CW Criminologia Contemporânea

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CRIMINOLOGIA, GLOBALIZAÇÃO E POLÍTICAS

NEOLIBERAIS
Aula 1
INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA MODERNA
A criminologia é a ciência que estuda a criminalidade.
INTRODUÇÃO

A criminologia é a ciência que estuda a criminalidade. Sem desejar transformar-se em


mera fonte de dados, a criminologia como ciência empírica, baseada na realidade, e
interdisciplinar, ou seja, somando ensinamentos da sociologia, psicologia, medicina legal
e o próprio Direito, apresenta como objeto de estudo o crime, o criminoso, a vítima e o
controle social. Você aprenderá que o saber criminológico exige do intérprete da lei um
conhecimento amplo e abrangente das vertentes do crime, necessitando de uma visão da
criminalidade diferenciada daquela apresentada pelo Direito Penal. A relação criminologia
e Direito Penal sempre existiu. Aliás, no final do século XIX, Enrico Ferri trazia o debate
entre a relação das duas ciências, demonstrando a importância de cada uma delas,
somando-a ao estudo da política criminal, ficando a criminologia com a função de auxiliar
as duas ciências. É isso que você aprenderá nesta aula.

IDEAIS CRIMINOLÓGICOS

O Direito Penal tem por objeto as normas penais e por método o técnico-jurídico.
Interpretando o dever/ser, a criminologia volta-se ao fenômeno da criminalidade,
investigando suas causas segundo o método experimental, ou seja, o mundo do ser,
estabelecendo um fundamento científico para que a política criminal possa transformá-lo
em opções e estratégias concretas de fácil assimilação ao legislador para criar normas
penais e aos poderes públicos para agir na prevenção, repressão do crime e na
ressocialização do delinquente.
A criminologia não concorre com o Direito Penal. Como ciências autônomas, debatem
juntas os assuntos relacionados ao crime, cada qual com a sua vertente. A criminologia
atual não mais se define como uma ciência que investiga as causas da criminalidade, mas
sim as condições da criminalização, o sistema penal, os mecanismos do controle social
formal e informal, analisando o comportamento de criminoso funcionalmente relacionado
às estruturas sociais. Não existe atualmente a imagem de que a criminologia está em
segundo plano, enquanto o Direito Penal é que traça as vertentes do crime. A criminologia
deixa de ser considerada como um saber auxiliar do Direito Penal para se tornar um saber
crítico, analisando o objeto criminológico.
A ciência da criminologia possui um papel decisivo para o ensino do Direito, auxiliando na
compreensão do poder e do controle social e penal, estudando o crime, a criminalidade, a
pena, a vitimização, a impunidade e a cifra negra. O saber criminológico é a formação de
uma consciência jurídica crítica e responsável, capaz de tirar o jurista de sua zona de
conforto, adormecido no seu ponto de partida, que é a norma válida, e traçar novas
diretrizes, visando ao enfretamento da violência individual, institucional e estrutural.
Não resta dúvida de que o sistema criminal brasileiro enfrenta na atualidade uma grave
crise. Não existem vagas para todos os presos e presas em penitenciárias com os
milhares de mandados de prisão expedidos e não cumpridos. Se todos fossem
cumpridos, onde colocaríamos os detentos? O sistema aponta falhas em todos os seus
segmentos, desde a formação da lei até a sua real aplicação. Profissionais do Direito
chegam à exaustão, sem, contudo, encontrar solução imediata para tal problemática.
Para tanto, encontramos na criminologia uma resposta convincente para todas essas
questões. O domínio do saber criminológico possibilita ao profissional do Direito um real
conhecimento da realidade, aplicando de maneira madura e consciente a lei dentro da
atualidade da pátria. Aliás, o saber criminológico distingue-se do saber comum ou
popular, que está ligado às experiências práticas, distanciando o profissional do Direito
dos achismos que traz arraigados na mente.
É assim que a interdisciplinaridade da criminologia faz o seu papel no sistema criminal.
Muitas vezes, a lei nos torna cego face à realidade. Para tanto, os ensinamentos da
Sociologia, Economia, Psicologia ou qualquer outra ciência não jurídica, que estude a
realidade do comportamento humano na sociedade, formam uma nova diretriz a ser
seguida pelo operador do Direito. É nesse momento que a criminologia desempenha o
seu papel com maestria, auxiliando a sociedade no combate ao crime e ao criminoso,
buscando uma intervenção positiva para ressocializá-lo.

A INTERDISCIPLINARIDADE

Crime é objeto de estudo de diversas searas, as quais buscam conceituá-lo da melhor


maneira. Para conhecermos a criminologia, é necessário verificar como algumas ciências
conceituam e reconhecem o crime.
O Direito Penal apresenta uma abordagem legal e normativa do crime, ao conceituá-lo
como sendo toda conduta ofensiva a preceitos primários que redunda em imposição de
sanções. Tem como plano inicial o princípio da legalidade. Sem lei não há crime. Aliás, a
lei é o limite do conceito de crime para o direito penal.
Não resta dúvida de que o Direito Penal é seletivo, ou seja, ele seleciona o que punir e
quem irá sofrer uma reprimenda. Para tanto, o Estado cria a criminalização primária e a
secundária.
Na criminalização primária, o Estado seleciona alguns comportamentos existentes no
contexto social, em tese danosos e que atingem bens jurídicos, para proibi-los,
ameaçando os indivíduos por meio de uma lei penal editada formalmente pelo Poder
Legislativo.
Na criminalização secundária, criada a lei penal, tendo o agente praticado o
comportamento ali descrito, surge para o Estado o jus puniendi, ou seja, a possibilidade
de investigá-lo, processá-lo e, por fim, condená-lo ao cumprimento de uma pena.
Com isso, é possível concluir que o Direito Penal seleciona comportamentos que serão
taxados como crimes, para proibi-los e punir quem realizar tais condutas.
O segmento do Estado que cuida da segurança pública define crime sob o enfoque fático,
como sendo uma perturbação da ordem pública e da paz social. Nota-se que a polícia
atua nesse segmento. É importante, com isso, frisar que a polícia é o órgão do Estado
responsável pela manutenção da ordem pública e da paz social. Assim, atua em
ocorrências criminais ou não, desde que seja necessária para a manutenção dos critérios
delineados. Numa sociedade em que se exerce democracia plena, a segurança pública
por meio dos órgãos policiais garante a proteção dos direitos individuais e assegura o
pleno exercício da cidadania. Ora, segurança não se contrapõe à ideia de liberdade. Na
verdade, ela é condição para o seu exercício. Quanto mais improvável a ameaça da
ordem jurídica, maior o sentimento de segurança entre as pessoas. Cada vez mais a
polícia busca aprimorar-se para atingir níveis que alcancem a expectativa da sociedade,
agindo com respeito à defesa dos direitos fundamentais do cidadão.
A segurança pública, enquanto atividade desenvolvida pelo Estado, torna-se a
responsável por empreender ações de repressão e oferecer estímulos ativos para que os
cidadãos possam conviver, trabalhar, produzir e se divertir, protegendo-os dos riscos a
que estão expostos.
Já a sociologia, com olhar social, entende que crime é a conduta desviada, sendo assim
utilizados os critérios de referência para aferir o desvio às expectativas sociais. Desviado
será um comportamento concreto, na medida em que se afaste das expectativas sociais
num dado momento, enquanto contrarie os padrões e modelos da maioria.
A sociologia criminal, estudando as causas que levam o homem ao crime, não
desconsidera que a própria forma de organização da sociedade, com suas falhas e
defeitos surgidos ao sabor da crescente complexidade de suas exigências, pode revestir-
se de condição para que a criminalidade aconteça. Assim, o crime advém do meio social
em que o indivíduo está inserido.

APLICAÇÃO DA CRIMINOLOGIA MODERNA

A criminogênese é a parte da criminologia que estuda os mecanismos de natureza


biológica, psicológica e social, por meio dos quais se projetam os comportamentos
criminosos. Para tanto, é necessária uma análise interdisciplinar, de natureza sociológica,
econômica, filosófica, política, médica e psicológica para a sua conceituação.
Encontramos teorias que afirmam ser a criminogênese determinada pela estrutura física e
mental do indivíduo. Outras valorizam a análise dos conflitos de adaptação do indivíduo e
as suas relações com diversos grupos a que pertence e atribuem a responsabilidade da
formação do caráter antissocial às relações familiares defeituosas nos primeiros anos de
vida. Existem também autores que relacionam a criminogênese à ação da sociedade
sobre o indivíduo.
Criminologia, sob a ótica de Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli “é a
disciplina que estuda a questão criminal do ponto de vista biopsicossocial, ou seja,
integra-se com as ciências da conduta aplicadas às condutas criminais”. Segundo Israel
Drapkin Senderey, “a criminologia é um conjunto de conhecimentos que estudam os
fenômenos e as causas da criminalidade, a personalidade do delinquente e sua conduta
delituosa e a maneira de ressocializá-lo.” Criminologia, para Roberto Lyra, “é a ciência
que estuda: a) as causas e as concausas da criminalidade e da periculosidade
preparatória da criminalidade; b) as manifestações e os efeitos da criminalidade e da
periculosidade preparatória da criminalidade; c) a política a opor, assistencialmente, à
etiologia da criminalidade e da periculosidade preparatória da criminalidade, suas
manifestações e seus efeitos.” Hermann Mannheim apresenta criminologia “em sentido
estrito, que significa o estudo do crime. No seu sentido mais lato inclui, também, a
penologia, – o estudo da punição e dos métodos similares do tratamento do crime – e, por
fim, o problema da prevenção criminal através de medidas não-punitivas.” Edwin H.
Sutherland define a criminologia como “um conjunto de conhecimentos que estudam o
fenômeno e as causas da criminalidade, a personalidade do delinquente, sua conduta
delituosa e a maneira de ressocializá-lo.” Em suma, a criminologia é a ciência empírica e
interdisciplinar que estuda o crime, o criminoso, a vítima e o controle social, tendo como
finalidade combater a criminalidade por meio de métodos preventivos. Ela caracteriza o
crime como um problema social, isto é, um fenômeno comunitário que envolve quatro
vertentes:

• O crime como fatos ilícitos reiterados na sociedade.


• O crime como causador de dor à vítima e à sociedade.
• O crime deve ocorrer reiteradamente por um período juridicamente relevante de
tempo e no mesmo território.
• A criminalização de condutas deve incidir após uma análise detalhada quanto aos
seus elementos e sua repercussão na sociedade.

Na fase pré-científica, o objeto de estudo da criminologia limitava-se ao crime e ao


criminoso.
Atualmente, o objeto da criminologia está dividido em quatro vetores: crime, criminoso,
vítima e controle social.

Saiba mais

Para aprofundar o seu conhecimento, recomendamos a leitura do Capítulo 1 da


obra Criminologia – Teoria e Prática, do Professor Paulo Sumariva.
SUMARIVA, P. Criminologia: teoria e prática. 8. ed. Indaiatuba: Foco, 2023.

Aula 2
GLOBALIZAÇÃO, POLÍTICAS NEOLIBERAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS
A criminologia e a política criminal, atualmente, são responsáveis
pela elaboração de dados criminalísticos com base em estatísticas
quantitativas e qualitativas que contribuem sobremaneira para a
prevenção e uma efetiva política de combate preventivo ao crime.
INTRODUÇÃO

A criminologia e a política criminal, atualmente, são responsáveis pela elaboração de


dados criminalísticos com base em estatísticas quantitativas e qualitativas que contribuem
sobremaneira para a prevenção e uma efetiva política de combate preventivo ao crime. A
política criminal é o conjunto de medidas e critérios de caráter jurídico, social,
educacional, econômico ou de índole similar estabelecidos por poderes públicos para
prevenir e reagir ao fenômeno criminal, buscando, assim, um limite tolerável aos índices
da criminalidade (GOMES; BIANCHINI, 2016). Política criminal é a sabedoria legislativa
do Estado na luta contra as infrações penais. Temos, atualmente, ações de política
criminal no âmbito processual, a saber: sursis, o livramento condicional, os benefícios
despenalizadores da Lei nº 9.099/95 etc.
OS FATORES DO DIREITO PENAL DO INIMIGO

Caro estudante, a teoria do direito penal do inimigo foi proposta por Günter Jakobs, um
doutrinador alemão, em 1985. Segundo essa teoria, o Direito Penal tem a função
primordial de proteger a norma e só indiretamente tutelar os bens jurídicos mais
fundamentais.
O autor alemão procura fazer uma distinção entre o Direito Penal do cidadão e o Direito
Penal do inimigo, sendo o primeiro garantista, seguindo todos os princípios fundamentais
de um estado democrático de direito que lhe são pertinentes, isto é, a contar com todas
as garantias penais e processuais, observando na integralidade o devido processo legal
(é o Direito Penal de todos), enquanto o Direito Penal do inimigo é um Direito Penal
despreocupado de seus princípios fundamentais, já que estaríamos diante de inimigos do
Estado e não cidadãos. O Direito Penal do inimigo caracteriza um verdadeiro estado de
guerra, em que as regras do jogo devem ser diferentes para o cidadão do bem e o
inimigo.
Jakobs apresenta a distinção entre o cidadão do bem e o inimigo:

• Inimigo: é quem se afasta de modo permanente do direito e não oferece garantias


de que vai continuar fiel à norma. O inimigo não se subordina às normas de direito
e sim à coação que, na ótica desse autor, é a única forma de combater a sua
periculosidade. Os inimigos, então, seriam os criminosos econômicos, terroristas,
delinquentes organizados, autores de delitos sexuais e outras infrações penais
perigosas.
• Cidadão de bem: é aquele que aceita as normas do contrato social e se dispõe a
cumprir as suas disposições. Este cidadão pode até infringir alguma norma, mas os
seus direitos de cidadão-acusado serão preservados.

Para Jakobs, respeitar os direitos do inimigo significaria vulnerar direitos do cidadão de


bem.
Manuel Cancio Meliá, analisando a proposta de Jakobs, esclarece:

Para Jakobs, o Direito penal do inimigo se caracteriza por três elementos:


em primeiro lugar, se constata um amplo adiantamento da punibilidade,
quer dizer, que neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é
prospectiva (ponto de referência: o fato futuro), em lugar de – como é
habitual – retrospectiva (ponto de referência: o fato cometido). Em segundo
lugar, as penas previstas são desporporcionadamente altas: especialmente,
a antecipação da barreira de punição não é tida em conta para reduzir em
correspondência a pena ameaçada. Em terceiro lugar, determinadas
garantias processuais são relativizadas ou, inclusive, suprimidas.

(MELIA, 2015, p.79-81 apud JAKOBS).


Günther Jakobs fundamenta sua teoria nas ideias filosóficas de Jean Jacques Rousseau,
Johann Gottlieb Fichte, Hobbes e de Immanuel Kant.
Jean Jacques Rousseau diz que o inimigo, ao infringir o contrato social, deixa de ser
membro do Estado, pois está em guerra contra ele. Logo, deve morrer como tal.
Johann Gottlieb Fichte afirma que o inimigo abandona a teoria do contrato cidadão e por
isso perde todos os seus direitos.
Para Hobbes, em casos de alta traição contra o Estado, o criminoso não deve ser
castigado como súdito, senão como inimigo.
Immanuel Kant sustenta que um indivíduo que ameaça constantemente a sociedade e o
Estado, que não aceita o “estado comunitário-legal”, deve ser tratado como inimigo.

ALCANCE SOCIAL

A criminologia pretende primeiro conhecer a realidade para depois explicá-la, sendo


necessário mais do que conhecimento dos fatos, pois, em se tratando de seres humanos,
qualquer generalização passa a ser falha, daí o caráter interdisciplinar da ciência
criminológica que faz uso da Filosofia, do Direito, da Biologia, da Sociologia, da
Psicologia, entre outros. A realidade é alheia ao jurista, o qual tem como ponto de partida
a norma válida.
A função linear da criminologia é informar a sociedade e os poderes públicos sobre o
crime, o criminoso, a vítima e o controle social, reunindo um núcleo de conhecimentos
seguros que permita compreender cientificamente o problema criminal, preveni-lo e
intervir com eficácia e de modo positivo no homem criminoso.
A função da criminologia é indicar um diagnóstico qualificado e conjuntural sobre o crime.
A criminologia não é causalista com leis universais exatas e nem mera fonte de dados ou
de estatística. Na realidade, trata-se de uma ciência prática, preocupada com problemas e
conflitos concretos, históricos.
O papel da criminologia no cenário social é a constante luta contra a criminalidade, o
controle e a prevenção do delito.
O alcance da criminologia está dividido em:

• Explicação científica do fenômeno criminal.


• Prevenção do delito.
• Intervenção no homem delinquente.

A prevenção do delito para a criminologia se demonstra em:

• Ineficácia da prevenção penal: que estigmatiza o infrator, acelera a sua carreira


criminal e consolida o seu status de desviado.
• Maior complexidade dos mecanismos dissuasórios: certeza e rapidez na aplicação
da pena mais importantes que a sua gravidade.
• Necessidade de intervenção de maior alcance: intervenções ambientais, melhoria
das condições de vida e reinserção dos ex-reclusos na sociedade.

A doutrina dominante entende que a criminologia é uma ciência aplicada que se subdivide
em dois ramos:

• Criminologia geral: consiste na sistematização, comparação e classificação dos


resultados alcançados nas ciências criminais em relação ao crime, criminoso,
vítima, controle social e a criminalidade.
• Criminologia clínica: consiste na aplicação dos conhecimentos teóricos, tais
como: conceitos, princípios e métodos de investigação médico-
-psicológicos para o tratamento do criminoso.

A criminologia pode ainda ser classificada em:

• Criminologia científica: cuida dos conceitos e métodos sobre a criminalidade, o


crime, o criminoso, a vítima e a justiça penal.
• Criminologia aplicada: consiste na parte científica e a prática dos operadores do
Direito.
• Criminologia acadêmica: consiste na sistematização de princípios para fins
pedagógicos e didáticos.
• Criminologia analítica: consiste em verificar o cumprimento das ciências criminais
e da política criminal.

• Criminologia crítica ou radical: prima pela negação do capitalismo e


apresentação do criminoso como vítima da sociedade, tendo como base as ideias
do marxismo.
• Criminologia da reação social: consiste na atividade intelectual que estuda os
processos de criação das normas penais e sociais que estão relacionadas com o
comportamento desviante.

PENALIDADES

A pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma
infração (penal) como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem
jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos. A pena apresenta a característica da retribuição,
de ameaça de uma mal contra o autor de uma infração penal, cuja finalidade é preventiva,
no sentido de evitar a prática de novas infrações, sob os aspectos:

• Geral: na prevenção geral, o fim intimidativo da pena dirige-se a todos os


destinatários da norma penal, visando impedir que membros da sociedade
pratiquem crimes.
• Especial: na prevenção especial, a pena visa ao autor do delito, retirando-o do
meio social, impedindo-o de delinquir e procurando corrigi-lo.

A pena, na reforma de 1984, passou a apresentar natureza mista: é retributiva e


preventiva, conforme dispõe o art. 59, caput, do Código Penal. Eis, em seguida, o
anteriormente citado artigo e ainda alguns dispositivos, situados no Título II da
Constituição – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, atinentes à esfera penal,
especificamente à sanção penal:
O Artigo 59 do Código Penal (BRASIL, 1940) dispõe que o juiz, atendendo à
culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos
motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da
vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção
do crime:
I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV – a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra
espécie de pena, se cabível.

O Artigo 5º da Constituição Federal (BRASIL, 1988) alerta que todos são iguais perante à
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, e nos termos dos incisos XXXIX, XLV, XLVI, XLVII, XLVIII e
XLIX. Com isso, estabelece que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena
sem prévia cominação legal; nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo
a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da
lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do
patrimônio transferido; caracterizando o Princípio da Pessoalidade da Pena; a lei regulará
a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição
da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou
interdição de direitos; não haverá penas, ou seja, as penas serão proibidas em caso de a)
de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX; b) de caráter
perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.
A pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito,
a idade e o sexo do apenado; e ainda é assegurado aos presos o respeito à integridade
física e moral.

Saiba mais

Para aprofundar o seu conhecimento, recomendamos a leitura do Capítulo 2 da


obra Criminologia da Libertação, de Lola Aniyar de Castro.
CASTRO, L. A. Criminologia da libertação. Rio de Janeiro: Revan, 2005, p. 41-57.

Aula 3
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DA CRIMINOLOGIA
Caro, estudante, a teoria “queer” surgiu no final dos anos 80, em
decorrência de estudos de pesquisadores e ativistas de movimentos
baseados em discussões quanto à identidade de gênero e
heteronormatividade.
INTRODUÇÃO

Caro, estudante, a teoria “queer” surgiu no final dos anos 80, em decorrência de estudos
de pesquisadores e ativistas de movimentos baseados em discussões quanto à
identidade de gênero e heteronormatividade. Tal conceito elevou a discussão do binômio
“macho/fêmea” como formas impositivas de se viver uma identidade no seio social. A
teoria feminista está pautada na luta pela igualdade de gênero a partir dos papéis sociais
impostos pela sociedade machista às mulheres, isto é, a desconstrução do ideal de
masculinidade que inferioriza e oprime a mulher. A teoria feminista não se sustenta
apenas no processo de objetificação da mulher, que a torna vulnerável à violência no
âmbito privado, mas também denuncia o sexismo institucional, que evidencia diversas
formas de violência contra a mulher na elaboração, na interpretação, na aplicação e na
execução da lei.

IDENTIDADE DE GÊNERO

Vamos estudar neste tópico a teoria queer, que surgiu no final dos anos 80 em
decorrência de estudos de pesquisadores e ativistas de movimentos baseados em
discussões quanto à identidade de gênero e heteronormatividade. Essa tese elevou a
discussão do binômio “macho/fêmea” como formas impositivas de se viver uma identidade
no seio social.
O termo queer, oriundo do vernáculo inglês, numa tradução livre significa “estranho,
esquisito, excêntrico ou original”, e está associado à agressão voltada aos homossexuais
e às questões homofóbicas.
Salo de Carvalho, professor de ciências criminais, sustenta que o processo da violência
heterossexista pode ser dividido em: a) violência simbólica – trata-se de uma cultura
homofóbica, que parte da construção social de discursos de inferiorização da diversidade
sexual e de orientação de gênero; b) violência das instituições – oriunda da violência
das instituições estatais, ou seja, homofobia do Estado, com a criminalização e a
patologização das identidades não heterossexuais; c) violência interpessoal – trata-se
da homofobia individual, em que se busca a anulação da diversidade por meio de atos
brutos de violência, isto é, a violência propriamente dita.
Uma importante teoria que necessariamente precisa ser estudada é a teoria feminista,
que está pautada na luta pela igualdade de gênero a partir dos papéis sociais impostos
pela sociedade machista às mulheres, ou seja, a desconstrução do ideal de
masculinidade que inferioriza e oprime a mulher.
Para Welzer-Lang (2001), trata-se do conjunto social que atribui aos homens funções
nobres e às mulheres tarefas de pouco valor ou pouca relevância, sendo que essa divisão
é mantida e regulada por distintas formas de violência.
A teoria feminista não se sustenta apenas no processo de objetificação da mulher, que a
torna vulnerável à violência no âmbito privado, mas também denuncia o sexismo
institucional que evidencia diversas formas de violência contra a mulher na elaboração,
interpretação, aplicação e execução da lei.
A teoria dos instintos defende que os instintos delituosos são reprimidos, mas não
destruídos, pelo superego, permanecendo sedimentados no inconsciente. Tais instintos
são acompanhados, no inconsciente, por um sentimento de culpa e uma tendência a
confessar. Então, mediante o comportamento criminoso, o sujeito supera o sentimento de
culpa e realiza sua tendência à confissão. É a teoria freudiana do delito por sentimento de
culpa.
Ainda temos que analisar a teoria da identificação diferencial desenvolvida por Daniel
Glaser, que defende que a aprendizagem da conduta delitiva não ocorre por via da
comunicação ou interação pessoal, mas pela identificação. Um indivíduo inicia ou segue
uma carreira criminal na medida em que se identifica com outros indivíduos reais ou
fictícios, a partir da perspectiva de que sua própria conduta delitiva parece aceitável.
(GOMES; MOLINA, 2008)
O indivíduo absorve os modelos de comportamento daqueles grupos de referência com
os quais se identifica, não necessariamente pela proximidade, podendo ocorrer à
distância.

PARADIGMAS CRIMINOLÓGICOS FORMA

A criminologia moderna, dentro do ramo das ciências criminais, apresenta novos


paradigmas, a saber:

• A repressão do crime foi substituída pela prevenção, visto o fracasso do modelo


repressivo clássico.
• Os custos elevados na execução da pena.
• A intervenção tardia do Estado.
• A falta de efetividade real.

• O avanço da criminologia, atualmente vista como ciência.


• Os estudos e pesquisas do crime.
• A compreensão do fenômeno criminal com todas as suas variáveis.

Isso mostra como é encarada a criminologia nos tempos atuais, com uma visão de
ciência, auxiliando o poder público na implementação de políticas públicas capazes de
solucionar ou amenizar os problemas criminais da sociedade.

PREVENÇÃO DO DELITO SOB A ÓTICA DA CRIMINOLOGIA MODERNA

A prevenção primária se caracteriza pelo trabalho de conscientização social, por meio de


prestações sociais e intervenção comunitária, capacitando e fortalecendo socialmente os
cidadãos para que saibam superar eventuais tentações que possam levá-los a uma vida
desregrada. A prevenção primária está ligada a programas político-sociais que se
orientem para a valorização da cidadania, dando atendimento às necessidades básicas
dos indivíduos, garantindo com isso a educação, saúde, o trabalho, a segurança e a
qualidade de vida do povo, instrumentos preventivos de médio e longo prazo. Tem como
objetivo primário a qualidade de vida do cidadão e, no plano secundário, proporciona ao
cidadão a capacidade social de efetivo enfrentamento aos eventuais conflitos. Além disso,
busca atacar as origens da criminalidade, isto é, neutralizando o delito antes de sua
ocorrência e resolve as situações carenciais criminógenas. Reclama por efetivas
prestações sociais e intervenção comunitária. Destaca, ainda, a necessidade do Estado
de implementar os direitos sociais e a conscientização da sociedade. Esse tipo de
prevenção atua na base da origem criminosa. Fazendo uma breve comparação com a
Medicina, seria o conjunto de ações que visam evitar a doença na população, removendo
os fatores causais, ou seja, visam à diminuição da incidência da doença. Seu objetivo é a
promoção da saúde e proteção específica. Como exemplos, podemos citar a vacinação, o
tratamento de água para consumo humano, a educação sobre os problemas decorrentes
da postura inadequada, as ações para prevenir a infecção por HIV (como ações de
educação para a saúde e/ou distribuição gratuita de preservativos, ou de seringas
descartáveis aos toxicodependentes). Nestor Sampaio Penteado Filho, delegado de
polícia que infelizmente faleceu em decorrência da Covid 19, em sua obra Criminologia,
entende que a prevenção primária ataca a raiz do conflito (educação, emprego, moradia,
segurança etc.). Aqui desponta a inelutável necessidade do Estado, de forma célere, de
implantar os direitos sociais progressiva e unilateralmente, atribuindo a fatores exógenos
a etiologia delitiva. A prevenção primária liga-se à garantia de educação, saúde, trabalho,
segurança e qualidade de vida do povo, instrumentos preventivos de médio e longo prazo.

Criminologia cultural Forma


A criminologia cultural surgiu em meados da década de 90, como legatária da criminologia
crítica, notadamente das teorias do labelling approach e das teorias da subcultura. Os
pesquisadores de destaque foram Jeff Ferrell, Clinton Sanders, Keith Hayward, Mike
Presdee e Jock Young, os quais passaram a analisar o “crime e as agências de controle
como produtos culturais – como construções criativas. Como tais, devem ser lidas nos
termos dos significados que carregam”. (HAYAWARD; YOUNG, 2013, p. 138)
O início da criminologia cultural se deu nos países como Estados Unidos e Reino Unido,
mas já se desenvolvem no Brasil estudos e pesquisas relacionando o crime e a cultura.
A criminologia cultural busca suas referências nas noções de transgressão, subcultura e
desvio, e analisa a experiência criminal por meio de imagens, significados e interferências
culturais e sociais.
A criminologia cultural “explora os diversos modos em que a dinâmica cultural se
entrelaça com as práticas do crime e controle da criminalidade na sociedade
contemporânea”. Ela destaca a representação na construção do crime como
“acontecimento momentâneo, esforço subcultural e questão social”. Nessa esteira,
pretende romper os panoramas da criminologia em relação ao crime e suas causas.
Imagens de comportamento ilícito e representação simbólica da aplicação da lei são
inseridas na construção da cultura popular do crime e da ação penal. As emoções
compartilhadas animam os acontecimentos criminais, cuja percepção de ameaça reúne
esforços públicos no controle da criminalidade.
A obra Crimes of style: urban graffiti and the politics of criminality (1993) marcou o início
da criminologia cultural, ainda que naquele momento fosse conhecida como “Criminologia
Anarquista” por Ferrell.
Para Oxley da Rocha (2012), a criminologia cultural possui “um forte interesse pelo
primeiro plano, ou pelo momento experiencial do crime; nesse sentido, ela se preocupa
com o sentido localizado da atividade criminosa”.
Para Ferrell, a indústria cultural de massa institucionaliza o tédio, promete prazeres
calculados e entretenimento previsível e consumível. Analisando o amadurecimento do
mundo moderno, podemos observar o tédio sendo institucionalmente coletivizado na
prática do cotidiano. (FERREL, 2004, p. 3)

Criminologia interseccional
No século XXI desponta a criminologia crítica alternativa em busca de enfrentar algumas
questões das classes vulneráveis, dando origem à criminologia feminista, a criminologia
étnico-racial, a criminologia queer, a criminologia das migrações, a criminologia verde e a
criminologia cyber, dentre outras.
No final da década de 1990, floresce a criminologia interseccional como corolário dos
estudos de gênero e do feminismo, notadamente, o feminismo negro, para compreender a
coexistência de variantes sociais que suportam as mulheres.
Sob a visão de Kimberlé Crenshaw, os elementares que integram a identidade – de
classe, raça, gênero, sexualidade, nacionalidade, religião etc. demonstram as diferenças
que as mulheres vivenciam, notadamente, no que diz respeito à desigualdade e à
violência.
Criminologia interseccional consiste em investigar, de forma crítica, a maneira que as
identidades dos sujeitos, intersectadas por marcadores das desigualdades, refletem em
suas vivências e experiências com a violência, o crime e as instituições do sistema de
justiça criminal enquanto vítimas ou infratoras.

Saiba mais

Para aprofundar o seu conhecimento, recomendamos a leitura do capítulo 6 da obra


Criminologia – Teoria e Prática, do professor Paulo Sumariva, da Editora Foco, edição de
2023.

Aula 4
XENOFOBIA E DISCRIMINAÇÕES
Caro estudante, a xenofobia é uma forma de preconceito, fazendo
referência ao ódio, receio, hostilidade e rejeição em relação aos
estrangeiros.
INTRODUÇÃO

Caro estudante, a xenofobia é uma forma de preconceito, fazendo referência ao ódio,


receio, hostilidade e rejeição em relação aos estrangeiros. A palavra também é utilizada
como a fobia em relação a grupos étnicos diferentes ou pessoas cuja caracterização
social, cultural e política se desconhece. Esse preconceito de classe se expressa em
comportamentos que beiram o fascismo, destilando discursos de ódio e de repulsa ao
“diferente”, ao estrangeiro, ao não familiar, uma vez que demonstra uma grande ameaça
à ordem pública. Em novembro de 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) passou a
considerar como crime de racismo os atos que discriminam brasileiros que vivem no
Nordeste.

PRECONCEITO

Vamos estudar a questão da xenofobia, da discriminação e do preconceito com as


pessoas.
Xenofobia é o medo, aversão ou a profunda antipatia em relação aos estrangeiros, a
desconfiança em relação às pessoas que vêm de fora do seu país com uma cultura,
hábito, etnias ou religião diferente.
É um tipo de preconceito que se manifesta de diversas formas. Comparando ao racismo,
encontramos uma diferença, ou seja, no racismo, estamos diante de um fator biológico,
ou seja, a cor da pele. Já na xenofobia, estamos falando de cultura, de povo, de origem.
Assim, desde as formas mais amenas, mas não menos ofensivas, como as piadas sobre
nordestinos e portugueses, até as formas mais violentas como, literalmente, agressões e
massacres devido às diferenças culturais, a xenofobia acontece.
No ano passado, no mês de novembro, o Superior Tribunal de Justiça, em decisão
inédita, passou a considerar como crime de racismo os atos que discriminam brasileiros
que vivem no Nordeste. Com isso, a xenofobia passou a ser considerada crime de
racismo. O crime de racismo tem previsão legal na lei nº 9.459/97, que descreve a
conduta daqueles que que possam vir a praticar, induzir, incitar a discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. O autor do crime de
xenofobia fica sujeito a uma pena de reclusão de um a três anos e multa.
A lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997 altera os artigos 1º e 20 da Lei nº 7.716, de 5 de
janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, e
acrescenta parágrafo ao art. 140 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, que
cuida da injúria racial. Estabelece a presente legislação que serão punidos, na forma da
Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito
de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Com isso, cria o Artigo 20, com a
conduta de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional, prevendo uma pena de reclusão de um a três anos e
multa. Ainda estabelece condutas racistas em seu parágrafo primeiro, descrevendo que
fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos
ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada para fins de divulgação do
nazismo, com uma pena de reclusão de dois a cinco anos e multa. Ainda, dispõe que se
qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de
comunicação social ou publicação de qualquer natureza, a pena será de reclusão de dois
a cinco anos e multa. O juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido
deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: o recolhimento
imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo; a cessação das
respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas. Nessa hipótese, constitui efeito da
condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.

BULLYING E SUAS CONSEQUÊNCIAS

A criminologia tem buscado junto à psicologia entender como esses fatores influenciam o
indivíduo em desenvolvimento, propiciando situações que o predisponham ao
envolvimento futuro com o mundo do crime, notadamente, os praticados com violência ou
grave ameaça.
O termo bullying é de origem inglesa e significa ameaçar ou intimidar.
Bullying é a prática reiterada de atos agressivos, verbais ou físicos, por um ou mais
indivíduos contra um ou mais sujeitos. Isto é, concentra-se na combinação entre
intimidação e humilhação de pessoas geralmente mais acomodadas, passivas ou que não
possuem condições de exercer poder sobre alguém ou sobre um grupo.
O fenômeno bullying representa o desejo consciente e intencional de maltratar uma
pessoa ou colocá-la sob tensão, apresentando-se não só no ambiente escolar, mas sim
com uma abrangência mais ampla, por ser algo agressivo e negativo executado quando
há um desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas, podendo o comportamento ser
gerado em vários outros ambientes além da escola, como no trabalho ou até mesmo entre
vizinhos.
É oportuno destacarmos que o bullying não se confunde com as brincadeiras habituais
entre as crianças e os adolescentes, isto é, a simples atribuição de apelidos pejorativos.
Bullying representa os casos de violência, que, em muitas situações, são ações
realizadas pelos agressores de forma velada contra as vítimas. Esses casos ocorrem no
interior de salas de aulas, corredores, pátios de colégio ou até menos nos arredores das
instituições de ensino com certa frequência. As agressões são praticadas de maneira
repetitiva e com desequilíbrio de poder. Essas agressões morais ou até mesmo físicas
podem ocasionar danos psicológicos às crianças e aos adolescentes, facilitando
posteriormente o seu ingresso no mundo do crime.
A Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, em seu art. 4º, definiu as formas de violência
praticadas contra a criança e o adolescente. A violência psicológica foi tratada no inciso II,
alíneas “a” usque “c”. A propósito descreveremos: alínea a – qualquer conduta de
discriminação, depreciação ou desrespeito em relação à criança ou ao adolescente
mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, agressão
verbal e xingamento, ridicularização, indiferença, exploração ou intimidação sistemática
(bullying) que possa comprometer seu desenvolvimento psíquico ou emocional.
Cyberbullying é a prática de bullying através dos meios eletrônicos e virtuais, ou seja, por
meio de mensagens difamatórias ou ameaçadoras circuladas por e-mails, sites, blogs,
redes sociais e celulares.
O termo stalking, também conhecido por perseguição persistente, tem origem nos
Estados Unidos, e designa uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade
reiteradamente a esfera de privacidade da vítima, empregando táticas de perseguição e
de diversos meios, isto é, por meio de ligações nos telefones, celular, residencial ou
comercial, mensagens de texto com conteúdo amoroso, telegramas, ramalhetes de flores,
e-mails indesejáveis, espera na saída do trabalho ou de escola, publicação de fatos ou
boatos em sites da internet, remessa de presentes etc., causando, assim, dano à sua
integridade psicológica e emocional, restrição à sua liberdade de locomoção ou lesão à
sua reputação.

ASSÉDIO MORAL

Os estudiosos da criminologia, por diversas oportunidades, tentaram identificar um fator


isolado como causador da criminalidade, e acabaram cometendo um grande erro. Nos
dias atuais, o que sabemos é que a criminalidade tem inúmeras motivações e fatores
internos e externos, e que de uma forma ou de outra concorrem para a prática de delitos.
A infância e a juventude são determinantes para compreendermos alguns dos inúmeros
fatores que podem influenciar efetivamente a conduta delituosa praticada pelo indivíduo.
É certo que os fatos que integram a nossa infância vão refletir sobremaneira em nossa
vida adulta.
O assédio moral, também denominado manipulação perversa ou terrorismo psicológico, é
tema presente na criminologia e debatido por vários ramos do Direito, como o Civil, Penal,
Trabalho e outros.
Na língua portuguesa, o termo assediar significa perseguir com insistência, incomodar ou
molestar alguém.
Assédio moral pode ser definido como comportamentos abusivos, que podem ser
realizados por gestos, palavras, ações comissivas ou omissivas, que praticadas de
maneira reiterada leva à debilidade física ou psíquica de uma pessoa.
O assédio moral pode ocorrer em qualquer ambiente, dentre eles: trabalho, escola, vida
familiar etc., e é difícil de colher elementos comprobatórios. No geral, as ações são
analisadas de forma específica pelas pessoas, sendo que o contexto é que deve ser
analisado.
O termo mobbing, de origem alemã, representa, no âmbito de relações trabalhistas, os
atos e comportamentos oriundos do empregador, gerente, administrador, superior
hierárquico ou dos companheiros de trabalho que traduzem uma atitude de contínua e
ostensiva perseguição que possa ocasionar danos relevantes às condições físicas,
psíquicas e morais da vítima.
O conflito existente no local de trabalho entre companheiros ou entre superior hierárquico
pode levar o importunado a uma condição de debilidade e incapacidade, sendo assim
ofendido direta ou indiretamente por uma ou mais pessoas, de maneira sistemática e
contínua, por um período relevante de tempo.
A Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha, no art. 7o, inciso II, define violência
psicológica “como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da
autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento, ou que vise
degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante
ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante,
perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do
direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação”. Exemplificando, essa questão é o caso do marido, que, de forma
repetida, afirma diuturnamente à sua mulher “que ela não vale nada”. Essa ação vai
causar a ela um dano psicológico que poderá levá-la à separação do casal. Entretanto,
em alguns casos, por motivos alheios, a mulher opta em manter o casamento e acaba se
tornando vítima de ofensas verbais reiteradas, causando danos psicológicos a ela e aos
filhos.

Saiba mais

Para aprofundar o seu conhecimento, recomendamos a leitura do capítulo 1, páginas 23-


32, da obra Criminologia, do professor Eduardo Viana.
VIANA, E. Criminologia. 4. ed. Salvador: Juspdvium, 2016.

Aula 5
REVISÃO DA UNIDADE

DISCRIMINAÇÃO

Olá, estudante!
Você aprendeu nesta unidade o conceito de criminologia, as suas características e seu
aspecto político. A criminologia é a ciência que estuda a criminalidade. Sem desejar
transformar-se em mera fonte de dados, a criminologia, como ciência empírica, baseada
na realidade, e interdisciplinar, ou seja, somando ensinamentos da Sociologia, Psicologia,
medicina legal e o próprio Direito, apresenta como objeto de estudo o crime, o criminoso,
a vítima e o controle social. A ciência da criminologia possui um papel decisivo para o
ensino do Direito, auxiliando na compreensão do poder e do controle social e penal,
estudando o crime, a criminalidade, a pena, a vitimização, a impunidade e a cifra negra. O
saber criminológico é a formação de uma consciência jurídica crítica e responsável, capaz
de tirar o jurista de sua zona de conforto, adormecido no seu ponto de partida, que é a
norma válida, e traçar novas diretrizes, visando ao enfretamento da violência individual,
institucional e estrutural. Você também aprendeu a teoria do Direito Penal do inimigo, que
foi proposta por Günter Jakobs, um doutrinador alemão, em 1985. Segundo essa teoria, o
Direito Penal tem a função primordial de proteger a norma e só indiretamente tutelaria os
bens jurídicos mais fundamentais. O autor alemão procura fazer uma distinção entre o
Direito Penal do cidadão e o Direito Penal do inimigo, sendo o primeiro garantista,
seguindo todos os princípios fundamentais de um estado democrático de direito que lhe
são pertinentes. Ainda falamos sobre a teoria queer, que surgiu no final dos anos 80, em
decorrência de estudos de pesquisadores e ativistas de movimentos baseados em
discussões quanto à identidade de gênero e heteronormatividade. Tal tese elevou a
discussão do binômio “macho/fêmea” como formas impositivas de se viver uma identidade
no seio social. A teoria feminista está pautada na luta pela igualdade de gênero a partir
dos papéis sociais impostos pela sociedade machista às mulheres, isto é, a
desconstrução do ideal de masculinidade que inferioriza e oprime a mulher. A teoria
feminista não se sustenta apenas no processo de objetificação da mulher, que a torna
vulnerável à violência no âmbito privado, mas também denuncia o sexismo institucional
que evidencia diversas formas de violência contra a mulher na elaboração, na
interpretação, na aplicação e na execução da lei. Você também aprendeu sobre a
xenofobia e sua atual criminalização.

REVISÃO DA UNIDADE

Vamos falar neste vídeo sobre tudo que você estudou nesta unidade, como a criminologia
e seu conceito, as teorias da discriminação, como a teoria queer e a teoria feminista, além
da xenofobia, prática repugnante que passou a ser criminalizada após decisão do
Superior Tribunal de Justiça no final do ano de 2022.

ESTUDO DE CASO

Imaginemos que no mês de janeiro de 2023, na cidade de São Paulo, Luiz Antunes,
comerciante conhecido no bairro da Luz, naquela cidade, decide abrir o seu comércio de
comida pela manhã, com a finalidade de atender as pessoas interessadas em se
alimentar antes do trabalho. Com isso, passou a oferecer café com leite, lanches diversos
e bolos. Dois imigrantes venezuelanos começaram a brigar na porta do estabelecimento
comercial, procurando comida de graça, proferindo palavras de baixo calão em desfavor
do proprietário do local, bem como de seus familiares e funcionários. Luiz Antunes
acionou a Polícia Militar. No final, ninguém ficou machucado, porém a porta do
estabelecimento comercial foi danificada. Os autores do dano eram venezuelanos, que
não foram identificados. Luiz Antunes, após refletir bastante, decidiu colocar panfletos
com a história ocorrida, ofendendo os agressores. Após esse fato, nordestinos se
revoltaram com a atitude do comerciante e foram até o estabelecimento questionar sobre
os motivos que o levaram a adotar tal conduta. Criou-se, assim, um ambiente ruim entre o
proprietário do estabelecimento comercial de alimentos e os moradores de rua daquela
região paulistana. Dessa forma, no início do mês de fevereiro de 2023, Luiz Antunes
decide tomar uma decisão extremamente radial. Resolve colocar um aviso em seu
estabelecimento ofendendo a dignidade de todos os nordestinos e venezuelanos que ali
transitavam, incitando a discriminação contra eles. Você concorda com a atitude de Luiz
Antunes? Sendo acionada, a polícia deverá adotar qual providência?

Reflita

A xenofobia é uma forma de preconceito, fazendo referência ao ódio, receio, hostilidade e


rejeição em relação aos estrangeiros. A palavra também é utilizada como a fobia em
relação a grupos étnicos diferentes ou pessoas cuja caracterização social, cultural e
política se desconhece. Esse preconceito de classe se expressa em comportamentos que
beiram o fascismo, destilando discursos de ódio e de repulsa ao “diferente”, ao
estrangeiro, ao não familiar, uma vez que demonstra uma grande ameaça à ordem
pública. Em novembro de 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) passou a considerar
como crime de racismo os atos que discriminam brasileiros que vivem no Nordeste. Com
isso, a xenofobia passou a ser considerada crime de racismo. O crime de racismo tem
previsão legal na Lei nº 9.459/97, que descreve a conduta daqueles que que possam vir a
praticar, induzir, incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional. O autor do crime de xenofobia fica sujeito a uma pena de reclusão
de um a três anos e multa

RESOLUÇÃO DO ESTUDO DE CASO

Vamos analisar como devemos solucionar esse impasse. Ocorreu um crime. No mês de
janeiro de 2023, na cidade de São Paulo, Luiz Antunes, comerciante conhecido no bairro
da Luz, naquela cidade, decidiu abrir o seu comércio de comida pela manhã, a fim de
fornecer café com leite, pão com manteiga na chapa, além de misto quente, misto frio,
lanches diversos e bolos aos interessados com preços promocionais. Porém
venezuelanos e nordestinos começaram a causar confusão na porta do estabelecimento,
fazendo com que Luiz Antunes colocasse um aviso em seu estabelecimento ofendendo a
dignidade de todos os nordestinos e venezuelanos que ali transitavam, incitando a
discriminação contra eles. A polícia foi acionada. A conduta do comerciante se enquadra
na Lei 9.459, de 13 de maio de 1997, que altera os artigos 1º e 20 da Lei nº 7.716, de 5
de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, e
acrescenta parágrafo ao art. 140 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, que
cuida da injúria racial. Estabelece a presente legislação que serão punidos, na forma da
Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito
de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Dessa forma, cria o Artigo 20, com a
conduta de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional, prevendo uma pena de reclusão de um a três anos e
multa. A conduta de Luiz Antunes se enquadra no conceito de xenofobia, que é uma
forma de preconceito, fazendo referência ao ódio, receio, hostilidade e rejeição em
relação aos estrangeiros. A palavra também é utilizada como a fobia em relação a grupos
étnicos diferentes ou face a pessoas cuja caracterização social, cultural e política se
desconhece. Esse preconceito de classe se expressa em comportamentos que beiram o
fascismo, destilando discursos de ódio e de repulsa ao “diferente”, ao estrangeiro, ao não
familiar, uma vez que demonstra uma grande ameaça à ordem pública. Em novembro de
2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) passou a considerar como crime de racismo os
atos que discriminam brasileiros que vivem no Nordeste.
RESUMO VISUAL

Fonte: elaborada pelo autor.

SOBERANIA, SEGURANÇA E CONTROLE SOCIAL


NO CENÁRIO INTERNACIONAL
Aula 1
SEGURANÇA NACIONAL E POLÍTICAS CRIMINAIS DE ENFRENTAMENTO
Compreender a criminologia contemporânea e as mudanças
ocorridas no ordenamento jurídico nos permite uma ampliação no
conhecimento e maior compreensão dos fatos ocorridos nos dias
atuais
INTRODUÇÃO

Compreender a criminologia contemporânea e as mudanças ocorridas no ordenamento


jurídico nos permite uma ampliação no conhecimento e maior compreensão dos fatos
ocorridos nos dias atuais. É preciso entender a segurança nacional e a soberania do
Estado democrático de direito, as relações internacionais que impactam na segurança
nacional e observar as políticas criminais adotadas em nossa sociedade como forma de
proteção e prevenção de crimes que atentam contra a democracia.
Caro estudante, desejamos boas-vindas à matéria de criminologia contemporânea! Muito
importante na atualidade, ela é amplamente utilizada no mercado profissional. O
conhecimento de conceitos básicos da criminologia levará ao entendimento da ampliação
do uso da Lei de Segurança Nacional no Brasil nos últimos anos, o que acarretou a uma
grande mudança no Código Penal.

SEGURANÇA NACIONAL

As mudanças históricas enfrentadas até nosso modelo atual de política levaram à queda
de um Estado absolutista, em que o poder econômico e político eram centralizados nas
mãos de uma pessoa, geralmente um monarca ou ditador, e o surgimento de um estado
democrático de direito que, em linhas gerais, é a soberania popular regida por uma
Constituição elaborada pela vontade popular, com garantia dos direitos humanos,
eleições livres e periódicas e a divisão dos poderes, independentes e harmônicos entre
si.
Dessa forma, coube ao Estado o monopólio do uso da força e consequente aplicação da
lei penal visando à prevenção criminal e à proteção de direitos.
A partir disso, surge a criminologia clássica, que definia o crime com um conceito
reducionista. Para os estudiosos, o delito era a luta do bem contra o mal, o enfrentamento
do criminoso contra a sociedade. Já para a criminologia contemporânea, o conceito é
dinâmico e foca no crime, no criminoso, no papel da vítima e nas formas de controle
social.
Outro conceito relevante para a criminologia é o da segurança nacional. Não há
atualmente um conceito concreto, porém é de extrema importância mencionar que a
segurança nacional não se confunde com o conceito de segurança pública, que são as
instituições e disposições, de responsabilidade do Estado, que visam à proteção da
sociedade e à manutenção da ordem pública por meio de uma sociedade livre de crimes,
ameaças e violência. Entende-se por segurança nacional a capacidade de o Estado
fornecer materialmente a estabilidade e inviolabilidade de seus limites fronteiriços, de
exercer a soberania nacional e projetar poder no exterior proporcionando ganhos sociais e
econômicos para a população, a solidez da Constituição, mesmo diante de pressões
externas, e a garantia legal nas relações eleitorais, políticas e econômicas.
Assim, a segurança nacional, em resumo, é uma condição relativa de proteção coletiva e
individual de uma sociedade contra ameaças que atentam contra a sobrevivência e
autonomia. Desse conceito surge a importância das relações internacionais como fator de
manutenção da segurança nacional, visto que é preciso viver em um estado capaz de
neutralizar ameaças por meio de negociações, da coleta de informações sobre a
capacidade e intenção de determinado Estado e até mesmo do uso de medidas
extraordinárias e emprego de meios de força.
O Brasil iniciou a repressão contra atentados à ordem política e social a partir de 1935,
durante o governo de Getúlio Vargas, através da aprovação da Lei nº 38/1935,
considerada o primeiro conjunto de regras voltado a punir tais crimes. Após o golpe militar
de 1964, o governo redigiu um ato institucional que devolveu à Justiça Militar a
competência para julgar todos os crimes políticos cometidos contra civis e militares. Em
1967, foi publicado o Decreto nº 314/1967, que acarretou a primeira Lei de Segurança
Nacional e refletiu no surgimento da Doutrina de Segurança Nacional, que tinha por
objetivo a proteção da ordem capitalista do Estado brasileiro contra uma ameaça
comunista. Ainda durante a ditadura, o Congresso Nacional aprovou a Lei de Segurança
Nacional nº 7.170/1983 e em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, a
competência para julgar crimes contra o Estado passou a ser exercida pela Justiça
Federal. Atualmente, a lei que dispõe sobre a segurança nacional é a 14.197/2021,
responsável por acrescentar o Título XII no Código Penal para tratar sobre dos crimes
conta o estado democrático de direito.

PREVENÇÃO E REAÇÃO À CRIMINALIDADE

Eugenio Raúl Zaffaroni menciona que o Direito Penal tem como função em todo estado de
direito a redução e contenção do poder punitivo tomando como base os limites menos
irracionais possíveis, ou seja, o Direito Penal só será utilizado como a ultima ratio quando
nenhum outro ramo do Direito for capaz de coibir determinada conduta (CALHAU, 2009,
p. 90). Entretanto, apesar de ser função do Estado prevenir a ocorrência delituosa, em um
estado democrático de direito os fins não justificam os meios e por isso os direitos
fundamentais devem ser priorizados em grande parte das ocasiões.
A prevenção criminal não pode ser confundida com o controle social. A primeira utiliza
mecanismos para evitar que o delito aconteça e para moldar o comportamento em
sociedade, já o segundo tem como intenção influenciar os indivíduos para que não
pratiquem crimes.
Para ficar mais claro, veja o exemplo trazido por Eduardo Viana:

Quando uma mãe diz para o seu filho: “É errado bater no irmão mais novo
porque ele é mais fraco que você e só os covardes agridem os mais fracos”,
ela está adotando uma medida de controle social (preventiva); se, ao revés,
ela instala uma câmera de vigilância no quarto onde os irmãos dormem, ela
está adotando uma medida de prevenção.

(EDUARDO VIANA, 2018, p. 388).


A doutrina mais moderna classifica a prevenção como um conjunto de ações que visam
evitar a ocorrência do crime, sendo esta classificada inicialmente como prevenção direta
ou indireta.
A prevenção indireta atinge as causas do crime. Cessadas as causas, cessam seus
efeitos. Dentre as ações indiretas estão as que cuidam do perfil do indivíduo, moldando
sua personalidade para evitar a ocorrência do delito, como os investimentos em esporte,
cultura, programas sociais, ofertas de emprego etc. Busca-se, com isso, alterar o meio em
que o indivíduo está inserido. A prevenção direta não possui foco no indivíduo, mas sim
no crime, seja em sua formação ou na tentativa de evitar a reincidência. Na prevenção
direta os investimentos devem ser voltados para a polícia ostensiva e judiciária.
Há ainda mais uma subdivisão entre a classificação de prevenção em: primária,
secundária e terciária.
A prevenção primária tem seu enfoque voltado para o momento anterior ao crime. Por se
tratar de ações que devem ser providas por parte do Estado para que o indivíduo tenha
seus direitos sociais básicos atingidos, está associada à prevenção indireta. Como
exemplo de prevenção primária temos a conscientização social por meio de prestações
positivas, fortalecendo os vínculos dos cidadãos. Ao garantir qualidade de vida para o
indivíduo, o considerado mínimo existencial, ocorre um afastamento da seara do crime.
A prevenção secundária atua em outro momento. O foco é voltado para setores sociais
que tenham mais probabilidade de envolvimento com o crime como, por exemplo, as
comunidades carentes de grandes cidades. As ações são voltadas não para um indivíduo,
mas sim para um grupo social vulnerável.
A prevenção terciária atua sobre o indivíduo, especificamente o que já cometeu o delito,
buscando evitar a reincidência delitiva. É considerada pela doutrina como a mais falha de
todas as prevenções, visto que tem um caráter punitivo e não tão focado na
ressocialização em razão da crise carcerária enfrentada pelo Brasil. Dessa forma, é uma
medida insuficiente e parcial, que não atinge a origem do crime, mas os sintomas.

EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

Como estudamos anteriormente, o Brasil adota medidas contra os atos que atentam
contra a segurança nacional e o estado democrático de direito desde 1935.
A antiga Lei de Segurança Nacional, nº 7.170, de 1983, passou a ser alvo de discussão a
partir de 2021, tendo em vista que ocorreu, com base na lei, a abertura de investigações
sobre políticos e personalidades públicas que criticaram as autoridades.
A referida lei tinha por objetivo apresentar os crimes que causam danos ou lesões à
integridade territorial, à soberania nacional, ao regime democrático adotado no país, à
Federação, ao estado de direito e, também, aos chefes dos poderes da União, além de
indicar o trâmite processual para julgamento de tais crimes.
A Lei nº 7.170/83 foi elaborada durante o período da ditadura militar e desde que ocorreu
a redemocratização do Estado, havia sido usada poucas vezes. A Lei de Segurança
Nacional não é utilizada apenas no Brasil, mas sim em muitos países, com regras
próprias, com a intenção de estabelecer prescrições referentes à segurança do Estado.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, a Lei nº 7.170/83 foi substituída pela Lei nº
14.197/21, sancionada com alguns vetos, o que ocasionou a revogação por completo da
lei anterior. A antiga lei passou a receber mais atenção por conta dos crescentes
inquéritos que a utilizavam como respaldo. Pesquisas indicaram que setenta e sete
inquéritos foram abertos, o que corresponde à soma de processos dos dez anos
anteriores.
Grande parte da doutrina, apesar das críticas, considera a Lei 14.197/21 mais moderna,
pois prioriza a defesa do regime democrático, da soberania e da integridade do país,
sendo cautelosa em não criminalizar a liberdade de expressão.
A nova lei trouxe alterações no Código Penal e ocasionou a inclusão do Título XII no
Código, denominado “Dos crimes contra o estado democrático de Direito”, que vão do
artigo 359-I ao 359-R.
O Título foi dividido em quatro capítulos, sendo o primeiro voltado aos crimes contra a
soberania nacional, criminalizando o atentado à soberania, atentado à integridade
nacional e espionagem. O segundo capítulo trata dos crimes contra as instituições
democráticas e criminaliza a abolição violenta do estado democrático de direito e o golpe
de Estado. O terceiro capítulo trabalha os crimes contra o funcionamento das instituições
democráticas no processo eleitoral e criminaliza a interrupção do processo eleitoral e a
violência política. Por fim, o quarto capítulo trata dos crimes contra o funcionamento dos
serviços essenciais e criminaliza a sabotagem.
Os posicionamentos favoráveis à lei se deram por esta deixar claro que manifestações
críticas aos poderes, atividades jornalísticas ou reivindicações de direitos e garantias
constitucionais realizadas em reuniões, greves, passeatas e manifestações políticas não
são consideradas crimes contra o Estado. Além disso, a nova lei é menos autoritária do
que as anteriores que vigoraram no Brasil. Por diversos anos, durante a ditadura Vargas e
ditadura militar era permitido que a justiça militar mantivesse a incomunicabilidade dos
indiciados por mais de dez dias, além das previsões de pena de morte e prisão perpétua.
Assim, o Brasil vem evoluindo para ajustar a legislação e garantir os direitos fundamentais
previstos na Constituição Federal, e conseguir manter o estado democrático de direito.

Saiba mais

Faça a leitura de um artigo complementar Sobre o conceito de “segurança nacional”,


muito interessante que aprofunda o conceito de segurança nacional, traz a parte histórica
e o entendimento filosófico e sociológico do tema.

Aula 2
SOBERANIA E SEGURANÇA INTERNACIONAL
A criminologia contemporânea aborda diversos conceitos de extrema
importância para a compreensão dos conflitos e situações
vivenciadas atualmente.
INTRODUÇÃO

Dentre esses conceitos, está o da soberania moderna, que atribui aos Estados, tanto no
âmbito interno quanto externo uma superioridade que não admite outra força senão a dos
poderes juridicamente constituídos. Dessa forma, o poder do Estado não está limitado às
fronteiras geográficas estabelecidas no território, sendo necessário que se reconheça o
poder soberano dos demais Estados para que haja, de forma recíproca, o reconhecimento
da supremacia, possibilitando uma melhor integração econômica e política entre os
territórios.
Caro estudante, desejamos boas-vindas à matéria de criminologia contemporânea, que
ampliará sua visão para os conceitos atuais que impactam na realidade social.
Estudaremos o conceito moderno de soberania, o direito de guerra no plano internacional
e a segurança coletiva no contexto internacional.

SOBERANIA E O DIREITO INTERNACIONAL

A soberania é um conceito comumente tratado nas matérias de Filosofia, Criminologia,


Política, Sociologia e Direito. Além disso, é considerada um dos elementos basilares do
Estado moderno. Assim, se a concepção de Estado se modifica, o conceito de soberania
tende a se modificar junto. Mas afinal, o que é soberania?
De forma inicial, podemos dizer que a soberania é um poder concebido aos Estados. Sem
a soberania de cada Estado, a ordem jurídica internacional seria considerada uma ordem
jurídica mundial, o que formaria um Estado único. O termo possui origem etimológica na
palavra superior, de origem do latim superanus, que significa uma ideia de superioridade
que não reconhece nenhuma outra acima de si.
Com o rompimento da política medieval adotada nos tempos remotos, o Estado passa a
ser identificado como a pessoa que o governa, na época, o príncipe, e a partir disso a
pessoa natural passa a ser a personificação do Estado.
Para que fosse possível uma relação externa entre os diversos príncipes, evitando que
um imperasse sobre o outro, surgiu um atributo teórico que poderia representar o poder
político ou jurídico público do Estado, a soberania. Em um período em que diversos
Estados buscavam a expansão do poder de império sobre terras recém-descobertas e
precisavam, ao mesmo tempo, se proteger contra invasões e consolidar seu poder
jurídico interno, a soberania surge para cumprir o papel de estabilizar o Estado e permitir
sua continuidade temporal.
Hodiernamente, a soberania é vista como um poder do Estado, que não pode ser limitado
por outro poder. Litrento (2001, p. 116), entende como soberania “o poder do Estado em
relação às pessoas e coisas dentro do seu território, isto é, nos limites da sua jurisdição”.
A soberania internacional é a que pode ser observada nas relações entre Estados, em
que não há subordinação nem dependência, mas sim igualdade. Para que um Estado
seja considerado como ente soberano, quatro elementos são essenciais: território,
população, um governo que exerça poder sobre o território e a população, e, por fim, o
reconhecimento como Estado pelos outros Estados-nações que compõem a sociedade
internacional.
Do conceito de soberania surge a necessidade da discussão sobre o direito de guerra. O
mundo não vive um confronto bélico de proporções mundiais há mais de sete décadas,
porém a humanidade, em razão da convivência entre Estados, não está isenta de
conflitos.
Com a mudança do mundo, as formas de conflitos também foram modificadas e a
comunidade internacional busca formas para que os conflitos sejam menos violentos e
mais humanos, por meio da assinatura de tratados e convenções internacionais.
O Direito Internacional Público é o responsável por tratar do tema e sua construção se
deu a partir do binômio guerra e paz. O Direito da Paz deve ser a regra e é o responsável
por reger as relações internacionais entre os Estados em tempos de paz. Já o Direito da
Guerra deve ser tratado como uma exceção.
O Direito da Guerra se subdividia em jus ad bellum, o direito de fazer a guerra por
algumas justificativas, o que caiu em desuso, e em jus in bellum, conhecido como direito
humanitário. A função principal deste é amenizar o sofrimento causado pelas guerras e,
por isso, as partes envolvidas em um conflito bélico devem respeitar as quatro
Convenções de Genebra e seus protocolos adicionais.

DIREITO DE GUERRA E SUAS CONVENÇÕES

O conceito de soberania moderna levou a grandes tratativas entre os Estado no plano


internacional para evitar a ocorrência de guerras e desrespeito às condições
humanitárias. Diversos tratados e convenções internacionais foram firmados ao longo dos
anos, dentre eles a Convenção de Genebra.
A Convenção de Genebra é a junção de tratados assinados entre os anos de 1864 e
1949, com o objetivo de proporcionar proteções mínimas, garantias fundamentais e
normas de tratamentos humanos aos indivíduos vítimas de conflitos armados. A
convenção possui uma importância tão profunda que passou a ser mencionada como
responsável pelo surgimento do direito humanitário, em conjunto com o surgimento da
Cruz Vermelha, responsável por cuidar dos civis em tempos de conflitos armados.
A primeira Convenção de Genebra, de 1863, apresentava medidas para a proteção de
soldados feridos em combates, criou a Cruz Vermelha e versou sobre problemas
sanitários, respeito e cuidado de militares feridos ou doentes. Sua aplicabilidade foi
constatada nas batalhas da Primeira Guerra Mundial.
A segunda Convenção de Genebra, em 1906, reforçou as medidas e as estendeu às
forças navais, protegendo náufragos e militares feridos durante as guerras marítimas. A
terceira, em 1929, tratou dos prisioneiros de guerra, criando uma definição para o termo
como sendo os indivíduos pegos em época de guerra, seja civil ou militar.
A partir disso, a Cruz Vermelha foi capaz de atuar em prisões de guerra e realizar a
comunicação com prisioneiros, instaurando a obrigação de tratamentos humanitários,
proibição da tortura e pressão física e psicológica. Por fim, a quarta convenção, ocorrida
em 1949, determinou a proteção dos civis nos períodos de guerra, proibindo a prática do
sequestro, o uso de prisioneiros como escudos humanos, a proibição de agressão física e
aos bens dos civis e proibição de punições coletivas que pudessem ser aplicadas em
períodos de guerra.
Mesmo com os avanços percebidos por meio da Convenção de Genebra, foi preciso a
ampliação da proteção através de protocolos que contemplavam os problemas do Direito
Internacional e da prática da guerra, que se modificou ao longo do século XX. A
Convenção de Genebra, de 1949, foi bem aceita entre os Estados e atualmente conta
com 196 países, que a ratificaram, de forma integral ou com ressalvas, comprometendo-
se a respeitar e fazer respeitar as suas regras, conforme previsão legal.
Atualmente, o uso da força é admitido como legal no ordenamento jurídico internacional
apenas quando analisado e autorizado pelo Conselho de Segurança da ONU, órgão que
tem como objetivo zelar pela manutenção da paz. Antes da ocorrência de conflitos
armados entre Estados, é comum a utilização de outros meios como mecanismos
coercitivos para solucionar o conflito, como retorção, represália, bloqueios e rompimento
das relações diplomáticas.
A retorção é quando o Estado ofendido responde na mesma proporção ao Estado
ofensor. A represália é uma medida mais severa, pois é considerada um contra-ataque ao
Estado ofensor por meio de interrupção nas relações comerciais e boicotagem.
O bloqueio acontece quando um Estado impede a tratativa de relações comerciais com
outro Estado, como forma de obrigá-lo a agir de maneira desejada, por exemplo, o
embargo dos Estados Unidos à Cuba, impedindo exportações para o país, exceto de
alimentos e remédios. Já o rompimento das relações diplomáticas ocorre com a
suspensão das relações políticas entre os Estados.

CONCEITO MODERNO DE GUERRA

Na modernidade, diversos meios são utilizados para a segurança coletiva internacional e


na tentativa de evitar conflitos armados. Quando os mecanismos coercitivos não surtem
efeito e não atingem o seu objetivo, é possível que se configure uma guerra.
Segundo Celso de Albuquerque Mello, para que um conflito armado se configure
juridicamente como uma guerra é preciso a presença de dois elementos que a tornam
legítima, quais sejam, o objetivo, que é um conflito armado entre Estados, e o subjetivo,
que é a intenção de realizar a guerra.
O jus ad bellum, ou o Direito de Guerra, apesar de estar em desuso, ainda é considerado
como um direito dos Estados, mas apenas quando a guerra é considerada justa, lícita e
legal, seguindo o estipulado em acordos e tratados sobre a guerra.
Em meados do século XVI, foi elaborada a Convenção de Paris (1856) para estabelecer
preceitos para os beligerantes e os civis não envolvidos. Rezek menciona a existência de
três macroprincípios limitadores da guerra, sendo: a) Limites em razão da pessoa: os
Estados têm o dever de não atacar civis; b) Limites em razão do local: somente os locais
importantes no sentido militar da guerra podem ser alvos dela; c) Limites em razão das
condições: impõem a utilização de armamento ou instrumentos de combate que não
causem sofrimento aos inimigos.
A Carta das Nações Unidas, de 1941, menciona de forma abrangente as proibições do
uso da força e dispõe que todos os membros devem resolver suas controvérsias
internacionais por meios pacíficos, de modo a não ameaçar a paz, a segurança e a justiça
internacional.
Na concepção mais moderna de guerra, com a evolução do Direito e da sociedade, a
guerra só será considerada justa ou legal em duas hipóteses: pela autodeterminação dos
povos ou por uma ameaça armada em condições de legítima defesa. Em todos os outros
casos a guerra é considerada um ilícito internacional.
Um exemplo prático é a guerra entre Rússia e Ucrânia, que se iniciou em 24 de fevereiro
de 2022, com a declaração de guerra do presidente russo Vladimir Putin. A situação é
considerada pelos tratados como um conflito armado internacional. A Rússia reconheceu
internacionalmente os Estados separatistas de Donetsk e Luhansk, que almejavam a
separação do território da Ucrânia, o que iniciou o primeiro conflito armado, com
decretação de guerra na atualidade.
Especialistas mencionam que ao invadir a Ucrânia o presidente russo, Vladimir Putin,
violou a soberania do país vizinho e desrespeitou diversos direitos internacionais, dentre
eles a Carta da Organização das Nações Unidas (ONU), ao invadir outro Estado membro.
As ações de Putin são um exemplo do crime de agressão, consideradas crime
internacional supremo pelo Tribunal de Nuremberg, após a Segunda Guerra Mundial.
Diversas sanções vêm sendo aplicadas por outros países como forma de travar a guerra,
por exemplo, a restrição e importação de petróleo e gás, a proibição de comercialização
de produtos derivados do petróleo russo, o congelamento pelos países ocidentais de US$
324 bilhões das reservas cambiais do Banco Central da Rússia, a privação de
transferência de tecnologia e vendas de bens e serviços de alta qualidade etc.
Saiba mais

Recomendamos a leitura de um artigo complementar Rússia, Ucrânia e ocupação


internacional: sobre ocupação, conflito armado e direitos humanos, muito interessante que
comenta sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia e a relação desta com o Direito
Internacional. O artigo responde diversas perguntas sobre leis internacionais aplicáveis,
princípios básicos das leis da guerra, quais ataques são proibidos e muito mais.

Aula 3
DIREITO INTERNACIONAL E AS POLÍTICAS CRIMINAIS DE CONTROLE SOCIAL
A criminologia aborda diversos conceitos que impactam diretamente
na sociedade moderna e na resolução de conflitos e redução da
criminalidade.
INTRODUÇÃO

A doutrina possui uma abordagem e compreensão distinta do Direito Penal Internacional.


Para alguns doutrinadores ocorre uma divisão entre Direito Penal Internacional e Direito
Internacional Penal, tendo cada ramo um objeto de atuação diverso. Para outros
doutrinadores o Direito Penal Internacional é uno, considerado como um gênero, com
aplicação no âmbito interno e externo e, portanto, a subdivisão dos conceitos é
considerada irrelevante. Compreenderemos de forma mais aprofundada a divergência
doutrinária, as políticas criminais adotadas com a evolução da sociedade, bem como o
papel do Direito Internacional no controle social transfronteiriço.

DIREITO PENAL INTERNACIONAL

No estudo das ciências criminais, especificamente com relação à dogmática jurídica


criminal, existe uma diferenciação conceitual para alguns doutrinadores entre o Direito
Internacional Penal e o Direito Penal Internacional. Apesar da similaridade no nome, para
parte da doutrina, cada ramo possui um objeto e área de atuação.
O Direito Internacional Penal, segundo Cláudia Perrone-Moisés (2012, p. 1), é o corpo de
regras destinadas a definir os crimes internacionais e impor aos Estados obrigações
relacionadas a tais condutas, bem como os aspectos do Direito Internacional Público
regulados pelo ramo.
Em resumo, é a resposta efetiva às condutas ocorridas em tempos de guerra ou paz,
consideradas crimes internacionais. Já o Direito Penal Internacional é o sistema de regras
relativas à validade espacial do Direito Penal interno, voltando-se para a aplicação do Art.
7º do Código Penal, bem como regulando a condição jurídica do estrangeiro em questões
relativas à extradição e à cooperação entre os Estados em matéria penal, por exemplo, o
reconhecimento de atos e sentenças estrangeiras.
No Direito Penal Internacional, o Estado é o titular para aplicar as suas leis aos indivíduos,
mesmo que estes pratiquem um delito fora do território nacional. No Direito Internacional
Penal, a coletividade é a maior beneficiada, pois os Estados renunciam as suas
soberanias legais, visando punir os indivíduos de qualquer nacionalidade que infringem
em crimes convencionados ou celebrados em tratados, convenções e pactos.
Claude Lombois (1979, p.10), seguido por outra parte da doutrina, critica a distinção entre
os termos e entende que há um Direito Penal Internacional que abrange dois ramos
distintos, mas que se relacionam, ou seja, há um Direito Penal de ordem internacional e
uma aplicação internacional do Direito Penal interno, mas ambos os conceitos são
considerados como gênero do Direito Penal Internacional. Celso Albuquerque Mello
(2004, p. 1010) se posiciona da mesma forma, mencionando que a separação dos ramos
não é simples, pois estão entrelaçados, já que existem matérias, como a exemplo da
extradição, que são tratadas tanto por normas internas quanto por tratados internacionais.
A Primeira Guerra Mundial foi o ponto inicial para a queda do Direito Internacional, tendo
em vista as graves ações cometidas durante o conflito, que ocasionaram a ruptura da paz,
a violação da neutralidade, o desrespeito aos tratados, deportações maciças de
contingentes populacionais que arruinaram os esforços realizados para a consolidação da
paz pelo Direito Internacional.
Assim, surge a exigência da justiça que uniu diversos juristas com o foco de que as regras
fundamentais do Direito Internacional público não podem ser asseguradas sem o reforço
atribuído pelo Direito Penal. Com isso, desde o fim do século XIX foram criadas
instituições que difundem a aplicação do Direito Penal sobre a sociedade internacional,
tendo como objetivo elaborar um Direito Penal comum que sirva para a solidariedade
internacional e à paz internacional.
Dentro dos conceitos abordados, é necessário o estudo de políticas criminais, abordado
pela criminologia e pelo Direito Penal. Segundo Molina (1977, p. 126), a política criminal
deve ser responsável por transformar experiências criminológicas em opções e
estratégias concretas pelo legislador e pelos poderes públicos. Assim, cabe à política
criminal transformar em opções legislativas as escolhas políticas realizadas para o
controle da criminalidade.

EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS CRIMINAIS

O Direito Penal Internacional é uma matéria que engloba os mais variados temas, dentre
eles a aplicação da lei no espaço, temas relativos à nacionalidade, extradição,
cooperação penal internacional, proteção penal da sociedade internacional e dos bens
jurídicos supranacionais.
O desenvolvimento do ramo se deu por meio de mais de trezentos tratados, elaborados
desde 1815. São os tratados que definem um crime internacional e inserem os Estados
signatários na obrigação de punir quem feriu tal determinação ou extraditá-lo para outro
Estado que esteja disposto a aplicar a punição.
Visando à punição e à elaboração de políticas de combate ao crime surge a política
criminal, que consiste na sistematização de estratégias e meios de controle da
criminalidade. O tema passou por inúmeras mudanças com a evolução da sociedade.
Inicialmente era adotado o chamado paradigma inquisitorial ou da intolerância, com os
movimentos de lei e ordem (law and order), maximalismo penal (panpenalismo), Direito
Penal do Inimigo e teoria das janelas quebradas.
Os movimentos de lei e ordem surgiram com a intolerância observada nos Estados
Unidos, na década de 70. Seu objetivo era o combate à criminalidade por meio de uma
repressão intensa, visto que se acreditava que o problema da delinquência se deve,
prioritariamente, à falta de repressão criminal. Assim, adota-se um modelo de Estado
policialesco com a função de controlar as condutas criminais e punir com rigor quem não
se enquadrasse no modelo de sociedade proposto.
O maximalismo penal é adotado como um modelo político-criminal de apelo emergencial.
Aqui ocorre a centralização da solução criminal com a exacerbação do poder dos órgãos
de controle social formal, ou seja, os órgãos responsáveis por estipularem as políticas a
serem adotadas para o controle da violência. Ambos os modelos supramencionados
criam um Estado autoritário e o distanciamento do Estado democrático com a formação
de leis repressivas, sem uma análise voltada para o conteúdo social, com o investimento
em políticas públicas sociais, educacionais e inclusivas.
O Direito Penal do Inimigo reconhece dois tipos de sujeitos no Direito Penal, sendo os
praticantes de crimes comuns e os de crimes graves que afetam a estrutura da
sociedade, como terroristas, criminosos organizados, autores de crimes sexuais etc.,
propondo um tratamento diferenciado para esses dois grupos. Para essa teoria, o
segundo grupo de criminosos deveria ser considerado como “inimigo da sociedade” e
poderiam ser punidos sem a observância do Direito Penal e suas garantias.
A teoria das janelas quebradas foi vista por muitos autores como uma boa proposta de
redução da criminalidade. A teoria se baseia na conexão entre a desordem e a
criminalidade. Entende-se que a falta de controle e a desordem levam à ocorrência da
criminalidade e, como consequência, a não repressão a crimes leves leva à prática de
grandes infrações.
A política criminal atual toma como base o paradigma garantista, que busca a mínima
intervenção penal e a máxima intervenção social. O estudo apresenta uma proposta
humanística, respeitando os direitos assegurados pela Constituição, utilizando o Direito
Penal como a ultima ratio, formulando políticas sociais que evitem o cometimento de
crimes, como o investimento em programas sociais, educação e maior oferta de emprego.

GLOBALIZAÇÃO E O CONTROLE DE FRONTEIRAS

A globalização trouxe inúmeros benefícios para um mundo constituído por Estados


territoriais, porém é responsável por impulsionar problemas relacionados à soberania
territorial. Os Estados têm como obrigação custodiar os direitos territoriais de seus
cidadãos, mas com as transformações mundiais ocorre uma intensificação no cruzamento
de fronteiras pelos seres humanos, o que leva a um cuidado intensificado para que os
direitos humanos sejam observados.
O fluxo migratório, por vezes, é considerado como um problema constitucional. O mundo
tem presenciado intenso fluxo migratório em busca de melhores condições de vida e
reconhecimento de direitos que não são exercidos nas sociedades de origem. Muito disso
se deve à eclosão de guerras civis, conflitos políticos e étnicos, bem como crises
ambientais e o crescente aumento demográfico de diversos países.
Sami Naïr menciona que a migração é o grande desafio do século XXI, visto que ao
aplicar o controle fronteiriço o Estado pode incorrer em excluir e discriminar grupos
específicos em relação aos direitos de cidadania e aplicar os direitos humanos apenas
para os que se encontram dentro de seu território.
Os migrantes internacionais se deparam cada vez mais com barreiras físicas e jurídicas,
principalmente nos países desenvolvidos, que atuam como uma forma de contenção do
fluxo imigratório não desejado. A blindagem das fronteiras é vista pela doutrina como uma
das formas de política imigratória, porém ela vem acompanhada de diversos instrumentos
legais que, desde 1970, configuram os instrumentos de controle da imigração.
Nos países europeus, o desenvolvimento normativo se iniciou em 1986, com a ata única,
que restringe de forma generalizada o ingresso de imigrantes, inclusive dos que solicitam
proteção internacional e refúgio. Assim, as fronteiras internacionais estão cada vez mais
blindadas e demonstram as desigualdades econômicas que existem entre os Estados.
Em 10 de dezembro de 1948, a ONU proclamou a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, que definiu diversos direitos naturais e fundamentais dos seres humanos,
desde a concepção, dentre eles o direito de ir e vir e procurar asilo em casos de
perseguição. Embora a declaração represente o reconhecimento do direito de migração,
ela traz ressalvas e limita a liberdade de movimento às fronteiras de cada Estado-nação.
Além disso, determina que nenhum país é obrigado a fornecer asilo, o que gera um
conflito entre a migração e o cumprimento dos direitos humanos.
A discussão sobre o aumento do fluxo migratório não é atual e diversos conflitos são
observados. Em determinados países há cidadãos que enxergam o caso com uma visão
mais humana e compreendem a necessidade de receber os imigrantes devido às crises
enfrentadas, porém parte da população acredita que o aumento populacional poderá
acarretar crises econômicas e prejuízos aos cidadãos em razão do aumento da
criminalidade pela falta de emprego e condições mínimas para a sobrevivência ou até
mesmo o aumento na contratação dos refugiados, mão de obra mais barata, e,
consequentemente, desemprego dos nacionais.
A cidade de Nova York, por exemplo, declarou uma crise humanitária sem precedentes
por conta da imigração. Em outubro de 2022, o prefeito Eric Adams decretou estado de
emergência em razão da superlotação dos abrigos, devido ao grande número de
migrantes. Estudos demonstravam que se o ritmo de pedidos de asilo se mantivesse, a
população atendida ultrapassaria 100 mil pessoas em um ano. Dessa forma, como em
diversos países, medidas punitivas passaram a ser adotadas para evitar uma crise
interna.

Saiba mais

Recomendamos a leitura de um artigo complementar Breves apontamentos sobre as


políticas criminais e sua influência nos mecanismos de controle social formal para
compreender de forma mais aprofundada a evolução acerca das políticas criminais e as
teorias adotadas ao longo dos anos.

Aula 4
DIREITOS HUMANOS E POLÍTICAS DE COMBATE À CRIMINALIDADE
No âmbito do Direito Internacional, o período pós-guerra, em razão
das atrocidades cometidas pelo homem, foi o marco inicial para a
consolidação e aprimoramento dos direitos humanos.
INTRODUÇÃO

Seja bem-vindo, estudante!


O contexto histórico tem grande influência na evolução dos direitos do homem. No âmbito
do Direito Internacional, o período pós-guerra, em razão das atrocidades cometidas pelo
homem, foi o marco inicial para a consolidação e aprimoramento dos direitos humanos. O
conceito foi modificado após a era Hitler para proteger a população no plano interno e
internacional.
Nesta aula compreenderemos a evolução dos direitos humanos, principalmente no Direito
Internacional, o princípio da autodeterminação dos povos como forma de proteção da
independência, sua relativização acerca da soberania e, por fim, a influência da
globalização na criação de grupos marginalizado e a atuação do Direito Internacional no
combate à pobreza como forma de combater a criminalidade.

EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO PLANO INTERNACIONAL

Segundo Norberto Bobbio (1992, p. 32), os direitos humanos não nascem todos de uma
vez, por isso é preciso analisar a evolução sofrida para compreender a concepção
contemporânea dos direitos humanos. Para Luigi Ferrajoli (2002, p. 338), os direitos
humanos simbolizam a lei do mais fraco contra a lei do mais forte e a doutrina menciona a
necessidade da evolução desse direito como uma construção e evolução constante para
assegurar a dignidade humana e evitar os sofrimentos causados pela brutalidade
humana.
A concepção mais moderna dos direitos humanos se deu a partir da Declaração Universal
de 1948, reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993. A
internacionalização dos direitos humanos se deu a partir do pós-guerra como resposta
aos atos cometidos durante o nazismo, considerados como a maior violação do Estado,
levando à morte de 11 milhões de pessoas. Nesse período, a titularidade de direitos era
condicionada ao pertencimento de uma raça, no caso, a raça pura ariana.
Esse cenário levou a esforços que visam reconstruir o conceito de direitos humanos e
elevá-lo a um referencial ético para orientar a ordem internacional contemporânea, visto
que os Estados compreenderam que se existisse um efetivo sistema de proteção
internacional de direitos humanos, as violações da era Hitler não teriam acontecido.
Para que a reconstrução dos direitos humanos do pós-guerra pudesse acontecer, surgem
duas vertentes que devem ser observadas, o Direito Internacional dos direitos humanos e
o Direito Constitucional ocidental, com ênfase na dignidade humana. O Direito
Internacional passa a delinear sistemas normativos internacionais de proteção dos direitos
humanos, limitando o poder dos Estados por meio desse aparato internacional. O Direito
Constitucional elabora textos constitucionais com prioridade na dignidade humana. Em
resumo, é como se o Direito Internacional fosse o parâmetro de validade para as
constituições nacionais.
Assim, a proteção dos direitos humanos não fica restrita ao domínio do Estado, pois é um
tema de interesse internacional e cabe, dessa forma, uma revisão do conceito tradicional
de soberania absoluta que precisa ser relativizado em casos específicos e a ideia de que
o indivíduo deve ter seus direitos protegidos na esfera internacional e não apenas
nacional.
Em face da relativização da soberania dos Estados, é de extrema importância tratar da
autodeterminação dos povos. O princípio da autodeterminação é visto como um dos
pilares do Direito Internacional que preza pela livre deliberação dos povos em relalaçao à
sua organização como um Estado, ficando a cargo deste a escolha da forma de governo,
a formação cultural e de seu sistema econômico.
A globalização teve grande influência na autodeterminação dos povos como princípio.
Com o desenvolvimento econômico e tecnológico, gerou-se uma ampliação na difusão de
ideias, parcerias entre os Estados, mescla de culturas etc., o que resultou na “eliminação
das fronteiras”, que, por vezes, impacta no âmbito interno e na organização dos Estados.
Assim, é preciso observar e respeitar o princípio, mas também compreender a sua
limitação frente à relativização da soberania dos Estados para a proteção dos direitos
humanos.

GLOBALIZAÇÃO E A AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS

O princípio da autodeterminação dos povos surge como a necessidade de assegurar a


independência, o direito de organização própria dos povos e a liberdade. O surgimento do
princípio se deu no início do século XX, com a incorporação no Direito Internacional
Público, mas sua aplicabilidade ganhou força após a Segunda Guerra Mundial, com a
incorporação na Carta da ONU e em tratados internacionais.
O surgimento do direito da autodeterminação, que posteriormente foi consolidado como
um princípio de Direito Internacional, está vinculado à teoria da soberania do povo, de
modo que uma nação com uma forma de Estado possui uma organização e a forma de
governo determinadas pelo seu povo. Assim, o povo estabelecido em um território tem o
direito de deliberar a forma de organização política, optando por um Estado independente,
se integrar a outro Estado ou permanecer como uma minoria sob jurisdição do Estado em
cujo território habita.
Entretanto, para a doutrina majoritária, com a globalização, o princípio deixou de ter
aplicação apenas no âmbito político e deve ser aplicado sob os aspectos econômicos,
sociais e culturais, visto que o povo tem o direito de decidir os sistemas econômicos e
sociais que estejam em conformidade com suas peculiaridades e cultura.
Em meio a um contexto internacional conturbado no período do pós-guerra, o princípio
veio como uma forma de independência, o que resultou na sua inserção na Carta do
Sistema Internacional de Tutela. Segundo a Carta da ONU, o sistema seria implementado
por meio de acordos de tutelas para “territórios que estavam sob mandato; territórios que
podem ser separados de Estado inimigos em consequência da Segunda Guerra Mundial;
e territórios voluntariamente colocados sob tal sistema por Estados responsáveis pela sua
administração” (ONU, art. 77).
Através do Sistema Internacional de Tutela, caberia à ONU atuar em regiões com
instabilidade política, econômica e social. Assim, para Wagner Menezes (2007, p. 154),
nenhum Estado possui o direito de impor a outro povo seus valores culturais, morais,
econômicos ou religiosos, como, por exemplo, o que ocorreu durante o período do
nazismo. Portanto, o Estado atua como ente soberano em sua autodeterminação, mas em
sua falta, a ONU pode atuar como autoridade.
Acerca da globalização, o fenômeno não é considerado recente, pois acontece desde as
grandes navegações. Após a Segunda Guerra Mundial, foi possível verificar maiores
reflexos e a prevalência do sistema capitalista transformando a economia. A globalização
expandiu os fluxos econômicos para uma escala global, o que para Habermas (1995,
p.98) não é sempre benéfico, visto que ocasiona uma remoção de fronteiras e, por
conseguinte, maiores riscos de ameaças e interferências externas no território nacional,
seja no setor social, político e econômico.
Dessa forma, a internacionalização dos mercados financeiros fez como que os
governantes perdessem parte do seu poder de influência e, como reflexo disso, surge
uma underclass, ou seja, uma subclasse ou classes marginalizadas que se afastam da
sociedade, criando tensões. Assim, para o autor, a globalização também se torna um
fenômeno discriminatório, pois somada ao capitalismo aumenta o surgimento de grupos
mais vulneráveis à situação econômica, ferindo a cidadania nacional e a unidade do
Estado como nação, o que prejudica seu desenvolvimento.

GLOBALIZAÇÃO E A POBREZA

A globalização pode ser vista sob diversas óticas, sendo econômica, política, social e
cultural. No meio econômico, o mercado passou por diversas transformações com a
abertura dos mercados e negociações entre Estados, o que resultou na incorporação da
tecnologia aos fatores produtivos e ocasionou uma rotatividade de produtos e serviços.
No âmbito político, a globalização pode ser vista como redutora de fronteiras, pois os
Estados se aproximaram, o que impacta na soberania. No aspecto social, a globalização
pode gerar ameaças aos direitos humanos e na dimensão cultural temos a expansão das
culturas além de seus territórios.
Todas as modificações ocasionadas pela globalização, apesar de muitas serem
benéficas, devem ser analisadas, pois também podem resultar no aumento da
desigualdade e crises sociais. A globalização trouxe novos direitos e aperfeiçoou os
existentes, porém também auxiliou na eliminação de regras e na transformação de ideias.
A sociedade, tomada pelos avanços tecnológicos, passou a valorizar cada vez mais o
acesso à informação, o embasamento em pesquisas científicas, o que acaba por
modificar o perfil do empregado e até mesmo da mercadoria consumida. Desse modo,
ocorre uma valorização do trabalho que envolve o intelecto, em detrimento do trabalho
manual.
Um problema que pode ser observado em decorrência da globalização é o aumento do
desemprego e a flexibilização da mão de obra. A criminologia aponta a falta do mínimo
existencial como um dos fatores que podem levar ao aumento da criminalidade, visto que
a população passa a praticar transgressões para buscar meios de viver. Assim, cabe ao
Estado a garantia da proteção social às populações necessitadas, mesmo com recursos
limitados, para que a crise social não se amplie.
A relação entre globalização e pobreza é reconhecida mundialmente. O Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Mundial concluem que a
globalização econômica tem sido responsável por agravar ainda mais as desigualdades
sociais e criar marcas profundas de pobreza absoluta e exclusão social.
Programas internacionais, como o PNUD, Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento, criado em 1965, por meio da resolução do Conselho Econômico e
Social das Nações Unidas, visam o combate à pobreza e melhorias no desenvolvimento
humano. Atualmente, o programa atua em 166 países do mundo em colaboração com os
governos, inciativa privada e sociedade civil, na tentativa de construir uma vida mais digna
às pessoas.
No Brasil, o programa está presente desde 1960 e, dentre os temas, aborda o
desenvolvimento de capacidades, ciência e tecnologia, fortalecimento e modernização do
Estado, combate à pobreza e à exclusão social etc.
Além desse programa, ao longo dos anos a ONU criou diversos padrões e normas
relacionados à prevenção do crime e à justiça criminal. Desde 1955 ocorrem congressos
das Nações Unidas sobre o tema. Apesar dos sistemas de justiça criminal diferirem de um
país para o outro, assim como a resposta aos comportamentos criminais, as Nações
Unidas têm utilizado padrões para prevenção ao crime e justiça criminal, visando criar um
método coletivo de como o sistema criminal deve ser estruturado.
Esses padrões têm demonstrado significativa contribuição em três dimensões. Primeiro,
adoção de reformas necessárias na justiça criminal no aspecto nacional; segundo, no
auxílio aos países no desenvolvimento de estratégias regionais e sub-regionais e terceiro,
de forma global, estabelecer padrões que representam as melhores práticas que podem
ser adotadas pelos Estados para resolver problemas e necessidades nacionais.

Saiba mais

Recomendamos a leitura de um artigo complementar O princípio da autodeterminação


dos povos diante da globalização da economia sobre o princípio da autodeterminação dos
povos diante da globalização da economia como forma de aprofundar seus
conhecimentos sobre esse princípio, que é considerado como um dos pilares do Direito
Internacional.

Aula 5
REVISÃO DA UNIDADE

SEGURANÇA E SOBERANIA

Olá, estudante!
Você relembrará os conteúdos tratados ao longo da unidade como uma forma de fixação
da matéria. Iniciamos o estudo analisando a diferenciação entre a criminologia clássica e
contemporânea. Para a criminologia clássica, o crime deve ser analisado com base em
um conceito reducionista, ou seja, apenas o enfrentamento do criminoso contra a
sociedade. Já para a criminologia contemporânea o conceito passou a ser dinâmico, com
foco no crime, no criminoso, no papel da vítima e nas formas de controle social.
Da análise dos crimes cometidos em sociedade surge a necessidade de compreensão da
segurança nacional, que é a capacidade do Estado em fornecer a estabilidade e
inviolabilidade de suas fronteiras, exercer soberania no plano nacional e projetar poder no
âmbito internacional. Fica, desse modo, a cargo do Estado a proteção coletiva e individual
de uma sociedade.
Assim, em 1967, durante a ditadura militar, foi publicado o decreto nº 314/1967, que gerou
a primeira Lei de Segurança Nacional do Brasil, com o objetivo de proteger a ordem
capitalista do Estado brasileiro contra uma ameaça comunista. Após diversas evoluções
legislativas, a Lei 14.197/2021 é a atual Lei de Segurança Nacional tendo, inclusive,
gerado mudanças no Código Penal com a inserção do Título XII, que trata dos crimes
contra o estado democrático de direito.
Posteriormente, analisamos o conceito moderno de soberania, considerado um dos
elementos basilares do Estado hodierno, entendido como o poder concebido aos Estados
que não reconhece nenhum outro acima de si. Já a soberania internacional reflete o poder
observado nas relações entre os Estados, em que não há subordinação nem
dependência, mas sim igualdade.
Quando falamos em soberania internacional ocorre a relação entre Estados e por vezes
discordâncias, sendo necessário tratar sobre o direito de guerra. Ao longo dos anos,
diversos tratados e convenções internacionais foram firmados na tentativa de humanizar
os conflitos existentes. Atualmente, o uso da força pelos Estados só é admitido como
legal quando analisado e autorizado pelo Conselho de Segurança da ONU.
Estudamos também a distinção trazida pela doutrina sobre o Direito Penal Internacional e
o Direito Internacional Penal, bem como a crítica feita pela doutrina minoritária sobre a
distinção entre os termos, visto que na prática há um direito internacional que abrange
tanto o estudo dos crimes internacionais como a aplicação espacial do Direito Penal no
âmbito internacional, razão pela qual não seria necessária a divisão dos conceitos.
Verificamos a aplicação do Direito Internacional e políticas criminais na sociedade
moderna, compreendendo a evolução das teorias que visavam combater o crime. A
política criminal mais moderna adota uma postura garantista e busca a mínima
intervenção penal e a máxima intervenção social. Com isso, procura-se assegurar os
direitos garantidos pela Constituição, a utilização do direito penal como a ultima ratio e
políticas sociais voltadas para o investimento em programas sociais, educação e maiores
ofertas de emprego.
Por fim, analisamos a proteção dos direitos humanos no contexto internacional, que se
deu a partir da Declaração Universal de 1948, reiterada pela Declaração de Direitos
Humanos de Viena, de 1993, com a intenção de evitar a recorrência de atos como os que
aconteceram no período pós-guerra e nazismo. A necessidade do princípio da
autodeterminação dos povos e sua importância na manutenção da liberdade dos Estados
e relação da globalização com a pobreza e maior desigualdade social.

REVISÃO DA UNIDADE

Neste vídeo você poderá realizar uma revisão sobre os conteúdos tratados ao longo de
nossa unidade e relembrar os conceitos primordiais para a criminologia contemporânea.
Você será capaz de entender a aplicação no cenário internacional de conceitos como
segurança e soberania e verificar políticas criminais modernas que podem ser utilizadas
frente ao mundo globalizado.

ESTUDO DE CASO

Para contextualizar sua aprendizagem, imagine que você trabalha como juiz para a Corte
Internacional de Justiça (CIJ), principal órgão judiciário da Organização das Nações
Unidas, composto por quinze juízes. Sua função, juntamente com os demais colegas de
trabalho, é resolver, de acordo com o Direito Internacional, conflitos e controvérsias
jurídicas entre nações. Além disso, a Corte pode atuar na mediação de disputas jurídicas
entre Estados quando acionada e emitir pareceres consultivos a respeito de conflitos
jurídicos quando solicitado pelos órgãos que compõem a Organização das Nações Unidas
e suas agências especializadas. Lembre-se de que a Corte tem como medida respeitar a
soberania de cada nação.
No ano de 2022, você toma conhecimento acerca de uma invasão russa, ordenada pelo
presidente do país, à Ucrânia. O conflito não é atual e deve ser analisado desde os
tempos mais remotos. Antes de se tornar um Estado-nação independente, a Ucrânia
pertencia à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Após a Guerra Fria e os
conflitos travados com os Estados Unidos, a URSS não possuía mais força para se
manter e os países que compunham a União Soviética começaram a se desvincular.
A Ucrânia alcançou sua independência, mas passou por períodos de instabilidade
econômica e recorreu ao apoio de outros países, como os Estados Unidos e a própria
Rússia, que buscou a manutenção da influência sob os países do Leste Europeu, antigos
integrantes da URSS. Em 1994, a Ucrânia assinou, juntamente com a Otan (Organização
do Tratado do Atlântico do Norte), um tratado de parceria pela paz e em 1996 um tratado
de parceria especial, o qual a Rússia se opõe, visto que a Otan é uma organização
político-militar criada pelos Estados Unidos, Reino Unido, França, Itália, Portugal,
Holanda, Islândia, Dinamarca, Noruega e Luxemburgo.
Além disso, houve uma aproximação da Ucrânia com a União Europeia, o que foi visto
pela Rússia como perda de influência sob esta. Após anos de conflitos, em 2022, estudos
apontam como motivo para a invasão à Ucrânia a expansão da Otan pelo Leste Europeu,
a possibilidade do ingresso do país na aliança militar e a não concordância com a
independência. Já a Rússia alega querer impedir o cerco à sua fronteira, como a adesão
da Ucrânia à Otan.
Durante o conflito, que ainda se estende, diversos direitos humanos foram violados, há
centenas de vítimas fatais entre civis e militares, e houve um aumento da migração com
mais de 8 milhões de pessoas buscando abrigo em outros países. Como membro da
ONU, quais ações podem ser realizadas na tentativa de paralisação do conflito? Quais
sanções podem ser adotadas por outros Estados visando à proteção dos direitos dos civis
e à paralisação da guerra?

Reflita
Você analisará todos os conteúdos tratados na unidade como forma de resolução do
estudo de caso. Com base no caso narrado, lembre-se de pensar de forma global,
incorporando todos os tópicos tratados ao longo da matéria. Relembre o conceito de
soberania dos Estados e em quais casos é possível a sua relativização, a atuação da
ONU e dos Estados-membros como mecanismo de controle de conflitos internacionais e
formas de torná-los cada vez mais humanizados; as consequências econômicas que
podem ser utilizadas na tentativa de contenção de conflitos e das sanções que podem ser
aplicadas nos casos de violações internacionais e aos direitos humanos. Por fim, reflita
sobre as consequências de um conflito internacional para os civis e como o caso pode
afetar não só os países integrantes da guerra, mas também o mundo globalizado em
razão do aumento no fluxo migratório com pedidos de refúgio.

RESOLUÇÃO DO ESTUDO DE CASO

Você analisará formas de atuação no conflito entre Rússia e Ucrânia por parte da ONU e
dos Estados-membros. Inicialmente, como vimos ao longo das aulas, após o período do
pós-guerra e do nazismo o mundo se mobilizou para criar medidas que impedissem a
ocorrência de atrocidades contra a humanidade, causando a violação dos direitos
humanos. A Convenção de Genebra é a junção dos tratados assinados entre 1864 e
1964, que objetivou proteções mínimas, garantias fundamentais e normas de tratamentos
humanos aos indivíduos vítimas de conflitos armados.
No conflito entre Rússia e Ucrânia foram cometidos ataques generalizados e sistemáticos
contra os civis, o que por si só já viola as estipulações presentes na Convenção de
Genebra. Além disso, estudiosos consideram que a Rússia utilizou a força armada como
forma de violar a soberania e independência da Ucrânia. Assim, é possível identificar o
cometimento de crimes internacionais.
De forma geral, a punição da Rússia poderia se dar em duas jurisdições internacionais, a
CEDH (Corte Europeia de Direitos Humanos) e a CIJ (Corte Internacional de Justiça).
O artigo 2º da CEDH prevê que o direito à vida é protegido por lei e considera como
violação quando o direito à vida é ferido em casos de crimes de guerra e crimes contra a
humanidade. Através da Corte Europeia, os atos são puníveis pela reparação civil e não
condenação penal, ou seja, caberia indenização e multa por meio de ações individuais
movidas por pessoas afetadas contra o Estado violador.
Entretanto, a crítica da doutrina se dá com relação à competência de julgamento, pois no
início da guerra a Rússia foi expulsa do Conselho da Europa e por isso não estaria mais
sujeita à jurisdição da CEDH. Assim, a sanção aplicada pelo Direito Internacional acabou
trazendo uma vantagem para o Estado. Já na CIJ, como a Rússia é membro da ONU,
estaria sujeita às punições pelo órgão jurisdicional máximo das Nações Unidas e a ação
poderia ser ajuizada pela Ucrânia, um Estado contra outro, mas seria necessário
enquadrar a prática de crime contra a humanidade, de guerra ou agressão em uma
convenção internacional firmada nas Nações Unidas e que preveja a jurisdição da CIJ.
Os demais Estados-membros impuseram sanções como proibição de viajar dentro da
União Europeia, o congelamento de bens e contas em bancos europeus, proibição de
exportação de tecnologia de ponta para a Rússia, máquinas e equipamentos de
transportes, bens e tecnologias para refinação de petróleo, equipamentos para a indústria
energética, armas de fogo e matérias do exército, além de proibição de importação de
petróleo bruto e produtos petrolíferos refinados, carvão e combustíveis fósseis, aço, ouro
etc.
RESUMO VISUAL
TEORIAS DA CRIMINOLOGIA CONTEMPORÂNEA E
SEUS PRECURSORES
Aula 1
PSICOLOGIA CRIMINAL

Os indivíduos podem apresentar alguns transtornos e patologias que


determinam seu comportamento e alguns desses comportamentos
podem se mostrar violadores das normas sociais?
INTRODUÇÃO

Olá, estudante!
Você já parou para pensar que a criminologia é uma ciência interdisciplinar que se
aproxima da Psicologia, e que a psicologia criminal se relaciona com outras duas áreas
do saber, a Psicanálise e a psicopatologia?
Os indivíduos podem apresentar alguns transtornos e patologias que determinam seu
comportamento e alguns desses comportamentos podem se mostrar violadores das
normas sociais?
Nesta aula, convido você a conhecer os principais aspectos dos modelos da psicanálise e
da psicopatologia do crime, bem como identificar as características dos diversos
transtornos e patologias que poderão influenciar na prática de condutas delinquentes por
parte do indivíduo.
Vamos aprender mais sobre o tema?

CRIMINOLOGIA E O MODELO PSICANALÍTICO

A criminologia, enquanto ciência interdisciplinar, permite uma maior aproximação com a


psicologia, que por sua vez se relaciona com a psicanálise e a psicopatologia.
A Psicanálise nasceu na década de 1890, e teve como principal precursor Sigmund
Freud, neurologista e psiquiatra austríaco que se preocupou em estudar o homem, a fim
de compreender seu inconsciente, levando em consideração experiências traumáticas e
desejos reprimidos, que motivavam e influenciavam seus comportamentos.
Nessa perspectiva, Coletta (2018) afirma que a psicanálise se preocupa em estudar a
personalidade psicodinâmica do indivíduo, alcançando seus conflitos internos, suas
frustrações, as motivações para a delinquência, e ainda, como ele próprio interpreta essa
conduta desviante, partindo de uma análise introspectiva.
Assim, o modelo psicanalítico de Freud trabalha três instâncias, cada uma delas com
funções específicas, chamadas id, superego e ego. O id se trata da instância inferior,
instinto pela busca do prazer, ligado ao impulso sexual. Já o superego se trata de
instância superior, que se contrapõe ao id, neutralizando os comportamentos impulsivos
por meio das proibições, dos limites, dos valores morais, sociais e éticos. Por fim, o ego,
por ser instância intermediária, traça um equilíbrio entre as instâncias inferior e superior,
sendo responsável pelas tomadas de decisões mais racionais e conscientes.
Com base nesses conceitos, alguns elementos específicos traçam características para o
estudo da psicanálise criminal, por exemplo, o modelo psicodinâmico, que trabalha os
conflitos que se passam em nossos pensamentos no dia a dia e que estão em nosso
inconsciente, geralmente relacionados a traumas da infância. Esse modelo identifica as
forças e impulsos que motivam o comportamento delitivo do indivíduo. Assim, é no próprio
indivíduo que se localizam as fontes do crime, de forma que o delito só poderá ser
averiguado investigando o próprio delinquente.
Por outro lado, Coletta (2018) menciona ainda que a psicanálise de Freud prega a
contraposição entre os principais instintos do indivíduo: o primeiro se trata do eros (vida),
que prima pela acepção sexual, enquanto a segunda, thanatos, foca na morte e
destruição do próprio ser humano. O eros, por exemplo, é regido pela busca do prazer
que impulsiona o comportamento humano, enquanto o thanatos é governado pelo
princípio da realidade, levando o indivíduo a deixar o prazer de lado e buscar a segurança
e a autopreservação.
Assim, o conflito existente entre o eros e o thanatos retrata a luta, seja pela liberdade,
seja pelo alcance da felicidade do ser humano.
De outro modo, analisando a contemporaneidade da criminologia e da própria psicanálise,
percebe-se ser insuficiente apenas o estudo biológico e psíquico do indivíduo enquanto
fatores determinantes do crime, pois não conseguem explicar outros tipos de
comportamentos, como, por exemplo, a criminalidade ambiental e os crimes patrimoniais.
Nesse campo, é importante destacar que vários são os fatores que influenciam a
criminalidade na sociedade contemporânea, dentre eles estão as desigualdades sociais, a
inércia do Estado, o sistema penal falho, as diferentes ideologias de pensamentos dos
indivíduos, que determinam os inúmeros tipos de preconceitos existentes na atualidade,
dentre outros.
Por fim, na perspectiva da psicanálise contemporânea, a criminalidade se aproxima muito
das relações afetivas existentes ou inexistentes entre os indivíduos, pois busca entender
como os seres humanos constroem seus laços afetivos, quais fatores impulsionaram seus
sensos amorosos e destrutivos, aquilo que se evita, foge ou nega, fazendo surgir algum
sintoma neurótico que justifique a prática da delinquência.

CRIMINOLOGIA E O MODELO PSICOPATOLÓGICOS

As psicopatologias também são objetos de estudos da medicina legal ou forense em duas


áreas específicas: psiquiatria criminal e psicologia criminal.
A psiquiatria criminal se preocupa com os transtornos anormais da personalidade do
indivíduo. Em outras palavras, se preocupa com as doenças mentais, retardos mentais,
demências, esquizofrenias e outros transtornos.
Por outro lado, a psicologia criminal estuda a personalidade do delinquente, bem como
todos os fatores determinantes para a prática do crime, como fatores de ordem biológica,
meio ambiente, ou social.
Já a psicopatologia, na visão de Coletta (2018), tem por objeto investigar os sistemas de
identificação de sinais, os sintomas e os diagnósticos traçados entre a psicologia, a
psiquiatria e a psicanálise.
Nesse passo, para a criminologia, a psiquiatria trabalha o conceito de enfermidades
mentais, cabendo a ela a conceituação da psicopatia, neurose e esquizofrenia e
identificando as mais variadas formas de manifestação nos indivíduos.
Destacam-se na criminologia as teorias psiquiátricas da criminalidade, que distinguiram os
criminosos dos doentes mentais. Até o século XVIII tratavam os delinquentes como seres
anormais, malditos e até mesmo endemoniados. Assim, com o positivismo criminológico,
a teoria da “loucura mental” deu lugar à “personalidade criminal”.
A teoria da personalidade criminal preceitua em um primeiro momento a diversidade do
delinquente, para somente após verificar a necessidade de identificar os fatores
patológicos que eventualmente influenciaram no comportamento ilícito do criminoso. Aqui,
não se fala exatamente de doenças, mas de espécies de anomalias do desenvolvimento
mental ou perturbação da saúde mental.
A teoria da personalidade criminal identifica no delinquente a existência de transtornos
que afetam o relacionamento interpessoal, pois muitas vezes se apresentam com
insensibilidade aos sentimentos alheios (PENTEADO FILHO, 2014, p. 167).
Na lição de Penteado Filho (2014), enquanto os delinquentes comuns buscam alcançar
riquezas e poderes, os delinquentes psicopatas cometem crimes apenas por pura
crueldade.
A psicopatologia chama esse tipo de comportamento de transtorno de personalidade. Os
indivíduos que possuem transtorno de personalidade apresentam condutas que
incomodam terceiros, que se envolvem em atividades consideradas perigosas e ilícitas.
Mesmo sendo punidos, esses indivíduos tendem a reiterar seus comportamentos, pois
não apresentam sofrimento psíquico. Assim, a principal característica desse transtorno é
a tendência a violação de normas sociais.
Os principais transtornos são: psicopatia (transtorno de personalidade antissocial,
sociopatia, transtorno de caráter, transtorno sociopático ou transtorno dissocial),
transtorno de ansiedade; transtorno obsessivo-compulsivo; transtorno de estresse pós-
traumático e os dissociativos, dentre outros.
Por fim, os transtornos de personalidades podem se apresentar em maior ou menor grau
de intensidade, e podem ainda ter pontos de “gatilhos” que desencadeiam os
comportamentos anormais ou surtos, se o indivíduo for submetido à situação de estresse.
Há ainda pessoas que possuem transtornos, mas cujo diagnóstico nunca foi descoberto,
pois se apresentam em menor grau de intensidade.

PATOLOGIAS DO CRIMINOSO

Agora que você já estudou os modelos psicanalítico e psicopatológico do crime, é


importante conhecer algumas patologias que poderão influenciar no comportamento do
delinquente. Vejamos os principais deles e suas características:
Transtornos específicos de personalidade (CID-10)
Oito dos transtornos específicos de personalidades estão descritos no CID-10. São eles:
paranoide, esquizoide, antissocial, emocionalmente instável, histriônico, anancástico,
ansioso e dependente:

• Transtorno paranoide: desconfiança excessiva; sentimento de estar sempre


sendo prejudicado pelos outros; atitudes de autorreferência.
• Transtorno esquizoide: desapego; desinteresse pelo contato social e afetivo;
dificuldade em sentir prazer; introspecção.
• Transtorno antissocial: indiferença pelos sentimentos alheios; comportamento
cruel; desprezo pelas normas e obrigações; não reage bem às frustrações.
• Transtorno emocionalmente instável: manifestação impulsiva e imprevisível, que
pode ser de dois tipos: impulsivo e borderline. O primeiro se caracteriza pela
instabilidade emocional, e o segundo, além da instabilidade nas emoções, revela
perturbação da autoimagem, com dificuldade em definir preferências pessoais.

• Transtorno histriônico: egocentrismo excessivo; baixa tolerância a frustrações;


dissimulação e superficialidade; tem a necessidade de estar no centro das
atenções.
• Transtorno anancástico: preocupação com detalhes, rigidez e teimosia.
• Transtorno ansioso (ou esquivo): sensibilidade excessiva a críticas; está sempre
apreensivo e tenso; retraimento social por insegurança de sua capacidade social
ou profissional.
• Transtorno dependente: não tem determinação e nem iniciativa, bem como
instabilidade de propósitos.

Esquizofrenia e outros transtornos psicóticos (DSM-IV)A esquizofrenia é um


transtorno psiquiátrico complexo, caracterizado por uma alteração na atividade cerebral
que dificulta o julgamento da realidade pelo indivíduo.
Podem ser, dentre outros:

• Esquizofrenia
a. Tipo paranoide: predominam as alucinações e os delírios.
b. Tipo desorganizado: discurso e conduta inadequada.
c. Tipo catatônico: bizarrices, mutismo, negativismo, imobilidade motora.
d. Tipo indiferenciado: não se encaixa nos tipos anteriores.
e. Tipo residual: discurso pobre, afeto enfraquecido.

• Esquizofreniforme: quadro similar ao da esquizofrenia, porém de menor duração.


• Esquizoafetivo: transtornos de humor e sintomas da fase ativa da esquizofrenia.

Psicopatia
Penteado Filho (2014) traz as características da psicopatia:

• Loquacidade; charme superficial.


• Superestima.
• Vida parasitária; tendência ao tédio.
• Mentira contumaz; manipulação.

• Ausência de culpa ou remorso.


• Insensibilidade afetiva; indiferença; falta de empatia.
• Impulsividade; descontrole comportamental.
• Ausência de objetivos reais e em longo prazo.
• Irresponsabilidade e incapacidade de aceitar seus próprios erros.
• Promiscuidade sexual.
• Transtornos de conduta na infância etc.

Transtornos do humorVejamos algumas classificações:

• Depressivo maior: pelo menos duas semanas de depressão, acompanhada de,


pelo menos, quatro dos seguintes sintomas adicionais de depressão: alteração de
peso, do sono, da psicomotricidade (lentidão ou agitação), fadiga, perda de
energia, sentimento de inutilidade, culpa excessiva, dificuldade de concentração ou
indecisão, pensamentos de morte, inclusive ideação suicida.
• Distímico: pelo menos dois anos de humor deprimido, acompanhado de outros
sintomas depressivos não incluídos no depressivo maior.
• Bipolar I: um ou mais episódios maníacos ou mistos (maníacos e depressivos), em
regra acompanhados de episódios depressivos maiores. Episódio maníaco: humor
exagerado por uma semana, adicionado de autoestima inflada, insônia,
loquacidade, fuga de ideias, agitação psicomotora e envolvimento excessivo em
atividades prazerosas de alto risco, tais como compras excessivas e investimentos
de risco.
• Bipolar II: um ou mais episódios depressivos maiores acompanhados de, no
mínimo, um episódio hipomaníaco (similar ao maníaco, mas menos intenso).
• Ciclotímico: pelo menos dois anos de períodos de numerosos sintomas
hipomaníacos e depressivos que não se encaixam nas descrições respectivas de
mania e depressão.

Saiba mais

Você já conheceu os vários transtornos e patologias que podem determinar o


comportamento anormal do indivíduo. Para ampliar seu conhecimento, indicamos a
seguinte leitura complementar que tratará dos transtornos de ansiedade, delinquência
psicótica e delinquência neurótica:
GIMENES, E. V.; FILHO, N. S. P. Manual esquemático de criminologia. São Paulo:
Editora Saraiva, 2022. p. 86-92.

E para aprimorar ainda mais sua aprendizagem, vale a pena pesquisar a diferença entre
serial killer e assassino em massa:
GIMENES, E. V.; FILHO, N. S. P. Manual esquemático de criminologia. São Paulo:
Editora Saraiva, 2022. p. 92-96.

Aula 2
TEORIAS SOCIOLÓGICAS

Dentre as teorias de conflito, estudaremos as teorias do


etiquetamento e da reação social, o contexto histórico em que elas
surgiram e suas principais características.
INTRODUÇÃO

Olá, estudante!
Você já ouviu falar nas teorias de conflitos e nas teorias de consenso?
Nesta aula, convidamos você a compreender as principais teorias sociológicas da
sociologia criminal e como elas justificam a criminalidade.
Dentre as teorias de conflito, estudaremos as teorias do etiquetamento e da reação social,
o contexto histórico em que elas surgiram e suas principais características.
Também abordaremos importantes aspectos de três grandes teorias de consenso: teoria
da associação diferencial, teoria da anomia e teoria da subcultura delinquente.
Assim, vamos juntos descobrir a contribuição que cada teoria trouxe para a criminologia
contemporânea.

TEORIAS DE CONFLITO

Você sabia que as teorias de conflito integram as teorias macrossociológicas do crime?


Nesse contexto, é necessário primeiro reprimir os pequenos delitos para se coibir os
delitos mais graves.
Assim, as teorias sociológicas têm por objeto compreender como a sociedade pode
influenciar o indivíduo na prática de crimes, já que o delito não se limita às suas
características pessoais.
Mas, o que vem a ser as teorias de conflito?
Também denominadas teorias argumentativas e progressistas, partem da premissa de
que os membros de um grupo não compartilham dos mesmos interesses sociais, e por
tais razões o conflito seria inevitável, ou até desejado, pois a partir do momento em que é
controlado levará a sociedade ao progresso.
As teorias de conflito nasceram nos Estados Unidos, nos anos de 1960, a partir de
movimentos jovens de contracultura, psicodelismo do rock and roll, peace and love, em
resistência à guerra do Vietnã, pregando a luta pelos direitos humanos.
Vários movimentos se levantaram nesse período, gerando mudanças de culturas, por
exemplo, hippies, uso de drogas, movimentos feministas, movimentos LGBTQIA+, na
tentativa de alcançar mais direitos para grupos minoritários.
Dessa forma, foi na década de 60, com as teorias de conflitos, que se inaugurou o
paradigma da reação social, entendendo que para estudar a criminalidade, é necessário
também estudar a reação à criminalidade.
Nesse passo, a partir desse momento histórico, o controle social e a criminalização
passam a existir para perpetuação de poder, determinados pela relação entre dominados
e dominantes, ou seja, somente existe ordem social porque há dominação de uns e
sujeição de outros, porquanto o crime faz parte da luta pelo poder.
Outra característica dessas teorias é a presença da força e da coerção na sociedade
como mecanismos necessários de controle social.
Essas teorias concluem que as condutas não são criminosas em si mesmas, mas são
definidas como criminosas em virtude de complexos processos de interação, dominação e
seleção.
Além disso, as condutas são consideradas criminosas porque alguém ou alguma
instituição as definiram como criminosas.
Várias são as teorias de conflitos, dentre elas: a teoria crítica, que será estudada de forma
detalhada em outro momento; teoria do etiquetamento e a teoria da reação social.
A teoria de etiquetamento (labeling approach), conhecida como a teoria da rotulação ou
interacionismo simbólico, também nasceu na década de 1960, nos Estados Unidos, e teve
como principais precursores Erving Goffman e Howard Becker, afirmando que
criminalidade decorre do processo de estigmatização social.
Nessa teoria, há uma inversão do estudo da criminologia, pois ela deixa de tentar
compreender as causas do crime para estudar o processo de criminalização,
questionando o porquê de o Estado escolher criminalizar algumas condutas e outras não,
bem como escolher as pessoas que devam ser criminalizadas (estigma). Assim, o
criminoso seria rotulado, o que o diferenciaria dos outros cidadãos.
Da mesma forma, a teoria da reação social estaria diretamente ligada à teoria do
etiquetamento, inclusive, sendo tratadas como sinônima por alguns estudiosos, pois
também trabalha seus fundamentos com base nos paradigmas da rotulação social.
Por fim, para a teoria da reação social, a norma jurídica tem por finalidade o controle
social, partindo dela a definição de crime, criando o próprio criminoso, e concluindo que o
criminoso é fruto da construção da sociedade e das leis que a regem.

TEORIAS DA ASSOCIAÇÃO DIFERENCIAL E TEORIA DA ANOMIA/


ESTRUTURAL FUNCIONALISTA

Agora que você já aprendeu as teorias de conflitos, passemos ao estudo de algumas


teorias de consenso, que também norteiam a sociologia criminal.
As teorias de consenso, também conhecidas como funcionalistas ou teorias de
integração, surgiram na primeira metade do século XX, sendo consideradas pelos
estudiosos como conservadoras, pois pregam que todos os seres humanos vivem em
sociedade porque possuem objetivos comuns.
Assim, a sociedade alcançará seus objetivos quando os indivíduos e as instituições
estiverem em perfeito funcionamento, ao ponto de possuírem as mesmas metas, bem
como concordarem com as regras de convívio.
Dentre as teorias de consenso, destacam-se a teoria da associação diferencial e a teoria
da anomia.
A teoria da associação diferencial teve como principal precursor o sociólogo americano
Edwin Sutherland (1883-1950), que chegou à conclusão de que a conduta criminosa do
indivíduo não se encontra em seu inconsciente ou possui como fator determinante os
aspectos biológicos ou psíquicos do delinquente, mas que, na verdade, são aprendidos a
partir de experiências de vida, se subordinando a um processo de aprendizagem.
Essa teoria esclarece os crimes do colarinho branco, rompendo com a relação
crime/pobreza, pois se trata de criminosos com altíssimo poder econômico, mas que
acabam aprendendo com amigos ou familiares a prática delitiva.
Já a teoria da anomia foi desenvolvida por Émile Durkheim (1858-1917) e por Robert King
Merton (1910-2003), e significa ausência de lei.
A teoria da anomia é uma espécie de teoria estrutural-funcional do delito, que, na visão de
Durkheim, vai afirmar que o crime é social, normal e funcional, sendo, inclusive, útil ao
desenvolvimento da sociedade, pois, se não há crime, não há progresso social.
As teorias estruturais-funcionais se modulam ainda no fato de que o crime não tem origem
em patologias do indivíduo, tampouco se mostra estático. Na verdade, decorre do normal
funcionamento de toda a ordem social, mesmo porque é ele que impulsiona a sociedade a
modificar suas regras e seus valores. Assim, Durkheim foi o primeiro sociólogo que
analisou o crime como fenômeno social.
Nesse passo, a teoria da anomia será aplicada aos casos de desordem social, em
situações de inobservância às leis impostas, ou ainda quando se estiver diante de lacunas
na lei, em outras palavras, quando a função da pena não for cumprida, decorrente do
enfraquecimento do poder social. Essa anomia dever permanecer dentro dos limites
toleráveis.
Já a teoria da anomia, desenvolvida por Robert King Merton, afirma que a falta de
sucesso em alcançar metas culturais, como ter propriedade, carro, família etc., chamada
de meios institucionais, gera a conduta desviante.
Assim, são os membros das classes menos favorecidas que cometem a maiorias dos
delitos, pois será por meio da conduta desviante que essas pessoas tentarão atingir as
metas culturais.
Por fim, Merton prevê cinco tipos de adaptação individual (ANDRADE e MEDEIROS,
2023, p. 96): conformista, que absorve as metas culturais e tem os meios institucionais
para alcançá-la; inovação, a pessoa absorve as metas culturais, mas não possui os meios
institucionais para alcançá-las e acaba delinquindo; ritualista, a pessoa tem os meios
institucionais, mas não absorve as metas culturais; retraimento, o indivíduo renuncia às
metas culturais e aos meios institucionais, como, por exemplo, os moradores de rua; e,
rebelião, o indivíduo tem parcialmente os meios institucionais e entende que as metas
culturais existem, mas não concordam com elas.

TEORIA DA SUBCULTURA DELINQUENTE

A teoria da subcultura delinquente também se trata de teoria do consenso, defendida por


Albert Cohen, que concluiu que existem culturas dentro de culturas.
Segundo Albert Cohen, toda sociedade possui seus valores e culturas. Contudo, pelo fato
de a sociedade possuir diferentes grupos sociais, nem todos eles compartilham desses
mesmos valores. Desse modo, alguns grupos possuem culturas e valores próprios,
estabelecendo suas regras de convivências internas, que podem, inclusive, violar os
valores predominantes da sociedade.
Assim, as gangues, os hippies, por exemplo, possuem suas próprias regras, valores e
culturas, que podem diferir das regras, valores e culturas da sociedade dominante.
Para Cohen, o crime não se trata de ato isolado, mas sim de comportamento de interação
de um grupo, pois eles são cometidos em concordância com os valores e regras desse
grupo.
Em outras palavras, a subcultura delinquente está diretamente relacionada ao
comportamento de pessoas que praticam crimes em grupo, possuindo esses grupos suas
próprias normas, valores, crenças, dentre outros.
Cohen elenca seis fatores da subcultura delinquente:

• Não utilitarismo: a conduta não possui utilidade, pois se trata de mero ato de
contestação, sem qualquer motivação racional.
• Malícia: é o prazer em ver a outra pessoa sofrer, de forma gratuita.
• Negativismo: nega os valores dominantes da sociedade.
• Conduta flexível: a modalidade criminosa não é específica, podendo ser qualquer
uma que atinja a busca pelo prazer do grupo.
• Conduta hedonista: ligada ao desejo de se divertir dos jovens.
• Conduta reforçadora: a prática do crime tem por finalidade alcançar o reforço, a
aprovação do grupo ou a adesão àquele grupo.

Trata-se, portanto, de teoria que aborda de forma exclusiva um tipo determinado de


criminalidade, aquela “de rua”, de grupos menos favorecidos financeiramente, e que teve
grande importância ao trazer uma nova concepção da delinquência, pois não seria
possível combater esse tipo de crime utilizando mecanismos tradicionais de controle
social.
Assim, para se combater essas condutas delinquentes não basta a pura repressão, mas
deve-se utilizar outras abordagens, como, por exemplo, investir em políticas públicas com
vistas à redução de desigualdades sociais e à oferta de empregos, bem como investir em
educação e saúde de qualidade, a fim de tirar esses jovens delinquentes das ruas, dando
a eles condições mais favoráveis.
Gimenes e Penteado Filho (2022, p. 34) defendem, ainda, que as soluções encontradas
são fáceis de elencar, mas difíceis de operacionalizar, mesmo porque, além das políticas
públicas, ampliação de oportunidades de emprego, investimento em educação e saúde,
deve-se primar, no campo da justiça penal, pela aplicação de penas alternativas,
desjudicializadas, como os meios alternativos de solução de conflitos (mediação e
conciliação), e ainda, pela descriminalização de delitos e contravenções envolvendo
alguns desses grupos.
Para concluir, Gimenes e Penteado Filho (2022, p. 34) vão dizer que se tratar de trabalho
de longo prazo, se houver interesse político na restauração da paz pública, tranquilidade
social e harmonia de conivência.

Saiba mais

Você já conheceu várias teorias sociológicas, e para ampliar seu conhecimento vale a
pena pesquisar sobre os fatores sociais de criminalidade:
GIMENES, E. V.; FILHO, N. S. P. Manual esquemático de criminologia. São Paulo:
Editora Saraiva, 2022. p. 64-66.

Aula 3
ANTROPOLOGIA CRIMINAL MODERNA

Nesta aula convidamos você a conhecer as modernas teorias da


antropologia criminal, em especial as teorias endocrinológicas, e no
que elas se diferenciam da teoria lombrosiana.
INTRODUÇÃO

Olá, estudante!
Nesta aula convidamos você a conhecer as modernas teorias da antropologia criminal,
em especial as teorias endocrinológicas, e no que elas se diferenciam da teoria
lombrosiana.
Também convidamos você a conhecer um pouco mais os importantes estudos da
hereditariedade criminal e as conclusões obtidas por meios de anos de pesquisas sobre
as famílias criminais, gêmeos e adotados, e malformação cromossômica.
E por fim, aprenderemos a importância da neurociência na criminologia, afinal, foi por
meio dela que se chegou às várias patologias existentes na atualidade.
Assim, vamos juntos descobrir a contribuição que cada uma dessas ciências trouxe para
a criminologia contemporânea.
TEORIAS ANTROPOLÓGICAS MODERNAS

Você já ouviu falar sobre a antropologia criminal?


A antropologia criminal, conhecida como biologia criminal, em seu modelo clássico se
tratava da ciência que se preocupou em estudar as características físicas, como fatores
determinantes para a delinquência.
O delinquente possuía predisposição para a prática criminosa com base em
características físicas e hereditárias. O principal defensor dessa teoria foi Cesare
Lombroso, que se propôs a analisar crânios e esqueletos de vários criminosos, com o
intuito de encontrar características comuns na formação óssea. Também estudou
tatuagens, personalidade dos criminosos, e ainda, suas características físicas e
fisiológicas, como, por exemplo, o tamanho da mandíbula, deformidades no esqueleto e a
hereditariedade biológica.
Muito embora a teoria de Lombroso, em especial do criminoso nato, tenha sido recusada
pela moderna antropologia criminal, fato é que o estudo iniciado por ele deixou grandes
marcas na história da biologia criminal e da criminologia clínica.
Dessa forma, as teorias da antropologia criminal moderna vão afirmar que, embora a
hereditariedade não transmita a criminalidade, pode haver a predisposição criminal, desde
que em concorrência com outros fatores criminógenos.
Teorias endocrinológicasAs teorias endocrinológicas compõem a antropologia criminal
moderna e surgiram no início do século XX, com base em vários estudos, na tentativa de
estabelecer relação entre o comportamento humano e os processos hormonais ou
endócrinos, ou ainda, as disfunções glandulares internas do indivíduo.
Segundo os defensores dessas teorias, as substâncias que são produzidas pelas
glândulas internas, quando introduzidas no organismo do indivíduo, determinariam o
correto estado funcional do sistema organo-vegetativo por meio de trocas nutritivas. A
partir daí seria possível explicar as perturbações do vegetativo (expansão visceral,
responsável por conduzir o equilíbrio de todo o organismo), nos distúrbios endócrinos.
Assim, por exemplo, sentimentos como aflições e choques morais são fatores
relacionados com a endocrinopatia, assim como a deficiência alimentícia, as
enfermidades infecciosas, a idade e os traumas poderiam influenciar o comportamento do
indivíduo.
Penteado Filho (2014, p. 149) traça as principais diferenças entre as teorias
endocrinológicas e a teoria lombrosiana em três aspectos:

• Não defendem a hereditariedade dos transtornos hormonais glandulares, salvo no


caso dos crimes sexuais.
• Viabilizam tratamento hormonal curativo.
• Afirmam que a influência criminógena não é direta, mas sim indireta.

Com base nos estudos dessas teorias foi possível chegar às seguintes conclusões:

• Presença de hipertireoidismo (problema na tireoide, que se caracteriza pela


produção excessiva dos hormônios T3 – triiodotironina – e T4 – tiroxina) e de
hipersuprarrenalismo (aumento da atividade das cápsulas suprarrenais) em
delinquentes homicidas.
• Presença de distireoidismo (disfunção da glândula tireoide em sua função de
secretar hormônios, especialmente os hormônios da tireoide) nos criminosos
ocasionais impulsivos.
• Presença de distireoidismo (disfunção da glândula tireoide em sua função de
secretar hormônios, especialmente os hormônios da tireoide) e pituitarismo
(perturbações das funções hipofisárias) nos criminosos contra a moral e os bons
costumes.
• Presença de hipertireoidismo nos criminosos violentos.
• Presença de dispituitarismo (perturbações das funções hipofisárias) nos ladrões,
falsificadores e estelionatários.

Por tais razões, os defensores das teorias endocrinológicas indicam a influência indireta
do mau funcionamento glandular na prática de comportamentos delituosos, pois as
disfunções hormonais poderiam provocar reações físicas e comportamentais não
controláveis, capazes de violar as normas sociais e as leis.

HEREDITARIEDADE CRIMINAL

Foi a partir do Projeto Genoma e dos avanços na engenharia genética que os estudos
sobre a hereditariedade criminal ganharam força.
Embora esses estudos tivessem concluído que nem todos os dados biológicos devam ser
atribuídos à hereditariedade, vários percentuais de indivíduos ligados por questões de
consanguinidade, entre doentes mentais, bem como a presença de fatores hereditários
degenerativos ou doentios foram estatisticamente comprovados como determinantes do
comportamento delinquente.
As linhas de pesquisas sobre a carga hereditária na prática de comportamentos
delituosos foram as seguintes: famílias criminais, gêmeos e adotados, e malformação
cromossômica.
Famílias criminais ou genealogia criminalO método de pesquisa utilizado foi o da
observação em longo prazo, vez que o estudo em comento se preocupou em acompanhar
a evolução dos integrantes de famílias específicas ao longo de anos. Em tais famílias
havia histórico de descendentes criminosos.
Os estudos comprovaram cientificamente que a maioria dos criminosos condenados por
crimes graves possuíam pais delinquentes. Contudo, não se podia afirmar que a
degeneração hereditária era a causa da criminalidade.
Nessa área, restaram dúvidas se a prática delinquente era determinada pela influência do
ambiente familiar ou de transmissão de fatores hereditários.
Estudo dos gêmeos ou delinquência gemelarSegundo Penteado Filho (2014, p. 150),
dois foram os dados objetos de estudos dos gêmeos: “maior semelhança da carga
genética (univitelinos ou idênticos) e menor semelhança (bivitelinos ou fraternos) e
respectivos dados criminais”.
Em se tratando de gêmeos univitelinos (idênticos), os estudos concluíram que de fato eles
possuem quase a mesma carga genética. Assim, se a influência da ação do meio
ambiente em que vivem prevalecer, haverá maior diversificação comportamental. Do
contrário, se prevalecer a herança genética, o meio ambiente será ineficaz para a
diversificação comportamental.
Da mesma forma, em que pese os gêmeos bivitelinos (fraternos), os estudos se
basearam tanto em relação ao comportamento ajustado como ao comportamento
delinquente, tanto em gêmeos que apresentavam padrões genéticos de normalidades
como de anormalidade.
Os estudos trataram de observar 705 pares de gêmeos, pesquisados por escolas alemãs,
holandesas e norte-americanas.
Assim, restaram maior incidência comprovada de casos delituosos nos gêmeos idênticos
e menor nos bivitelinos.
Filhos adotadosEm suma, os estudos constataram que os filhos biológicos de
delinquentes tendem a cometer crimes com maior frequência do que os filhos adotados.
Malformação cromossômica Todo ser humano possui 23 pares de cromossomos, sendo
que um desses pares é o cromossomo sexual: XX, para designar a mulher, e XY para
designar o homem. Assim, podem ocorrer anomalias quando houver excesso de
cromossomo sexual.
As principais são:
Síndrome de Turner: trata-se de doença genética que atinge somente as mulheres. Em
vez de possuírem o par de cromossomos sexuais XX ou XY, há a presença de apenas um
cromossomo X. A anomalia pode causar complicações, como, por exemplo, baixa
estatura e alterações cardiovasculares.
Síndrome de Klinefelter: trata-se de anomalia acometida aos homens, quando se
verifica a presença de dois ou mais cromossomos X, junto com um cromossomo Y. Várias
são as complicações, como, por exemplo, testículos pequenos, desenvolvimento de
mamas, distribuição de gorduras corporais que seguem o padrão feminino, tendência a ter
estatura mais elevada, infertilidade, dentre outros.
Sobre essas anomalias, as pesquisas foram inconclusivas acerca da influência que
exercem sobre os comportamentos delinquentes, não se podendo afirmar serem fatores
determinantes para a prática delituosa.

NEUROCIÊNCIA E CRIMINOLOGIA

Agora que você já estudou sobre as modernas teorias antropológicas e a hereditariedade


criminal, é importante compreender como a neurociência contribui para o estudo da
criminologia.
Também chamada de neurocriminologia, trata-se da ciência que auxilia a psiquiatria, a
neurologia e a própria criminologia por meio de contribuições experimentais e conceituais.
Assim, a neurociência irá trabalhar tanto as doenças do cérebro (neurológicas) quanto as
doenças da mente (psiquiátricas), enquanto fatores que influenciam o comportamento do
ser humano, por exemplo, o paciente que possui doença de Parkinson (doença do
cérebro) pode apresentar depressão e demência (doença da mente).
Por outro lado, a neurociência criminal auxilia a criminologia na análise de condutas
delinquentes utilizando imagens de escaneamentos cerebrais e outros instrumentos,
como a ressonância magnética funcional e a tomografia por emissão de pósitrons, que
investigam a predisposição de um indivíduo para a possível prática de crimes. Por
exemplo, a neuroimagem pode identificar mudanças na estrutura e no funcionamento
cerebral do indivíduo que apresenta transtorno afetivo bipolar ou esquizofrenia.
A neurociência proporciona maior aproximação da psiquiatria com a neurologia,
conceituando os diversos transtornos cognitivos existentes, como o autismo, o retardo
mental, o mal de Alzheimer, dentre outros.
Já no aspecto experimental, a neurociência proporcionou importantes descobertas
genéticas e biológicas nas diversas patologias neurológicas, como a doença de
Huntington, doença hereditária caracterizada por demência, alterações de personalidade
e distúrbios de movimento; doença dos canais iônicos, relacionada a arritmias; esclerose
lateral amiotrófica, dentre outras.
A neurociência se preocupou também em identificar os diversos transtornos de
personalidades já estudados por nós em psicologia criminal.
Mas a principal contribuição da neurociência para a medicina foi a aplicação de técnicas
de genética molecular (área da biologia que estuda a estrutura e a função dos genes em
nível molecular) e biologia celular (ramo da biologia responsável pelo estudo das células)
ao sistema nervoso, como a criação de clonagem de genes neurais, criação de animais
transgênicos etc.
Assim, Penteado Filho destaca os grandes avanços da engenharia genética que
impulsionaram a neurociência. Dentre eles:

1. Estudos de anormalidades cromossômicas.


2. Estudos de linhagens de famílias que apresentam grande índice de portadores de
transtornos mentais.
3. Interação gene e meio ambiente.
4. Novas abordagens da regulação neuronal (descobertas do Projeto Genoma
Humano).
5. Neuropatologia da esquizofrenia (alargamento de ventrículo cerebral).
6. Marcadores biológicos para vários transtornos psiquiátricos (neuroimagem
funcional). (PENTEADO FILHO, 2014, p. 153).

Por fim, Penteado Filho (2014, p. 153) afirma ainda que outra importante descoberta da
neurociência foi que em certas regiões do cérebro humano adulto há células-tronco
neurais persistentes e que podem originar vários outros neurônios e células gliais (células
não neurais do sistema nervoso central que nutrem os neurônios), que podem substituir
as células danificadas ou doentes por outras sadias.
Essa importante descoberta pode chegar à cura de várias doenças neurológicas, pois as
células gliais possuem capacidade de se multiplicarem em larga escala.

Saiba mais

Para ampliar seu conhecimento sobre o assunto, leia o artigo Neurociência e o Direito
Penal: repensando o ‘livre arbítrio’ e a capacidade de culpabilidade.

Aula 4
TEORIAS BIOPOLÍTICA, TANATOPOLÍTICA, AGNÓSTICA E O BIOPODER

Nesta aula convidamos você a conhecer algumas teorias


desenvolvidas por Michel Foucault e como elas se evidenciam na
sociedade moderna.
INTRODUÇÃO

Olá, estudante!
Nesta aula convidamos você a conhecer algumas teorias desenvolvidas por Michel
Foucault e como elas se evidenciam na sociedade moderna.
Trata-se da biopolítica, tanatopolítica e biopoder. Embora os conceitos trabalhados por
essas teorias tenham sido elaborados na década de 1970, você descobrirá que se trata
de temas bem presentes na sociedade atual, inclusive diante de acontecimentos bem
recentes no plano internacional.
Convido você também a aprender um pouco sobre a teoria agnóstica da pena e as
críticas feitas ao sistema penal latino-americano pelo grande jurista argentino Eugenio
Raúl Zaffaroni.
Vamos aprender mais?
Utilize nossos materiais e aprofunde seu conhecimento sobre o assunto.
Bons estudos!

TEORIA BIOPOLÍTICA

Você já ouviu falar em biopolítica?


Por muitos anos o Estado deteve o poder absoluto sobre os indivíduos. O autoritarismo
vigorou por séculos ao longo da história, e, durante a Revolução Francesa, com a queda
do absolutismo, nasceu o estado de direito.
Contudo, foi a partir da Revolução Industrial que o paradigma da modernidade emerge,
com um ambicioso e revolucionário projeto sociocultural. De um lado, classes de pessoas
que clamavam por emancipação, no intuito de reformular o processo de justiça penal do
antigo regime, eliminando os abusos e as barbáries; do outro lado, o Estado, buscando na
regulação social demarcar o alcance das leis ao poder punitivo que oferecesse maior
segurança jurídica e respeito aos direitos e liberdades dos indivíduos.
Nessa perspectiva, o neoliberalismo e o neoconservadorismo acentuaram as
desigualdades sociais, enfatizando o antagonismo entre a opulência econômica e a
miséria.
Nesse contexto, o conceito de biopolítica foi desenvolvido pelo filósofo francês Michel
Foucault, nos anos de 1970, tendo como principal objetivo estabelecer mecanismos de
controle social das populações em geral, gerenciando a vida, a saúde, a higiene, a
natalidade, e até mesmo a sexualidade e o controle de natalidade da sociedade como um
todo.
Foucault desenvolveu a ideia de que a vida do ser humano é administrada não por ele
mesmo, mas pelas instituições que detêm o poder, tornando-se o indivíduo mero objeto
da política.
Assim, é o Estado que controla os indivíduos, inclusive, decidindo quem deve viver, quem
deve morrer e quem deve ser criminalizado, com base em critérios de raça, gênero, etnia,
sexo etc.
É por meio da biopolítica que o Estado governa a vida dos indivíduos, de parte das
populações, isso porque esse controle social, na visão de Foucault, não alcança todas as
pessoas de forma indistintas, mas somente uma parcela delas, as mais vulneráveis.
Dessa forma, o Estado, com o intuito de minimizar os medos coletivos diante do
crescimento de classes menos favorecidas, passou a adotar um sistema extremamente
repressivo, com o intuito de neutralizar as classes consideradas perigosas.
Os excluídos passaram a ser vistos como criminosos estigmatizados, enfatizando ainda
mais essa ideia preconizada da biopolítica de Foucault. É justamente aqui que nasce a
temática da seletividade punitiva.
Da mesma forma, na sociedade contemporânea, a biopolítica, que se pauta naquilo que é
útil, se trata de um conjunto de estratégias políticas instituídas pelo Estado com a
finalidade de controlar a conduta dos outros.
Assim, os seres biológicos que são considerados úteis serão governados para que sejam
mais úteis. De outro modo, os seres improdutivos ou inúteis são condenados e
abandonados pelo Estado.
Além disso, a partir da gestão biopolítica, o Estado traça padrões de violências
considerados normais para a sociedade. A anormalidade passa a existir caso haja
alteração nesse padrão de violência social, como, por exemplo, as guerras da Síria, da
Palestina, do Iraque, dentre outros.
Portanto, se a violência está dentro dos padrões de normalidade, significa que o Estado
está apresentando um resultado de boa gestão e desempenho.
Outro viés da gestão biopolítica da violência trata dos lucros políticos que são auferidos
pelo Estado quando os padrões de violência estão fora da normalidade, pois o medo
coletivo autoriza, em certo modo, as políticas de exceção, inclusive, com limitações e
restrições aos direitos e garantias fundamentais os indivíduos.

TEORIA TANATOPOLÍTICA

Agora que você já estudou a teoria biopolítica, vamos aprender a tanatopolítica?


A tanatopolítica, também conhecida com a governamentalização da morte, significa a
“política da morte”. Trata-se de uma política da destruição em massa das populações.
Essa teoria também foi mencionada por Michel Foucault no século XIX, e mostrou sua
face perversa no nazismo, fascismo e stalinismo.
Diferentemente da biopolítica, que se preocupa com a gestão da vida, a tanatopolítica se
preocupa com a “gestão da morte” dos indivíduos, sobretudo de grupos considerados
improdutivos, indesejáveis ou prejudiciais para determinada sociedade.
Assim, considerando os regimes totalitários, a tanatopolítica se apresenta como uma
política cuja finalidade é limitar fisicamente os Estados opositores, utilizando meios cruéis.
Para a tanatopolítica, o Estado pode preferir a morte de alguns, considerados perigosos,
para garantir uma vida tranquila e harmoniosa a outros, fazendo parte essa teoria de uma
nova política internacional, e de muitas políticas de segurança pública adotada por alguns
países.
Dessa forma, segundo Giorgio Agamben, essa nova política internacional coincide com a
biopolítica, na qual, historicamente, concorrentes passam a se comunicar em vários
momentos.
Contextualizando a tanatopolítica na sociedade contemporânea, é importante destacar
que essa conceituação se tornou muito evidente em vários conflitos vivenciados nos
últimos acontecimentos históricos, principalmente naqueles em que países utilizaram
ameaças de armas bélicas e nucleares para trazerem temores a seus opositores.
Contudo, a tanatopolítica ganhou um novo viés na atualidade, por exemplo, em vários
momentos históricos, países em conflitos, mesmo não tendo declarado guerra
formalmente a outros, acabaram por se solidificar diante de invasões arbitrárias, como a
guerra contra a Líbia, no Regime de Gaddafi, a invasão do Afeganistão pelos Estados
Unidos, a invasão do Kuwait e do Iraque, e mais recentemente, a guerra da Síria.
Percebe-se, nesses contextos, que as guerras seguem novos padrões do uso
internacional de violência, isso porque não se trata de Estados que põem fim a tratados
ou convenções internacionais, ou até mesmo aos acordos de paz, mas utilizam violência
no plano internacional para a manutenção da chamada ordem mundial.
Assim, para a preservação da ordem mundial, permite-se a preservação de alguns em
detrimento de morte de milhares de pessoas, inclusive inocentes.
Essa consequência se mostra tolerável aos países conflitantes, sendo classificada por
eles como efeito colateral inevitável, porque milhares de mortes são projetadas como
efeitos colaterais de uma estratégia geopolítica de governo.
Além disso, é importante destacar que em alguns países o conflito não se dá contra outro
Estado, mas com grupos radicais internalizados no próprio espaço geográfico, colocando
vidas inocentes em perigo. Daí decorrem as intervenções, no plano internacional, como
forma de se garantir a ordem mundial.
Por fim, um caso bem recente é a guerra entre Rússia e Ucrânia. Nesse caso, a
tanatopolítica se apresenta clara durante a invasão do território ucraniano pela Rússia,
sob o argumento de desmilitarização de grupos separatistas armados que teriam
“tomado” o referido território. Durante esse conflito milhares de militares, civis e crianças
foram mortos ou ficaram feridos, tudo isso sob o pretexto da busca do poder e domínio.

TEORIA AGNÓSTICA E BIOPODER

Ainda sobre as ideias de governamentalização de Michel Foucault, falaremos sobre o


biopoder.
BiopoderPara alguns estudiosos, o biopoder é uma técnica de poder que visa à busca
por um estado de vida das populações de maneira que elas se apresentem
economicamente ativas e politicamente dóceis ao Estado, por meio da disciplina
(BERTOLINI, 2018, p. 87).
Na visão de Foucault, a disciplina focava no adestramento dos indivíduos, de forma que
eles respondessem conforme o padrão esperado pelo Estado.
Assim, o Estado se valia de várias instituições governamentais e não governamentais,
como o Exército, os conventos, as escolas, os hospitais etc., para controlar as
populações. Nesse passo, Foucault considerava o biopoder indispensável ao
desenvolvimento social.
Esse controle, além de ser exercido por meio de instituições governamentais e não
governamentais, também recebia forte imposição dos mecanismos reguladores e
corretivos, porque em alguns casos a lei ameaçava com morte os comportamentos que
fugissem dos padrões impostos pelo Estado.
Já na contemporaneidade, o biopoder está presente nas mais variadas áreas, sobretudo
se encontra inserido no conceito moderno de soberania, flexibilizando o monopólio do
poder fronteiriço, ante às mudanças econômicas e culturais da sociedade moderna.
Destacou-se a partir da descoberta do genoma, para a reprodução e seleção das
espécies.
Com base nessas mudanças, sobretudo as culturais, passaram a existir novas formas de
preconceitos, de racismos, de identidade, redes de comunicações e fluxos de migração.
O biopoder ganha nova versão, pois passa a regular a vida social e suas constantes
evoluções.
Por fim, na sociedade moderna, o biopoder atua de forma fluente no controle da produção
econômica e na reprodução da própria vida.
Finalizamos aqui os conceitos de biopolítica, tanatopolítica e biopoder, analisados sob os
aspectos criminológicos de Michel Foucault, e como esses temas se apresentam na
sociedade moderna.
Agora, falaremos sobre a teoria agnóstica da pena elaborada por Eugenio Raúl Zaffaroni.
Teoria agnósticaEugenio Raúl Zaffaroni, jurista e magistrado argentino, desenvolveu a
teoria agnóstica da pena estudando o sistema penal latino-americano, concluindo que,
embora a pena tenha duas finalidades, uma finalidade retributiva e outra preventiva, ela
cumpre apenas a função retributiva (BARRETO, 2000).
Segundo o autor, a pena constitui verdadeiro ato de poder político do Estado, que tem por
objetivo neutralizar o indivíduo que viola o ordenamento jurídico. Na maioria das vezes,
esse indivíduo é rotulado pelo próprio Estado, que acaba por segregar aquelas pessoas
indesejadas por grupos sociais, e marginalizadas pelo próprio poder político (BARRETO,
2000).
Assim, Zaffaroni defende a necessidade de reconstrução do sistema penal diante da
necessidade de restringir o poder de polícia do Estado e potencializar o estado de direito,
aplicando o encarceramento somente em casos excepcionais e necessários, podendo,
inclusive, haver a reintegração social por outros métodos, diversos da própria sanção
penal.

Saiba mais

Para ampliar seu conhecimento leia mais sobre direito, Disciplinas e as “artes de
governar” , de Michael Foucaut:
FONSECA, M. A. da. Michel Foucault e o direito. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p.
53-80.

Aula 5

TEORIAS DA CRIMINOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Olá, estudante!
Você estudará a seguir algumas importantes teorias da criminologia contemporânea.
Para começar, é importante destacar que a criminologia se trata de ciência interdisciplinar
que se relaciona com o Direito, com a Psicologia, a Psiquiatria, a Sociologia, dentre outras
áreas do saber.
A criminologia estuda a criminalidade como problema social, tentando identificar os
fatores que contribuem para a prática delitiva.
Esses fatores sociais estão diretamente ligados às várias teorias criminológicas, pois são
elas que identificam possíveis causas para a criminalidade. Vejamos as principais que
nortearão os nossos estudos: na psicologia criminal, tem-se o modelo psicanalítico, que
se preocupa em estudar a personalidade psicodinâmica do indivíduo, identificando os
seus conflitos internos, suas frustrações e motivações para a delinquência, que segundo
Sigmund Freud, na maioria das vezes, estão relacionados aos traumas de infância
reprimidos no inconsciente do indivíduo.
Além do modelo psicanalítico, o modelo psicopatológico também tem papel importante no
estudo da criminologia, uma vez que tem por finalidade investigar as diversas
enfermidades que acometem os indivíduos, que, inclusive podem determinar seu
comportamento delinquente, e ainda, os diversos transtornos de personalidade. Estes
últimos não são doenças propriamente ditas, mas anomalias do desenvolvimento mental,
que também podem influenciar o comportamento do indivíduo.
Com base no modelo psicopatológico, é possível estudar as diversas patologias e
transtornos de personalidade que podem causar o comportamento desviante do indivíduo.
Em que pese as teorias sociológicas da criminologia, merecem destaque as teorias de
conflito, que partem da premissa que os membros de determinados grupos sociais não
compartilham dos mesmos interesses, e, por isso, os conflitos seriam inevitáveis, pois é a
partir de tais conflitos que a sociedade se desenvolverá. As principais são: teoria crítica,
teoria de etiquetamento e teoria da reação social.
As teorias de consenso também são espécies de teorias sociológicas da criminologia e
desenvolveram a ideia de que os seres humanos vivem em sociedade porque possuem
objetivos comuns. As principais teorias de consenso são: teoria da associação diferencial,
teoria da anomia e teoria da subcultura delinquente.
Outro importante estudo dentro da criminologia é o da antropologia criminal, ciência que
se preocupou em estudar as características físicas do criminoso enquanto fator
determinante para a delinquência. Aqui, merecem destaque algumas teorias
contemporâneas da antropologia criminal, como as teorias endocrinológicas, que partiram
de estudos biológicos para encontrar respostas à criminalidade com base em alterações
hormonais e endócrinas.
O estudo da hereditariedade criminal também contribuiu para se chegar a algumas
respostas sobre a criminalidade, por exemplo, ao se estudar as famílias criminais pôde-se
comprovar que a maioria dos criminosos condenados possuíam pais delinquentes. Assim
como na delinquência gemelar, os estudos identificaram maior índice de criminalidade nos
gêmeos idênticos, e em menor grau, nos gêmeos fraternos.
A neurociência também contribuiu para o estudo da criminologia, pois se preocupou em
analisar condutas delinquentes utilizando imagens de escaneamentos cerebrais e outros
instrumentos, auxiliando na identificação de anomalias mentais.
Por fim, temáticas superatuais, como a biopolítica, tanatopolítica e biopoder contribuem
de forma significativa para se compreender as mais variadas situações de violências
existentes no plano internacional diante da existência de conflitos interfronteiriços.

REVISÃO DA UNIDADE

Olá, estudante!
Nesta unidade aprendemos as várias teorias da criminologia contemporânea e sua
importância ao identificar os fatores que influenciam o comportamento do indivíduo.
Vimos que vários são esses fatores, desde endócrinos até hereditários. Assim, a
criminalidade pode receber influência de fatores físicos, biológicos e sociais.
Por fim, é possível identificar várias espécies de violências inseridas na própria sociedade
moderna, principalmente os conflitos internacionais, que segregam e marginalizam
pessoas tidas como rejeitadas para o Estado.

ESTUDO DE CASO
Para contextualizar sua aprendizagem, imagine que você, um estudioso do fenômeno
criminológico, foi convidado a analisar a história de Ricardo.
Ricardo, dentista, perdeu sua esposa e filho recém-nascido em um acidente de trânsito.
Após o acidente, Ricardo, desolado, sentindo que não havia mais motivo para viver,
deixou o emprego, abandonou sua casa e foi morar nas ruas.
Depois de três anos morando nas ruas, e em situação de total miséria, Ricardo se viu
motivado em deixar “essa vida” ao passar por um comércio e ver o anúncio de vaga de
emprego para dentista.
Animado, Ricardo procurou a administração do edifício onde ficava localizada a clínica
odontológica, que divulgou a vaga de emprego para ter maiores informações. Descobriu
que as entrevistas ocorrerão dali a três dias e por ordem de chegada dos candidatos.
Assim, ficou extremamente preocupado, pois não possuía roupas adequadas para a
entrevista. Logo, teve a brilhante ideia de furtar uma loja de roupas situada na feira local.
Ricardo traçou várias estratégias para a prática do furto, de forma que não fosse pego.
Contudo, no dia do furto, policiais à paisana faziam o patrulhamento da vizinhança, e sem
saber, Ricardo se desbravou na difícil missão: a de furtar roupas para usar no dia da
entrevista.
Ricardo entrou em uma loja, já visualizando uma camisa gola polo e calça jeans escura.
Rapidamente, se apropriou das roupas e fugiu. O vendedor da loja, aos gritos, alertou os
demais feirantes e acionou a polícia. Ricardo conseguiu fugir até a rua de trás da feira,
mas, antes que pudesse se esconder, foi encontrado pelos policiais à paisana que faziam
ronda na localidade. Dessa forma, Ricardo acabou sendo preso em flagrante pela prática
de crime de furto. Na delegacia, Ricardo confessou o furto ao delegado, e quando
questionado sobre a motivação do crime, explicou que era dentista e com as roupas
novas pretendia concorrer à vaga de emprego que viu no comércio por onde andara.
Considerando a situação hipotética, qual teoria que melhor explica a pretensão de
Ricardo? Por quê? Para essa teoria, o crime tem origem patológica do indivíduo?
Explique o que diz essa teoria.

Reflita
Você aprendeu que as teorias sociológicas se preocupam em entender como a sociedade
pode influenciar o ser humano na prática de crimes, já que os delitos não se limitam às
características físicas ou são determinados tão somente por fatores biológicos do
indivíduo.
Cada teoria se preocupa em entender a criminalidade analisando fatores sociais sob
perspectivas diferentes. Por exemplo, a teoria do etiquetamento procura compreender o
porquê de o Estado criminalizar certos comportamentos; já a teoria da associação criminal
chegou à conclusão de que o comportamento criminoso é aprendido por meio da
interação social; na visão de Durkheim, o crime é útil para a sociedade, pois é a partir dele
que haverá a progressão/evolução social.
Assim, será que no contexto apresentado, Ricardo sofreu influência do meio ambiente
social em que vive?
Analisando a história de Ricardo, é possível concluir que a própria sociedade impõe
padrões de comportamentos, que se o indivíduo não se adequar, ficará excluído e
marginalizado?
E como resolver essas questões sociais, tendo em vista que são as pessoas das classes
mais desfavorecidas que sofrem com esses padrões impostos pela sociedade?
RESOLUÇÃO DO ESTUDO DE CASO

Nosso estudo de caso retrata a teoria da anomia, desenvolvida por Robert King Merton. A
teoria da anomia é uma das espécies de teorias estruturais-funcionais, que afirmam que o
crime é social, normal e funcional, decorrente do próprio progresso da sociedade.
Para Merton (2023), a falta de sucesso em alcançar metas culturais, como ter
propriedade, carro, família etc., chamada de meios institucionais, gera a conduta
desviante.
Assim, são os membros das classes menos favorecidas que cometem a maiorias dos
delitos, pois será por meio da conduta desviante que essas pessoas tentarão atingir as
metas culturais.
Merton prevê cinco tipos de adaptação individual (ANDRADE; MEDEIROS, 2023, p. 96):

• Conformista: absorve as metas culturais e tem os meios institucionais para


alcançá-la.
• Inovação: a pessoa absorve as metas culturais, mas não possui os meios
institucionais para alcançá-las e acaba delinquindo.
• Ritualista: a pessoa tem os meios institucionais, mas não absorve as metas
culturais.
• Retraimento: o indivíduo renuncia às metas culturais e aos meios institucionais,
como, por exemplo, os moradores de rua.
• Rebelião: o indivíduo tem parcialmente os meios institucionais e entende que as
metas culturais existem, mas não concorda com elas.

Nesse caso, a origem do crime não é patológica, e sim decorre do normal funcionamento
de toda a ordem social.
Na situação hipotética, a motivação da prática de crime por Ricardo tinha como finalidade
estar visualmente apresentável para o dia da entrevista, padrão esse imposto pela
sociedade. Assim, seria inconcebível a ele que se apresentasse na entrevista com roupas
maltrapilhas.
O estar bem vestido representa a meta cultural almejada por Ricardo. Ele mesmo sabia
que deveria estar à altura dos demais candidatos para que fosse possível a concorrência
justa entre eles, caso contrário, não teria a menor chance.
Quanto às adaptações, Ricardo se enquadra na adaptação inovação, pois ele absorveu
as metas culturais, ou seja, a necessidade de se apresentar bem vestido para a
entrevista, mas não possuía os meios institucionais para alcançá-las, isso porque vivia em
situação de miserabilidade, sem dinheiro, sem posses, já que era morador de rua, e, na
sua concepção, não restou alternativa senão a de praticar o furto.
RESUMO VISUAL
elaborada pelo autor.

CRIMINOLOGIA DIALÉTICA, CRÍTICA OU RADICAL


Aula 1
CRIMINOLOGIA CRÍTICA, CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

A criminologia crítica nasceu em um momento de intensa crise


política, decorrente do surgimento do sistema capitalista.
INTRODUÇÃO

Olá, estudante!
Nesta aula convidamos você a conhecer o conceito da criminologia crítica, dialética ou
radical, bem como suas principais características.
A criminologia crítica nasceu em um momento de intensa crise política, decorrente do
surgimento do sistema capitalista.
Como forma de se opor ao capitalismo, esse movimento fez duras críticas ao sistema
político de dominação da classe burguesa em relação à classe trabalhadora, enxergando
o fenômeno criminal a partir de outros fatores, como as desigualdades sociais, a luta de
classes, dentre outros.
Com base nessa teoria, outras teorias surgiram, também com o intuito de criticar a gestão
do poder estatal em relação às classes menos favorecidas.
Vamos aprender mais sobre o tema?

CONCEITO DE CRIMINOLOGIA DIALÉTICA, CRÍTICA OU RADICAL

Você já ouviu falar em criminologia crítica?


A criminologia crítica tem sua origem no livro Punição e Estrutura Social, de Georg
Rusche e Otto Kirchheimer, de 1938, e se trata de uma das teorias de conflito
(ANDRADE; MEDEIROS, 2023, p. 99).
Ela nasceu a partir de fenômenos sociais, como o surgimento do capitalismo, a luta de
classes, as desigualdades sociais, dentre outros fatores, na sociedade pós-revolução
industrial. Por negar o capitalismo, teve sua base formada no marxismo.
Andrade e Medeiros (2023, p. 99) afirmam que o movimento da criminologia crítica
recebeu nomes diferentes, conforme o local em que se desenvolveu, apresentando
algumas diferenças entre si. Por exemplo, na Europa, ficou conhecida como criminologia
crítica; na Grã-Bretanha, nova criminologia; e, nos Estados Unidos, o movimento ganhou
o nome de criminologia radical.
Perceba que o contexto histórico de nascimento dessa teoria é de intensa crise política de
países capitalistas. Dessa forma, os defensores desse movimento veem o delinquente
como vítima da sociedade, pois a sociedade capitalista é opressora e intensificou as
desigualdades sociais. Assim, o problema da criminalidade não se encontra no criminoso
em si, mas na própria sociedade. Por tais razões, não se resolveria a criminalidade
tratando o criminoso, mas haveria grandes resultados mudando a sociedade em que ele
está inserido.
Andrade e Medeiros (2023, p. 99) sustentam ainda que “o capitalismo é o pilar para o
entendimento da criminalidade, eis que promove o egoísmo, levando indivíduos a realizar
atos em proveito próprio e, por vezes, praticar crimes”.
Assim, o movimento propõe grandes reformas na estrutura da sociedade moderna, uma
vez que a diminuição das desigualdades sociais levaria a uma diminuição da
criminalidade.
Gimenes e Filho (2022, p. 35) destacam que há forte “estigmatização da população
marginalizada”, se referindo à classe trabalhadora, pois era o alvo do sistema punitivo
durante o surgimento do capitalismo. Isso porque a classe trabalhadora era oprimida pela
burguesia capitalista para a manutenção da estabilidade da produção e da ordem social.
Nucci (2021, p. 125) reforça, ainda, que o Estado capitalista transformava em crime
apenas as condutas que lhes interessava, sendo o Direito Penal um braço do sistema
punitivo desse Estado, o que retrata bem a dominação política da classe burguesa e a
preservação dos interesses dessa classe dominante.
Desse modo, em resposta a esse sistema punitivo de dominação política é que se levanta
o movimento, em defesa da diminuição do processo de criminalização de vários crimes,
criticando fortemente o sistema capitalista.
Para Andrade e Medeiros (2023, p. 100), não há causa ontológica do crime, pois o status
de criminoso era imposto pela própria classe dominante, com o objetivo de controlar os
indivíduos de classes menos favorecidas.
Várias são as correntes decorrentes da criminologia crítica, dentre elas: neorrealismo de
esquerda; direito penal mínimo; abolicionismo penal. Todos defendem a reestruturação da
sociedade para extinguir o sistema de exploração econômica.

CARACTERÍSTICAS DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA

Agora que você já conhece o conceito de criminologia crítica e o contexto histórico em


que ela surgiu, vamos estudar suas principais características.
Vimos que a criminologia crítica, dialética ou radical teve sua base inspirada no marxismo,
em negação à estrutura capitalista da sociedade pós-revolução industrial.
Veiga (2022, p. 106) apresenta o paralelo entre as teorias funcionalista e crítica elaborada
por William J. Chambliss no texto da coletânea Criminologia Crítica, traçando algumas
características da criminologia crítica.
O crime acaba por gerar uma estabilidade em um sistema econômico instável,
promovendo a legitimação do monopólio do Estado sobre a concepção de violência, e
justificando o controle político legal das populações. Então, o comportamento criminoso
legitima a atuação do Estado, e, com a finalidade de neutralizar a criminalidade, o sistema
político estigmatiza os indivíduos que serão considerados como delinquentes, na maioria
das vezes, pessoas da classe dominada.
Assim, certos atos são criminosos porque é do interesse do Estado e da classe
dominante, da mesma forma que certas pessoas são rotuladas como criminosas.
Os indivíduos das classes desfavoráveis são rotulados como criminosos, enquanto os da
classe burguesa não, porque a burguesia detém o controle dos meios de produção, e por
consequência, o controle estatal, controlando, inclusive, a aplicação das leis.
Por isso, os defensores dessa teoria tratam o criminoso com empatia, pois afirmam que
ele não é um ser anormal, mas vítima do controle seletivo e discriminatório do Estado,
que visa controlar uma classe em detrimento da outra.
Os tipos de crimes variam de sociedade para sociedade, de acordo com suas estruturas
econômicas e políticas. As sociedades socialistas e capitalistas possuem índices de
criminalidade diferentes, pois o conflito entre classes é menor nas sociedades socialistas.
Dessa forma, definir certas pessoas como criminosas permite um controle maior sobre a
classe trabalhadora.
Além disso, a criminologia crítica também se opõe aos modelos tradicionais da
criminologia, bem como aos seus métodos, pois a criminologia tradicional não
compreende a criminalidade em sua totalidade, por não reconhecer que o crime advém do
sistema produtivo capitalista.
Assim, em resumo, as principais características do movimento crítico são:

• a concepção conflitual da sociedade e do direito (o direito penal se ocupa de


proteger os interesses do grupo social dominante);
• reclama compreensão e até apreço pelo criminoso;
• critica severamente a criminologia tradicional;
• o capitalismo é a base da criminalidade;
• propõe reformas estruturais na sociedade para redução das desigualdades e
consequentemente da criminalidade. (ANDRADE; MEDEIROS, 2023, p. 101).

Por fim, como já dito anteriormente, é importante ressaltar que a criminologia crítica, em
decorrência do método produtivo e do sistema político de dominação oriundos do sistema
capitalista, defende, arduamente, a restruturação e reformulação da sociedade,
principalmente no que se refere aos graves problemas relacionados às desigualdades
sociais.

FATORES DETERMINANTES QUE JUSTIFICAM A CRIMINOLOGIA CRÍTICA

Você já aprendeu o conceito de criminologia crítica e identificou suas principais


características.
Agora, estudaremos os fatores determinantes que justificam a teoria crítica. E para
compreender esses fatores, é importante também estudarmos as ramificações dessa
teoria. São elas:

• Criminologia radical (nova criminologia marxista).


• Criminologia da pacificação.
• Criminologia realiza ou realismo de esquerda.
• Criminologia verde.
• Criminologia pós-moderna.

A criminologia crítica de Alessandro Baratta também se trata de ramificação da teoria


crítica, contudo será estudada em outro momento, com mais detalhes.

Criminologia radical (nova criminologia marxista)


A criminologia radical nasceu a partir da obra de Taylor, Walton e Young (The New
Criminology, 1973), que defende a existência do Direito Penal para garantir a exploração
da classe trabalhadora.
Tida como sinônimo da criminologia crítica, a teoria radical propõe a restruturação da
sociedade para diminuir as desigualdades sociais, e por consequência, reduzir a
criminalidade.

Criminologia da pacificação
Defendida pelo criminólogo americano Richard Quinney, a criminologia da pacificação,
pacificadora ou da compaixão defende a busca de uma sociedade justa e livre de delitos e
castigos, propondo um sistema de justiça criminal baseado no diálogo.
Trata-se de criminologia fundada em concepções religiosas de bondade e compaixão.

Criminologia realista/realismo de esquerda


Seus principais defensores são Jock Young e John Lea, que escreveram a obra O que
Fazer com a Lei e a Ordem, em 1986.
Segundo Andrade e Medeiros (2023, p. 103), a “expressão realista tem a pretensão de
criticar o idealismo de esquerda, o qual tinha um reducionismo de somente tentar explicar,
de forma abstrata, a criminalidade, na perspectiva da luta de classe e que o direito se
tratava de instrumento de manutenção de poder”.
Nessa perspectiva, o realismo de esquerda defende deixar a concepção abstrata de que o
crime é produto da luta de classes e promover políticas comunitárias de enfrentamento às
desigualdades sociais, bem como para proteger os direitos e os interesses dos grupos
vulneráveis das sociedades.

Criminologia verde
É uma vertente da criminologia crítica que se preocupa com problemas relacionados ao
meio ambiente, defendendo sua integral proteção, pois representa direito difuso, inerente
a toda coletividade.
Assim, a teoria se preocupa com o estudo da criminalidade ambiental, daí o nome
criminologia verde, que partindo da mesma premissa que os crimes de colarinhos
brancos, são praticados por grandes corporações.
Andrade e Medeiros (2023, p. 104) sustentam que essa teoria denuncia a prática de
grandes empresas que, supostamente, dizem preservar meio ambiente, mas que, na
verdade, cometem crimes de lavagem de dinheiro (greenwashing).
Aqui, os crimes ambientais podem chegar ao conhecimento do Estado, e este por sua
vez, fazendo vista grossa, deixa de punir essas grandes empresas, ou esses tipos de
crimes sequer chegam ao conhecimento do poder estatal. Os crimes ambientais que não
chegam ao conhecimento do Estado são chamados de cifra verde.

Criminologia pós-moderna
Por fim, a última vertente da criminologia crítica tem por finalidade criticar a modernidade,
que coisifica o crime e sua produção. Essa teoria foi desenvolvida por Dragan Milovanovic
e Stuart Henry.

Saiba mais

Para ampliar seu conhecimento, convidamos você a pesquisar sobre a diferença entre o
realismo de esquerda (neorrealismo de esquerda) e o realismo de direita
(neorretribucionismo): VEIGA, M. Criminologia. Coleção Método Essencial. Rio de
Janeiro: Grupo GEN, 2022, p. 107-110.
Aula 2
DEFENSORES DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA

Você sabia que a criminologia crítica, dialética ou radical também


influenciou os países latino-americanos?
INTRODUÇÃO

Olá, estudante!
Você sabia que a criminologia crítica, dialética ou radical também influenciou os países
latino-americanos?
Nesta aula convidamos você a conhecer um pouco mais sobre a criminologia crítica e
vários outros defensores, inclusive brasileiros.
Iremos estudar os principais defensores da teoria crítica e como esses grandes nomes se
destacaram na sociedade da época e influenciaram a sociedade contemporânea.
Dentre eles, vários nomes podem ser citados, como Nilo Batista, Juarez Cirino dos Santos
e Roberto Lyra Filho, que contribuíram com a sociedade brasileira com base em
pensamentos marxistas em oposição à dominação de classes perpetrada pelo sistema
capitalista.
Vamos aprender mais sobre esses teóricos?

CRIMINOLOGIA CRÍTICA E A DEFESA DO ABOLICIONISMO PENAL

A criminologia crítica, dialética ou radical é uma teoria inspirada por ideais marxistas (Karl
Max) em contraposição ao sistema capitalista. Tal teoria traça duras críticas às
desigualdades sociais, ao sistema de produção, em face da intensa exploração da mão
de obra e, sobretudo, à política de criminalização, uma vez que o sistema penal se
traduzia em criminalizar as classes mais desfavorecidas da sociedade da época.
Vários são os defensores dessa teoria, e alguns se destacaram ao longo da história.
Vamos conhecê-los?

Nucci cita vários adeptos da teoria crítica:

São adeptos dessa criminologia radical, como desencadeadores, Ian Taylor,


Paul Walton e Jock Young (Inglaterra). Na Alemanha, Sack. Nos Estados
Unidos, Richard Quinney e Chambliss. Na Itália, Melossi, Pavarini, Bricola e
Baratta (Escola de Bolonha). Na França, Michel Foucault, com ideias
convergentes com os temas centrais da criminologia radical. Na América Latina,
Lola Aniyar de Casto, Rosa Del Olmo e Zaffaroni. Em Portugal e no Brasil,
destacam-se Boaventura de Sousa Santos, Roberto Lyra Filho, Nilo Batista e
Juarez Cirino dos Santos. Mais recentemente, o francês Loïc Wacquant.

(NUCCI, 2021, p .22).


Passemos ao estudo de alguns deles:
Richard Quinney, sociólogo norte-americano, em 1975, escreveu a obra Criminologia, e
alguns anos depois, em 1991, escreveu Criminologia como pacificação. Para o sociólogo,
a sociedade americana é baseada no chamado capitalismo avançado. Assim, o Estado
existe para servir os interesses da classe dominante e o Direito Penal serve para
perpetuar a ordem social e econômica existente. Dessa forma, o sistema punitivo é
estabelecido e administrado pela elite governamental, representando os interesses da
classe dominante.
William Chambliss e Robert Seidman, sociólogos norte-americanos, escreveram Law,
Order and Power, em 1971. Para os autores, o sistema de justiça penal não é neutro, mas
representa a estrutura de conflitos de uma sociedade. Assim, o Direito Penal não resolve
pacificamente os conflitos sociais, pois é criado e aplicado por uma sociedade que
reproduz as estruturas de poder, portanto serve aos interesses dos grupos que detêm o
poder.
Taylor, Walton e Young escreveram Criminologia Crítica e a A Nova Criminologia, em
1973 e 1980, respectivamente, na Inglaterra. Para os autores, a lei penal representa uma
superestrutura da infraestrutura de produção capitalista. Assim, o Direito não seria uma
ciência, mas uma ideologia que deve ser analisada no contexto de luta de classes. Desse
modo, aceitar a definição de crime criado pela burguesia equivale aceitar a ficção da
neutralidade do Direito. Então, o enfoque radical é um enfoque materialista, ou seja, de
uma criminologia que esteja normativamente comprometida com a abolição de
desigualdades em riquezas e poder e com uma sociedade em que não se criminalize tudo
aquilo que seja diferente. É preciso questionar não somente as causas dos crimes, mas
também as causas das normas (TAYLOR; WALTON; YOUNG, 1980, p. 56).
Nilo Batista, brasileiro, advogado e professor de Direito Penal escreveu Introdução
Crítica ao Direito Penal Brasileiro, em 1990, e Matrizes Ibéricas do Sistema Penal no
Brasil, em 2000. Em suas obras, Nilo Batista sustenta que há uma marcante congruência
entre os objetivos do Estado e os objetivos do Direito Penal. Assim, conhecer o contexto
histórico, econômico e social do surgimento do Estado é fundamental para o Direito
Penal, da mesma forma que o Direito Penal é uma ferramenta útil para o Estado manter
seus fins capitalistas (NUCCI, 2021, p. 122).
Lola Aniyar de Castro escreveu Criminologia da Libertação, de 1987, na Argentina, e
partiu da premissa de defender que a discussão sobre a dominação leva a uma discussão
sobre libertação. Toda dominação enseja o controle social. Dessa forma, deve ser
analisada a atuação dos controles ideológicos, que se iniciam como processo de
socialização, passam por modelos educacionais e logo se transformam em modelos de
intervenção penal.

TESE DE JUAREZ CIRINO DOS SANTOS

Juarez Cirino dos Santos ficou conhecido como o pioneiro da criminologia crítica no
Brasil. Nascido na cidade de Rio Azul, no estado do Paraná, em 24 de setembro de 1942,
tornou-se professor universitário, pesquisador, escritor e advogado brasileiro.
As obras de Juarez Cirino dos Santos se aproximam muito do diálogo enfrentado pelas
teorias defendidas por Karl Marx, Foucault, Alessandro Baratta, Max Weber, Erwing
Goffman, Kirchhheimer, dentre outros.
Escreveu A Criminologia da Repressão, em 1979, e se identificou com o marxismo.
Também escreveu As Raízes do Crime: um estudo sobre as estruturas e as instituições
da violência, em 1984. E não diferente dos demais defensores da criminologia crítica, se
preocupou em estudar as relações sociais da estrutura de classe do sistema capitalista,
bem como o sistema político-jurídico, voltados para a análise de seu principal objeto, o
crime e o controle social (PENTEADO FILHO, 2014, p. 118).
Assim, para o jurista, a base da criminologia crítica é composta pelas classes de
trabalhadores, consideradas oprimidas, justificando a luta contra o sistema capitalista, a
busca pela construção do socialismo, e ainda, a criação de uma teoria materialista do
Direito Penal e do crime no plano do sistema capitalista.
Suas obras retratam uma postura de radicalismo extremo, pois para o autor, o processo
de criminalização, tanto na produção como na aplicação das normas protege
seletivamente os interesses das classes dominantes, selecionando os indivíduos
rotulados e estigmatizados, que estavam distribuídos nas classes sociais subalternas.
Nucci sustenta que, para Juarez Cirino, a criminologia crítica é uma reação à criminologia
tradicional, da mesma forma que o marxismo foi para a clássica economia política:

Assim, as relações de produção e as questões relativas ao poder econômico e


político são conceitos essenciais à criminologia radical. Observa-se que, em
sociedades capitalistas, a maior parte dos delitos é de cunho patrimonial,
mesmo envolvendo violência, pois se trata de uma busca para suprir carências
econômicas dos mais carentes. Um dos principais movimentos dessa
criminologia é abandonar os estudos etiológicos e as explicações causais do
delito, orientando-se para questões de valor e de real interesse.

(NUCCI, 2021, p. 125).

Dessa forma, a criminologia radical tem por finalidade abolir tudo o que for considerado
inimigo da classe trabalhadora.
Assim, Juarez Cirino e os demais defensores da criminologia radical se voltam contra a
exploração de classes e o racismo, defendendo a transformação da estrutura social, bem
como a solidificação do socialismo.
No que se refere à pena privativa de liberdade, para Juarez Cirino, a prisão não reduz a
criminalidade, porém contribui com o aumento da reincidência e das organizações
criminosas, bem como com o surgimento de novos delinquentes, se mostrando um
fracasso (NUCCI, 2021, p. 124).
Por fim, seria necessário adotar uma política para criminalizar as classes dominantes e
descriminalizar as classes inferiores, além de se criar penas alternativas para os crimes
menos graves.

TESE DE ROBERTO LYRA

Roberto Lyra Filho foi um jurista brasileiro, formado em Letras e Direito, que possuía
grandes produções literárias, algumas sob o pseudônimo de Noel Delamare. Foi
advogado no estado do Rio de Janeiro, exerceu a função de conselheiro penitenciário e
dedicou parte da sua vida profissional à carreira de docente na Faculdade de Direito do
Rio de Janeiro, lecionando a disciplina de Direito Penal. Na Faculdade Brasileira de
Ciências Jurídicas assumiu a cátedra de Direito Processual Penal.
O jurista chegou a lecionar também na Universidade de Brasília, em 1963. Ajudou a
fundar o Centro Universitário de Brasília (CEUB) e, em 1984, se mudou para o estado de
São Paulo, onde atuou em cursos de graduação e pós-graduação, lecionando as
disciplinas de Direito Penal, Direito Processual Penal, Filosofia Jurídica, Direito
Comparado, Criminologia e Sociologia Jurídica.
O autor foi considerado um dos grandes pensadores da esquerda, destacando-se por
estudos dogmáticos ligados ao humanismo dialético e à Filosofia e Sociologia Jurídica.
Defendia a abolição da sociedade de classes e sofreu grande influência do “Direito
achado na rua”, que pregava a validade das normas jurídicas individuais a partir do
socialismo democrático.
Observe alguns ideais de Roberto Lyra Filho descritos em sua obra:

Os socialistas históricos em geral sustentaram que, na sociedade dividida em


classes, a justiça é sempre justiça de classe e que nela a lei oculta a defesa dos
interesses da classe dominante, sob o disfarce de tutela da sociedade ou do
Estado. A preocupação principal – acrescentaram – é a proteção daqueles em
cujo favor foi constituído o poder político com a ordem jurídica correspondente.

(NUCCI, 2021, p. 123).

Perceba que o jurista também teceu críticas ao sistema capitalista e ao sistema de


dominação político-jurídico, sustentando que a principal preocupação do Estado era a
preservação dos interesses da burguesia, estigmatizando os menos favorecidos.
Reforçou, ainda, que o conceito de crime é historicamente determinado pelas
manifestações específicas de culturas e subculturas, por isso seria importante tratar um
novo conceito de crime com base no socialismo democrático e no materialismo histórico e
dialético.
Essa concepção tomou forma na Nova Escola Jurídica Brasileira (NAIR), fundada na
Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Aqui, o autor se pronunciou em
favor de uma “teoria da libertação”, resgatando a dignidade do sistema jurídico, partindo
da luta por uma nova sociedade, sem classes dominantes ou classes dominadas. Essa
teoria da libertação defende uma emancipação social em busca de uma sociedade
melhor, sugerindo novas formas, teóricas e práticas de luta (SANT’ANNA, 2004, p. 232).
Nesse contexto, é inegável a influência do radicalismo jurídico à sociedade brasileira à
época, na qual se destacaram grandes seguidores da teoria crítica e do pensamento de
esquerda, que também se opuseram às sociedades de classes e às desigualdades
sociais impostas pelo sistema capitalista.
Tais ideais se destacam até os dias de hoje, principalmente diante do pluralismo político,
naquele conceito que se tem de partidos de esquerda e de direita.

Saiba mais

Para ampliar seu conhecimento, convidamos você a ler sobre o criticismo na obra de
Guilherme de Souza Nucci:
NUCCI, G. de S. Criminologia. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2021. p. 122-129.
Aula 3
CRIMINOLOGIA CRÍTICA E O SISTEMA PENAL

Nesta aula, convidamos você a conhecer um pouco mais sobre esse


grande filósofo, sociólogo e jurista italiano, que norteia o estudo da
criminologia crítica.
INTRODUÇÃO

Olá, estudante!,
Você já ouviu falar em Alessandro Baratta?
Alessandro Baratta foi um grande expoente da criminologia crítica. Sua obra Criminologia
Crítica e Crítica do Direito Penal, escrita em 1982, retrata sua visão sobre a sociedade da
época.
Baratta se destacou por apresentar uma proposta de política alternativa ao Direito Penal,
além de ter tecido duras críticas aos métodos de ressocialização implementados pelo
Estado por se mostrarem ineficientes.
Nesta aula, convidamos você a conhecer um pouco mais sobre esse grande filósofo,
sociólogo e jurista italiano, que norteia o estudo da criminologia crítica.
Vamos aprender mais?
Utilize nossos materiais e aprofunde seu conhecimento sobre o assunto.
Bons estudos!

O ABOLICIONISMO DE ALESSANDRO BARATTA

O abolicionismo surgiu na década de 1970, como um dos desdobramentos dos


postulados da criminologia crítica. Seus ideais seguiram os movimentos ideológicos da
teoria do etiquetamento (labeling approach), defendendo o fim do Direito Penal no modelo
que se conhece atualmente.
Andrade (2023, p. 174) reforça que para os defensores do movimento o “o sistema
punitivo existe com a única finalidade de manter as segregações já existentes e que os
efeitos colaterais da aplicação das penas privativas de liberdade são mais danosos que
benefícios para a sociedade”. Isso porque o Direito Penal serviria tão somente para
segregar os indivíduos rotulados como criminosos pela sociedade, gerando grandes
impunidades às pessoas ricas e poderosas.
Segundo Andrade (2023, p. 174), várias são as críticas dos defensores dos abolicionistas
para justificar o fim do direito penal:

• Há um grande número de delitos que não chegam ao conhecimento das


autoridades policiais (cifras negras), e, portanto, não são combatidos, contudo, a
própria sociedade acaba lidando com eles, não sendo, dessa forma, indispensável
a atuação do Estado para a pacificação social.
• A seletividade do direito penal acaba por invalidar sua premissa de proteção de
bens jurídicos e da sociedade, na medida em que o sistema punitivo é altamente
seletivo, gerando impunidade aos mais ricos e penas severas aos mais pobres.
• O Direito Penal é estigmatizante, pois rotula certa parcela da população como
criminosa, que acaba não conseguindo se livrar de tal pecha, criando um círculo
vicioso. Isso só alcança, ainda, os mais pobres, à medida que os mais
abastados acabam se livrando da aplicação das penas.
• As vítimas são deixadas de lado no Direito Penal, as quais têm pouca, ou
nenhuma participação no sistema punitivo. A elas seria mais interessante
um sistema que buscasse a reparação do dano causado.
• O Direito Penal é inócuo, haja vista que não consegue evitar que o crime ocorra.

Em defesa dessa corrente, Alessandro Baratta (1933-2002), filósofo, sociólogo e jurista


italiano, entre os anos de 1970 a 1990, influenciou os estudos da Filosofia do Direito e
Sociologia Jurídica com intensas críticas ao sistema penal e à criminologia tradicional.
Alessandro Baratta é considerado um dos precursores da criminologia crítica e um dos
defensores do abolicionismo e do garantismo penal, teorias, que, como já se sabe,
nasceram na década de 1970.
O autor escreveu a obra Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal, em 1982,
sustentando que o Direito Penal, por meio das normas e de suas aplicações, reproduz as
relações sociais ao circunscrever e marginalizar a população criminosa recrutada nos
setores mais deficitários do proletariado. Defendeu, intensamente, a “superação do
sistema penal tradicional em direção a um sistema de defesa e garantia dos Direitos
Humanos” (BARATTA, 2011, p. 86).
Por fim, apresentou uma proposta de política alternativa, no intuito de atender às classes
desfavorecidas.

ALESSANDRO BARATTA E A CRÍTICA AO SISTEMA PENAL

Vamos entender um pouco mais sobre a proposta de política alternativa ao Direito Penal,
de Alessandro Baratta?
Ao se falar de uma criminologia crítica e interacionista, Baratta (2011) defende que o
processo de criminalização é o mais poderoso mecanismo de reprodução das relações de
desigualdades sociais.
Assim, o sistema penal possui uma função seletiva que se dá tanto na criminalização
primária (criação dos tipos penais) como na criminalização secundária (aplicação da pena
a um caso concreto), pois não irá processar todos os crimes. Isso porque essa
seletividade é direcionada para a camada mais pobre da sociedade, não para os mais
ricos, salvo pouquíssimas exceções.
A seletividade em escolher quais condutas serão processadas ocorre tanto no momento
da criação de um tipo penal, dando prioridade a tipos penais direcionados à criminalidade
de rua, quanto no momento de o juiz aplicar a sanção penal ao caso concreto, ou ainda,
no momento do oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, e quando a autoridade
policial sai às ruas e escolhe quem são os possíveis autores de crimes.
Nucci (2021) relata que Alessandro Baratta trata de ponto relevante para sua teoria, que
diz respeito à igualdade formal existente no Direito Penal. Nesse ponto, destaca-se o
princípio da fragmentariedade para deixar à margem do Direito Penal algumas condutas,
que podem ser absorvidas por outros ramos do Direito. Assim, não criminalizar certos
comportamentos, praticados, sobretudo pelas classes dominantes, demonstra que o
sistema político somente criminaliza comportamentos típicos de classes pobres e
subalternas:
Quanto a esse aspecto, torna-se difícil refutar, tendo em vista que a simples
observação dos tipos penais incriminadores demonstra a imensa diferença de
pena, quando destinada a um crime patrimonial, como o furto, que, após
sucessivas reformas no Código Penal, conseguiu a proeza de ganhar cinco
circunstâncias qualificadoras, a ponto do furto de galinha poder ser apenado
com reclusão de dois a cinco anos (art. 155, § 6º). É praticamente a mesma
pena cominada a delitos tributários e econômicos, previstos pela Lei 8.137/1990
(arts. 1º e 4º). Sob outro aspecto, BARATTA completa ser hoje a função do
cárcere o demonstrativo da desigualdade sistêmica, captando presos das
camadas mais depauperadas da sociedade, marginalizados socialmente e
estigmatizados pelo sistema punitivo estatal. Assim, o cárcere seria a ponta do
iceberg que é o sistema penal burguês.

(NUCCI, 2021, p. 126).

É nesse contexto que Alessandro Baratta defende a implantação de uma política criminal
alternativa, em que os delitos seriam diferenciados pela posição social do autor.
Essa política alternativa seria subdividia em duas (BARATTA, 2011):

• Criminalidade das classes subalternas: em que se teria uma despenalização da


conduta ou a aplicação de sanções penais não estigmatizantes.
• Criminalidade dos poderosos: defendendo uma ampliação do sistema punitivo, de
forma que se alcance pessoas com alto poder econômico.

ALESSANDRO BARATTA E A CRÍTICA AOS MÉTODOS DE


RESSOCIALIZAÇÃO DO ESTADO

Agora que você já sabe quais foram as críticas feitas por Baratta ao sistema penal, vamos
estudar as críticas tecidas pelo autor aos métodos de ressocialização realizadas pelo
Estado?
Alessandro Baratta (2011) defende que o atual sistema carcerário produz efeitos
contrários àDessa forma, Alessandro Baratta sustenta ainda que, para esses crimes dos
poderosos, as penas deveriam ser mais duras. Por outro lado, para a criminalidade de
rua, o Direito Penal deveria ser menos cruel.
Por fim, o conceito de direitos humanos assume uma dupla função: função negativa,
marcando os limites da intervenção penal, e função positiva, definindo quais são os
objetivos possíveis de serem tutelados pelo Direito Penal, devendo-se incluir os
interesses coletivos, como saúde pública, ecologia e melhores condições de trabalho.
ressocialização e à reinserção do condenado no seio social:

O cárcere é contrário a todo moderno ideal educativo, porque este promove a


individualidade, o autorrespeito do indivíduo, alimentado pelo respeito que o
educador tem. As cerimônias de degradação no início da detenção, com as
quais o encarcerado é despojado até dos símbolos exteriores da própria
autonomia (vestuário e objetos pessoais), são o oposto de tudo isso. A
educação promove o sentimento de liberdade e de espontaneidade do
indivíduo: a vida no cárcere, como universos disciplinar, tem um caráter
repressivo e uniformizante.

(BARATTA, 2011).

Na visão do autor, as instituições carcerárias submetem os condenados a situações


degradantes, desde a sua entrada e permanência, pois preveem rituais que muitas vezes
retiram dos indivíduos presos suas identidades.
Assim, dois são os efeitos gerados pelo encarceramento: a desculturação, pois o
condenado deixa de lado tudo o que aprendeu sobre vida em liberdade; e, prisionalização
ou aculturação, no sentido de que o condenado precisa se adaptar à subcultura
carcerária, porque precisa aprender a apresentar bom comportamento carcerário para
conseguir alguns direitos, como progressão de regime, liberdade condicional e algumas
outras regalias (BARATTA, 2011, p. 184).
A prisionalização, na visão de Baratta (2011, p. 184), conduz ao que o autor chama de
“assimilação da cultura prisional”, isto é, impõe ao condenado a “educação para ser
criminoso e a educação para ser bom preso”.
No primeiro caso, a educação para ser criminoso decorre da subcultura delinquente,
enquanto no segundo caso a educação para ser bom preso é justamente o principal
objetivo do sistema penal, que impõe um comportamento passivo de conformismo por
parte do encarcerado (BARATTA, 2011, p. 186).
Embora a pena tenha finalidade retributiva e preventiva, ela não cumpre suas reais
funções, porque está diretamente relacionada ao sistema capitalista. Assim, se a mão de
obra é escassa, as leis penais serão flexíveis. De outro modo, se há abundância de
trabalhadores, as leis penais se mostrarão mais rigorosas, uma vez que deixarão de
cumprir seu papel na sociedade capitalista (BARATTA, 2011, p. 190).
Alessandro Baratta (2011, p. 190) conclui que o sistema capitalista se alimenta das
pessoas excluídas, e caso estas não participem do sistema de produção do capitalismo,
elas se transformam em mãos de obra reservas do sistema carcerário. Por tais motivos,
seria impossível a ressocialização desses criminosos, até porque o próprio sistema penal
não possui interesse na reeducação desses delinquentes.
Por fim, para se modificar esse modelo de comportamento, é necessário extinguir a
subcultura carcerária e reestruturar todo o sistema penal.

Saiba mais

Você já ouviu falar no panóptico de Jeremy Bentham?


Convidamos você a conhecer mais sobre essa arquitetura revolucionária do ano de 1791.
Indicamos a leitura do texto a seguir:
SIQUEIRA, V. O panóptico e o panoptismo: Michel Foucault.
Aula 4
CRIMINOLOGIA CRÍTICA E AS TEORIAS ABOLICIONISTAS

Nesta aula estudaremos as teorias abolicionistas de Louk Hulsman,


Thomas Mathiesen e Nils Christie.
INTRODUÇÃO

Olá, estudante!,
Nesta aula estudaremos as teorias abolicionistas de Louk Hulsman, Thomas Mathiesen e
Nils Christie.
Louk Hulsman defende a completa abolição do Direito Penal, pois, na visão do autor, ele
não serve para proteger a sociedade; enquanto Thomas Mathiesen defende a abolição do
sistema carcerário e das penas privativas de liberdades, uma vez que se mostram
ineficientes e incapazes de ressocializar os condenados; por outro lado, Nils Christie
defende o fim das penas que causam sofrimento, primando pela reparação dos danos
causados à vítima como punição ao infrator.
Vamos aprender mais sobre a teorias desses grandes criminólogos? Utilize nossos
materiais e aprofunde seu conhecimento sobre o assunto.
Bons estudos!

TEORIA DE LOUK HULSMAN

Você já aprendeu que a teoria abolicionista se origina a partir das teorias críticas, em
especial, da teoria do etiquetamento, defendendo o fim do Direito Penal da forma como se
conhece hoje.
Dentro das escolas abolicionistas pode-se se destacar a teoria de Louk Hulsman,
criminólogo holandês que defende a total abolição do Direito penal, uma vez que não
protege a sociedade, não consegue prevenir a delinquência e carece de fundamento e de
racionalidade. Conforme tal teoria, antes, essa criminalização deveria ser abolida
internamente em cada indivíduo, pois seria necessário mudar a percepção, atitudes e
comportamentos que cada um tem em si mesmo relacionados a preconceito racial,
preconceito de gênero etc. (HULSMAN; DE CELIS, 1993).
Para Louk Hulsman (HULSMAN; DE CELIS, 1993), os conflitos sociais poderiam ser
perfeitamente solucionados pelas partes, sem que houvesse a participação do Estado. O
criminólogo em questão defende ainda que o termo “crime” deveria ser substituído por
“situações-problemas”, porque é a favor da completa descriminalização das condutas
consideradas criminosas e descarcerização dos indivíduos.
Dessa forma, em vez de “crime”, “criminoso”, “criminalidade”, ou “política criminal”, se
deveriam utilizar as expressões “atos lamentáveis”, “pessoas envolvidas”, situações-
problemas” ou “comportamentos indesejados”. Isso porque o sistema criminal dá origem a
novos conflitos na sociedade, em decorrência da exclusão, da estigmatização e da
dominação de classes. Esse mesmo sistema criminal é investido de poder, que produz
um mal à sociedade, pois não procura entender as reais necessidades das populações.
Assim, o Direito Penal poderia ser imediatamente abolido e substituído por outros
métodos de solução de conflito, como a reparação e a conciliação. A criminalização do
indivíduo deve se apresentar como evento raro e excepcional. Dessa maneira, as partes
seriam protagonistas das soluções conciliatórias e, caso o conflito tivesse que passar pelo
juiz, este deveria pertencer a um tribunal de natureza administrativa ou civil, atuando em
defesa das garantias e liberdades individuais.
Andrade e Medeiros (2023) citam um caso emblemático de Hulsman:

(...) é um caso hipotético, onde cinco jovens dividem o apartamento e um deles


quebra uma televisão, a qual pertencia a todos. Problematizando em torno do
modelo punitivo a ser adotado, um dos estudantes reage sugerindo a expulsão
do agressor (sistema repressivo), outro sugere chamar um especialista para
tratar a personalidade do agressor (modelo terapêutico), um terceiro estudante
sugere que o agressor repare o dano (modelo reparador) e o quarto sugere que,
diante dessa situação problemática, o grupo debatesse em conjunto para
identificar o problema, ou seja, o que pode ter gerado o ato.

(ANDRADE; MEDEIROS, 2023, p. 175).

Diante dessa situação-problema, Louk Hulsman (ANDRADE; MEDEIROS, 2023, p. 175)


destaca que a última solução sugerida seria a que melhor resolveria o problema.
Por fim, percebe-se que a intenção do criminólogo é redesenhar novas alternativas de
solução de controvérsias, afastando o sistema criminal repressivo e envolvendo as
pessoas conflitantes na resolução de seus próprios conflitos.

TEORIA DE THOMAS MATHIESEN

Agora que você já estudou a teoria abolicionista de Louk Hulsman, vamos entender a
diferença apresentada pela teoria de Thomas Mathiesen, também defensor do
abolicionismo do Direito Penal.
Sociólogo norueguês, Thomas Mathiesen, ao contrário de Louk Hulsman, defende a
extinção da pena privativa de liberdade e do sistema carcerário, por se mostrarem
ineficazes, e não a extinção do Direito Penal como um todo. Sua postura abolicionista
apresenta profundas críticas às prisões.
Para o sociólogo, o problema do sistema carcerário se encontra na finalidade geral da
pena, pois não haveria sentido castigar um indivíduo que comete delitos com o objetivo de
evitar que outras pessoas venham a delinquir. Ainda que se voltasse ao utilitarismo, o
sistema carcerário padeceria de imparcialidade, na medida em que se apresenta seletivo,
favorecendo as classes abastadas e sacrificando indivíduos das classes menos
favorecidas (MATHIESEN, 1965).
A partir dessa ideia, Mathiesen se propôs a tecer intensas críticas aos sistemas de
prevenção à criminalidade. Num primeiro momento, analisando a prevenção individual, a
interdição e a dissuasão, os defensores dessas ideologias sustentam que para encarcerar
poucos indivíduos que realmente são perigosos seria necessário encarcerar também
muitos indivíduos que provavelmente não cometeriam nenhum crime. Esse seria um
efeito colateral normal. Assim, discordando de tal cenário, o sociólogo sustenta que essa
ideologia seria desprovida de ideais humanitários, sem se preocupar em melhorar a vida
do indivíduo, de forma a reinseri-lo na sociedade (MATHIESEN, 1965).
A teoria da interdição tem por finalidade a condenação de indivíduos baseado em atos
que poderão ser cometidos no futuro. Por exemplo, o Estado poderia impor a pena
privativa de liberdade para um grupo inteiro de pessoas, sem fazer qualquer distinção
entre elas, pouco importando o grau de perigo que cada uma representa para a
sociedade. Tal teoria se baseia em possibilidade futura, e por esse motivo, Mathiesen
sustenta que não há como predizer a periculosidade de um indivíduo que justificasse o
castigo, mostrando-se o sistema carcerário totalmente desumano.
Por último, a dissuasão utiliza o encarceramento para dissuadir o indivíduo a não cometer
mais crimes. Contudo, para o sociólogo, essa teoria não funcionará de forma individual.
Desse modo, as teorias que são utilizadas para fundamentar o sistema carcerário não
conseguem defender sua existência. Diante do fracasso do sistema prisional, é
necessário reduzir seu papel de forma progressiva até a sua total extinção.
A proposta para abolição do sistema carcerário e das penas privativas de liberdade deve
seguir dois planos: legislativo e de preparação política.
No plano legislativo, o Estado precisa despenalizar e descriminalizar as condutas, criando
soluções de natureza civil no lugar da pena.
No plano de preparação política, é necessário criar meios para que as populações
entendam e aceitem as mudanças nas leis, levando-as a compreender que a ideologia do
cárcere não irá mudar as questões de criminalidade, mas apenas cometer injustiças ao
impor regimes tão severos às pessoas das classes sociais menos favorecidas
(MATHIESEN, 1965).
Por fim, é necessário abrir os espaços públicos para debates, a fim de que as populações
se conscientizem sobre a ineficácia do sistema carcerário.

TEORIA DE NILS CHRISTIE

Você aprendeu que Louk Hulsman defende a abolição completa do Direito Penal e que
Thomas Mathiesen defende a abolição progressiva do sistema carcerário, por se mostrar
ineficaz.
Agora, falaremos sobre a teoria de Nils Christie, sociólogo e criminólogo norueguês, que
defendeu a extinção de penas que causassem dor ou sofrimento às pessoas.
Apesar de não se considerar um abolicionista propriamente dito, a doutrina criminológica
o considera. Christie afirma que o crime não existe, pois o que existem são atos, e que a
partir de uma construção social esses atos foram classificados como crimes. Dessa
forma, o conceito de crime foi criado por um grupo de pessoas que escolheram
criminalizar certos atos (CHRISTIE, 2004).
O sociólogo defende também o diálogo entre vítima e infrator, a fim de que compreendam
a posição, as circunstâncias e características de cada um, dando a oportunidade de
contarem o seu ponto de vista e entenderem suas motivações e sentimentos (CHRISTIE,
2004).
Ao possibilitar esse diálogo, o Estado evitará que as comunidades tratem o infrator com
ódio e alcançará resultados mais satisfatórios à vítima.
Para Nils Christie, os infratores não são monstros. Na verdade, são pessoas normais
como quaisquer outras, mas que fizeram coisas erradas, e, portanto, seria possível
manter um diálogo aberto com eles (CHRISTIE, 2004).
A justiça criminal se divide em justiça horizontal e justiça vertical. A primeira se trata de
decisões de âmbito local, que visam à compensação ou à reparação no lugar da punição.
A segunda se refere à busca pela punição. Contudo, a punição deve ser o último recurso
imposto pelo Estado.
Primeiro deve-se buscar um sistema de solução civil de conflitos para as situações em
que não for possível o perdão e a conciliação entre as partes, para somente depois
aplicar uma punição ao infrator voltada à reparação dos danos causados por atos
indesejados. As punições que causam sofrimentos, como as penas privativas de
liberdades, devem ser extintas da sociedade, pois podem tornar as pessoas mais cruéis
do que já são.
Assim, deve-se primar pela reconciliação a partir de um sistema reintegrador, com a
finalidade de reparar o dano, ainda que de forma simbólica, sem causar sofrimento ao
condenado. Por tais razões é que a punição que cause sofrimentos aos condenados deve
ser a última alternativa, e não a primeira.
Para concluir, Andrade e Medeiros (2023, p. 177) afirmam que Christie sugere uma
espécie de justiça comunitária ou restaurativa para solucionar o caso da criminalidade ou
situações-problema, com a reparação dos danos causados pelos atos indesejados à
vítima, seja por meio da conciliação, seja pela mediação, ou até mesmo, pelo que ele
chama de reconciliação, sempre com a finalidade de evitar qualquer pena que cause dor
ao infrator.

Saiba mais

Convidamos você a ler sobre as posições críticas ao abolicionismo:


NUCCI, G. de S. Criminologia. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2021. p. 292-299.

Aula 5
REVISÃO DA UNIDADE

CRIMINOLOGIA CRÍTICA E ABOLICIONISMO

Olá, estudante!
A criminologia crítica, dialética ou radical nasceu a partir da Revolução Industrial,
contrapondo-se aos ideais capitalistas.
A teoria crítica também ficou conhecida como teoria marxista diante da forte influência dos
ideais de Karl Marx, que sustentava que o capitalismo serviu para aumentar as
desigualdades sociais.
Nesse contexto, para os defensores da teoria crítica, com o surgimento do sistema
capitalista e do sistema de dominação entre classes sociais houve um considerável
aumento no índice de criminalidade, tendo em vista que o sistema penal se preocupava
tão somente com os interesses das classes dominantes, e para conter seus opositores,
que pertenciam às classes menos favorecidas, direcionavam a criação das leis penais
para esse grupo de pessoas.
Por tais razões, os criminólogos críticos afirmavam haver forte estigmatização da
população pobre, pois a burguesia também dominava o poder estatal, que se voltava
apenas aos interesses da classe dominante.
Assim, podemos apontar as principais características do movimento crítico:
• A concepção conflitual da sociedade e do direito (o direito penal se ocupa de
proteger os interesses do grupo social dominante).
• Reclama compreensão e até apreço pelo criminoso.
• Critica severamente a criminologia tradicional.
• O capitalismo é a base da criminalidade.
• Propõe reformas estruturais na sociedade para redução das desigualdades e
consequentemente da criminalidade. (ANDRADE; MEDEIROS, 2023, p. 101).

Várias ramificações surgiram a partir do movimento crítico, dentre elas podemos destacar
a criminologia da pacificação, a criminologia realista ou realismo de esquerda e a
criminologia verde. A primeira prega a busca de uma sociedade justa e livre de delitos e
castigos, propondo um sistema de justiça criminal baseado no diálogo; a segunda
defende que o conceito abstrato de crime deve ser substituído por políticas comunitárias
de enfrentamento às desigualdades sociais para proteger os direitos e os interesses dos
grupos vulneráveis; e a terceira se preocupa com o estudo da criminalidade ambiental.
Além disso, alguns precursores se destacaram ao longo da história enquanto defensores
do movimento radical no Brasil: Nilo Batista, José Cirino dos Santos e Roberto Lyra Filho.
Esses criminólogos radicais brasileiros também receberam forte influência de Alessandro
Baratta, filósofo, sociólogo e jurista italiano, que traçou fortes críticas à criminologia
tradicional, sob o argumento de que o Direito Penal, por meio das normas e de suas
aplicações, reproduz as relações sociais ao marginalizar a população dos setores mais
pobres da sociedade. O jurista apresentou uma proposta de política alternativa, no intuito
de atender às classes desfavorecidas (BARATTA, 2011, p. 86).
Por fim, a teoria abolicionista nasceu a partir das teorias críticas, em especial, da teoria de
etiquetamento, defendendo o fim do Direito Penal da forma como se conhece hoje. Os
principais defensores dessa teoria são: Louk Hulsmans, que defende a total abolição do
Direito Penal, pois entende que os conflitos sociais podem ser solucionados pelas
próprias partes, sem a participação do Estado; Thomas Mathiesen, que defende a
extinção da pena privativa de liberdade e do sistema carcerário, traçando intensas críticas
às finalidades gerais e especiais das penas; e Nils Christie, que defende a extinção das
penas que causem sofrimento às pessoas.

REVISÃO DA UNIDADE

Olá, estudante!
Nesta unidade estudamos o conceito, as características e os principais ideais da
criminologia crítica, dialética ou radical.
Aprendemos que a teoria crítica nasceu a partir da Revolução Industrial, contrapondo-se
aos ideais capitalistas, e recebeu influência marxista. Isso porque, com o surgimento do
sistema capitalista, houve um considerável aumento no índice de criminalidade, pois o
sistema penal, dominado pela burguesia, direcionava a criação das leis penais para as
classes menos favorecidas.
ESTUDO DE CASO

Para contextualizar sua aprendizagem, imagine que você, um estudioso do fenômeno


criminológico, foi convidado a analisar a história de Marcos.
Marcos, jovem de 18 anos, mais velho dentre os irmãos, desde a infância viveu na
periferia do estado do Rio de Janeiro. Não conheceu seu pai. Então, desde sempre morou
apenas com sua mãe e seus três irmãos.
A mãe de Marcos, para conseguir suprir as necessidades básicas da família, se ocupava
como catadora de lixos recicláveis.
Aos 9 anos, Marcos começou a ajudar a mãe a catar lixos recicláveis para aumentar os
rendimentos da família, e, por isso, não teve muitas oportunidades de estudos.
Quando era adolescente, vivia rodeado por amigos, também adolescentes, todos de
família pobre, que moravam na mesma comunidade. Naquela época, sua maior diversão
e de seus amigos era pichar as paredes da comunidade onde vivia.
Quando completou 16 anos, seus amigos o convidaram a se aventurar a pichar, não mais
a paredes da sua comunidade, mas agora, as paredes das ruas de Copacabana. Assim,
partiram nessa grande aventura. Então, durante o período noturno, Marcos e seus amigos
se desbravavam nessa empreitada, deixando suas “marcas” registradas por onde
passavam.
Por quatro vezes, Marcos e alguns de seus amigos foram pegos pela polícia, mas estes
os advertiam a não picharem mais, lhes davam uma surra, e em seguida os liberavam.
Aos 17 anos, Marcos foi novamente pego pelos policiais, mas dessa vez foi encaminhado
à Delegacia da Infância e Juventude, e submetido pela Vara de Infância e Juventude à
medida socioeducativa de advertência.
Contudo, agora, com 18 anos, Marcos foi pego em flagrante pichando as ruas do bairro
carioca, tendo a autoridade policial lavrado o termo circunstanciado de ocorrência,
informando que responderia pelo crime de pichação, nos termos do art. 65, da Lei n.
9.605/98, apenado com pena de detenção de 3 meses a 1 ano e multa.
Considerando a situação hipotética, a atuação policial na repressão de atos subculturais,
como a pichação, mostra-se adequada ao movimento de política criminal alternativa
defendida por Alessandro Baratta? Por quê? Comente a respeito da subdivisão da política
criminal alternativa de Alessandro Baratta e sua relação com os direitos humanos.

Reflita
O jurista e criminólogo Alessandro Baratta buscou dialogar com a criminologia crítica e a
crítica do Direito Penal, afirmando ser necessário superar o sistema punitivo tradicional
em defesa de um sistema de garantias dos direitos humanos.
Dessa forma, ao analisar a situação hipotética, seria possível afirmar que o sistema penal,
no modelo em que se apresenta, está preparado para solucionar os problemas sociais
enfrentados pelas comunidades mais pobres das sociedades?
Aplicar a lei penal pura e simplesmente resolveria os problemas de falta de educação,
oportunidade de trabalhos, dentre outros, enfrentados pelas comunidades
desfavorecidas?
Condenar Marcos, no contexto de sua história de vida, é a melhor solução para ele e para
outros adolescentes que estão na mesma situação?
Nesse contexto, seria importante, a partir de um modelo integrado entre o Direito Penal, a
criminologia e a sociologia, entender as reais funções da justiça criminal, de modo a
afastar as desigualdades nas relações sociais.
RESOLUÇÃO DO ESTUDO DE CASO

Respondendo ao primeiro questionamento, a atuação policial no combate à pichação não


se mostra adequada à política criminal alternativa defendida por Alessandro Baratta. Isso
porque, ao se falar de uma criminologia crítica, interacionista, Baratta (2011) defende que
o processo de criminalização é o mais poderoso mecanismo de reprodução das relações
de desigualdades sociais.
Assim, o sistema penal possui uma função seletiva que se dá tanto na criminalização
primária (criação dos tipos penais) como na criminalização secundária (aplicação da pena
a um caso concreto), pois não irá processar todos os crimes, pois essa seletividade é
direcionada para a camada mais pobre da sociedade, não para os mais ricos, salvo
pouquíssimas exceções.
A seletividade em escolher quais condutas serão processadas ocorre tanto no momento
da criação de um tipo penal, dando prioridade a tipos penais direcionados à criminalidade
de rua, quanto no momento de o juiz aplicar a sanção penal ao caso concreto, ou ainda,
no momento do oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, e quando a autoridade
policial sai às ruas e escolhe quem são os possíveis autores de crimes.
É nesse contexto que Alessandro Baratta defende a implantação de uma política criminal
alternativa, em que os delitos seriam diferenciados pela posição social do autor.
Essa política alternativa seria subdividida em duas (BARATTA, 2011):

• Criminalidade das classes subalternas: em que se teria uma despenalização da


conduta ou a aplicação de sanções penais não estigmatizantes.
• Criminalidade dos poderosos: defendendo uma ampliação do sistema punitivo, de
forma que se alcance pessoas com alto poder econômico.

Dessa forma, Alessandro Baratta sustenta ainda que, para esses crimes dos poderosos,
as penas deveriam ser mais duras. Por outro lado, para a criminalidade de rua, o Direito
Penal deveria ser menos cruel.
Por fim, o conceito de direitos humanos assume uma dupla função: função negativa,
marcando os limites da intervenção penal, e função positiva, definindo quais são os
objetivos possíveis de serem tutelados pelo Direito Penal, aqui, devendo-se incluir os
interesses coletivos, como saúde pública, ecologia e melhores condições de trabalho.
Na situação concreta, Marcos não teve oportunidade de estudar, logo, não teria
oportunidade para trabalhar, e diante de seu contexto social, a aplicação pura da lei não
se mostra razoável, pois seria necessária a criação de políticas criminais alternativas,
primeiro, para tirar esses adolescentes das ruas, e segundo, para terem acesso à
educação.
Resumo Visual

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