Ciber Graça
Ciber Graça
FACULDADE DE TEOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM TEOLOGIA
MESTRADO EM TEOLOGIA SISTEMTICA
CIBERGRAA:
F, evangelizao e comunho nos
tempos da rede
Orientador
Porto Alegre
2015
1
CIBERGRAA:
F, evangelizao e comunho nos tempos da rede
Porto Alegre
2015
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
CDD 261
COMISSO EXAMINADORA:
AGRADECIMENTOS
Senti o chamado de fazer o mestrado em teologia durante uma palestra que assisti em
2012 e aps ter conversado com o palestrante, o sacerdote jesuta Antonio Spadaro. Agradeo
ao Padre Antonio pela simplicidade e disposio em responder meus e-mails, os conselhos e
direcionamentos que me deu ao longo da pesquisa. Agradeo a Lgia Maria Bublitz Oliveira
que me incentivou e ajudou a discernir a vontade de Deus para a minha vida.
Agradeo ao Pe. Ladislau Molnr, meu pai na f, diretor espiritual e fundador da minha
comunidade, por me permitir dar mais esse passo na vida intelectual. Agradeo s minhas irms
e meus irmos de comunidade pelo apoio e compreenso. Em especial, Jaqueline T. Machado
que revisou todo o trabalho, ao Pe. Neto pelas observaes, ao Pedro Tiago, Dilce, e minha
me pela ajuda em algumas tradues. Agradeo minha famlia por sempre incentivar e dar
suporte aos meus estudos.
Agradeo a todo o PPG de Teologia, professores, colegas, secretrias. Agradeo ao Pe.
Leomar Brustolin, por ter permitido meu ingresso em seu grupo de pesquisa sobre Antropologia
Teolgica ainda quando estava cursando o jornalismo e, com essa experincia, me abriu o
horizonte da teologia. Ao Frei Luis Carlos Susin pelas sugestes e correes no projeto. Ao Pe.
Manuel Hurtado por todos os ensinamentos e por aceitar fazer parte da banca.
Em especial, agradeo ao meu orientador, Pe. rico Hammes, pela coragem de me
aceitar como orientanda, por toda a ateno e tempo disponvel para me ensinar, orientar e
ajudar na pesquisa. Agradeo a CAPES a oportunidade de fazer o mestrado e a todas as pessoas
citadas e no citadas que fizeram parte dessa histria e que foram de vrias maneiras
instrumentos de Deus na minha vida.
5
RESUMO
ABSTRACT
This dissertation examines the effects of the invention of the internet in theology and
society, defining what is cybertheology to find out what their contribution to better understand
and interrelate culture, faith and the contemporary human being. Wraps up the theme in
cybergrace, understood as the communion of persons in the network times. First, seize up
cyberspace as a profoundly anthropological place where you can reflect theologically. The
study also aims to verify how the network affects or enhances the relationship of communion
between people, especially youth, predominant public in cyberspace. Furthermore, it analyzes
the ecclesiological value of the internet in the mission of evangelizing all people, building the
relationship between evangelization and communion in the digital age. The work uses basically
the methods of exploratory, bibliographical and documental research. The dissertation is based
mainly in books and articles by Antonio Spadaro, author of the book and the theological field
"Cybertheology" background of this study. In support of sociological and cybercultural analysis
of the first chapter, makes use of authors such as Manuel Castells, Pierre Lvy and Andr
Lemos. In Trinitarian theology highlights the contribution of Gisbert Greshake and John
Zizioulas. Also the work is inspired by scientific and theological thought of Teilhard de Chardin
either directly or indirectly through authors such as Jennifer Cobb, with her work "Cybergrace".
EG Evangelii Gaudium
GS Gaudium et Spes
JMJ Jornada Mundial da Juventude
LG Lumen Gentium
PASCOM Pastoral da Comunicao
TIC Tecnologia da Informao e Comunicao
8
SUMRIO
INTRODUO ...................................................................................................................... 10
1 CIBERTEOLOGIA: TEOLOGIA NOS TEMPOS DA REDE....................................... 15
1.1 O ciberespao formando cultura e comunidade globais ........................................... 15
1.2 O ciberespao como espao humano ........................................................................... 19
1.3 O ciberespao como espao sociopoltico.................................................................... 21
1.3.1 Os movimentos sociais na rede ............................................................................... 23
1.3.2 O ciberespao como espao tico ............................................................................ 25
1.4 O ciberespao como espao sagrado ........................................................................... 28
1.5 A viso da Igreja sobre a rede: de Joo Paulo II a Francisco .................................. 33
1.6 A internet como lugar teolgico .................................................................................. 37
1.7 Teologia como ciberteologia ........................................................................................ 43
2 CIBERGRAA: COMUNHO PARA ALM DO ISOLAMENTO E DA
MASSIFICAO ................................................................................................................... 50
2.1 Ciberpecado: o inferno da rede ................................................................................... 50
2.1.1 Conceito de pecado .................................................................................................. 51
2.1.2 O ciberpecado .......................................................................................................... 55
2.1.3 Consequncias do pecado na rede ........................................................................... 58
2.1.4 Ciberguerra .............................................................................................................. 61
2.1.5 Existe reconciliao na web? ................................................................................... 63
Concluindo ....................................................................................................................... 64
2.2 Onde abunda o ciberpecado, superabunda a cibergraa ........................................... 66
2.2.1 A internet na Bblia: o poo de Jac e o ciberespao .............................................. 66
2.2.2 Conceito de graa .................................................................................................... 71
2.2.3 Cibergraa: entre tecnologia e espiritualidade......................................................... 74
2.3 Pessoas em comunho: Igreja e internet .................................................................... 81
2.3.1 Ser pessoa: da Trindade internet ........................................................................... 81
2.3.2 Comunho: um conceito em transformao ............................................................ 87
2.3.3 A espiritualidade comunial da rede ......................................................................... 94
Concluindo ....................................................................................................................... 96
3 IMISSIO: O DESAFIO DE EVANGELIZAR E VIVER A F NA ERA DIGITAL .... 99
3.1 Igreja como comunho de pessoas em tempos de internet ..................................... 100
3.2 A evangelizao do Novo Mundo .............................................................................. 104
9
3.3 Os nativos digitais: brbaros ou cidados de uma nova cultura? .......................... 106
3.4 Evangelizar comunicar ............................................................................................ 111
3.5 Em busca de uma nova linguagem teolgica e ciberntica ..................................... 115
3.6 O resgate do mtodo apostlico e pistas de ao...................................................... 121
CONCLUSO....................................................................................................................... 127
REFERNCIAS ................................................................................................................... 131
10
INTRODUO
1
NEUTZLING, I. Uma poca de mudanas. Uma mudana de poca. Algumas observaes. Convergncia, Ano
43, n. 409, maro de 2008, p. 107.
11
iPhones e iPads. Dessa forma, o indivduo inicia bem cedo seu ingresso no universo on-line. A
maioria os jovens passam horas conectados nas redes sociais e acessam infinitas informaes
na internet. Mesmo em trnsito podem estar interligados com seus amigos atravs das mdias
mveis. Esta a era da mobilidade.
Essas questes devem ser discutidas a fim de se encontrar solues para problemas
novos, causados por esta nova realidade ainda no bem refletida pela conscincia humana, a
acelerao do mundo contemporneo. Hoje no h mais tempo para crescer e adquirir
maturidade. Os acontecimentos passam na velocidade da luz e no se consegue assimil-los
para gerar conhecimento e ensinamento de vida. Poucos pensadores procuram olhar o horizonte
digital e tentar entend-lo. Existem pesquisas considerveis nas reas de sociologia, de filosofia
e de comunicao, mas na teologia quase inexistente.
O fenmeno dos movimentos sociais pela rede, em proporo e diversidade cada vez
maior e mais global, demonstra a relevncia do tema abordado para a teologia e a sociedade.
No mundo inteiro pululam manifestos fsicos e digitais, alguns sem resultados, mas outros com
vitrias nunca antes imaginveis como quedas de regimes opressivos, denncias a sistemas de
comunicao, governos e corporaes poderosas. Em 2013, no Brasil no foi diferente, tambm
surgiram movimentos sociopolticos. Iniciaram com os protestos contra o aumento das
passagens de nibus em Porto Alegre e se transformaram em manifestaes nacionais por
melhorias nas demandas bsicas da sociedade: educao, sade, transporte pblico, saneamento
bsico, aumento de salrio, diminuio de gastos com a Copa, extermnio da corrupo e
reforma poltica, levando milhes de cidados s ruas das principais capitais do Pas.
A Igreja j se confrontou com diversas pocas e ideologias. E agora na era digital, como
ela est respondendo a toda essa transformao da sociedade? Principalmente na rea da
comunicao, percebe-se o vertiginoso crescimento da ateno eclesial ao fenmeno digital.
visvel o interesse da Igreja nas ltimas mensagens papais para o Dia Mundial da Comunicao
e em eventos de comunicao. Como exemplifica o 4 Encontro Nacional da PASCOM,
ocorrido de 24 a 27 de julho de 2014 em Aparecida, So Paulo, que teve por tema:
Comunicao, desafios e possibilidades para evangelizar na era da cultura digital.
As transformaes do mundo interconectado apontam para a necessidade humana de
relao, de pertena, de unir-se em prol de um objetivo, de uma comunidade, de uma comum
unidade. Revelam tambm a verdadeira essncia do ser humano como comunho. Diante disso,
a proposta desta dissertao percorrer um itinerrio espiritual no ciberespao. Pretende-se
refletir teologicamente sobre a rede e a sociedade em rede, a partir de um olhar da teologia
para a realidade atual. Tem-se como hiptese a internet no apenas como a rede mundial de
12
computadores, mas principalmente a rede mundial de pessoas, isto , afirma-se a rede como um
lugar antropolgico, consequentemente um espao sagrado. Mais ainda, tem como hiptese a
internet como lugar teolgico. Acredita-se que a rede, dentro do plano salvfico de Deus,
chamada a facilitar a comunho entre as pessoas humanas e divinas.
Outra hiptese que a rede no somente est transformando o pensamento, a linguagem
e a comunicao humana, mas tambm modifica e expande a dinmica e o impacto tanto da
graa quanto do pecado cometido ou divulgado na rede, podendo qualific-los de cibergraa e
ciberpecado. Diante da universalidade e interconectividade de pessoas caracterstica da rede,
prope-se que a espiritualidade prpria da rede comunional. Dessa forma, fundamenta-se que
a Igreja do terceiro milnio deve ter como base uma eclesiologia de comunho que reflita isso
em sua ao evangelizadora. Assim, constri-se a hiptese de que evangelizar no anunciar
uma doutrina, mas comunicar-se, isto , entrar em dilogo, relacionar-se, viver em comunho
com Deus para poder testemunhar com autenticidade quele em quem se cr e entrar em
comunho com outras pessoas.
Esta pesquisa iniciou-se em 2011, tendo como primeiro resultado a produo
monogrfica em jornalismo: Igreja e cultura digital: a nova evangelizao dos nativos
virtuais. Seguiu em 2013, primeiro ano de mestrado em teologia, com dois artigos
comunicados em congressos: Teologia e Comunicao Digital: a nova evangelizao dos
nativos virtuais e Cibergraa: a comunho do Esprito nos tempos da rede. Em 2014, teve
ainda o artigo comunicado no 27 Congresso Internacional da SOTER: Bem comum, conexo
e comunho: Movimentos sociais e espiritualidade do ciberespao. Como parte dessa pesquisa,
estes quatro documentos sero citados em vrios momentos do trabalho.
O fio condutor de todo o estudo uma perspectiva teolgica integral e trinitria. Busca-
se seguir o mtodo ciberteolgico de Pe. Antonio Spadaro experincia, reflexo, ao e
avaliao semelhante ao mtodo ver, julgar e agir. A dissertao foi desenvolvida em trs
sees. Desta forma, na primeira seo chamada Ciberteologia: teologia nos tempos da rede,
que trata da experincia na rede, delineia-se o panorama do ciberespao com as caractersticas
que o definem como espao humano, sociopoltico, tico, sagrado e teolgico. Desta nova
ambincia surge uma nova cultura e comunidade globais, alm de um novo campo teolgico, a
ciberteologia.
A segunda seo intitulada Cibergraa: comunho para alm do isolamento e da
massificao, que realiza a segunda etapa do mtodo ciberteolgico, a reflexo, o ncleo
teolgico do trabalho. Aborda em trs partes o pecado, a graa e a teologia trinitria de
comunho relacionando-os com o contexto digital. A primeira parte discorre sobre o conceito
13
2
MCLUHAN, M. Os meios de comunicao como extenso do homem, p. 23.
3
Ibidem, p. 21.
4
VIDOSSICH, F.; FURLAN, O. Tecnologia. Dicionrio de novos termos de cincias e tecnologias, p. 290.
16
tcnica, o estudo do saber fazer.5 medida que o raciocnio humano foi se complexificando,
as tecnologias foram sendo aprimoradas.
Segundo essa viso da histria humana e tecnolgica, tecnologia um conjunto de
saberes inerentes ao desenvolvimento e concepo dos instrumentos [...] criados pelo homem
atravs da histria para satisfazer suas necessidades e requerimentos pessoais e coletivos.6 Por
abranger um conjunto de diferentes conhecimentos cientficos, empricos e intuitivos, a
tecnologia possibilita a reconstruo constante do espao das relaes humanas.
Sabe-se que a tecnologia elaborada para suprir novas demandas e, por isso, modifica
uma srie de costumes e valores da sociedade agregando-se cultura. No entanto, a internet
marcou a civilizao contempornea de tal maneira que possvel chamar o momento atual no
apenas de uma poca de mudanas, mas ainda de uma mudana de poca. Tamanha
transformao comparada aos grandes acontecimentos da histria humana que fizeram eclodir
um mundo novo cheio de possibilidades, como a descoberta do fogo e da roda.
Uma nova revoluo das relaes sociais foi iniciada com o surgimento da web sem data
para acabar. A primeira fase denominou-se Web 1.0, caracterizada pela ecloso de sites estticos
de comrcio, de universidades, de livrarias e bibliotecas digitais. Vivencia-se hoje a segunda
fase dessa revoluo, a Web 2.0, isto , a inveno das redes sociais que transformaram a
sociedade miditica na sociedade em rede. Como Antonio Spadaro escreve, essa na verdade
uma revoluo antiga, pois almeja saciar demandas profundas e antiqussimas do ser humano
que so o anseio de se comunicar, se relacionar e conhecer.7 O novo est na facilidade que as
tecnologias da informao e comunicao (TICs) proporcionam para saciar estas demandas da
humanidade.
O prefixo cyber, to usado no vocabulrio atual para criar neologismos relacionados ao
computador e internet, uma abreviao de cybernetics. A palavra vem do termo grego
Kybernetikes que significa timoneiro ou aquele que governa. Plato e mais tarde os franceses,
em 1830, utilizaram a palavra para designar a arte de governar. O termo foi retomado, em 1948,
pelo matemtico americano Robert Wiener para descrever sua nova teoria de comunicao.
Para Huaiss, ciberntica a cincia que estuda comparativamente os sistemas de controle
automtico, regulao e comunicao nos seres vivos e nas mquinas.8
5
VERASZTO, E.V. et al. Tecnologia. Prisma.com, p. 62.
6
Ibidem, p. 78.
7
SPADARO, A. Ciberteologia, p. 16.
8
BARBOSA, E. Ciberntica. Dicionrio a origem das palavras.
17
9
SILVA, A. A. Cibergraa. Anais do IV Congresso da ANPTECRE, p. 498-500.
10
LEMOS, A. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contempornea, p. 128.
11
CASTELLS, M. A sociedade em rede: do conhecimento poltica, p. 17.
12
Ibidem, p. 18.
18
H dois pontos de vista contraditrios, mas ambos reais, sobre o fenmeno da rede
global. Por um lado, existe a ideia romntica do progresso humano, fruto do iluminismo e
posteriormente robustecida pela ideologia marxista, que v a humanidade em marcha, dirigida
pela razo e munida da tecnologia, rumo perfeio do ser humano e da sociedade. Por outro
lado, da mesma forma que o progresso moderno no foi capaz de evitar os holocaustos de Hitler
e Stalin, a revoluo digital no soluciona o processo de autodestruio humana que tem como
consequncia o aquecimento global, as novas pandemias, a degradao da natureza, as
atrocidades, conflitos e guerras, inclusive cibernticas, que assombram mais uma vez o mundo.
Isto demonstra que a sociedade em rede pode ser uma via de construo do humano ou de
desumanizao. Cabe aos cidados da cidade digital escolher que caminho trilhar.
Na concepo de Castells, a sociedade em rede uma estrutura social que se baseia
em redes operacionalizadas por tecnologias de comunicao e informao, formando redes
digitais que geram, processam e distribuem a informao que se encontram nos ns dessas
redes. As redes so estruturas abertas que evoluem acrescentando ou removendo ns de acordo
com as mudanas necessrias dos programas que conseguem atingir os objetivos de
performance para a rede.13
A rede, em termos estruturais, consiste num sistema de pontos ou ns interligados. Cada
ponto dessa rede uma pessoa, e cada pessoa possui conexes prprias com diferentes outros
ns. Ento, cada pessoa uma rede social. Por isso, quando se fala na rede se remete ao conjunto
dessas redes, a rede de redes que compartilham dados entre si. A fora da internet est na sua
descentralizao. Por ter milhes de interconexes, no existe um ponto crtico nico. Se um
caminho fica indisponvel, seus dados seguem por outro segmento. Na cooperao mtua, todos
os internautas fazem a rede acontecer. Sendo assim, a internet um acontecimento humano.
Papa Francisco partilha dessa mesma linha de pensamento ao afirmar que a internet
pode ser um lugar rico em humanidade, pois a rede no constituda por fios, cabos, aparelhos,
mas por pessoas humanas.14 Tambm Spadaro pondera que o ambiente digital no um
ambiente frio e metlico, mas quente e humano, uma vez que a tecnologia apenas expressa as
relaes j vividas. A rede um contexto antropolgico, ou como definiram os bispos
italianos, um novo contexto existencial. Portanto, a experincia da rede a experincia de
relaes e no simplesmente uma experincia com iphones, tablets (informao verbal).15 A
13
CASTELLS, M. A sociedade em rede: do conhecimento poltica, p. 20.
14
FRANCISCO. Mensagem para o 48 Dia das Comunicaes Sociais: Comunicao a servio de uma
autntica cultura do encontro.
15
Conferncias e Seminrios ministrados por Antonio Spadaro no 4 Encontro Nacional da PASCOM, de 24 a
27 de outubro de 2014, em Aparecida do Norte, SP.
19
ateno dada atualmente rede de relaes est ocasionando uma reflexo mais aguada sobre
as relaes em geral. Isso importante porque tambm fez com que as relaes eclesiais e de
f entrassem novamente na pauta da Igreja.
Castells desmitifica a ideia de que, na sociedade enredada, a interao face a face vai
terminar e crescer o isolamento dos indivduos diante do computador. Suas pesquisas em
diferentes naes revelam que a maioria das pessoas que navegam na internet so mais
sociveis, possuem mais amigos e so ainda mais ativos na poltica e na sociedade do que os
que rejeitam a rede. A gerao net quanto mais interage pela web, mais realiza encontros face
a face. A sociedade em rede uma sociedade hipersocial [...]. As pessoas integraram as
tecnologias nas suas vidas, ligando a realidade virtual com a virtualidade real, vivendo em
vrias formas tecnolgicas de comunicao [...] conforme as suas necessidades.16
O socilogo alemo Simmel escreveu que a vida social feita de agregaes e
separaes, coletividade e individualidade sucessivas e simultneas. Lemos adapta a metfora
da ponte e da porta de Simmel para explicar que o ciberespao uma ponte de pontes atravs
da qual se conectam todos a todos. Mas tambm uma porta pela qual a pessoa se separa do
mundo, resguardando sua singularidade.17
O fazer sociedade sempre se deu nesta dialgica entre a ponte e a porta. O mesmo
acontece hoje com o ciberespao: indivduos isolados em seus quartos, com a porta
bem fechada, buscam, ao mesmo tempo, individualizar e socializar, fazendo pontes e
fechando portas na sua relao com o outro e com o mundo. No ciberespao como em
toda vida em sociedade, separao e religao so dois aspectos do mesmo ato. 18
Assim, possvel pensar a rede como um espao profundamente humano, onde nossas
capacidades comunicativas e de isolamento se intensificam. Isso mostra a necessidade de uma
reflexo que ajude a humanidade a construir seu equilbrio e discernimento na era digital.
A Gaudium et Spes, n 36, afirma que todas as coisas criadas possuem consistncia,
verdade, bondade e leis prprias que o homem deve respeitar. Esse reconhecimento evita a
interpretao meramente utilitarista do ciberespao. Sobre a identidade e essncia da internet,
Spadaro acredita que:
16
CASTELLS, M. A sociedade em rede: do conhecimento poltica, p. 23.
17
LEMOS, A. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contempornea, p. 140.
18
Ibidem, p. 141.
20
Para Margareth Wertheim, o ciberespao irredutvel a seu substrato fsico, pois sua
estrutura parcialmente fsica e parcialmente no. Ela relembra que William Gibson, inventor
do termo ciberespao, escreveu em Neuromancer que a essncia do ciberespao no est em
suas conexes materiais, mas nas conexes lgicas ou lingusticas. Assim, Wertheim garante
que o ciberespao no uma mera rede fsica, acima de tudo uma rede lgica, um novo espao
de existncia global.20
No entanto, pretende-se ir mais alm no entendimento do que de fato o ciberespao.
A internet no somente a rede mundial de computadores, mas a rede mundial de pessoas.
Spadaro faz uma afirmao espantosa: A internet no existe. O que existe so as pessoas. Ela
somente se torna viva por meio de ns (informao verbal).21 A rede so pessoas
interconectadas atravs de aparatos tecnolgicos digitais. Expressando de outra maneira, a
internet o conjunto de nativos digitais. Isto , a rede constituda por pessoas que utilizam da
tecnologia disponvel para interagirem, se informarem, se comunicarem e se relacionarem,
quebrando as barreiras territoriais e temporais para estarem, de certa maneira, juntas. Como
Wertheim comenta, o ciberespao exaltado como um espao onde a conexo e a comunidade
podem ser promovidas, enriquecendo a vida dos seres humanos como seres sociais. Nessa
perspectiva, o ciberespao transforma-se num lugar propcio para estabelecer comunidades que
transcendam as limitaes de distncia, de lngua e de cultura.22
O eu sozinho no a rede. A rede s existe com ns, em ns e atravs de ns,
no duplo sentido que o termo pode significar: ns como primeira pessoa do plural e ns
como os pontos de interligao da rede. Isso remete ao conceito de pessoa e teologia trinitria,
pois s existe pessoa quando existe ns, isto , no h pessoa isolada, apenas comunidade de
pessoas. Sendo assim, o ciberespao um espao existencial e essencialmente antropolgico,
formado por pessoas em conexo que desenvolvem diversos tipos de relaes, mas que buscam
no mais ntimo sua identidade e semelhana com Deus, ser comunho.
19
SPADARO, A. O Mistrio da Igreja na era das mdias digitais, p. 05.
20
WERTHEIM, M. Uma histria do espao, p. 221-222.
21
Conferncias e Seminrios ministrados por Antonio Spadaro no 4 Encontro Nacional da PASCOM, de 24 a
27 de julho de 2014, em Aparecida do Norte, SP.
22
WERTHEIM, M. Uma histria do espao, p. 207.
21
Como Lemos mostra, importante ver o ciberespao como um ambiente propcio para
debates pblicos, pois resgatou o espao da praa pblica, fundamental para a reflexo e
articulao do povo em questes de interesse pblico. Diante disso, importante refletir sobre
o aspecto poltico e social da internet.
23
LEMOS, A. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contempornea, p. 134.
24
TEILHARD DE CHARDIN, P. O fenmeno humano, p. 179.
25
LEMOS, A. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contempornea, p. 137.
22
reas de conhecimento. Alm disso, informaes pessoais so encontradas com facilidade nas
redes sociais, o que pode aproximar as pessoas, mas tambm causar exposio demasiada e
dados pessoais podem cair em mos erradas. Segundo Lemos, o ciberespao um espao
relacional de comunho, que rene pessoas do mundo inteiro por interesses comuns. Mais do
que um fenmeno tcnico, o ciberespao um fenmeno social.26
As palavras conexo, bem comum, comunidade, comunho, so familiares linguagem
contempornea, pois expressam o esprito tanto de nossa cultura e sociedade quanto do modo
de viver a espiritualidade e o engajamento poltico atual. Manuel Castells descreveu que,
sobrepujando as barreiras ideolgicas, religiosas, tnicas, culturais, geogrficas, alm da
preguia, do medo e do conformismo, as pessoas em nvel global se uniram para reivindicar
seus direitos e recordar seus deveres. Teve incio na internet, mas em seguida alastrou-se pelas
principais cidades do mundo. Ento, aconteceu o que parecia impossvel: queda de ditaduras,
denncia de governos e polticos, descrdito da mdia.27
A internet pode ser vista como a verso 2.0 da gora, a praa em que os atenienses
discutiam e decidiam questes de interesse pblico. Dessa forma, consideramos o ciberespao
um lugar sociopoltico que oferece espao para os cidados se envolverem nas aes polticas
locais e globais. Por dar fora de expresso a diversas tribos e sujeitos, a rede proporciona um
empoderamento poltico queles que possurem maior capacidade e determinao de desfrut-
la.28 Peter Ferdinand29 conceituou ciberpoder como o meio pelo qual indivduos ou grupos
na sociedade usam a internet para alcanar seus objetivos.30
Para Colin Hay31, o termo poder denota a capacidade dos atores sociais de surtirem
efeito sobre o contexto que produz as oportunidades de vida das outras pessoas, dividido em
trs dimenses. A primeira se refere ao poder daqueles que tomam as decises polticas. A
segunda diz respeito ao poder de agendar as decises mais urgentes. Por ltimo, o poder de
obter a preferncia por determinadas polticas.32 Segundo Ferdinand, o ciberpoder possui
maior potencialidade para cultivar preferncias polticas e para agendar os temas a serem
tratados pela opinio pblica, agenda setting, obrigando certos assuntos a entrarem como
pontos prioritrios do governo. Como foi o caso das manifestaes que ocorreram entre 2013 e
26
LEMOS, A. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contempornea, p. 138.
27
CASTELLS, M. Redes de indignao e de esperana, p. 16.
28
SILVA, A. A. Bem comum, conexo e comunho. Anais do 27 Congresso Internacional da SOTER, p. 498-
499.
29
Peter Ferdinand diretor do Centro de Estudos de Democratizao e presidente interino do Departamento de
Poltica e Estudos Internacionais na Universidade de Warwick, no Reino Unido.
30
FERDINAND, P. Ciberpoder, p. 33.
31
HAY, C. apud Ibidem, p. 34.
32
FERDINAND, P. Ciberpoder, p. 34.
23
2014 em todas as capitais brasileiras, por diversos motivos, entre os quais gastos abusivos com
a Copa do Mundo em detrimento de investimentos em educao, sade, transporte. Esta
manifestao popular fez com que a cpula da presidenta Dilma repensasse sua distribuio de
investimentos pblicos.
Todos os movimentos surgidos em vrias partes do mundo nos ltimos anos tm uma
origem comum: as redes sociais. De acordo com Ferdinand, isso se deve capacidade da
internet de proporcionar canais de comunicao horizontal mais diretos entre pessoas em tempo
real, possibilitando aos grupos polticos lanar desafios ao poder pblico de forma imediata.
Em seu artigo escrito em 2005, Peter Ferdinand d diversos exemplos de grupos que agiram
atravs da rede, desafiando autoridades e desassossegando processos de deciso. Entretanto, no
ano de 2005 ainda parecia utpica a ideia de usufruir do ciberpoder para o bem comum, por
uma poltica mais pluralista e democrtica. Mas hoje isso j est acontecendo em nveis
nacionais e internacionais.
A internet foi criada originalmente para que fosse impossvel seu total controle por
qualquer indivduo, grupo ou nao. No entanto, a rede no autnoma ou independente, ela
somente possui o poder que os seres humanos lhe concedem. A rede uma imago societati,
isto , uma representao da sociedade, ou melhor, uma extenso desta que mimetiza seus
comportamentos, tendncias, linhas de pensamento e de ao.33 Isso no quer dizer que a rede
no produza coisas novas, pelo contrrio, o que se percebe que as relaes interpessoais
atravs da internet esto revolucionando as estruturas e os comportamentos sociais. Dessa
forma, rede e mundo se interpelam e se modificam reciprocamente. Todos os membros da
sociedade global tm o desafio de construir o bem comum e fazer uma experincia de comunho
entre os seres humanos atravs dos movimentos sociais no ciberespao.
33
SILVA, A. A. Cibergraa. Anais do IV Congresso da ANPTECRE, p. 500.
34
CASTELLS, M. Redes de indignao e de esperana, p. 16.
24
Por ser um espao de comunicao autnoma e gratuita, a internet demonstra seu valor
inestimvel para os movimentos sociais. O ciberespao oferece a pessoas comuns, sem
grande poder aquisitivo, poltico ou miditico, a liberdade de expresso e canais de divulgao
de suas mensagens que podem ser recebidas e compartilhadas por milhares de pessoas. Como
consequncia deste empoderamento social, os detentores dos quatro poderes sentem-se
vulnerveis aos indivduos possuidores do quinto poder, ou seja, a qualquer pessoa que tenha
acesso internet e certos conhecimentos de informtica.
Esse receio dos poderosos deste mundo no mera paranoia. Nos ltimos tempos eles
sofreram as consequncias da sociedade em rede, cujos membros assumiram o seu
protagonismo informando e denunciando atravs de fotos, udios e vdeos amadores aquilo que
a grande mdia no quer ou no pode divulgar.
Dois exemplos de movimentos on-line que deram certo so os sites Wikileaks e Avaaz.
A Wikileaks uma organizao transnacional sem fins lucrativos com sede na Sucia que
publica dados e documentos confidenciais de governos e instituies sobre assuntos de interesse
pblico por meio de denncias annimas. Geralmente essas revelaes so oriundas de
integrantes das prprias corporaes e tratam-se principalmente de crimes de guerra, abuso de
poder, corrupo e violao dos direitos humanos. A Wikileaks chamou a ateno mundial em
2010 por divulgar na ntegra cerca de 700 mil documentos secretos do governo americano que
mostravam crimes das guerras do Afeganisto e do Iraque que viraram tema do filme O Quinto
Poder de 2013.
Avaaz significa voz ou cano em diversas lnguas europeias e asiticas. Como o
termo j exprime, Avaaz uma comunidade transnacional de mobilizao on-line que busca ser
a voz da sociedade global. A Avaaz rene digitalmente mais de 40 milhes de pessoas ao redor
do mundo a fim de se engajarem em polticas nacionais e internacionais de alta relevncia. Ela
atua principalmente atravs de peties on-line. Os meios digitais permitem a divulgao de
campanhas com uma rapidez, flexibilidade e proporo impensveis h algumas dcadas.
Wikileaks e Avaaz atuam de modo complementar. Enquanto uma denuncia os delitos
institucionais, a outra mobiliza e reivindica solues aos problemas tornados pblicos. Por trs
dessas aes est uma viso democrtica e solidria da internet, utilizando-a na luta contra a
corrupo, para salvar vidas e auxiliar pases em crise.35 Tal desempenho est em sintonia com
o pensamento da Igreja demonstrado nas mensagens e nos documentos papais que incentivam
seu uso para a promoo da solidariedade e da fraternidade entre os povos.
35
SILVA, A. A. Bem comum, conexo e comunho. Anais do 27 Congresso Internacional da SOTER, p. 503.
25
Essa autonomia comunicacional das redes digitais constitui uma potencial ameaa aos
poderes dominantes. Por essa razo, diversos governos e instituies tentam inibir o livre
arbtrio ciberntico gerando novas formas de ataques realizados via web, como o
ciberterrorismo e a guerra ciberntica ou cyberwar, assuntos que sero desenvolvidos no
prximo captulo.
Quando se pensa em uma tica para o ciberespao deve se almejar uma tica global,
cujos valores e regras sejam moralmente aceitos entre todas as naes. A principal distino
entre o ideal do ethos universal para todas as naes e a tica ciberntica que esta segue as
caractersticas da cibercultura, o Universal sem Totalidade36. Isto , respeita as diferenas de
cada cultura formando uma unidade na diversidade.
36
LVY, P. Cibercultura, p. 111-121.
37
AMARAL, B. Mundo ter 3 bilhes de usurios de Internet at o final de 2014, diz UIT.
38
SILVA, A. A. Bem comum, conexo e comunho. Anais do 27 Congresso Internacional da SOTER, p. 499.
39
Rafael Capurro filsofo e professor de Cincia da Informao e tica da Informao desde 1986 na Escola
Superior de Meios de Comunicao de Stuttgart.
40
CAPURRO, R. O crescimento mundial da rede digital leva a uma tica global da informao?, p. 40.
26
construtor de si mesmo (faber sui ipsus)41, isto , o ser humano um ser livremente criativo,
tem a capacidade de construir, destruir e reconstruir a si mesmo e ao mundo ao seu redor. Dessa
forma, a rede digital pode ser entendida como parte desta ousadia da liberdade 42 humana de
reinveno de si e do cosmos. Isso nos remete potencialidade de se constituir uma rede
mundial de pessoas, como uma expanso da existncia humana para alm da corporeidade,
atravs da ubiquidade das tecnologias digitais que oferecem uma sensao de quase
onipresena, quando os equipamentos funcionam. Entretanto, nos traz tambm o tangenciar
dessas possibilidades a outras tendncias destrutivas da pessoa e do mundo, o isolamento, o
gnosticismo, a fuga da realidade, a iluso de substituir a vida virtual pela real.
tica vem da palavra grega ethos que significa conduta ou relativo aos costumes. Ao se
afirmar o ciberespao como um espao tico se quer dizer que um espao de conduta humana,
de comportamentos, atitudes, relacionamentos, sejam eles bons ou ruins. Por isso, Capurro
coloca que a tica da rede deve ser compreendida como a reflexo sobre a maneira dos
internautas se comportarem na nuvem.
Antonio Spadaro contribui para o pensamento tico da rede, conectando a tica hacker
com a viso crist. O termo hacker tem vrios significados. Seu sentido original da palavra
inglesa fazer em pedaos, golpear violentamente, mas no seu uso coloquial significa
conseguir fazer, sair-se bem ou ainda ter sucesso. Portanto, hacker o sujeito que se
esfora para superar criativamente desafios intelectuais nos campos de seu interesse. A funo
mais comum do termo referir-se aos experts em informtica. Em suma, hacker uma
filosofia de vida, uma viso de mundo, uma maneira de ser, divertida e engajada, que incentiva
a criatividade e o compartilhamento e que se ope as formas de controle social, competio e
propriedade privada.43
Com isso, nota-se que os hackers no so criminosos cibernticos como a mdia costuma
rotul-los, mas pessoas que possuem tica e conduta moral prprias que visam a liberdade de
ao, que valorizam a experimentao e a verificao, que desconfiam de toda autoridade e que
demonstram otimismo em relao s capacidades humanas.44 Os piratas da informtica na
verdade so denominados de crackers. Enquanto os hackers utilizam seu conhecimento para
41
RAHNER, K. Experiment Mensch: Theologisches ber die Selbstmanipulation des Menschen, In:
ROMBACH, Heinrich (Org.) Die Frage nach dem Menschen: Aufri einer philosophischen Anthropologie.
Festschrift fr Max Mller zum 60 Geburtstag,Alber, Munique: Ed. Freiburg, 1966, p. 55.
42
CAPURRO, R. O crescimento mundial da rede digital leva a uma tica global da informao?, p. 41.
43
SPADARO, A. Ciberteologia, p. 92.
44
Ibidem, p. 93.
27
criar e construir, os crackers usam para causar danos e destruir.45 Os hackers cristos
interpretam seu esforo de construo original do conhecimento como uma participao no
trabalho criativo de Deus, um labor que instiga interesse, paixo que motiva a ir alm de suas
prprias capacidades.46
Spadaro acredita que a tica hacker pode criar dimenses profticas para o sistema atual
voltado lgica do lucro desmedido, ao recordar que o corao humano suspira por uma
civilizao onde reine o amor, onde os dons sejam compartilhados.48 O cibertelogo ressalta
ainda como o esprito hacker pode auxiliar no entendimento de que o fundamento transcendente
da f inicia um processo aberto, criativo, colaborativo, colegiado.
Dessa forma, existe na teoria hacker um espao prprio onde a transcendncia humana
pode se expressar livremente. Por trs da tica hacker est o convite radical a viver o shabbat,
o sbado, ou domingo para os cristos, isto , o dia do Senhor, como a verdadeira ptria do
homem, a sua verdadeira dimenso existencial [...] uma referncia a Deus enquanto origem
criativa do mundo.50
Bem comum definido como o conjunto de condies da vida social que permite ao ser
humano atingir a sua plenitude.51 Uma sociedade que prioriza o bem comum aquela que se
pe realmente a servio da construo do ser humano integral. 52 O bem comum satisfaz aos
45
RAYMOND, E.S. How to become a hacker. Disponvel em: <http://catb.org/~esr/faqs/hacker-howto.html>.
Acesso em: 11 de jan. de 2015.
46
Ibidem, p. 94.
47
Ibidem, p. 97.
48
Ibidem, p. 107.
49
SPADARO, A. Ciberteologia, p. 117-118.
50
Ibidem, p. 118.
51
IGREJA CATLICA. Compndio da Doutrina Social da Igreja, n. 164.
52
IGREJA CATLICA. Compndio da Doutrina Social da Igreja, n. 165.
28
mais altos anseios da pessoa humana, o qual sugere a busca incessante do bem e a
responsabilidade comum a todos. Cada momento histrico tem suas prprias necessidades para
assegurar a dignidade humana. O acesso rede um direito de todos, por exemplo. A incluso
digital, por isso, uma das reivindicaes da era ciberntica que deve ser colocada como meta
do bem comum.
O bem comum no se restringe a um bem estar econmico, ele s existe quando
ultrapassa a histria e vai ao encontro do bem comum universal da humanidade e de toda a
criao, ao Sumo Bem, Jesus Cristo. Assim, compreende-se uma conexo entre os objetivos da
tica hacker e a busca pelo bem comum, base fundamental de uma verdadeira tica crist na
era da cultura digital.
Essa dimenso sagrada demonstrada pela presena religiosa na rede desde a sua
criao. Heidi Campbel, em seu artigo, conta que por mais de trs dcadas a internet tem sido
usada como um espao em que rituais espirituais so conduzidos e tradicionais crenas
53
LEMOS, A. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contempornea, p. 129.
54
Ibidem, p. 132.
55
Ibidem, p. 133.
29
House significa a estrutura fsica da casa, home significa o lar, o ambiente familiar.
Se ns dissermos que a internet so os cabos, fios, aparelhos, como se dissssemos
que a famlia so os muros da casa. No, a internet, na verdade, a experincia que
os cabos, fios, aparelhos tornam possveis. Portanto, internet experincia, enquanto
ainda falarmos nela como meio de comunicao, como instrumento de evangelizao,
vamos errar. A internet no uma ferramenta, mas um ambiente de evangelizao
(informao verbal).59
56
CAMPBELL, H. Religion and the Internet, p. 02.
57
WERTHEIM, M. Uma histria do espao, p. 14.
58
HEIM, M. apud Ibidem, p. 15.
59
Conferncias e Seminrios ministrados por Antonio Spadaro no 4 Encontro Nacional da PASCOM, de 24 a
27 de outubro de 2014, em Aparecida do Norte, SP.
60
Conferncias e Seminrios ministrados por Antonio Spadaro no 4 Encontro Nacional da PASCOM, de 24 a
27 de outubro de 2014, em Aparecida do Norte, SP.
30
as reas que determinam a cultura ocidental.61 Dessa forma, os sonhos cibernticos esto
povoando as mentes da civilizao contempornea. No entanto, a cultura ocidental foi
construda sob os alicerces da cultura, filosofia e religio crist, e, embora se viva hoje numa
poca ps-crist, num movimento de secularizao e de neo-paganismo, as marcas crists
continuam impregnadas na estrutura da sociedade ocidental. A historiadora percebe as
semelhanas entre o imaginrio cristo e o imaginrio ciberntico. Ela mostra, por exemplo,
que assim como o cristianismo, o ciberespao est potencialmente aberto a todos que tiverem
acesso a um dispositivo digital com internet, independente de sexo, classe, cultura, etnia ou
nacionalidade.62 Jaron Lanier, um dos precursores da realidade virtual, tambm v a rede como
uma verso sincrtica do ritual cristo. Ele considera que a ideia de que haja uma sensibilidade
e transcendncia aplicada aos computadores fruto do pensamento cristo.63
Muitas so as fantasias gnsticas do ciberespao, como o caso de Moravec que
imaginava um futuro em que a mente humana seria liberta da servido ao corpo material.64
Embora de maneiras diversas, a maioria dos principais idealizadores do ciberespao manifestou
uma atitude religiosa diante dessa nova ambincia.65 Essa escatologia ou mesmo fantasia
ciberntica, Lanier define como Singularidade.66
No com a mesma fora, mas hoje ainda est presente esse imaginrio gnstico sobre o
digital, como ilustra o filme Transcendence, 2014, que conta a histria de um cientista que, para
no morrer, transfere todos os seus dados, pensamentos, memria e emoes para um
computador consciente. No momento em que a mente digitalizada do cientista passa a ter acesso
rede, ele passa a ser onipresente, portanto, concretiza o devaneio de todo gnstico e da
concupiscncia humana: vs sereis como deuses (Gn 3,5). Alguns entusiastas sugerem que o
ciberespao est destinado a se tornar a prpria fonte do conhecimento, pelo fato de bibliotecas,
bancos de dados e recursos de informao estarem migrando para o digital, e assim a aura de
oniscincia se torna cada vez mais consistente no imaginrio digital.67
Todo esse esoterismo, gnosticismo, hermetismo em cima da tecnologia digital
demonstra uma carncia, um vazio no ser humano que necessita ser preenchido. No quarto
Encontro Nacional da PASCOM, perguntaram a Antonio Spadaro por que os jovens de hoje
61
WERTHEIM, M. Uma histria do espao, p. 16.
62
Ibidem, p. 18-19.
63
Ibidem, p. 186.
64
Ibidem, p. 19.
65
WERTHEIM, M. Uma histria do espao, p. 186.
66
LANIER, J. Gadget, p. 44.
67
Ibidem, p. 21.
31
recorrem ao budismo e s espiritualidades orientais. Ele respondeu que talvez tenhamos perdido
a alma e a religio tenha se tornado mera razo, ideologia (informao verbal).68
um sinal que o Senhor nos d para que a Igreja recupere o corao. Para mim, essas
religies so um desafio, mas tambm uma motivao para recuperar toda uma relao
vital com a vida dos homens. Nesse sentido a Igreja na Amrica Latina tem um dom
para toda a Igreja universal. Ns na Europa perdemos muito essa relao carnal,
sacramental, da alma com a f (informao verbal).69
Spadaro apresentou como exemplo a devoo ao Sagrado Corao de Jesus, que surgira
como resposta e resistncia ao pensamento iluminista, intensamente racionalista, que vigorava
na sociedade daquele perodo. Tambm Wertheim cita esta poca de Descartes como o incio
do mecanicismo, do materialismo inflexvel e da viso monstica do espao que transformou o
domnio fsico na totalidade do real70, e, como Spadaro colocou, destituiu o ser humano de sua
alma. Seguindo este raciocnio e ligando-o ao fenmeno da internet, Wertheim pondera que as
pessoas adotam uma tecnologia somente se ela est em consonncia com um desejo latente.71
Sendo assim, o fenmeno global e generalizado de absoro das TICs em todas as culturas
sugere que existe uma demanda humana por algo que a rede veio suprir.
[...] desse eu imaterial que, de certa forma, o ciberespao est a servio. Esse novo
espao digital coloca um desafio inesperado ao paradigma puramente fisicalista dos
ltimos trs sculos. [...] o ciberespao em si mesmo no est situado no quadro
fisicalista do mundo. [...] No possvel determinar suas coordenadas no espao
euclidiano ou relativstico. Como diriam os tericos da complexidade, um fenmeno
emergente, cujas propriedades transcendem a soma de suas partes.72
68
Conferncias e Seminrios ministrados por Antonio Spadaro no 4 Encontro Nacional da PASCOM, de 24 a
27 de outubro de 2014, em Aparecida do Norte, SP.
69
Ibidem.
70
WERTHEIM, M. Uma histria do espao, p. 27.
71
Ibidem, p. 22.
72
Ibidem, p. 29-30.
73
Ibidem, p. 183-184.
32
De acordo com Mircea Eliade, mesmo vivendo numa sociedade secular, o ser humano
nunca ser capaz de suprimir por completo o comportamento religioso.75 J que no mundo fsico
a liberdade de expresso religiosa parece estar cada vez mais reprimida por governos que se
dizem laicos, por grupos que se sentem ofendidos por manifestaes pblicas de
religiosidade ou por uma mentalidade antirreligiosa vigente em todos os mbitos da vida social,
o ciberespao proporciona as condies ideais para o que Eliade denominou hierofania, que
significa a irrupo do sagrado. O que Margareth Wertheim acha mais irnico que esse
movimento espiritual contra o pensamento tecnocientificista e materialista se realize atravs
dos prprios suportes tcnicos e invenes cientficas.76
Andr Lemos discorre que o tempo sagrado do mito, semelhante ao tempo real do
ciberespao, no o tempo linear e progressivo da histria, chronos, mas o tempo de conexes
imediatas, um eterno presente, uma espcie de kairs, em consonncia ao presentesmo social
contemporneo.78 Por isso, a viso holstica de Teilhard de Chardin se torna atual e surge esta
onda crescente de interesse por suas teorias cientficas e espirituais.
A essncia comunional da internet o principal aspecto de sua dimenso sagrada. A
rede de relaes on-line pode ser comparada s comunidades humanas clssicas em diversos
aspectos. A natureza ciberespacial chama a ateno para algo que as religies tradicionais j
haviam compreendido e valorizado: a maneira como os seres humanos tendem a se unirem em
comunidades atravs de redes de relaes. O ciberespao, que por si mesmo uma rede de
74
WERTHEIM, M. Uma histria do espao, p. 184.
75
ELIADE, M. O Sagrado e o Profano, p. 167.
76
WERTHEIM, M. Uma histria do espao, p. 187.
77
LEMOS, A. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contempornea, p. 133.
78
Ibidem, p. 134.
33
Sendo assim, Wertheim acredita que o ciberespao pode servir como uma metfora forte
para a formao de comunidades melhores. No entanto, a rede mais do que uma metfora, ela
uma espcie de comunidade global, uma comunidade de comunidades, no como fora de
expresso ou algo meramente digital, mas realmente.
79
WERTHEIM, M. Uma histria do espao, p. 218.
80
Ibidem, p. 220-221.
34
se tornou, nos ltimos tempos, o principal material de estudo para analisar a viso eclesial sobre
a internet.81
De acordo com Joana Puntel, o Conclio Vaticano II foi inteligente na formulao do
seu conceito de tecnologia, pois no restringiu-o apenas a tcnica, mas contemplou na definio
os atos humanos que dela decorrem, incluindo a tecnologia da poca e as que viriam depois
como a internet.82 Todas as vezes que a Igreja se manifestou sobre a internet foram
manifestaes positivas, mesmo que sempre separe um espao para abordar seus riscos. No
entanto, a compreenso sobre a natureza da rede, com o passar do tempo foi se enriquecendo e
se aprofundando. Primeiramente, Joo Paulo II vivenciou o momento histrico do nascimento
da web e a compreendeu como um novo meio de comunicao a ser utilizado como ferramenta
de evangelizao. Ele chamou os meios de comunicao social de novo arepago dos tempos
modernos a ser evangelizado.
O primeiro arepago dos tempos modernos o mundo das comunicaes, que est a
unificar a humanidade, transformando-a [...] na aldeia global . Os meios de
comunicao social alcanaram tamanha importncia que so para muitos o principal
instrumento de informao e formao, de guia e inspirao dos comportamentos
individuais, familiares e sociais.83
Nesta mesma carta, Joo Paulo II reconhece que a Igreja foi se descuidando deste
arepago ao longo dos anos, principalmente em relao s mdias audiovisuais. Enquanto que
no surgimento da imprensa e do rdio os cristos foram pioneiros no seu uso, na inveno do
cinema e da TV houve uma resistncia inicial que ocasionou numa entrada tardia nesses meios.
Quando se criou a internet, a Igreja j havia aprendido a lio e tratou de logo marcar presena
e adaptar-se ao ambiente digital. A partir do ano de 1990, o Vaticano comeou a refletir sobre
a cultura informtica, tema da Mensagem para o 24 Dia Mundial das Comunicaes. Joo
Paulo II havia percebido como a mdia era capaz de transformar a psiqu dos indivduos,
modificando a sensibilidade humana, seu senso crtico e seu raciocnio lgico atravs dessas
novas linguagens e cultura.
[...] esta cultura nasce, menos dos contedos do que do prprio fato de existirem novos
modos de comunicar com novas linguagens, novas tcnicas, novas atitudes
psicolgicas. O meu predecessor Paulo VI dizia que a ruptura entre o Evangelho e a
cultura , sem dvida, o drama da nossa poca; e o campo da comunicao moderna
confirma plenamente este juzo.84
81
SILVA, A. A. Igreja e Cultura Digital, p. 15-16.
82
PUNTEL, J. Inter Mirifica, p. 175-182.
83
JOO PAULO II. Redemptoris Missio, n. 37.
84
Ibidem.
35
Em 1995, ano de lanamento do site da Santa S, a internet entrou com mais vigor na
pauta de debate da Igreja. Na mensagem de Joo Paulo II para o 36 Dia Mundial das
Comunicaes, em 2002, pela primeira vez, na histria, um pontfice abordou especfica e
oficialmente a internet. Fora algumas mensagens para o Dia Mundial das Comunicaes, os
nicos documentos eclesiais que abordam especificamente a rede so Igreja e Internet e tica
na Internet, ambos tambm de 2002. Embora sejam documentos autnomos entre si, seus
apontamentos se complementam mutuamente. A Igreja Catlica, segundo o Documento do
Pontifcio Conselho para as Comunicaes Sociais Igreja e Internet, encara positivamente a
evoluo da comunicao e de suas tcnicas, pois pode ajudar na unio e solidariedade entre as
pessoas. Ela afirma que no suficiente usar as mdias digitais para difundir a mensagem crist,
necessrio integrar a mensagem nesta nova cultura, criada pelas modernas comunicaes. Em
2005, a Carta Apostlica Rpido Desenvolvimento tambm abordou brevemente o fenmeno
social e global da internet. H alguns anos a Igreja d sinais de ateno a esta realidade,
colocando-a em suas metas, a comunicao e a cultura digitais.
Na Mensagem para o 43 Dia Mundial das Comunicaes, em 2009, intitulada Novas
tecnologias, novas relaes. Promover uma cultura de respeito, de dilogo, de amizade, Bento
XVI reconheceu que as novas tecnologias digitais esto provocando mudanas fundamentais
nos modelos de comunicao e nas relaes humanas.85 Dirigindo-se especialmente gerao
Y, o Papa quis partilhar algumas ideias sobre o potencial extraordinrio das novas tecnologias,
quando usadas para favorecerem a compreenso e a solidariedade humana. 86 Embora
admitisse as mudanas fundamentais, a Igreja ainda percebia as mdias como um objeto til a
sua disposio, no reconhecendo a nova ambincia social que delas nascem.87
Durante o seu pontificado, Bento XVI exortou sobre a importncia de a Igreja estar
presente onde os jovens esto na maior parte do tempo, no ciberespao. A mensagem do sumo
pontfice para o 44 Dia Mundial das Comunicaes, afirmava:
A tarefa de quem opera, como consagrado, nos media aplanar a estrada para novos
encontros, assegurando sempre a qualidade do contato humano e a ateno s
pessoas e s suas verdadeiras necessidades espirituais; oferecendo, s pessoas que
vivem nesta nossa era digital, os sinais necessrios para reconhecerem o Senhor;
dando-lhes a oportunidade de se educarem para a expectativa e a esperana,
abeirando-se da Palavra de Deus que salva e favorece o desenvolvimento humano
integral.88
85
BENTO XVI. Novas tecnologias, novas relaes. Promover uma cultura de respeito, de dilogo, de amizade.
86
Ibidem.
87
SBARDELOTTO, M. Deus Digital, religiosidade online, fiel conectado, p. 10.
88
BENTO XVI. O sacerdote e a pastoral no mundo digital.
36
Nesse discurso, Bento XVI disse que a pastoral no mundo digital precisa mostrar aos
homens do nosso tempo que Deus est prximo e que, em Cristo, todos so parte uns dos outros.
O Santo Padre sugeriu que todo sacerdote tivesse uma pgina na internet ou outras iniciativas
virtuais, onde pudesse interagir com este pblico. Alertou tambm, que esse tipo de ao no
substitui a Igreja fsica e os sacramentos. Entretanto, a pastoral virtual uma forma de despertar
o interesse para um contato fsico e real com Deus e seu Corpo Mstico. Em 2011, a mensagem
do Papa Bento XVI foi dirigida aos fiis leigos, principalmente aos jovens, para que deem
testemunho cristo nas redes sociais.
89
BENTO XVI. Verdade, anncio e autenticidade de vida, na era digital.
90
BENTO XVI. Silncio e palavra.
37
Apesar do pouco tempo de pontificado, Papa Francisco j segue os passos de Bento XVI
em sua concepo de rede e sociedade, afirmando em sua primeira Mensagem para o Dia
Mundial das Comunicaes que o ciberespao pode ser um lugar rico de humanidade, pois a
internet no uma rede de fios, mas de pessoas. Disse ainda que a internet dom de Deus por
oferecer novas alternativas de encontro e solidariedade.92 Demonstra essa leitura comunional
da rede tambm na exortao apostlica Evangelii Gaudium:
91
BENTO XVI. Redes sociais.
92
FRANCISCO. Comunicao ao servio de uma autntica cultura do encontro.
93
FRANCISCO. Evangelii Gaudium, n. 85.
94
OCCHIPINTI, G. Lugar Teolgico. In: Lexicon, p. 449-50.
38
95
MICHON, C.; NARCISSE, G.Lugares teolgicos.In: LACOSTE, J-Y. Dicionrio Crtico de Teologia, p.
1056.
96
CANO, M.apud Ibidem, p. 1056
97
SESBUE, B. Histria dos dogmas, p. 146.
98
Ibidem, p. 146.
39
Portanto, dos dez lugares teolgicos, Cano explica que os dois primeiros contm os
princpios prprios e legtimos da teologia; os trs ltimos possuem os princpios externos
e alheios, enquanto que os cinco intermedirios dominam a interpretao dos princpios
prprios ou as concluses que se originaram deles.99
No sculo XX, Yves Congar definiu os lugares teolgicos quanto ao objeto, como um
registro das diversas mediaes pelas quais Deus instruiu e edificou seu povo a partir de Sua
Palavra. Trata-se de uma evoluo do sentido do termo lugar teolgico, distinguindo-o das
fontes da teologia.100 J no Dicionrio Crtico de Teologia est escrito que a teologia catlica
denomina lugares teolgicos todos os domnios a partir dos quais o conhecimento teolgico
pode elaborar seu saber ou s diversas fontes nas quais se inspira: a Escritura, a Tradio, os
Padres, o Magistrio, a Liturgia.101
Embora a teologia tenha como princpio fundamental a Revelao, tambm encontra a
fonte de seu conhecimento na prtica da f. Por isso, o telogo deve colocar-se escuta em
outros lugares que provocam o conhecimento teolgico e tambm o verificam. Para Clodovis
Boff, a vida uma realidade rica que constitui uma origem concreta de conhecimento teolgico
e que no pode ser excluda pela teologia.102
Assim, houve uma modificao no conceito dos lugares teolgicos que permitiu
diversas incluses na lista. Os documentos do Conclio Vaticano II reconheceram o legtimo
pluralismo na teologia para criar a partir dos grandes territrios socioculturais (AG 22,2), dos
sinais dos tempos (GS 4,1) e dos problemas novos (GS 62,2) novos campos teolgicos.103
Para se definir o lugar teolgico dos sinais dos tempos preciso distinguir no curso dos
acontecimentos aqueles aspectos que podem dizer algo a respeito da Providncia, que possam
servir de indicao ao Reino de Deus. Isto , campos que manifestem os propsitos de Deus,
que sejam chaves hermenuticas para a compreenso da economia crist, a fim de descobrir a
presena da Palavra de Deus no decorrer da histria e sinais dos propsitos de Deus nos
acontecimentos, nas necessidades, nas aspiraes dos homens contemporneos. Os peritos do
Conclio entendem os sinais dos tempos como os fenmenos que, por razo da sua
99
SESBUE, B. Histria dos dogmas, p. 692.
100
DESOUCHE, M-T. Lhistoire comme lieu thologique et fondement de la thologie pastorale.
101
MICHON, C.; NARCISSE, G. In: LACOSTE, J-Y. Dicionrio Crtico de Teologia, p. 1055.
102
BOFF, Clodovis. Teoria do mtodo teolgico, p. 72.
103
Ibidem, p. 88.
40
104
DIOCESE DE ANPOLIS. Fontes da Teologia. Disponvel em:
<http://www.diocesedeanapolis.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2108:fontes-da-
teologia&catid=129:teologia&Itemid=662> Acesso em: 07 de set. de 2014.
105
Disponvel em: <http://www.estef.edu.br/arno/wp- content/uploads/2011/03/Introdu%C3%A7%C3%A3o-
%C3%A0-Teologia-2.pdf>. Acesso em: 08 de mai. de 2013.
106
BOFF, C. Teoria do mtodo teolgico, p. 178.
107
Disponvel em: <http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?lang=PT&img=N&cod=38025 2/3>. Acesso
em: 08 de mai. de 2013.
108
MARTNEZ, F. D. Teologia da comunicao, p. 491.
41
vocao do ser humano de transformador da realidade a fim de contribuir para que a obra do
Criador chegue a sua plenitude. Aqui encontram a sua justificao teolgica [...] o progresso
e a tcnica... Em si mesmos so uma realizao da vocao humana e uma resposta vontade
divina.109 Tais afirmaes manifestam a necessidade de a internet ser discernida
teologicamente. A rede deve ser vista como um potencial caminho de realizao da vocao
coletiva do homem a comunho entre os seres humanos. O homem um ser essencialmente
social e, pela mesma razo, a histria humana uma histria comunitria.110
Nessa perspectiva, Margareth Wertheim acredita que a produo do espao, seja ele
de qual tipo for, necessariamente uma atividade comunal. Isto :
109
MARTNEZ, F. D. Teologia da comunicao, p. 496.
110
Ibidem, p. 498.
111
WERTHEIM, M. Uma histria do espao, p. 222-223.
112
SILVA, A. A. Cibergraa. Anais do IV Congresso da ANPTECRE, p. 501.
42
preciso, contudo, afirmar que a teologia crist uma teologia do novo, daquilo que
constantemente se renova. A novidade, a renovao, a criatividade so categorias
centrais na teologia crist. O novo precisa ser discernido teologicamente. [...] A
bondade das coisas, dos meios, das tcnicas [...] consiste na sua adequao ao plano
que Deus traou sobre esta criao e esta humanidade.113
113
MARTNEZ, F. D. Teologia da comunicao, p. 500.
114
SBARDELOTTO, M. E o Verbo se fez bit.
115
BENTO XVI, Verbum Domini, n. 113.
116
MARTNEZ, F. D. Teologia da comunicao, p. 499.
117
Ibidem, p. 515.
43
Sendo a rede tambm baseada na comunicao e na relao interpessoal, fica claro que a rede
e a Igreja so duas realidades destinadas a convergirem e dialogarem.118 Portanto, no desafio
atual da inculturao digital como fator condicional para qualquer tentativa de misso na
sociedade em rede, a Igreja tem de entrar na cibercultura para discerni-la teologicamente a partir
de dentro, colaborando para o seu discernimento e participando no seu crescimento.
Unindo os aspectos da rede com a consequente transformao, humana, social, cultural
e teolgica, pode-se afirmar que a internet um lugar teolgico. Da necessidade de se
compreender a situao atual e o que isso implica na vida crist, surge a rea de Ciberteologia,
que, segundo Antonio Spadaro, significa pensar a f nos tempos da rede.
118
SPADARO, A. Ciberteologia, p. 24.
119
GOMES, P. G. Da Igreja eletrnica sociedade em midiatizao. So Paulo: Paulinas; 2010.
120
SBARDELOTTO, M. E o Verbo se fez bit: a comunicao e a experincia religiosas na internet.
Aparecida: Santurio, 2013.
121
AVELLAR, V. Internet e espiritualidade: o despertar atravs das mensagens de e-mail. Rio de Janeiro:
Calibn, 2010.
122
AVELLAR, V. L. (Org.); SILVEIRA, E. J. S. (Org.). Espiritualidade e Sagrado no mundo contemporneo:
questes de mtodo e vivncia em Cincias da Religio. So Paulo: Loyola, 2014.
44
123
SPADARO, A. Ciberteologia, p. 39.
124
GEORGE, S. Religion and technology in the 21st Century, p. 182.
125
HERRING, D. apud SPADARO, A. Ciberteologia, p. 40.
126
FORMENTI, C. Incantati dalla rete, p. 59-107.
127
BORGMAN, E.; VAN ERP, S. Qual mensagem o meio?, Revista Concilium, n. 309, p. 129.
45
um termo morto. Alm disso, essas formulaes so insuficientes para descrever o novo campo
de reflexo teolgica que est se formando a partir do fenmeno da cultura digital. Isso permite
afirmar que Spadaro inventou a rea teolgica da ciberteologia.
A reflexo ciberteolgica um conhecimento que nasce da experincia da f que
corresponde na teologia frmula fides quarens intellectum, a f que busca a inteligncia,
que busca compreender. Porque, se o fenmeno internet modificou a forma como o ser humano
pensa, mudou a forma como se reflete sobre a f. Se a teologia entendida como intelectus
fidei, pensar a f, a rede transformou o jeito que se faz teologia na e para a sociedade
contempornea. Por isso, a ciberteologia teologia e no mais um tipo de estudo sociolgico
sobre a religiosidade na internet, mas resultado da f que libera de si mesma um impulso
cognitivo num tempo em que a lgica da rede assinala o modo de pensar, conhecer, comunicar,
viver.128
Segundo Spadaro129, a nica estrada para poder estudar ciberteologia a experincia,
experincia de f e experincia da rede. Se no se tem a experincia da lgica da rede no se
pode compreend-la, muito menos realizar uma reflexo teolgica que seja realmente
significativa. O autor da ciberteologia definiu o mtodo ciberteolgico dividindo-o em quatro
passos: experincia, reflexo, ao e avaliao. Dessa forma, uma reflexo ciberteolgica sria
somente possvel a partir da experincia pessoal no ambiente digital.
Eu acredito que o Reino de Deus no seja virtual, mas real. Porque Jesus falou que
onde duas ou mais pessoas estiverem reunidas em meu nome eu estarei l presente. E
quando Jesus diz que est ali presente, ele no quer dizer que estar l com o seu
avatar. Ns pensamos que o processo comunicativo um processo virtual, potencial,
porm, no real. Eis aqui um desafio teolgico, justamente porque somente a reflexo
teolgica no confunde o virtual com o espiritual. Na verdade, a teologia se torna
modelo para compreendermos a dinmica da comunicao. isso que eu defino como
ciberteologia (informao verbal).130
128
SPADARO, A. Ciberteologia, p. 41.
129
Conferncias e Seminrios ministrados por Antonio Spadaro no 4 Encontro Nacional da PASCOM, de 24 a
27 de outubro de 2014, em Aparecida do Norte, SP.
130
Conferncias e Seminrios ministrados por Antonio Spadaro no 4 Encontro Nacional da PASCOM, de 24 a
27 de outubro de 2014, em Aparecida do Norte, SP.
46
conferncias sobre o tema.131 Entre os anglicanos, h Tim Hutchings132, cujo trabalho de ps-
doutorado na Universidade de Durham, St. Johns College no Reino Unido, foi Creating
Church Online em 2010. Ele atua mais na rea da sociologia da religio, mas possui alguns
artigos de cunho teolgico como Network Theology. Da parte protestante destaca-se o telogo
Dwight Friesen, de Seatle (EUA), que escreveu o livro Thy Kingdom Connected, criando a
primeira eclesiologia contextual para um mundo conectado.133 H tambm o presbiteriano
Landom Whitzitt com a obra Open Source Church.134 E ainda, Jennifer J. Cobb, num perodo
emergente da internet, escreveu uma reflexo teolgica sobre o potencial espiritual da rede,
baseada no pensamento filosfico e teolgico de Teilhard de Chardin. O livro chama-se
Cybergrace: the reasearch of God in the digital world, de 1998.135 Por essa escassez de
cibertelogos, Spadaro disse que: A ciberteologia no existe verdadeiramente, concretamente.
Todos ns somos chamados a esta tarefa: pensar a f nos tempos da rede (informao
verbal).136
A mensagem do Papa Francisco traduz a importncia de refletir a cultura digital para os
seres humanos hoje: [...] no esquecendo que o continente digital, antes de ser uma mera
realidade tecnolgica, acima de tudo um lugar de encontro de homens e mulheres cujas
aspiraes [...] no so virtuais, mas reais e que necessitam de uma resposta concreta137. Estas
palavras so fundamentais para se repensar a f luz dessas intuies. graas rede que se
vive uma vida conexa, ou melhor, a partir da experincia da rede que a humanidade est
percebendo como interligada e como so essenciais essas relaes para uma vida
verdadeiramente humana.
O Conclio Vaticano II proferiu que a tecnologia muda nosso modo de pensar. 138 Joo
Paulo II, na sua Carta Apostlica Rpido Desenvolvimento, apresenta cinco lugares de impacto
dos processos miditicos: a formao da personalidade, a interpretao dos laos afetivos, a
131
DELICATA, N. Theology as Persuasive Communication. 2012. Captulo de Tese (Doutorado em Teologia)
Faculdade de Teologia, Universidade de Malta, Malta, 2012.
132
HUTCHINGS, T. Creating Church Online. In: CHEONG, P. H. (Org.) et al. Digital Religion, Social Media
and Culture. New York: Peter Lang, 2012 (Digital Information, v. 78).
133
FRIESEN, D. J. Thy Kingdom Connected: What the Church Can Learn from Facebook, the Internet, and
Other Networks. Ada, MI: Baker Books, 2009.
134
WHITSITT, L. Open Source Church: Making Room for the Wisdom of All. Herndon, Virginia: Alban, 2011.
135
COBB, J. J. Cybergrace: the reasearch of God in the digital world. New York: Crown, 1998.
136
Conferncias e Seminrios ministrados por Antonio Spadaro no 4 Encontro Nacional da PASCOM, de 24 a
27 de julho de 2014, em Aparecida do Norte, SP.
137
FRANCISCO. Mensagem do Papa ao 4 Encontro Nacional da Pastoral da Comunicao. Disponvel em:
<http://www.cnbb.org.br/comissoes-episcopais-1/comunicacao/14639-papa-envia-mensagem-ao-iv-encontro-
nacional-da-pascom>. Acesso em: 08 de ago. de 2014.
138
IGREJA CATLICA. Gaudium et Spes, n. 5.
47
139
JOO PAULO II. Carta Apostlica Rpido Desenvolvimento, n. 10.
140
Conferncias e Seminrios ministrados por Antonio Spadaro no 4 Encontro Nacional da PASCOM, de 24 a
27 de julho de 2014, em Aparecida do Norte, SP.
141
Conferncias e Seminrios ministrados por Antonio Spadaro no 4 Encontro Nacional da PASCOM, de 24 a
27 de julho de 2014, em Aparecida do Norte, SP.
48
142
IGREJA CATLICA. Lumen Gentium, n. 12.
143
Andrew Perriman estudou Lngua Inglesa e Literatura na Universidade de Oxford, trabalhou em seu mestrado
e doutorado aspectos literrios do pensamento de Paulo. Estudou na London School of Theology. Atualmente
mora em Londres e trabalha em uma teologia narrativa histrica para a igreja protestante ps-cristandade em seu
site: www.opensourcetheology.net.
144
SPADARO, A. Ciberteologia, p. 105.
49
145
So eles: o uso de experimentos moralmente dbios, o agravamento das injustias sociais, as violncias
bioticas, a riqueza excessiva, a gerao da pobreza, a poluio do meio ambiente e o uso de drogas.
51
pecados, mas novas expresses destes pecados e concupiscncias que provam ao ser humano
desde o pecado original. Nesta parte sero descritos e analisados alguns desses fenmenos do
mal na rede, bem como as razes que o produziram e os efeitos na vida humana em sociedade.
146
ROSSI, T. Pecado. In: Lexicon, p. 579.
147
AGOSTINHO (Contra Faust., 1, XXII, c. 27) apud ROSSI, T. Pecado. In: Lexicon, p. 580.
148
AGOSTINHO (De lib. Arb.1, I, c. 6) apud Ibidem, p. 580.
149
WILLIAMS, R. Pecado. In: Dicionrio Crtico de Teologia, p. 1366.
150
Ibidem, p. 1367.
52
sofre as consequncias do pecado, mas toda a comunidade manchada pela falta de um de seus
membros.151
Os telogos modernos, influenciados pelo existencialismo, retomam a viso paulina
segundo a qual, antes da escolha pessoal de cometer o mal, existe uma atmosfera que nos
aprisiona e que perverte nossas escolhas. Na teologia poltica e nas teologias da libertao usa-
se o conceito de pecado estrutural para abordar tanto os atos individuais negativos quanto o
contexto humano em que o pecado ocorre como consequncia de pecados sociais como a
injustia, o desemprego, a corrupo. Nisso se percebe que o pecado humano sentido por
todas as pessoas em todos os lugares, prejudicando nosso ser integralmente, nas dimenses
emocional, fsica, moral, social e espiritual.152
Na cultura secular, o sentido comum da palavra pecado mudou, bem como as
variaes de seu emprego. O que no muda sua interpelao na vida humana.153 Jos-Romn
Flecha tem a impresso de que o ser humano atual procura ceder suas decises ltimas
serpente, a um mundo baseado na tecnocracia, isto , ditado pela tecnologia, que permite ao
homem abandonar sua responsabilidade pessoal sobre a sociedade s determinaes mecnicas
de um mundo irracional.154 Ento, os pecados mais corriqueiros na era digital so a alienao,
a acomodao, a preguia, a falta de esperana. O pecado conturba as relaes com o prximo,
com a comunidade de homens e mulheres, seja ela fsica ou virtual, e com Deus.
Existem vrias distines e classificaes de pecado conforme a gravidade, a origem, a
forma, entre outros aspectos, que foram elaboradas no decorrer dos sculos. Aqui se abordar
apenas o pecado pessoal ou individual e o pecado estrutural, que alguns autores associam ao
pecado social. O pecado pessoal consistiria numa disposio contnua da liberdade, exercida
como rejeio da comunho entre o ser humano e Cristo e como encerramento do indivduo em
si mesmo tendo por consequncia a perda do sentido.155
Quando o homem olha para dentro do prprio corao, descobre-se inclinado tambm
para o mal [...]. Muitas vezes, recusando reconhecer Deus como seu princpio,
perturbou tambm a devida orientao para o fim ltimo e, ao mesmo tempo, toda a
sua ordenao quer para si mesmo, quer para os demais homens e para toda a
criao.156
151
WILLIAMS, R. Pecado. In: Dicionrio Crtico de Teologia, p. 1368.
152
Ibidem, p. 1370.
153
FLECHA, J-R. Pecado Estrutural. In: VIDAL, M. (Org). tica Teolgica, p. 333.
154
Ibidem, p. 336.
155
Ibidem, p. 354.
156
IGREJA CATLICA. Gaudium et Spes, n. 13.
53
Atravs do pecado, o ser humano encontra-se dividido em si mesmo. Dessa forma, toda
a vida humana, seja individual ou coletiva, mostra-se como um duelo dramtico entre o bem e
o mal, entre a luz e as trevas. Pois o pecado diminui a pessoa humana, impedindo-a de alcanar
a sua realizao integral.157
A incorporao do contexto como fator fundamental para a compreenso do pecado
original acentua o efeito social de cada escolha humana para o desenvolvimento da histria e
para a cristificao do universo.158 Pecado estrutural, em sentido analgico, qualifica uma
situao contrria vontade de Deus. Este conceito tem relevncia antropolgica por explicitar
tanto a essncia comunitria do ser humano quanto sua identidade pessoal.159
[...] ao falar de pecado estrutural, queremos dizer que a maldade pessoal que o
homem comete acaba tambm se condensando nesses fios que sustentam o fato
comunitrio; e no se condensa exclusivamente na histria pessoal de cada um. [Todo
pecador pecador pessoal e tambm social]. Vale, neste sentido, a expresso
agostiniana: Todo homem Ado, enquanto diz que todo pecado pessoal se
converte em um pecado original originante para o prximo. 160
Em comparao com a estrutura da rede, possvel intuir que esses mesmos fios que
sustentam o aspecto comunitrio da rede esto sendo encorpados por maldades e pecados
pessoais, formando o pecado estrutural da rede. Assim como as gorduras nas veias vo
obstruindo o fluxo no corao que mantm o corpo vivo, as aes inquas na rede vo impedindo
a rede de ser e de exercer seu dom, causando rompimentos em vrios pontos.
Faus percebe uma proximidade de sentido entre o conceito de pecado estrutural e de
pecado do mundo que abarca todo o Evangelho de Joo. Outras expresses correspondentes
podem ser encontradas nas Assembleias do Episcopado Latino-Americano de Medelln, em
1968, e de Puebla, em 1979, tais como estruturas injustas, estruturas opressoras, situao
de pecado ou estruturas em que o pecado imprimiu sua marca. A Igreja da Amrica Latina
afirma que tais formas de pecado impedem as pessoas de crescer no amor e na comunho.161
A Exortao Apostlica Reconciliatio et Paenitentia de Joo Paulo II considera pecado
social o pecado contra o amor ao prximo, contra a justia, contra os direitos da pessoa humana,
contra a liberdade do outro, contra a dignidade e a honra do prximo, contra o bem comum e
contra as suas exigncias, alm da cumplicidade e da omisso de todos que podem fazer algo
para melhorar a sociedade e no fazem, principalmente da parte dos dirigentes polticos,
157
IGREJA CATLICA. Gaudium et Spes, n. 13.
158
FLECHA, J-R. Pecado Estrutural. In: VIDAL, M. (Org.). tica Teolgica, p. 347.
159
FAUS, J. I. G. Pecado Estrutural. In: VIDAL, M. (Org.). tica Teolgica, p. 365.
160
Ibidem, p. 366.
161
Ibidem, p. 367.
54
econmicos e sociais.162 Joo Paulo II acreditava que tais pecados sociais so fruto do acmulo
de muitos pecados pessoais.
Esse pensamento mostra que a crueldade das estruturas se constitui como um legtimo
pecado, pois sua edificao est sob a responsabilidade pessoal de cada indivduo, criando uma
verdadeira solidariedade no pecado.164 O Conclio Vaticano II j refletia sobre os efeitos das
ms aes pessoais para o corpo social: Na verdade, os desequilbrios de que sofre o mundo
atual esto ligados com aquele desequilbrio fundamental que se radica no corao do
homem.165 A Gaudium et Spes explicita bem essa via de mo dupla: a vida do indivduo afeta
toda a sociedade e a estrutura social causa efeitos sobre as escolhas pessoais.
A partir disso, pode ser entendido o pecado pessoal como a ponta do iceberg que fica
para fora da gua, enquanto o pecado estrutural, construdo pela sobreposio de inmeros
pecados pessoais, est por baixo sustentando e condicionando as ms aes e novos pecados
individuais. Dessa forma, pecado pessoal e estrutural formam uma nica e mesma realidade.
Embora Joo Paulo II e outros telogos encarem pecado social e pecado estrutural como
conceitos sinnimos, Marciano Vidal faz uma leve distino entre eles. Para ele, o canal
estrutural do pecado mais profundo que a via social, pois a estrutura est na prpria raiz da
vida humana, constituindo-se raiz das outras formas de pecado, enquanto que o canal social se
162
JOO PAULO II. Reconciliatio et Paenitentia, n. 16.
163
Ibidem.
164
VIDAL, M. Pecado Estrutural. In: VIDAL, M. (Org). tica Teolgica, p. 377.
165
IGREJA CATLICA. Gaudium et Spes, n. 10.
166
Ibidem, n. 25c.
55
consolida nas mediaes sociais.167 Assim, a teologia atual procura explicar o dogma do pecado
original dentro de uma orientao de solidariedade e, ao mesmo tempo, d uma nfase toda
especial categoria bblica do pecado do mundo.168
Neste estudo sobre o pecado na rede, se quer mostrar que existe tanto um pecado
estrutural ou pecado original na internet, que seria o padro da rede escolhido e desenvolvido
com caractersticas desumanizantes, quanto pecados sociais, que consistiriam nessas dinmicas
de divulgao, interao, promoo e compartilhamento de aes ou pensamentos
pecaminosos. Juntos, formam um tecido de pecado, uma anti-rede, a degenerao de seus
vnculos e a desvirtuao do sentido ltimo da rede que a unio fraterna de todo o gnero
humano.
Faus conta que houve dificuldade na aceitao do conceito de pecado estrutural pelos
telogos do Primeiro Mundo, sob o argumento de que s pode ser chamado de pecado aquilo
que procede da plena liberdade responsvel do homem. No entanto, eles no se davam conta de
que essa argumentao no admitia usar a noo de pecado original que eles acolhiam como
vlida.169 Analogamente, negar o pecado estrutural negar o pecado original.
Sendo assim, a reflexo teolgica elaborou uma interpretao progressiva dos dados da
Revelao sobre a essncia do pecado, a relao entre pecado e pessoa e suas diferentes formas
ao longo da histria humana.170 Neste prximo tpico pretende-se diagnosticar o pecado e suas
consequncias na era da cultura digital. Esse estudo harmatiolgico deve ser feito para
identificar os principais tipos de pecado da ps-modernidade e suas consequncias no mundo,
tendo sempre em vista o plano da salvao. Dessa maneira, se reconhece o ciberpecado para
conhecer e fazer transbordar a cibergraa.
2.1.2 O ciberpecado
167
VIDAL, M. Pecado Estrutural. In: VIDAL, M. (Org). tica Teolgica, p. 376.
168
Ibidem, p. 380.
169
FAUS, J. I. G. Pecado Estrutural. In: VIDAL, M. (Org). tica Teolgica, p. 367.
170
ROSSI, T. Pecado. In: Lexicon, p. 580.
56
outras pessoas que muitas vezes nem conhecem por um prazer doentio de fazer os outros
sofrerem.
De acordo com Jos Ramon Flecha, o pecado altera esse n de relaes que a prpria
vida do ser humano.171 O pecado pessoal, entendido como fechamento do homem em si mesmo
com a consequente perda do sentido172, pode ser interpretado como os casos de isolamento
causado pelo uso desordenado das tecnologias digitais. Dessa forma, o pecado pessoal, mesmo
o isolamento, no cometido apenas contra si mesmo ou contra seu corpo. A m deciso pessoal
possui efeitos sociais contrrios liberdade humana, ao fluxo da histria e ao processo de
cristificao do universo.
Jaron Lanier critica a forma como a internet foi se desenvolvendo nessas ltimas
dcadas, pois percebe as consequncias negativas da escolha de certos padres para a
compreenso do ser humano como pessoa. Por trs destes modelos existem ideologias que
enaltecem o fruto do trabalho criativo humano, a tecnologia digital, no reconhecendo o ser
humano como a fonte criativa dessas invenes, por exemplo, dos autmatos.
O pai da realidade virtual conta que os primeiros revolucionrios e construtores digitais,
incluindo ele mesmo, eram movidos por fortes ideais. No centro de tudo havia a doce crena
na natureza humana. Acreditvamos que, se dssemos autonomia s pessoas, o resultado seria
mais positivo do que negativo.173 Lanier aponta que a crena original sobre a web foi
substituda por um imaginrio de que a rede est ganhando vida prpria e se mutando em uma
criatura super-humana, como um grande crebro. Ele critica tambm os conceitos de
inteligncia coletiva, noosfera, design inteligente e singularidade. Vs sereis como
deuses: nisso possvel perceber que os primeiros pais da ciberntica caram na tentao da
serpente, acreditando que poderiam criar algo superior ao ser humano.
O cientista diz que a produo digital chegou a tal ponto de descaso da pessoa como
fonte e fim da tecnologia pelo fato de que uma subcultura de tecnlogos, os totalitaristas
cibernticos ou maostas digitais, tornou-se mais influente do que as demais.174 Lanier
identifica o grave erro dessa cultura digital: segmentar uma rede de pessoas em pedaos to
pequenos que voc acaba com uma massa disforme. Ento voc comea a se preocupar mais
com a abstrao da rede do que com as pessoas reais que participam dela.175 Assim, Lanier
171
FLECHA, J. R. Culpabilidade e Pecado. In: VIDAL, M. (Org). tica teolgica, p. 344.
172
Ibidem, p. 354.
173
LANIER, J. Gadget, p. 31.
174
Ibidem, p. 33.
175
Ibidem, p. 34.
57
mostra que a rede por si s no tem sentido, somente as pessoas tem alguma importncia.
Conforme Spadaro: A rede no existe. Ns que damos vida a ela (informao verbal).176
Lanier acredita que esse movimento materialista fundamentado na cincia est ficando
semelhante a uma religio. Em nossa leitura, conceitua-se esse endeusamento da mquina como
idolatria 2.0. Ao colocar um objeto acima do ser humano decorre um efeito negativo de
massificao. um caso semelhante ao do Bezerro de Ouro narrado no Antigo Testamento.
Segundo Flecha, o pecado deforma a lgica das relaes do ser humano com os objetos, os
seres e o mundo ao seu redor. Antes, eram as joias que estavam a servio do ser humano,
entretanto, no momento que as pessoas pecam, elas passam a servir o Bezerro fundido com seus
prprios bens. Assim, todo o pecado sempre uma idolatria, uma substituio: as coisas de
Deus no lugar do Deus das coisas.177
O cientista da computao alerta que quando se ressalta a multido se perde a nfase
dada ao ser humano individual no desenho da sociedade, fazendo o sentido da pessoalidade ser
reduzido a iluses de bit. Isto significa que quando voc pede que as pessoas no sejam
pessoas, elas voltam a se comportar mal, como uma horda. Isso leva no apenas a trolls com
mais poder, mas a um mundo on-line em geral inamistoso e no construtivo.178 O problema
dessas ideias como a noosfera ou a inteligncia coletiva est na massificao, ou seja, para
construrem algo coletivo necessrio que as pessoas percam sua identidade e seus rostos num
mar de massa disforme.
Mesmo reconhecendo o valor de iniciativas como a Wikipedia, tais mecanismos de
criao cognitiva annimos no geram frutos de verdadeira comunho. Aqui est a linha tnue
que separa comunismo e comunidade, coletividade e comunho. Para Deus ser Trindade ele
no precisa e nem pode deixar de ser pessoa. O Pai no deixa de ser Pai, nem o Filho deixa de
ser Filho, tampouco o Esprito deixa de ser Esprito, mas s so Pai e Filho e Esprito Santo na
relao que cultivam entre si. Eles no perdem a sua identidade na comunho, ao contrrio,
nessa relao amorosa que formam e manifestam as suas personalidades.
Por isso que ao invs de chamar esse movimento global de inteligncia coletiva,
Spadaro sugere a adoo da expresso inteligncia conectiva de Derrick De Kerckhove,
valorizando a abertura para a conexo em detrimento da coletividade. 179 Pois, as pessoas que
esto se unindo no se dissolvem numa massa disforme, mas preservam sua identidade e
176
Conferncias e Seminrios ministrados por Antonio Spadaro no 4 Encontro Nacional da PASCOM, de 24 a
27 de outubro de 2014, em Aparecida do Norte, SP.
177
FLECHA, J. R. Culpabilidade e Pecado. In: VIDAL, M. (Org). tica teolgica, p. 345.
178
LANIER, J. Gadget, p. 37.
179
SPADARO, A. Ciberteologia, p. 169.
58
Neste mar de infinitas possibilidades, o ser humano ferido pelo pecado e fragilizado
pelos sofrimentos da vida pode com muita facilidade naufragar, se desviar do caminho, aportar
em ilhas de contedo que o levem a vcios, a apegos, perdio. Novas doenas surgiram do
mau uso da internet180. A comunidade mdica j oficializou oito novos transtornos mentais
causados pelo abuso das tecnologias digitais. O primeiro chama-se Nomophobia, abreviatura
de no-mobilephobia, significa o aumento da ansiedade por no ter acesso a um dispositivo
mvel. Quanto maior a intensidade de uso do celular, mais chance a pessoa tem de ter uma
crise de ansiedade quando acaba a bateria do aparelho. A Nomophobia levada to a srio nos
Estados Unidos que recebeu um programa de tratamento no Centro de Recuperao
Morningside em Newport Beach, Califrnia.
O nome do segundo soa como brincadeira, Sndrome do Toque Fantasma. Como o nome
j sugere, o mecanismo cerebral de ouvir o telefone tocar ou senti-lo vibrar sem que de fato
isso tenha ocorrido. Parece inofensvel, entretanto, futuramente a doena pode evoluir a novas
formas com o desenvolvimento da computao vestvel, como o caso do Google Glass, culos
com tecnologia digital j em testes. A Ciberdoena pode causar desorientao, nusea, tontura
ou vertigem no perodo em que alguns usurios fazem contato com certos ambientes digitais.
Acontece devido a algumas interfaces digitais darem ao nosso crebro uma falsa ideia de
estarmos em movimento. Uma das verses mais atuais do iOS da Apple obteve muitas
reclamaes por causa destes efeitos colaterais durante o uso.
O quarto distrbio, Depresso de Facebook, o transtorno depressivo ocasionado pelas
interaes sociais ou pela falta destas, nas redes sociais, em especial, no Facebook. Um estudo
da Universidade de Michigan aponta que os casos de depresso entre os jovens esto
diretamente ligados ao tempo que estes permanecem conectados no Facebook. Uma das razes
levantadas para isso que quase todos os nativos digitais costumam postar em seus perfis
somente o lado bom de suas vidas, fotos bonitas em belos lugares, dando a impresso que todos
180
DASHEVSKY, E. Eight new mental illnesses brought to you by the Internet, 2013.
59
so bem-sucedidos e seu cotidiano perfeito e empolgante. Ento, o jovem olha para sua prpria
realidade e se sente inferior ou infeliz.
O Transtorno de Dependncia da Internet a vontade constante de acessar a rede,
gerando seu uso excessivo que acaba por interferir negativamente no dia-a-dia do internauta.
No um distrbio em si mesmo, mas um sintoma para problemas mais graves como TOC
(Transtorno Obsessivo Compulsivo), DDA (Distrbio de Dficit de Ateno) e ansiedade
social. As formas de vcio ciberntico tambm esto associadas baixa autoestima, baixa
autossuficincia e a habilidades ruins.
Um dos problemas que mais ocorrem atualmente o vcio de jogos on-line. De acordo
com uma pesquisa feita em 2010 na Coria do Sul, 18% dos coreanos com idades entre 09 e 39
anos so dependentes de jogos on-line. Para amenizar a situao, o Pas chegou a promulgar a
Lei Cinderela, que impede o acesso a jogos on-line entre 24 e 06 horas para usurios com
menos de 16 anos em todo o territrio. Apesar de no haver estatsticas precisas sobre o ndice
de dependncia, est crescendo o nmero de iniciativas de ajuda para pessoas com este
transtorno nos Estados Unidos, como o Centro para Viciados em Jogos Online e o grupo virtual
dos Jogadores On-line Annimos que, inclusive, formulou seu prprio programa de
recuperao com 12 passos.
O doutor e pesquisador da Universidade da Califrnia, L. D. Rosen, explica que o
crebro humano aprende que certas atividades liberam serotonina e dopamina que produzem
um efeito de bem estar. Assim, a necessidade de receber essas substncias neurotransmissoras
faz com que a pessoa viciada repita vrias vezes a atividade a fim de sentir-se bem.
Outro distrbio a Cibercondria ou Hipocondria Digital, cujo efeito consiste em a
pessoa acreditar que tem doenas sobre as quais leu na web. E por fim, o Efeito Google, muito
comum hoje, seria a tendncia cerebral de reter menos informaes porque o crebro humano
sabe que as respostas esto ao alcance da mo no ciberespao. Atualmente, qualquer pessoa
acessa em segundos boa parte da informao que a humanidade acumulou no decorrer de toda
a sua histria. Essa grande vantagem que a internet nos proporcionou resultou na alterao do
funcionamento do crebro humano. De acordo com Dr. Rosen, o Efeito Google no algo
exclusivamente negativo. Isto poderia ser compreendido como o marco de uma mudana social,
com traos que poderiam ser considerados tanto uma evoluo da humanidade quanto um
retrocesso da capacidade cerebral humana.
O que acontece na internet uma prova autntica de que o pecado sempre um ato
coletivo, no sentido de que fere a natureza humana inteiramente e afeta cada ser humano direta
ou indiretamente. Toma-se como exemplo a rede social Facebook. O perfil de cada pessoa est
60
181
REVISTA PUCRS. Cyberbulling, p. 30-31.
182
ILHA, F. Jovem comete suicdio depois de ter fotos ntimas vazadas na internet. Site Globo.com, 20 de nov.
de 2013.
183
ETCHICHURY, C. Adolescente gacho tem morte assistida na internet. Site Safernet, 10 de ago. de 2006.
61
confortvel possvel, ele recebe respostas frias de internautas. Uma jovem canadense que
conheceu o adolescente em um frum de msica, pois ele era compositor, ao ver a postagem no
blog, avisou a polcia do seu pas sobre a possvel tentativa. Troca de informaes entre as
polcias canadense e brasileira foram feitas. Tarde demais, quando a Brigada Militar de Porto
Alegre chegou residncia, encontrou o rapaz j sem vida.
As tragdias pessoais so pequenos sinais de fumaa de incndios com proporo ainda
maiores. No s as patologias migraram para o ambiente digital, as guerras e conflitos poltico-
econmicos tambm. o que chamamos de ciberwar ou guerra ciberntica. Vulnerabilidade,
violao de privacidade, a rede est se transformando numa espcie de tecido de pecado. Como
Paulo fala da carne de pecado (Gl 5,16-24), est ocorrendo uma corporificao do pecado:
por Ado, o pecado entrou no mundo, por Jesus Cristo, a salvao. Sob a hiptese de uma
virtualizao tanto da graa quanto do pecado, no sentido de acompanhar a vida humana onde
quer que ela esteja e se manifeste, poder-se-ia dizer que assim como o Verbo se fez bit, o pecado
tambm est presente na rede.
2.1.4 Ciberguerra
No nenhuma novidade que a computao foi concebida com fins blicos. A internet
foi inventada no perodo da Guerra Fria como meio de proteo a um ataque nuclear. O primeiro
cracker ou decodificador, ou seja, a pessoa que utiliza a informtica para derrubar sistemas de
segurana de um inimigo, foi Alan Turing. O Prmio Nobel da cincia da computao leva seu
nome, pois ele foi capaz de decifrar o cdigo secreto nazista chamado Enigma.184 Assim,
quebrou-se a defesa nazista, o que levou ao fim da guerra, por isso considerado um dos
grandes heris da Segunda Guerra Mundial. Isso nos mostra que a guerra ciberntica no um
fenmeno novo, desde a origem da informtica houve esse tipo de utilizao. Poder-se-ia dizer
que existe na ciberntica uma raiz de pecado por ter sido criada em funo da guerra.
A primeira denominao para o uso dos meios de comunicao na conduo de
conflitos, infowar, provm do incio dos anos 70. Na dcada de 80, o conceito infowar ganha a
conotao de estratgias militares baseadas na computao. A guerra da informao tem como
objetivos fundamentais atacar os sistemas informacionais do adversrio e proteger seus prprios
sistemas de comando.185 A partir do conceito infowar surgiu o termo cyberwar, ainda mais
ligado dimenso militar, pois visto como o novo paradigma do confronto militar. A guerra
184
LANIER, J. Gadget, p. 50.
185
FRHBAUER, J. J. Cyberwars, p. 53.
62
186
FRHBAUER, J. J. Cyberwars, p. 54-55.
187
Ibidem, p. 55-56.
188
WIKIPEDIA. Ciberguerra.
63
Uma questo importante a ser meditada como a cultura digital afeta o perdo, a
reconciliao das pessoas com Deus, entre si e consigo mesmas. Aparecem seguidamente
notcias de diversos casos de separao em namoros que acabam em tragdia, pois um dos
parceiros resolve se vingar postando imagens constrangedoras do outro nas redes sociais.
Antonio Spadaro, em seu e-book Cybergrace, aborda rapidamente a relao entre
memria e perdo, como esses aplicativos digitais afetam a vida do indivduo e sua memria
para si mesmo e para os outros.189 A linha do tempo das redes sociais, com suas fotos marcadas,
suas postagens expressando sentimentos, informaes pessoais, pensamentos e
geolocalizaes, reproduzem e contextualizam momentos passados e presentes da sua vida. O
Facebook, o Twitter, o Pins, a Amazon, a Estante Virtual e tantas outras empresas conhecem
dos internautas os gostos e interesses sobre assuntos, msicas e livros melhor at que seus
amigos. Os vdeos que os internautas disponibilizam e que os outros divulgam a seu respeito
no Youtube e no Vimeo, vo construindo um filme de sua histria de vida.
Essa retrospectiva de palavras, imagens e sons feita por aplicativos como Momento,
Museum of me e Rapportive serve como um depsito, um arquivo, um museu digital da prpria
existncia. Assim, a vida se torna uma exposio artstica, um show a ser apreciado ou criticado.
No ambiente digital a memria pessoal est salva, a existncia est salva do esquecimento.
A palavra grega aret, traduzida pelos termos virtude e salvao, significa que os feitos
sejam eternamente lembrados. Diante desse sentido nos questionamos: o que a salvao
digital implica na salvao crist?
Uma das implicaes a impossibilidade do esquecimento, assim, nossas aes e
escolhas se tornam praticamente incancelveis. Isso dificulta significativamente a uma pessoa
que cometeu erros dar a volta por cima e recomear. Na dimenso do perdo, o esquecimento
fundamental para trilhar o caminho de uma vida nova em Cristo. A dinmica da web no d
crdito ao arrependimento humano, pois eterniza memrias que no deveriam ser recordadas.
Spadaro cita o exemplo hipottico de um ator pornogrfico, se ele decide mudar
radicalmente sua vida, no ambiente digital ele continuar sendo recordado por tudo aquilo que
j fez. Ento, na internet no h possibilidade do perdo. No entanto, este ponto, embora
negativo, auxilia na compreenso do que de fato o perdo.
189
SPADARO, A. Cybergrace, pos. 182 de 361, 50%.
64
Concluindo
Se a rede expressa a vida, ela exprimir a vida como ela . Se uma pessoa no
integrada, tem problemas, doenas, isso ser manifestado na rede. A rede mostra
tambm todos os limites da humanidade. Ao permitir uma grande facilidade de
comunicao e velocidade, ela coloca os vcios ainda mais em evidncia e tambm o
bem destacado. Enquanto a rede espelha a vida, ela tambm expressa os limites. E
ali temos que ter uma grande maturidade espiritual para confrontar-se com a
humanidade. Cada um de ns chamado a ser um bom samaritano em contraponto a
tudo o que vemos de ruim e de maldade na rede (informao verbal).191
190
SPADARO, A. Cybergrace, pos. 202 de 361, 57%.
191
Formao dada por Antonio Spadaro aos consagrados, colaboradores e estudantes da Cano Nova ocorrida,
de 28 e 29 de julho de 2014, em Cachoeira Paulista, SP.
65
Com isso Spadaro quer dizer que problemas como o cyberbulling e o autismo no so
frutos especficos da rede, mas de uma de uma falta de equilbrio de vida, de uma m formao.
Ele ainda admite que a culpa por esses males das geraes anteriores, principalmente de sua
gerao. Pois a identidade de uma gerao constituda por aquilo que as anteriores a
transmitiram ou o que deixaram de passar. Por isso, o Papa Francisco enfoca o contrato social
na Evangelii Gaudium, dando ateno especial aos idosos e aos jovens, as extremidades mais
frgeis deste pacto.192 As geraes anteriores Y julgam ser falsa a amizade virtual, o que conta
para eles a amizade face a face. A consequncia disso a criao de uma gerao
esquizofrnica. Pois, se um jovem que vive na internet pensa que tudo o que faz falso, ento
ele pode fazer o que quiser. Para Spadaro, o caminho para encontrar o equilbrio reconhecer
que a vida uma s, fsica ou digital, ambas so verdadeiras.193
Mesmo assim, percebe-se que est se tecendo na rede uma estrutura pecaminosa que se
enquadra no conceito de pecado estrutural: o pecado do homem tem efetivamente enormes
possibilidades de estruturar-se como forma de convivncia. [...] o pecado se esconde de muitas
mscaras e influi nos homens na hora das decises morais pessoais.194 Por serem os seres
humanos que fazem a rede acontecer, no se isentam dessa responsabilidade, pois so seus
pecados pessoais que esto construindo esta arquitetura do mal. Ao contrrio, sua
responsabilidade aumenta cada vez mais. Como Jaron Lanier disse, escolheu-se um modelo de
internet, mas existem outros. possvel evoluir para um padro ciberntico mais voltado
valorizao do humano, que se adapte vida humana e que no a obrigue a reduzir suas
possibilidades de expresso aos moldes delimitados pela tecnologia.
Fazendo analogia Noosfera de Teilhard de Chardin, Faus acredita que o ser humano
vive em meio a uma hamartiosfera tambm.195 Pensando dessa forma, se poderia dizer que
assim como existe a esfera do pecado, h a esfera do Esprito muito mais evidenciada, pois
desde o princpio da criao, um sopro de Deus agitava a superfcie das guas (Gn 1,2).
Portanto, deve-se aprender com o apstolo Paulo que: onde abunda o (ciber)pecado,
superabunda a (ciber)graa. Se o homem, mera criatura, consegue transformar um dom como
a internet em instrumento disseminador do mal, o que no far Deus, que consegue tirar de todo
o mal um bem ainda maior? preciso atravessar o vale escuro da humanidade pecadora para
se enxergar e corrigir os erros cometidos, a fim de se construir um futuro de esperana para a
192
FRANCISCO. Evangelii Gaudium, n. 64.
193
Formao dada por Antonio Spadaro aos consagrados, colaboradores e estudantes da Cano Nova ocorrida,
de 28 e 29 de julho de 2014, em Cachoeira Paulista, SP.
194
FAUS, J. I. G. Pecado Estrutural. In: VIDAL, M. (Org). tica Teolgica, p. 370.
195
Ibidem, p. 369.
66
vida humana e reencontrar-se com o Deus uno e trino na era digital. Justamente a cibergraa, a
graa que emerge da rede, ser o tema do prximo tpico.
A rede um lugar densamente espiritual. O fato de que sejam possveis tantos males
atravs da rede nos faz compreender essa potncia do esprito, pois se admissvel tanto mal,
possvel tambm o bem. A rede, lugar privilegiado do livre arbtrio humano, precisa passar
da arbitrariedade responsabilidade. O desejo humano de relao esconde o profundo anseio e
chamado humano comunho. Isso no depende do esforo humano, mas da graa porque
dom de Deus. A comunho amor-doao de um ser a outro ou a outros, formando uma unidade
que no os anula, ao contrrio, os plenifica e os torna sujeitos responsveis por essa
comunidade.
Dessa forma, passa-se para a segunda parte desse captulo que aborda a dinmica da
graa no contexto contemporneo e ciberntico. Comea-se com uma reflexo que tem por
objetivo pensar a rede luz da palavra de Deus, buscando parmetros e metforas na Bblia.
Depois ser recuperado o conceito de graa para fundamentar a cibergraa que se deter na
dinmica e manifestao do Esprito na vivncia digital.
mesma forma pode-se perguntar: A que podemos comparar o ciberespao?. Como o poo de
Jac, um detalhe aparentemente sem importncia no relato do dilogo entre Jesus e a
samaritana, pode nos revelar aspectos significativos sobre o papel do ciberespao no advento
do Reino de Deus? Por isso, se far o exame do texto bblico na perspectiva do ciberespao
como uma nova ambincia de convivncia e de comunho entre as pessoas.
Joo Paulo II na encclica Redemptoris Missio chamou a internet de novo arepago dos
tempos modernos, isto , um lugar pblico onde se deve anunciar o Evangelho. Compara-se
agora o ciberespao com o poo de Jac com a inteno de denot-lo como um ambiente de
encontro, de convivncia e de unio. O poo na poca bblica era um lugar neutro, em que
pessoas de classes, povos e religies distintas podiam se encontrar e um dos nicos espaos
pblicos onde homens e mulheres podiam dialogar com certa liberdade. O encontro junto ao
poo, nas estruturas literrias bblicas, geralmente faz aluso a um futuro matrimnio (Gn
24,13-14).196
Apesar de seguir os moldes literrios dos relatos de casamento, o colquio de Cristo
com a Samaritana tem um significado mais profundo. H dvidas entre os exegetas se este foi
um evento histrico ou se foi um episdio simblico para transmitir ensinamentos.197
Entretanto, o importante neste texto aquilo que So Joo quis expressar. O encontro de Jesus
com a samaritana (Jo 4) simboliza a converso de Samaria que restaurar o vnculo matrimonial
que a unia a Deus. Conforme a Bblia de Jerusalm, nesse relato, Deus visto como o esposo
de seu povo e Jesus desempenha a funo do servo. Este fragmento representa o encontro entre
Deus e a humanidade, atravs de Cristo. luz de Joo 4, concebe-se o ciberespao como uma
nova ambincia de encontro. Assim, o dilogo entre Jesus e a samaritana revela a presena de
diversas pessoas, inclusive as pessoas divinas.
O Nazareno j no princpio do dilogo rompe com protocolos e tabus da sociedade
judaica: Como, sendo judeu, tu me pedes de beber, a mim, que sou samaritana? (Jo 4, 9).
Jesus sendo Deus posiciona-se como o menor, como o servo dos servos, ou pelo menos, em
situao de igualdade com a mulher samaritana. A lgica relacional da rede est em harmonia
com as atitudes de Jesus. A internet segue o modelo peer to peer, em que todas as pessoas
que fazem parte da rede so iguais, tem as mesmas possibilidades de se interligarem, de se
inter-relacionarem, de darem de beber queles que quiserem, sem levar em considerao as
esferas sociais e culturais das quais se originam.198
196
SILVA, A. A. Cibergraa, p. 496.
197
SILVA, C. M. D. Leia a Bblia como literatura, p. 45.
198
SILVA, A. A. Cibergraa, p. 497.
68
[...] anseio da mulher, a qual se declara disposta a abandonar para sempre o poo da
Lei e da tradio, que sua histria representa, mas que no conseguiu acalmar os seus
desejos. Sua reao oposta de Nicodemos. Rompendo com o seu passado, ela quer
nascer de novo. Cr que isso possvel e o espera de Jesus, o qual comeou pedindo
gua e termina prometendo-a; tambm na cruz, primeiro manifestar sua sede (19, 28)
e em seguida dar a gua que brota de seu corpo (19, 34). Romperam-se as barreiras;
a mulher samaritana lhe pede a ela, o judeu. No comeo Jesus expusera sua
necessidade fsica, [...] e agora se oferece para apagar a sede da vida plena, o anseio
mais profundo do homem. Jesus no se detm no cultural nem no religioso; vai raiz,
ao homem como criatura de Deus Criador e Pai.200
199
SILVA, A. A. Cibergraa, p. 497.
200
MATEOS, J. O evangelho de So Joo, p. 213.
69
Segundo os autores Mateos e Barreto, a gua o Esprito que substitui a Lei assim como
o manancial de Jesus substitui o poo de Jac, figura da Lei. [...] fato personalizante, por
transformar-se em manancial interior que fecunda o seu ser (4,14): rega a terra de cada um,
desenvolvendo nele suas prprias capacidades.201 Se o poo de Jac pode ser entendido como
figura da Lei, o ciberespao poderia ser apreendido como figura do Esprito. A gua do poo
uma gua parada, a gua da rede um fluxo vivo, constante e dinmico de informaes, de
relaes, de vida, de uma pessoa a outra. Numa interpretao proftica de um vir a ser,
possvel pensar na rede ciberntica no como pontos interligados, mas como o fluxo de um
manancial vivo que jorra de uns para os outros como esperana de vida eterna, de comunho e
de participao da vida trinitria.
Senhor, nem sequer tens vasilha e o poo profundo; de onde, pois, tiras essa gua
viva? (Jo 4, 11). A gua viva est dentro do prprio homem. [...] quem beber da gua que lhe
darei jamais ter sede. Pois a gua que eu lhe der tornar-se- nele fonte de gua jorrando para a
vida eterna (Jo 4, 14). A gua viva pode ser entendida como a vivncia dos ensinamentos de
Cristo pela ao do Esprito Santo. Dessa forma, faz-se necessrio renascer hoje da gua e do
Esprito (Jo 3,5).
Esses dois simbolismos, parecem convergir aqui, como em outros textos de Joo e da
catequese batismal dos primeiros cristos. Ora, a sabedoria deixa a gente com sede
(Sir. 24, 21), mas Jesus no: A gua que eu darei se tornar nele uma fonte de gua
jorrando para a vida eterna (cf. 6, 35). Jesus mais que Jac, mais que a Sabedoria
dos livros bblicos. A comunho com Jesus, simbolizada pela gua do batismo, uma
fonte de vida que no estanca e que nos comunica o Esprito (cf. Jo 7, 37-39).202
O verdadeiro apostolado estar em comunho com Deus e, assim, levar os outros a essa
comunho. Depois que Cristo entrou na vida da samaritana, Ele realmente entrou e transformou
seu corao. A mudana era notvel e, conforme a Palavra, muitos samaritanos acreditaram por
que viram que algo aconteceu no interior daquela mulher, algo resplandecia nela.
Verdadeiramente, o Senhor fez transbordar a sua taa (Sl 22, 5) e do seu interior emanaram
rios de gua viva (Jo 7, 38). A samaritana por seu brilho convenceu muitos a ir ter com Jesus
e j no acreditaram mais pelo testemunho dela, mas porque eles mesmos tiveram uma
experincia de Deus.
A samaritana ensina como ser e como viver no ciberespao. Bento XVI, em todas as
suas mensagens para o dia mundial das comunicaes sociais nos exortou autenticidade e ao
201
MATEOS, J. Vocabulrio Teolgico do Evangelho de So Joo, p. 20-21.
202
KONINGS, J. Evangelho segundo Joo, p. 142.
70
testemunho em nossas redes sociais. [...] as pessoas que nelas participam devem esforar-se
por serem autnticas, porque nestes espaos no se partilham apenas ideias e informaes, mas
em ltima instncia a pessoa comunica-se a si mesma 203. Quando algum pode afirmar Cristo
vive em mim (Gl 2,20), o seu ser comunica o prprio Deus, ento, o Verbo se faz bit. Nesse
sentido, o seu prximo, que faz parte da sua rede, pode atravs da sua vida conhecer e ter
uma experincia de Deus.
O Esprito Santo pode fluir pelo ciberespao. Basta olhar a histria da salvao para
constatar que Deus alm de Criador tambm criativo e se manifesta da forma que bem entende.
Para Deus, com efeito, nada impossvel (Lc 1,37). A knosis de Deus tal que o Filho
Unignito de Deus passa a residir na natureza humana inteiramente. Jesus Cristo continua sendo
verdadeiro Deus e verdadeiro homem em nosso tempo. Portanto, Ele participa da cultura e da
vida de hoje e se encontra onde a humanidade est.204 Assim, admite-se reconfigurar a Palavra
de Deus traduzindo-a para a realidade digital, parafraseando Jo 1,14: E o Verbo se fez bit e
habitou entre ns e ns vimos a sua glria.
preciso que o Verbo se faa bit, ou seja, torne-se presente em toda a realidade humana
fsica e digital, como assinala Bento XVI: No mundo da internet, que permite que bilhes de
imagens apaream em milhes de monitores, dever sobressair o rosto de Cristo e ouvir-se a
sua voz, porque, se no h espao para Cristo, no h espao para o homem 205. Ver a glria
de Deus estar na sua presena e participar de sua vida, como Pedro, Tiago e Joo o fizeram
no Monte Tabor. possvel identificar qualidades da rede que potencializam uma vivncia de
comunho e fraternidade entre todos os povos.206
Por ser desterritorializado, o ciberespao uma tima representao para compreender
hoje o que Jesus anunciou samaritana: [...] nem neste monte nem em Jerusalm adorareis o
Pai. [...] Mas vem a hora, e agora, em que os verdadeiros adoradores adoraro o Pai em
Esprito e verdade (Jo 4,21-23). Assim como o Poo de Jac era figura da Lei, nas parbolas
hipermodernas, o ciberespao imagem do novissimus de Deus, daquilo que pode se tornar
uma rede de comunho eucarstica.
O Reino de Deus constitudo por pessoas em comunho, a rede por pessoas em
conexo. Essa nova ambincia de comunicao e de relao fruto do Esprito Criador. Ela
203
BENTO XVI. Redes sociais: portais de verdade e de f; novos espaos de evangelizao. Disponvel em:
<http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/messages/communications/documents/hf_ben-
xvi_mes_20130124_47th-world-communications-day_po.html>. Acesso em: 24 de nov. de 2013.
204
SILVA, A. A. Cibergraa, p. 498.
205
BENTO XVI. Verbum Domini, n. 113.
206
SILVA, A. A. Cibergraa, p. 498.
71
est no querer de Deus e tem o potencial de auxiliar a construo deste Reino de paz, de
igualdade, de justia e de comunho. Transformar a conexo em verdadeira comunho no
possvel pela prpria fora, pois a comunho dom de Deus. Viver na graa do Senhor, este
o desafio dos cristos que vivem nos tempos da rede para que o ciberespao no seja mera
imagem figurativa das correntezas do Esprito pelo mundo, mas que de fato concretize sua
misso de ser rede de gua viva que auxilia o cosmos a chegar sua plenitude. Por essa razo,
preciso rever o significado da graa ao longo da tradio crist a fim de chegar concepo
atual da ao de Deus na vida em rede, a cibergraa.
Graa o modo como Deus age em toda a criao, possibilitando ao ser humano
participar da essncia divina. atravs da graa que a pessoa humana pode entrar em comunho
com Deus; por isso, a graa plasma toda a natureza humana.207 A graa possui trs dimenses
que demonstram sua ligao profunda com a Trindade. A dimenso teolgica mostra a unidade
entre a criao e a salvao no plano de Deus para a humanidade. A dimenso cristolgica
remete ao acontecimento do Verbo encarnado, que assume a histria humana, e a resposta do
homem de estar inteiramente em Deus atravs de Jesus, o ser em Cristo que o apstolo Paulo
testemunhava: Pois para mim o viver Cristo e o morrer lucro (Fl 1, 21). A dimenso
pneumatolgica trata da inabitao trinitria, da comunho entre os membros da Assembleia e
Deus, a graa como obra do Esprito.208
Encontra-se o tema da graa no Antigo Testamento ligado ao tema de Deus. V-se a
imagem de um Deus criador que se rebaixa sua criatura com olhar misericordioso e se
aproxima ternamente dela para salv-la.209 O Antigo Testamento relaciona a graa com a
Aliana entre Deus e seu povo, manifesta ao longo da histria de Israel.210 Assim a graa se une
salvao e libertao da humanidade. Portanto, a abordagem da graa no Antigo Testamento
enfatiza dois aspectos: a benevolncia de Deus e o seu dinamismo.211
O termo graa muito mais difundido no Novo Testamento, pois neste a promessa se
concretiza em Jesus Cristo salvador, levando o ser humano e o cosmos plenitude da graa. Os
principais resultados da graa derramada pelo evento Cristo so a adoo filial que Deus
207
STANCATI, T. Graa. In: Lexicon, p. 325.
208
OLIVARES, R. S. Graa. In: PIKAZA, X. (Org.). Dicionrio Teolgico O Deus Cristo, p. 380-381.
209
Ibidem, p. 381.
210
STANCATI, T. Graa. In: Lexicon, p. 325.
211
OLIVARES, R. S. Graa. In: PIKAZA, X. (Org.). Dicionrio Teolgico O Deus Cristo, p. 381.
72
concede aos que creem pelos mritos do seu Filho e o incio da vivncia escatolgica. 212 A
experincia da graa, em Paulo, trinitria (2 Cor 13,13). Para ele, ser cristo significava ser
filho no Filho, tendo uma vida segundo o Esprito que derrama seus dons aos que creem.213
Os Padres da Igreja vo refletir a partir das experincias do Novo Testamento. A graa
vivenciada no Batismo e na Eucaristia e anunciada pela pregao. Neste perodo a graa
vista como atuao que introduz o ser humano na relao com Deus, em Cristo pelo dom do
Esprito, e na comunidade eclesial, que vive a urgncia missionria.214 Os padres do deserto
estavam convictos de que o destino da pessoa humana a Trindade. Este o primeiro mistrio
da graa como dom gratuito: somente no Deus Uno e Trino que o ser humano encontra a si
mesmo e sua plena realizao.215
Na teologia oriental a graa vista como obra das trs Pessoas da Trindade que diviniza
os seres humanos, operao que est unida Trindade e economia da salvao. Ento, a
dinmica operante da graa deseja a habitao das Pessoas divinas no humano. A graa torna o
ser humano realmente livre.216 O evento Cristo assinala o acontecimento da graa na histria:
a vida de Jesus entregue como acontecer do reino e doao a Deus.217 Este acontecer da graa
se efetua no batismo e vida direcionada pela f, esperana e caridade.
O que os orientais chamam de energia incriada, os ocidentais denominam graa incriada,
refere-se ao processo de divinizao em que o ser humano vai sendo revestido com a glria e
luz divina, vivificando a presena do Altssimo em nosso ser, sem confundir o ser humano com
Deus.218 Agostinho tornou-se o expoente ocidental da teologia da graa, combatendo o
pelagianismo, o jansenismo e a Reforma. Ele que experimentou a graa que vai ao encontro do
ser humano e o transforma, v nela o chamado humano de participar da prpria vida de Deus e
o desejo do ser humano de unir-se ao Sumo Bem.219 Santo Agostinho acentua em sua teologia
a primazia da graa e incapacidade do homem de deixar de pecar sem o socorro divino. A graa
apresentada como aquela que reordena a liberdade humana, direcionando-a para Deus.220
No perodo escolstico, conservou-se a dimenso teolgica e cristolgica, porm, aos
poucos, foi se perdendo a dimenso pneumatolgica da graa que abraa a comunidade de f,
212
STANCATI, T. Graa. In: Lexicon, p. 325.
213
OLIVARES, R. S. Graa. In: PIKAZA, X. (Org.). Dicionrio Teolgico O Deus Cristo, p. 382.
214
Ibidem, p. 382.
215
Ibidem, p. 383.
216
STANCATI, T. Graa. In: Lexicon, p. 326.
217
OLIVARES, R. S. Graa. In: PIKAZA, X. (Org.). Dicionrio Teolgico O Deus Cristo, p. 382.
218
Ibidem, p. 383.
219
Ibidem, p. 383.
220
Ibidem, p. 384.
73
221
OLIVARES, R. S. Graa. In: PIKAZA, X. (Org.). Dicionrio Teolgico O Deus Cristo, p. 384.
222
Ibidem, p. 385.
223
Ibidem, p. 386.
224
Ibidem, p. 387.
225
Ibidem, p. 387.
226
Ibidem, p. 387-388.
74
227
OLIVARES, R. S. Graa. In: PIKAZA, X. (Org.). Dicionrio Teolgico O Deus Cristo, 388.
228
Ibidem, p. 389.
229
COBB, J. Cybergrace, p. 20.
230
Ibidem, p. 22-23.
75
A sociedade cientfica que estas tendncias produziram deixou pouco espao para uma
f plenamente integrada nos mundos orgnico e tecnolgico. Libertado das
amarraes dos nossos smbolos religiosos e normas, tornou-se como o universo onde
modelamos indivduos autnomos que se deslocam atravs de um mundo sem
valor.233
231
COBB, J. Cybergrace, p. 23.
232
COBB, J. Cybergrace, p. 25.
233
Ibidem, p. 29.
234
DYSON, E.; GILDER, G.; KEYWORTH, G.; TOFFLER, A.: A Magna Carta for the Knowledge Age.
Disponvel em: <http://www.pff.org/issues-pubs/futureinsights/fi1.2magnacarta.html>. Acesso em: 10 de nov. de
2014.
235
COBB, J. Cybergrace, p. 30.
236
Ibidem, p. 34.
76
Este esforo de perceber a unidade entre realidade material e espiritual precisa partir
tambm do campo cientfico. As pesquisas de Charles Darwin, que era desta, levaram-no a
descobrir um mundo inacabado em processo de evoluo. Essa descoberta o levou a pesquisar
durante toda a sua vida uma maneira de reconciliar o seu conhecimento com o seu Deus, mas
sem o sucesso esperado.238 O problema que Darwin permaneceu com a ideia de um Deus
extremamente determinista que era incompatvel com a ideia de evoluo ao acaso. No
entanto, muito filsofos pr-darwinianos conseguiam perceber uma fora divina neste
movimento criativo de diversificao e complexificao de todo o cosmos.
Filsofos como Friedrich Schelling definiam a evoluo como o movimento do divino
em direo ao divino, um fluxo bidirecional do esprito inerente na matria e do esprito
transcendente um ao encontro do outro.239 De acordo com Jennifer Cobb, esprito por
definio a fora que conecta.240 Ela se baseia no pensamento teolgico-cientfico de Pierre
Teilhard de Chardin que acredita que o Esprito Criador interliga todas as realidades existentes
na terra conduzindo-as num processo evolutivo rumo a sua plenificao, ao ponto mega. Esse
processo chamado de cristificao do universo.241 Isso no nega as descontinuidades
ocorridas na histria do mundo, apenas confirma que tambm existe continuidade no
desenvolvimento dos seres. Sendo assim, matria e esprito so dois aspectos dessa nica
realidade csmica que o processo criativo do Esprito em ao no mundo.242
Essa viso aponta para uma compreenso radicalmente nova do Criador. O Pai no
governou l do alto, determinando todos os resultados. Deus empoderou suas criaturas atravs
da prpria natureza criativa, realizando um contnuo processo de evoluo e transcendncia
criativa. Essa concepo permite a integrao entre o conhecimento cientfico e a perspectiva
espiritual da evoluo da conscincia e do desenvolvimento do universo.243
237
COBB, J. Cybergrace, p. 35.
238
Ibidem, p. 36.
239
Ibidem, p. 39.
240
Ibidem, p. 40.
241
TEILHARD DE CHARDIN, P. O meio divino, p. 29-30.
242
COBB, J. Cybergrace, p. 41.
243
Ibidem, p. 42.
77
Isso traz uma contribuio muito importante para o fazer teolgico. A teologia mais
tradicional, proveniente principalmente da Europa, enfatiza a ao e a comunicao de Deus
num movimento de cima para baixo, uma transmisso hierrquica bem demonstrada tambm
no pensamento eclesiolgico clssico. Em contrapartida, as teologias da libertao,
desenvolvidas especialmente na Amrica Latina, preocupam-se com a dinmica de baixo para
cima, a manifestao de Deus e da f na prxis social.
No h modelo perfeito, no h metfora que abarque toda a realidade da Revelao
divina, pois Deus continua sendo mistrio. Por isso, no se deve ser fundamentalista de um
nico modelo, de uma nica viso de mundo e de teologia, sob pena de acabar cometendo um
erro semelhante ao do modernismo: escolher uma dimenso em detrimento da outra. A
ciberteologia no uma teologia de cima para baixo nem de baixo para cima, mas converge
tudo no modelo peer-to-peer, ou seja, de n a n, de lado a lado, de pessoa a pessoa. A
dinmica de ponto a ponto da rede geralmente vista como horizontal, mas na verdade como
a comunicao das clulas no organismo. No h apenas clulas laterais, mas em todas as
direes, tanto na superfcie e quanto no interior do corpo. Sendo assim, a cibergraa corre
atravs de cada pessoa, clula viva do Corpo Mstico de Cristo.
Spadaro pondera que a graa de Deus desce do alto, mas ativa um processo. Como a
chuva desce do cu, mas no retorna sem produzir seu fruto (Is 55,10-11), assim tambm a
Palavra de Deus que se encarna, deve ativar o movimento de baixo para cima. Para ele, o
problema no est no modelo de cima para baixo, mas em entender o seu efeito.244
A dificuldade que nosso esquema mental bidimensional, no mximo tridimensional.
Porm, o agir trinitrio no cosmos pluridimensional, ou melhor, como o ciberespao nos
auxilia a perceber, transdimensional e transtemporal, pois ultrapassa o tempo e o espao.
Podemos tambm utilizar a imagem da espiral para demonstrar que a Revelao um processo
vivo e dinmico que ocorre na Histria, mas transhistrico porque envolve as pessoas
humanas e divinas no tempo e na eternidade.
Para Cobb, o ciberespao reflete essa verdade sagrada e fundamental ao criar um mundo
de experincias ricas e diversas oriundas do no-fsico, de eventos criativos que se desenrolam
no tempo. Assim, o ciberespao pode guiar as pessoas na reconciliao do maior cisma do
mundo moderno: a separao entre cincia e esprito, entre o mundo orgnico e o mundo que o
ser humano cria.245 Tudo isso remete a duas questes fundamentais no que se denomina
244
Formao dada por Antonio Spadaro aos consagrados, colaboradores e estudantes da Cano Nova ocorrida,
de 28 e 29 de julho de 2014, em Cachoeira Paulista, SP.
245
COBB, J. Cybergrace, p. 43.
78
cibergraa: Deus pode habitar no ciberespao? Como Deus age e dialoga com seus filhos no
mundo contemporneo?
Jennifer Cobb percebe que o ciberespao, como um aspecto criativo da evoluo,
tecido em nossa realidade fsica e que o processo criativo a sua alma. A teloga acredita que
se nos permitssemos entender o mecanismo do ciberespao mais profundamente, abrangendo
a sua sacralidade, poderamos experiment-lo como um meio de graa.246 A partir dessa
compreenso seria possvel comear abarcar a totalidade do mundo tanto em seu aspecto natural
quanto em seu tecnolgico. Cobb defende que a evoluo da matria e a evoluo do esprito
devem ser consideradas em conjunto, apesar de cada uma seguir seu prprio curso. Ela ainda
cr que o ciberespao tem um papel fundamental a desempenhar na ao dinmica do Esprito
atravs do universo.
A ciberteologia no uma teologia da comunicao ou da tecnologia, mas um estudo
teolgico sobre a vida hipercomunicativa, hiperconectiva e hipertecnolgica que os seres
humanos esto vivendo. Entretanto, para entender bem a experincia humana de f e de graa
no ciberespao necessrio perceber o sentido teolgico e espiritual da tecnologia. como se
comparava anteriormente o significado de house e de home. House a estrutura da casa
que possibilita o home, a experincia do aconchego do lar, da famlia, de ter um lugar que
seu, que tem seu jeito, seus bens, onde voc sempre pode voltar. Sem o home, house perde
seu sentido, apenas uma construo desabitada, sem rosto. Com isso, se quer dizer que no se
pode refletir sobre a experincia da graa na rede sem antes estudar a dimenso espiritual dos
alicerces do ciberespao, portanto, sem ver a tecnologia como fruto do esprito e do carisma
humano de ser artfice da criao.
A tcnica ambgua, pois o ser humano a manipula livremente tanto para fazer o bem
quanto para o mal. Justamente essa liberdade que torna a tecnologia dbia, tambm demonstra
a ligao entre graa e tecnologia. De acordo com Spadaro247, a tcnica demonstra e ratifica o
senhorio do esprito sobre a matria. Assim, a tecnologia se constitui como a fora de
organizao da matria, obra do plano consciente do ser humano como ser espiritual.
Em 1964, Paulo VI afirmou, em visita ao Centro Jesuta de Automao do
Aloisianumde, que o crebro mecnico foi criado para auxiliar o crebro espiritual.248 O Centro
estava organizando a apreciao eletrnica da Summa Theologica de Toms de Aquino e dos
246
COBB, J. Cybergrace, p. 45.
247
Neste captulo utilizamos o e-book intitulado Cybergrace de Antonio Spadaro, verso Kindle, que no possui
numerao de pgina. Por isso, informaremos a porcentagem e a posio do contedo situado na obra.
248
SPADARO, A. Teologia Hi-tech, p. 1.
79
textos da Bblia. Nesta mesma ocasio, Paulo VI define teologicamente a tecnologia como o
empenho de infundir em mquinas o reflexo de funes espirituais. 249 Com isso, a tecnologia
se torna uma reposta humana ao mandato de Deus de cuidar e transformar a criao. O Esprito
Criador ainda cobre o cosmos inspirando a criatividade do ser humano.
Sendo assim, a inspirao que tanto cara e proveitosa em todas as reas do agir e pensar
humanos manifestao da dimenso pneumatolgica da graa, isto , uma abertura espiritual
atravs da qual o Esprito Santo opera no ser humano e por meio dele. O instante da inspirao
uma experincia comunial em que ocorre o encontro entre a inteno do homem e o anseio
do Esprito do Pai, a adeso do intelecto daquele inteligncia divina, momento em que sua
semelhana com o Criador se manifesta. A tecnologia um modo de o homo tecnologicus
expressar sua sede pelo transcendente. Portanto, o homem tecnolgico o homem
espiritual.250
Pierre Teilhard de Chardin o primeiro homem de f e homem da cincia a tentar
reconciliar essas duas reas humanas de conhecimento na poca moderna. Ele compreendeu e
buscou comunicar que todo o trabalho e esforo humano colaboram para a concluso da obra
do mundo em Cristo. [...] nenhum homem ergue o dedo mnimo para a menor obra, sem estar
movido pela convico [...] de que ele trabalha [...] para a edificao de algo definitivo, [...]
para vossa prpria obra, meu Deus.251 Conforme Chardin, a reta inteno do corao a
chave pela qual nosso mundo interior se abre presena de Deus.
Em cada alma, Deus ama e salva parcialmente o mundo inteiro, que esta alma resume
[...]. Deste modo, cada homem [...] por sua fidelidade [...] deve construir uma obra,
um opus, em que entra alguma coisa de todos os elementos da Terra. Ao longo de
todos os seus dias terrestres ele faz a sua alma; e, ao mesmo tempo, ele colabora para
uma outra obra, para um outro opus que ultrapassa infinitamente [...] as perspectivas
de seu xito individual: o acabamento do mundo. [...] Atravs de nossos esforos
individuais [...], o mundo acumula lentamente, a partir de toda a matria, aquilo que
far dele a Jerusalm celeste.252
O paleontlogo jesuta acreditava que entre o ser humano, o universo e Deus havia uma
profunda ligao. Ele dizia que no interior do mundo, toda alma foi criada para Deus.
Entretanto, toda realidade, material e imaterial, existe para a subsistncia da vida humana.
249
PAULO VI. Discorso di Paolo VI al Personale del Centro Automazione Analisi Linguistica
Dell'Aloysianum. 19 jun. de 1964. Disponvel em:
<http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/speeches/1964/documents/hf_p-vi_spe_19640619_analisi-
linguistica_it.html>. Acesso em: 10 de jan. de 2015.
250
SPADARO, A. Cybergrace, pos. 37, 10%-pos.42, 12%.
251
TEILHARD DE CHARDIN, P. O meio divino, p. 22.
252
Ibidem, p. 27-28.
80
Dessa forma, toda a realidade sensvel existe para dar glria a Deus, atravs da alma do ser
humano. A razo disso que o homem parte do nico ambiente divino pelo qual Deus quis
se autocomunicar, onde todas as realidades tangveis so prolongamentos do ser humano no
mundo. Da mesma forma que se diz que no possvel separar home de house, experincia
humana vivida no ciberespao de sua estrutura tecnolgica, Chardin pondera que no d para
apartar o ser humano de seu habitat, de sua realidade material e espiritual. O ser humano um
ser no mundo. No do mundo, mas est no mundo (Jo 15, 19; Jo 17, 14-16). Por isso, o
progresso e a tcnica devem ser encarados como dons do Esprito Santo que auxiliam a pessoa
humana a se tornar cada vez mais imagem e semelhana de Deus.
No entanto, preciso avaliar de forma crtica a realidade contempornea. Embora os
avanos tecnolgicos tenham trazido grandes conquistas, tambm ocasionaram alguns
transtornos como o excesso informacional (information overload), a apatia e a disperso que
trazem prejuzos vivncia espiritual. Na opinio de Spadaro, o ser humano precisa redescobrir
o valor e o significado do discernimento, isto , fazer uma busca interior a fim de encontrar em
si mesmo um centro espiritual que distinga as questes que so realmente importantes das
inmeras respostas e estmulos que so recebidos todos os dias.253
A graa um favor divino que possibilita natureza humana participar da vida ntima
do Deus Triuno, introduzindo a pessoa humana em relao filial com o Pai, atravs da dignidade
recebida do Filho Unignito, marcada com o selo do Esprito Santo.254 Portanto, a graa um
caminho de relao, onde Deus d o primeiro passo em direo ao ser humano, dando-lhe a
providncia necessria para que percorra este caminho e viva de forma plena a sua humanidade,
fortalecendo-o, transformando-o, plasmando-o de vida para chegar a este encontro com as
pessoas divinas.255
Para Spadaro, o ciberespao o lugar do dom. Ideias e conceitos como
compartilhamento de arquivos, software livre, opens source, creative commons, user generated
contente e rede social esto ligados a uma lgica de troca que beneficia as partes envolvidas,
desviando-se da ideologia capitalista do mximo lucro.256
Se o conceito de livre troca for analisado sob a perspectiva teolgica, apresenta alguns
problemas, j que a natureza da Igreja e a dinmica da Revelao seguem um modelo
hierrquico semelhante ao da comunicao de massa, que Pierre Lvy chama de Universal
253
SPADARO, A. Cybergrace, pos. 99, 27%.
254
GALOT, J. Graa. In: BORRIELO, L. Dicionrio de Mstica, p. 462-463.
255
HILBERATH, B. J. F. Doutrina da Graa. In: SCHNEIDER, T. Manual de dogmtica, p. 39-42.
256
SPADARO, A. Cybergrace, pos. 211, 58%.
81
Ser pessoa uma definio fundamental para tentar compreender a relao da Trindade
com os seres humanos e tambm para refletir sobre a dinmica da rede, entendida como tecido
de pessoas em relao. Os conceitos de pessoa e de comunho so correlatos e nunca se
transformariam em experincia viva para a humanidade sem a Igreja.
Ser Igreja ser comunho, j ser rede estar conectado com outras pessoas. Ambas as
realidades, Igreja e internet, baseiam seu existir na experincia de comunicao e de relao.
Por isso, Spadaro declara que Igreja e rede so duas realidades destinadas a se encontrar.260
Nesta seo se relaciona e interpreta estes conceitos importantes para a teologia trinitria e para
o desenvolvimento da ciberteologia, em especial, da cibergraa.
257
LVY, P. Cibercultura, p. 111-121.
258
SPADARO, A. Cybergrace, pos. 227, 63%.
259
Ibidem, pos. 236, 65%.
260
SPADARO, A. Ciberteologia, p. 24.
82
261
ZILLES, U. Pessoa e dignidade humana, p. 20-21.
262
A.E.L. Tertuliano. In: AUDI, R. (Org.). Dicionrio de Filosofia de Cambridge, p. 944.
263
PAVAN, A.; MILANO, A. (Org.). Persona e personalismo. Napoli: Dehoniana, 1987.
264
SESBO, B. Histria dos dogmas, p. 252-255.
265
ZILLES, U. Antropologia teolgica, p. 107.
83
266
ZILLES, U. Antropologia teolgica,, p. 108.
267
ZILLES, U. Pessoa e dignidade humana, p. 25-27.
268
Ibidem, p. 30-31.
84
pelos outros e nos outros. Ricardo de So Vitor define a pessoa sob a tica do amor, isto , a
personalidade se estabelece a partir da maneira como se ama. O Pai ama enquanto gera o Filho
e procedncia do Esprito; o Filho o receptor do Amor do Pai e participa do envio do Esprito
Santo; o Esprito santifica a humanidade com seu amor e a reconduz ao Pai.269
A contemporaneidade traz novos ares filosficos para a subjetividade e para a viso do
ser humano como pessoa. Destaca-se a importncia do personalismo francs e a filosofia dos
valores que carregam a perspectiva psicolgica, tica e social. Em especial, no sculo XX,
surgem filosofias de autores para os quais a comunho constitui a gnese do eu, tais como Max
Scheler, Ferdinand Ebner, Emanuel Mounier e Emmanuel Levinas.270 Tambm a filosofia
personalista existencialista, representada por pensadores como Soren Kierkegaard, Martin
Buber e Franz Rosenzweig, vai ajudar a definir o conceito de pessoa na contemporaneidade.
Estimado por muitos como o pai do existencialismo, Kierkegaard considerava o
cristianismo um modo de existir, ideia compartilhada por John Zizioulas na sua teologia
comunional que se ver mais adiante. Kierkegaard vislumbra o existir humano como um
processo inacabado no qual o indivduo responsvel por construir atravs de suas escolhas
uma identidade para si, um eu prprio. Paixo, deciso e reflexo so etapas fundamentais do
desenvolvimento do eu. As paixes constituintes do eu de uma pessoa so denominadas pelo
filsofo de interioridade ou subjetividade do indivduo. Nesse estudo sobre as paixes, ele
define e destaca como paixes relevantes o amor e a f, acontecimentos que precisam ser
formados e cultivados. Para ele, a f a ao de algum que deseja ser ele mesmo atravs de
uma relao transcendente com o poder criador. Ressalta tambm que a caridade crist deve ser
caracterizada pelo amor ao prximo, um amor fundamentado na relao com o Criador.271
A principal contribuio de Martin Buber, filsofo, telogo e lder poltico, foi a
reflexo sobre a relao Eu-Tu, desenvolvida na sua principal obra Ich und Du (Eu e
Tu).272 Essa relao entre o eu e o tu caracterizada pela abertura, pela reciprocidade e
por um intenso envolvimento pessoal. Assim, o Eu se encontra com o Tu, no como se estivesse
diante de um objeto a ser pesquisado, mas como algum diante da presena nica de algum
que se contrape ao Eu na sua individualidade. Trao importante do seu pensamento a rejeio
da concepo de pessoa como ser isolado e autnomo. Para este personalista existencial, a
realidade nasce entre pessoas no instante em que deparam umas com as outras, alterando-se
269
MOLTMANN, J. Trindade e Reino de Deus, p. 180-181.
270
ZILLES, U. Antropologia Teolgica, p. 109.
271
C.S.E. Kierkegaard, Soren Aabye. In: AUDI, R. (Org.). Dicionrio de Filosofia de Cambridge, p. 541-542.
272
SEE, K. Buber, Martin. In: AUDI, R. (Org.). Dicionrio de Filosofia de Cambridge, p. 100.
85
273
A.L.I. Filosofia Judaica. Ibidem, p. 391.
274
SEE, K. Rosenzweig, Franz. Ibidem, p. 820.
275
A.T.P. Levinas, Emmanuel. Ibidem, p. 562.
276
SUREKI, L. C. Ferdinand Ebner: Filsofo-telogo da Palavra. Perspectiva Teolgica, p. 103.
277
ZILLES, U. Antropologia teolgica, p. 110.
278
O'DONOHUE, J. Person als Vermittlung, p. 14.
279
BINGEMER, M. C. L.; FELLER, V. G. Deus-Amor, p. 22.
86
O nome de Deus significa presena e no distncia, YHWH: Eu sou aquele que est
a. Essa Revelao mostra que Deus se dissolve na realidade, ou melhor, a Trindade se faz
realidade histrica.280 Isso no quer dizer pantesmo ou tritesmo, mas panentesmo, isto , Deus
est em todas as coisas, mas maior do que tudo o que criou. Dessa forma, a Trindade pode ser
encontrada no cotidiano do prximo. Essa ideia leva a apreender atravs do silncio do Pai
acompanhando seu Filho crucificado que no so as palavras que importam, mas o estar a
com.
O trono da Misericrdia a cruz onde a paixo, a solidariedade e a condolncia divinas
se manifestam, onde o Filho entregue pelo Pai e o Filho se entrega ao Pai no Esprito Santo
pela humanidade. Na cruz do Calvrio manifestou-se o corao eterno da Trindade. Por isso,
a partir da cruz histrica sobre a terra que se deve remontar essncia do eterno, para assim
podermos reconhecer o prottipo divino.281 o ponto culminante da fidelidade de Deus. A
onipotncia divina sua prpria misericrdia, a capacidade de se entregar, se doar, se oferecer
pelo outro.
Logo, a substncia de Deus so as trs pessoas divinas que se reconhecem em cada
pessoa. A substncia divina comunho. O Ser comunho.282 O ser em si no acontece. Deus
poderia existir sem a humanidade. No entanto, se Deus amor, Ele comunicativo, criativo e
expressa sua liberdade fazendo existir outros seres livres diante de si.
Ser pessoas a substncia geral primeira, a realidade mais essencial do divino. O existir
de si mesmo no sozinho, s pode ser com o outro. A prpria existncia do divino supe a
alteridade, a constituio distintiva de ser Pai se d a partir do Filho. H aqui uma relao
originria. Cada pessoa divina participa da natureza divina no individualmente, mas juntos,
em comunicao. Ser pessoa participar da realidade do outro. Pessoa relao de amor, no
apenas entre dois, mas aberta ao terceiro. Numa boa relao deve haver uma clara distino
entre eu e tu, pois cada pessoa um ser novo e nico no mundo, chamado a realizar sua
singularidade. Deste modo, ser relao significa uma tendncia, abertura ou movimento para
um outro sem deixar, contudo, de ser ele mesmo.
Em suma, o conceito de pessoa hoje no mais unnime. A filosofia da pessoa que se
escolhe seguir vai nortear o modo de ser e agir no mundo, consciente ou inconscientemente. Se
no se est mais se reconhecendo como pessoa humana, porque se caiu no erro boeciano de
individualizao. Por exemplo, tenta-se restituir a personalidade perdida com Estatutos da
280
MOLTMANN, J. Trindade e Reino de Deus, p. 19.
281
MOLTMANN, J. Trindade e Reino de Deus, p. 45.
282
ZIZIOULAS, J. D. Being as Communion, p. 17.
87
Criana, do Adolescente, do Idoso, dos Deficientes Fsicos, instaurando-se uma guerra por
direitos de pequenos grupos ou indivduos. Assim, o que era universal foi transformado em algo
particular, despersonificando os direitos.
A teologia e filosofia da pessoa nunca se tornariam uma experincia viva para o ser
humano sem o mistrio da Igreja. Por isso, a comunho ser analisada juntamente com sua
dimenso eclesiolgica.
Por isso, a f na Trindade no se configura como uma parte da f crist, na verdade, ela
seu ncleo, a suma do Evangelho284, a fonte da qual brota todos os outros contedos
revelados. Para se pensar a f nos tempos da rede e edificar essa nova corrente teolgica sobre
a rocha, preciso resgatar o papel primordial da crena na Trindade.
Conforme Greshake, a f no Deus uno e trino no um enigma sem soluo ou uma
informao adicional, afastada da prxis cotidiana, ao contrrio, a expresso daquilo pelo que
se vive, se move e existe. Sendo assim, a f na Trindade altera tambm toda a atmosfera
espiritual na qual o ser humano est inserido.285 O termo latino communio traz dentro de si trs
conceitos: com (com algum), moenia (parede, muralha, delimitao: coloca em condies
283
HEMMERLE, K. Glauben wie geht das? Freiburg. Br.1978, p. 147. apud GRESHAKE, G. El Dios Uno y
Trino, p. 39.
284
BAUR, J. Die Trinittslehre alls Summe des Evangeliums, em: KuD22 (1976) 122-131. apud Ibidem, p. 41.
285
GRESHAKE, G. El Dios Uno y Trino, p. 39.
88
semelhantes, igualdade, solidariedade), mnus (encargo que se tem). John Zizioulas apreende
duas teses fundamentais elaboradas pelos Santos Padres:
286
ZIZIOULAS, J. D. Being as Communion, p. 18.
287
GRESHAKE, G. El Dios Uno y Trino, p. 222-223.
288
Ibidem, p. 224.
289
Ibidem, p. 226.
89
com os outros uma interao, entrelaa-se com eles formando um ns, a comunidade.
Comunidade significa sempre autenticidade e liberdade nas relaes: eu sou concreto para o
outro e o outro concreto para mim. As realidades pessoal e comunitria no so opostas entre
si, mas se condicionam e se complementam mutuamente. Quanto mais os seres humanos se
tornam pessoas, mais a comunidade se enriquece. Quanto mais a comunidade cresce, mais a
pessoa se plenifica.
Ligando comunho e sociedade, apreende-se como o jeito de ser da Trindade mostra
como vencer os desvios de conduta mais caractersticos da cultura contempornea: solido,
fechamento, indiferena, desperdcio, excluso e egosmo. O segredo da comunho est em ir
alm da simples diferena e unir as pessoas em comunidade. Logo, unidade e diversidade so
aspectos intrnsecos da comunho, pois em Deus no existe essncia que no dependa da
interao entre as pessoas divinas, isto , no existe pessoa divina que possa ser independente
da pericorese que a vincula com as outras.290
O Pai realiza seu prprio ser enquanto se d ao outro, ao Filho, possuindo assim sua
divindade s <<como dada>>, mas recebendo tambm justamente desse modo da
parte do Filho seu ser-pai; o Filho, enquanto recebe-se a si mesmo totalmente a partir
do Pai e lhe d glria; o Esprito, enquanto se recebe a si mesmo como o terceiro
a partir da relao entre o Pai e o Filho, glorificando a ambos. Dessa maneira, as trs
pessoas em Deus no tm a existncia autnoma numa oposio de uma a outra, se
no somente uma a partir da outra, junto a outra e para a outra.291
290
GRESHAKE, G. El Dios Uno y Trino, p. 228-229.
291
Ibidem, p. 231.
292
Ibidem, p.233.
90
fazer o exerccio de trocar em Joo1 a expresso Verbo por Amor para clarear o
significado:
Sendo assim, o Amor a luz do mundo (Jo 8, 12); o Amor o bom pastor: (Jo 10, 14-
17); o Amor veio para salvar e no para julgar (Jo 12, 44-50); o Amor o Caminho, a Verdade
e a Vida e ningum vem ao Pai a no ser pelo Amor (Jo 14, 6). Interessante que nessa passagem
Jesus diz vem ao Pai e no vai ao Pai. Isso significa que ele est junto do Pai, mesmo feito
homem nunca se separou da Trindade e demonstra tambm que a Trindade est no meio de
ns, de toda a criao.
Outros trechos de Joo ajudam a entender o sentido ltimo do amor, as consequncias
de sua vivncia ou de sua negao, como em Jo 12, 24: Se o gro de trigo que cai na terra no
293
Jo 1, 1-5;9-10; 14a.
294
GRESHAKE, G. El Dios Uno y Trino, p. 233.
295
Jo 6, 57-58.
91
morrer, permanecer s [solido, pecado, indivduo, inferno]; mas se morrer, produzir muito
fruto [amor, comunho, pessoas, vida, Trindade]. Continuando em Jo 12, 26: Se algum quer
servir-me, siga-me; e onde estou eu, a tambm estar o meu servo. Podemos tirar dessa
afirmao de Jesus, uma verdade fundamental expressa na recproca inversa do versculo: onde
est o meu servo, a tambm eu estou. Atravs da prpria Palavra de Deus se constata a
habitao do Senhor no ciberespao por meio dos seus discpulos. Como indica tambm Jo 13,
20: quem recebe aquele que eu enviar, a mim recebe e quem me recebe, recebe aquele que me
enviou.
Pelo amor, se reconhece quem verdadeiramente discpulo de Cristo (Jo 13, 34-35).
Todo o Jo 14, 15, 16 e 17 fala dessa relao amorosa entre as pessoas divinas e humanas. O que
as constitui como pessoas justamente o compromisso de amor e de corresponsabilidade entre
elas. A caridade o princpio e o fim de todas as coisas, tanto do bem comum, das relaes e
conexes na rede, quanto da comunho entre as pessoas e das pessoas com Deus.
O bem comum nasce da dignidade e dos direitos fundamentais das pessoas humanas. O
bem comum no se forma pela simples agregao dos bens individuais de um corpus social,
pois ele , igualmente, de todos e de cada um, comum e indivisvel, s alcanado na unio
dos membros da sociedade. Da mesma maneira que o agir moral individual se efetiva em fazer
o bem, o agir social pode chegar plenitude apenas na realizao do bem comum.296
Conexo um termo extremamente relevante no contexto social em rede, cujo sentido
a interligao ou relao de pessoas atravs de aparatos tecnolgicos. Conectar consiste no
ato de vincular uma parte outra e atravs dessa unio transmitir informaes, energia, objetos.
No que diz respeito internet, a conexo se constitui por meio de relaes interpessoais que
compartilham umas com as outras notcias, pensamentos, conhecimentos, interesses, isto ,
comunicam a si mesmas. Em suas Mensagens para o Dia Mundial das Comunicaes, Bento
XVI demonstra ter apreendido a importante distino entre conexo e comunho. A sociedade
digital est totalmente interconectada atravs das novas tecnologias de informao e
comunicao, de forma tecnolgica e muitas vezes superficial. Entretanto, isso ainda no
comunho.
A conexo fruto do nosso esforo e da nossa mediao. A comunho est num outro
nvel. Isso no significa que no possamos viv-la, ao contrrio, devemos viver a
comunho. Porm, s podemos colocar as condies para estabelecer comunho: abrir
os olhos, ouvidos, corao, mente. Mas a comunho, enquanto tal, dom do Esprito
296
IGREJA CATLICA. Compndio da Doutrina Social da Igreja, n. 164-165.
92
Esse chamado da sociedade enredada comunho j havia sido percebido por Bento
XVI e foi reiterado por Francisco. Porm, essa possibilidade se tornar realidade se a
humanidade hiperconectada preparar seu terreno interior para uma abertura ao Esprito Santo,
a fim de que Deus possa conceder o dom da comunho. Ao se afirmar que os seres humanos
so imagem e semelhana de Deus, se est dizendo que a humanidade foi moldada conforme o
estilo de vida que se vive no lar trinitrio. O mistrio da pessoa e da comunidade humana pode
ser compreendido no reflexo da Santssima Trindade. O ser humano obra inacabada, portanto,
imagem de Deus em formao. Nesse processo de formao do humano abre-se a possibilidade
do pecado e suas consequncias destrutivas para o homem e para o cosmos.298
A globalizao, que possibilita a interconexo de diversas caractersticas da vida
inserida em um vasto contexto universal, causou um impacto significativo na vida scio-
cultural e individual e um dos desafios mais urgentes do perodo histrico atual.299 Tambm
um sinal de que Deus sempre surpreendente, convidando ao ser humano a colaborar na
construo responsvel de uma nova humanidade.300
Estudos antropolgicos recentes voltam a enfatizar a unidade do ser humano, como a
gentica e a psicologia social. No entanto, a maioria das pesquisas contemporneas carece de
mencionar a dimenso transcendental. O materialismo e o idealismo afirmam a
homogeneidade radical do ser, reduzindo tudo matria ou ao esprito301. A transcendncia
demonstra a capacidade e a liberdade do ser humano para superar seus prprios limites, se abrir
para o novo da vida, sair de dentro de si para ir ao encontro dos outros.302 Sobretudo, a
transcendncia revela que o homem capax Dei e que Deus o significado primordial da
existncia humana e do mundo.
Edgar Morin fala em duas globalizaes que so interligadas e opostas.303 A primeira
notria: o desenvolvimento das comunicaes atravs das potentes tecnologias digitais, em
especial a expanso da internet mvel que permite a todos estar conectados com todos em quase
todos os lugares do mundo. No entanto, no se pode confundir comunicao com compreenso.
297
Conferncias e Seminrios ministrados por Antonio Spadaro no 4 Encontro Nacional da PASCOM, de 24 a
27 de julho de 2014, em Aparecida do Norte, SP.
298
ZILLES, U. Antropologia teolgica, p. 91.
299
Ibidem, p.88.
300
ESQUERDA, J. B. Misionologa, p. 167-168.
301
ZILLES, U. Antropologia teolgica, p. 92.
302
Ibidem, p. 93.
303
MORIN, E. et al. As duas globalizaes, p. 42-48.
93
[...] o Universo consumado (o Pleroma, como diz Paulo) uma comunho entre
pessoas (a Comunho dos Santos), necessrio que o nosso esprito expresse os laos
com o universo por meio de analogias sociais. [...] muitos telogos (mais temerosos
nisto do que So Paulo) no gostam de ver que se d um sentido muito realista s
conexes que religam os membros Cabea no Corpo mstico. [...] necessrio [...]
que ns percebamos, entre ns e o Verbo, a existncia de laos to rigorosos como os
que dirigem, no mundo, as afinidades dos elementos para a edificao de todos os
naturais.304
Deste modo, em cada alma, Deus ama e salva parcialmente o universo todo, que esta alma
sintetiza de forma pessoal e incomunicvel. Ao mesmo tempo, essa nova realidade lana um
desafio: as pessoas esto em condies de pensar todas juntas? A globalizao produz um plus
cognitivo de conhecimento. Para viver a experincia da catolicidade da Igreja a qual o ser
humano chamado, necessrio contextualizar, no somente globalizar. Vislumbrar no
exclusivamente as partes, mas a integralidade da realidade.
Edgar Morin acreditava que a humanidade est cada vez mais incapaz de raciocinar sobre
seu prprio mundo. Ele percebe a necessidade de uma reforma mentis que admita o
304
TEILHARD DE CHARDIN, P. O meio divino, p. 24.
94
Na era digital preciso descobrir um novo modo de ser Igreja. Por exemplo, o conceito
de prximo mudou. O meu prximo no ciberespao algum que est ligado minha rede, mas
pode estar a milhares de quilmetros de distncia. O nativo digital est aprendendo a amar o
seu link como a si mesmo.307 Isso acontece porque o conceito de "presena" tambm mudou.
O ambiente digital oportuniza uma presena distinta da presena fsica. Ambas so reais e
complementares entre si. As redes sociais so compostas por tramas de relaes entre pessoas.
A Igreja no pode ser equiparada a uma rede social, pois ela um "dom" e no somente um
ambiente onde se comunicam e se trocam mensagens.
A Igreja ultrapassa sua realidade material, presencial, institucional e humana. Seu
princpio e fim a Trindade, pois tem como objetivo unir Cristo intimamente a toda
humanidade, pelo Esprito. Portanto, a Igreja primordialmente comunho entre pessoas. O
Verbo fazer-se carne no ser humano obra do Esprito Santo. Deus pode habitar no interior
humano porque Esprito. Assim, o Esprito o fundamento de uma rede, Ele quem torna
possvel a comunho. A Igreja um organismo vivo, na medida em que mantm viva as suas
relaes interpessoais. O mistrio eucarstico s ocorre quando existe comunho no Esprito.
No momento em que as pessoas comungam, Deus as transforma em extenses da vida de Cristo,
e se tornam seu Corpo Mstico Real.
Assim, retorna-se a pergunta fundamental: Deus pode habitar no ciberespao? Apesar
das crticas que recebe, o ciberespao um lugar privilegiado para a busca e o encontro de Deus
nas e com as pessoas. O ciberespao a interface onde Deus pode chegar at ns, pois a
305
MORIN, E. et al. As duas globalizaes, p. 49-51.
306
ESQUERDA, J. B. Misionologa, p. 169.
307
SPADARO, A. Ama o teu link como a ti mesmo.
95
experincia espiritual acontece dentro de ns.308 Santo Incio de Loyola ajuda a entender a
presena de Deus em todas as coisas:
Considerarei como Deus est presente nas criaturas. Nos elementos, dando-lhes o ser.
Nas plantas, dando-lhes a vida vegetativa. Nos animais, a vida sensitiva. Nos homens,
a vida intelectual. Em mim, dando-me a existncia, a vida, a sensibilidade e a
inteligncia: e tendo-me criado imagem e semelhana de sua divina Majestade, fez
de mim um templo seu.309
Logo, a Trindade se exprime em tudo o que criou, do gro de areia ao ser humano, tudo
o que subsiste carrega um trao divino. De maneira particular e nica, o Filho de Deus encarna-
se na terra atravs da vida humana. Se a rede composta por pessoas em relao, no difcil
constatar como Deus habita no ciberespao. Na medida em que se vive com autenticidade a f
que Paulo confessou Eu vivo, mas j no sou eu que vivo, pois Cristo que vive em mim
(Gl 2, 20) assim, Deus vive na rede por meio de ns. O Esprito o prprio amor que procede
do Pai para o Filho, de Jesus para o homem e deste novamente para Cristo, acendendo uma
ligao to densa que se forma um s Corpo e um s Esprito com Ele. Destarte, Deus se faz
presente na internet atravs da Comunho do Esprito:
308
SILVA, A. A. Cibergraa, p. 510.
309
LOYOLA, I. Exerccios Espirituais, p.131.
310
MOLTMANN, J. A Fonte da Vida, p. 96-97.
96
mais importante busc-lo nas pessoas: A tradio e a memria do passado devem ajudar-nos
a ter a coragem de abrir novos espaos para Deus. [...] Tenho uma certeza dogmtica: Deus est
na vida de cada pessoa. Deus est na vida de cada um.311 Spadaro tambm acredita que a
presena de Deus no ciberespao no seja virtual, mas real, pois Jesus disse que onde dois ou
trs estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles (Mt 18, 20). Quando Cristo
afirma isso, ele no quer dizer que estar l com o seu avatar, mas estar presente realmente.
O problema que costumamos pensar que o processo comunicativo um processo virtual, no
atual, potencial, porm, no real. Eis aqui um desafio teolgico, justamente porque somente a
reflexo teolgica no confunde o virtual com o espiritual (informao verbal).312 Portanto, o
que espiritual no pode ser considerado virtual. Dessa forma, a teologia como ciberteologia
se torna modelo para se compreender a comunicao.
Concluindo
Vinho novo em odres novos (Mt 9, 17) No decorrer deste captulo, percebemos que
no a criao de estruturas novas que deixam as pessoas boas, preciso gerar pessoas novas
para uma estrutura social nova. O que acontece hoje na internet que se reproduz o homem
velho em moldes novos que acaba por romper o odre, isto , os seres humanos vo continuar
tendo um comportamento vicioso e pecaminoso na e atravs da rede. A web deveria ser o lugar
do novssimus de Deus, mas o potencial criativo do ciberespao foi podado por padres
restritivos que enquadram o agir, o ser, o expressar, o relacionar e o criar humanos dentro do
ambiente digital.
A internet, como o nome j diz, um entre ns. Ela est entre ns no para nos
separar, mas para nos unir. A internet chamada a ser uma ponte entre os seres humanos e
tambm entre Deus e os homens.313 No entanto, nota-se que ao mesmo tempo em que a graa
corre pelo fluxo de comunicaes e relaes na rede, o mal, que a negao da graa de Deus,
vai deixando um rastro de destruio no ciberespao, tecendo uma anti-rede, uma teia de
pecados, vcios e aberraes. Mas essa harmatiosfera no a verdadeira realizao da rede,
mas sua falsificao e deformao. Pois, se a rede, chamada para conectar, na realidade acaba
por isolar, ento est traindo a si mesma, o seu significado.314
311
SPADARO, A. Entrevista ao Papa Francisco, p. 16.
312
Conferncias e Seminrios ministrados por Antonio Spadaro no 4 Encontro Nacional da PASCOM, de 24 a
27 de julho de 2014, em Aparecida do Norte, SP.
313
SILVA, A. A. Cibergraa. Anais do IV Congresso da ANPTECRE, p. 511-512.
314
SPADARO, A. Ciberteologia, p. 61.
97
O ciberespao pode ser visto como um ecossistema de pessoas. Isso quer dizer que
possvel transformar a web numa biblioteca, num santurio, numa praa pblica, ou ainda num
lugar onde se pratica crimes, conforme as atitudes tomadas neste espao. Assim, fica clara a
urgncia da Igreja no somente em usar o meio, agir e se comunicar, mas em habitar no
ambiente digital, sendo cada cristo sinal da presena viva de Jesus na rede. O ciberespao pode
ser um solo fecundo para o amor e a comunho florescer. Alm disso, lgico que Deus queira
falar com seus nativos digitais no seu habitat natural. Dessa forma, a gerao net tem a misso
de descobrir a forma de espiritualidade caracterstica da rede.
Duas barreiras que bloqueiam a construo da comunho na rede so as muralhas do
egosmo e do coletivismo. A lgica da rede no pode se tornar nem uma lgica individualista
tampouco uma lgica massificadora, pois ambas destituem o ser humano da sua subjetividade,
transformando-os em fantoches dos prprios desejos ou da vontade dos outros. necessrio
por fim viso dualista e reunificar o esprito e a tcnica, a f e a cincia, a realidade fsica e
digital, a alma e o corpo. Na concepo teilhardiana, todos os seres humanos, Cristo e o mundo
fazem parte de um nico Meio Divino atravs do qual Deus quis atuar e se revelar. Portanto,
preciso redescobrir a dignidade do ser humano como pessoa e o papel da f crist nos tempos
da rede. Dessa forma Igreja como comunho, misso e evangelizao so as palavras-chave do
prximo e ltimo captulo dessa dissertao.
98
315
ESQUERDA, J. B. Misionologa, p. 64.
316
Ibidem, p. 65.
100
O telogo ortodoxo John Zizioulas afirma que o ser da Igreja comunho. Essa
concepo resgata o cerne e a relevncia profunda da Igreja na sociedade em rede. Para
Zizioulas, Igreja no apenas uma instituio, mas uma maneira de existir, um jeito de ser.
Segundo o autor, no instante em que a pessoa ingressa na comunidade eclesial pelo batismo,
torna-se imago Dei, isto , configura-se forma de ser e existir de Deus. Essa maneira de ser
no um feito moral pessoal, pois no se concretiza como evento individual, mas como
acontecimento eclesial. Ser Igreja possui um jeito de se relacionar com o mundo e com as
pessoas e, sobretudo, uma maneira de dialogar e unir-se a Deus. Logo, Assembleia
comunho.317
Entretanto, para a Igreja expor sua forma de existir, ela prpria deve se constituir como
imagem de Deus. Isto significa que o conjunto de seus ministros e pastores deve dar o exemplo
dessa vida espelhada na Triunidade. O ser de Deus apenas se revela nos relacionamentos de
amor entre pessoas. Portanto, o ser de Deus consiste em relacionalidade e sem a concepo de
comunho no se poderia pensar no ser divino. Para Zizioulas, no h autntico ser sem existir
comunho, logo, comunho constitui-se uma categoria ontolgica. No entanto, o ser verdadeiro
procede exclusivamente de pessoas livres que se amam gerando comunho.318 Ser significa
vida, e vida significa comunho319.
Portanto, a Igreja como comunho uma comunidade de irms e irmos de f que se
solidarizam com toda a famlia humana. De acordo com Esquerda, a misso da Igreja
estabelecer a comunho entre todos os seres humanos, fazendo com que a humanidade seja
famlia de Deus, na qual a plenitude da lei seja o amor (GS 32).320 Logo, sem a dimenso da
globalidade, a misso da Igreja deixaria de ser misso de Jesus321.
Para Spadaro, o desafio da Igreja no descobrir qual a melhor maneira de usar bem a
web para evangelizar, como muitos imaginam, mas como viver bem nos tempos da rede. Isto
significa que a Igreja precisa aprender a ser conectada com as pessoas e o mundo de forma
fluida, natural, tica e espiritual, vendo a internet como um ambiente repleto de vida.322
Papa Francisco na Evangelii Gaudium pede para sermos uma Igreja em sada, isto
, sair da prpria comodidade e ter a coragem de alcanar todas as periferias que precisam da
317
ZIZIOULAS, J.Being as communion, p. 15-19.
318
Ibidem, p. 17.
319
Ibidem, p. 16.
320
ESQUERDA, J. B. Misionologa, p. 167.
321
Ibidem, p. 170.
322
SPADARO, A. La fede nella rete delle relazione. La Civilt Cattolica, p. 259.
101
luz do Evangelho323. Essa exortao apostlica marca um novo jeito de ser Igreja. Na verdade,
resgata valores imprescindveis para a Igreja de Cristo, especialmente seu carter comunial e
apostlico. O documento tambm reafirma definies estabelecidas no Conclio Vaticano II
como Igreja, povo de Deus peregrina na histria.324
Atravs de obras e atitudes, o Santo Padre exorta a comunidade missionria a entrar na
vida diria das pessoas, a reduzir as distncias, a abaixar-se at humilhao se for preciso para
assumir a vida dos homens e mulheres, sentindo seus sofrimentos como os do prprio Cristo.
Aqui se capta outra imagem da Igreja em consonncia com o Vaticano II: Igreja, Corpo Mstico
de Cristo.325 No s os crentes, os ministros, os evangelizadores, mas a humanidade inteira faz
parte deste Corpo, portanto, se qualquer povo, grupo ou pessoa, independente de suas crenas,
esto em desigualdade e injustia, todo o Corpo sofre junto.326
A imagem da rede que liga digitalmente as pessoas do mundo inteiro uma tima
metfora para visualizar a Igreja como comunho de pessoas. No apenas como metfora
visual, mas o assumir a vida humana que Papa Francisco solicita aos fiis diz respeito tambm
a conviver onde as pessoas atualmente passam boa parte do seu tempo: nas redes sociais. Nelas
possvel tanto ver faces que resplandecem Jesus Ressuscitado quanto contemplar rostos que
transparecem a Cristo Crucificado. Em ambos os casos, possvel ter uma experincia mstica,
comungar das dores e das alegrias dos irmos e irms. Os evangelizadores contraem assim o
cheiro de ovelha, e estas escutam a sua voz.327 Essa afirmao remete a necessidade do
contato humano, de chegar junto, aproximar-se das pessoas, especialmente na comunicao
face a face, mas tambm na interao digital.
Outra figura da Igreja a de uma me de corao aberto que prega ao povo como uma
me fala ao seu filho, sabendo que o filho tem confiana de que tudo o que se lhe ensina para o
seu bem, porque se sente amado.328 Ou tambm pode ser vista como a casa paterna esperanosa
que conserva a Eucaristia como um remdio, um alimento, um banquete para celebrar o retorno
e a restaurao de seus filhos prdigos. Portanto, uma Igreja ad extra uma Igreja de portas
abertas. O Papa aconselha a reduzir as atividades, se for necessrio, para olhar nos olhos uns
dos outros e escutar, diminuir o passo para acompanhar queles que caram pelo caminho.329 A
Igreja chamada a ser perita em humanidade, conforme Francisco:
323
FRANCISCO. Evangelii Gaudium, n. 20.
324
IGREJA CATLICA. Lumen Gentium, n. 9.
325
Ibidem, n. 7.
326
FRANCISCO. Evangelii Gaudium, n. 24.
327
Ibidem, n. 24.
328
Ibidem, n. 139.
329
FRANCISCO. Evangelii Gaudium, n. 46-47.
102
[...] prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter sado pelas estradas, a
uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar s prprias
seguranas. [...] Se alguma coisa nos deve santamente inquietar [...] que haja tantos
irmos nossos que vivem sem a fora, a luz e a consolao da amizade com Jesus
Cristo, sem uma comunidade de f que os acolha, sem um horizonte de sentido e de
vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos
nas estruturas que nos do uma falsa proteco, [...] enquanto l fora h uma multido
faminta e Jesus repete-nos sem cessar: Dai-lhes vs mesmos de comer (Mc 6, 37).330
Ser Igreja significa ser povo de Deus [...] ser o fermento de Deus no meio da
humanidade; [...] anunciar e levar a salvao de Deus a este nosso mundo [...]. A
Igreja deve ser o lugar da misericrdia gratuita, onde todos possam sentir-se
acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida boa do
Evangelho.332
Outra anlise de Spadaro sobre a misso da Igreja nos tempos de Francisco diz respeito
a uma releitura da parbola da ovelha perdida. Segundo ele, hoje o quadro se inverteu: no so
as 99 ovelhas que permanecem no aprisco, mas apenas uma. Ele critica a atitude que muitos
membros da Igreja ainda tm de ficar penteando o pelo da nica ovelha que ficou ao invs de
sarem ao encontro das 99 que esto perdidas.333 isso que Papa Francisco quer dizer com a
cultura do encontro: misso da Igreja sair ao encontro da humanidade e fazer-se presente junto
330
FRANCISCO. Evangelii Gaudium, n. 49.
331
Formao dada por Antonio Spadaro aos consagrados, colaboradores e estudantes da Cano Nova ocorrida,
de 28 e 29 de julho de 2014, em Cachoeira Paulista, SP.
332
FRANCISCO. Evangelii Gaudium, n. 114.
333
Conferncias e Seminrios ministrados por Antonio Spadaro no 4 Encontro Nacional da PASCOM, de 24 a
27 de julho de 2014, em Aparecida do Norte, SP.
103
a ela. Diante dessa metfora, surge o conceito de uma Igreja lquida, isto , uma eclesiologia
que segue as correntes da gua Viva, a dinmica do Esprito inserida na cultura lquida.
Este discurso faz surgir algumas questes: Sobre o que se funda a Igreja? Sobre o
anncio do Evangelho e sobre as relaes eclesiais de comunho. No que se baseia a rede? Nas
334
Conferncias e Seminrios ministrados por Antonio Spadaro no 4 Encontro Nacional da PASCOM, de 24 a
27 de julho de 2014, em Aparecida do Norte, SP.
335
FRANCISCO. Evangelii Gaudium, n. 117.
336
JOO PAULO II. Christifideles Laici, n. 32.
337
PEDROSA, V. M. Catequese Trinitria. In: PIKAZA, X. (Org.). Dicionrio Teolgico O Deus Cristo, p.
149-150.
338
FRANCISCO. Evangelii Gaudium, n. 20.
339
SPADARO, A. Ciberteologia, p. 24.
104
mensagens comunicadas e nas relaes vividas. Ento, os dois pilares que fundamentam a
experincia da Igreja e da rede so a comunicao e a relao. Qual o papel da rede no plano
de Deus para a humanidade? Pois, no possvel que um fenmeno que envolve as pessoas de
maneira to ampla e profunda seja insignificante aos planos de Deus. A Igreja no deve estar
na rede simplesmente porque tem que ser moderna e atual. No essa pergunta que a Igreja
deve se fazer, mas: Como a rede pode contribuir para viver melhor a experincia de Igreja? Ou
melhor: Como a Igreja pode ajudar a humanidade a compreender e viver melhor a rede?
Portanto, no a rede que deve plasmar a viso da Igreja, mas a Igreja com seus dois mil anos
de sabedoria, de relao e de anncio pode auxiliar a rede a ser verdadeiramente ela mesma.
Assim, na opinio de Spadaro, essas duas realidades so chamadas a convergirem.340
Na viso de Antonio Spadaro, o Papa Francisco anuncia uma experincia de Igreja da
Amrica Latina que neste momento ganha uma funo histrica muito importante. O conceito
que melhor expressa a Igreja latino-americana a comunidade. Para Spadaro, essa experincia
viva da comunicao eclesial na Amrica Latina deve ajudar o mundo a compreender melhor e
a viver a experincia de comunho.341 Por isso, o prximo tpico abordar a nova evangelizao
nos tempos da rede, realizando uma comparao entre a situao da evangelizao dos
indgenas no Novo Mundo, Amrica Latina recm-descoberta, com a evangelizao dos nativos
digitais na era digital.
Por mais distante que parea, a missiologia do sculo XVI pode contribuir para
compreender o Novo Mundo digital que a humanidade vive. Este um mundo recm-
descoberto, que se deve observar, com seus nativos digitais que possuem comportamentos to
diferentes da civilizao anterior. Compara-se o panorama da descoberta da Amrica e dos
povos latino-americanos pelos europeus com a inveno da internet que transformou a realidade
a tal ponto que se pode dizer que as pessoas vivem em um novo mundo a ser desvelado,
interpretado, assimilado, com seus nativos, cultura e conhecimentos prprios.
A humanidade vive hoje um neopaganismo, um mundo ps-cristo, onde a populao
mundial aumenta e o percentual de cristos diminui. Atualmente, h tantos dolos que oferecem
340
Formao dada por Antonio Spadaro aos consagrados, colaboradores e estudantes da Cano Nova ocorrida,
de 28 e 29 de julho de 2014, em Cachoeira Paulista, SP.
341
Conferncias e Seminrios ministrados por Antonio Spadaro no 4 Encontro Nacional da PASCOM, de 24 a
27 de julho de 2014, em Aparecida do Norte, SP.
105
inmeros prazeres e satisfaes que o Deus de Jesus Cristo sofredor no atrai mais, at uma
contrapropaganda, pois num mundo hedonista e narcisista, no parece ter lgica pregar a
converso, a renncia de si mesmo. preciso entender essa nova realidade para perceber como
falar de Deus para o ser humano contemporneo e como atra-lo f crist.
Coincidncia ou no, assim como os membros de iMisin, o pioneiro na reflexo sobre
a misso no Novo Mundo, tambm era espanhol: o frei dominicano Bartolomeu de Las Casas.
Segundo frei Carlos Josaphat, Las Casas revela toda sua vida e mensagem na obra nico modo
de atrair todos os povos verdadeira religio.342 Acredita-se que a teologia da misso de Las
Casas no Novo Mundo, a qual resgata o mtodo apostlico, contribui na elaborao de uma
missiologia para o Novo Mundo digital, o ciberespao.
Bartolomeu de Las Casas nasceu na Espanha, em Sevilha, mas desde a infncia foi
tomado por uma paixo pelo Novo Mundo. Seu pai participou da segunda expedio de
Cristvo Colombo e trouxera presentes que contagiavam a famlia inteira com a curiosidade
pelas terras descobertas. Bartolomeu chega Amrica ainda jovem como um encomiendero.
o primeiro sacerdote ordenado em solo latino-americano. Sua converso ocorreu
posteriormente, em 1514, aos trinta anos de idade, sob a influncia de seus amigos dominicanos,
mas, sobretudo, por uma experincia mstica ao ler um trecho do Eclesistico durante a missa
de Pentecostes: oferecer a Deus os bens tomados dos pobres como imolar o filho diante dos
olhos do pai (Eclo 34, 19s). Tornou-se frade dominicano em 1527.
Em sua missiologia, Las Casas introduz o conceito de justia como princpio bsico da
evangelizao.343 Na raiz de seu projeto apostlico e social esto os objetivos de: constituir a
fraternidade entre os povos da Amrica e da Espanha com apreo e respeito mtuos; criar
comunidades que pratiquem a igualdade de direitos e a valorizao das diferentes culturas; unir
evangelizao e promoo da justia e da liberdade, de forma que os indgenas possam escolher
livremente crer em Cristo.
Essa nova evangelizao traz consigo um novo modelo de Igreja. Quando Las Casas
aceita tornar-se bispo de Chiapas em 1544, seu intuito viver e apresentar Igreja um novo
modelo de bispo voltado justia social e defesa dos mais pobres e desamparados. Conforme
frei Josaphat, o smbolo desse novo paradigma de Igreja e de autoridade eclesistica fazer de
342
Frei Carlos Josaphat coordenador geral e autor das introdues e notas da edio da obra de Bartolomeu de
Las Casas nico modo de atrair todos os povos verdadeira religio. JOSAPHAT, C. Suma de Teologia e de
democracia no alvorecer do novo mundo. In: LAS CASAS, B. nico modo de atrair todos os povos
verdadeira religio, p. 33.
343
JOSAPHAT, C. Sentido de Deus e do outro. In: LAS CASAS, B. nico modo de atrair todos os povos
verdadeira religio, p. 19-22.
106
Ao se deparar com algo novo, a tendncia humana ter medo, a resistncia mudana
ou ao diferente leva a criar rtulos e preconceitos quilo que no se conhece bem. Isso ocorreu
no descobrimento da Amrica, quando os europeus viram pela primeira vez os ndios e seus
hbitos. Os colonizadores adotaram uma postura confortvel e hipcrita, totalmente incoerente
com a f que professavam. Por ambicionarem mo de obra barata, eles queriam explorar as
riquezas das novas terras. Por isso, buscaram argumentos para chamar os indgenas de brbaros,
para afirmar que nem humanos eram e no tinham direito de supremacia sobre as terras,
tampouco sobre suas prprias vidas.
Na tentativa de convencer a corte espanhola de que o mtodo de colonizao e de
evangelizao utilizado pelos missionrios colonizadores era pecaminoso e injusto, Bartolomeu
tentou provar que os selvagens eram verdadeiramente humanos. Para isso, escreveu o tratado
de etnologia cultural Apologtica Histria Sumria que visava exaltar os ndios e sua cultura.
No nico modo, o autor tambm descreve algumas caractersticas destes povos latino-
americanos que demonstram qualidades humanas e at evanglicas.
344
JOSAPHAT, C. Sentido de Deus e do outro. In: LAS CASAS, B. nico modo de atrair todos os povos
verdadeira religio, p. 17.
107
Dessa forma, Las Casas foi pintando um imaginrio buclico sobre os indgenas, como
se o Novo Mundo fosse o paraso perdido e os ndios representassem a pureza humana
corrompida pelo pecado. Embora fosse uma imagem exagerada, isso ajudou a persuadir o reino
espanhol a rever seu procedimento com os povos da Amrica. Assim, ele ensina um passo muito
importante da evangelizao: a inculturao. preciso reconhecer as qualidades e virtudes que
se pode aprender com o outro e perceber os pontos de dilogo e de encontro entre as diferentes
pessoas, culturas e crenas. O frei dominicano argumentava que nica a espcie da natureza
racional dispersa por toda a face da terra em seus indivduos.346 Com isso, ele queria dizer que
todos eram seres humanos racionais independentemente da cor de pele, do povo, da raa e da
cultura a qual pertenciam. Assim, Las Casas defendia os direitos dos ndios e de todos os povos
justia, igualdade, propriedade e liberdade. Mas tambm o direito de todos de conhecer o
Evangelho e, por conseguinte, o direito de livre acesso e passagem de qualquer missionrio em
qualquer terra para anunci-lo.
Por causa desta ltima ideia, embora interessante, o pensamento de Bartolomeu era visto
como ingnuo, pois a maioria das tribos indgenas no tinha conhecimento desse direito de ir
e vir ou no dava a menor importncia a essa regra. Por isso, muitos missionrios cingidos
apenas com a Palavra de Deus foram assassinados pelos povos americanos sem ter professado
uma frase sequer sobre Jesus Cristo. No entanto, quando se pensa no ambiente digital, composto
por diversas tribos, culturas e lnguas, se nota o espao de uma nova humanidade em que
possvel adotar os princpios fundamentais do pensamento de Bartolomeu. Percorrendo o
caminho de humanizao que Las Casas usou para comprovar a humanidade dos ndios,
cidados de uma cultura to civilizada quanto a europeia, apenas distinta, se ir descrever quem
so os nativos digitais.
A gerao Y formada por jovens que nasceram entre 1980 e 2000, portanto, uma
gerao que cresceu em meio revoluo digital e entende a internet e as novas tecnologias de
comunicao como o ar que respira, como o ambiente e objetos mais naturais e corriqueiros de
sua vida. Tambm chamados de nativos virtuais, nativos digitais ou gerao net, tm
caractersticas, s vezes, contraditrias: questionadores, individualistas, informais, flexveis,
345
LAS CASAS, B. nico modo, p. 58.
346
Ibidem, p. 217.
108
ansiosos, impacientes, criativos, vivem com intensidade o presente, transitrios e ambguos nas
decises, medrosos, inseguros, necessitam de reconhecimento. Na opinio de Oliveira347,
mesmo adotando a individualidade como sua maneira de agir, essa gerao busca fortemente
expandir sua rede de relaes.
Um paradoxo criado por toda essa ampla tecnologia foi que, ao privilegiar a ao
individual e no a coletiva, os jovens Y desenvolveram uma necessidade de
compartilhar parte de sua vida por meio das redes sociais. A Gerao Y a mais
conectada da histria da humanidade e sabe usufruir de toda a tecnologia para obter
relacionamentos mais numerosos e intensos. O mundo para esses jovens muito
menor. As barreiras do idioma so facilmente superadas pela maior intimidade com
a lngua inglesa que amplamente utilizada na internet. 348
347
Sidnei Oliveira consultor, especialista em conflitos de geraes e na Gerao Y.
348
OLIVEIRA, S. Gerao Y, p. 67-68.
349
Don Tapscott autor de seis best-sellers, entre eles: Economia Digital e Gerao Net. presidente do conselho
administrativo da instituio de pesquisa Alliance for Converging Technologies.
350
TAPSCOTT, D. Gerao net, p. 2.
109
351
LVY, P. Cibercultura, p.111-121.
352
Ibidem, p. 118.
353
AVELLAR, V. L. Internet e espiritualidade, p. 60-62.
354
LVY, P. Cibercultura, p. 120.
110
virtudes e qualidades, uma natureza fluda em metamorfose, e acima de tudo, um ser em relao.
Portanto, qualquer tentativa de fechamento, concluso, rotulao, engessamento da pessoa
humana fadada ao erro, distoro de sua essncia.
Jaron Lanier critica a concepo ciberntica anti-humana de alguns filsofos e
pensadores da computao como Kevin Kelly e Chris Anderson que colocam a nuvem digital
acima da humanidade, como se os Bits fossem seres vivos e os seres humanos apenas
fragmentos temporrios. Lanier acredita que essa abordagem anti-humana uma das ideias
mais absurdas da histria, pois um computador nem chega a existir sem uma pessoa para
vivenci-lo.355 Por trs do processador de texto da Microsoft que busca saber o que queremos
criar, por exemplo, um recuo de pargrafo, est a filosofia de que o computador vai evoluir a
tal ponto que se mutar em uma forma de vida capaz de compreender as pessoas melhor do que
elas mesmas.356 Constata-se essa tentativa de adivinhar o desejo humano nas ferramentas de
pesquisa do Google, no qual, antes de a pessoa acabar de digitar a palavra-chave, o dispositivo
j completou o termo e mostra dezenas de resultados.
A fantasia em cima do universo digital est tomando propores de uma nova religio
das mquinas357, como Erick Felinto denomina. Lanier tambm comenta o fenmeno: se voc
quiser fazer a transio da antiga religio na qual espera que Deus lhe d uma vida aps a
morte para a nova religio, na qual espera se tornar imortal sendo carregado em um
computador, voc precisa acreditar que as informaes so reais e tem vida358. Essa
ciberutopia foi ilustrada recentemente no filme Transcendence359, em que a memria do
cientista repassada a um computador autmato e ocorre uma simbiose entre este e aquele,
fazendo com que o homem se torne presente em tudo o que estiver conectado rede.
Lanier argumenta que ao se negar a natureza especial da pessoa, acaba-se por reduzi-la
e conceber uma viso adulterada sobre ela. o que acontece na filosofia e cultura
computacionalista.360 Para diminuir as distores do ser humano na era ciberntica, o cientista
da computao prope um novo humanismo digital. Neste novo modelo, a inteligncia ou
construo do conhecimento no seria mais coletiva, mas comunitria, isto , formada por
pessoas identificveis e responsveis e no por uma massa de indivduos annimos.
355
LANIER, J. Gadget, p. 46.
356
Ibidem, p. 47-48.
357
FELINTO, E. A religio das mquinas: ensaios sobre o imaginrio da cibercultura.
358
LANIER, J. Gadget, p. 49.
359
PFISTER, W. Transcendence. Filme.
360
LANIER, J. Gadget, p. 231.
111
361
ASSEMBLEIA GERAL DA CNBB, 35, 1997, SP. Igreja e comunicao rumo ao novo milnio:
Compromissos e Concluses, n. 1.
362
SILVA, A. A. Teologia e comunicao digital. Anais do Congresso Estadual de Teologia, p. 81.
363
MCLUHAN, M. Os meios de comunicao como extenso do homem, p. 23.
112
Como diz Esquerda, nossa misso Algum, nossa misso amor.370 A Trindade
mesma mistrio de comunho e comunicao, portanto, comunho o novo rosto da misso.
O Documento de Puebla expe as trs verdades centrais nas quais a evangelizao se firma:
Cristo, a Igreja e o ser humano.371 Pela Imago Dei, a capacidade de comunicar-se constitutiva
do ser humano, sendo a primeira experincia que ele tem desde sua concepo, pois Deus
atravs dos pais comunica e gera a vida ao filho. Assim, o que determina a comunicao a
circunstncia de dilogo e de relao entre duas ou mais pessoas que exige uma participao
364
BOMBONATTO, V. I. Evangelizar comunicar, p. 16.
365
ESQUERDA, J. B. Misionologa, p. 66.
366
Ibidem, p. 74.
367
Ibidem, p. 67-68.
368
CELAM. Documento de Puebla, n. 1063.
369
RAMOS, M. Evangelizao e Liturgia. In: Dicionrio de liturgia, p. 424.
370
ESQUERDA, J. B. Misionologa, p. 4-5.
371
CELAM. Documento de Puebla, n. 166-169.
113
ativa e livre dos sujeitos em intercmbio.372 Spadaro explana como a era digital est
transformando a experincia comunicativa:
Graas ao blog, o jornalismo est passando de uma profisso a uma atividade humana.
A comunicao no um setor da pastoral, mas toda a pastoral deve ser comunicativa.
A comunicao tem carter profissional. Entretanto, se a nossa vida no comunica, a
estratgia no funcionar. Se a nossa vida pobre de vida, a nossa comunicao
tambm ser pobre. Se a nossa vida rica de paixo, energia e escuta, a nossa
comunicao ser rica (informao verbal).373
372
ZILLES, U. Desafios atuais para a teologia, p. 19.
373
Conferncias e Seminrios ministrados por Antonio Spadaro no 4 Encontro Nacional da PASCOM, de 24 a
27 de julho de 2014, em Aparecida do Norte, SP.
374
ZILLES, U. Desafios atuais para a teologia, p. 20.
375
BOMBONATTO, V. I. Evangelizar comunicar, p. 25.
376
MARTNEZ, F. D. Teologia da comunicao, p. 131.
114
Para ele, existe um hiato entre mundo teolgico e mundo real, mundo clerical e mundo do
povo.377
Comunicar a f humanamente impossvel.378 Entretanto, o intransmissvel
comunicado porque Deus mesmo quem sela a f no corao humano. De acordo com Manuel
Hurtado379, existem dois estgios da f que norteiam a ao evangelizadora: o antropolgico e
o teolgico. Ento, o percurso para descobrir a f em Jesus Cristo, atravessa antes a humanidade
da pessoa. Para Hurtado, evangelizar no significa transmitir contedos, mas estimular, criando
relaes e ambiente favorvel para que as pessoas passem a ter a f-confiana primeira de crer
na vida. Essa primeira etapa um itinerrio interior e pessoal que ningum pode transcorrer no
lugar de outro. Transmitir a coragem de ser a primeira tarefa evangelizadora.380 Jesus
quem faz passar da f antropolgica para a teologal.
Conforme So Paulo, a f entra pelos ouvidos (Rm 10, 17). Isto significa que tanto a f
na vida humana quanto a f em Cristo so instigadas por palavras de nimo e de
reconhecimento: Minha filha, a tua f te curou; vai em paz (Lc 8,48). A abertura da f nasce
do encontro pessoal com o homem Jesus de Nazar que provoca o desejo de segui-lo.381 Dessa
forma, evangelizar menos a difuso de ensinamentos e mais apontar um caminho de vida que
nos torna livres o prprio Cristo (Jo 14, 6). Uma peregrinao em companhia de outras
pessoas, como Spadaro explicitou no contexto da cultura digital:
Adentrar no mistrio de Deus condio para que essa transmisso ocorra, entendida
como o acontecimento da vida de Deus em mim.383 O conhecimento interno de Jesus384,
ensinado por Santo Incio de Loyola, pressupe um acontecimento teolgico interior que segue
377
ZILLES, U. Desafios atuais para a teologia, p. 20.
378
HURTADO, M. F e Seguimento. In: Itaici, p. 11.
379
Doutor em Teologia, Jesuta e Professor da Faculdade Jesuta de Filosofia e Teologia (FAJE) em Belo
Horizonte, MG.
380
HURTADO, M. F e Seguimento. In: Itaici, p. 13.
381
Ibidem, p. 12.
382
Conferncias e Seminrios ministrados por Antonio Spadaro no 4 Encontro Nacional da PASCOM, de 24 a
27 de julho de 2014, em Aparecida do Norte, SP.
383
HURTADO, M. F e Seguimento. In: Itaici, p. 15.
384
LOYOLA, I. Exerccios Espirituais, n. 15.
115
Acima j foi afirmado que a linguagem humana capax Dei pelo fato do Verbo ter se
feito carne e ter habitado entre os homens. Tambm foi visto que comunicar a Revelao Divina
uma ordem de Jesus aos seus seguidores. Porm, importante ressaltar que o Mistrio Divino
385
JOO PAULO II, Redemptoris Missio, n. 29.
386
BENTO XVI, Verbum Domini, n. 113.
116
inefvel e todas as formas humanas de expressar Deus so imperfeitas. Por isso, Bartolomeu
de Las Casas destaca a importncia da linguagem no anncio do Evangelho, o cuidado para que
o discurso seja brando, delicado, suave, sem deixar de ser atrativo, coerente, racional.387 Sobre
o risco de nossa linguagem reduzir ou distorcer o conhecimento de Deus, Clodovis Boff orienta:
[...] preciso ter bem claro, em teologia, que toda a linguagem incomensurvel
aos Mistrios. Todos os conceitos da f so assintticos: visam as realidades divinas,
sem nunca poder agarr-las e menos ainda abra-las. [...] Em epistemologia
teolgica, importa estar sempre alerta para resistir a tendncia reificadora e
mitologizante do discurso humano, tendo muito claro que tudo o que falamos de
Deus desproporcional, inadequado e imperfeito. 388
Assim, C. Boff aponta que o caminho mais seguro e mais utilizado na linguagem
teolgica a analogia. A linguagem analgica comparativa, buscando semelhana em
realidades distintas com o objetivo de compreender melhor alguma dimenso, no caso da
teologia, de Deus. Para comunicar o incomunicvel, a analogia fora de certa maneira os limites
da linguagem comum, como a querer transgredi-los. Por isso, a linguagem daquilo que se
encontra alm da linguagem, o modo de falar da existncia, do transcendente e do divino.
Atravs de conceitos e metforas, ela transfere significado da realidade emprica para a
realidade profunda, embora a diferena seja sempre maior que a paridade. O lao entre o
mundo da Criao e o mundo do Criador a relao de semelhana, justamente desvelada pela
analogia.389
Deus fala e se autocomunica. Porm, Deus mistrio, portanto, h coisas no ditas. Isso
significa que o silncio tambm comunica quem Deus. O mistrio se d e quer ser revelado
em Cristo que a plenitude da Revelao. O que seria do discurso ou da msica sem as pausas?
So elas que do ritmo comunicao. Analogamente, a teologia afirmativa precisa ser
combinada com a teologia negativa e a linguagem analgica com a linguagem apoftica. Da
mesma maneira, a teologia e a evangelizao no so fecundas sem o silncio da escuta e a
espiritualidade. Com isso, se quer dizer que as atitudes interiores e exteriores, mesmo
silenciosas, podem revelar o Deus no qual se cr. Assim pensava Las Casas quando exortava
que a ao dos missionrios devia ser coerente com seu discurso e, por isso, no era possvel
tolerar as injustias e a violncia contra os ndios.390
387
LAS CASAS, B. nico modo, p. 59.
388
BOFF, C. Teoria do mtodo teolgico, p. 314.
389
Ibidem, p.306.
390
LAS CASAS, B. nico modo, p. 164.
117
Assim, o Papa alerta que o risco mais grave da evangelizao prender-se a uma
formulao e acabar por perder o sentido substancial da mensagem crist. Na teologia da
pregao de Las Casas, percebe-se a importncia da retrica, arte de fazer uso de uma
linguagem capaz de alcanar uma comunicao eficaz e persuasiva.393 Assim como essa tcnica
391
SPADARO, A. Ciberteologia,p.37.
392
FRANCISCO. Evangelii Gaudium, n. 41.
393
LAS CASAS, B. nico modo, p. 78.
118
394
LAS CASAS, B. nico modo, p. 159-168.
119
profundezas da humanidade. Deve conter uma pregao humanizadora, isto , que toque a vida
diria, corriqueira, pequena, simples. Ao falar em evangelizao ciberespacial no pode ser
diferente. Se o ciberespao um lugar antropolgico, embora no fsico, ele j possui um ritmo
dirio, costumes e particularidades. Portanto, a evangelizao no ciberespao deve abarcar as
realidades da vida digital, extenso da realidade humana.
So Paulo j havia aprendido e Bartolomeu de Las Casas retoma, pelo mtodo
apostlico, que a evangelizao tem que se voltar interao, comunicao, justia, paz e
comunho. O apostolado para ser autntico necessita que o evangelizador esteja em profunda
comunho no Esprito a fim de levar os outros a essa comunho. Se eu vivo, mas j no sou
eu, Cristo que vive dentro de mim (Gl 2, 20), e estou conectado, o Verbo se faz bit. Ento,
possvel evangelizar no ciberespao, pois o prprio Deus a est e pode se automanifestar a
qualquer pessoa. Acima de tudo, preciso ter conscincia de que a luz de Cristo resplandece
atravs do testemunho da vida humana, em atitudes visveis e interiores, sejam elas on-line ou
off-line.
De acordo com o Documento de Aparecida, as novas linguagens da tecnologia so
capazes de revelar ou esconder o sentido divino da existncia humana.395 Pois, atravs das
TICs, as pessoas exprimem seus sentimentos, emoes e ideias. Olhar um perfil no Facebook
pode proporcionar uma experincia espiritual porque ali se refletem as dinmicas da vida
interior. Portanto, a vida interior e espiritual se exprime e se vive tambm na rede.
Retomando o assunto do ser humano como imagem de Deus, percebe-se a importncia
da linguagem fotogrfica nos tempos das redes sociais. Spadaro fez uma reflexo teolgica
sobre a fotografia num seminrio durante o 4 Encontro Nacional da Pastoral da Comunicao
(PASCOM). Na viso dele, a fotografia no um discurso, uma casa onde se pode entrar com
todo o seu ser, tudo aquilo que se . A fotografia permite colher significados simblicos, mas
no possvel compreend-la totalmente sem estar envolvido com a situao em que foi feita.
Uma pessoa descrente pode discorrer a partir de uma fotografia e expressar sentimentos de valor
espiritual. Para Spadaro, a fotografia um lugar de dilogo sem portas fechadas, nem muros,
mas com janelas que podem provocar o olhar das pessoas em direo ao Evangelho.
As fotografias expressam sentimentos, pensamentos, sensaes, recordaes, a
personalidade e a perspectiva do fotgrafo. O filtro para fotos chama-se instrumento de ps-
produo e seu uso cada vez mais frequente, especialmente pelos nativos digitais. So
utilizados para melhorar a imagem ou para dar um toque artstico. De acordo com Spadaro,
395
CELAM. Documento de Aparecida, n. 35.
120
quando se usa os filtros, se est tentando adequar a imagem da realidade imagem interior que
se tem. Outra funo da fotografia servir de viso ampliada da realidade. O telogo italiano
percebe que esta uma forma simples, mas potica, de colocar em sintonia a viso da realidade
com a viso da alma. Segundo Spadaro, o selfie nada mais do que a expresso do desejo
profundo de comunho com as pessoas, os lugares e os acontecimentos que so importantes
para a pessoa.396
No mundo digital, a fotografia perde sua funo de memria e adquire a funo de viso
ampliada da realidade e de relao, isto , de compartilhamento. Nosso corao e nosso
esprito esto envolvidos neste pequeno ato de fotografar. Vejam como a vida espiritual toma
forma no ambiente digital (informao verbal)397. Este ambiente onde se constri o imaginrio
humano deve ser cultivado com imagens reais. O jesuta alerta que, se a rede no se tornar o
espelho real da vida, as pessoas se tornaro esquizofrnicas.
Uma linguagem que desempenha um papel extremamente importante para a
evangelizao, especialmente para os jovens, a msica. Anteriormente a msica se
transformara na forma de os jovens expressarem seus sentimentos e rebeldias, se identificarem
formando tribos e resistirem ao sistema poltico-econmico. Portanto, a msica era a bandeira
do jovem. Atualmente, o jovem escuta msica o dia inteiro enquanto realiza outras atividades.
A juventude Y e Z no se restringe a um grupo ou estilo musical, mas possui um gosto mais
ecltico. Assim, a msica no mais a expresso do jovem, mas a trilha sonora de sua vida, o
som ambiente que acompanha suas experincias dirias. Uma pesquisa anterior mostrou que,
no campo da evangelizao, o que os jovens mais consomem de contedo cristo na internet
so as msicas de bandas e cantores catlicos.398
A linguagem ciberntica uma linguagem espiritual, pois, ao contrrio de Babel, o
ciberespao um ambiente em que pessoas de diferentes lnguas e culturas podem conversar,
compreender-se e at viver no esprito de comunho. Portanto, somos convidados a viver na
rede um novo Pentecostes atravs da comunho do Esprito399. Na sequncia ser revisto o
mtodo apostlico adotado por Las Casas, a fim de verificar em que ele pode contribuir para a
construo de uma teologia da misso na rede.
396
Conferncias e Seminrios ministrados por Antonio Spadaro no 4 Encontro Nacional da PASCOM, de 24 a
27 de julho de 2014, em Aparecida do Norte, SP.
397
Ibidem.
398
SILVA, A. A. Igreja e Cultura Digital, p. 97.
399
SILVA, A. A. Cibergraa. Anais do IV Congresso da ANPTECRE, p. 513.
121
[...] para que a razo investigue, indague e discorra com liberdade, e a inteligncia
livremente julgue e conhea qualquer verdade e a ela d sua firme adeso sob
comando da vontade [...], necessrio tempo, tranquilidade e sossego, e a razo e a
inteligncia ho de gozar de liberdade; a fim de que nem a razo em seu raciocnio,
nem a inteligncia em seu julgamento se vejam tolhidas por algumas das molstias e
inquietudes antes citadas. preciso tambm que a vontade em seus atos esteja de todo
isenta de qualquer violncia.403
Assim, Las Casas prope que, para mover a inteligncia dos indgenas de forma que
deem seu assentimento e adeso s verdades da f, a vontade precisa ser estimulada de um jeito
400
LAS CASAS, B. nico modo, p. 141.
401
Ibidem, p. 141.
402
AGOSTINHO. De praedestinationem Sanctorum 2, 5: PL 44, 963. Apud Ibidem, p. 67-68.
403
LAS CASAS, B. nico modo, p. 72.
122
doce e brando, com liberdade, gosto e amor. Las Casas reitera que a maneira de dirigir a criatura
racional ao bem, verdade, virtude, justia, f autntica e verdadeira religio deve ser
conforme ao modo, natureza e condio dessa criatura racional. Isto , delicado e suave,
como Bartolomeu acreditava que era a natureza humana, em especial, a ndole dos indgenas, a
fim de que espontaneamente a pessoa escute o que lhe proposto a respeito da verdade, da f e
da religio. Tudo isso ele sintetiza em sua tese fundamental:
Embora seja considerada por crticos, como Jos de Acosta, uma metodologia de
evangelizao ingnua, acreditamos assim como Las Casas, que o mtodo apostlico vlido
em todos os tempos e possui carter universal. De forma especial, no ciberespao, ambincia
em que existe liberdade de expresso e no h risco direto de martrio dos evangelizadores
como acontecia na Amrica recm-descoberta, o retorno ao mtodo apostlico pode ser uma
grande sada para a evangelizao digital.
No campo da ciberteologia, a evangelizao um dos temas mais abordados. Assim
como Bartolomeu de Las Casas utiliza no seu mtodo de evangelizao a retrica, Nadia
Delicata, doutora e professora de Teologia da Universidade de Malta, tambm busca utilizar o
mtodo retrico na prtica evangelizadora. No a concepo pejorativa da retrica como a arte
de mentir e enganar, mas como comunicao persuasiva que enaltece o testemunho autntico
de vivncia do Evangelho.405
No entanto, padre Antonio Spadaro alerta para seis mudanas no paradigma da ao
evangelizadora que a era digital impe e que demonstram a necessidade de ir alm do
tradicional anncio do Evangelho para viver uma profunda relao de reciprocidade e alteridade
com todas as pessoas humanas.
A primeira mudana consiste em passar de uma pastoral da resposta para uma pastoral
da pergunta. Spadaro acredita que em um mundo no qual tudo resposta, as pessoas deixaram
de se questionar. Consequentemente, no sabem quais so as perguntas importantes. Se
404
LAS CASAS, B. nico modo, p. 59.
405
DELICATA, N. Theology as Persuasive Communication, p. 13.
123
anunciar o Evangelho como o livro que contm todas as respostas, corre-se o risco da Palavra
de Deus se transformar em mais uma das milhares de opes de respostas que aparecem nos
stios de pesquisa como o Google. O jesuta adverte a entender a Bblia no como o livro das
respostas, mas o livro que condensa as questes mais importantes para a vida humana. Alm
do mais, o Evangelho no uma resposta fcil, por isso, necessrio aplainar o caminho para
a pergunta.
Observando a prtica eclesial, surgem questionamentos: A Igreja sabe envolver-se com
os dilemas e as indagaes dos seres humanos dessa poca? Sabe despertar as verdadeiras
questes enraizadas no corao humano? Diante dessas perguntas, Papa Francisco reflete que:
no preciso nunca responder as perguntas que ningum se faz [...] necessrio saber se
inserir no dilogo com os homens de hoje para compreender suas expectativas, dvidas e
esperanas.406 Neste contexto, preciso redescobrir e exercer o discernimento.407
A segunda transformao na prtica pastoral deixar de centrar-se em contedos para
se focar nas pessoas. Spadaro explica a diferena entre a dinmica da comunicao televisiva,
e o modelo de comunicao da internet. No paradigma televisivo existe uma programao e as
pessoas precisam adequar sua vida e seus horrios se quiserem assistir algum programa. Ou
seja, o contedo est no centro e as pessoas ao seu redor. Na lgica da internet acontece o
contrrio: no ncleo encontra-se a pessoa e milhares de contedos ficam orbitando ao seu redor
para ela escolher o que e quando desejar. A Igreja segue um padro semelhante ao da TV. Por
exemplo, o catecismo servia para apresentar o contedo da f de maneira organizada e coesa.
Na viso do telogo italiano, o modelo de comunicao est em crise e a Igreja, se no tornar
sua comunicao mais participativa, corre o risco de virar, assim como a TV, um rumor de
fundo que no toca a vida real das pessoas. Portanto, a mensagem sozinha no evangeliza, mas
sim a relao que se cria, a mensagem do Evangelho que se encarna.408
Spadaro expe que o terceiro desafio da ao evangelizadora passar de uma pastoral
da transmisso para uma pastoral do testemunho. Ele ressalta que a tcnica importante, mas
se o agente confia somente na tcnica e no planejamento, significa que no tem nada a dizer. O
jesuta italiano quer expressar com isso que os comunicadores no so tcnicos, mas pessoas
que trabalham com o esprito humano. Por isso, exige uma enorme responsabilidade. A escolha
406
FRANCISCO. Evangelii Gaudium, n. 155.
407
SPADARO, A. Os seis principais desafios da comunicao digital para a pastoral. Disponvel em:
<http://www.cyberteologia.it/2014/11/le-6-grandi-sfide-della-comunicazione-digitale-alla-pastorale/>. Acesso
em: 07 de nov. de 2014.
408
GALVAN, K; ALVES, A. Os 6 desafios para o anncio da f no mundo digital, segundo padre Spadaro.
Disponvel em: < http://noticias.cancaonova.com/os-6-desafios-para-o-anuncio-da-fe-no-mundo-digital-
segundo-pe-spadaro/>. Acesso em: 07 de ago. de 2014.
124
errada de uma imagem, de uma palavra, de um gesto causa impacto sobre as pessoas. Em outras
palavras:
Assim como um pianista profissional no fica olhando para as teclas quando toca, mas
presta ateno naquilo que est tocando, vive a sua msica, assim voc deve ser um
comunicador to bom que no se preocupa mais com a tcnica, mas com a mensagem
que est comunicando, com as pessoas que esto a recebendo, voc vive a mensagem
(informao verbal).409
Isso significa que o evangelizador est sempre diretamente envolvido com aquilo que
comunica, pois palavras so palavras, s a vida testemunha o Evangelho (informao
verbal)410. Dessa forma, o cristo imerso nas redes sociais chamado a uma desafiadora
autenticidade de vida. Conforme o Documento de Aparecida: A misso no se limita a um
programa ou projeto, mas compartilhar a experincia do acontecimento do encontro com
Cristo, testemunh-lo e anunci-lo de pessoa a pessoa, de comunidade a comunidade.411
A quarta medida transformar a pastoral da propaganda na pastoral da proximidade.
No por acaso que Papa Francisco na Mensagem para o Dia Mundial das Comunicaes ps
o bom samaritano como o exemplo do bom comunicador. Em sua entrevista concedida a
Pe. Antonio Spadaro segue: Vejo com clareza [...] que aquilo de que a Igreja mais precisa hoje
a capacidade de curar as feridas e de aquecer o corao dos fiis, a proximidade.412 Na
Evangelii Gaudium, o Santo Padre pede aos fiis que adentrem profundamente na realidade
humana e insiram-se no cerne das dificuldades como fermento de testemunho em todas as
culturas.413 Ele tambm solicita que os cristos levem o Evangelho a todas as pessoas com quem
se encontram no dia-a-dia, sejam elas conhecidas ou desconhecidas, estejam elas nas ruas ou
nas redes sociais. Nesta evangelizao, o Papa ensina que se deve primeiro ter uma conversa
pessoal e somente depois anunciar aquilo que fundamental: o amor de Deus por cada um.414
Portanto, evangelizar, como Jesus agiu com os discpulos de Emas, inserir-se na conversa
dos outros, enturmar-se, aproximar-se da realidade das pessoas, escutar suas dvidas e
angstias, compadecer-se de seus sofrimentos. Pois, como Las Casas dizia, Papa Francisco e
409
Formao dada por Antonio Spadaro aos consagrados, colaboradores e estudantes da Cano Nova ocorrida,
de 28 e 29 de julho de 2014, em Cachoeira Paulista, SP.
410
Formao dada por Antonio Spadaro aos consagrados, colaboradores e estudantes da Cano Nova ocorrida,
de 28 e 29 de julho de 2014, em Cachoeira Paulista, SP.
411
CELAM. Documento de Aparecida, n. 145.
412
SPADARO, A. Entrevista ao Papa Francisco, p. 10.
413
FRANCISCO. Evangelii Gaudium, n. 75.
414
FRANCISCO. Evangelii Gaudium, n. 127-128.
125
Bento XVI j citaram em suas homilias e o Documento de Aparecida relata: a Igreja cresce por
atrao e no por proselitismo.415
O quinto desafio da comunicao digital para a pastoral enfatizar menos as ideias e
contar mais histrias. A sociedade digital d alta relevncia s histrias. Todo o contedo que
se posta, se curte e se compartilha nas redes sociais compe uma histria. Algumas plataformas,
como o Storify, realizam essa montagem. Spadaro pensa que as pessoas gostam de olhar as
atualizaes do perfil de um amigo porque se sentem prximas e envolvidas na histria dele,
isto , interagem e experimentam subjetivamente aquela narrao.416 Conforme Bento XVI, o
testemunho cristo no se faz com o bombardeamento de uma mensagem religiosa, mas com a
vontade de doar-se a si mesmo aos outros atravs da disponibilidade de envolver-se
pacientemente e com respeito nas perguntas e dvidas que as pessoas possuem, para
compreender seus pensamentos, dvidas e esperanas.417
Para Francisco, atravs da narrao se pode chegar ao discernimento espiritual, isto ,
pode-se buscar e encontrar a Deus, mais do que por explicaes filosficas ou teolgicas, que
levam apenas a discusso de ideias. Deus no se encontra nas ideias que se debatem, mas se
encontra na histria, na vida de cada ser humano. Do contrrio, corre-se o risco de tornar a
mensagem crist uma ideologia entre tantas outras.418 Portanto, nossas histrias compartilhadas
nas redes sociais tm uma densidade espiritual. Evangelizar na rede testemunhar com as fotos
que so colocadas, com seu sorriso, com a sua prpria vida em Cristo. O Evangelho no uma
mensagem abstrata, ele s compreendido atravs de uma vivncia concreta.
O sexto e ltimo desafio elencado por Spadaro que a vida interior tambm precisa
tornar-se interativa. Desde o incio da internet vrios pesquisadores e socilogos se detiveram
a estudar o fenmeno religioso no ciberespao e perceptvel que a busca de Deus ou de alguma
forma de espiritualidade no ambiente digital cresce a cada dia. A oferta de religiosidades e
msticas no ciberespao tambm est cada vez mais diversificada. Diante deste panorama,
Spadaro alerta para o risco de banalizar o sagrado e de transformar a web num hipermercado
religioso, como se o transcendente estivesse distncia de um clique.419
No entanto, no se deve ignorar esse potencial espiritual que a internet proporciona, em
um ambiente onde o ser humano pode exprimir o seu ser espiritual. Como j foi dito, a internet
415
CELAM. Documento de Aparecida, n. 159
416
SPADARO, A. Os seis principais desafios da comunicao digital para a pastoral. Disponvel em:
<http://www.cyberteologia.it/2014/11/le-6-grandi-sfide-della-comunicazione-digitale-alla-pastorale/>. Acesso
em: 07 de nov. de 2014.
417
BENTO XVI. Mensagem para o 47 Dia Mundial das Comunicaes Sociais, 2013.
418
SPADARO, A. Entrevista ao Papa Francisco, p. 16.
419
SPADARO, A. La fede nella rete delle relazione. La Civilt Cattolica, p. 260.
126
no um lugar frio, feito somente por cabos e peas metlicas, mas quente. Na expresso de
Papa Francisco, um lugar rico em humanidade. A relao de amizade cultivada atravs das
interaes via redes sociais so o melhor exemplo do calor humano presente na internet. O
ciberespao a ambincia privilegiada para tornar prximos queles que esto longe, vencendo
as barreiras espao-temporais.
Se se acredita que a espiritualidade abarca a relao do homem com sua histria, deve-
se acolher que a rede parte integrante dessa experincia histrica. Espiritualidade remete
interioridade e vida interior parece uma experincia interna e pessoal, somente entre Deus e a
pessoa. Porm, a cultura digital lana o desafio de viver uma espiritualidade interativa, como o
Papa Francisco explica: [...] o ser humano est sempre culturalmente situado [...]. A graa
supe a cultura, e o dom de Deus encarna-se na cultura de quem o recebe.420
O ser humano do sculo XXI, acostumado interatividade, interioriza a experincia se
capaz de tecer uma relao viva com ela, no meramente passiva e receptiva. Os jovens de
hoje se no interagem, no fazem a experincia. Por essa razo, necessrio buscar o
equilbrio entre ao contemplativa e contemplao ativa, construindo vida interior interativa.
Pois, a comunho do Esprito exige nossa participao.
[...] pela operao sempre em curso da Encarnao, o Divino penetra to bem nossas
energias de criaturas que no poderamos, para encontr-lo e abra-lo, achar um meio
mais apropriado que nossa prpria ao. [...] Na ao, primeiramente, eu realizo minha
adeso potncia criadora de Deus; [...] eu me torno no somente o instrumento, mas
o prolongamento vivo dela. E como no h nada mais ntimo em um ser do que sua
prpria vontade, eu me confundo, de alguma maneira atravs do meu corao, com o
prprio corao de Deus.421
420
FRANCISCO. Evangelii Gaudium, n. 115.
421
TEILHARD DE CHARDIN, P. O meio divino, p. 29-30.
422
SPADARO, A. Os seis principais desafios da comunicao digital para a pastoral. Disponvel em:
<http://www.cyberteologia.it/2014/11/le-6-grandi-sfide-della-comunicazione-digitale-alla-pastorale/>. Acesso
em: 07 de nov. de 2014.
127
CONCLUSO
423
COBB, Jennifer. Cybergrace, p. 19.
424
FRANCISCO. Mensagem para o 48 Dia Mundial das Comunicaes Sociais: Comunicao a servio de
uma autntica cultura do encontro.
128
425
REPUBBLICA.IT. Facebook, droni solari per connettere l'Africa. Sfida nei cieli con Google. Disponvel
em:< http://www.repubblica.it/tecnologia/2014/03/04/news/facebook_droni_per_connettere_l_africa-
80201797/>. Acesso em: 25 de jan. de 2015.
129
comunicao em si, mas a vida hipercomunicativa que existe em nvel global na civilizao
contempornea. A ciberteologia tambm no se enquadra em uma teologia de cima para baixo
ou de baixo para cima. Ela possui a dinmica prpria da cultura digital, a peer-to-peer, isto ,
de n a n, de pessoa a pessoa. Mais do que horizontal, a ciberteologia segue a dinmica do
hiperlink, para dentro e para fora, para frente e para traz, em todas as direes. Portanto, a
ciberteologia tem mais facilidade em dialogar e compreender o ser humano hipermoderno, pois
est inculturada na lgica da sociedade em rede.
Paralelamente, no estudo sobre o pecado e a manifestao do mal na internet, verificou-
se a existncia de uma anti-rede. Ou seja, os pecados pessoais cometidos, divulgados e
compartilhados no ciberespao vo formando uma estrutura pecaminosa que degenera os
membros e a prpria rede, causando vcios, crimes, outros pecados, isolamento e massificao.
Entretanto, a rede expressa a vida como ela , com isso, faz o ser humano confrontar-se com as
trevas e luzes da realidade humana. Assim, as caractersticas da rede fazem com que os pecados
nela cometidos e compartilhados, ganhem maior visibilidade e impacto social. Todavia, os
pecados no ciberespao no so causados pela rede em si, mas pela falta de equilbrio de vida
e falha das geraes anteriores na formao da gerao net.
Enquanto as geraes precedentes consideram falsas as amizades virtuais, a gerao Y
a superestima. Isso gera efeitos negativos, pois, se tudo o que se faz na rede falso, ento, pode
se agir sem escrpulos. O problema est na compreenso da comunicao como um processo
meramente virtual, mas no real, e tambm a concepo de presena real como algo apenas
fsico. A teologia que entende que o espiritual no virtual, mas real, pode ajudar a humanidade
a apreender a dinmica da vida e comunicao digital.
Apesar do crescimento das variaes de pecado proporcionadas pela web, o ciberespao
capax Dei, pois Deus est onde se encontra a pessoa humana. Assim, confirmamos a
expresso de Moiss Sbardelotto: o Verbo se fez bit. Quando se pensa o ser humano no
ciberespao muitos imaginam uma desencarnao. Na verdade, misso de todos fiis uma
encarnao no ambiente digital, desenvolvendo uma presena autntica e acolhedora para o
novissimus de Deus que est se manifestando atravs da internet. Por isso, dever da Igreja
fundar comunidades de verdadeira compaixo como sinais sacramentais do Deus compassivo
e de seu Reino. Onde h compaixo e amor, a Deus est.426
A definio de comunho auxiliou na compreenso do chamado universal dessa rede de
pessoas, isto , da humanidade inteira, a participar do ritmo do amor trinitrio. Tambm a
426
BORGMAN, Erik; VAN ERP, Stephan. Qual mensagem o meio? Reflexes conclusivas sobre Internet,
religio e tica da conectividade mediada. Concilium, p. 128.
130
eclesiologia de comunho ajudou a apreender a relao que deve ser cultivada entre a Igreja e
a rede. Alm disso, a internet contribuiu no entendimento do verdadeiro significado da misso
de evangelizar. Evangelizao no o anncio de uma doutrina ou o esforo de convencer os
contemporneos das verdades em que se acredita, mas o testemunho pessoal de uma relao
profunda e autntica com Algum que est vivo e prximo, Jesus Cristo. Evangelizar
comunicar, mas no uma comunicao de mo nica, mas um dilogo que gera uma relao de
amor entre as pessoas, convidando-as a fazer a experincia da comunho com Deus. Assim,
evangelizar muito mais do que propagar a Boa Notcia, viver essa relao de comunho com
Deus e com toda a humanidade no amor.
Ento, onde abundou o ciberpecado, superabundou a cibergraa. Mais ainda, a
internet dom de Deus e possui um potencial para facilitar a comunicao, a relao e a
comunho entre as pessoas na era digital. A espiritualidade que emerge da rede, portanto, a
mstica prpria dos nativos digitais a comunional. Essa vida hipercomunicativa e conectiva
que as novas tecnologias disponibilizaram manifesta o desejo arraigado no corao de cada ser
humano por proximidade, contato, amor, comunho com todo o gnero humano e com Deus.
isso que se define por cibergraa: a comunho entre as pessoas nos tempos da rede.
131
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