Resenha de Maravall (Paulo Reis)

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais


Curso: História
Disciplina: Transformações culturais da Europa Moderna I
Professor avaliador: Paulo Reis
Autora: Isis Bruna Vieira de Souza
DRE: 103143777
Período: 5° período
Data: 29 de novembro de 2005

Resenha: A Cultura do Barroco


(José Antonio Maravall)

José Antonio Maravall, ao analisar a sociedade espanhola do antigo regime, trata de


separá-la em quatro características básicas usadas para elucidar a cultura e sociedade
hispânica do século XVII, e toda a crise que padece esses dois elementos, as características
sociais da cultura do Barroco são: Dirigismo, massividade, urbanidade, e conservadorismo.
“A crise social e (..) a crise econômica –isto é, uma fase, em conjunto, de alterações
que compreendem, aproximadamente, e o período anterior a 1590 até depois de 1660-
contribuíram para criar o clima psicológico do qual surgiu o Barroco, e do qual se
alimentou, inspirando seu desenvolvimento nos mais variados campos da cultura”1
Na questão da cultura barroca como dirigida notamos a preocupação das ditas
“classes dominantes” em direcionar uma cultura para formar mentes: a situação hispânica
era de crise social e econômica, aliado a isso o aumento denso da demografia e a miséria
dos campos (com a atenção voltada para as cidades), fazem brotar uma caldeira nas
cidades.1 Uma caldeira de pessoas de diversos grupos e com diferentes interesses, uma
situação delicada que poderia resultar em revoltas populares.
Daí surge a necessidade de homogeneizar o pensamento desses heterogêneos
grupos:”A política , por sua vez, detém um importante papel na cultura do século XVII”2 .
Essa “política” faz uso da cultura para controlar a temperatura desse caldeirão: “uma
economia fortemente dirigida(...), uma literatura comprometida a fundo com as instancias
da ordem e da autoridade(...) uma ciência perigosa, mas nas mãos de sábios prudentes”3. Na

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questão barroca ainda se comprova essa preocupação política pela tendência dos estudiosos
defenderem o ideal do “conhecer para manipular” essa dita “natureza do homem”, ou seja,
o homem para compreender as suas possíveis reações e saber manipula-lo
apropriadamente:”se não se conhece bem a natureza do homem, cujo conhecimento é
precisamente necessário ao que governa para saber rege-lo e dele proteger-se”4 .
Para dirigir esse caldeirão espanhol nas cidades, produzir-se-á exatamente uma
cultura de massas. O Barroco como cultura massiva precisou da ajuda fundamental da
invenção da imprensa, por Gutemberg para melhor atingir a todos os indivíduos sociais. A
literatura, a pintura e a musica e o teatro (com a conhecida comédia espanhola) foram os
“novos cavaleiros” que a classe dominante usava para manter o senhorismo medievalizante.
Os senhores modificam sua forma de coerção e dominação, esta passou a ser praticada pela
cultura do que pela cavalaria. Essa cultura para a massa, também chamada de Kitsch tem a
característica de uma cultura comercial de fato. Com o advento da imprensa, esta torna-se
uma industria cultural, logicamente quem manejava as engrenagens dessa cultura era uma
combinação de classe governante (rei, nobreza) com a classe dominante(mercadores,
burgueses).2O lado positivo é o acesso da massa à cultura, enquanto que os pontos
negativos são inúmeros mas o principal deles é a vulgarização da cultura e a queda dos
valores tradicionais. Uma crítica brilhante desse processo vem dentro da epopéia de Don.
Quixote de Cervantes, no qual o personagem perde a sanidade e entra num mundo
fantástico de cavalarias e honra graças a intensa leitura que este fez durante sua vida.
Essa massa, esse caldeirão de heterogeneidade, de camponeses que abandonaram os
campos devido à miséria, de ciganos, mercadores, perdidos e marginais etc, se
concentraram em um local específico: o centro urbano. Por isso, O barroco também é uma
cultura urbana.”O Barroco é uma cultura que se forma em relação a uma dependência com
a sociedade, é, ao mesmo tempo, uma cultura que surge para operar sobre uma sociedade, a
cujas condições conseqüentemente tem de se acomodar”5. É uma cultura que passa da
cidade para o Estado. Essa classe dominante: “não são senhores que vivem no campo, (...)
são ricos que habitam a cidade e burocratas que ali administram e enriquecem”.6 Não
podemos esquecer que a cultura não urbana, de controle das massas e conservação de

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poderes, é produto de uma cidade que vive em estreita conexão com o campo”7.De acordo
com a influencia citadina o camponês aos poucos vai perdendo a concepção de produzir
para suficiência, e o auge da cidades não provém da industria (que permite de fato um
crescimento econômico e uma planificação monetária dentro dos componentes das massas)
mas sim o comercio que domina o campo sob a relação de oferta e procura. Desse processo
o camponês volta-se a cidade como chance de sobrevivência, mas depare-se com um
turbilhão de pessoas e problemas, uma cidade muitas vezes sem “ordem”, o individuo está
fadado à mendicância e ao crime.
A cultura vem para controlar esse que poderia se revoltar, com tamanha pressão
social sofrida. Também é próprio desse propósito a perda de identidade do indivíduo: este
que mudou-se para cidade, tiraram-lhe seus hábitos, impuseram-lhe outros e também o
fazem quanto as idéias. Uma cultura para tornar os indivíduos iguais e doutrinados, animais
que pensam, e apenas o que lhe foi ensinado.
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Além do anonimato que este mesmo vive, dentro da massividade, este indivíduo também
ganha a negativa liberdade ou uma “isenção de controles”.
“Os fatores de socialização empregados para operar as massas são, em si,
conservadores”8. Esses meios de socialização, dirigidos a uma massa para faze-la participas
de tal imagem social, têm, em sua função integradora um respaldo conservador. O
conservadorismo para não permitir que os anseios, daqueles que não aceitavam a
dominação cultural, na pretensão de chegar a uma substituição do sistema alcançassem os
seus objetivos. Uma atitude de manter as “coisas na sua ordem”, reduzindo o risco do
desmoronamento do sistema vigente.
Formando esses quatro componentes, a dinâmica da cultura barroca na Espanha
alcança seu plano de ação manipulando e ordenando as massas nas cidades e orientando
também o campo. Não é inválido lembrar que processos de formação de mentes não é
típico somente desse século XVII, mais válido ainda é meditar em que âmbito José Antonio
Maravall quis explicitar uma cultura orientadora de pensamento, qual é a visão deste sobre

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essa forma de coerção e porque a escolha do tema no período de feitura do livro e qual o
meio em que se insere produção das idéias conferidas em A cultura do Barroco.

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Apêndice

A cultura do Barroco e a Sociedade da mídia:


Um atraente anacronismo

“Mas isto é um anacronismo!” Muitos me acusarão, eu sei, mas ao ler “A


cultura do Barroco” me deparei com elementos muito familiares dos quais não
pude fugir, nem ignorar: a incrível semelhança dos elementos da Sociedade
Barroca com signos próprios desta realidade em que vivemos.
O talento de José A. Maravall não precisou de obviedade para atacar
pontos importantes de uma crise que surge desde 1929, é com a estrutura histórica
barroca que ele provoca esse questionamento tão atual. Esse abismo que caiu o
pensamento europeu no inicio do século XX, fundamentado exatamente no
avanço descompassado das ciências naturais e tecnológicas, seguido de
questionamentos sobre o futuro e função do homem, como tentativa de
rompimento com o mundo ordenado e progressista do século XIX positivista. O
homem já não suporta mais ser visto como um animal; se sente indefeso e
amedrontado pela Lei da Seleção Natural das Espécies de Darwin; luta pelo poder
bélico, econômico e até cultural. Mas, também é neste momento que surgem
mentes que não aceitam tal verdade como principio fundamental; daí nascem
novas ciências para atender a “loucura sã” do mundo contemporâneo: a
psicanálise, a Fenomenologia e todas as manifestações artísticas de quebra com o
“tradicional”, rompimento com as escolas, tal como o Expressionismo, Cubismo,
Dadaísmo e o movimento de 1922 na Bienal de São Paulo são frutos de uma
mentalidade em crise e questionadora da ultima.
Bom, agora que chagamos a crise do pensamento europeu (que perdura até
hoje) podemos retornar ao Barroco para fazer entender o que um tem a ver com o

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outro. Maravall sendo um profundo estudioso da Historia moderna espanhola,
apresenta-nos uma excelente obra para compreensão de um Barroco como um
“conceito histórico”, um período que compreende os três primeiros quartos do
século XVII. Ele deixa claro que este processo não é só artístico, pelo contrario, o
este caráter vem do resultado de uma sociedade filha do Classicismo, do
Iluminismo e do pânico da Contra-reforma, e por esse antagonismo interior (essa
luta de anseios humanos com medos e tabus entranhados nas mentes da época)
que tem a incrível qualidade de questionar-se. O individuo barroco vive numa
crise (econômica, mas principalmente sócio-cultural) e tem consciência desta.
Estando ciente dela, serão inúmeros os meios de controlá-la criados pelo Estado
espanhol em potencialidade crescente no absolutismo e também da Igreja
católica.
Daqui apresenta-se o Barroco como um movimento que abriga uma serie
de manifestações ligadas à cultura, mas que é manejado por forças políticas
centralizadoras e conservadoras a fim de manipular e controlar a população, a
massa na “dança” de seus interesses. Por isso Maravall trata de uma cultura
massiva (o aumento da população faz crescer a demanda pelo controle
“psicológico” dessas pessoas); dirigida (uma produção cultural com efeito
“educativo”, ou seja, orientador e alienador- para evitar possíveis dissidências);
urbana (posto que trata-se do momento de intenso crescimento do comercio
espanhol e de movimento de controle de prováveis revoltas na cidade, pelo
próprios aumento e diversidade demográficas); conservador (pois o interesse é,
mesmo seguindo a tendência pelo novo, este “novo” é guiado a um caminho não
ameaçador às forças e instituições tradicionais da época: monarquia absolutista,
burocratas e a Igreja Católica).
Os avanços tecnológicos daquele momento também influenciaram na
produção da “Kitsch”. A imprensa que agora fabricava livros em mais
quantidade, mais baratos e inferiores em conteúdo; esta mesma imprensa que vai
se colocar como uma industria de cultura: uma cultura industrial, massificada,

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vulgar e que nada tem de realmente novo e questionador. Algo muito semelhante
à mídia contemporânea, o jogo entre “produtores” de opinião pública (redes de
TV, empresas de marketing, e fabricantes de tendências e modismos) e nós
indivíduos afogados às tendências e normas que vêm em forma agradável e suave
para que não cause impacto holístico, mesmo causando destruição de valores e
culturas populares mais “antigas”.As Guerras mundiais não são mais necessárias;
o controle agora é através de mega industrias que utilizam armas poderosas para,
dentro de nossa “heterogeneidade”, cultivar uma homogeneidade de pensamento:
todos querem possuir aquele produto ou ser daquela maneira, sem ao menos
questionar o por quê. No mundo de “estilos”, e consumismo declarado pouco
sobra de tempo para se ver dentro de um jogo de manipulação de mentes; assim
como a cultura do Barroco é uma cultura para reduzir ou evitar inquietações,
produzindo e fazendo praticar o exercício do “não-pensar”.

Assim, como o homem de agora, também o individuo barroco sabe que


vive numa crise e tenta arrumar meios de sair dela, mas se depara com agentes
controladores que não permitem a sublimação do pensamento a um conhecimento
superior, uma atitude de não se deixar controlar por meios massivos e
deturpadores da realidade do mundo e do homem. No barroco era um Estado
absolutista, agora são grandes industrias, especuladores e políticas imperialistas.
Como no século XVII as culturas vendáveis e as idéias prontas fazem valer a
sociedade do consumismo, da identificação através do “igual”. É um estado do
qual o ser humano está perdido, mas pensa que não está, pois nada reflete de fato
sobre si e sua existência. A Igreja católica não põe mais medo, mas ainda há
fundamentalismos religiosos e discursos nacionalistas deturpados para guiar-nos
cada vez mais à violência sem motivo plausível. Os computadores tornam tudo
mais fácil e rápido: as idéias e pensamentos já vem prontos na Tv e na Internet (e
também na imprensa) para que as novas gerações raciocinem de forma guiada e
questionem (seu mundo e a si próprio) cada vez menos. Para que liberdade de

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expressão, se nós nem a usamos de fato?! Seria possível um movimento de
resgate da potencialidade do pensar humano, da espontaneidade e do livre arbítrio
de ter suas próprias idéias e opiniões?! O Barroco já nos mostrou que esse
movimento é utópico e para poucos sonharem e acreditarem.

É nesse âmbito que se funda o pecado cometido por mim no texto. Não
nego minha precipitada atuação (posto que na precipitação sempre há um pouco
de paixão); por isso não desviarei de ataques e castigos, mas também voltar atrás
nestas afirmações é possibilidade pouco considerada...
Penso que todos têm o direito de equívoco principalmente diante de boas
argumentações e grandes inquietações fabricadas por estas ultimas. Não há então,
(fazendo a análise da sociedade do Barroco, à priori só desta, através do livro de
Maravall) como escapar ou desviar de um saboroso e atraente anacronismo.

Bibliografia
MARAVALL, José Antonio. A cultura do Barroco: analise de uma estrutura histórica –
Trad. Silvana Garcia- São Paulo: EDUSP, 1997

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