Triste Fim de Policarpo Quaresma
Triste Fim de Policarpo Quaresma
Triste Fim de Policarpo Quaresma
LIMA BARRETO
3. O AUTOR...................................................................................................... 10
4. A OBRA......................................................................................................... 13
5. Exercícios................................................................................................ 26
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TRISTE FIM DE
POLICARPO qUARESMA
LIMA BARRETO
Triste fim de Policarpo Quaresma
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Triste fim de Policarpo Quaresma
3. O AUTOR
Sátira e humorismo
1912 – Aventuras do Dr. Bogoloff
1923 – Os bruzundangas
1953 – Coisas do reino de Jambon
Memórias
1953 – Diário íntimo
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4. A OBRA
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Lima Barreto
espaço
Como vimos, Lima Barreto explorou o subúrbio carioca, e não seria di-
ferente em Triste fim de Policarpo Quaresma, que, já nos primeiros capítulos, nos
dá a localização exata de onde mora o protagonista: o bairro suburbano de São
Cristóvão. Há outros espaços retratados, como o sítio Sossego, o hospício, o
cárcere. A seguir, uma interessante descrição dos subúrbios cariocas, retirada do
capítulo “Espinhos e flores”, de Triste fim de Policarpo Quaresma. Nela, podemos
perceber a mescla de casas e pessoas, numa profusão de classes sociais:
Os subúrbios do Rio de Janeiro são a mais curiosa cousa em matéria de edificação da
cidade. A topografia do local, caprichosamente montuosa, influi decerto para tal aspecto,
mais influíram, porém, os azares das construções.
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Triste fim de Policarpo Quaresma
Nada mais irregular, mais caprichoso, mais sem plano qualquer, pode ser imagi-
nado. As casas surgiram como se fossem semeadas ao vento e, conforme as casas, as ruas
se fizeram. Há algumas delas que começam largas como boulevards e acabam estreitas
que nem vielas; dão voltas, circuitos inúteis e parecem fugir ao alinhamento reto com
um ódio tenaz e sagrado.
(...)
Vai-se por uma rua a ver um correr de chalets, de porta e janela, parede de frontal,
humildes e acanhados, de repente se nos depara uma casa burguesa, dessas de compoteiras
na cimalha rendilhada, a se erguer sobre um porão alto com mezaninos gradeados. Passada
essa surpresa, olha-se acolá e dá-se com uma choupana de pau a pique, coberta de zinco
ou mesmo palha, em torno da qual formiga uma população; adiante, é uma velha casa
de roça, com varanda e colunas de estilo pouco classificável, que parece vexada e querer
ocultar-se, diante daquela onda de edifícios disparatados e novos.
Não há nos nossos subúrbios cousa alguma que nos lembre os famosos das
grandes cidades europeias, com as suas vilas de ar repousado e satisfeito, as suas es-
tradas e ruas macadamizadas e cuidadas, nem mesmo se encontram aqueles jardins,
cuidadinhos, aparadinhos, penteados, porque os nossos, se os há, são em geral pobres,
feios e desleixados.
(...)
Há pelas ruas damas elegantes, com sedas e brocados, evitando a custo que a lama
ou o pó lhes empanem o brilho do vestido; há operários de tamancos; há peralvilhos à úl-
tima moda; há mulheres de chita; e assim pela tarde, quando essa gente volta do trabalho
ou do passeio, a mescla se faz numa mesma rua, num quarteirão, e quase sempre o mais
bem posto não é que entra na melhor casa.
tempo
A história se passa durante o governo do marechal Floriano Peixoto e a
Batalha da Armada (acontecida em 1893), ou seja, época da chamada República
Velha, entre o final do século XIX e o XX. E é durante esse período que Lima
Barreto procurou retratar, de maneira detalhada e com profunda visão satírica,
os costumes sociais e políticos do Rio de Janeiro.
linguagem
Também já vimos que Lima Barreto não agradou nem um pouco aos intelec-
tuais que ditavam a “boa” literatura da época ao adotar uma linguagem coloquial
(adquirida com a experiência de jornalista), com os seus vícios linguísticos, mas
recheada de humor, ironia e autenticidade, como podemos notar neste trecho:
Era onde estava bem. No meio de soldados, de canhões, de veteranos, de papelada
inçada de quilos de pólvora, de nomes de fuzis e termos técnicos de artilharia, aspirava
diariamente aquele hálito de guerra, de bravura, de vitória, de triunfo, que é bem o
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hálito da Pátria.
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Lima Barreto
temas
Ao explorar a xenofobia (aversão a aspectos de culturas estrangeiras) como
pano de fundo para tecer uma dura crítica ao comportamento de uma sociedade
hipócrita e pseudointelectual, Lima Barreto construiu uma das mais instigantes
obras da literatura brasileira, que o colocou entre os maiores escritores de todos
os tempos, apesar de, na época, não ter obtido tal projeção.
Durante os lazeres burocráticos, estudou, mas estudou a Pátria, nas suas riquezas
naturais, na sua história, na sua geografia, na sua literatura e na sua política. Quaresma
sabia as espécies de minerais, vegetais e animais que o Brasil continha; sabia o valor do
ouro, dos diamantes exportados por Minas, as guerras holandesas, as batalhas do Paraguai,
as nascentes e o curso de todos os rios. Defendia com azedume e paixão a proeminência
do Amazonas sobre todos os demais rios do mundo. Para isso ia até ao crime de amputar
alguns quilômetros ao Nilo e era com este rival do “seu” rio que ele mais implicava. Ai
de quem o citasse na sua frente! Em geral, calmo e delicado, o major ficava agitado e
malcriado, quando se discutia a extensão do Amazonas em face da do Nilo.
Podemos destacar vários outros temas como:
•Crítica ao academicismo típico dos poetas parnasianos:
A réclame já não bastava; o rival a empregava também. Se ele tivesse um homem
notável, um grande literato, que escrevesse um artigo sobre ele e a sua obra, a vitória
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estava certa. Era difícil encontrar. Esses nossos literatos eram tão tolos e viviam tão
absorvidos em cousas francesas...
•Crítica à tradicional burocracia de nossos órgãos públicos.
É interessante ressaltarmos que, assim como Policarpo Quaresma, Lima
Barreto também se aposentou por invalidez (época em que era amanuense), tendo
conhecido de perto o sistema lento de nossas repartições:
Atualmente era ele o encarregado de tratar da aposentadoria do seu antigo dis-
cípulo. É um trabalho árduo, esse de liquidar uma aposentadoria, como se diz na gíria
burocrática. Aposentado o sujeito, solenemente por um decreto, a cousa corre uma dezena
de repartições e funcionários para ser ultimada. Nada há mais grave do que a gravidade
com que o empregado nos diz: ainda estou fazendo o cálculo; e a cousa demora um mês,
mais até, como se se tratasse de mecânica celeste.
•O preconceito não só racial, mas social e às pessoas sem formação acadê-
mica e também àqueles de formação semissuperior. Não podemos nos esquecer
de que o próprio Lima Barreto era mulato e sem formação superior.
Se não tinha amigos na redondeza, não tinha inimigos, e a única desafeição que
merecera, fora a do doutor Segadas, um clínico afamado no lugar, que não podia admitir
que Quaresma tivesse livros: “Se não era formado, para quê? Pedantismo!”
Aborrecia-se com o rival, por dous fatos: primeiro: pelo sujeito ser preto; e segundo:
por causa das suas teorias.
O marido tinha resistido muito em acompanhá-la até ali. Não lhe parecia bem
aquela intimidade com um sujeito sem título, sem posição brilhante e sem fortuna. Ele
não compreendia como o seu sogro, apesar de tudo um homem rico, de outra esfera,
tinha podido manter e estreitar relações com um pequeno empregado de uma repartição
secundária, e até fazê-lo seu compadre!
•Crítica à falta de apoio do governo ao homem do campo.
Tema também tratado, duramente, por Monteiro Lobato ao criar os persona-
gens Jeca Tatu e Zé Brasil. A seguir, o diálogo entre Olga e Felizardo, empregado
de Policarpo Quaresma no sítio Sossego:
– É grande o sítio de você?
– Tem alguma terra, sim senhora, “sá dona”.
– Você por que não planta para você?
– “Quá sá dona!” O que é que a gente come?
– O que plantar ou aquilo que a plantação der em dinheiro.
– “Sá dona ta” pensando uma cousa e a cousa é outra. Enquanto planta cresce, e
então? “Quá, sá dona”, não é assim.
Deu uma machadada; o tronco escapou: colocou-o melhor no picador e, antes de
desferir o machado, ainda disse:
– Terra não é nossa... E “frumiga”?... Nós não “tem” ferramenta... isso é bom para
italiano ou “alamão”, que governo dá tudo... Governo não gosta de nós...
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Lima Barreto
ENREDO
A obra Triste fim de Policarpo Quaresma divide-se em três partes. A primeira
trata diretamente das questões nacionalistas do major Policarpo Quaresma e da
sua vida de funcionário exemplar. A segunda, da vida de Quaresma em seu sítio
Sossego e a tentativa de sobreviver cultivando a terra, além de seu alistamento
para, ao lado do marechal Floriano Peixoto, participar da batalha da armada. A
terceira trata propriamente da batalha, com a vitória do Exército sobre os ma-
rinheiros que se rebelaram, tentando assumir o governo, e do final trágico do
major Quaresma, fuzilado por ser considerado um traidor da Pátria. Mas vamos
ao enredo:
Policarpo Quaresma, subsecretário do Arsenal de Guerra, é um pacato cidadão
(apesar de sua patente de major, não era militar), burocrata exemplar, morador de São
Cristóvão, subúrbio carioca. Homem metódico e de poucos amigos, desde os vinte anos
de idade estudava o Brasil, tornando-se um verdadeiro xenófobo (daí sua característica
quixotesca). Sabia a sua história e geografia; a sua literatura e música; só apreciava pratos
tipicamente nacionais; só se vestia com roupas aqui fabricadas. Irritava-se, por exemplo,
quando alguém supervalorizava algo estrangeiro em detrimento do nacional. Nessa sua
obsessão nacionalista, pretende reformar os nossos costumes a partir do cumprimento,
típico dos índios tupinambás:
Desde dez dias que se entregava a essa árdua tarefa, quando (era domingo) lhe
bateram à porta, em meio de seu trabalho. Abriu, mas não apertou a mão. Desandou a
chorar, a berrar, a arrancar os cabelos, como se tivesse perdido a mulher ou um filho. A
irmã correu lá de dentro, o Anastácio também, e o compadre e a filha, pois eram eles,
ficaram estupefatos no limiar da porta.
– Mas que é isso, compadre?
– Mas, meu padrinho...
Ele ainda chorou um pouco. Enxugou as lágrimas e, depois, explicou com a maior
naturalidade:
– Eis aí! Vocês não têm a mínima noção das cousas da nossa terra. Queriam que
eu apertasse a mão... Isto não é nosso! Nosso cumprimento é chorar quando encontramos
os amigos, era assim que faziam os tupinambás.
Mas Quaresma caiu no descrédito daqueles que conviviam consigo ao
começar a ter aulas de violão com Ricardo Coração dos Outros, já que violão era
instrumento de vadios, e ao propor à câmara dos deputados a troca da língua ofi-
cial (do português para o tupi-guarani). Policarpo Quaresma passou a ser alvo de
deboches e chacotas, principalmente na imprensa. A sua situação piorou quando,
por engano, enviou um relatório ao seu superior (quando substituíra o secretário),
escrito em tupi-guarani. Foi internado num hospício, onde permaneceu por seis
meses, recebendo visitas apenas de sua irmã Adelaide; de sua afilhada Olga, uma
das únicas pessoas por quem Quaresma nutria admiração, pois era diferente das
moças casadoiras e submissas da época, e de seu compadre Vicente Coleoni. Após
receber alta, comprou um sítio no arrabalde do Rio de Janeiro, no município de
Curuzu, para viver do cultivo da terra. Planejou uma reforma agrícola, por isso,
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Triste fim de Policarpo Quaresma
não mediu esforços para adquirir todo o material para a empreitada: animais,
máquinas, livros etc. Entretanto, encontrou inúmeras dificuldades, principalmen-
te em combater as saúvas que devastavam as plantações (vale aqui lembrarmos
de uma famosa frase de Macunaíma: Pouca saúde e muita saúva os males do Brasil
são) e a peste que consumiu com a metade de sua criação de patos, gansos e
galinhas. Além disso, temos um interessante retrato da situação campesina: a
falta de apoio aos homens do campo, fazendo com que vivessem em extrema
pobreza. É bom ressaltarmos que essa questão fora brilhantemente tratada por
Monteiro Lobato ao criar o Jeca Tatu. Abaixo o trecho em que Olga, ao visitar o
padrinho em seu sítio, espantou-se com tanta pobreza no campo:
O que mais a impressionou no passeio foi a miséria geral, a falta de cultivo, a
pobreza das casas, o ar triste, abatido de gente pobre. Educada na cidade, ela tinha dos
roceiros ideia de que eram felizes, saudáveis e alegres. Havendo tanto barro, tanta água,
por que as casas não eram de tijolos e não tinham telhas? Era sempre aquele sapê sinistro
e aquele “sopapo” que deixava ver a trama de varas, como o esqueleto de um doente. Por
que ao redor dessas casas, não havia culturas, uma horta, um pomar? Não seria tão fácil,
trabalho de horas? E não havia gado, nem grande nem pequeno. Era raro uma cabra,
um carneiro. Por quê? Mesmo nas fazendas, o espetáculo não era mais animador. Todas
soturnas, baixas, quase sem o pomar olente e a horta suculenta. A não ser o café e um
milharal, aqui e ali, ela não pôde ver outra lavoura, outra indústria agrícola. Não podia ser
preguiça ou indolência. Para o seu gasto, para uso próprio, o homem tem sempre energia
para trabalhar. As populações mais acusadas de preguiça, trabalham relativamente. Na
África, na Índia, na Cochinchina, em toda parte, os casais, as famílias, as tribos plantam
um pouco, algumas cousas para eles. Seria a terra? Que seria? E todas essas questões
desafiavam a sua curiosidade, o seu desejo de saber, e também a sua piedade e simpatia
por aqueles párias, maltrapilhos, mal alojados, talvez com fome, sorumbáticos!...
Sem intenção nenhuma, acaba sendo envolvido na rixa política do pequeno
município, chegando a receber represálias do chefe político.
Ao saber dos conflitos que originaram a Batalha da Armada, enviou ao ma-
rechal Floriano Peixoto um telegrama (“Peço energia. Sigo já”.) para, ao seu lado,
combater os marinheiros revoltosos, aquartelados na Baía da Guanabara, que,
sob o comando do ministro da marinha do marechal, tentavam tomar o governo.
Tratada de uma maneira satírica e debochada, a Batalha da Armada foi vista com
descaso pelo narrador, numa crítica à política dos militares. Observemos abaixo que
o patriotismo do contra-almirante Caldas ia até onde lhe era interessante sê-lo:
Caldas andava aborrecido, pessimista. O seu processo ia mal e até agora o governo
não lhe tinha dado cousa alguma. O seu patriotismo se enfraquecia com o diluir-se da
esperança de ser algum dia vice-almirante. É verdade que o governo ainda não organizara
a sua esquadra; entretanto, pelo rumor que corria, ele não comandaria nem uma divisão.
Uma iniquidade! Era velho um pouco, é verdade; mas, por não ter nunca comandado,
nessa matéria ele podia despender toda uma energia moça.
Com a vitória do Exército, o major Policarpo Quaresma foi destacado
para a função de carcereiro, isto é, cuidar dos prisioneiros de guerra na Ilha
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das Enxadas. Mas ao descobrir que muitos desses marinheiros estavam sendo
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Lima Barreto
PERSONAGENS
OS IDEALISTAS
Policarpo Quaresma
Personagem quixotesco, decorrente de sua xenofobia, era conhecedor
profundo de literatura brasileira (possuía uma biblioteca com mais de trinta mil
títulos), história, geografia e da fauna e flora brasileiras. Pacato cidadão, residente
no subúrbio carioca, subsecretário do Arsenal de Guerra, era respeitado por aque-
les que o conheciam, mas, ao propor a mudança da língua oficial (do português
para o tupi-guarani), caiu no descrédito popular, tornando-se alvo de pilhérias
e chacotas. Após sua permanência internado em um hospício, tentou viver da
terra, em seu sítio Sossego, mas não conseguiu. Alistou-se para lutar ao lado do
marechal Floriano na famosa Batalha da Armada, que foi ironicamente retratada
pelo narrador. Após a vitória, encarregou-se de tomar conta dos prisioneiros,
mas, ao saber que vários desses marinheiros estavam sendo fuzilados, escreveu
ao marechal criticando tal atitude. Foi preso e fuzilado.
Desde moço, aí pelos vinte anos, o amor à Pátria tomou-o todo inteiro. Não fora
o amor comum, palrador e vazio; fora um sentimento sério, grave e absorvente. Nada
de ambições políticas ou administrativas; o que o Quaresma pensou, ou melhor: o que o
patriotismo o fez pensar, foi num conhecimento inteiro do Brasil, levando-o a meditações
sobre os seus recursos, para depois então apontar os remédios, as medidas progressivas,
com pleno conhecimento de causa.
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Triste fim de Policarpo Quaresma
Olga
Afilhada de Policarpo Quaresma, Olga, apesar de ter se submetido a um
casamento por conveniência, era diferente das moças da época. Nutria certo ide-
alismo que a colocava no minguado grupo a que pertencia o major Quaresma,
por quem tinha imensa admiração.
Havia entre os dous uma grande afeição. Quaresma era um tanto reservado e o
vexame de mostrar os seus sentimentos faziam-no econômico nas demonstrações afetuosas.
Adivinhava-se, entretanto, que a moça ocupava-lhe no coração o lugar dos filhos que não
tivera nem teria jamais. A menina vivaz, habituada a falar alto e desembaraçadamente, não
escondia a sua afeição tanto mais que sentia confusamente nele alguma coisa de superior,
uma ânsia de ideal, uma tenacidade em seguir um sonho, uma ideia, um voo enfim para
as altas regiões do espírito que ela não estava habituada a ver em ninguém do mundo que
frequentava. Essa admiração não lhe vinha da educação. Recebera a comum às moças de
seu nascimento. Vinha de um pendor próprio, talvez das proximidades europeias do seu
nascimento, que a fizera um pouco diferente das nossas moças.
Vicente Coleoni
Imigrante italiano, fora por muito tempo quitandeiro ambulante, época em
que conheceu o major Quaresma, um freguês assíduo. Passando por dificuldades
financeiras, recebeu ajuda de Quaresma. Com sua quitanda, prosperou, tornou-
se empreiteiro e enriqueceu. Casou-se, teve uma filha (Olga) e, como forma de
gratidão, fez de Quaresma o padrinho dessa criança.
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Lima Barreto
Apesar de ter enriquecido, Coleoni tinha em grande conta o seu obscuro compadre.
Havia nele não só a gratidão de camponês que recebeu um grande benefício, como um
duplo respeito pelo major, oriundo de sua qualidade de funcionário e sábio.
Europeu, de origem humilde e aldeã, guardava no fundo de si aquele sagrado res-
peito dos camponeses pelos homens que recebem a investidura do Estado; e, como, apesar
dos bastos anos de Brasil, ainda não sabia juntar o saber aos títulos, tinha em grande
consideração a erudição do compadre.
Dona Adelaide
Irmã mais velha de Policarpo Quaresma, uns quatro anos, não entendia muito
bem as ideias do irmão, por isso não as aceitava. Segundo o narrador: fria, sem imagi-
nação, de inteligência lúcida e positiva, em tudo formava um grande contraste com o irmão,
mas o acompanhava sempre, sentindo-se na obrigação de cuidar dele.
Dona Adelaide, a irmã de Quaresma, entrou e convidou-os a irem jantar. A sopa
já esfriava na mesa, que fossem!
– O senhor Ricardo há de nos desculpar, disse a velha senhora, a pobreza do nosso
jantar. Eu lhe quis fazer um frango com petit-pois, mas Policarpo não deixou. Disse-me
que esse tal petit-pois é estrangeiro e que eu o substituísse por guando. Onde é que se
viu frango com guando?
Coração dos Outros aventou que talvez fosse bom, seria uma novidade e não fazia
mal experimentar.
– É uma mania de seu amigo, senhor Ricardo, esta de só querer cousas nacionais,
e a gente tem que ingerir cada droga, chi!
OS HIPÓCRITAS
General Albernaz
Um dos muitos militares incompetentes e interesseiros que fizeram parte da
obra. Pai de cinco filhas, Ismênia, Quinota, Zizi, Lalá e Vivi, e de um filho, Lulu,
não media esforços para tentar casá-las e conseguir um pistolão para admitir o
filho na Escola Militar.
O general nada tinha de marcial, nem mesmo o uniforme que talvez não possuísse.
Durante toda a sua carreira militar, não viu uma única batalha, não tivera um comando,
nada fizera que tivesse relação com a sua profissão e o seu curso de artilheiro. Fora sempre
ajudante de ordens, assistente, encarregado disso ou daquilo, escriturário, almoxarife,
e era secretário do Conselho Supremo Militar, quando se reformou em general. Os seus
hábitos eram de um bom chefe de secção e a sua inteligência não era muito diferente dos
seus hábitos. Nada entendia de guerras, de estratégia, de tática ou de história militar; a
sua sabedoria a tal respeito estava reduzida às batalhas do Paraguai, para ele a maior e a
mais extraordinária guerra de todos os tempos.
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Triste fim de Policarpo Quaresma
Ismênia
Filha do general Albernaz, era o símbolo de “moça casadoira”. Noiva do
Cavalcânti, não morria de amores por ele, mas não podia pensar na ideia de ficar
para “tia”, pois fora criada ouvindo a mãe dizer: – Aprenda a fazer isso, porque
quando você se casar... Foi abandonada pelo noivo após a sua formatura. No
leito de morte, após longo período de demência e definhamento, fez um último
pedido: ser enterrada vestida de noiva.
O enterro foi feito no dia imediato e a casa de Albernaz esteve os dous dias cheia,
como nos dias de suas melhores festas.
Quaresma foi ao enterro; ele não gostava muito dessa cerimônia; mas veio, e foi
ver a pobre moça, no caixão, coberta de flores, vestida de noiva, com um ar imaculado
de imagem. Pouco mudara, entretanto. Era ela mesma; era a Ismênia dolente e pobre de
nervos, com os seus traços miúdos e os seus lindos cabelos, que estavam dentro daquelas
quatro tábuas. A morte tinha fixado a sua pequena beleza e o seu aspecto pueril; e ela ia
para a cova com a insignificância, com a inocência e a falta de acento próprio que tinha
tido em vida.
Cavalcânti
Noivo de Ismênia, era estudante de odontologia, um curso semissuperior
de dois anos. Tendo seus estudos bancados pelo pai da noiva, Cavalcânti pro-
longou o curso por quatro anos. Não tendo mais feito de prolongar essa explo-
ração, formou-se. Após a festa, para não marcar o dia do casamento, fugiu para
o interior, deixando Ismênia inconsolável.
Cavalcânti, aquele Jacó de cinco anos, embarcara para o interior, há três ou quatro
meses, e não mandara nem um cartão. A menina tinha aquilo como um rompimento; e ela,
tão incapaz de um sentimento mais profundo,de uma aplicação mais séria de energia men-
tal e física, sentia-o muito, como cousa irremediável que absorvia toda a sua atenção.
Para Ismênia, era como se todos os rapazes casadoiros tivessem deixado de existir.
Genelício
Namorado e futuro marido de Quinota, uma das filhas do general Albernaz, e
empregado do Tesouro, Genelício era o símbolo do “puxa-saquismo”, da bajulação
despudorada e do oportunismo, sempre visando a conseguir um cargo melhor.
Não havia ninguém mais bajulador e submisso que ele. Nenhum pudor, nenhu-
ma vergonha! Enchia os chefes e os superiores de todo incenso que podia. Quando saía,
remancheava, lavava três ou quatro vezes as mãos, até poder apanhar o diretor na porta.
Acompanhava-o, conversava com ele sobre o serviço, dava pareceres e opiniões, criticava
este ou aquele colega, e deixava-o no bonde, se o homem ia para casa. Quando entrava
um ministro, fazia-se escolher como intérprete dos companheiros e deitava um discurso;
nos aniversários de nascimento, era um soneto que começava sempre por – “Salve” – e
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Contra-almirante Caldas
O que o general Albernaz fez no Exército, o contra-almirante Caldas fez
na Marinha, ou seja, quase nada, sempre encostado em serviços irrisórios. Sua
história se resume no navio que nunca comandou, o couraçado “Lima Barros”.
Mandado de um lado para outro, à cata de seu navio, não sabia que este tinha
ido a pique, durante a Guerra do Paraguai.
Todos o tinham na conta de parvo, de um comandante de opereta que andava à
cata do seu navio pelos quatro pontos cardeais. Deixaram-no “encostado”, como se diz na
gíria militar, e ele levou quase quarenta anos para chegar de guarda-marinha a capitão de
fragata. Reformado no posto imediato, com graduação do seguinte, todo o seu azedume
contra a Marinha se concentrou num longo trabalho de estudar leis, decretos, alvarás,
avisos, consultas, que se referissem a promoções de oficiais. Comprava repertórios de
legislação, armazenava coleções de leis, relatórios, e encheu a casa de toda essa enfadonha
e fatigante literatura administrativa.
Inocêncio Bustamante
Assim como o contra-almirante Caldas, o major Bustamante, apesar de interes-
seiro, era servil e humilde e também vivia de demandas, não passando um dia sequer
sem ir ao quartel-general para ver o andamento de seu requerimento e de outros. A
sua patente era honorária e foi-lhe concedida por ser voluntário da pátria.
Num pedia inclusão no Asilo dos Inválidos, noutro honras de tenente-coronel,
noutro tal ou qual medalha; e, quando não tinha nenhum, ia ver o dos outros.
Não se pejou mesmo de tratar do pedido de um maníaco que, por ser tenente hono-
rário e também da Guarda Nacional, requereu lhe fosse passada a patente de major, visto
que dous galões mais outros dous fazem quatro – o que quer dizer: major.
Dr. Campos
Era médico, fazendeiro e chefe político do pequeno município de Curuzu,
onde Quaresma comprara o sítio Sossego. Interesseiro e ardiloso como uma raposa,
não conseguia convencer o major a ser seu aliado e a participar das falcatruas “elei-
toreiras”. Como vingança, obrigou Quaresma a cumprir certas leis municipais.
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Triste fim de Policarpo Quaresma
O doutor não se zangou. Pôs mais unção e maciez na voz, aduziu argumentos: que
era, para o partido, o único que pugnava pelo levantamento da lavoura. Quaresma foi
inflexível; disse que não, que lhe eram absolutamente antipáticas tais disputas, que não
tinha partido e mesmo que tivesse não iria afirmar uma cousa que ele não sabia ainda se
era mentira ou verdade.
Campos não deu mostras de aborrecimento, conversou um pouco sobre cousas
banais e despediu-se com o ar amável, com a jovialidade mais sua que era possível.
(...)
Em virtude das posturas e das leis municipais, rezava o papel, o Senhor Policarpo
Quaresma, proprietário do sítio “Sossego” era intimidado, sob as penas das mesmas
posturas e leis, a roçar e capinar as testadas do referido sítio que confrontavam com as
vias públicas.
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Lima Barreto
5. Exercícios
1. Unicamp-SP
– O Quaresma está doido.
– Mas... o quê? Quem foi que te disse?
– Aquele homem do violão. Já está na casa de
saúde...
– Eu logo vi, disse Albernaz, aquele requeri-
mento era de doido.
– Mas não é só, general, acrescentou Genelício.
Fez um ofício em tupi e mandou ao ministro.
Alencar (todo), o Macedo, o Gonçalves Dias (todo), além de muitos outros. (...) Podia-se
afiançar que nem um dos autores nacionais ou nacionalizados de oitenta para lá faltava
nas estantes do major.
De História do Brasil, era farta a messe: os cronistas Gabriel Soares, Gandavo;
e Rocha Pita, Frei Vicente do Salvador, Armitage, Aires do Casal, Pereira da Silva,
Handelmann (Geschichte von Brasilien), Melo Morais, Capistrano de Abreu, Southey,
Varnhagen, além de outros mais raros e menos famosos. Então no tocante a viagens e
explorações, que riqueza! Lá estavam Hans Staden, o Jean de Léry, o Saint-Hilaire, o
Martius, o Príncipe de Neuwied, o John Mawe, o von Eschwege, o Agassiz, Couto de
Magalhães e se se encontravam também Darwin, Freycinet, Cook, Bougainville e até o
famoso Pigafetta, cronista de viagem de Magalhães, é porque todos esses últimos viajantes
tocavam no Brasil, resumida ou amplamente.
Com base no trecho, pode-se afirmar:
a) A prática da autorreferência, presente na passagem, constitui-se em uma das
características fundamentais do romance de Lima Barreto.
b) A paródia dá à personagem do Major Quaresma a condição de um especialista
em assuntos nacionais.
c) O uso do processo intertextual tem por objetivo dar a conhecer, através da
paródia, o caráter da personagem Policarpo Quaresma.
d) O uso dos parênteses em torno da palavra todo ilustra a prática do pastiche
na obra de Lima Barreto.
5.
Ainda com relação ao trecho anterior, responda ao que se pede.
a) Por que o major Quaresma tinha uma predileção por Gonçalves Dias e José
de Alencar?
b) A que movimento literário eles pertencem? Cite uma obra de cada.
6. UMC-SP
– Leia o fragmento retirado do romance Triste fim de Policarpo Quaresma, de
Lima Barreto.
Havia um ano a esta parte que se dedicava ao tupi-guarani. Todas as manhãs, antes
que a “Aurora, com seus dedos rosados abrisse caminho ao louro Febo”, ele se atracava até
ao almoço com o Montoya, Arte y diccionario de la lengua guaraní ó más bien tupí,
e estudava o jargão caboclo com afinco e paixão. Na repartição, os pequenos empregados,
amanuenses e escreventes, tendo notícia desse seu estudo do idioma tupiniquim, deram
não se sabe por que em chamá-lo – Ubirajara. Certa vez, o escrevente Azevedo, ao assinar
o ponto, distraído, sem reparar quem lhe estava às costas, disse em tom chocarreiro: “Você
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7. PUC-RS
Lima Barreto é autor que inova pela linguagem de expressão _________________
e pela forma como registra _________________, através de personagens que
_________________ as diferenças sociais e os conchavos políticos.
a) acadêmica – o Rio de Janeiro – evidenciam
b) artística – Recife – reforçam
c) simples – o Rio de Janeiro – denunciam
d) clara – São Paulo – rejeitam
e) erudita – Recife – valorizam
8.
Todas as obras a seguir pertencem a Lima Barreto, exceto:
a) A paixão segundo G.H.
b) Recordações do escrivão Isaías Caminha.
c) O homem que sabia javanês.
d) Clara dos Anjos.
e) Os bruzundangas.
9. UFJF-MG
Leia atentamente o fragmento de texto abaixo:
E, bem pensando, mesmo na sua pureza, o que vinha a ser a Pátria? Não teria levado
toda a sua vida norteado por uma ilusão, por uma ideia a menos, sem base, sem apoio,
por um Deus ou uma Deusa cujo império de esvaía?
Barreto, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d., p.131.
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Triste fim de Policarpo Quaresma
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Lima Barreto
Gabarito
1. 6.
a) O homem do violão é o professor de músi- a) O major Quaresma passou a estudar com
ca popular brasileira do major Quaresma, afinco a língua tupi-guarani, julgando-a a
Ricardo Coração dos Outros. legítima língua nacional e considerando o
b) Há nítido preconceito em chamá-lo assim, português uma língua emprestada.
já que violeiro era sinônimo de vadiagem. b) Seus subalternos, ao descobrirem que o
2. O personagem se refere ao requerimento major Quaresma estudava o tupi-guarani,
escrito por Quaresma à Câmara dos Depu- apelidaram-no, sarcasticamente, de Ubira-
tados pedindo a mudança da língua oficial, jara, numa alusão ao romance indianista de
isto é, do português para o tupi-guarani, José de Alencar.
alegando ser esta a verdadeira língua na- c) As palavras amanuense e arsenal são típicas
cional e aquela uma língua emprestada. do final do século XIX e início do XX.
Alvo de chacotas e gozações, Quaresma foi d) O major Quaresma é modesto, honesto,
internado no hospício. prudente, sério e digno.
3. C 7. C 8. A
4. C 9. D 10. B
5.
a) Porque são autores extremamente naciona-
listas.
b) Pertencem ao Romantismo: de Gonçalves
Dias, I-Juca Pirama, Os timbiras e Primeiros
cantos; de José de Alencar, Iracema, O guarani
e Ubirajara.
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