Art. Carta para Infância - Publicado Na Artes de Educar
Art. Carta para Infância - Publicado Na Artes de Educar
Art. Carta para Infância - Publicado Na Artes de Educar
Abstract: This writing presents machinations of thought about experiences lived in the
Extension Course "Childhoods: territories of listening and dialogues" that involved educators
from early childhood education schools, in the city of Bagé/RS, in writings about childhood
memories. Production of memories, not as a return to the lost past, but as a creative action of
sensitive affections that invent to come to a child in intimate relationships with things, beings,
imagined times and places, remembered, and that can multiply transformative powers of our
presence in the world in a movement of provocation and the creation of other teaching.
2021 Voss; Camozzato; Corrêa. Este é um artigo de acesso aberto distribuído sob os termos da
Licença Creative Commons Atribuição Não Comercial-Compartilha Igual (CC BY-NC- 4.0), que permite uso,
distribuição e reprodução para fins não comerciais, com a citação dos autores e da fonte original e sob a
mesma licença.
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Maquinações do pensamento inspiradas em conceitos da filosofia da diferença de
Deleuze e Guattari (2012a; 2012b) e de estudos acerca da ética, artes de si mesmo, estética da
existência e escrita de si, presentes na última fase da vasta produção de Michel Foucault
(2004), quando escreve sobre estética da existência, indo à Antiguidade clássica grega e
romana a partir de algumas expressões, tais como: “retornar a si”, “exercício de si sobre si”,
“voltar a si mesmo”, entre outras, associadas a um cuidado de si grego, uma série de ações
para cuidar de si mesmo, fazer da vida uma obra de arte. Acerca disso, Deleuze (1992)
esclarece que o retorno aos gregos, feito por Foucault, permite indagar o presente e as
condições de constituição das subjetividades.
Nesse sentido, nosso objetivo neste texto é trazer à tona os agenciamentos e afecções
experimentadas no curso que nos permitiram indagar as condições de produção da docência
na Educação Infantil e multiplicar potências nos modos de pensar e fazer nosso querer artista
como educadoras de crianças pequenas, deslocando e abrindo brechas para a criação de
devires. Entendemos que escrever uma carta para a infância poderia mover potências para
pensarmos as práticas de escolarização e a docência de modo a desviá-la das práticas da vida
cotidiana que implicam em uma negação das diferentes infâncias. Por um lado, sabemos o
quanto a experiência – enquanto possibilidade para a transformação, o diferimento – tem sido
rara em nossos tempos. Por isso, apostamos na afirmação da singularização das infâncias que
acontece de diferentes modos ao experimentá-las.
O apanhador de sonhos
Tratamos, aqui, destes movimentos de afetar e ser afetado, de ter experiências com o
tecido sensível, porque tais experiências são desalojadoras e ampliam o campo do possível.
Estávamos envolvidas, no curso de extensão referido, com professoras interessadas em
infâncias e educação infantil. Éramos, ao mesmo tempo, movidas pelo desejo de pensar uma
formação outra – sobretudo porque cingida, aberta, não classificável. Queríamos afetar e
sermos afetadas. Daí pensamos que a experiência das cartas nos permitiria o deslocamento
das formas e do tempo que circunscrevem a infância como fator biológico e cronológico e o
exercício da docência como condução a uma outra etapa da vida delimitada pela lógica
moderna, onde a criança precisa educar-se para fazer parte do mundo em que vive. Docência
que se constitui numa verdade sobre a infância enquanto etapa de desenvolvimento evolutivo
e uniforme que quantificam, classificam e padronizam os diferentes modos de “ser criança”.
Normalização da infância que acaba por “determinar os níveis, fixar as especialidades e
tornar úteis as diferenças, ajustando-as umas às outras” (FOUCAULT, 1999, p. 154).
Padronização das infâncias que transforma em unidade do mesmo os diferentes modos
pelos quais crianças experimentam suas existências, criam os modos de inventar infâncias,
atravessados pelas condições sociais de cada território que habitam, muitos destes,
desprovidos do que se concebe como infância ideal. Larrosa (2017, p. 230) nos diz que “a
infância é algo que nossos saberes, nossas práticas e nossas instituições já capturaram”. O
que nos leva à educação das crianças pautada num “modelo ideal” do que é ser criança ou de
como esse período da infância deve ser vivido. Ao propor esse ideal estamos negando
diferentes modos de viver e se constituir criança.
Discursos que governam uma infância formatada como modelo em nome de protegê-la
e conduzi-la à vida adulta, afastando as crianças dos perigos que a cercam: “[...] um tipo de
infância inventada como marginal, perigosa, contudo, aquela que mesmo sem o adulto para
protegê-la e ampará-la, produz um cotidiano que possibilite sua sobrevivência e a eles se
Por que escolhemos esse lugar quase sempre silencioso no dia a dia das pessoas que
circulam por ali? Que encontros poderiam acontecer nesse ambiente? As respostas, se é que
elas existem, surgem ao longo dos acontecimentos aqui narrados.
O pátio remete ao liberto, às infâncias vividas por muitas de nós que habitamos
cidades do interior do estado do Rio Grande do Sul (RS). Estar ao ar livre, explorar diferentes
espaços, desacomodar corpos, criar novas relações com outros/as tantas.
As cartas foram iniciadas com frases como: “Olá infância! Quantas saudades de
você”; “Vinte e duas primaveras depois escrevo para ti esta carta”; “Infância, coisa boa
Cada um/a, a sua maneira, na solidão da escrita de si, inventou imagens de infâncias e,
ao dialogar com as outros/as que ali estavam, fez da repetição uma potência própria da
linguagem e do pensamento, uma obra de singularização da existência em vibrações, giros,
danças, saltos, tecendo signos e significados (DELEUZE, 1988).
Vivenciamos essa experiência com profundo prazer e alegria. A produção de
memórias transformadas em escritas de si permitiu encontrar intercessores com as coisas,
lugares, tempos, sensações, pessoas, experimentadas pela imaginação: “sentir o cheiro do
campo, sentir o vento no rosto, exatamente como estou agora…”; “lembra quando ficávamos
horas e horas no campo correndo os quero-queros?”; “dormir embaixo das árvores, sem
medo, sentindo a brisa da natureza, dos banhos no rio…”; “os banhos de chuva, as
brincadeiras na rua...”; “subir nas árvores, às vezes para comer os frutos, às vezes para
contemplar a natureza...”.
Aí percebemos uma marca cultural comum das infâncias na região em que vivemos e
que, de certo modo, ainda é possível de ser experimentada pelas crianças daqui nos dias
atuais: brincar em conexão com elementos da natureza vivos e não-vivos, terra, água, vento,
pedras, plantas, animais, numa fluência e sinergia que remete a transfiguração de todas as
formas e extravasa em devires criança:
REFERÊNCIAS
_____.Conversações. Tradução de Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1992.
i
Doutora em Educação (2012) pela Universidade Federal de Pelotas. Professora Associada da Universidade
Federal do Pampa (UNIPAMPA/Campus Bagé – RS). Líder do Grupo de Pesquisa Philos Sophias nas linhas de
pesquisa Educação e Filosofias Contemporâneas, Educação e Diversidade Cultural.Brasil. E-mail:
[email protected] ORCID: http://orcid.org/0000-0002-0672-7273.
ii
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora da Universidade
Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). Coordenadora do Grupo de Pesquisa DESLOGOGIAS - Educação,
Culturas e Pedagogias (UERGS/CNPq). Brasil. E-mail: [email protected] ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-2617-0529.
iii
Mestra em Ensino pelo Programa de Mestrado Acadêmico em Ensino (PPGMAE) pela Universidade Federal
do Pampa - UNIPAMPA. Professora colaboradora voluntária no Curso de Licenciatura em Pedagogia na
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). Membro dos Grupos de Pesquisa Philos Sophias e
DESLOGOGIAS. Brasil. E-mail: [email protected] ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9902-6774.