Introdução À Ética
Introdução À Ética
Introdução
Iniciamos, por esta via, uma série de reflexões inseridas na disciplina de TT3 cujo
conteúdo versa sobre Ética e Deontologia Profissional que noutros cursos é apresentado
através duma cadeira semestral com testes e exame final.
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Como indicado pelo título, o tema da nossa reflexão é composto por dois elementos que
são: Ética, o primeiro, e Deontologia Profissional, o segundo.
Este autor que já antecipa, de algum modo, a reflexão que faremos mais adiante sobre a
relação entre ética e moral, aponta para a origem das duas palavras que constituem o
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primeiro tema da nossa reflexão. Fala do Grego e do Latim, línguas originárias de ética e
moral, respectivamente, indicando também o que cada palavra significava na sua origem.
Estas palavras chegaram ao Português vindas, pelo menos uma delas, duma língua que
hoje já não se fala: o Latim, que é uma língua morta. E o que aconteceu, ao chegarem à
nova língua? Será que mantiveram o seu sentido original ou ganharam outro? Este aspecto
aprofundá-lo-emos mais adiante, mas Camargo já introduz alguma pista conducente a
uma conclusão, ao indicar que no uso hodierno uma das duas palavras poderia substituir
a outra integralmente.
O segundo autor que também se interessa e manifesta o seu conhecimento sobre o assunto
de que aqui se trata é Cabral (2003) que se exprime nestes termos:
Como Camargo visto anteriormente, Cabral também indica a origem das palavras
ampliando-lhes o âmbito do seu uso já nos tempos primordiais, pois fala, não apenas de
costume, mas também de “uso, maneira de proceder, morada habitual, toca, maneira de
ser, carácter, espiritual ou mental”, destacando, no caso de moral, o seu uso como
adjectivo, que corresponde a espiritual ou mental.
A apresentação de Cabral manifesta um aspecto interessante que é a riqueza das palavras.
De facto, uma palavra pode ter mais do que uma utilização, mas semanticamente não
haverá grande distância entre as diversas utilizações, muito menos oposição ou exclusão
recíproca.
Mais um autor a debruçar-se sobre a etimológica de ética e moral é Nunes (s/d) que como
se estivesse a parafrasear o autor que aqui lhe antecede, afirma o seguinte:
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Nunes, que foi trazido aqui por também oferecer, ainda que na mesma linha dos autores
anteriores o seu contributo sobre a etimologia das palavras ética e moral, introduz um
aspecto novo ou pelo menos de forma mais evidente do que os outros. É o facto de ele
indicar que o étimo latino mos, moris apareceu na tradução latina da obra aristotélica
“Ética a Nicómaco” escrita originariamente em Grego. Dito de forma mais clara: o termo
moral, na sua origem latina, é tradução do termo ética na sua origem grega.
Há ainda mais autores que se referem à etimologia de ética e moral como ainda veremos
nas próximas páginas, facto que ainda enriquecerá o que dissemos até aqui, mas para
evitarmos alguma tautologia demasiada, encerramos aqui a questão da etimologia, ainda
que tenhamos a certeza de que não poderemos evitar voltar a esse assunto.
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“Em português existem dois grupos de termos para se referir à mesma realidade:
ética e moral. Às vezes se utilizaram, e se utilizam, com significado diverso. Por
exemplo, ética se reserva para a aproximação racional ou filosófica (embora se
fale também de filosofia moral) e moral se utiliza para a consideração religiosa
(embora também se diga ética budista, ética cristã, etc.); em outras ocasiões, ética
indica o estudo fundamental do problema (embora também se fale de juízos
morais, análise moral, etc.) enquanto moral se refere aos códigos concretos do
comportamento humano (embora também se diga ética do aborto, ética fiscal,
etc.). Acreditamos que os dois grupos de termos devem ser utilizados com idêntico
conteúdo semântico. A diversa etimologia de ética e moral, grega e latina
respectivamente, não é causa de diversidade semântica, mas de riqueza de
significância” Vidal (2000:18).
Neste excerto, o autor oferece, aos seus leitores, o mesmo significado para os dois termos,
destacando que embora na ordem prática se utilize mais um termo no âmbito filosófico
(ética) e outro no âmbito teológico (moral), na ordem teórica, os dois termos têm idêntico
valor semântico.
O segundo exemplo de significação e uso de Ética e Moral é apresentado pelos autores De Arruda
et al (2007) que também afirmam possuir conhecimento sobre a opinião que diferencia os dois
termos, mas eles preferem a opinião que não os diferencia e assim manifestam a sua posição:
“Embora com certa frequência se atribua à palavra moral uma dimensão religiosa,
quando se fala, por exemplo, de filosofia moral, ciência moral, etc., neste livro
não se dará esta conotação. Aqui, ética e moral serão tratadas com um mesmo
sentido, substancialmente idêntico, como ciência prática que tende a procurar pura
e simplesmente o bem do homem” De Arruda et al (2007:41)1.
A opção que estes três autores fazem tem o mérito de eles exprimirem-na respeitando a existência
da opinião diferente da sua. E, mais do que isso, exprimem em quê é que encontram coincidência
entre os dois termos: trata-se (num e noutro termo) de uma “ciência prática que tende a procurar
pura e simplesmente o bem do homem”. É assim que De Arruda et al compreendem o significado
de Ética e de Moral.
Por seu turno, Mazula também descreve, em linhas breves o conceito de Ética em estreita ligação
com o de Moral. E afirma, textualmente:
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Com a expressão neste livro… entenda-se o livro dos autores citados.
2
Por romano, entenda-se latino.
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José da Silva, científica e epistemologicamente, a ética e a moral têm o mesmo
significado” Mazula (2008:21).
Mazula, que ainda remete de forma enriquecedora à questão da etimologia, aponta para o
conteúdo do conceito de Ética, como disciplina filosófica e fazendo referência a Bonifácio
Ribeiro e José da Silva, indica que científica e epistemologicamente Ética e Moral têm o
mesmo significado. É exactamente esta a perspectiva com que estes dois conceitos devem
ser tratados: Ética como disciplina cujo objecto de estudo é a acção humana, os valores e
as normas que devem inspirar essa acção de modo a que ela se desenvolva de forma
positiva. E se Ética e Moral, científica e epistemologicamente têm o mesmo significado,
devemos, então, admitir que o que é dito sobre um conceito, pode ser dito também sobre
o outro: o facto de ser disciplina assim como o seu conteúdo ou objecto de estudo.
Resumindo e concluindo esta secção podemos afirmar que os autores vistos até aqui
revelam que as palavras ética e moral evoluíram do Grego e do Latim onde tinham o
sentido que pode ser representado pela palavra costumes para “conjunto interdisciplinar
de conhecimentos que versa sobre o bom” de acordo com Vidal (2000); “ciência prática
que tende a procurar pura e simplesmente o bem do homem”, segundo De Arruda et al
(2007) e como “disciplina filosófica que versa sobre a acção humana, os valores e as
normas às quais se conformam ou deverão conformar-se”, conforme Mazula (2008).
Portanto, nem Ética, e nem Moral, devem ser reduzidas apenas a costumes, porque este é
o sentido originário que embora possa ser referenciado por esses dois termos, eles hoje
ganharam uma dimensão bem maior ao serem consideradas como disciplina de estudo
com objecto próprio: a acção humana ou preferivelmente, o comportamento humano.
Chegados a este passo, julgamos oportuno apresentar uma breve definição de Ética que
possa sublinhar o objecto e o objectivo dessa matéria, pois esses são os elementos
essenciais para qualquer definição. E, admitindo que outras formulações podem ser
apresentadas, aqui definimos Ética como ciência filosófica ou teológica que tem como
objecto de estudo o comportamento humano classificável em bom (ou mau), com o
objectivo de ajudar o ser humano a melhorar sempre o seu comportamento (assumindo,
claramente que o óptimo, em matéria de comportamento, é utópico) evitando, portanto, o
comportamento classificável como mau.
A breve definição aqui apresentada reconhece a amplitude e ̸ou pluridimensionalidade da
Ética, pois o ser humano também assim se caracteriza. Ele é pluridimensional: é físico e
espiritual, ou seja, aberto ao material e ao imaterial; é social, aberto ao relacionamento
consigo próprio e com os outros; é político (o que não significa que necessite de filiação
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político-partidária); é religioso (mesmo que não pertença a nenhuma confissão religiosa);
e possui mais dimensões que todas elas devem ser tomadas em consideração no laborioso
cômpito humano de viver eticamente.
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A pronúncia desta palavra é êthiquê, êthiquês.
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Esta palavra latina mōs, mōris é a que deu origem à palavra portuguesa moral.
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sem argumentos, argumentos os há de sobra que defendem a convergência semântica
desses dois termos, razão pela qual, insistimos em tratar os dois termos como sinónimos.
E para sintetizar (acrescentando) os argumentos a favor da sinonímia entre Ética e Moral,
e ainda, para negar a ideia da atribuição de um sentido religioso ao termo moral e
filosófico ao termo ética, apresentamos, a seguir, umas breves reflexões conclusivas:
i) Sobre a diversidade das origens dos termos: o facto dos dois termos terem origens
diversas (grega e latina) só ajuda a aceitar a diversidade formal dos termos na medida em
que provêm de duas línguas diferentes, o que é óbvio, pois quando se traduz um termo de
uma língua para a outra, a forma do termo na língua de origem é diferente da forma do
mesmo termo na língua de destino, embora em alguns casos ocorra que os termos possam
ser iguais nas duas línguas, divergindo apenas na sua pronúncia. Na hipotética diversidade
de conteúdo, dever-se-ia responder à pergunta: Qual é a tradução latina do termo grego
ηθική, ήϛ (ethiqué, és)? Ou qual seria a tradução grega do termo latino mos, moris? Neste
texto, a resposta a esta questão foi dada, tanto por Nunes (s/d) como por Mazula (2008)
atrás citados que sustentam, respectvamente, que o termo latino mos, moris e mores (que
deu moral, em Português) originou-se da tradução latina da obra grega Ética a Nicómaco
e de ethos grego.
ii) A diversidade dos contextos de utilização: de acordo com a maioria dos autores atrás
citados, em particular Vidal (2000), De Arruda et al (2007), existe uma opinião segundo
a qual Ética pertenceria ao âmbito da Filosofia e Moral ao da Teologia ou da Religião. Os
supostos defensores dessa opinião ignoram ou se esquecem de um facto histórico: a
Literatura filosófica que hoje a temos em Português, foi inicialmente veiculada mais
através da língua grega e a Literatura teológica que também chegou à língua portuguesa,
mais através da língua latina. Ora isto influenciou a que no contexto filosófico, quando
se disserta sobre o comportamento humano se use preferivelmente a palavra ética (tanto
no uso como substantivo, assim como no uso como adjectivo) e que sobre a mesma
matéria se recorra ao termo moral (substantivo ou adjectivo), quando se está no contexto
da Teologia. Esta é uma das explicações que possuímos para o facto de aparentemente
Ética estar para a Filosofia e Moral estar para a Teologia. Onde o filósofo usa
preferivelmente o termo Ética, o teólogo usa preferivelmente o termo Moral. Mas os dois
têm no centro dos seus discursos, o mesmo assunto, ou seja, o comportamento humano
classificável em bom ou mau.5
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É oportuno acrescentar-se, ao que foi dito até aqui, sobre a relação dos termos Ética e Moral o seguinte: a
discussão, que em alguns momentos se aparenta, que é semelhante àquela de se buscar o que apareceu
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iii) Perspectiva reducionista: Há vários autores como Cabral (2003) que afirmam que
Moral é “conjunto de normas de conduta, quer em geral, quer aquelas que são
reconhecidas por determinado grupo humano.” (p.76) e que “ética seria a elaboração
científica (filosófica ou teológica) da moral”. (p.78). Tratar a Moral como conjunto de
normas é reduzir um conceito que como vimos acima, é vasto, acontecendo também esse
reducionismo quando se afirma que Moral é objecto de estudo da Ética. Isto nega a
afirmação de Ética e Moral como sinónimos, relação defendida de forma mais ou menos
clara por todos os autores atrás vistos, incluindo o próprio Cabral (2003) destacado nesta
alínea que na sua página 78 afirma: “...os dois termos são aqui usados como sinónimos”.
Se são sinónimos, um não pode ser ciência do outro, pois isso seria o mesmo que dizer o
contenente é conteúdo do próprio contenente.
iv) O contexto moçambicano: No período colonial, em Moçambique (sem excluirmos
outros quadrantes geográficos) existia uma disciplina chamada Religião e Moral. Após a
proclamação da independência, tal matéria desapareceu. Nos tempos hodiernos existe a
disciplina de Educação Moral e Cívica. Se Moral fosse um termo teológico ou religioso,
teria sido uma redundância ter-se falado de Religião e Moral, no passado atrás referido;
e seria uma baboseira falar-se de Educação Moral, num Estado laico como é
Moçambique. Portanto, não faz nenhum sentido reduzir o termo Moral a considerações
de âmbito religioso, como pensam alguns autores e seus seguidores!
v) Vantagens e desvantagens da diferenciação entre Ética e Moral: a Academia privilegia
a discussão, mas quando esta não é de “falsos surdos”! A discussão é sempre bem-vinda
quando traz novidades, quando traz argumentos convincentes, supondo que quem os
escuta deve ter capacidade para os avaliar e assumi-los, ou rejeita-los, se for capaz de
apresentar outros melhores. Os autores atrás vistos, afirmaram a comum identidade entre
os dois termos em questão, ou pelo menos indicaram que não seguem o discurso que
diferencia a Ética da Moral. A reflexão que pretenderíamos desenvolver, aqui, seria no
sentido de descobrirmos se há vantagens ou não, na diferenciação ou no tratamento dos
dois termos como sinónimos, exercício que até é recomendável realiza-lo continuamente.
primeiro, entre o ovo e a galinha, acontece mais quando esses termos são tratados como substantivos, pois
quando usados como adjectivos, já não se discute. Tanto no campo filosófico como no campo teológico
assume-se, por exemplo o mesmo adjectivo quando se fala de valores. Todos falam, regra geral, de valores
morais e raramente acontece falar-se de valores éticos, no âmbito filosófico para depois falar-se de valores
morais, no âmbito teológico! Porque será? Linguisticamente, a palavra moral presta-se mais como adjectivo
do que a palavra ética. Existem três formas de adjectivos radicados no termo moral: moral, imoral e amoral,
enquanto para ética existem apenas duas: ética e antiética.
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Em linhas breves, o que podemos afirmar é que a diferenciação só complica um discurso
que em si é simples, sem necessidade; e que tratá-los como sinónimos até é bom porque
constitui uma “riqueza de significância”, como sustenta Vidal (2000:22).
Finalmente, na consideração etimológico-conceitual sobre Ética ou Moral, o mais
importante é compreender o que os outros dizem e, sendo possível, formular alguma
opinião, do que repetir o que muitos afirmam sem se compreender o que estão a afirmar,
e muito menos sem se ter a capacidade de formular alguma defesa em relação ao que se
reproduz textualmente, embora não se tenha absorvido o conteúdo.
Ao relacionar os termos Ética e Moral ou ao querer defini-los, seria salutar aplicar-se o
raciocínio que sugere ouvir ou ler, absorver e reproduzir com capacidade de recriar o
discurso e não apenas preferir um termo porque é mais bonito do que outro, como
acontece com alguns que pensando que um termo é dum contexto com o qual não
simpatizam, preterem-no tão somente por causa disso. Não basta ter ouvidos e olhos
abertos. É necessária a capacidade de analisar de forma crítica tudo o que se ouve ou se
lê pois só assim é que se usam os termos com propriedade.
Bibliografia
Este texto foi produzido com base em: CUNA, C. F., Uma Introdução à Ética, Imprensa
Universitária da UEM, Maputo, 2018.
Questionário
1. Depois da leitura do texto, apresenta, com base no mesmo, mas por tuas palavras, uma
definição de Ética.
2. Faz um comentário, com base no texto acima e noutras fontes sobre a relação entre
Ética e Moral.
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