segmentos
da sociedade, quando do processo de discussão e definição de regras
• Revisar a Lei n° 11.958, de 26 de junho de 2009, que define as para definir limites e possibilidades para apropriação e uso.
competências conjuntas do MPA e MMA, não em decorrência dos
• Retomar a geração de dados estatísticos de qualidade sobre
entendimentos da grande maioria dos gestores do MPA e de parte
a produção e a produtividade da atividade pesqueira. De igual
dos representantes do Sistema CNPA e Conepe, entre outros, mas
importância é a retomada e o fortalecimento de programas e projetos
por considerar que a lei, tal como se encontra, é inconstitucional:
de pesquisas continuadas, que fundamentem a gestão sustentável
um ministro não pode coordenar outro e, em decorrência, as
da pesca e da aquicultura;
competências conjuntas com o outro (art. 87, parágrafo único, inciso I,
da CF de 1988); e por defender que os limites e possibilidades de uso • Definir estruturas especializadas e fortalecer as existentes e voltadas
da biodiversidade aquática (O quê? Quanto? Quando? Como? Onde para a ciência e tecnologia, de forma a obter resultados com
pescar?) deve ser competência exclusiva do MMA, como ocorre com pesquisas e gerar conhecimentos sobre a biodiversidade aquática,
os recursos florestais e os outros recursos ambientais. para suporte ao uso sustentável da biodiversidade.

• Importa ponderar que a manutenção do arranjo institucional da • Parar com a construção e instalação de terminais públicos pesqueiros
estrutura do Estado atual, associado ao comportamento e às práticas e outras infraestruturas que, no passado e nos últimos tempos, têm
dos gestores do MPA, de desrespeito à base legal, pode, rapidamente, se transformado em verdadeiros “elefantes brancos” pela escolha de
comprometer os ganhos obtidos e observados quanto à recuperação local inadequado para instalação, dimensionamento incorreto ou não
de estoques em situação crítica de sobrepesca como a piramutaba, ter quem administre ou mantenha-os em funcionamento etc.
o camarão-rosa da costa norte e a sardinha-verdadeira, e agrava a • Definir critérios para evitar a renovação e, mesmo, a construção de
situação de pleno uso ou sobrepesca do conjunto da biodiversidade novos barcos para continuar pescando recursos sobreutilizados, sob
aquática, objeto das principais pescarias, conforme apontado por pena de se estar conduzindo os pescadores ao endividamento e à
Dias-Neto (2010) e reforçado aqui. inadimplência.
Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e • Priorizar a sustentabilidade no uso da biodiversidade aquática, • Evitar a expansão da aquicultura a qualquer custo seja por falta de
dos Recursos enquanto “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade pacotes tecnológicos para o cultivo de determinadas espécies ou
Naturais Renováveis
de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de pela inadequada e insuficiente assistência técnica e extensão, pela
Capítulo 3 – Discussão 273

inexistência de monitoramento e controle, pelo desrespeito aos limites político (eleitoreiro) no pagamento do seguro, e urgente eliminação
da capacidade de suporte dos ambientes aquáticos (especialmente de defesos para determinadas espécies cujos, resultados, já se sabe,
no tocante ao uso e instalação de tanques-redes), pela ausência de são nulos ou duvidosos.
mercado para absorver determinados produtos da aquicultura etc.
• Evitar medidas de ordenamento que apresentem difícil controle como
• Evitar que se repitam erros do passado como “ganhar dinheiro com a diferenciação dos períodos de defeso para as mesmas espécies,
o dinheiro”, em decorrência do sobrepreço na construção de barcos, em uma mesma bacia hidrográfica; inclusão ou não de uma mesma
estruturas de aquicultura, instalações de conservação, processamento espécie, nas paradas de pesca, de partes distintas de uma bacia;
e beneficiamento do pescado; da tomada de empréstimos para não proibição do mesmo método de pesca na área de captura
recuperar ou manter plantas de produção e beneficiamento das espécies incluídas no defeso (como o emalhe e a redinha),
deficitárias, por mais de uma vez; de empreendimentos que não especialmente na Amazônia.
foram construídos com o primeiro empréstimo por desvios ou outras
• Avançar na busca e aplicação do conhecimento com base em
barganhas etc.
diretrizes para a promoção da gestão ecossistêmica e, na ausência
• Pôr fim ao uso indevido do seguro-desemprego (seguro-defeso), das informações necessárias, com adequado e pleno uso do enfoque
revisando a forma de emitir as carteiras de pescador, evitando o uso precautório.

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
Fonte: MMA (2011).
275

3.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sustentabilidade no uso da biodiversidade aquática continua a en- produção, em médio prazo. O mais viável e desejável, no entanto, é investir no
frentar uma crise, conforme dados e informações apresentadas neste traba- êxito do processo de gestão, de forma a favorecer e consolidar a recuperação
lho. Ficou caracterizado que a produção total da pesca extrativa mundial, evi- de recursos sobrepescados, favorecendo um pequeno mas sustentável au-
denciada na bibliografia especializada, está com estagnação e declínio, mento anual na produção, também em prazo médio.
principalmente, pelo pleno uso ou sobrepesca de 87,3% das principais espé- Sobre esse aspecto, não se deixa dúvida de que o Estado brasileiro
cies-alvo das mais importantes pescarias do mundo. dispõe de servidores e pesquisadores com conhecimento, competência e ex-
A situação do uso dessa biodiversidade pela pesca no Brasil não é di- periência para assessorar um processo de governança que possibilite a rever-
ferente e o provável é que seja mais grave, já que das 25 espécies ou grupos são da sobrepesca ou de esgotamento dos estoques das espécies-alvo das
de espécies marinhas mais importantes para as principais pescarias brasilei- principais pescarias brasileiras e sua manutenção no caminho da sustentabili-
ras (respondem por cerca de 60% da produção desse ambiente), 100% encon- dade.
tram-se plenamente utilizados ou sobrepescados. Já as 16 espécies ou grupo É grande a possibilidade de ocorrerem incrementos na produção pes-
de espécies do ambiente continental, que respondem por 75% da produção, queira nacional por meio de uma aquicultura suportada por pesquisas científi-
todas estão plenamente explotadas ou sobrepescadas. cas e fundamentada na sustentabilidade ambiental. É provável, entretanto,
Esse quadro permite inferir que não só o Estado brasileiro, como apon- que esse aumento só tenha continuidade se alicerçado pela execução de uma
tado por Dias-Neto (2003), mas a maioria das nações fracassou no processo política responsável.
de governança, para promover o uso sustentável da biodiversidade aquática A base institucional da governança para a promoção do uso sustentá-
(recursos pesqueiros). É sabido que esse quadro apresenta especificidades vel da biodiversidade aquática passa por um período de contradição. Se, por
nos diferentes estados-nação, com melhores ou piores resultados, em cada um lado, houve atualização da lei específica que orienta o desenvolvimento e
caso. É certo, também, que alguns desses estados-nação vêm apresentando a sustentabilidade da pesca nacional, por outro, a legislação que define as
importantes avanços, especialmente na eliminação do sobreuso de parte dos competências e as estruturas do Estado para a gestão vem se mostrando
seus principais recursos. inadequada.
Em relação ao panorama da pesca extrativa nacional, não são espera- A contradição é visível quando se constata que no período em que a
dos incrementos significativos na produção total. É possível que a incorpora- gestão pesqueira passou a ocupar o mais elevado status na Administração
ção de alguns poucos recursos conhecidos como inexplotados como a ancho- Instituto Brasileiro
Pública do País, com um ministério e a aplicação dos mais vultosos volumes do Meio Ambiente e
íta, ou uma maior participação nas pescarias de atuns e afins (competindo de recursos específicos para a atividade de pesca e aquicultura (Plano Safra dos Recursos
Naturais Renováveis
com países grandes pescadores), possa favorecer algum incremento nessa de Pesca e Aquicultura), também foi registrada a maior desestruturação dos
276 O Uso da Biodiversidade Aquática do no Brasil: uma avaliação com foco na pesca

sistemas de geração de dados estatísticos e de informações continuadas de responsabilidade de desempenhar a função de mediar os interesses entre os
pesquisa. Esse conhecimento é indispensável para que se tenham atividades segmentos envolvidos com o uso da biodiversidade aquática, sem, contudo,
sustentáveis. jamais esquecer que são os representantes legítimos e únicos da defesa des-
Agrava o quadro anterior o amadorismo, desrespeito aos fundamentos se patrimônio, para o usufruto das presentes e futuras gerações.
legais, e a desvalorização do conhecimento científico por grande parte dos Se a definição das competências para estabelecer os limites e possibi-
gestores públicos, especialmente dos quadros do setor responsável pela co- lidades para o uso da biodiversidade aquática for modificada e recair somente
ordenação na definição de limites e possibilidade no uso da biodiversidade para o MPA, como vêm defendendo representantes dos usuários e parte dos
aquática (recursos pesqueiros). gestores daquele ministério, corre-se o risco do retrocesso ser ampliado e,
É fundamental que se reveja a legislação que define as competências em decorrência, de o Estado comprometer o que ainda resta de positivo no
para a definição dos limites e possibilidade de uso dessa biodiversidade, de processo de gestão, e enfrentar uma situação mais aguda de sobreuso desse
forma que a área ambiental (MMA) venha a ser a única responsável pela exe- patrimônio, ampliando a crise pela qual passa o setor.
cução dessa competência. Entende-se, finalmente, que a governança é, na atual conjuntura, a
É necessário eliminar o amadorismo e a promiscuidade entre o público principal ameaça para a retomada e manutenção da sustentabilidade no uso
e o privado. Que os gestores públicos percebam que recai sobre eles a nobre da biodiversidade aquática e dos recursos pesqueiros no Brasil.

Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e
dos Recursos
Naturais Renováveis
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Impressão
O USO DA BIODIVERSIDADE AQUÁTICA NO BRASIL: uma avaliação com foco na pesca
IBAMA
M M A

O USO DA
BIODIVERSIDADE
AQUÁTICA
NO BRASIL:
UMA AVALIAÇÃO COM FOCO NA PESCA

Ministério do José Dias Neto


Meio Ambiente
IBAMA
M M A
Jacinta de Fátima Oliveira Dias

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