MOLTMANN Jurgen Visao Trinitaria Aberta
MOLTMANN Jurgen Visao Trinitaria Aberta
MOLTMANN Jurgen Visao Trinitaria Aberta
D a n ie l Sa n t o s S o u z a
A TEOLOGIA
C In ic ia ç ã o T e o l ó g ic a
DAS RELIGIÕES
o leçã o
1. O s critérios p a ra um ecum enism o p la n e tá r io .................................................... 74 1. A elaboração de “ uma Teologia Pluralista da M issão” .......................... 145
2 . F ragm en to ..........................................................................................................................76 2. Fragmento ..................................................................................................................... 14 7
O D E SA F IO D A Q U E ST Ã O C R IS T O L Ó G IC A INTERPELAÇÕES FUNDAMENTAIS
Marcelo Barros
Po r um a T e o l o g ia A f r o - l a t ín d ia da L ib e r t a ç ã o ............................................... 2 4 8 E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne;
1. A Teologia que nasce das culturas negras e indígenas.............................. 250 vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharao, e
vossos jovens terão visões...
2. Fragmento........................................................................................................ 252
(Livro do Profeta Joel, 2, 28)
In d i c a ç õ e s b i b l i o g r á f i c a s ................................................................................................2 5 7
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1998). Essa visão impulsiona o autor a refletir sobre a paz A hermenêutica da esperança, traço fundamental da
mundial e o diálogo entre as religiões. Teologia de Moltmann, é apresentada na obra em confor
midade com as perspectivas já por ele consagradas: a ló
gica da promissão e a aliança divino-humana, esperança
1. Por u m a Teologia que vislum bre e futuro e a metáfora do futuro esperado e desejado. Tal
u m a unidade aberta, convidativa perspectiva fundamenta teologicamente as possibilidades
e integradora históricas de diálogo ecumênico e os projetos de paz no
mundo.
Em Experiências de reflexão teológica: caminhos e O caráter ecumênico do método teológico de M olt
formas da teologia cristã (São Leopoldo: Ed. Unisinos, mann se revela nos reflexos de Teologia Libertadora que
2004), Moltmann articula as perspectivas do seu método ele apresenta na obra. Para isso, descreve as interpelações
teológico com a sua trajetória de vida, como lhe é peculiar que a Teologia Negra nos Estados Unidos, a Teologia da
no seu trabalho intelectual. Nesse sentido, então, ganham Libertação surgida na América Latina, a Teologia Mi-
destaque os temas e caminhos teológicos m arcados pelas niung da Coréia e a Teologia Feminista fazem ao método
experiências de diálogo e de aproxim ação ecumênica. teológico. Ele considera que tais visões “ são imagens do
Moltmann apresenta os lugares da existência teoló mundo ocidental refletidas nos olhos de suas vítimas [...]
gica, com destaque para a lógica plural que leva em conta e foram desenvolvidas bem conscientemente dentro do
simultaneamente as experiências pessoais e comunitárias, seu contexto político, social e cultural, no seu kairós his
eclesiais e seculares, cristãs e não cristãs. Nesse sentido, toricamente condicionado e para a cam ada social, grupo
o autor considera fundamental para o método teológico ou comunidade caracterizada pela espoliação, opressão
que haja articulação: a) entre a dimensão acadêmica e a e alienação” (p. 158). N o entanto, Moltmann também
popular, para não permitir que a Teologia se distancie apresenta questões que tocam a radicalização da proposta
das situações fundamentais da vida e assim perca a sua libertadora ao situar a dinâmica da opressão também no
dimensão pública e a sua referência ao Reino de Deus; viés religioso e pergunta: “ Se as formas atuais de teologias
b) entre as visões confessionais e as críticas ateístas à Te contextuais da libertação levam para além do cristianis
ologia e à religião, pois o caráter antiteológico da crítica mo, onde fica então a sua identidade cristã?” (p. 251).
moderna à religião (cf. Nietzsche, M arx e Freud) pode se As reflexões culminam com a descrição da Teologia
tornar significativamente teológico na medida em que re Cristã da Trindade, entendida como “ lugar espaçoso” e
vela o desejo humano mais profundo; e c) entre as visões inclusivo. Nela emerge o conceito pericorético da unidade
de diferentes religiões, pois elas aguçam a capacidade de e a experiência da comunhão. A unidade trinitária “ não
se aprender a dialogar e a identificar os pontos de confli é uma unidade fechada em si mesma, exclusiva, mas uma
tos visando à paz. unidade aberta, convidativa e integradora, assim como
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Jesus ora ao Pai pelos discípulos em Jo 17, 21 ‘ [...] para é preciso estar ciente de que a Ciência da Religião não ca
que também eles estejam em nós’. Essa coabitação dos pacita para o diálogo, porque ela apresenta as religiões de
seres humanos no Deus triúno corresponde perfeitamente maneira cientificamente objetiva, ela própria não é religiosa e
à coabitação inversa do Deus triúno nos seres humanos” não levanta a pergunta por Deus, não capacitando, portanto,
(p. 268). Essa visão corresponde a uma promissora base para as controvérsias na disputa das religiões.
teológica para uma Teologia Ecumênica das religiões. Da capacidade para o diálogo faz parte também a digni
dade para o diálogo. Digno de participar do diálogo é somen
2. Fragm ento te quem conquistou uma posição firme na sua própria religião
e vai para o diálogo com a autoconsciência correspondente.
A Teologia no diálogo inter-religioso (pp. 28-31) Somente a domiciliação na sua própria religião capacita para
o encontro com uma outra. Quem cai no relativismo da socie
O conceito do diálogo apresentou-se como apropriado dade multicultural pode até estar capacitado para o diálogo,
para definir o encontro e a convivência de diversas comu
nhões religiosas na sociedade moderna. Mesmo que ele mas não possui a dignidade para o diálogo. Os representan
ainda não seja necessariamente a última palavra, toda vida tes das outras religiões não querem conversar com modernos
multirreligiosa tem de começar com um reconhecimento mú relativizadores da religião, mas com cristãos, judeus, islami-
tuo, que leva a ouvir uns aos outros e a falar uns com os ou tas etc. convictos. O “pluralismo” como tal não é uma religião
tros. De teólogos cristãos pode-se esperar, portanto, que eles e nem se constitui numa teoria particularmente útil para o diá
se tornem capazes de dralogar. Disso faz parte o interesse logo inter-religioso. Quem parte dessa divisa logo nada mais
pela outra religião, a abertura para a percepção do modo de terá a dizer e ademais ninguém mais lhe dará ouvidos.
vida distinto da outra comunhão religiosa e a vontade para a No diálogo sério, identifica-se o que nos é próprio na
vida em comum, para a convivência. Contudo o caso normal mesma proporção em que se identifica o outro. Eruditos de
numa sociedade multirreligiosa é antes a indiferença em re outras religiões frequentemente reconhecem o peculiar do
lação à outra religião, a transformação da outra em gueto ou cristianismo com mais precisão do que os próprios teólogos
a encapsulação da comunhão religiosa própria e a vivência cristãos. Para o conhecimento de si próprio é importante mi-
paralela desinteressada, tácita. Pois todo interesse pela outra rar-se no espelho dos olhos de estranhos. No diálogo, porém,
religião e toda abertura para um modo de vida diferente natu os parceiros obtêm um novo perfil do que lhes é próprio: um
ralmente torna mutável a religião própria e vulnerável o modo perfil dialógico. Quanto melhor este for elaborado no diálogo,
de vida próprio. Muito úteis para o conhecimento da outra tanto melhor os parceiros se reconhecem. Por isso, o diálo
religião são os estudos da ciência comparativa da religião. go não está em contraposição à missão: no diálogo, os par
Todo teólogo cristão formado deveria poder dizer com que ceiros tornam-se testemunhas recíprocas da verdade de sua
outra religião ele se ocupou de modo intensivo. No entanto, religião - o judeu para o cristão, o cristão para o islamita, o
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islamita para o cristão e para o judeu. O diálogo sério não paz mundial é uma ideia ocidental, pois as religiões do Livro
é nenhuma atividade cultural visando a talk shows e entre naturalmente estão melhor preparadas para diálogos verbais
tenimento. O diálogo só se torna sério quando se torna ne e argumentações lógicas do que as religiões meditativas e
cessário. Ele torna-se necessário quando surge um conflito as religiões rituais. Pode-se perceber isso já pelo fato de as
que ameaça a vida, e cuja solução pacífica deve ser buscada «religiões naturais” da África, da Austrália e da América prati
conjuntamente mediante o diálogo: “Se não conversarmos camente não estarem representadas nos programas do diá
uns com os outros agora, iremos atirar uns nos outros ama logo direto.
nhã”. [...] Para o diálogo inter-religioso sobre o que “concerne O diálogo indireto tem lugar atualmente no nível local
incondicionalmente” às pessoas e no que elas colocam toda sobre questões sociais e no nível mundial sobre questões
a confiança do seu coração, já o caminho é uma parte do ecológicas. Não se trata aí de um intercâmbio de ideias reli
alvo, na medida em que ele possibilita convivência em meio giosas, mas do reconhecimento comum das atuais ameaças
às diferenças intransponíveis. Enfim: o diálogo não pode ser letais ao mundo e da busca de caminhos comuns para esca
realizado apenas por especialistas que falam por si mesmos. par delas. O que fizeram as “religiões mundiais” para justificar
[...] O objetivo do diálogo inter-religioso não é uma religião a moderna destruição do mundo? O que podem elas fazer
unitária nem a metamorfose e o acolhimento das religiões na para salvar a Terra comum? Onde há forças hostis à vida,
oferta pluralista de prestação de serviços de uma sociedade dispostas à violência e destruidoras do mundo nas religiões,
de consumo religiosa, mas a “diversidade reconciliada”, a di e que mudanças se fazem necessárias para transformar as
ferença suportada e produtivamente conformada. religiões em forças da humanidade capazes de promover a
Faz sentido diferenciar entre um diálogo direto e um diá vida e preservar o mundo? Esse diálogo é indireto, porque
logo indireto: o diálogo direto é o diálogo religioso entre as não estamos falando sobre nós mesmos ou uns sobre os ou
distintas religiões, as chamadas “religiões mundiais”, por não tros, mas conjuntamente sobre um terceiro assunto. Encon
estarem vinculadas a um povo, uma cultura e uma língua, tramo-nos num diálogo indireto também quando buscamos o
mas ocorrerem em todas as partes do mundo. Nesse diálo diálogo inter-religioso para descobrir um “etos mundial” para
go trata-se da confrontação e do cotejo das diferentes con a “paz mundial”. Nesse diálogo indireto sobre questões so
cepções religiosas acerca da transcendência e da salvação, ciais e ecológicas é que os jeitos das assim chamadas re
da compreensão do ser humano e da natureza. É aí que o ligiões “primitivas” ou “naturais” começam a expressar-se e
cristianismo, com sua visão trinitária de Deus, sua Teologia a ser ouvidas, pois elas preservam muita sabedoria social e
da Cruz, sua doutrina da salvação e sua escatologia, deve ecológica do período pré-industrial, que teremos de transpor
rá estar representado e ser levado a sério. Contudo a ideia para a era pós-industrial se queremos que este mundo sobre
de que as grandes religiões mundiais possam chegar à paz viva. Isso nos leva, no final, a uma nova definição do que seja
entre si por meio de diálogos e contribuir com algo para a uma religião mundial: futuramente poderá ser considerada
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uma “religião mundial” apenas aquela religião que promover X a b i e r P ik a z a I b a r r o n d o
e assegurar a sobrevivência da humanidade no quadro do
organismo “Terra”. Para isso é aconselhável prestar aten
ção também àquela “religião oculta da terra”, da qual fala a RELIGIÕES COMO CODIGOS
legislação israelita do sábado: no sétimo ano, a terra deve DE COMUNICAÇÃO
permanecer sem cultivo, para que “a terra possa dedicar a
Deus o seu grande sábado” (Lev 25). Este é o “culto a Deus”
prestado pela terra.
As condições conjunturais a serem oferecidas pelo Esta
do para o diálogo inter-religioso, seja este direto ou indireto,
são as seguintes: 1. A separação entre religião e Estado me
P rofessor de História e Filosofia das Religiões na Uni
versidade Pontifícia de Salamanca, na Espanha, Xabier
Pikaza nasceu em Orozsko, Vizcaya, em 1941. Estudioso
diante a isenção do Estado em relação à religião e da religião do diálogo entre o cristianismo e as culturas da moderni
em relação ao Estado. 2. A proteção estatal para o exercício dade, em especial as formas e os processos de globaliza
comunitário da religião e para a liberdade religiosa individual. ção econômica e das comunicações, o autor aprofunda
3. A vigência de uma ordem legal comum para todas as co em perspectiva bíblica e sistemática aspectos da Teologia
munidades religiosas da mesma forma. O Estado secular, das Religiões.
neutro em termos religiosos, não pode permitir que, em nome Autor de vários livros, Xabier Pikaza, teólogo cató
de uma religião, direitos humanos e de cidadania sejam vio lico, possui como uma de suas áreas de interesse o tema
lados. Ele deve garantir a liberdade pessoal de ingressar em da violência em relação às religiões. Os resultados de suas
uma comunidade religiosa e também de deixá-la. Quem qui pesquisas nesse campo por mais de duas décadas estão
ser tomar parte no diálogo das religiões e ser levado a sério bem apresentados na obra Violência e diálogo das reli
nele deve respeitar essas condições conjunturais oferecidas giões: um projeto de paz (São Paulo: Paulinas, 2008). A
pelo Estado. As religiões estão subordinadas ao direito hu obra revela sua importância em especial pelo fato de ter
mano à liberdade religiosa. sido elaborada no contexto de preparação do Parlamento
das Religiões do M undo (Barcelona, 2004). Nela, o au
tor apresenta elementos teóricos para análise do potencial
dialógico das religiões, assim como a força destrutiva e
geradora da violência presente nelas. Embora analítico,
o livro se propõe também a ser uma plataforma teológica
de paz que possa despertar a consciência adormecida de
homens e mulheres que, mesmo sendo religiosos, toleram
a violência.
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