MOLTMANN Jurgen Visao Trinitaria Aberta

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C l a u d io de O l iv e ir a R ib e ir o

D a n ie l Sa n t o s S o u z a

A TEOLOGIA
C In ic ia ç ã o T e o l ó g ic a
DAS RELIGIÕES
o leçã o

• A dimensão socioestrutural do Reinado de Deus


Francisco de Aquino Júnior
• A teologia das religiões em foco: um guia para visionários EM FOCO
Cláudio de Oliveira Ribeiro e Daniel Santos Souza
• Bioética e pastoral da saúde
Francisco J. Alarcos Um guia para visionários
• Ética teológica fundamental
Pe. João Aloysio Konzen
• Imagem humana à semelhança de Deus: proposta de
antropologia teológica
José Neivaldo de Souza
• “Não extingais o Espirito” (lTs 5,19): introdução à
Pneumatologia
Victor Codina
• O encontro com Jesus Cristo vivo
Alfonso Garcia Rubio
• Teologia em curso: temas da fé cristã em foco
Cláudio de Oliveira Ribeiro
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Ribeiro, Cláudio de Oliveira


A teologia d as religiões em foco : um guia para visionários /
Cláudio de Oliveira Ribeiro e Daniel Santos Souza. - São Paulo :
s u m á r io !
Paulinas, 20 1 2 . - (Coleção iniciação teológica)

Bibliografia. In tro du ção


ISBN 978-85-356-3217-0
E c u m e n is m o , p l u r a l is m o e r e l i g i õ e s ............................................................................. 9
1. Teologia das religiões (Teologia cristã) I. Souza, Daniel Nossas intenções....................................................................................................12
Santos. II. Título. III. Série.
Os caminhos escolhidos....................................................................................... 14
12-06617 CD D -261.2
Nossas pressuposições: a dimensão do plural...................................................17

índice para catálogo sistemático: ABRINDO HORIZONTES


1. Teologia das religiões 261.2
Julio de Santa Ana
Test em u n h o e c u m ê n i c o ....................................................................................................... 2 9

1. A importância pública das religiões............................................................... 31


2. Fragmento.......................................................................................................... 33
Direção-geral: Bernadete Boff
Editores responsáveis: Vera lvanise Bombonatto Hans Küng
Afonso M. L. Soares Va l o r d o h u m a n o e d a é t i c a s o c i a l .................................................................. 36
Copidesque: Amália Ursi
1. A verdadeira humanidade é pressuposto da verdadeira religião,
Coordenação de revisão: Marina Mendonça
Revisão: Sandra Sinzato e uma verdadeira religião é o aperfeiçoamento de uma verdadeira
Assistente de arte: Ana Karina Rodrigues Caetano humanidade....................................................................................................... 38
Gerente de produção: Felício Calegaro Neto 2. Fragmento.......................................................................................................... 40
C apa e diagram ação: Wilson Teodoro Garcia
Jürgen Moltmann
V is ã o t r i n i t á r i a a b e r t a ....................................................................................................... 4 6 j
1. Por uma Teologia que vislumbre uma unidade aberta,
N e n h u m a p a r te d e sta o b r a p o d e r á se r re p r o d u z id a
ou transm itida p o r q u alquer form a e/ou q uaisq u er meios convidativa e integradora................................................................................ 48
(eletrônico ou m ecânico, incluindo fo to có p ia e gravação ) 2. Fragmento.......................................................................................................... 50
ou a rq u iv a d a em q u a lq u e r sistem a ou b an co de d ad o s
sem p e rm issão e sc rita da E d ito ra . D ire ito s reservad os.
Xabier Pikaza Ibarrondo
R e l ig iõ e s c o m o c ó d ig o s d e c o m u n i c a ç ã o ............................................................... 55
1. A missão monoteísta de viver a fé em comunhão universal
e em comunicação humana.............................................................................57
2. Fragmento.......................................................................................................... 59
Paulinas
R ua D ona Inácia Uchoa, 62 Paul Knitter
04110-020 - São Paulo - SP (Brasil) V isã o d i a l ó g ic a ..................................................................................................... 62
Tel.: (1 1 )2 1 2 5 -3 5 0 0
http://www.paulinas.org.br - [email protected] .br 1. Substituição, complementação, mutualidade e aceitação:
Telemarketing: 0800-7010081 modelos de interpretação das Teologias das Religiões 64 ^
© Pia Sociedade Filhas de São Paulo - São Paulo, 2012 2. Fragmento.......................................................................................................... 66
C lau d e G e ffré .............................................................................................................................. ... Christine Lienemann-Perrin
P l u r a l is m o r e l i g i o s o c o m o p a r a d ig m a t e o l ó g i c o ........................................... 72 E cu m en e c o m o h o r i z o n t e d o e n c o n t r o d e r e l i g i õ e s .................................. 143

1. O s critérios p a ra um ecum enism o p la n e tá r io .................................................... 74 1. A elaboração de “ uma Teologia Pluralista da M issão” .......................... 145
2 . F ragm en to ..........................................................................................................................76 2. Fragmento ..................................................................................................................... 14 7

A n drés T orres Q u eiru ga Inderjit S. Bhogal


T e o l o g ia n o e n c o n t r o d a s r e l i g i õ e s ...........................................................................82 P l u r a l is m o e c o t i d i a n o ..................................................................................................153

1. A autên tica id entid ad e é fo rja d a n o d iá lo g o ....................................................... 84 1. O compromisso missionário........................................................................155


2. F ra g m en to ..........................................................................................................................86 2. Fragmento...................................................................................................... 1 5 7

O D E SA F IO D A Q U E ST Ã O C R IS T O L Ó G IC A INTERPELAÇÕES FUNDAMENTAIS

M a rio de F ra n ça M ira n d a Diego Irarrazaval


Bu sc a d e c r it é r io s d e d i s c e r n i m e n t o ..........................................................................91 T e o l o g ia I n d íg e n a L a t in o -A m e r ic a n a ................................................................... 1 65
1. O cristian ism o em face d as r e lig iõ e s....................................................................... 93 1. Os mitos e as narrativas indígenas na produção teológica.....................1 6 7
2 . F ra g m e n to ..........................................................................................................................95 2. Fragmento...................................................................................................... 16 9

R o g e r H aigh t Padre Toninho


P l u r a l is m o n o r m a t i v o .......................................................................................................100 T e o l o g ia N e g r a ..................................................................................................................1 2 2

1. Je su s e a s religiões m u n d ia is.................................................................................... 102 1. A contribuição da Teologia Negra da Libertação


2 . F ra g m e n to ........................................................................................................................104 para o debate do pluralismo religioso ................................................................ 1 7 4
17 £
2. Fragmento........................................................................................................1' °
Ja c q u e s D u p u is
P l u r a l is m o i n c l u s i v o .........................................................................................................1 09 Luiza Tomita
1. Um n ov o m o d o de se p en sar a T eologia: T e o l o g ia F e m in is t a e e c u m e n i s m o .............................................................................. 18 0

p o r u m a C risto lo gia rein océn trica.........................................................................111 1 . A contribuição da Teologia Feminista da Libertação


2 . F ra g m e n to ....................................................................................................................... 113 para o debate do pluralismo religioso........................................................182
2 . Fragmento.......................................................................................................
Jo h n H ic k ..........................................................................................................................................
H ip ó t e s e p l u r a l i s t a ............................................................................................................116 Afonso Soares
1. O arco-íris d o R e a l...................................................................................................... 118 Va l o r t e o l ó g ic o d o s i n c r e t i s m o r e l i g i o s o ........................................................1 89
2 . F ra g m e n to ....................................................................................................................... 1 20 1. Por uma Teologia “ entrefés” (Interfaith Theology)................................. 191
2 . Fragmento....................................................................................................... 193
D IÁ L O G O E M ISSÃ O
Aloysius Pieris
Jo s é C om blin M a g is t é r io d o s p o b r e s e o d i á l o g o in t e r -r e l i g i o s o .....................................198

C r ít ic a a o s p r o ie t o s m i s s i o n á r io s d o m i n a d o r e s .............................................125 1. A escuta do magistério dos pobres............................................................. 2 0 0


1. A s a rm a s d o im pério e o p od er do d iálo g o d a s r e lig iõ e s............................. 12 7 2 . Fragmento....................................................................................................... 2 0 2
2 . F ra g m e n to ....................................................................................................................... 129
Raimon Panikkar
W esley A riarajah C r ít ic a a o f o r m a l i s m o t e o l ó g i c o ............................................................................ 2 0 4

R epen sa r a m i s s ã o .................................................................................................................134 1. Por uma confessionalidade aberta e dialogai........................................... 2 0 6


1. R ep en san d o a m issão n os d ia s de h oje ..............................................................136 2 . Fragmento...................................................................................................... 20 8
2. F ra gm en to .......................................................................................................................138
POR UMA ESPIRITUALIDADE ECUMÊNICA Introdução
Michael Amaladoss
A pelo p a st o r a l a o d i á l o g o .......................................................................................... 2 1 3
1. Religiões, diálogo e direitos humanos......................................................... 215
ECUMENISMO,
2. Fragmento........................................................................................................ 217

Maria Clara Bingemer


PLURALISMO E RELIGIÕES
M í s t ic a e a l t e r i d a d e .......................................................................................................... 2 2 3

1. “ Uma sacralidade para tempos difusos e confusos” ................................. 225


2. Fragmento........................................................................................................ 227
- O que andas a fazer com um caderno,
Faustino Teixeira
escreves o quê?
E n t u s ia s m o p e l a e s p ir it u a l id a d e e c u m ê n i c a ....................................................... 2 3 2
- Nem sei, pai. Escrevo conforme vou sonhando.
1. Partilha de vida, experiência de comunhão e conhecimento m útuo 234
- E alguém vai ler isso?
2. Fragmento........................................................................................................ 236 - Talvez.
José Maria Vigil —É bom assim: ensinar alguém a sonhar.
R e l ig iõ e s e R e in o de D e u s .............................................................................................. 2 3 9
(Mia Couto, Terra sonâmbula,
1. A centralidade do Reino de Deus na reflexão teológica
e na prática pastoral....................................................................................... 241 trecho da conversa entre Kindzu e seu pai)
2. Fragmento........................................................................................................ 243

Marcelo Barros
Po r um a T e o l o g ia A f r o - l a t ín d ia da L ib e r t a ç ã o ............................................... 2 4 8 E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne;
1. A Teologia que nasce das culturas negras e indígenas.............................. 250 vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharao, e
vossos jovens terão visões...
2. Fragmento........................................................................................................ 252
(Livro do Profeta Joel, 2, 28)
In d i c a ç õ e s b i b l i o g r á f i c a s ................................................................................................2 5 7

A Teologia das Religiões vem ganhando destaque no


debate atual. As raízes dessa vertente teológica ga­
nharam densidade ainda no século X IX quando os esfor­
ços missionários do mundo protestante na Ásia, na África
e na América Latina, motivados pela Teologia Liberal,
descortinaram as questões ecumênicas e, mesmo em meio
às propostas verticalistas de missão, suscitaram oportuni­
dades de diálogo inter-religioso, processos de aprendiza­
gem e a fermentação de uma Teologia Ecumênica. Essas
perspectivas, ainda que fragmentariamente, percorreram
o século X X e desaguaram em fontes teológicas riquíssi­
9
J ürg en M oltm ann argumentar contra as interpretações existencialistas de
vários teólogos renomados como Tillich e Barth e apre­
senta uma escatologia que realça a mensagem cristã como
YI SÀ() T RIXIIÁ RIA 4 B E R 1A resposta às possibilidades históricas. Teologia da Espe­
rança é uma mensagem baseada no contexto sociopolítico
dos anos de 1960, na tentativa de ser uma resposta esca-
tológica para as crises presenciadas no cotidiano da socie­
ürgen Moltmann (1926 - ) é u m dos nomes mais des­

J tacados no campo teológico na atualidade. Ele nasceu


em Hamburgo, Alemanha. N a década de 1940, ainda
muito jovem, teve experiências marcantes com a guerra
dade, mas se revela bastante atual. Moltmann apresenta,
sobretudo diante das catástrofes vividas no século X X ,
uma mensagem que procura resgatar a esperança de um
mundo sem esperança. “ N ós não somos só os intérpretes
que devastou a sua cidade, provocando inúmeras mortes
do futuro, mas já os colaboradores do futuro, cuja força,
e também como soldado e prisioneiro de guerra. Assim,
na esperança como na realização, é Deus” (p. 43).
entre tantas perguntas, uma acompanhou a sua trajetória
teológica: “ Como se pode falar de Deus depois de Aus- Moltmann teve contato, desde a década de 1970,
chwitz?” . com a Teologia Latino-Americana da Libertação, a Teo­
As contribuições de Moltmann resultaram em duas logia Negra e a Teologia Feminista, e estabeleceu com elas
importantes visões teológicas: a Teologia da Esperança um diálogo crítico e desafiador, não isento de tensões. Em
e a Teologia da Cruz. Essas duas perspectivas expressam 2008, em visita à Universidade M etodista de São Paulo,
a consistência e a relevância das contribuições que o teó­ no Brasil, Moltmann apresentou um balanço de sua Teo­
logo evangélico de tradição reformada confere à reflexão logia da Esperança tendo em vista o referido diálogo com
teológica e o valor significativo delas para as questões que a Teologia Latino-Americana. Daí, o significativo subtí­
marcam a sociedade. Moltmann se destaca pela maneira tulo “ Um testamento teológico para a América Latina”
que envolve a Teologia com questões relacionadas ao con­ de sua obra Vida, esperança e justiça (São Bernardo do
texto vigente, principalmente as ligadas ao ecumenismo, à Campo: Editeo, 2008).
área política e social, aos direitos humanos e à ecologia. Outra questão que se tem revelado crucial no pen­
Moltmann trabalhou como pastor e professor. Como samento teológico do autor são os temas ecológicos. Tal
docente atuou na área de Teologia Sistemática na Univer­ preocupação, fundamental para o diálogo ecumênico,
sidade de Bonn e na Universidade de Tübingen, onde é perpassa também textos sistemáticos como Deus na cria­
professor emérito. N o ano de 1964, escreveu Teologia da ção: doutrina ecológica da criação (Petrópolis: Vozes,
Esperança (São Paulo: Herder, 1971), que foi a matriz de 1992), Ciência e sabedoria: um diálogo entre Ciência na­
seu pensamento teológico, em diálogo com o “ princípio tural e Teologia (São Paulo: Loyola, 2007) e O Espírito
esperança” de Ernest Bloch. Nessa obra, Moltmann ousa da vida: uma Pneumatologia integral (Petrópolis: Vozes,

46 47
1998). Essa visão impulsiona o autor a refletir sobre a paz A hermenêutica da esperança, traço fundamental da
mundial e o diálogo entre as religiões. Teologia de Moltmann, é apresentada na obra em confor­
midade com as perspectivas já por ele consagradas: a ló­
gica da promissão e a aliança divino-humana, esperança
1. Por u m a Teologia que vislum bre e futuro e a metáfora do futuro esperado e desejado. Tal
u m a unidade aberta, convidativa perspectiva fundamenta teologicamente as possibilidades
e integradora históricas de diálogo ecumênico e os projetos de paz no
mundo.
Em Experiências de reflexão teológica: caminhos e O caráter ecumênico do método teológico de M olt­
formas da teologia cristã (São Leopoldo: Ed. Unisinos, mann se revela nos reflexos de Teologia Libertadora que
2004), Moltmann articula as perspectivas do seu método ele apresenta na obra. Para isso, descreve as interpelações
teológico com a sua trajetória de vida, como lhe é peculiar que a Teologia Negra nos Estados Unidos, a Teologia da
no seu trabalho intelectual. Nesse sentido, então, ganham Libertação surgida na América Latina, a Teologia Mi-
destaque os temas e caminhos teológicos m arcados pelas niung da Coréia e a Teologia Feminista fazem ao método
experiências de diálogo e de aproxim ação ecumênica. teológico. Ele considera que tais visões “ são imagens do
Moltmann apresenta os lugares da existência teoló­ mundo ocidental refletidas nos olhos de suas vítimas [...]
gica, com destaque para a lógica plural que leva em conta e foram desenvolvidas bem conscientemente dentro do
simultaneamente as experiências pessoais e comunitárias, seu contexto político, social e cultural, no seu kairós his­
eclesiais e seculares, cristãs e não cristãs. Nesse sentido, toricamente condicionado e para a cam ada social, grupo
o autor considera fundamental para o método teológico ou comunidade caracterizada pela espoliação, opressão
que haja articulação: a) entre a dimensão acadêmica e a e alienação” (p. 158). N o entanto, Moltmann também
popular, para não permitir que a Teologia se distancie apresenta questões que tocam a radicalização da proposta
das situações fundamentais da vida e assim perca a sua libertadora ao situar a dinâmica da opressão também no
dimensão pública e a sua referência ao Reino de Deus; viés religioso e pergunta: “ Se as formas atuais de teologias
b) entre as visões confessionais e as críticas ateístas à Te­ contextuais da libertação levam para além do cristianis­
ologia e à religião, pois o caráter antiteológico da crítica mo, onde fica então a sua identidade cristã?” (p. 251).
moderna à religião (cf. Nietzsche, M arx e Freud) pode se As reflexões culminam com a descrição da Teologia
tornar significativamente teológico na medida em que re­ Cristã da Trindade, entendida como “ lugar espaçoso” e
vela o desejo humano mais profundo; e c) entre as visões inclusivo. Nela emerge o conceito pericorético da unidade
de diferentes religiões, pois elas aguçam a capacidade de e a experiência da comunhão. A unidade trinitária “ não
se aprender a dialogar e a identificar os pontos de confli­ é uma unidade fechada em si mesma, exclusiva, mas uma
tos visando à paz. unidade aberta, convidativa e integradora, assim como
48 49
Jesus ora ao Pai pelos discípulos em Jo 17, 21 ‘ [...] para é preciso estar ciente de que a Ciência da Religião não ca­
que também eles estejam em nós’. Essa coabitação dos pacita para o diálogo, porque ela apresenta as religiões de
seres humanos no Deus triúno corresponde perfeitamente maneira cientificamente objetiva, ela própria não é religiosa e
à coabitação inversa do Deus triúno nos seres humanos” não levanta a pergunta por Deus, não capacitando, portanto,
(p. 268). Essa visão corresponde a uma promissora base para as controvérsias na disputa das religiões.
teológica para uma Teologia Ecumênica das religiões. Da capacidade para o diálogo faz parte também a digni­
dade para o diálogo. Digno de participar do diálogo é somen­
2. Fragm ento te quem conquistou uma posição firme na sua própria religião
e vai para o diálogo com a autoconsciência correspondente.
A Teologia no diálogo inter-religioso (pp. 28-31) Somente a domiciliação na sua própria religião capacita para
o encontro com uma outra. Quem cai no relativismo da socie­
O conceito do diálogo apresentou-se como apropriado dade multicultural pode até estar capacitado para o diálogo,
para definir o encontro e a convivência de diversas comu­
nhões religiosas na sociedade moderna. Mesmo que ele mas não possui a dignidade para o diálogo. Os representan­
ainda não seja necessariamente a última palavra, toda vida tes das outras religiões não querem conversar com modernos
multirreligiosa tem de começar com um reconhecimento mú­ relativizadores da religião, mas com cristãos, judeus, islami-
tuo, que leva a ouvir uns aos outros e a falar uns com os ou­ tas etc. convictos. O “pluralismo” como tal não é uma religião
tros. De teólogos cristãos pode-se esperar, portanto, que eles e nem se constitui numa teoria particularmente útil para o diá­
se tornem capazes de dralogar. Disso faz parte o interesse logo inter-religioso. Quem parte dessa divisa logo nada mais
pela outra religião, a abertura para a percepção do modo de terá a dizer e ademais ninguém mais lhe dará ouvidos.
vida distinto da outra comunhão religiosa e a vontade para a No diálogo sério, identifica-se o que nos é próprio na
vida em comum, para a convivência. Contudo o caso normal mesma proporção em que se identifica o outro. Eruditos de
numa sociedade multirreligiosa é antes a indiferença em re­ outras religiões frequentemente reconhecem o peculiar do
lação à outra religião, a transformação da outra em gueto ou cristianismo com mais precisão do que os próprios teólogos
a encapsulação da comunhão religiosa própria e a vivência cristãos. Para o conhecimento de si próprio é importante mi-
paralela desinteressada, tácita. Pois todo interesse pela outra rar-se no espelho dos olhos de estranhos. No diálogo, porém,
religião e toda abertura para um modo de vida diferente natu­ os parceiros obtêm um novo perfil do que lhes é próprio: um
ralmente torna mutável a religião própria e vulnerável o modo perfil dialógico. Quanto melhor este for elaborado no diálogo,
de vida próprio. Muito úteis para o conhecimento da outra tanto melhor os parceiros se reconhecem. Por isso, o diálo­
religião são os estudos da ciência comparativa da religião. go não está em contraposição à missão: no diálogo, os par­
Todo teólogo cristão formado deveria poder dizer com que ceiros tornam-se testemunhas recíprocas da verdade de sua
outra religião ele se ocupou de modo intensivo. No entanto, religião - o judeu para o cristão, o cristão para o islamita, o
50 51
islamita para o cristão e para o judeu. O diálogo sério não paz mundial é uma ideia ocidental, pois as religiões do Livro
é nenhuma atividade cultural visando a talk shows e entre­ naturalmente estão melhor preparadas para diálogos verbais
tenimento. O diálogo só se torna sério quando se torna ne­ e argumentações lógicas do que as religiões meditativas e
cessário. Ele torna-se necessário quando surge um conflito as religiões rituais. Pode-se perceber isso já pelo fato de as
que ameaça a vida, e cuja solução pacífica deve ser buscada «religiões naturais” da África, da Austrália e da América prati­
conjuntamente mediante o diálogo: “Se não conversarmos camente não estarem representadas nos programas do diá­
uns com os outros agora, iremos atirar uns nos outros ama­ logo direto.
nhã”. [...] Para o diálogo inter-religioso sobre o que “concerne O diálogo indireto tem lugar atualmente no nível local
incondicionalmente” às pessoas e no que elas colocam toda sobre questões sociais e no nível mundial sobre questões
a confiança do seu coração, já o caminho é uma parte do ecológicas. Não se trata aí de um intercâmbio de ideias reli­
alvo, na medida em que ele possibilita convivência em meio giosas, mas do reconhecimento comum das atuais ameaças
às diferenças intransponíveis. Enfim: o diálogo não pode ser letais ao mundo e da busca de caminhos comuns para esca­
realizado apenas por especialistas que falam por si mesmos. par delas. O que fizeram as “religiões mundiais” para justificar
[...] O objetivo do diálogo inter-religioso não é uma religião a moderna destruição do mundo? O que podem elas fazer
unitária nem a metamorfose e o acolhimento das religiões na para salvar a Terra comum? Onde há forças hostis à vida,
oferta pluralista de prestação de serviços de uma sociedade dispostas à violência e destruidoras do mundo nas religiões,
de consumo religiosa, mas a “diversidade reconciliada”, a di­ e que mudanças se fazem necessárias para transformar as
ferença suportada e produtivamente conformada. religiões em forças da humanidade capazes de promover a
Faz sentido diferenciar entre um diálogo direto e um diá­ vida e preservar o mundo? Esse diálogo é indireto, porque
logo indireto: o diálogo direto é o diálogo religioso entre as não estamos falando sobre nós mesmos ou uns sobre os ou­
distintas religiões, as chamadas “religiões mundiais”, por não tros, mas conjuntamente sobre um terceiro assunto. Encon­
estarem vinculadas a um povo, uma cultura e uma língua, tramo-nos num diálogo indireto também quando buscamos o
mas ocorrerem em todas as partes do mundo. Nesse diálo­ diálogo inter-religioso para descobrir um “etos mundial” para
go trata-se da confrontação e do cotejo das diferentes con­ a “paz mundial”. Nesse diálogo indireto sobre questões so­
cepções religiosas acerca da transcendência e da salvação, ciais e ecológicas é que os jeitos das assim chamadas re­
da compreensão do ser humano e da natureza. É aí que o ligiões “primitivas” ou “naturais” começam a expressar-se e
cristianismo, com sua visão trinitária de Deus, sua Teologia a ser ouvidas, pois elas preservam muita sabedoria social e
da Cruz, sua doutrina da salvação e sua escatologia, deve­ ecológica do período pré-industrial, que teremos de transpor
rá estar representado e ser levado a sério. Contudo a ideia para a era pós-industrial se queremos que este mundo sobre­
de que as grandes religiões mundiais possam chegar à paz viva. Isso nos leva, no final, a uma nova definição do que seja
entre si por meio de diálogos e contribuir com algo para a uma religião mundial: futuramente poderá ser considerada
52 53
uma “religião mundial” apenas aquela religião que promover X a b i e r P ik a z a I b a r r o n d o
e assegurar a sobrevivência da humanidade no quadro do
organismo “Terra”. Para isso é aconselhável prestar aten­
ção também àquela “religião oculta da terra”, da qual fala a RELIGIÕES COMO CODIGOS
legislação israelita do sábado: no sétimo ano, a terra deve DE COMUNICAÇÃO
permanecer sem cultivo, para que “a terra possa dedicar a
Deus o seu grande sábado” (Lev 25). Este é o “culto a Deus”
prestado pela terra.
As condições conjunturais a serem oferecidas pelo Esta­
do para o diálogo inter-religioso, seja este direto ou indireto,
são as seguintes: 1. A separação entre religião e Estado me­
P rofessor de História e Filosofia das Religiões na Uni­
versidade Pontifícia de Salamanca, na Espanha, Xabier
Pikaza nasceu em Orozsko, Vizcaya, em 1941. Estudioso
diante a isenção do Estado em relação à religião e da religião do diálogo entre o cristianismo e as culturas da moderni­
em relação ao Estado. 2. A proteção estatal para o exercício dade, em especial as formas e os processos de globaliza­
comunitário da religião e para a liberdade religiosa individual. ção econômica e das comunicações, o autor aprofunda
3. A vigência de uma ordem legal comum para todas as co­ em perspectiva bíblica e sistemática aspectos da Teologia
munidades religiosas da mesma forma. O Estado secular, das Religiões.
neutro em termos religiosos, não pode permitir que, em nome Autor de vários livros, Xabier Pikaza, teólogo cató­
de uma religião, direitos humanos e de cidadania sejam vio­ lico, possui como uma de suas áreas de interesse o tema
lados. Ele deve garantir a liberdade pessoal de ingressar em da violência em relação às religiões. Os resultados de suas
uma comunidade religiosa e também de deixá-la. Quem qui­ pesquisas nesse campo por mais de duas décadas estão
ser tomar parte no diálogo das religiões e ser levado a sério bem apresentados na obra Violência e diálogo das reli­
nele deve respeitar essas condições conjunturais oferecidas giões: um projeto de paz (São Paulo: Paulinas, 2008). A
pelo Estado. As religiões estão subordinadas ao direito hu­ obra revela sua importância em especial pelo fato de ter
mano à liberdade religiosa. sido elaborada no contexto de preparação do Parlamento
das Religiões do M undo (Barcelona, 2004). Nela, o au­
tor apresenta elementos teóricos para análise do potencial
dialógico das religiões, assim como a força destrutiva e
geradora da violência presente nelas. Embora analítico,
o livro se propõe também a ser uma plataforma teológica
de paz que possa despertar a consciência adormecida de
homens e mulheres que, mesmo sendo religiosos, toleram
a violência.

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