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Res u mo:
O presente trabalho objetiva, em linha geral, analisar a influência das leis sociais,
costumes e crenças nas relações entre o s indivíduos na sociedade, explicando a
necessidade do ser humano de criar estereótipos e perfis determinantes de condu-
tas a serem reproduzidas no meio pela própria sociedade. Para o desenvolvimento
do tema em apreço busca-se, em um primeiro momento, contrapor a Criminologia
Tradicional à Criminologia Crítica, delineando a extensão de cada uma no compor-
tamento societário a fim de que seja identificada a escola criminológica de maior
influência no tecido social, a qual atua no etiquetamento do s indivíduos que não
a pres enta m ca racterístic as soc ioec onô micas ad equa das ao me io em que es tão
inseridos. Na seqüência objetiva-se, a partir da utilização da estatística criminal, com
a coleta de dados junto à Delegacia de Polícia, à Penitenciária Modulada e ao corpo
social, a classificação do perfil da conduta desviada no município de Ijuí, Estado do
Rio Grande do Sul (RS), conforme suas características econômicas e sociais, pos-
sibilitando-se que sejam delineadas as determinantes sociais que levam certos indi-
víduos a serem etiquetados pelo tecido social como “criminosos”. Em um terceiro
momento, propõe-se analisar a criminalidade da reação social na conduta desviada
de forma a elucidar que o senso comum não atua de acordo com o preceito legal,
po is o pró prio sistema pen al des encad eia um proc esso de c rimina lizaç ão, cuja
conotação social do perfil estereotipado origina o etiquetamento de determinados
ind ivíduos.
Ab strac t:
The present paper aims, in a general aspect, to analyze the influence of the social
laws, costumes and believes in the relations among the individuals in the society,
explaining the human being necessity to create stereotypes and profiles to determinate
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em
the reproduced behaviors by the own society. Focusing the subject development, at
a first moment, it aims to contrapo se the Tradition al to th e Critic al Criminolo gy,
delineating the extension of each one in the society behavior in order to identify the
criminolo gic ins titute with the most influenc e power in the so cial tissue, which
provokes the individuals’ labeling who do not present appropriate socioeconomic
cha racteristics to th e sp ace they are inserted. In s equence, it a ims, through the
criminal statistics, with data collection in the police station, in the prison establishment
and in the social group, to classify the penal delinquent in the city of Ijuí, state of Rio
Grande do Sul (RS), making possible to delineate the social determinants responsible
for the criminal labeling. In a third moment, it is analyzed the social reaction criminality
in the deviant behavior to elucidate that the common sense does not follow the legal
norm because the penal system creates a criminalization process, which the social
reaction of the stereotyped profile develops the social labeling of some individuals.
Ke ywords :
Criminology. Social labeling. Deviant behavior. Common sense.
Sumá rio:
Introdução. 1 Escolas Criminológicas. 2 Estatística Criminal. 3 A Criminalidade da
Reação Social na Conduta Desviada. Conclusão. Referências.
A APLICABILIDADE DA LEI PENAL E A PUNIBILIDADE DO SENSO COMUM
INTRODUÇÃO
O presente trabalho objetiva analisar a influência das leis sociais, costu-
mes e crenças nas relações entre indivíduos na sociedade em geral, explicando
a necessidade do ser humano de criar estereótipos e perfis determinantes de
condutas a serem reproduzidas no meio, devido ao comportamento da socie-
dade diante do crescimento da criminalidade no município de Ijuí/RS, bem
como as atitudes de seus membros perante o autor do fato delituoso no espa-
ço geográfico em debate.
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1 ESCOLAS CRIMINOLÓGICAS
1
Andrade, Manuel da Costa; Dias, Jorge de Figueiredo. Criminologia : o homem delin-
qüente e a sociedade criminógena. Coimbra: Coimbra Editora, 1997.
2
Etimologicamente, Criminologia deriva do latim crimen (crimen, delito) e do grego logo
(tratado), sendo conceituada como uma ciência que estuda o crime, o delinqüente, a
vítima e o controle social do comportamento delitivo.
3
Andrade, Vera Regina Pereira de. Do paradigma etiológico ao paradigma da reação social:
mudança e permanência de paradigmas criminológicos na ciência e no senso comum.
Seqüência – Estudos Jurídicos e Políticos. Florianópolis: UFSC, 1995.
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4
Isto é, conforme Farias Júnior (In: Manual de Criminologia. Curitiba: Educa, 1990),
além de traçar o comportamento criminoso, a Criminologia está voltada para a segurança
das pessoas que convivem em sociedade, não havendo similaridade de seu propósito com
o Direito Penal.
5
Assim, o livre-arbítrio do indivíduo possibilitava que este perpetrasse um delito, não
sendo suas características patológicas diferentes do indivíduo “normal”. Por conseguinte,
o Direito Penal e a pena em si eram meios de defesa que a sociedade possuía diante do
crime, sendo os limites de sua utilização definidos de acordo com a necessidade da
imposição do poder punitivo do Estado (Baratta, 1997).
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6
Nesta escola, há três teorias norteadoras da conduta infracional. A teoria Biantropológia
sustenta que o crime advém das características congênitas presentes na estrutura do
indivíduo; a teoria Psicodinâmica, por sua vez, diferencia aquele que comete o crime
daquele que não o faz, porém não pelas características congênitas, mas a partir das falhas
do proce sso de apre ndizage m e soc ializaç ão do delinqüente. Por último, a teoria
Psicosociológica compreende o infrator pelos elementos sociais e situacionais que envol-
vem sua personalidade (Silva Junior, 2007).
7
Farias Júnior, João. Manual de Criminologia . Curitiba: Educa, 1990.
8
Andrade, Manuel da Costa; Dias, Jorge de Figueiredo. Criminologia : o homem delin-
qüente e a sociedade criminógena. Coimbra: Coimbra Editora, 1997.
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9
Farias Júnior, João. Manual de Criminologia . Curitiba: Educa, 1990. p. 21-26.
10
Constituição orgânica compreende as anomalias do crânio, do cérebro, das vísceras e da
sensibilidade reflexa, enquanto constituição psíquica contempla as anomalias da inteli-
gência, do sentimento e do senso moral. Por seu turno, os caracteres pessoais refletem as
condições biológicas do indivíduo, isto é, raça, idade, estado civil, profissão, sexo, domi-
cílio, classe social e grau de escolaridade.
11
Farias Júnior, João. Manual de Criminologia . Curitiba: Educa, 1990.
12
Oliveira Edmundo. As vertentes da criminologia crítica . Disponíve l e m: <http:/ /
www.ufpa.br/posdireito/caderno3/texto2_c3.html>. Acesso em: 21 set. 2007.
13
Farias Júnior, João. Manual de Criminologia. Curitiba: Educa, 1990. p. 119.
41
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14
Ao referir-se à Teoria Criminológica Interacionista, alicerce desta Criminologia, Hermann
(apud Farias Júnior, João. Manual de Criminologia . Curitiba: Educa, 1990. p. 1 24)
afirma que a delinqüência não é uma característica do autor, mas ela depende da interação
que existe entre quem realiza o fato punível e a sociedade, quer dizer, entre o delinqüente
e os outros tipos, pois são os processos de detenção e estigmatização, mais a aplicação do
rótulo delitivo àquele que é selecionado (criminalizado), que fazem surgir um delin-
qüente e que influenciam a imagem e aparecimento de delinqüência a nível geral.
15
Farias Júnior, João. Manual de Criminologia. Curitiba: Educa, 1990. p. 125.
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16
Oliveira, Edmundo. As vertentes da criminologia crítica . Disponível em: <http:/ /
www.ufpa.br/posdireito/caderno3/texto2_c3.html>. Acesso em: 21 set. 2007.
17
Baratta, Dias e Andrade (apud Andrade, 1995, p. 30) fundamentam que ao invés de
indagar, como a Criminologia Tradicional, “quem é o criminoso?”, “por que é que o
criminoso comete crime?”, o Labeling passa a indagar “quem é definido como desviante?”
“por que determinados indivíduos são definidos como tais?”, “em que condições um
indivíduo pode se tornar objeto de uma definição?”, “que efeito decorre desta definição
sobre o indivíduo?”, “quem define quem?” e, enfim, com base em que leis sociais se
distribui e concentra o poder de definição?
18
Baratta, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à Sociolo-
gia do Direito Penal. Tradução Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Revan, 1997.
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19
Ibidem, p. 86.
20
Zaffaroni e Baratta (apud Andrade, 1995, p. 31-32) ponderam que a criminalidade se
manifesta como o comportamento da maioria, antes que de uma minoria perigosa da
população e em todos os estratos sociais. Se a conduta criminal é majoritária e ubíqua e
a clientela do sistema penal é composta, “regularmente”, em todos os lugares do mundo,
por pessoas pertencentes aos mais baixos estratos sociais, isto indica que há um processo
de seleção de pessoas, dentro da população total, às quais se qualifica como criminosos.
E não, como pretende o disc urso penal oficial, uma criminalização (igualitária) de
condutas qualificadas como tais. O sistema penal se dirige quase sempre contra certas
pessoas, mais que contra certas ações legalme nte definidas como c rime. A conduta
criminal não é, por si só, condição suficiente deste processo, pois os grupos poderosos
na sociedade possuem a capacidade de impor ao sistema uma quase total impunidade
das próprias condutas criminosas.
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Por conseguinte, sustenta Becker21 que, para que um ato seja conside-
rado “desviante” depende não somente de sua natureza, mas também da rea-
ção provocada nas pessoas. Assim, somente será possível detectar a
“criminalidade” da ação a partir da interação entre o ato e as pessoas que
convivem na sociedade em que ele foi praticado.
2 ESTATÍSTICA CRIMINAL
A estatística criminal permite estabelecer uma conexão entre os fatores
sociológicos, biológicos e psíquicos e a criminalidade, enfatizando suas causas,
bem como as variações que pode sofrer a partir da ação do tempo e do espaço,
definindo medidas cabíveis com o escopo de atenuar sua incidência no meio
societário.2 2
21
Andrade, Vera Regina Pereira de. A Ilusão da Segurança Jurídica. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 1997. p. 206.
22
Destaca-se o estudo de Garcia (apud Farias Júnior, João. Manual de Criminologia.
Curitiba: Educa, 1990 . p. 27 ) acerca do tema e m te la ao dispor que por meio da
estatística criminal é “possível observar-se o nexo de causalidade entre determinados
fatores e o crime, de maneira a se coibirem algumas das suas manifestações por meio de
providências que refreiem o poder malfazejo de tais fatores”.
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23
Farias Júnior, João. Manual de Criminologia . Curitiba: Educa, 1990.
24
Thompson, Augusto. Quem são os criminosos? Rio de Janeiro: Achiamé, 1983. p. 14-15.
25
Cifras negras se referem aos crimes que não chegam ao conhecimento do sistema penal,
denominando-as de infrações que ficam no “escuro”.
26
Thompson, Augusto. Quem são os criminosos? Rio de Janeiro: Achiamé, 1983.
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27
Freitas, Ângela Patrícia Silveira de. A realidade prisional no município de Ijuí: conside-
rações sobre a pena de prisão como instrumento de ressocialização. Ijuí: Ed. Unijuí,
20 05 .
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28
Andrade, Vera Regina Pereira de. A construção social da criminalidade pelo sistema de
controle penal. Florianópolis: UFSC, 2006. Disponível em: <www.buscalegis.ufsc.br/
busca.php?acao=abrir&id=17837>. Acesso em: 3 out. 2007.
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29
Baratta, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à Socio-
logia do Direito Penal. Tradução Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Revan, 1997.
30
Descartes, René . Discurso do Método. Trad. de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin
Claret, 2003.
31
Capra, Fritjof. A Teia da Vida. Uma compreensão científica dos sistemas vivos. Trad. de
Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 1999.
49
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32
Almeida, Margarida Maria Barreto. Paradigma da reação social – uma nova compreen-
são do sistema penal. Montes Claros: Unimontes Científica, 2001.
33
Almeida, Margarida Maria Barreto. Paradigma da reação social – uma nova compreen-
são do sistema penal. Montes Claros: Unimontes Científica, 2001. p. 5.
34
ANDRADE, Vera Regina Pe reira de. A Ilusão da Segurança Jurídica . Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1997, p. 215.
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Baratta, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à
Sociologia do Direito Penal. Tradução Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Revan,
19 97 .
36
Dispõe Almeida (In: Paradigma da Reação Social – Uma Nova Compreensão do Sistema
Penal. Montes Claros: Unimontes Científica, 2001, p. 3) que as qualidades das partes
resultam desta interação das partes no interior do sistema e da interação dos múltiplos
sistemas. Portanto, as qualidades das partes não lhes são intrínsecas. Disso resulta não
ser possível compreender a vida senão pela compreensão dos sistemas e não ser possível
compreender os sistemas apenas pela análise.
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Andrade, Vera Regina Pereira de. A Ilusão da Segurança Jurídica. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 1997.
38
Fundamentando tal pensamento, Andrade ( A Construção social da criminalidade pelo
si stema de cont role penal. Fl orianó polis: UFSC, 20 0 6. Dispon íve l e m:
<www.buscalegis.ufsc.br/busca.php?acao=abrir&id=17837>. Acesso em: 3 out. 2007)
discorre que a equação minoria (dos baixos estratos sociais ou pobres) regularmente
criminalizada x maioria (dos estratos sociais médio e alto) regularmente imune ou
impune na qual vimos sinteticamente traduzindo a seletividade, indica também que a
impunidade não é uma disfunção do sistema, mas sua regra de funcionamento.
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CONCLUSÃO
A Criminologia, no estudo do homem delinqüente, da natureza de sua
personalidade e dos fatores criminógenos, divide-se entre a Criminologia Tra-
dicional, a qual procura conhecer as causas do crime, e a Criminologia Crítica,
operadora de questionamentos acerca de como e porque determinadas pes-
soas são apontadas como criminosas.
39
Almeida, Margarida Maria Barreto. Paradigma da reação social – uma nova compreen-
são do sistema penal. Montes Claros: Unimontes Científica, 2001.
40
Andrade, Vera Regina Pereira de. A construção social da criminalidade pelo sistema de
controle penal. Florianópolis: UFSC, 2006. Disponível em: <www.buscalegis.ufsc.br/
busca.php?acao=abrir&id=17837>. Acesso em: 3 out. 2007.
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REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Margarida Maria Barreto. Paradigma da reação social – uma nova
compreensão do sistema penal. Montes Claros: Unimontes Científica, 2001.
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SÁ, Geraldo Ribeiro de. A prisão dos excluídos: origens e reflexões sobre a
pena privativa de liberdade. Rio de Janeiro: Diadorim, 1996.
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