Gunnar Myrdal - Aspectos Politicos Da Teoria Economica (Os Economist As)
Gunnar Myrdal - Aspectos Politicos Da Teoria Economica (Os Economist As)
Gunnar Myrdal - Aspectos Politicos Da Teoria Economica (Os Economist As)
GUNNAR MYRDAL
ASPECTOS POLÍTICOS DA
TEORIA ECONÔMICA*
Título original:
Political Element in the Development of Economic Theory
Impressão e acabamento:
DONNELLEY COCHRANE GRÁFICA E EDITORA BRASIL LTDA.
DIVISÃO CÍRCULO - FONE (55 11) 4191-4633
ISBN 85-3511-0920-X
APRESENTAÇÃO
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NOTAS
1) Veja-se Streeten, Paul, em The New Palgrave, eds. John Eatwell,
Murray Milgate, and Peter Newman. London and Basingstoke,
The Macmillan Press Limited, pp. 581-583.
1 A razão única para a publicação, em língua inglesa, deste meu Prefácio * e dos Apêndices
é a certeza de que jamais disporei de tempo para escrever minhas memórias.
*
Este Prefácio foi traduzido da versão inglesa especialmente para esta edição. (N. do E.)
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mente uma surpresa para mim, e de modo geral o atribuí aos editores.
Os editores de American Dilemma — que veio a ter bem mais de 100
mil exemplares vendidos nos Estados Unidos — inicialmente calcula-
ram que não venderiam muito mais de 1 000 exemplares e pediram,
e receberam, uma subvenção da Carnegie Corporation de Nova York,
e não critiquei sua estimativa. Levar Asian Drama até a etapa de
publicação tornou-se, naturalmente, um destino cruel para mim pes-
soalmente, que só consegui levar a cabo adotando a mais rígida dis-
ciplina de trabalho. Jamais acreditei que os três volumes encontrariam
mercado fora das bibliotecas — onde, talvez, eu imaginava que alguns
pesquisadores jovens e menos estabelecidos poderiam encontrar inspi-
ração para pensamentos novos e renovados. Mas meu amigo e editor
André Schiffrin, da Pantheon Books, imprimiu uma primeira edição
de 50 mil exemplares e vendeu os três volumes por 7,50 dólares, es-
tabilizando-se depois a venda.
Também sentia certa preocupação de que uma tradução pudesse
pôr a perder o vigor do argumento. Na época da publicação da edição
sueca original deste livro, eu já tivera a desestimulante experiência de
ter gasto muito tempo para fazer com que um de meus livros, o mencionado
Cost of Living in Sweeden, l830-1930, fosse apresentado em bom inglês.
Lembro-me agora de que, quando Heckscher colocou-se à disposição para
conseguir um editor francês para minha dissertação de doutoramento,
Price Formation under Uncertainty, agradeci e não aceitei.
Isso tudo é para explicar por que não tomei a iniciativa de pro-
videnciar a tradução deste livro para o inglês, o que teria aberto as
possibilidades de alcançar um público internacional. Quem bem mais
tarde tomou essa iniciativa foi meu amigo Karl Mannheim, que, sob
muitos aspectos, pensava como eu e se encontrava em Londres na
ocasião, e outro amigo, Paul Streeten, de Oxford, os quais traduziram
a partir da versão alemã.
Desde então o livro foi publicado em muitas outras línguas, graças
à colaboração internacional das editoras. Com o interesse cada vez
maior pelos problemas metodológicos e históricos do desenvolvimento
da teoria econômica, muitas vezes o livro tem tido o uso pretendido
originalmente, ou seja, o de proporcionar uma introdução crítica ao
estudo da ciência econômica em nível universitário.
No Prefácio da edição inglesa de 1953, reproduzido abaixo, refi-
ro-me a como minha própria concepção do problema do valor mudou
a partir de 1939. Naquela época, eu ainda acreditava na existência de
uma teoria econômica consistente e objetiva, independente do valor, e
isso transparece aqui e ali no livro. Hoje, depois de realizar outros
estudos em vários campos — e especialmente após lidar com o problema
do negro, dez anos depois —, vejo que isso é incorreto e que são ne-
cessárias premissas de valor já na tentativa de estabelecer fatos e
relações causais entre os fatos. No entanto essa inadequação — como
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9 The Postulates of English Political Economy in Economic Studies. ed. póstuma, ed. Hutton,
1879. Citamos da 2ª edição, de 1895. Bagehot sustenta: “Mas o objetivo dessa ciência é
muito mais humilde; ela diz que tais e quais forças produzem tais e quais efeitos, e pára
aí. Não expressa julgamento moral sobre nenhum deles; deixa para uma ciência mais
elevada, e ainda mais difícil, a incumbência de definir o que devia e o que não devia ser”
(p. 27).
10 Principles of Political Economy. 1883.
11 Scope and Method of Political Economy. 1891.
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12 Principles of Political Economy and Taxation. 1817, ed. Gonner, 1903; prefácio de Ricardo
para a 1ª edição, p. 1.
13 1821, p. 1 et seqs.
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19 "O problema de saber se a Economia Política deve ser considerada uma ciência positiva,
ou uma ciência normativa, ou uma arte, ou uma combinação das duas, é até certo ponto
uma questão apenas de nomenclatura e classificação." KEYNES, J. N. Scope and Method
of Political Economy. 1891 (citado da 3ª ed., 1904, p. 35). A verdadeira questão é “se ela
será sistematicamente combinada com investigações éticas e práticas, ou se será estudada
no primeiro caso independentemente. A última dessas alternativas é preferida sob funda-
mentos de conveniência científica. Nosso trabalho será mais completo e as nossas conclusões
teóricas e práticas, da mesma forma, serão mais dignas de confiança se nos contentarmos
em fazer uma coisa de cada vez”. Op. cit., p. 47. Keynes está aqui apenas fazendo o sumário
dos resultados obtidos pelos autores clássicos na sua discussão dessa questão.
20 Principles of Political Economy, with some of their Applications to Social Philosophy. 1848;
cit. da ed. Ashley, 1920.
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24 Suas principais contribuições nesse terreno são as seguintes: Die Objektivität Sozialwis-
senschftlicher und Sozialpolitischer Erkenntnis (1904) e Wissenschaft als Beruf (1919). Os
dois trabalhos foram reeditados, junto com outros. na miscelânea publicada depois de sua
morte: Gesammelte Aufsätze zur Wiessenschaftslehre, Tübingen, 1923. Parte dos seus tra-
balhos foi traduzida para o inglês. Ver “Science as a Vocation” no livro From Max Weber.
Ensaios de Sociologia, traduzido por H. H. Gerth e C. Wright Mills, Londres. 1947, p. 129:
Methodology of the Social Sciences. Glencoe. Illinois. Em um ponto, embora não importante,
Weber parece hesitar em extrair todas as conseqüências de sua abordagem crítica do pro-
blema do valor; ver cap. VIII, p. 232 et seqs.
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iniciar com uma crítica das opiniões de seu pai sobre essa mesma
questão.25 Apesar disso, continuou reputando a noção de uma economia
administrada socialmente no antigo sentido, válida para uma melhor
compreensão da Economia prática.
As noções de uma economia administrada socialmente e a do
bem-estar geral, consideradas do interesse da sociedade como um todo,
algo que pode ser observado e conhecido objetivamente, receberam vida
nova da teoria subjetiva do valor. Jevons, que entre todos os primeiros
marginalistas expôs o assunto com maior clareza, escreveu o seguinte:
“O problema da Economia podia, na minha opinião, ser for-
mulado desta forma: Considerada determinada população, com
várias necessidades e meios de produção, possuindo certas terras
e outras fontes de material, pede-se o modo de empregar o seu
trabalho de forma a tirar o máximo de utilidade da produção”.26
O conceito de que o processo econômico representa a economia
de uma sociedade personificada que procura conseguir o máximo dos
recursos disponíveis, trabalhando para um objetivo comum, manteve-se
como a forma geralmente aceita de raciocínio em Economia e conduziu
a elaboração e a prova de suas doutrinas políticas. Por intermédio dela
será apurado que, em essência, todas essas doutrinas servem para
indicar o que é mais “econômico” do ponto de vista da sociedade.
Ao longo de seu desenvolvimento, a teoria econômica foi ficando
cada vez mais isolada das outras Ciências Sociais. Os resultados dessa
evolução têm sido prejudiciais, em especial modo porque a pesquisa
econômica se limita a tocar constantemente na Psicologia, Jurispru-
dência, Sociologia, Epistemologia e Filosofia.
No início, não existia isolamento. O conjunto da teoria econômica,
assim como de outras Ciências Sociais, era um dos resultados da es-
peculação filosófica na França e na Inglaterra ao longo dos séculos
XVIII e XIX. Contudo, a conexão íntima entre a Economia Política e
as disciplinas correlatas não se manteve. Os economistas agarravam-se
com muita obstinação aos alicerces filosóficos sobre os quais sua ciência
tinha sido inicialmente construída. Lá por 1870, quando a psicologia
começava a tomar a sua moderna forma empírica, encontramos eco-
nomistas aperfeiçoando sua teoria como uma explicação do comporta-
mento econômico em geral. Apenas nessa última etapa devia o antigo
ideal da Economia tornar-se “um cálculo de prazer e dor” de modo
completo, abrangendo tudo. Se a filosofia moral dos utilitaristas con-
tinua a existir em forma razoavelmente sistemática, isto se deve ao
carinho com que foi preservada na teoria econômica.
25 Essays. 1844 (cit. da 3ª ed., 1877, p. 123, 125 et pas.). Cf. os trabalhos de Senior, referidos
acima.
26 Theory of Political Economy. 1877 (cit. da 4ª ed., 1911, p. 267).
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27 De acordo com Sidgwick, por exemplo, o último grande utilitarista, existem “princípios que
parecem certos e evidentes por si mesmos porque são substancialmente tautológicos... Uma
lição importante que a história da filosofia moral ensina é que, nesse terreno, até mesmo
grandes inteligências estão sujeitas a concordar com tautologias desse tipo, às vezes am-
pliadas em raciocínios circulares, às vezes ocultas em conceitos obscuros, freqüentemente
situadas tão próximas da superfície que, ao serem expostos, é difícil compreender como
jamais puderam ser apresentados como importantes”. Methods of Ethics. 1874 (cit. da 6ª
ed., 1901, p. 375). Nessa passagem, Sidgwick estava especificamente objetando contra certas
tendências da lei natural na filosofia moral institucionalista.
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vigentes. Mas mesmo a própria escola da lei natural foi bastante ge-
nerosa a esse respeito. As fórmulas abstratas podiam ser usadas para
emprestar autoridade ou “naturalidade” a quase qualquer convicção
ou ideal político. Na prática, os utilitaristas não modificaram radical-
mente o conteúdo das normas consagradas pelo tempo, mas apenas as
apresentaram sob um disfarce de certa forma diferente.
Os historiadores da jurisprudência têm sublinhado o fato de que
o utilitarismo como filosofia do direito é apenas um novo pretexto para
o ensino da lei natural. É parte da tese deste livro que também em
Economia a contribuição direta do utilitarismo significou apenas uma
mais complicada formulação das doutrinas de lei natural. Jurispru-
dência e Economia foram os dois ramos da teoria social mais direta-
mente influenciados pelo utilitarismo. Hoje em dia a Psicologia moderna
rejeita a abordagem mecanicista, intelectualista e racionalista do he-
donismo psicológico. Isso priva o utilitarismo de sua base empírica,
golpe doloroso para uma doutrina social que, desde o começo, procurava
ser empírica. Por fim, a crítica lógica trouxe à luz os sofismas que são
o inevitável resultado do conflito entre os seus conceitos empíricos
básicos e suas aspirações metafísicas a ser uma filosofia objetiva da
moralidade.
Não se trata apenas de que nenhuma linha teórica básica pode
ser traçada entre as duas principais influências sobre a teoria econô-
mica, mas também que o seu delineamento histórico está manchado.
Sua afinidade íntima é talvez mais aparente nos argumentos deísticos
dos primeiros utilitaristas, em especial modo os utilitaristas teológicos
Tucker, Priestley e Paley. Para eles, os padrões éticos do utilitarismo
são “naturais”, ao menos no sentido de que são parte das intenções
sábias e benevolentes da Divina Providência. Como se presume que
essas divinas intenções são boas e racionais, podem ser descobertas
sujeitando a conduta humana ao critério utilitarista: o que promove o
bem-estar da sociedade? Na opinião desses primeiros utilitaristas, a
conduta moral é conduta em harmonia com “a ordem natural”, “as
exigências da razão” ou “a intenção divina”. O papel da filosofia moral
é, conseqüentemente, “descobrir a vontade de Deus pelo estudo dos
efeitos das ações humanas sobre o bem-estar geral da sociedade”. Ao
refutar a sanção teológica, os utilitaristas mais tarde abriram uma
brecha em seu raciocínio entre o fato empírico do prazer e da dor e o
caráter obrigatório da moralidade, isto é, a doutrina da harmonia uni-
versal de interesses.
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31 A única diferença é que o conceito de “renda nacional” em geral despreza o lado do custo,
isto é, a computação de desutilidades. Naturalmente, esse processo será ilegítimo se o
conceito for utilizado como um índice de bem-estar econômico. A incoerência se deve par-
cialmente à tendência neoclássica de limitar seus cálculos a itens de utilidade positiva.
Essa tendência, por sua vez, pode ser explicada pela oposição originária da teoria neoclássica
do valor à teoria clássica, que explicou o valor essencialmente em termos de custos.
32 Isso causa certas dificuldades. O problema aparece se dermos às futuras gerações o mesmo
peso que às gerações presentes, ou menos. Se às últimas, haveria um equivalente ético a
uma taxa de juro positiva, isto é, um desconto a prazo. Essa opinião também corresponde
mais proximamente ao método de Bentham de considerar “propinqüidade” uma “dimensão”
de prazer e dor. A primeira alternativa parece mais sólida em princípio e foi geralmente
aceita pelos últimos utilitaristas.
33 Bentham e J. S. Mill dilataram o conceito para abranger, em seu cálculo de prazer, toda
a natureza orgânica. A manipulação dessa extensão extrema da “soma total” prova mais
conclusivamente não apenas que o utilitarismo se baseia num princípio a priori, mas também
que seus limites são definidos em todas as direções por tais princípios “evidentes por si
mesmos”.
Mill escreveu: “Sendo este, de conformidade com a opinião utilitarista, o objetivo da ação
humana, é necessariamente, também, o padrão de moralidade; as regras e preconceitos
para a conduta humana, que podem, por conseguinte, ser definidos e pela observação dos
quais uma existência tal como a que foi descrita (um estado tão livre quanto possível de
dor e tão cheio quanto possível de prazer) podia ser, na maior extensão possível, assegurada
à humanidade; e não apenas para ela, mas, até onde a natureza das coisas admite, para
toda a criação que possui sensações”. Utilitarianism. 1850; 2ª ed., 1864, p. 17.
Sidgwick partilhava o mesmo ponto de vista. Em seu Methods of Ethics (1874. 6ª ed., 1901,
p. 414 et seq.), ele considerou corretamente qualquer limitação arbitrária e irracional, mas
também indicou que qualquer formulação mais geral do critério aumenta em muito as
dificuldades de realmente calcular a soma total de felicidade. As dificuldades de computar
a felicidade dos seres humanos em qualquer curso de ação são bastante sérias, sem ter
de levar em conta a totalidade da natureza orgânica. Até mesmo o mais ortodoxo hedonista
seria obrigado a admitir que a prova para estabelecer um julgamento a respeito de qualquer
curso de ação teria de ser muito limitada. Sidgwick concluiu afirmando que uma pessoa
deve limitar-se à humanidade “por motivos práticos”. Porém, nesse caso, é difícil perceber
por que razão um argumento que foi tão mutilado “por motivos práticos” deveria levar a
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imperativos morais tão incondicionalmente válidos mesmo que o cálculo em si fosse impecável.
Em verdade Edgeworth, um dos pensadores mais conscienciosos, não podia aceitar essa
opinião. Ele chegou à mesma conclusão que Sidgwick, mas por um motivo diferente: “...
poder-se-ia admitir que há uma diferença com relação à capacidade para a felicidade entre
o homem e os animais menos evoluídos; e que por conseguinte... os interesses da criação
mais inferior são desprezíveis em comparação com a humanidade, o privilégio do homem
é justificado”. Ele acrescenta, com enorme perspicácia, que um utilitarista que admite a
conclusão prática mas rejeita a premissa da capacidade desigual para a felicidade deve
apelar para um princípio a priori de razão. Ao chamado utilitarista deve então ser “gen-
tilmente lembrado que sua afirmação de princípios primeiros não subordinada ao Princípio
Utilitarista é exatamente o que o grande utilitarista chamou de ‘ipse-dixitismo’” [etimolo-
gicamente: afirmação do que já foi dito]; estamos contra o círculo vicioso do argumento da
lei natural. (Mathematical Psychics. An Essay on the Application of Mathematics to Moral
Sciences. 1881, p. 130.) Suponha-se que não se aceita a premissa de Edgeworth como em-
piricamente verdadeira. Parece de fato existir um sofisma, pois ela é muito mais semelhante
a um “princípio primeiro”. Nesse caso, a crítica de Edgeworth poderia ser aplicada ao seu
próprio argumento.
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34 "Supondo que a felicidade dos seres humanos é uma quantidade positiva, parece claro que,
presumindo que a felicidade média desfrutada permanece não diminuída, o utilitarismo
nos ordena a tornar o maior possível o número dos que a desfrutam. Mas se previrmos
como possível que um aumento em número será acompanhado por um decréscimo na fe-
licidade média ou vice-versa, surge um ponto que não só nunca foi formalmente notado,
mas que parece ter sido olhado bastante por alto por muitos utilitaristas. Pois se aceitamos
que o utilitarismo considera a felicidade como um todo um objetivo definitivo de ação, e
não qualquer felicidade individual considerada um elemento do todo, resultaria que, se a
população adicional desfruta em conjunto felicidade positiva, deveríamos calcular a felici-
dade obtida pelo número extra contra a quantidade perdida pelo restante. De maneira
que, rigorosamente concebido, o ponto até o qual, dentro dos princípios utilitaristas, a
população deveria ser encorajada a crescer não é aquele em que a felicidade média é a
maior possível — como tem sido amiúde presumido pelos economistas políticos da escola
de Malthus —, mas aquele no qual o produto formado pela multiplicação do número de
pessoas vivendo dentro da quantidade de felicidade atinge o seu máximo." Methods of
Ethics. 1874; 6ª ed., 1901, p. 415 et seq.
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35 Utilitarianism. 1850; 2ª ed., 1864, p. 92 et seq. A expressão entre parênteses não é preci-
samente uma ressalva. Se fosse, como poderia uma computação ser feita? Veja-se em Mill,
abaixo, o tratamento de prazeres “superiores” e “inferiores”, p. 49 et seq.
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etc. dos primeiros”. Mill concorda, mas acrescenta que eles esqueceram
um argumento importante, que ele denomina “o terreno mais elevado”.39
Então, ele passa a argumentar que se todas ou quase todas as
pessoas preferem de dois prazeres um, ambos os quais experimentaram
e têm capacidade para experimentar, independentemente de qualquer
sentimento de obrigação moral para preferir um a outro, então esse é
o prazer mais desejável. Hoje, “é fato incontroverso que aqueles que
estão igualmente familiarizados” tanto com os prazeres mentais como
com os corporais geralmente preferem os primeiros.40 Ele admite que
a tentação e o hábito podem levar a divergências no “correto” juízo de
valor,41 dois fatores que encontraremos de novo com “distorções” na
teoria da utilidade marginal.
Com a ausência de outras provas, ambos os fatores são despre-
zados como não-importantes. Se alguém que experimentou prazeres
“mais elevados” viesse, apesar disso, a preferir os “mais baixos”, então
Mill afirma que essa pessoa deve ter perdido sua capacidade de des-
frutar os primeiros. Compara ele a capacidade de fruir sentimentos
mais nobres com “uma planta frágil, fácil de morrer não apenas por
influências hostis como por mera falta de sustento”.42 O epílogo da
discussão é que o cálculo utilitarista deve assentar-se sobre o julga-
mento daqueles que são qualificados por um conhecimento de tipos de
prazeres ou, se discordarem, sobre o julgamento da maioria (sic) deles.43
Assim, Mill tenta provar indutivamente e com um duvidoso apelo ao
processo democrático que os prazeres qualitativamente “mais elevados”
são também quantitativamente maiores. Para ter sentido, deve ser
esse o significado da argumentação de Mill, apesar de sua exposição
não ser totalmente clara. A moralidade é de novo deduzida do verda-
deiro interesse próprio. Mill sacrifica suas dúvidas inteligentes às exi-
gências de seu método. Como observou Sidgwick, “as diferenças de
qualidade que Mill e outros recomendam com insistência podiam ainda
ser admitidas como campos de preferência, mas apenas até onde podem
ser resolvidas em diferenças de quantidade”.44
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passagem, Mill nos adverte de que não identifiquemos felicidade (definida em linhas uti-
litaristas como presença de prazer e ausência de dor) com conteúdo. Deste último diz ele:
“É indiscutível que o ser cujas capacidades de desfrute são baixas tem a maior oportunidade
de tê-las plenamente satisfeitas”, o que não significa, naturalmente, que realiza a soma
líquida máxima de felicidade. Ao contrário, o ser humano inteligente tem uma oportunidade
de maior quantidade de felicidade por causa de seu maior conhecimento de possíveis prazeres
“superiores”. Há evidência adicional inerente a essa interpretação, que não pode ser discutida
aqui. Edgeworth sugere, em seu livro New and Old Methods of Ethics, que existe outra
forma de distinguir entre prazeres superiores e inferiores sem sacrificar sua comparabili-
dade. Ele considera a diferença como de ordens de magnitude. Naturalmente, isso tornaria
impossível uma comparação em qualquer caso individual. “... Os prazeres inferiores são
relacionados aos superiores, de algum modo como as diferenciais de uma integral, inco-
mensurável em verdade, porém capaz de ser igualada depois de soma infinita.” Se esse
fosse o caso, a computação seria possível, se não individualmente, ao menos para a sociedade.
Cf. Op. cit., p. 26.
45 Op. cit., p. 52 et seq.
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46 Methods, p. 412.
47 Op. cit., p. 201.
48 Op. cit., p. 406 et seq.
49 Op. cit., p. 422.
50 "Naturalmente, não podemos considerar válidos os raciocínios que levam a conclusões que
se chocam; e eu, conseqüentemente, presumo como um postulado fundamental de Ética,
que se dois métodos se chocam, um ou outro deve ser modificado ou rejeitado." Op. cit., p.
6. Cf. também o significado especial que Sidgwick dá à palavra “método” em seu capítulo
de introdução.
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52 MILL. J. S. Principles of Political Economy. 1848; ed. Ashley, 1903, v. III, p. 436.
53 WIESER. F. V. Der Natürliche Wert. Viena, 1889. Natural Value, traduzido para o inglês
por C. A. Malloch, Londres, 1893, p. XXX.
54 CASSEL, G. Nature and Necessity of Interest. 1903, p. 71.
55 Cf., por exemplo, a resenha de F. Knight, no Quarterly Journal of Economics, 1921, do
livro Theoretisch Sozialökonomie, de Cassel. Knight, que é com certeza o último a defender
a tradicional teoria da utilidade marginal, replica a Cassel (p. 146): “Mas não deveria ser
lembrado que o objetivo definitivo da teorização econômica é uma crítica em termos humanos
e éticos dos mecanismos da máquina econômica, e que uma teoria do valor assim como
uma dos preços é indispensável?”
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56 Com certeza, esta é uma brecha na teoria da formação dos preços que os economistas
clássicos deveriam ter visto. Senior procurou preenchê-la por uma análise dos salários,
vinculando o argumento, até certo ponto, com o de Adam Smith. Senior distinguiu três
elementos nos salários: 1) os salários propriamente ditos, que são a recompensa para o tipo
médio de trabalho inexperiente; 2) o juro sobre o capital investido no trabalho, tal como o
treinamento; e 3) a renda da aptidão inata superior. Ocasionalmente, há uma explicação
mais psicológica: por conseguinte, os salários propriamente ditos são aquela parte do total
de salários que é proporcional à desutilidade do esforço, e a aptidão é descrita como a
capacidade de realizar mais sem um correspondente aumento em desutilidade, ou sem
gasto extra em treinamento. Naturalmente, essa teoria não passa de uma aplicação da
teoria clássica da distribuição aos salários. Ela é tomada por Mill e Cairnes e em seguida
elaborada por Marshall. Não a criticaremos aqui. Para o nosso objetivo, é importante tecer
observação a respeito de um ponto: se a escala de valores aplicada às diferentes espécies
de trabalho é tornada dependente da formação dos preços, o fundamento da teoria clássica
do custo-trabalho é aniquilado. Pois se deve pressupor total homogeneidade de trabalho ou
uma escala independentemente determinada de valores. Em outras palavras, essa brecha
na teoria de formação dos preços é inevitável, e não pode ser preenchida sem que se
abandone a explicação da formação dos preços em termos de custos-trabalho. Crítica se-
melhante se aplica à teoria de Cairnes dos “grupos não concorrentes”, a qual, no entanto,
foi ditada por considerações de algum modo diferentes.
57 A pesquisa de Malthus à procura de um conceito de valor diferente do de Ricardo — a
respeito da qual mais será dito adiante — parte exatamente deste ponto: “... quando quer
que dois elementos entrem na composição dos bens, seu valor não pode depender exclusi-
vamente de um deles, salvo por acidente, ou quando o outro pode ser considerado uma
quantidade determinada ou comum. Mas é universalmente reconhecido que a grande massa
de bens em países civilizados e desenvolvidos é composta de pelo menos dois elementos:
trabalho e lucros; portanto, o valor de troca dos bens nos quais entram esses dois elementos
como condições de sua oferta não dependerá exclusivamente da quantidade de trabalho
empregada neles, exceto em casos muito especiais, quando a recuperação dos adiantamentos
e as proporções de capitais fixos e circulantes são exatamente as mesmas”. MALTHUS, T.
R. The Measure of Value. 1823, p.13.
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58 Ricardo não aprovou as tentativas de seus entusiasmados discípulos para dar validade
empírica às suas abstrações. James Mill escreveu (Elements of Political Economy, 1821,
2ª ed., p. 97 et seq.): “Se o vinho que é posto na adega aumenta de valor, por estar armazenado,
de 1/10 por ano, 1/10 mais de trabalho podia ser considerado tendo sido gasto nele”. Esse
tipo de argumento é repetido várias vezes no livro. Bailey observou (em seu livro A Critical
Dissertation on the Nature, Measures and Causes of Value, 1825, p. 219): “Ora, se alguma
proposição pode ser afirmada sem disputa, é esta de que um fato pode ser corretamente
considerado tendo ocorrido somente quando ele realmente ocorreu”. McCulloch, cuja fé na
teoria do custo-trabalho é inabalável, usa artifícios analíticos ainda mais estranhos. Teremos
mais a dizer acerca do tentativa de Senior de tratar o sacrifício de poupar como uma
desutilidade de trabalho. A teoria de Senior, que é inspirada pela crítica de Malthus, foi
antecipada por Ricardo em seus Principles e mais ainda em sua correspondência. Mas não
pode ser incorporada em sua teoria do valor de troca porque é incompatível com a hipótese
de custo-trabalho.
59 Outros artigos ocasionalmente chamados de bens de monopólio são excluídos da teoria do
custo-preço propriamente dita. Em analogia com a sua teoria de diferentes quantidades
de trabalho, Ricardo assinala a sua escassez e as necessidades e o poder aquisitivo daqueles
que as procuram, isto é, a lei da oferta e da procura. Não explica como seus valores de
troca são determinados.
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e ficado nisso, toda a sua teoria poderia ser refutada, não só como
uma supersimplificação mas como vazia e desprovida de sentido. Pois
tudo o que ele diz acerca do valor dos bens produzidos é que, se pres-
supormos um fator homogêneo (trabalho), esses bens serão trocados
na razão das quantidades exigidas de trabalho. E isso não nos leva
muito longe.
Porém, em sua teoria de distribuição, Ricardo não alude apenas
à lei da oferta e da procura. Não obstante os grilhões impostos por
sua teoria de custo-trabalho, sua engenhosa capacidade de raciocínio
entra numa análise das causas da procura e da oferta de fatores pro-
dutivos e daí para a das forças que determinam a distribuição. Ele
utiliza a análise rudimentar da teoria do “preço natural” de Adam
Smith (= salários + lucro + renda), e a teoria de Malthus sobre a renda
e a população. Na meticulosa análise da distribuição, de Ricardo, que
permanece como a sua maior realização, sua teoria de custos é defi-
nitivamente desprovida de importância e aparece apenas ocasional-
mente como uma intrusão irritante.
Este não é o lugar para discutir a teoria da distribuição de Ri-
cardo. Ele examina a interdependência funcional entre quantidades e
preços relativos dos três fatores de produção. As causas determinantes
são a quantidade de terra disponível, sua localização e fertilidade, a
quantidade existente de capital,60 o número de trabalhadores,61 e o
estado do desenvolvimento tecnológico. De um ponto de vista atual,
está faltando apenas a procura. A procura por parte dos consumidores
determina também, indiretamente, o preço dos fatores. Porém, obvia-
mente, desempenharia um papel menor se se presumisse, com Ricardo,
apenas três fatores homogêneos de produção, dois dos quais, além disso,
trabalho e capital, precisam ser combinados em proporções fixas. Por
conseguinte, as deslocações na procura de um destes dois para o outro
são ex hypothesi excluídas. O desprezar a procura como uma das forças
que determinam a distribuição elucida novamente a forma pela qual
Ricardo é atrapalhado em sua teoria da distribuição pelo seu princípio
de custo. Mas, salvo essa deficiência, consegue tornar clara a relação
entre salários, lucro e renda, e na sua análise supersimplificada de
variações a longo prazo, ele é capaz de edificar uma teoria do desen-
volvimento econômico.
Uma análise da teoria de Ricardo ocasiona a pergunta: por que
60 Existe uma teoria rudimentar de abstinência e da relação da poupança com a taxa de juro.
Com certeza, ela precede logicamente a teoria do fundo de salários, cujos rudimentos podem
também ser encontrados em Ricardo. Apesar de o número de trabalhadores ser relacionado
à quantidade de capital na teoria do fundo de salários, a questão de como o volume de
capital é determinado permanece aberta.
61 Seu número é determinado conforme a teoria malthusiana da relação entre a taxa de
reprodução e a taxa de salários, de um lado, e o custo de subsistência, de outro. Essa teoria
também precede logicamente a teoria do fundo de salários e pelos mesmos motivos. Cf.
supra, nota anterior.
87
OS ECONOMISTAS
62 Não obstante, Malthus havia caminhado nessa direção, e cabe-lhe com muita razão pretender
o lugar de precursor da moderna teoria econômica. Mas não foi além de alguns rudimentos
experimentais que se perderam à medida que a sua discussão foi avançando. Ele possuía
uma aguda percepção a respeito da fraqueza da teoria de Ricardo, mas nunca conseguiu
refutá-la convincentemente porque ele, talvez ainda mais do que Ricardo, via-se atrapalhado
pela idéia metafísica de um valor intrínseco e absoluto. A única diferença entre Malthus
e Ricardo a respeito disso é que aplicava o conceito diferentemente. Tal era o tópico de
suas disputas. Em sua crítica, também ele impediu Malthus de acompanhar rigorosamente
as implicações de seu próprio raciocínio. Além disso, Malthus não possuía a sutileza lógica
de Ricardo, embora tivesse tão boa ou talvez melhor intuição científica. Mas era propenso
a rebeldias e contradições nas quais Ricardo nunca incorreria. Elas irritaram Ricardo e
outros críticos. Isso é também verdadeiro no que diz respeito a outras partes de seu trabalho,
nas quais sua intuição produziu as idéias mais brilhantes. Malthus, por conseguinte, jamais
foi devidamente apreciado como um teórico, e sim como um perito em população, estatístico
e historiador. Seria compensador analisar a sua teoria de formação dos preços, com especial
atenção para a sua engenhosa intuição das questões essenciais.
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OS ECONOMISTAS
63 "É uma inferência direta da explicação do valor nos capítulos precedentes como denotando
uma relação entre dois bens, uma relação incapaz de existir quando existe só um bem, que
não pode existir entre um bem em um período e o mesmo bem em outro período. Não podemos
determinar a relação entre um tecido numa ocasião e o tecido em outra, assim como podemos
apurar a relação entre pano e trigo no dia de hoje. Tudo o que podemos fazer é comparar a
relação na qual o tecido se situou em cada período para com algum outro bem." A Critical
Dissertation on the Nature, Measures and Causes of Value. 1825, p. 77 et seq.
64 "Quando o sr. Ricardo nos diz que um bem produzido sempre pelo mesmo trabalho é de
valor invariável, defende implicitamente tudo o que venho tentando provar em contrário.
Pelo termo “invariável” ele claramente quer dizer que seu valor numa ocasião será preci-
samente o mesmo em outra, não em relação a outros bens, pois supõe que todos os outros
variam, mas em relação a si mesmo. Ele declara que se iguais quantidades de ouro pudessem
sempre ser obtidas por iguais quantidades de trabalho, o valor do ouro ’seria invariável e
seria bem calculado para medir o valor variável de todas as outras coisas’, de onde resulta
que essa invariabilidade deve pretender ser afirmada a respeito do valor do ouro comparado
com ele mesmo, e não de qualquer relação entre o ouro e algum outro bem." Op. cit., p.
77 et seq. Bailey expõe brilhantemente a metafísica da teoria clássica do valor. (Devemos
nos lembrar que o valor-trabalho é também uma variável na teoria de Ricardo.)
65 QUINCEY, Thomas de. Diologues of the Three Templars on Political Economy. 1824. In:
Thomas de Quincey’s Works. Nova York, 1877. v. X. Cf. também seu The Logic of Political
Economy. 1844, p. 45 et seq.
66 Ricardo cita Adam Smith: “O trabalho era o primeiro preço: o originário dinheiro de compra
que era pago por todas as coisas”. E: “naquele primitivo e rude estado da sociedade que
precede igualmente a acumulação de alimentos e a apropriação da terra, a proporção entre
as quantidades de trabalho necessárias para adquirir diferentes objetos parece ser a única
circunstância que pode permitir qualquer regra para a troca de uns pelos outros”. Principles
of Political Economy and Taxation. 1817. Londres, Ed. Gonner, 1929, p. 7.
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MYRDAL
67 Ricardo tenta provar que o trabalho não pode comandar o pleno equivalente do valor real
que ele dá aos bens. O lucro intervém. O capitalista tira seus lucros pagando salários cujo
valor real é menor que o valor que os trabalhadores empregam bem. O valor real do trabalho
em si, o qual, como de costume, determina sua relação de troca com outros bens, consiste
em custos, medidos em termos de trabalho, incorridos em reproduzir e educar trabalhadores.
Esses custos variam parcialmente segundo seus hábitos, embora Ricardo presuma hábitos
imutáveis, e parcialmente segundo a tecnologia, o estoque de capital etc. Por conseguinte,
não é o valor real do trabalho que é invertido nos bens, mas somente o trabalho em si. Os
dois coincidiriam apenas na ausência do lucro. Os trabalhadores receberiam em salários o
pleno valor real de seu trabalho. Em estado de equilíbrio, os custos de reproduzir traba-
lhadores, isto é, o valor real do trabalho, seria igual ao valor criado pelo trabalho.
68 Principles of Political Economy. 1820. 1ª ed., p. 62 e outros trechos.
91
OS ECONOMISTAS
Esse conceito de valor real nada tem a ver com custos ou sacri-
fícios, porém mostra uma tentativa renovada para basear o valor na
utilidade. Partindo da idéia de que o valor real de um bem é o seu
valor de troca em termos de trabalho, Adam Smith, embora com menor
rigor, já chegara à tese de que o valor real do trabalho em si mesmo
consiste na qualidade de meios de subsistência que é, em última análise,
usada para pagar por ele.
Para falarmos em termos modernos: Malthus afirma que o valor
interno do dinheiro seria constante se o poder aquisitivo sobre os meios
de subsistência fossem constantes, isto é, se o índice do custo de vida
se mantivesse inalterado. Ricardo, por outro lado, diz que o valor do
dinheiro é constante enquanto contém uma quantidade constante de
trabalho, isto é, se a mesma quantidade de trabalho é empregada para
a sua produção. Ricardo explica que o seu valor de troca, seja em
termos de trabalho ou de meios de subsistência ou de bens trocados
em geral, pode, ao mesmo tempo, variar por vários motivos, tais como
o desenvolvimento técnico, o crescimento de produção, do capital etc.
O conceito do valor real de Malthus é bem menos perigoso que
o de Ricardo. O de Ricardo força-o a suas hipóteses artificiais insus-
tentáveis, sem serem de nenhuma utilidade analítica. O de Malthus
é da mesma maneira metafísico e por isso redundante para a análise
econômica, mas não exige a mesma série de suposições. Isso permanece
verdadeiro, quer os valores reais de troca sejam calculados em termos
do comando de bens sobre o trabalho, quer nos termos de seu comando
sobre os meios de subsistência. Portanto, para Malthus, o problema
da formação dos preços é independente do seu conceito de valor real.
A aceitação de sua definição significa nada mais do que a decisão de
medir todos os valores de troca em termos de um bem, isto é, do
trabalho ou dos meios de subsistência. Em todo caso, devem ser ex-
pressos em termos de algum bem ou grupo de bens. A teoria moderna
também mede valores de troca em termos de algum bem, a escolha
do qual é questão aberta.
Isso não significa que a definição do valor real de Malthus seja,
por conseguinte, sólida ou menos falsa. Mas, diferentemente da de
Ricardo, não infecta a análise dos valores de troca ou dos preços re-
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OS ECONOMISTAS
uma série de bens reais por sua adequabilidade para servir como tal
medida de valor. Mas repele-as todas alegando que não se pode ter certeza
de que sua produção requereria realmente em todas as condições a mesma
quantidade de trabalho. Novamente, sua prolixa discussão a respeito da
diferença entre “valores” e “riquezas” é uma longa série de tautologias.
Bailey observou que Ricardo diz apenas que o que um milhão de homens
produz sempre custa o trabalho de um milhão de homens.70 Ricardo sus-
tenta que o valor permanece constante, quer os homens produzam mais
ou menos, mas por valor ele quer dizer quantidade de trabalho.
É insuficiente mostrar que o raciocínio de Ricardo é circular, pois
isso sugere somente que ele admitiu que suas hipóteses eram evidentes
por si mesmas. Por que Ricardo acreditou (e Adam Smith antes dele) tão
firmemente na auto-evidência de sua definição de valor real, apesar da
crítica que merecia seu mais alto respeito? Essa crítica veio não apenas
de Malthus, mas também de J.B. Say, que nunca aceitou que o valor real
fosse governado pelo custo de produção, sobrepondo-se à utilidade. Mesmo
Bentham, que aceitava o sistema de Ricardo, ocasionalmente o censurou
por confundir valor e custos, em vez de definir o valor em termos de
utilidade, que teria sido bem mais natural para um utilitarista.
A solução desse quebra-cabeça reside na noção, da lei natural,
de que a propriedade tem sua justificativa no trabalho aplicado sobre
um objeto. Hobbes havia introduzido esse conceito na filosofia política
britânica, e Locke o desenvolvera e aperfeiçoara no seu segundo tratado
Of Civil Government.71 Por conseguinte, ele se tornou geralmente aceito
pelos filósofos políticos ingleses. Suas raízes, porém, são muito mais
remotas. Em contraste com a noção de que a propriedade é baseada
em occupatio, ou meramente no ato da posse, procurou-se encontrar
uma justificativa mais aceitável para a consciência do homem comum.
De maneira geral, occupatio continuou sendo o título natural de pro-
priedade, mas era aplicado apenas a bens sem dono. Para estes, jus-
tificava-se pelo “consentimento tácito” de outros, e o argumento era
com freqüência fortalecido pela suposição histórica ou analítica de um
contrato social.72 De outro modo e em princípio, o trabalho era consi-
derado o título de propriedade.
Essa justificativa da propriedade é contraditória em suas próprias
hipóteses, em parte porque occupatio deve ser conservado como um título
justo de propriedade. Mas outras contradições surgem quando se procura
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76 "O trabalho não é corporal nem mental... e é necessário incluir na idéia não unicamente
o cansaço em si mesmo, mas todos os sentimentos de uma espécie desagradável, todas as
inconveniências corporais ou aborrecimentos mentais ligados com os pensamentos de uma
pessoa, seus músculos, ou ambos, numa ocupação determinada." MILL. Principles. Ed.
Ashley, 1909, p. 22.
77 "Podia-se dizer que quantidades iguais de trabalho, em todas as ocasiões e lugares, são
de valor igual para o trabalhador... O trabalho sozinho, por conseguinte, nunca variando
em seu próprio valor, é só ele o padrão definitivo e real pelo qual o valor de todos os bens
pode, em todas as ocasiões e lugares, ser estimado e comparado. É o seu preço real; o
dinheiro é apenas o seu preço nominal." (SMITH, Adam. Op. cit., p. 35.) Criticando Adam
Smith, Ingram nega que essa proposição tenha alguma significação: “Esta sentença, que
em exame mais acurado se apurará não ter sentido inteligível definido, dá um bom exemplo
da maneira pela qual os modos metafísicos de pensamento obscurecem as idéias econômicas.
Que é uma ‘quantidade de trabalho’, a espécie de trabalho sendo indeterminada? E o que
se quer dizer com a frase ‘de igual valor’?” A History of Political Economy. 1888. Ed. Ely,
1915, p. 92, nota.
78 McCulloch também diz que o “desempenho de trabalho deve inevitavelmente proporcionar
o mesmo sacrifício” em todas as etapas do desenvolvimento econômico. Principles of Political
Economy. Edimburgo, 1825, p. 116 et seq.
79 Por exemplo: “...custo significa sacrifício, e não pode, sem o risco de confundir as idéias,
ser identificado com qualquer coisa que não seja sacrifício. Representa aquilo de que o
homem se separa quando na troca entre ele e a natureza, e que deve ser conservado
eternamente distinto do retorno feito pela natureza por tal pagamento”. CAIRNES, J. E.
Some Leading Principles of Political Economy. Londres, 1874, p. 60.
80 "Os sacrifícios a serem levados em conta, e que governam o valor de troca, não são aqueles
sofridos por A, B ou C, mas o sacrifício médio sofrido pela classe dos trabalhadores... aos
quais os produtores do bem pertencem." (CAIRNES, J. E. Some Leading Principles of
Political Economy. 1874, p. 95.) Cairnes está aqui preocupado, e principalmente, com o
sacrifício da poupança pelos capitalistas. Ver adiante.
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81 "Mas qualquer outra causa limitando o suprimento é exatamente uma causa tão eficiente de
valor num artigo como a necessidade de trabalho é para a produção. E, de fato, se todos os
bens usados pelo homem fossem supridos pela natureza sem nenhuma intervenção de trabalho
humano de qualquer espécie, mas supridos precisamente nas mesmas quantidades que o são
agora, não há razão para supor nem que eles deixariam de ter valor, ou que o teriam alterado
em proporções diferentes das atuais." Political Economy. 1836. 6ª ed., 1872, p. 24.
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82 MARSHALL. Principles of Economy. 1890. 8ª ed., 1922, V, III, 2. Cf. MYRDAL. Prisbild-
ningsproblemet och föränderligheten. Upsala e Estocolmo, 1927, p. 32 et seqs.
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83 Letters of David Ricardo to Thomas Robert Malthus, 1810/23. Ed. de Bonar, Oxford, 1887,
p. 237.
84 Letters of David Ricardo to John Ramsey McCulloch, 1816/23, editadas por J. R. Hollander,
publicações da American Economic Association, v. X, Nova York, 1895, p. 72. Os grifos são meus.
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Mais tarde a teoria clássica foi atacada pela escola histórica e pelos
primeiros teóricos da utilidade marginal. Contudo, seguiu-se uma nova
aceitação do ricardismo, iniciada por Sidgwick e levada avante por Mars-
hall. Especialmente a credulidade deste último o levou a novos extremos.
Considerando que o círculo primitivo de discípulos se apegava rigidamente
à doutrina do mestre, Marshall interpretou Ricardo, e emprestou-lhe opi-
niões que este nunca sustentara nem podia ter sustentado. É mérito de
Cannan o haver protestado contra essa bem-intencionada falsificação his-
tórica. Porém, embora os argumentos de Cannan nem sempre fossem
exatos, ele tinha razão em se opor aos apologistas de Cambridge, que
acreditavam que aquilo que Ricardo quisera dizer no início do século era
o que Marshall dissera no fim. Como observou Cannan, Marshall misturou
os argumentos de Ricardo. Isso é tanto mais lamentável quanto Ricardo
é bastante difícil de entender, mesmo sem essa nova complicação.
Um ponto que surge de nossa análise da teoria clássica do valor
de troca e do valor real é que a teoria da mais-valia de Marx não é
o resultado de uma “grosseira má interpretação”. Essa opinião está
disseminada entre os críticos, que não notaram a importância da teoria
do valor real no sistema clássico. Eles possuem a tendência de dirigir
sua atenção na teoria do valor de troca, esquecendo-lhe os fundamentos
e desprezando as discussões sobre a medida invariável e as relações
de valor no tempo. Marx tinha razão ao dizer que sua teoria da mais-
valia origina-se da teoria clássica do valor real, com apêndices oriundos
de outras fontes. Além disso, Marx não foi o primeiro a tirar conclusões
radicais. Todos os socialistas ingleses pré-marxistas deduziram seus
argumentos de Adam Smith e, depois, de Ricardo.
Os economistas não aceitaram bem essas conclusões inevitáveis.
“A Economia Política burguesa”, utilizando a expressão de Marx, en-
cerrara desde Adam Smith um conflito interno entre o postulado con-
servador da liberdade, apresentado como uma conclusão científica, e
a teoria revolucionária do valor real, uma teoria que implica um pos-
tulado revolucionário da liberdade. A teoria revolucionária do valor
real é defendida como uma premissa no postulado conservador. Marx
expôs esse conflito seguindo a premissa até sua conclusão lógica. Dessa
forma ele colocou o dedo numa ferida da teoria econômica e, provavelmente
por esse motivo, provocou tanta irritação entre os economistas. Eles pro-
curaram provar não tanto que Marx estava errado, o que não teria sido
muito difícil, mas sim mostrar que era um louco varrido, um incapaz,
desencaminhado por aqueles desprezíveis filósofos alemães. Julgaram im-
pertinente de sua parte ousar imiscuir-se na teoria clássica.
Não apresenta nenhuma dificuldade explicar como os socialistas
chegaram às suas conclusões. A teoria clássica do valor leva inevitavel-
mente a um radicalismo racionalista, se não obrigatoriamente na formu-
lação de Marx, ao menos na sua direção. Para o historiador das idéias,
o quebra-cabeça verdadeiro está em os clássicos não haverem tirado essas
conclusões radicais. Voltaremos a esse problema no capítulo V, após uma
discussão a respeito da teoria neoclássica da utilidade marginal.
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CAPÍTULO IV
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85 Há uma divertida anedota, contada por Hayward no seu obituário de Sidgwick (International
Journal of Ethics, v. XI, 1901, p. 187): “Sidgwick tinha acabado de completar o seu Methods
of Ethics. Ali estava o manuscrito, aceito pelos srs. Macmillan, editores. O autor, olhando-o,
disse ao sr. Browning: ‘Eu desejei e pretendi durante muito tempo escrever um livro sobre
Ética. Agora está escrito. Aderi ao plano que tracei para mim mesmo; sua primeira palavra
devia ser Ética, e a última palavra, Fracasso’.” Nas edições posteriores essas palavras
perderam suas posições características, mas parecem atingir a idéia fundamental do livro.
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86 Cournot dificilmente procura dizer qualquer coisa a respeito dos problemas de valor “mais
profundos”. Quando diz que é tarefa da Economia Política observar e descrever mas não
criticar as leis imutáveis da natureza, isso não quer dizer muita coisa. É hipótese, afinal
de contas, da teoria do valor que os valores econômicos são objetivos adequados da inves-
tigação cientifica e que os julgamentos objetivos acerca do valor econômico são possíveis.
87 Theory of Political Economy. 1871. 4ª ed., 1911, p. 29 et seqs.
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90 Jevons é mais explícito: “O leitor verificará que nunca existe, em um único exemplo, uma
tentativa para comparar a quantidade de sentimento em uma mente com a existente em
outra. Não vejo maneira pela qual tal comparação possa ser realizada... Cada mente é,
por conseguinte, inescrutável para toda outra mente, e nenhum denominador comum de
sentimento parece ser possível. Mas mesmo que pudéssemos comparar os sentimentos de
mentes diferentes, não precisaríamos fazer isso, pois uma mente só afeta outra indireta-
mente. Todo fato no mundo exterior é representado na mente por um motivo correspondente,
e é pelo equilíbrio dos dois que a vontade se inclina... Assim, os motivos na mente A podem
dar origem a fenômenos que podem ser representados por motivos na mente B; mas entre
A e B existe um abismo. Em conseqüência, a ponderação de motivos deve sempre limitar-se
ao foro íntimo do indivíduo”. Theory of Political Economy. 1871. 4ª ed., 1924, p. 14.
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91 Wicksteed diz: “Podemos agora voltar às nossas curvas com a consciência limpa, sabendo
que para qualquer objeto de desejo em qualquer momento realmente existe uma curva a
que simplesmente não podíamos chegar”. The Alphabet of Economic Science. 1888, p. 55.
“Não pode ser teoricamente impossível conceber tal coisa como medida acurada de satisfação,
muito embora sua medição prática devesse sempre permanecer tão vaga quanto as de calor
quando o termômetro ainda não tinha sido inventado.” Op. cit., p. 15.
92 Theory of Political Economy. 1817, 4ª ed., 1911, p.18.
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95 "A teoria gira em torno desses pontos críticos em que os prazeres são quase, se não intei-
ramente, iguais. Nunca tentei estimar o prazer total auferido da compra de um bem; a
teoria simplesmente diz que, quando alguém comprou bastante, ele auferiria igual prazer
da posse de uma pequena quantidade mais do que teria do preço dela em dinheiro. Do
mesmo modo, a quantidade total de prazer que um homem obtém por um dia de trabalho
mal entra em consideração; é quando um homem está em dúvida sobre se aumenta suas
horas de trabalho ou não que descobrimos uma igualdade entre a dor dessa extensão e o
prazer do aumento das posses dela derivado." Op. cit., p. 13 et seq.
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98 Nesse domínio, é interessante que os primeiros críticos viram na teoria da utilidade marginal
aquilo que chamamos de teoria behaviorista de escolha (Wahlhandlungstheorie), e usaram
contra ela exatamente os mesmos argumentos que serão usados contra esta última versão.
Cairnes assim escreveu a respeito da teoria de Jevons: “A que realmente ela equivale? Na
minha percepção disso e nada mais: que o valor depende da utilidade e a utilidade é o
que quer que seja que afeta valor. Em outras palavras, a denominação ‘utilidade’ é dada
a um conglomerado de condições desconhecidas que determinam o fenômeno, e então de-
clara-se que o fenômeno depende daquilo que seu nome representa”. Acreditou-se que a
teoria de Jevons não afirmava mais que isto: “que o valor era determinado pelas condições
que o determinam — uma proclamação cuja importância, mesmo apresentada na forma
de símbolos matemáticos absolutos, eu mesmo devo-me confessar incapaz de discernir”.
Some Leading Principles of Political Economy. 1874. p. 15. Ingram compartilhou essa
opinião em seu livro A History of Political Economy. (1888, Ed. de Elly, 1915, p. 228 et
pas.) Cairnes, Ingram e outros primeiros críticos da teoria da utilidade marginal haviam,
no entanto, orientado sua crítica também contra o método matemático em geral, e a discussão
enveredou para outros canais. Os marginalistas enfrentaram a crítica alegando que eram
proponentes de um método lógico e matemático, e sua psicologia tautológica escapou, assim,
a uma merecida crítica.
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99 Positive Theorie des Kapitales. Innsbruck, 1888. 4ª ed., 1921, v. I, p. 232 et seq. Essas
reflexões foram acrescentadas à 3ª edição e não constam da tradução inglesa de William
Smart, editada anteriormente.
100 Cf., p. ex., a 4ª ed., v. II, Exkurs X, Betreffend die “Messbarkeit” von Gefühlsgrössen.
101 Cf. Cours d’Économie Politique. Lausanne, 1896-7, e Manuel d’Économie Politique, Paris, 1909.
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Com bom senso, podemos cortar nós górdios”. Essa é uma forma de evadir a epistemologia.
Pois o economista que não se mostra suficientemente corajoso para dar esse salto possui
um argumentum ad hominem que encerraria singular força em época de crise: “Mesmo o
incrédulo em matéria de filosofia, se fosse tributado injustamente, seria capaz de sabê-lo!
Dificilmente ficaria satisfeito se lhe dissessem que qualquer comparação entre seu gravame
tributário e o de outros não tem significação porque seus fenômenos mentais e os dos outros
são incomensuráveis”. Op. cit., p. 180 et seq.
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CAPÍTULO V
O Liberalismo Econômico
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112 Esse argumento foi mais tarde aperfeiçoado. Veja-se, em particular, Mathematical Psychics,
de Edgeworth, 1881. p. 124 et seq., em que o autor salienta que o utilitarismo se interessa
pela felicidade e não pelos meios para a felicidade, e o critério é a maximização da felicidade.
Bentham está certo se a capacidade de fruir felicidade for igual para todos os homens,
isto é, se a utilidade de um esterlino for a mesma para cada um quando a renda se distribui
igualmente. Entretanto, se a capacidade de fruir for desigual, tanto a felicidade como os
meios para alcançá-la devem ser distribuídos desigualmente, e desigualmente de duas
maneiras diferentes. Edgeworth argumenta contra certos autores que pretendem que, se
as capacidades para fruir são desiguais, os meios para atingir a felicidade não deveriam
ser distribuídos igualmente, embora a própria felicidade ainda devesse sê-lo. (Cf. Methods,
de Sidgwick, p. 416 et pas.) Aqui, Sidgwick não é totalmente coerente. Reconhece que o
princípio de distribuição de felicidade não pode derivar da fórmula utilitarista. A fórmula
deve ser substituída por um princípio a priori de “justiça”. Mas, pensando bem, isso re-
sultaria desastroso para a teoria utilitarista de uma soma social de quantidades hedonistas.
Ou essas quantidades são comensuráveis, e por conseguinte um princípio racional de dis-
tribuição está subentendido na idéia de um todo; qualquer outra solução não renderia um
máximo de utilidade total. Ou elas são incomensuráveis, e por conseguinte nenhum cálculo
utilitário é concebível. Não obstante, J. S. Mill e outros argumentam de modo semelhante.
Temos então um ponto delicado e a tentativa de Edgeworth no sentido de uma formulação
mais rigorosa é compreensível.
113 Verbete “Government” (Governo), da Enciclopédia Britânica.
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115 Inquiry into the Principles of the Distribution of Wealth Most Conducive to Human Happiness
etc., 1824.
116 Labour Defended against the Claims of Capital etc., 1825.
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117 O mais lúcido relato do liberalismo clássico, baseado na divisão de trabalho, talvez seja o
de James Mill, em seu admirável Elements of Political Economy, de 1821. Eis um, dentre
muitos trechos, que se refere de modo especial ao comércio internacional e ilustra o caso:
“Agora é certo, como já foi sobejamente provado, que nenhum artigo que pode ser confec-
cionado no país será jamais importado de um país estrangeiro, a menos que possa ser
obtido por importação com uma quantidade menor de trabalho, isto é, custo, do que possa
ser produzido no país. Que é conveniente ter artigos produzidos com o menor custo de
trabalho possível parece ser não só certo, mas aceito. Essa é a meta de todas as melhorias
a que se visa na produção, pela divisão e distribuição do trabalho, por métodos aprimorados
de cultura aplicados à terra, pela invenção de máquinas mais potentes e eficazes. Na
verdade, parece ser uma proposição evidente por si mesma que qualquer que seja a quan-
tidade que uma nação possua de meios de produção, quanto mais produtivos eles possam
ser tornados, melhor: pois isso não é nem mais nem menos do que dizer que teremos todos
os objetos que desejamos e tê-los com pouca dificuldade é bom para a humanidade. Não
apenas é certo que num estado de liberdade nenhum artigo que pode ser feito no país será
jamais importado a menos que o possa ser com uma quantidade ou custo de trabalho
menor do que podia ser produzido no país; mas qualquer que seja o país do qual pode ser
obtido com o menor custo de trabalho, para esse país apelar-se-á para obtê-lo, e qualquer
que seja o artigo pela exportação do qual ele pode ser obtido com a menor quantidade de
trabalho nacional, esse é o que será exportado em troca. Isso resulta de maneira tão óbvia
das leis de comércio que não exige explicação. Não é mais do que dizer que os comerciantes,
se deixados em liberdade, comprarão sempre no mercado mais barato e venderão no mais
caro. Por conseguinte, parece estar plenamente estabelecido que o negócio de produção e
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troca, se deixado para escolher seus próprios canais, certamente escolherá aqueles que são
mais vantajosos para a comunidade. Certamente escolherá aqueles canais nos quais os
artigos que a comunidade (!) deseja obter são obtidos com o menor custo (social!)”. Op. cit.,
p. 158 et seq. Ou, para citar Ricardo: “Sob um sistema de comércio perfeitamente livre
cada país devota, naturalmente, seu capital e seu trabalho àqueles empregos que são mais
benéficos para cada um. Essa procura de vantagem individual é admiravelmente vinculada
com o bem universal do todo. Por estimular a indústria, recompensar a engenhosidade e
utilizar com mais eficiência os poderes singulares conferidos pela natureza, ele distribui
mais eficiente e economicamente o trabalho: ao passo que, por aumentar a massa geral de
produções, ele difunde benefício geral e vincula mediante um laço comum de interesse e
comunicação a sociedade universal de nações, através do mundo civilizado. É esse princípio
que determina que vinho deverá ser feito na França e em Portugal, que trigo deve ser
cultivado nos Estados Unidos e na Polônia e que ferragens e outras mercadorias deverão
ser fabricadas na Inglaterra”. (Principles. p. 114.) Aqui, Ricardo realmente fala somente
de comércio externo, que neste caso não é relevante. Porém, assim como Mill, acredita que
os mesmos princípios se aplicam ao comércio e à produção internos, e afirma isso de modo
explícito exatamente antes desse trecho. Cf. Ricardo, numa interessante critica a Say; op.
cit., 303 et seq.
118 "É utilizado para fugir à inépcia, se não a algo mais de estimar os esforços de um país em
unidades de trabalho ou de capital — uma norma que dá margem ao crítico para falar do
elemento omitido como se fosse uma condição essencial." Theory of International Trade.
Dublin, 1887. 2ª ed., 1897, p. 24.
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123 "Não obstante, sua mente estava tão repleta do terror da Revolução Francesa, e tão grandes
eram os males que atribuía ao menor ataque à segurança que, como analista audaz que era,
sentiu uma veneração quase supersticiosa pelas instituições da propriedade privada e inculcou-a
em seus discípulos." Principles of Economics. 1890. 8ª ed., 1922, Apêndice B 4, nota.
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124 Cf., p. ex., An Inquiry into the Nature and Progress of Rent and the Principles by which
it is Regulated, 1815. pp. 47-8 et pas., nos seus trabalhos sobre renda e tarifas.
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128 Principles of Political Economy. 1848. Ed. Ashley, 1920, V, XI, 12.
129 Op. cit., IV, VII, 7.
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130 "As leis e as condições de produção de riqueza participam do caráter das verdades físicas.
Não há nada de opcional ou arbitrário nelas. O que quer que a humanidade produza deve
ser produzido dos modos e sob as condições impostas pela constituição das formas externas
e pelas propriedades intrínsecas de sua própria estrutura corporal e mental [...] Com a
distribuição de riqueza não é assim. Este é um assunto de instituição exclusivamente hu-
mana. Uma vez que as coisas estejam presentes, a humanidade, individual ou coletivamente,
pode fazer com elas o que lhe aprouver [...] Em conseqüência, a distribuição da riqueza
depende das leis e dos costumes da sociedade. As regras que a determinam são aquilo que
as torna as opiniões e sentimentos da parte dominante da comunidade, e são muito diferentes
em diferentes épocas e países; e poderiam ser ainda mais diferentes, se a humanidade
assim o desejasse." Op. cit., II, I, i. Os grifos são meus.
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131 O que veio a ser conhecido como a “Nova Economia do Bem-Estar” continuou nessa tradição.
Ler o apêndice do tradutor para o inglês (acrescentado em 1950).
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132 Nesse campo, a filosofia do pragmatismo é uma versão moderna do utilitarismo, talvez
mais relativista. O behaviorismo psicológico, igualmente, se pretende ser mais que um
método, se se apresenta como uma filosofia, não passa de uma versão mecanicista da velha
psicologia de associações.
133 Theory of Political Economy, 1871. 4ª ed., 1911, p. 27.
134 Op. cit., p. 146.
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manho da renda nacional precisa ser definido de modo que seja rele-
vante para juízos de valor políticos.
Ademais, junto com a distribuição, ela deve constituir o objeto
que é politicamente avaliado. Isso deve ser verdadeiro, independente-
mente das premissas de valor escolhidas, a menos que estas sejam
derivadas do próprio teorema do laissez-faire. O último processo, en-
tretanto, evadiria toda a questão. Isso é ainda mais grave à medida
que o conceito de “distribuição de renda nacional” é definido como a
distribuição da “renda nacional” na definição acima. Se a “renda na-
cional” não foi definida como aquilo que, além da distribuição, é poli-
ticamente relevante em todas as ocasiões, então o conceito de “distri-
buição da renda nacional” é, do mesmo modo, politicamente irrelevante.
Um conceito inadequado no primeiro caso também o será no segundo.
A renda nacional deve ser medida por um padrão que se mostre correto
independentemente de juízos de valor políticos.
Tem-se afirmado, contra isso, que para o objetivo limitado de
estabelecer o teorema do laissez-faire nenhuma mensuração da renda
nacional é exigida, se não se está interessado nem na sua distribuição
nem na sua composição, mas apenas na proposição de que é maximizada
sob a livre-concorrência. Edgeworth observou que, em um problema
de maximização, não é necessário pensar em termos de quantidades
definidas. O máximo pode ser definido por uma mudança de sinal da
primeira derivada.135 Porém, isso só fará sentido se a renda nacional
for concebida como um todo homogêneo. Com efeito, ela consiste em
uma coleção de produtos e serviços heterogêneos. A intervenção na
livre-concorrência ou laissez-faire, sendo esse o caso, acarreta neces-
sariamente uma alteração das diversas partes que compõem o todo.
Para falar de um todo heterogêneo como uma quantidade que se pode
dizer ser maior ou igual a outro todo que consiste em uma coleção
diferente de bens, esses bens têm de se tornar comensuráveis. Só então
os dois agregados podem ser comparados, pois não há hipótese de que
o laissez-faire aumente todas as rubricas da renda nacional.
A fim de ser pertinente à argumentação liberal, a unidade de
medida pela qual a renda nacional e suas partes componentes podem
ser mensuráveis deve ser de tal ordem que sua significação seja ade-
quadamente ponderável em qualquer série de premissas de valor po-
líticas. Para que o teorema interesse a qualquer pessoa em particular,
o padrão deve se mostrar capaz de medir a significação da renda na-
cional do ponto de vista dos juízos de valor políticos dessa pessoa.
Para que o teorema seja científico, ou universalmente válido, não ape-
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nas essa determinada pessoa, mas quem quer que seja, deve ser sus-
cetível de estar sendo o objeto desses juízos. Como a distribuição da
renda também será afetada por uma intervenção, o padrão tem de ser
correto, independente da distribuição da renda.
Totalmente à parte do problema de aplicação prática e a fim de
dar sentido ao teorema, os componentes heterogêneos da renda nacional
devem ser apropriadamente ponderados e, assim, tornados comensu-
ráveis. Mas, certamente, a aplicação prática é a única justificação do
teorema: não é, de forma alguma, exigida em uma análise da formação
dos preços. Sua única função é servir de formulação “objetiva” numa
argumentação política. Ninguém desejaria sustentar que a renda na-
cional é maximizada sob o laissez-faire, independentemente da signi-
ficação relativa, isto é, os pesos atribuídos a suas partes componentes.
Fica claro também que a unidade de medida não pode ser deduzida
do próprio teorema, porque isso seria novamente circular.
Concluímos então que o teorema pressupõe uma unidade social
de valor que mede o que é relevante em qualquer série concebível de
avaliações políticas. Tal unidade não existe nem pode existir. Não cabe
aqui uma discussão detalhada da teoria dos números-índices. Basta
dizer que tal medida é impossível em princípio, não só pelas dificuldades
estatísticas. Elas não afetariam a crítica lógica.
Sempre se sentiu vagamente a existência de tal problema. As
definições da unidade de medida, por conseguinte, são obscuras quando
alguém se propõe a oferecê-las. Por exemplo: “avaliação pelo mercado
livre”, “avaliação social” etc. Exprimem a idéia da sociedade como um
objeto de juízos de valor, a conhecida “ficção comunista” e a idéia de
uma troca entre o Homem (não homens!) e a Natureza. Essas expressões
indicam que o teorema do laissez-faire logicamente deve referir-se à
renda nacional como uma soma de bem-estar, no sentido subjetivo, e
não como uma soma de produtos e serviços físicos, no sentido objetivo.
Este último é uma soma objetiva de quantidades com uma significação
clara. O sistema de ponderação é requerido com o propósito de acres-
centar os componentes de um produto físico total à soma social, que
é a medida da renda psíquica da sociedade. Nem esse total psíquico
nem o sistema de ponderação podem ser concebidos como uma distri-
buição independentemente da renda. A construção toda é metafísica.
A tentativa de tornar a teoria objetiva pelo artifício de separar
a distribuição da renda, com o intuito de isolar todos os fatores sub-
jetivos, na última, conseqüentemente deve falhar. Sempre que existir
um aumento em algumas rubricas e uma diminuição em outras, nós
nos depararemos com o problema dos números-índices. O problema
não aparece porque estamos lidando com cifras, mas porque tentamos
tratar alguma coisa como uma quantidade homogênea, cuja composição
heterogênea varia em diferentes situações.
Não há algo como um índice ideal que seja teoricamente correto,
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CAPÍTULO VI
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Num certo sentido, toda a ciência, e mais ainda toda a filosofia, é uma
batalha para derrubar falsos conceitos carinhosamente acolhidos pelo
bom senso.
Na escolha de seus conceitos básicos, a Economia Política britâ-
nica sempre se revelou conservadora e eclética. Essa tem sido a fonte
de sua fortaleza. Em geral, a pesquisa padece se há exagerada origi-
nalidade em problemas de princípio, como, por exemplo, na Alemanha.
O método peculiar dos ecléticos britânicos é essa atitude de bom senso.
Em vez de objetivarem uma análise percuciente de questões proble-
máticas de princípio que poderiam fazer ruir a estrutura básica de
suas argumentações, ocultam esses problemas por trás de uma cortina
de palavras. A seguir, direcionam a análise para problemas de porme-
nores que podem se ajustar à moldura metafísica tradicional. O consolo
é proporcionado pela idéia de que todos nós concordamos em princípio
e de que cada um sabe a respeito do que se está falando, embora nem
sempre seja fácil formulá-lo com exatidão. A postura assumida para
com as comparações interpessoais da utilidade é bastante ilustrativa:
“Todos nós a temos diariamente”.
Não deveria haver, para um utilitarista coerente, dificuldade
quanto à significação de “economia social” e “bem-estar social”. Uma
definição satisfatória pode ser extraída com auxílio do cálculo do prazer
social. Sidgwick e Edgeworth, os últimos e mais percucientes utilita-
ristas, e depois de Jevons, os mais brilhantes neoclássicos ingleses,
devotaram-se a uma discussão paciente e esclarecedora sobre esse pro-
blema. De maneira geral, porém, as hipóteses da Economia de bem-
estar, embora fundamentais e muito difundas na Economia britânica,
são antes tácitas que explícitas.
139 Naturalmente, também há conflitos no seio de uma família, mas presume-se que sejam
resolvidos por um árbitro. O chefe da família está fazendo seus juízos de valor. Sua posição
é sancionada pela lei civil; é, por exemplo, de sua renda que ele dispõe para o próprio
bem-estar e o de seus dependentes. De qualquer forma, essa é a hipótese dos economistas
que utilizam tal analogia. Quando a visão autocrática da sociedade é rejeitada, a analogia
entre a família e a sociedade não se sustenta mais.
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140 Clark, J. B. The Possibility of a Scientific Law of Wages. Publicações da Associação Americana
de Economia. v. IV, 1889, p. 62.
141 "The Philosophy of Value." In: The New Englander. New Haven, 1881; The Philosophy of
Wealth. Boston, 1886; e “The Unit of Wealth”. In: Festschrift für Karl Knies. 1896.
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que existe um mercado e que, por uma razão não esclarecida, acredita
que seus preços refletem as necessidades da sociedade. Clark contorna
a dificuldade de conceber a sociedade como um único sujeito ao reiterar
que ela é esse sujeito. Deve ser considerada, diz ele, “literalmente”
uma pessoa ou um organismo. Isso, sustenta Clark, tem sido até agora
dissimulado em teoria econômica. Infelizmente, essa última afirmação
decerto não corresponde à verdade.
É, de certa forma, um mistério que Clark tenha podido propor
uma teoria tão inconsistente e que esta tenha sido tão largamente
aceita.142 Os economistas norte-americanos mais recentes, entretanto,
a têm rejeitado por completo.
Já a teoria do “valor normal” de Von Wieser é um trabalho mais
inteiriço. Seus argumentos recebem uma aceitação mais ampla e tive-
ram, provavelmente, uma influência maior do que sugerem as refe-
rências em literatura a Von Wieser. A diferença decisiva entre as duas
teorias está em Clark acreditar em harmonia e Von Wieser não. A
intenção deste em sua análise do “valor natural” é explicar, e não
justificar. Não obstante, ele permanece um conceito metafísico e nor-
mativo e é, por conseguinte, incapaz de explicar coisa alguma. Von
Wieser não logrou nem sequer conferir-lhe uma significação exata.
Sua teoria do valor natural é a tentativa mais coerente de explicar
o processo econômico como uma economia social. Esforça-se por estudar
o que seria o valor econômico se este dependesse exclusivamente de
quantidades de utilidades e bens à medida que provêm ao indivíduo.
Por conseguinte, tem de se abstrair de uma série de circunstâncias
cuidadosamente enumeradas que desviam os preços reais daquilo que
seriam se o mercado operasse com perfeição. Desse modo, Von Wieser
reconhece que o postulado de uma economia social pode significar, das
duas, uma: ou se devem considerar, como Clark e outros economistas
partidários da harmonia, as condições econômicas existentes como a
realização de valores sociais, possivelmente com algumas ressalvas
quanto à livre-concorrência etc.; ou se devem examinar essas condições
à luz de um ideal. Von Wieser vê o ideal naquilo que denomina como
Estado comunista.
Ele também admite que não há nada de original nisso, mas que
está simplesmente colocando mais claramente em evidência certas hi-
142 Qualquer um interessado no resultado do otimismo metafísico de Clark deveria ler o infeliz
livro do eminente Carver, economista de Harvard, hoje talvez subestimado, The Religion
Worth Having. Ele desenvolve a teoria de Clark até suas conclusões mais filistéias. O valor
social de um indivíduo é sua produção menos o seu consumo. Essa teoria moral, plausível
mas de certa maneira obscura, é refinada então em termos técnicos e aplicada a vários
campos, como por exemplo a atividade religiosa. O livro é muito divertido, e qualquer um
que não esteja familiarizado com tendências utilitaristas em Economia poderia equivocar-se
e considerá-lo uma sátira brilhantemente redigida. Porém, o autor, de qualquer modo, é
realmente inconsciente de seu humor.
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143 "A maior parte dos teóricos, e em particular os da escola clássica, tem feito tacitamente
abstrações semelhantes. Esse ponto de vista, em especial, de que o preço se torna um
julgamento social de valor realmente equivale a um desprezo de todas as diferenças indi-
viduais que surgem em poder aquisitivo e que separam o preço do valor natural. Numerosos
teóricos escreveram, desse modo, a teoria do valor do comunismo sem estarem conscientes
dela, e assim procedendo reconheceram a teoria do valor do estado atual." Der natürliche
Wert. Viena, 1889; traduzido para o inglês por Charles A. Malloch, Natural Value, Londres,
1893, editado por William Smart, p. 61, nota.
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145 Logo, torna-se evidente que Von Wieser não é muito sério em sua reivindicação de neu-
tralidade. No parágrafo seguinte, afirma: “O valor natural é uma arma tão precária contra
o socialismo que os socialistas mal podiam fazer uso de melhor testemunho em favor dele.
O valor de troca não pode ter crítica mais rigorosa do que aquela que expõe suas divergências
da medição natural, embora, na realidade, isso não constitua prova particular para a essência
do socialismo”. Op. cit., p. 63.
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norância nem erro. Em outro trecho, estipula que não deveria haver
desigualdades de propriedades nem divisão de partidos etc.
Não interessa a Von Wieser a questão de que tal sociedade possa
realmente existir. O fato de que ela possa ser imaginada já lhe basta.
Ora, uma hipótese decerto pode ser tão irreal quanto queiramos. A
maioria das hipóteses abstratas em Economia mantêm pouca relação
com a realidade. Nem, no caso, um corpo se move sobre a superfície
de outro sem atrito. Todavia, as hipóteses abstratas devem ser definidas
claramente se, na qualidade de instrumentos analíticos, devem ter al-
gum uso para a determinação de outros conceitos. Von Wieser propõe-se
a obter uma visão de todo o processo econômico. E abstrai, para estudar
esse processo como um desvio de sua abstração. Quer determinar o
desvio. Isso só pode ser feito se se tratar de determinados desvios de
um estado natural determinado. Porém, no momento de definir seu
ideal e os desvios dele, somente fornece generalidades vagas.
Nem é preciso dizer que sua descrição do estado natural é um
tanto insatisfatória. Obviamente, mesmo em um Estado comunista, os
indivíduos divergiriam em suas opiniões sobre o que consideram ser
socialmente útil, por exemplo, no que concerne à conduta apropriada
dos negócios econômicos de uma nação. Von Wieser, na verdade, ad-
mitiu posteriormente essa possibilidade. E postular unidade de valores
sociais recomendando comportamento “altruísta” não é a solução. Por-
que, em primeiro lugar, não define esse critério, e, em segundo, é bem
sabido que as pessoas altruístas não são mais propensas a concordarem
entre si do que as outras. O que significa a ausência de diferenças de
partido em uma sociedade na qual os objetivos da política econômica
devem ser determinados por decisões coletivas? Todo argumento equi-
vale à afirmação de que a sociedade deve ser concebida como um único
objeto. Isso, entretanto, é exatamente o que não pode ser concebido.
Se procurássemos fazê-lo, estaríamos tentando abstrair o fato essencial
de que a atividade social é resultado das intenções de vários indivíduos.
Discutimos mais pormenorizadamente a teoria de Von Wieser por-
que ela expõe com clareza as implicações da idéia de uma economia social.
Von Wieser raciocina de maneira correta até o ponto em que os julgamentos
de valor devem ser introduzidos. Nesse ponto sua análise se rompe, porque
os valores não podem ser determinados de modo científico.
Por certo, é possível especificar os valores com os quais se julga
a eficiência de um sistema econômico. Porém, isso cria a dificuldade
alternativa de demonstrar que tais valores são científicos ou objetivos.
Não obstante, sem julgamentos de valor, todo o conceito de uma conduta
social de negócios econômicos torna-se vazio. O grande mérito de Von
Wieser foi ter-se apercebido claramente disso.
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CAPÍTULO VII
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146 Trata-se de uma grande perda para o assunto o fato de Edwin B. Seligman nunca haver
realizado sua tarefa da forma ampla que merecia. Por décadas, ele havia devotado grande
parte de seu tempo ao estudo da história da finança pública. Seu interesse no assunto
constituiu uma das forças orientadoras na organização de sua vasta biblioteca, que agora
pertence à Universidade de Colúmbia. Como amigo dele em seus últimos anos, percebi que
não havia também um elemento de tragédia pessoal para Seligman em seu fracasso para
concretizar seus propósitos. Mas, no fim da vida, ele sempre encontrou algo diferente ao
qual podia dedicar seu tempo. Desconfio que esses propósitos, os quais ele empreendeu
embora estivesse menos credenciado para tanto, eram muitas vezes uma forma de escapar
ao desafio de escrever a grande história da finança pública, para a qual havia se preparado
a vida inteira. (Nota de rodapé, acrescentada em 1950.)
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por exemplo, inicia sua discussão dos princípios fiscais com a afirmação
de que a idéia de eqüidade varia continuamente e desenvolve-se de
acordo com as condições culturais, econômicas e sociais. É “relativa e
histórica [...] A significação concreta desse conceito abstrato tem mu-
dado de época para época”.147 Não é de espantar que ele chegue a
dizer: “Podemos, portanto, não só aceitar o que as épocas precedentes
consideraram eqüitativo como devemos perguntar qual sistema fiscal é
compatível com nossa atual idéia de eqüidade nas nossas condições polí-
ticas, econômicas e sociais presentes, em suma, na nossa civilização?”
Após essa proposição, que Von Tyszka grifou, poderia se esperar
uma análise sociológica de nossa civilização. Em lugar disso, porém,
encontramos a solene declaração: “Assim, temos três requisitos para a
justiça fiscal: os impostos devem ser legais, gerais e eqüitativos”.
Se desprezarmos o primeiro requisito, que não se encontra na
alçada de nossa investigação, os outros dois, dos quais o segundo está
contido no terceiro (uma hierarquia de expressões vazias!), não têm
significação clara e concreta. Encerram todas as singularidades daque-
les princípios abstratos mencionados acima. Logo, Von Tyszka passa
a interpretá-los.
Vale notar que sua interpretação pretende-se uma dedução lógica
pura. O relativismo histórico e sociológico, que teve tão importante
papel em sua introdução, já não é citado. Von Tyszka parece acreditar
que reconheceu o relativismo na sua seleção de primeiros princípios.
Isso, contudo, é nitidamente falso, uma vez que seus princípios são
os mesmos com os quais nos deparamos em outros trabalhos. Para
alguém que ainda não os associou com uma crença definida, são
inteiramente vazios. Se é que significam alguma coisa, Von Tyszka
teria ainda de demonstrar que são, com efeito, a expressão de ati-
tudes culturais correntes.
É possível que ele pense que a interpretação de seus princípios
seja determinada por uma série de atitudes subjacentes. Decerto que
isso é verdadeiro; de outra maneira, ele jamais poderia chegar a quais-
quer conclusões positivas. Mas qual é a utilidade desse raciocínio? Tem
elementos de convicção? Em que terreno pode pretender ser inspirado
diretamente pelo Zeitgeist? É a civilização que supõe inspirá-lo real-
mente um todo unificado, ou existem poderosos conflitos de convicções
e interesses?
Após ter-lhe tecido pretensos louvores em sua introdução, Von
Tyszka abandona o método histórico. Formulando princípios mais ele-
vados e supostamente abertos à interpretação lógica, retira da crítica
e mesmo da consciência do leitor o elemento sociológico que, em sua
opinião pessoal, determina toda conclusão positiva.
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148 Para uma discussão exaustiva, ver Seligman. Progressive Taxation in Theory and Practice.
Baltimore. 1894. Ed. aum., Princeton, 1908.
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153 "Por conseguinte, a igualdade da tributação, como máxima de política, significa igualdade
de sacrifício. Significa ratear a contribuição de cada pessoa para as despesas do governo,
de maneira que elas não sintam nem mais nem menos inconveniência na própria parcela
do pagamento do que cada uma das outras pessoas experimenta com a sua. Esse padrão,
a exemplo de outros padrões de perfeição, não pode ser totalmente realizado, mas o primeiro
objetivo em toda discussão prática deveria consistir em saber o que é perfeição." Op. cit.,
V. II, 2.
154 Op. cit.; V, II, 3.
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155 "Que a pessoa detentora de dez mil esterlinos por ano se preocupe menos com mil esterlinos
do que outra que ganhe apenas mil se preocupa com cem, e se for o caso, quanto menos
o faz, não me parece apta a decidir com o grau de certeza com o qual um legislador ou
um financista deveria agir." Op. cit., V, II. 3.
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156 J. Mill, por exemplo, diz: “Um imposto atuando justamente deveria deixar a condição
relativa das diferentes classes de contribuintes sendo a mesma antes e depois do tributo”.
Elements of Political Economy. 1821. 2ª ed., 1824, p. 268.
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157 O sr. T. W. Hutchison observou que, em um ponto, ao menos, J. S. Mill admitiu claramente
a argumentação a favor da progressão, deduzível do princípio da utilidade marginal de-
crescente da renda, de Bentham, desse modo, indo mais longe que o filho. Ver History of
British India. 4ª ed. por H. H. Wilson, v. 2, p. 293 (Livro II, cap. 5, sobre impostos).
158 Natural Value. p. 236 et seqs.
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existente como justa.159 Mais tarde, Wicksell fez disso a hipótese fun-
damental de toda teoria da finança pública.
Certas peculiaridades da argumentação de J. S. Mill são expli-
cadas pelo fato de que ele ainda não havia percebido todas as conse-
qüências dessa ordem de idéias. Assim, embora justificasse impostos
causa mortis, valendo-se do argumento da utilidade marginal decres-
cente da renda, de Bentham, jamais lhe ocorreu que a tributação pro-
gressiva pudesse ser defendida com o mesmo fundamento. Mas o prin-
cípio de Bentham é mais extensivo e fundamental que o princípio de
igual sacrifício de Mill, o que já presume a distribuição correta. Assim,
o utilitarismo de Mill é nesse ponto inconsistente. Toda a sua teoria
fiscal não passa de lei natural maldirecionada. A tributação propor-
cional, como tal, deve ser seu postulado superior da eqüidade, pois já
vimos que não logrou deduzi-la do princípio superior da capacidade, e
veremos agora que não pode deduzir este último da máxima superior
da utilidade. Suas propostas para reformas de distribuição mediante
certas medidas fiscais mantêm-se em perfeita independência de sua
teoria do imposto. Dirigem-se contra certas rendas, não por serem
muito elevadas, o que seria uma suficiente razão utilitarista, mas
por serem injustas.
Posteriormente, esses argumentos foram adotados e desenvolvi-
dos por Wicksell. Ele teria preferido falar de “expropriação”. A seu
ver, um imposto causa mortis não era um imposto propriamente dito,
mas direito de participar o Estado da herança. Não o defendeu com
fundamentos econômicos, isto é, utilitaristas, mas sim afirmando que
era sancionado pelo sentido da justiça social. Já que almejava uma
teoria da finança pública “pura”, “economicamente objetiva”, precisava
separar as duas esferas de justiça. Mais adiante retornaremos ao pro-
blema e à questão de saber se essa separação é possível. Fazemos
referência a ele, neste ponto, porque todo o problema está implícito
na teoria fiscal de Mill. É o pano de fundo do desenvolvimento posterior
da teoria inglesa da finança pública.
É interessante promover um contraste entre o desenvolvimento
alemão e o britânico. Observamos que havia sucedido uma transfor-
mação na Inglaterra. Enquanto os primeiros clássicos tinham aceitado
implicitamente a distribuição existente como justificada, J. S. Mill re-
correu à hipótese da correta distribuição somente como uma ferramenta
de trabalho. A teoria inglesa inicial da harmonia correspondeu na Ale-
manha à notória tese de que “o único fim da tributação é prover o
Estado com a receita necessária para executar suas tarefas, e não
alterar as condições existentes da distribuição”. Essa proposição, que
ainda pode ser encontrada na literatura mais recente, é infundada,
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164 WICKSELL. Finanztheoretische Untersuchungen. Iena. 1897. v. II; LINDAHL. Die Gerech-
tigkeit der Besteuerung. Lund, 1919. Fico muitíssimo grato ao amigo Erik Lindahl por
inúmeras discussões frutíferas acerca do assunto. Nossas divergências, de forma alguma,
diminuíram o valor dessas discussões. Se minha crítica é sólida e decisiva, o maior crédito
se deve a ele.
165 Op. cit., p. 2.
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168 Finanztheoretische Untersungen. Iena, 1887. Cit. por Lindahl. Op. cit., p. 100.
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173 Op. cit., p. 92, nota. A formulação particular da doutrina liberal, à qual a teoria de finança
pública de Lindahl se vincula, é insustentável não só pelas razões discutidas no fim do
capítulo V. Os que dizem que, se a atual distribuição for aceita, a maximização define o
ótimo, desprezam o fato de que a distribuição em si é alterada por várias alternativas.
Em outras palavras, os problemas não podem ser separados desse modo apenas por se
presumir correta distribuição e se derivar um ótimo na maximização de produção, mesmo
se tal máximo fosse possível. O julgamento político de valor deve, como vimos no capítulo
V, referir-se a várias combinações de produção e distribuição. Observaremos que existe
análogo sofisma na teoria fiscal. As oportunidades de estabelecer um máximo na produção
não são favorecidas pela insistência de Lindahl em medir tudo em termos de dinheiro. O
valor do dinheiro deve então ser determinado; e nós nos deparamos com o mesmo problema
de números que discutimos no capítulo V.
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174 Naturalmente há outros problemas também, como o da investigação do ambiente das ins-
tituições legais e das forças históricas, sociológicas e psicológicas que os trouxeram à luz,
e que provavelmente são capazes de determinar a política fiscal no futuro. Tais problemas
não estão no âmbito deste livro. Quanto maior for a eficiência com que esses estudos
possam ser imunizados da infecção da especulação acerca de princípios fiscais, mais férteis
eles serão. É bem verdade que as atitudes humanas tendem a ser racionalizadas nesses
princípios fiscais (toda teoria é uma ambiciosa tentativa de tal racionalização), mas isso
não significa que constituam um ponto de partida proveitoso para uma investigação. Equi-
valeria a dizer que a magia religiosa ou primitiva só pode ser estudada aceitando-se suas
crenças como método de investigação. Isso não nos levaria muito longe. Aqui, como em
qualquer parte em matéria política, um estudo das atitudes políticas deve começar pelo
conhecimento de sua não-racionalidade. Esse é o grande progresso no tipo de método so-
ciológico que começa a ganhar terreno.
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Desde que isso foi escrito, as coisas mudaram até certo ponto. Mas
não muito.
Como instrumento de reforma social, a tributação é a ferramenta
mais flexível e eficiente, mas também a mais perigosa. É preciso saber
exatamente o que se está fazendo para que os resultados não se desviem
grandemente do que se pretende fazer. O pior é que pode-se nem mesmo
notar o que está ocorrendo. Suponha-se, por exemplo, que um pesado
tributo seja imposto sobre as grandes rendas e capitais, mas que alguns
dos pormenores tenham sido regulados de tal forma que o imposto
seja transferido. A meta do imposto não foi alcançada; o imposto, con-
tudo, terá repercussões sobre o comportamento dos recipiendários de
rendas elevadas, que são indesejáveis do ponto de vista do juízo de
valor na legislação tributária. O preço, por assim dizer, foi pago, porém,
é-se roubado nas mercadorias. Não obstante, pode perdurar a ilusão
de que a tributação atendeu às necessidades de reforma redistributiva.
A dificuldade está em que não existe objeto de comparação. Tivesse
havido uma compreensão clara das repercussões, seria possível atingir
a meta desejada, talvez até mesmo sem necessidade de pagar aquele
preço. Trata-se de um caso puramente hipotético, mas que ilustra a
importância do problema. Ninguém sabe muito, por exemplo, acerca
dos efeitos finais do atual sistema tributário sueco.
Primeiramente, o efeito de um imposto jamais deve ser examinado
isoladamente, mas sim em seu contexto, entre outras medidas no com-
plexo sistema de formação dos preços. Uma medida traz diferentes
repercussões, conforme a natureza de outras medidas aplicadas con-
comitantemente. Suponha-se, por exemplo, que se propõe um imposto
sobre o capital. A questão da incidência decerto será pertinente, posto
que não possa ser discutida quando a proposta é debatida. Entretanto,
suponha-se além disso que, por razões políticas, a proposta restrinja-se
ao capital de determinada indústria. A incidência agora pode ser bem
diversa, mesmo no que se refere a essa indústria.
A análise apropriada tem de considerar o sistema tributário um
conjunto e parte integrante da formação dos preços. Uma das impli-
cações disso é que uma alteração em uma parte aparentemente pouco
significativa de uma lei tributária pode alterar toda a distribuição do
encargo tributário. Para realizar uma alteração nas relações de quan-
tidade e de preço. uma modificação na margem é suficiente. Daí que
qualquer cláusula numa lei tributária pode afetar indiretamente pes-
soas que não são diretamente afetadas por ela. Portanto, uma análise
das repercussões deve avaliar as condições específicas em cada caso
particular. Toda frase, toda palavra, deve ser escrupulosamente pesada.
Retomando o exemplo do tributo sobre o capital, seria preciso dedicar
especial atenção ao modo como a lei deveria definir o capital real sujeito
a imposto. Pode-se querer excluir certos tipos de exigibilidades e dí-
vidas. Uma definição diferente poderia acarretar diferentes efeitos, não
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177 Cf. Myrdal. Prisbildningsproblemet och föränderlighten. Upsala e Estocolmo, 1927. p. 45.
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CAPÍTULO VIII
178 Cf., p. ex., Seligman. Principles of Political Economy. Nova York, 1904, 6ª ed., 1920, p. 4.
Também em Bastable. The Theory of International Trade. Dublin, 1887; e muitos outros
autores.
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certo sentido sejam problemas práticos, eles podem ser tratados e so-
lucionados por meio do raciocínio teórico, pois existe uma harmonia
de interesses.
Que não se tome isso como uma concessão aos chamados “prin-
cípios econômicos”. Por que dissimular o fato de acontecer que os in-
teresses corram paralelamente a uma formulação quase-objetiva de
um “princípio”? É mais simples e preciso afirmar que nós pressupomos
interesses idênticos e a seguir submetemos a prova de tal hipótese.
Na verdade, a honestidade requer que nós assim os exponhamos, pois
pode muito bem ocorrer de nossa hipótese estar equivocada. Um método
honesto de exposição não deveria tornar obscuros os pontos aos quais
a crítica pode ser dirigida.
Conforme observamos, o raciocínio econômico é com freqüência
obscurecido pelo fato de que os princípios normativos não são intro-
duzidos explicitamente, e, sim, na forma de “conceitos” gerais. Desse
modo, a discussão é transferida do plano normativo para o lógico. No
primeiro, existe ou harmonia ou conflito; o conflito pode tão-somente
ser enunciado, mas não resolvido por meio de discussão. No plano
lógico, deveríamos definir nossos conceitos com clareza e aí trabalhar
com eles de modo corretamente lógico. O que é “correto” e o que é
“falso” podem ser discutidos pelos métodos da lógica, ao passo que os
interesses em choque podem ser reconhecidos, mas jamais solucionados
cientificamente.
Já Vimos que, diversas vezes, o conceitos básicos são carregados
de implicações normativas. Reiteradas tentativas foram feitas a fim
de contornar os choques de interesses pela maneira na qual esses con-
ceitos básicos se definem. entretanto, uma definição exata desses con-
ceitos revelaria que são logicamente condicionais. Nenhuma definição
pode reivindicar validade absoluta e a priori. Todas as definições são
instrumentos que construímos para observar e analisar a realidade.
São “instrumentais” e não se justificam por si mesmas. Operando com
definições que pretendem ser universalmente válidas, freqüentemente
se tem logrado fazer com que um princípio político implícito pareça
logicamente “correto”. Psicologicamente, dá-se o contrário. A força emo-
tiva que é racionalizada no princípio implícito faz o elemento normativo
que foi dissimulado na definição parecer absoluto e “correto”. O perpétuo
jogo de esconde-esconde em Economia consiste em esconder a norma
no conceito. Assim, torna-se imperativo erradicar não só os princípios
explícitos como também, sobretudo, todos os juízos de valor tacitamente
subentendidos nos conceitos básicos. Como estão ocultos, são mais cap-
ciosos e efêmeros, e, por conseguinte, mais aptos a gerar confusão.
Seria errôneo crer que a necessidade de eliminar princípios nor-
mativos se encontra ausente nos domínios onde a identidade de inte-
resses provavelmente poderia ser presumida. No que concerne à política
monetária, a hipótese de uma harmonia de interesses é, talvez, mais
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179 Os advogados também sabem que ninguém é mais legalista que aqueles que não são ad-
vogados. Um exemplo é fornecido pela idéia essencialmente não formalista da boa-fé. Seu
emprego extensivo na vida comercial é de origem relativamente recente. Ela originariamente
ainda é uma doutrina de advogado, embora se pudesse esperar que fosse particularmente
atraente para o homem comum que desanca o formalismo e possui o sentido da eqüidade.
Isso, porém, é devido a um conceito errado acerca do homem comum. Mais que o perito,
este tende a pensar em formas legalistas e convenções estereotipadas.
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O que foi ilustrado acima não fez mais que assinalar algumas
fontes emocionais de atitudes sociais e algumas de suas manifestações
externas. Faz-se necessário frisar que geralmente é falso representar
atitudes políticas como interesses. Os interesses estão sempre mescla-
dos com sentimentos morais. Estes últimos às vezes podem reforçar
uma atitude baseada sobretudo no interesse, controlando assim os com-
ponentes emotivos da atitude. Em outras ocasiões, a força emocional
mobiliza-se na direção oposta e contrária aos interesses. Felizmente,
existe muita gente cuja atitude não é idêntica a seus interesses.
Existem também outros empecilhos para a determinação acurada
de atitudes. Em primeiro lugar, não podemos acreditar sempre no que
nos dizem. Quando somos chamados a prestar contas de nossas con-
vicções políticas, estamos sujeitos a proferir frases inconsistentes, es-
tereotipadas e convencionais, que podem ter pouca relação com nosso
comportamento real. Por isso, os sociólogos americanos descobriram
que as declarações das pessoas quanto a suas opiniões sobre o problema
do negro têm pouco a ver com seu comportamento cotidiano; ou, para
fazer uma ilustração mais familiar aos economistas: um fenômeno bem
conhecido é aquele do homem de negócios que está “organizando” e
monopolizando seus mercados. Em geral, está persuadido de que seus
princípios comerciais são sadios, que não só lhe aumentam a renda
mas também “adaptam” o consumo à produção e vice-versa. Acredita
firmemente que preenche uma função social importante. Entretanto,
quando forem discutidas questões mais gerais, não imediatamente re-
lacionadas com suas próprias atividades, esse mesmo indivíduo expres-
sará opiniões que parecem provir diretamente dos fisiocratas e de Adam
Smith. Tais convicções são igualmente sustentadas com boa-fé. Ele
defenderá a livre-concorrência, a liberdade de atividades comerciais e
a liberdade em geral como um princípio de política econômica e como
um direito moral. Suas profissões de fé não têm associação com sua
conduta. Na prática, o mesmo homem poderia propagar intervenções
e regulamentações políticas em larga escala. Suas opiniões confessas
são “defasagens culturais”, rudimentos de convenções captados de dou-
trinas econômicas mortas. Muitas vezes, são também slogans de classe,
emblemas da filiação associativa de certos grupos na sociedade. Os
retratos acima devem bastar, mas isso também é verdadeiro para outras
classes. Os proprietários de terra, exatamente como os trabalhadores,
têm seus slogans prediletos.
Tais frases, que naturalmente entram nos programas políticos,
não podem ser usadas diretamente por uma tecnologia econômica; em
parte porque são um tanto vagas, em parte porque não têm sentido,
ou pelo menos nenhuma significação que não seja ambígua, para com
as atitudes reais de indivíduos que se deparam com decisões políticas
concretas. Todavia, para nosso propósito é essencial conhecer exata-
mente essas atitudes, à medida que determinam o comportamento real
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em situações concretas. Por certo que não podemos deduzir tais razões
diretamente de profissões de fé gerais.
Isso não significa que as profissões de fé que não tenham relações
claramente definidas com atitudes reais em decisões concretas não te-
nham absolutamente influência sobre as últimas. Acontece, ainda que
talvez com pouca freqüência, de serem ideais predominantes aos quais
o povo deixa de se amoldar. Justamente por causa de seu caráter vago
e poder emotivo, elas também constituem um meio especialmente apro-
priado de sugestão política. Contudo, a conexão entre manifestação e
ação é até certo ponto complicada, e em cada caso seria necessário
proceder a investigações psicológicas pormenorizadas. Há também ou-
tros motivos competidores muito mais fortes para as ações resultantes.
Nenhum elo direto pode ser deduzido entre o modo mediante o qual
o povo pensa e fala e suas atitudes.
Se nos restringimos à situação real, podemos, de maneira com-
preensível, deduzir atitudes de observações do comportamento real.
Porém, como a tecnologia da Economia com uma pretensão a produzir
resultados significativos deve incluir a análise de situações potenciais,
a determinação dos interesses relevantes suscita problemas bastante
complexos de Psicologia Social.
Mesmo que lográssemos ultrapassar a verborragia para chegar
até as reações prováveis das pessoas diante de situações políticas con-
cretas, ainda assim, isso não definiria o campo pertinente de atitudes,
porque essas reações são em grande parte baseadas sobre noções er-
rôneas de fenômenos sociais e suas relações. Uma tecnologia da Eco-
nomia não deveria aceitar atitudes que se apóiam em concepções er-
radas do mundo real. O ideal seria que ela tivesse de construir sobre
atitudes que teriam os indivíduos com falsas opiniões, dadas as suas
disposições emocionais gerais, se eles conhecessem todos os fatos; ou,
para tornar a condição mais razoável, se soubessem tudo o que é de
fato sabido pelos peritos contemporâneos. Assim, nos vemos perante
a tarefa de deduzir de atitudes reais observadas aquelas atitudes po-
tenciais que vários grupos assumiriam em situações potenciais, na hi-
pótese realista de que desfrutavam de uma compreensão mais clara
dos fenômenos econômicos.
Todavia, isso não pode se realizar por meio de um processo lógico.
Teríamos de supor a existência de uma conexão lógica entre as esti-
mativas de um indivíduo em diferentes situações, ou seja, a possibili-
dade, dada a sua convicção política que se baseia em certas idéias
sobre os fatos, de deduzir diretamente a convicção que resultaria de
outras idéias sobre os fatos. Mas essas conclusões requerem muitas
providências intermediárias, sendo que algumas de caráter psicológico.
Mais uma vez, nós nos defrontamos com um problema de Psicologia
Social e não simplesmente de lógica.
Uma passagem de Max Weber, em que procura definir os limites
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180 Weber, Max. Verhandlungen des Vereins für Sozialpolitik in Wien. 1909. p. 582; reeditado
em Gesammelte Aufsätze zur Soziologie und Sozialpolitik. Tübingen, 1927. p. 416.
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APÊNDICE
Controvérsias Recentes
Paul Streeten
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182 Robbins. Essay. p. 151, nota de rodapé. Ele cita Cantillon e Ricardo, no sentido de que os
economistas, assim como os cientistas, não podem dar conselhos sobre o que as pessoas
deveriam fazer.
183 Robbins. Essay. p. 149 e capítulo VI. Afirmar que a Economia do bem-estar é um estudo
“normativo” é, em certos contextos, o mesmo que dizer que as recomendações abrangem
desacordo e conflito, ou seja, é negar a harmonia. Por exemplo, op. cit., pp. 139-40.
184 LITTLE, I. M. D. A Critique of Welfare Economics. cap. IV, p. 57. Em sua opinião de que
as comparações interpessoais de felicidade são julgamentos de fatos, ele teve importante
apoio do prof. D. H. Robertson; este, porém, prefere antes comparar a Economia de bem-estar
do que a felicidade. Cf. “A Revolutionist Handbook”. In: The Quarterly Journal of Economics.
Fevereiro de 1950, p. 6; e “Utility and All That”. Manchester School. Maio de 1951.
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O princípio da compensação
185 KALDOR N. “Welfare Propositions and Interpersonal Comparison of Utility”. In: Economic
Journal. Setembro de 1938. pp. 549-52. HICKS J. R. “The Foundations of Welfare Econo-
mics”. In: Economic Journal. Dezembro de 1939. pp. 696-712; SCITOVSKY, T. “A Note on
Welfare Propositions in Economics”. In: Review of Economic Studies. v. IX, 1941.
186 Ver, por exemplo, HICKS, J. R. “Demand”. In: Chamber’s Encyclopaedia: “É possível cons-
truir uma teoria da Economia do bem-estar que não presuma mais que a compatibilidade
de escalas de preferência”.
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187 SAMUELSON, P. A. “Welfare Economics and International Trade”. In: American Economic
Review. 1938, pp. 261-6; The Foundations of Economic Analysis. 1947, p. 249-52; REDER,
M. W. Studies in the Theory of Welfare Economics. 1947. pp. 94-100; BAUMOL, W. J.
“Communitary Indifference”. In: Review of Economic Studies. 1946-7. v. XIX (I), pp. 44-9;
LITTLE, I. M. D. A Critique of Welfare Economics. 1950. cap. IV.
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OS ECONOMISTAS
A compensação real
A defesa institucional
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O “aspecto econômico”
190 "Eu concluiria, por conseguinte, dizendo que enquanto a nova Economia do bem-estar, na
argumentação de Kaldor, tem dado ao economista um guia para política em algumas co-
munidades, esse guia não tem validade universal [...]" SCITOVSKY, T. “The State of Welfare
Economics.” In: American Economic Review. Junho de 1951.
233
OS ECONOMISTAS
234
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193 Existe uma possibilidade perfeitamente distinta de que se concorde que o desejo não satisfeito
é um mal, e no entanto se acredite que a solução não é satisfazê-lo, mas sim matá-lo.
194 ZWEIG, F. Women’s Life and Labour. 1952.
235
OS ECONOMISTAS
195 Um aspecto dessa dificuldade, que geralmente é ignorada pela teoria econômica, foi frisado
reiteradamente pelo prof. Frank H. Knight. A associação humana e a formulação de pro-
gramas só servem em uma extensão limitada ao objetivo de realizar quaisquer fins deter-
minados. Em grande parte são uma questão de formular e melhorar as “regras de um
jogo”. Outro aspecto consiste em os fins emergirem e serem modificados como resultado
do exame de meios apropriados. A função Bem-Estar Social adapta-se melhor ao caso de
um ditador absoluto. Na sociedade livre, o padrão meios-fins não se ajusta aos fatos da
atividade social.
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237
ÍNDICE