Associação Entre Percepção de Coença e Ansiedade, Depressão e Autoeficiencia em Pessoas Com Hiv
Associação Entre Percepção de Coença e Ansiedade, Depressão e Autoeficiencia em Pessoas Com Hiv
Associação Entre Percepção de Coença e Ansiedade, Depressão e Autoeficiencia em Pessoas Com Hiv
24, nº 2, 595-608
DOI: 10.9788/TP2016.2-12
Resumo
A percepção de doença de pessoas que vivem com HIV/aids (PVHA) é uma variável importante, ainda
pouco estudada em âmbito mundial. Objetivou-se investigar a associação entre percepção de doença
e ansiedade, depressão e autoeficácia em pessoas que vivem com HIV/aids. A amostra foi constituída
de 28 PVHA, que responderam aos questionários sociodemográfico e médico-clínico, Questionário de
Percepção de Doenças Versão Breve (Brief IPQ), Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS)
e Escala de Autoeficácia para Seguir Prescrição Antirretroviral. Procedeu-se a análises estatísticas dos
dados, sendo realizados testes de correlação de Spearman. Observou-se correlação positiva estatisti-
camente significativa entre percepção de doença e ansiedade (r =0,64; p<0,01) e depressão (r =0,68;
p<0,01). Também foi identificada correlação negativa estatisticamente significativa entre percepção de
doença e autoeficácia (rs= -0,41; p<0,05), sugerindo que quanto menor a autoeficácia percebida para
aderir aos medicamentos antirretrovirais, maior a percepção de ameaça imposta pela doença. Conclui-se
que há associação entre percepção de doença e variáveis psicológicas (ansiedade, depressão e autoefi-
cácia) em PVHA.
Palavras-chave: Percepção de doença, variáveis psicológicas, HIV/aids.
Abstract
The illness perception of people living with HIV/AIDS (PLWHA) is an important variable, poorly
studied worldwide. The aimed was investigate the association between illness perception and anxiety,
depression and self-efficacy in people living with HIV/AIDS. The sample consisted of 28 PLWHA, that
responded to sociodemographic and medical-clinical questionnaires, Brief Illness Perception Questio-
nnaire (Brief IPQ), Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS) and Self-efficacy for Following
Anti-retroviral Prescription Scale. The authors conducted statistical analyzes of the data, been carried
Spearman correlation tests. Was observed a statistically significant positive correlation between illness
perception and anxiety (r = .64; p <.01) and depression (r = .68; p <.01). Has also identified a statis-
tically significant negative correlation between self-efficacy and illness perception (r = -.41; p <.05),
suggesting that the higher self-efficacy perceived for adhere to antiretroviral drugs, larger perception of
1
Endereço para correspondência: Quadra 205, Praça Jandaia, Ed. Ingrid, Apto. 704, Águas Claras Sul, DF,
Brasil 71925-000. Fone: (61) 3522-1300/(61) 8100-3537. E-mail: [email protected]
Apoio financeiro: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
596 Nogueira, G. S., Seidl, E. M. F.
threat posed by the disease. It was concluded that there is an association between illness perception and
psychological variables (anxiety, depression and self-efficacy) in PLWHA.
Keywords: Illness perception, psychological variables, HIV/AIDS.
Resumen
La percepción de la enfermedad de las personas que viven con el VIH/SIDA (PVVS) es una variable,
ha sido poco estudiada en todo el mundo. El objetivo fue investigar la asociación entre la percepción de
la enfermedad y la ansiedad, la depresión y la auto-eficacia en personas que viven con el VIH/SIDA.
La muestra consistió en 28 PVVS, que respondieron a cuestionarios sociodemográficos y médicos-
-clínicos, Cuestionario de Perception de la Enfermidad Versión Breve, Escala Hospitalaria de Ansiedad
y Depresión y la Escala de Autoeficacia para Tomar los Antirretrovirales. Los autores realizaron análisis
estadísticos de los datos y conducidas pruebas de correlación de Spearman. Se observó una correlación
positiva estadísticamente significativa entre percepción de la enfermedad y ansiedad (r = .64; p <.01) y
depresión (r = .68; p <.01). También se ha identificado una correlación negativa estadísticamente signifi-
cativa entre la autoeficacia y la percepción de la enfermedad (r = -.41; p <.05), lo que sugiere que quanto
mayor la autoeficacia percibida para adherirse a los medicamentos antirretrovirales, mayor la percep-
ción de amenaza que representa la enfermedad. De ello se desprende que existe una asociación entre la
percepción de la enfermedad y variables psicológicas (ansiedad, depresión y auto-eficacia) en las PVVS.
Palabras clave: Percepción de la enfermedad, variables psicológicas, VIH/SIDA.
A aids é atualmente uma pandemia, sendo da aids, pois ela retarda o seu desenvolvimento
que aproximadamente 35 milhões de pessoas es- por meio da supressão viral e, em consequência,
tão infectadas no plano mundial. Trata-se de um permite a restauração do sistema imunológico,
fenômeno global, com prevalência variável em reduzindo a morbimortalidade e melhorando a
diferentes regiões do mundo (Joint United Na- qualidade de vida de pessoas que vivem com
tions Programme on HIV/AIDS, 2014). HIV/aids – PVHA (Ministério da Saúde, 2008,
No Brasil, informações do Departamento 2012). No entanto, para que se alcance a eficá-
Nacional de DST, Aids e Hepatites Virais reve- cia terapêutica é necessário que haja adesão ao
lam que cerca de 734 mil casos de aids foram tratamento, expressa pelo uso igual ou superior
notificados, desde o início da epidemia até de- a 95% das doses prescritas (Alencar, Nemes, &
zembro de 2013, sendo que foram registrados Velloso, 2008), o que constitui um desafio im-
278.306 óbitos. Somente no Distrito Federal, portante para pacientes, profissionais de saúde e
desde o início da epidemia até junho de 2014, gestores das políticas de HIV/aids no país.
foram notificados 10.107 casos de aids e 3.115 Entre os fatores que podem facilitar a con-
óbitos entre 1980 e 2013 (Ministério da Saúde, duta de adesão, cita-se: conhecimento e compre-
2014). Ressalta-se, ainda, que a epidemia de ensão sobre a enfermidade e o tratamento; vín-
aids no Brasil sofreu transformações no seu per- culo com a equipe multiprofissional; presença de
fil epidemiológico, sendo hoje marcada pela he- apoio social; e autoeficácia elevada para tomar
terossexualização, feminização e pauperização os medicamentos antirretrovirais (Ministério da
(Silva et al., 2010). Saúde, 2008; Seidl, Melchíades, Farias, & Brito,
Desde 1996, a terapia antirretroviral 2007). Já os fatores que podem dificultar a ade-
(TARV) é acessível de forma universal no país, são incluem: complexidade do regime terapêuti-
o que propiciou grandes avanços no tratamento co e/ou ocorrência de efeitos colaterais; precarie-
Associação entre Percepção de Doença e Ansiedade, Depressão e Autoeficácia 597
em Pessoas com HIV/Aids.
dade de suporte social, ocorrência de transtornos são em comparação com aquelas que não apre-
mentais como depressão e ansiedade; e relação sentam esses transtornos. Assim, a saúde mental
insatisfatória com médico e demais profissionais das PVHA deve ser alvo constante de atenção e
de saúde (Ministério da Saúde, 2008; Seidl et de intervenção da equipe de saúde, em especial
al., 2007; Sharma, Khadga, Dhungana, & Chi- de psicólogos, de modo a contribuir para o alívio
trakar, 2013). A relevância de variáveis psico- do sofrimento psíquico e aumentar a probabili-
lógicas no processo de adesão à TARV remete dade de adesão satisfatória à TARV (Ministério
à importância de serviços de saúde com equipes da Saúde, 2012; Seidl & Faustino, 2014).
multidisciplinares especializadas na assistência Ressalta-se que no âmbito da Psicologia da
a essa população, com destaque para a atuação Saúde, pesquisadores têm proposto uma ampla
do psicólogo da saúde. gama de modelos teóricos, muitos deles aplicá-
veis ao contexto de pesquisa e prática associada
A Psicologia da Saúde no Contexto de ao HIV/aids. Esses modelos têm sido delineados
Assistência a PVHA com o intuito de compreender melhor a relação
Segundo Straub (2014), a Psicologia da Saú- entre saúde e comportamento, objetivando a pro-
de pode ser definida como “a aplicação de princí- moção da saúde, tratamento e gerenciamento da
pios e pesquisas psicológicas para a melhoria da doença. Entre esses modelos destaca-se o mode-
saúde, a prevenção e o tratamento de doenças” lo de autorregulação de Leventhal (Broadbent,
(p. 3). Trata-se de uma área de contribuições Petrie, Main, & Weinman, 2006; Cameron &
profissionais, científicas e educacionais da psi- Leventhal, 2003).
cologia para a promoção e manutenção da saúde
(Matarazzo, 1980 conforme citado por Calvetti, Modelo de Autorregulação de Leventhal
Muller, & Nunes, 2007). Assim, a psicologia da O Modelo de Autorregulação de Leventhal
saúde estuda os fatores que determinam como as é um modelo de senso comum, também conhe-
pessoas permanecem saudáveis, porque ficam cido como modelo cognitivo da doença, percep-
doentes e como respondem à enfermidade e aos ção de doença ou modelo de representação da
cuidados de saúde (Seidl & Faustino, 2014). doença (Singh, 2011). Ele é centrado nas cren-
Desta forma, a atuação do psicólogo no con- ças individuais sobre saúde/doença e nas respos-
texto de assistência à PVHA apresenta uma série tas às ameaças de doença, partindo da premissa
de demandas. Apesar dos avanços conquistados que o paciente é um agente ativo na resolução
com relação ao tratamento das PVHA, trata-se de de seus problemas, respondendo de forma dinâ-
um vírus de difícil controle, sem perspectivas de mica à enfermidade, segundo sua interpretação
cura em curto e médio prazo. Tal panorama, alia- e avaliação (Broadbent at al., 2006; Cameron &
do ao preconceito e discriminação social, sexual Leventhal, 2003; Figueiras, 2008).
e afetiva, frequentemente vivenciados por pes- Segundo o modelo de autorregulação de
soas soropositivas, contribuem para o sofrimen- Leventhal, as respostas às doenças seguem
to psicológico e a manifestação de transtornos habitualmente três etapas (Pacheco-Huergo et
mentais, como ansiedade e depressão, que po- al., 2012). A primeira é a representação cognitiva
dem contribuir para a não adesão ao tratamento. e emocional da ameaça à saúde ou interpretação:
Um estudo brasileiro evidenciou tal associação, a pessoa doente, ao ser confrontada com uma
revelando que pessoas que apresentaram adesão enfermidade potencial por meio de pistas internas
insatisfatória à TARV, tinham mais sintomas (ex. sintomas) ou externas (ex. informação),
de ansiedade e depressão em comparação com tenta atribuir um significado ao problema, com
aquelas que tinham uma adesão adequada (Gal- base nas suas cognições preexistentes sobre a
vão, Gir, Fiuza, Cunha, & Reis, 2013). Tucker, enfermidade. Essas cognições organizam-se
Burnam, Sherbourne, Kung e Gifford (2003) em cinco dimensões: (a) identidade – refere-
afirmam que pessoas com ansiedade e depressão se às ideias que o paciente possui sobre a sua
tem duas vezes mais chances de terem pior ade- doença, bem como à interpretação que faz dos
598 Nogueira, G. S., Seidl, E. M. F.
sintomas; (b) causa – indica as atribuições que o podem influenciar comportamentos de autoge-
paciente faz acerca das prováveis causas da sua renciamento da doença, entre eles a adesão ao
doença, que podem focalizar fatores internos e tratamento (Reynolds et al., 2009; Seidl & Faus-
externos; (c) dimensão temporal – refere-se à tino, 2014).
percepção de duração do problema de saúde, Segundo o modelo de autorregulação, a
podendo ser aguda, crônica ou cíclica/episódica; adesão à TARV é diretamente influenciada pelas
(d) consequências – indicam as crenças que o experiências relacionadas à doença, interações
indivíduo possui acerca da gravidade da doença e sociais, fontes de informação e processos cogni-
o provável impacto em aspectos sociais, físicos, tivo-afetivos (Rosa, 2013). Por exemplo, estudos
psicológicos e financeiros; (e) cura/controle – demonstraram que a percepção de grande núme-
se refere ao quanto os pacientes acreditam que ro de sintomas associados ao HIV esteve asso-
sua doença pode ser curada ou controlada, bem ciada a pior adesão ao tratamento antirretroviral,
como reflete as crenças que o indivíduo possui o que pode ser explicado pelo fato do tratamento
sobre o tratamento da doença (Broadbent et al., insatisfatório predispor os indivíduos a sintomas
2006; Cameron & Leventhal, 2003; C. M. Leite, da aids e doenças oportunistas (Cooper, Gellai-
2011). Estudos com diferentes enfermidades try, Hankins, Fisher, & Horne, 2009; Gonzalez
crônicas demonstraram associação entre essas et al., 2007). Ressalta-se que a percepção de do-
dimensões de representação da doença e aspectos ença no que tange ao HIV/aids, utilizando-se o
psicológicos (Broadbent et al., 2006; Brooke, referencial teórico do Modelo de Autorregulação
2013), tais como modalidades de enfrentamento de Leventhal, foi pouco pesquisada no Brasil.
(Colleto & Câmara, 2009; Sousa, Landeiro, Desta forma, entende-se que estudos brasileiros
Pires, & Santos, 2011), humor (Arran, Craufurd, sobre esse tema são de extrema relevância para
& Simpson, 2014; Keeling, Bambrough, & maior compreensão do papel das cognições e
Simpson, 2013) e comportamento de adesão às emoções no gerenciamento da doença, podendo
recomendações médicas (Chen, Tsai, & Lee, servir de embasamento para propostas futuras de
2009; Kemppainen, Kim-Godwin, Reynolds, & intervenção voltadas à população soropositiva.
Spencer, 2008). Nessa perspectiva, o objetivo dessa pesquisa foi
A segunda etapa do processo de autorregu- investigar a associação entre percepção de do-
lação refere-se ao desenvolvimento e implemen- ença e ansiedade, depressão e autoeficácia em
tação das estratégias de enfrentamento. Nesta pessoas que vivem com HIV/aids.
fase, a pessoa identifica e seleciona estratégias
de enfrentamento que lhe permitem adquirir o Método
equilíbrio físico e emocional ameaçado ou perdi-
do. Por fim, na terceira fase ocorre a ponderação Trata-se de estudo exploratório, com deli-
ou avaliação das estratégias de enfrentamento neamento transversal, correlacional, com o pro-
empregadas, com fins de adaptação à doença ou pósito de explorar associações entre as variáveis
às suas consequências, visando a manutenção da investigadas.
qualidade de vida (Pacheco-Huergo et al., 2012).
Assim, a percepção de doença de PVHA é Participantes
uma variável importante a ser considerada no A amostra foi constituída de 28 pessoas com
contexto da prática profissional e da pesqui- diagnóstico de HIV/aids em tratamento antirre-
sa sobre essa enfermidade. Observa-se que a troviral. Na seleção dos participantes não foi fei-
população soropositiva para o HIV apresenta ta distinção entre sexo, raça, situação conjugal,
frequentemente crenças disfuncionais sobre a condição socioeconômica e tempo de doença. Os
enfermidade. Tais interpretações distorcidas − participantes eram maiores de 18 anos e alfabe-
como considerar que a aids é sinônimo de morte, tizados. Foram excluídos do estudo os pacientes
que não pode ser tratada e controlada − levam que não consentiram em participar, bem como
ao sofrimento e a estratégias desadaptativas, que indivíduos com comprometimento intelectual ou
Associação entre Percepção de Doença e Ansiedade, Depressão e Autoeficácia 599
em Pessoas com HIV/Aids.
outra limitação cognitiva que impossibilitasse a sobre tempo de diagnóstico, internações asso-
adequada compreensão e preenchimento dos ins- ciadas ao HIV/aids, presença de comorbidades,
trumentos da pesquisa. tempo de tratamento antirretroviral, histórico
Dezenove participantes eram do sexo mas- de atendimento psicológico e/ou psiquiátrico
culino (67,9%). A média de idade dos partici- relacionado ao HIV/aids e adesão ao tratamento
pantes foi de 42,4 anos (DP=8,5; mínimo= 23; autorrelatada. A adesão ao tratamento foi ava-
máximo= 56). A escolaridade mais frequente foi liada por uma pergunta aberta na qual os parti-
o ensino médio completo (46,4%), seguido de cipantes respondiam se seguiam as recomenda-
ensino fundamental incompleto (14,3%). Com ções médicas (sim ou não). Essas informações
relação à situação conjugal, 64,3% afirmaram visavam à caracterização médico-clínica dos
que não tinham cônjuge ou companheiro(a). participantes.
Sobre a situação laboral, a maioria não estava Questionário de Percepção de Doenças
trabalhando (57,1%), mas prevaleceram rendas Versão Breve (Brief IPQ). Questionário com-
superiores a três salários mínimos (60,7%). Por posto por nove itens, adaptado e validado no
fim, 85,7% disseram que tinham uma religião Brasil por Nogueira (2012), a partir da ver-
vinculada a uma doutrina específica. são em língua inglesa (Broadbent et al., 2006).
A metade dos participantes tinha mais de dez Sete itens são avaliados utilizando uma escala
anos de diagnóstico. A maioria (57,2%) já havia de 0-10. São três itens para avaliação da repre-
sido internada em decorrência da enfermidade e sentação cognitiva da doença: controle indivi-
negou a presença de comorbidades (64,3%). So- dual (item 2), conrole do tratamento (item 3) e
bre o tratamento antirretroviral, 67,9% dos parti- compreensão (item 6); e quatro itens avaliam a
cipantes começaram a fazer uso dos medicamen- representação emocional: consequências (item
tos nos últimos dez anos, havendo autorrelato de 1), identidade (item 4), preocupação (item 5) e
boa adesão (82,1%). Houve menção à existência emoções (item 7). A avaliação da dimensão tem-
de atendimento psicológico (78,6%) e/ou psi- poral (item 8) é feita por uma pergunta aberta na
quiátrico (32,1%) associado ao diagnóstico e à qual é perguntado sobre a percepção da pessoa
vivência da soropositividade. O detalhamento acerca da duração da enfermidade. Já a avalia-
dos dados sociodemográficos e médico-clínicos ção da representação causal (item 9) é feita por
pode ser visualizados na Tabela 1. uma pergunta aberta na qual os pacientes são in-
terrogados sobre os fatores causais mais impor-
Local tantes associados à doença, segundo a sua per-
cepção. As respostas relacionadas a estes dois
O estudo foi realizado em um serviço públi-
últimos itens são analisadas qualitativamente
co que oferece assistência médica e psicossocial
mediante a categorização dos relatos, podendo
(psicologia e serviço social) a pessoas vivendo
ser computada a frequência das respostas. Para
com HIV/aids, em nível ambulatorial e de inter-
calcular o escore dos sete itens respondidos me-
nação, que funciona em um hospital universitá-
diante escala Likert, inverte-se as respostas dos
rio e integra a rede do Sistema Único de Saúde
itens 2, 3 e 6 e adiciona-se os escores dos itens
do Distrito Federal.
1, 4, 5 e 7. A amplitude do escore global do ins-
trumento é de 0 a 70: quanto mais próximo de
Instrumentos
zero menor a percepção de ameaça da doença e
Questionário Sociodemográfico. Instrumen- quanto mais próximo de 70, maior a percepção
to elaborado para o estudo voltado para a carac- de ameaça imposta pela enfermidade. Assim,
terização dos participantes quanto às seguintes um escore alto reflete uma maior percepção de
informações: sexo, idade, situação conjugal, esco- ameaça da doença. O alfa de Cronbach da versão
laridade, situação laboral, renda familiar e religião. brasileira referente aos sete itens é igual a 0,64.
Questionário Médico-Clínico. Instrumento Escala Hospitalar de Ansiedade e Depres-
elaborado para o estudo para a coleta de dados são (HADS). Instrumento adaptado e validado
600 Nogueira, G. S., Seidl, E. M. F.
Tabela 1
Detalhamento dos Dados Sociodemográficos e Médico-Clínicos
Escolaridade
Ensino Fundamental Incompleto 14,3% 33,3% 5,3%
Ensino Fundamental Completo 3,6% 11,1% --
Ensino Médio Incompleto 14,3% 22,2% 10,5%
Ensino Médio Completo 46,4% 22,2% 57,9%
Ensino Superior Incompleto 10,7% -- 15,8%
Ensino Superior Completo 10,7% 11,1% 10,5%
Situação conjugal
Com companheiro(a) 35,7% 44,4% 31,6%
Sem companheiro(a) 64,3% 55,6% 68,4%
Situação laboral
Trabalhando 42,9% 11,1% 57,9%
Não estavam trabalhando 57,1% 88,9% 42,1%
Renda familiar
Até 1 salário mínimo 21,4% 33,3% 15,8%
De 2 a 3 salários mínimos 39,3% 55,6% 31,6%
Mais de 3 salários mínimos 39,3% 11,1% 52,7%
Religião
Com religião específica 85,7% 100% 78,9%
Com crenças sem religião 14,3% -- 21,1%
Tempo de diagnóstico
Mais de 10 anos 50% 55,6% 47,4%
Menos de 10 anos 50% 44,4% 52,6%
Tempo de TARV
Mais de 10 anos 32,1% 22,2% 36,8%
Menos de 10 anos 67,9% 77,8% 63,2%
para a população brasileira composto por 14 que obtêm escore igual ou maior a nove em cada
itens, dos quais sete são voltados para a avalia- subescala são considerados com ansiedade e/ou
ção da ansiedade (HADS-A; alfa de Cronbach com depressão (Marcolino et al., 2007).
= 0,79) e sete para a depressão (HADS-D; alfa Escala de Autoeficácia para Seguir a Pres-
de Cronbach = 0,84). Os itens são pontuados de crição Antirretroviral. Instrumento elaborado e
zero a três, sendo que os escores podem variar validado por J. C. C. Leite, Drachler, Centeno,
de zero a 21 pontos para cada subescala. Pessoas Pinheiro e Amato (2002) que avalia a autoefi-
Associação entre Percepção de Doença e Ansiedade, Depressão e Autoeficácia 601
em Pessoas com HIV/Aids.
cácia para seguir o tratamento antirretroviral. percepção de doença e sexo, situação conjugal,
Trata-se de uma escala unifatorial, com 22 situação ocupacional, comorbidades e adesão
itens. As respostas são dadas em escala Likert, ao tratamento, foi utilizado o teste de Mann-
variando de 0 (com certeza não vou tomar) a 4 -Whitney. Já o teste Kruskal-Wallis foi em-
(vou tomar com certeza). O instrumento possui pregado para avaliar associações entre percep-
boas propriedades psicométricas, com validade ção de doença e escolaridade, renda, tempo de
de construto e indicador de consistência interna diagnóstico, número de internações e religião.
(alfa de Cronbach = 0,96) considerados adequa- Ressalta-se que também foi realizada análise
dos para medir a autoeficácia para tratamento qualitativa das respostas acerca da dimensão
antirretroviral. Para computar o escore final se temporal (item 8) e causas da doença (item 9) do
divide o valor resultante do somatório dos itens Brief IPQ, mediante a classificação das mesmas
pelo número de itens, sendo que este varia de em categorias.
zero a quatro: quanto maior o escore, ou seja,
quanto mais próximo de quatro, maior a auto- Resultados
eficácia percebida para tomar os medicamentos
antirretrovirais. Percepção de Doença
Sobre a percepção de doença, 40,3% dos
Procedimentos participantes apresentaram uma percepção de
Os participantes foram selecionados por ameaça relevante decorrente da enfermidade.
conveniência, convidados em sala de espera Foi investigada a ocorrência de associação entre
do ambulatório de infectologia de um hospital percepção de doença e as variáveis sociodemo-
universitário. Inicialmente, identificou-se nos gráficas e médico-clínicas: pessoas com relato
prontuários dos pacientes aqueles que tinham de boa adesão parecem diferir significativamente
diagnóstico de HIV e estavam aguardando a daquelas que relataram má adesão com relação
consulta médica. Em seguida foi realizado o à percepção de doença (U = 6,00, p < 0,001).
convite para participação na pesquisa. Aqueles Não foram evidenciadas associações relevantes
que aceitaram participar do estudo assinaram o entre percepção de doença e as demais variáveis
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e analisadas.
responderam de forma individual e autoaplicada A categorização das respostas referentes à
aos questionários sociodemográfico e médico- dimensão temporal indicou maior frequência de
clínico, Brief IPQ, Escala de Autoeficácia para crenças de que a doença irá durar por toda a vida
Seguir Prescrição Antirretroviral e HADS. (39,3%), seguido de pessoas que relataram não
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética saber quanto tempo a doença iria durar, alegando
em Pesquisa da Faculdade de Ciências da Saúde que a duração dependia da medicina, de Deus ou
da Universidade de Brasília (parecer no 331.052). da descoberta da cura (28,6%). Outros referiram
que a doença iria durar pouco tempo, justificando
Análise dos Dados que a descoberta da cura ocorreria em breve
Foi conduzida análise dos dados por meio (14,3%). Outras respostas somaram 17,8%:
do Statistical Package for the Social Sciences crença de que já está curado por intervenção
(versão 20), sendo realizadas, inicialmente, divina; menção do número de anos de vida
análises descritivas das variáveis investigadas. restantes de maneira precisa (30 anos com boa
Para investigar a existência de correlações entre adesão; de 12 a 15 anos); afirmação de que não
percepção de doença e ansiedade, depressão e pensa no assunto e uma pessoa não respondeu à
autoeficácia conduziu-se o teste de correlação pergunta.
de Spearman, teste também usado para avaliar Com relação às causas relacionadas à in-
a existência de correlação entre idade e percep- fecção pelo HIV, as categorias identificadas
ção de doença. Para investigar associações entre com base nos relatos dos participantes foram:
602 Nogueira, G. S., Seidl, E. M. F.
relações sexuais sem preservativo (39,3%), ir- 0,40, p < 0,05), identidade (item 4; rs = 0,47,
responsabilidade (17,8%), falta de informação p < 0,05), preocupações (item 5; rs = 0,50, p <
(17,8%) e múltiplos parceiros (17,8%). 0,01) e emoções (item 7; rs = 0,71, p < 0,05). As-
sim, um número maior de sintomas de depressão
Ansiedade e Depressão associou-se à percepção de piores consequências
Pouco menos da metade dos participan- decorrentes da doença, à presença de sintomas
tes apresentou escores indicativos de ansiedade graves, maiores preocupações e considerável
(46,4%) ou depressão (46,4%). Observou-se impacto emocional, respectivamente.
correlação positiva estatisticamente significati-
va entre percepção de doença e ansiedade (rs = Autoeficácia
0,60, p < 0,01) e depressão (rs = 0,65, p < 0,01). Observou-se elevada autoeficácia percebi-
Assim, quanto maior a percepção de ameaça im- da para tomar os medicamentos antirretrovirais
posta pela enfermidade maior a frequência de na amostra analisada, sendo encontrado um es-
sintomas de ansiedade ou depressão. core médio de 3,53 (DP = 0,67) nesta variável.
Com relação aos componentes de percepção Foi identificada correlação negativa estatistica-
de doença − aspectos mensurados pelos sete itens mente significativa entre percepção de doença
referentes às representações cognitiva e emocio- e autoeficácia (rs = -0,41, p < 0,05), indicando
nal − evidenciou-se correlação estatisticamente que quanto menor a autoeficácia percebida para
significativa entre ansiedade e identidade (item tomar os antirretrovirais, maior a percepção de
4; rs = 0,41, p < 0,05), preocupações (item 5; rs = ameaça imposta pela doença. A análise correla-
0,49, p < 0,01) e emoções (item 7; rs = 0,82, p < cional dos componentes de percepção de doença
0,01). Desta forma, quanto mais sintomas graves com essa variável, evidenciou associações entre
da doença são percebidos, quanto mais preocu- autoeficácia e controle pessoal (item 2; rs = 0,54,
pações relacionadas à enfermidade o indivíduo p < 0,01) e controle do tratamento (item 3; rs =
possui e quanto maior o impacto emocional da 0,50, p < 0,01). Desta maneira, quanto maior a
doença na vida da pessoa, maiores os sintomas percepção de autoeficácia para tomar os medi-
de ansiedade relatados, respectivamente. camentos antirretrovirais, maior a sensação de
Também foram encontradas correlações es- controle sobre a doença e maior é a confiança
tatisticamente significativas entre os componen- na eficácia da medicação. O resumo das associa-
tes de percepção de doença e depressão no que ções entre as variáveis investigadas e percepção
tange às consequências da doença (item 1; rs = de doença pode ser visualizado na Tabela 2.
Tabela 2
Correlações entre Percepção de Doença (Escore Total e Componentes) e Ansiedade, Depressão e Autoeficácia
Nota. O componente “compreensão” não apresentou correlação estatisticamente significativa com as variáveis investigadas.
* p < 0,05; ** p < 0,01.
acesso à informação de que é possível viver que tange à saúde mental (Ministério da Saúde,
bem com a doença, de manter a qualidade de 2012; Seidl & Faustino, 2014).
vida, desde que haja adesão satisfatória ao Foram evidenciadas associações entre per-
tratamento antirretroviral (Seidl & Faustino, cepção de doença e depressão e ansiedade. Se-
2014). Ademais, menor percepção de ameaça da gundo Sale (2014), pessoas que apresentam uma
enfermidade esteve correlacionada com maior percepção de doença negativa são mais propen-
autoeficácia percebida para seguir o tratamento, sas a desenvolver depressão. De maneira seme-
dado que é coerente com a frequência elevada de lhante ao presente estudo, Slot et al. (2015)
autorrelatos de adesão satisfatória ao tratamento identificaram alguns fatores associados ao risco
(82,1%), o que pode contribuir para a construção de depressão em pessoas infectadas pelo HIV,
de uma visão menos ameaçadora da doença. entre eles: percepção de que o HIV afeta todos
Contudo, cabe lembrar que mesmo diante de os aspectos da vida (ou seja, percepção de con-
boa adesão ao tratamento e da percepção de que sequências impostas pela doença) e problemas
a doença não apresenta um ameaça relevante, emocionais associados ao diagnóstico de soropo-
viver com uma enfermidade crônica como o sitividade, como estresse. Assim, as correlações
HIV/aids, ainda estigmatizada, pode acarretar entre depressão e percepção de doença observa-
sofrimento psíquico. das nesse estudo parecem coerentes, tendo em
Nesse estudo, observou-se que a maioria vista que a percepção de piores consequências
das pessoas tinha consciência de que a doença associadas ao HIV/aids, preocupações exacerba-
iria durar pelo resto da vida, tal como observado das com a enfermidade e efeitos relevantes no
em um estudo conduzido na Carolina do Norte. estado emocional estiveram associados a maior
Nessa investigação a maioria dos participantes número de sintomas depressivos.
afirmou que o HIV/aids é uma doença crônica Cabe ressaltar, que a depressão é uma
(Kemppainen et al., 2008), sendo que houve das alterações psiquiátricas mais comuns em
também a menção de esperança na cura alimen- pessoas infectadas pelo HIV (Christo & Paula,
tada por crenças religiosas ou pelos progressos 2008; Ministério da Saúde, 2012; Seidl &
em pesquisas na área. Uma pesquisa polonesa Faustino, 2014; Slot et al., 2015). Contudo, há
também revelou predomínio de crenças associa- grande variação na prevalência desse transtorno
das à percepção de cronicidade da aids, o que psicológico em pessoas que vivem com HIV/
foi interpretado positivamente pelos autores, aids, com resultados que variam de 0 a 45%,
acreditando que tal crença poderia favorecer a sendo os dados desse estudo superiores àqueles
colaboração com seus médicos e o cumprimento apontados pela literatura (46,4%). Todavia, um
do regime de tratamento (Kossakowska & Zie- estudo brasileiro encontrou uma prevalência
lazny, 2013). ainda maior, com 58% da amostra com depressão
Sobre a percepção de causalidade da moderada a severa (Homero et al., 2008). Tal
enfermidade, constatou-se que pessoas com HIV/ variabilidade nos níveis de prevalência pode
aids fizeram atribuições predominantemente ser justificada por fatores como: população
coerentes com aquelas descritas na literatura: estudada, instrumentos de avaliação utilizados,
práticas associadas a comportamentos sexuais local de realização da pesquisa e estágio da
de risco. Ressalta-se que a principal via de doença (Christo & Paula, 2008).
transmissão, desde o início da epidemia, é por O transtorno depressivo pode ser desenca-
relação sexual desprotegida (World Health deado devido à inexistência de cura para o HIV/
Organization, 2011). Cabe destacar que são aids, pelo sentimento de falta de controle sobre
frequentes os relatos de autoculpabilização, raiva o futuro, pelos limites impostos pela doença,
direcionada a si mesmo e/ou ao(a) parceiro(a) vivência ou medo de preconceito, autoculpabi-
sexual e sentimentos de arrependimento pela lização e recriminação por haver-se exposto ao
exposição ao vírus devido ao sexo sem preser- vírus, sentimentos de culpa pela possibilidade
vativo, o que também pode levar a prejuízos no de ter infectado alguém involuntariamente, além
604 Nogueira, G. S., Seidl, E. M. F.
tratamentos e serviços de saúde podem variar em Assim, o presente estudo tem o mérito de
diferentes países, e afetar a percepção de doença, contribuir na divulgação do construto percepção
especialmente a de controle da mesma. de doença, baseado no Modelo de Autorregula-
Acredita-se na importância de intervenções ção de Leventhal, favorecendo sua compreensão
psicológicas voltadas a mudanças na percepção e eventual utilização por profissionais e pesqui-
de doença, já que a construção de um novo re- sadores brasileiros. Espera-se que esse estudo
pertório cognitivo e comportamental, incluindo contribua também para a ampliação de conhe-
a implementação de estratégias de enfrentamen- cimentos sobre a associação entre percepção
to mais adaptativas, contribua para a redução de doença e variáveis psicológicas, servindo de
de sintomas de depressão, ansiedade e para o estímulo para que sejam desenvolvidas interven-
aumento da autoeficácia para tomar os antirre- ções psicológicas voltadas para a promoção de
trovirais. Uma intervenção realizada em PVHA mudanças na percepção de doença.
em Portugal parece indicar que este pode ser um
caminho viável (Rosa, 2013): foi desenvolvida Referências
uma intervenção em grupo baseada no Modelo
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perceptions, coping styles and psychological
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mero reduzido de participantes e seleção por 179. doi:10.1080/13548506.2013.802355
conveniência, bem como coleta de dados em um Bofill, L. M., Lopez, M., Dorigo, A., Bordato, A.,
único serviço que presta assistência a PVHA, o Lucas, M., Cabanillas, G. F., …Jones, D. (2014).
que impossibilita generalizações acerca dos re- Patient-provider perceptions on engagement
sultados do presente estudo. Assim, sugere-se in HIV care in Argentina. AIDS Care, 26(5),
que pesquisas futuras investiguem a associação 602-607. doi:10.1080/09540121.2013.844767
entre tais variáveis em uma amostra maior, em Broadbent, E., Petrie, K. J., Main, J., & Weinman, J.
outras regiões do país, bem como em outras en- (2006). The Brief Illness Perception Question-
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