Ensino de Repertórios Requisitos e Os Efeitos Sobre Comportamentos Incompatíveis

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http://dx.doi.org/10.23925/2594-3871.

2018v27i2p377-400

Ensino de repertórios requisitos e os efeitos


sobre comportamentos incompatíveis com
aprendizagem em crianças com Transtorno
do Espectro Autista
The teaching of repertoires and its effects
on behavior incompatible with learning in children
with on the Autism Spectrum Disorder
Enseñanza de repertorios requisitos y los efectos
sobre comportamientos incompatibles con el aprendizaje
en niños con Trastorno del Espectro Autista

Barbara Trevizan Guerra*


Ana Cláudia Moreira Almeida-Verdu**
Bruna Pessenda***
Maria Fernanda Cazo Alvarez***

Resumo
Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) podem apresentar déficits
significativos no repertório básico requisito para receber programas de ensino
e se engajar com frequência em comportamentos repetitivos e inadequados.
Considerando-se que tais comportamentos são incompatíveis com o ensino e
resultam em consequências negativas, sejam sociais e/ou acadêmicas, esta
pesquisa teve por objetivo ensinar sistematicamente operantes requisitos,
como sentar, permanecer sentado, olhar, imitar, imitação generalizada e
rastreamento visual para duas crianças com TEA, e verificar o efeito do proce-
dimento sobre os comportamentos inadequados e estereotipias. Os resultados

* Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Apren-


dizagem pela Unesp Bauru. E-mail: [email protected]
** Professora assistente doutora da Unesp Bauru, Membro do Instituto Nacional de Ciência
e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino.
*** Graduada em Psicologia pela Unesp – Bauru.

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demonstraram que um participante aprendeu todos os comportamentos alvo de


ensino enquanto o outro não atingiu o critério de aprendizagem em imitação.
Houve redução dos comportamentos incompatíveis com a aprendizagem,
logo após a introdução das contingências para os comportamentos de ensino,
para ambos. Os resultados demonstram a aquisição de repertórios requisitos
importantes em crianças com TEA severo e demonstram que a redução de
comportamentos incompatíveis com aprendizagem pode ocorrer mediante
ensino de comportamentos desejados.
Palavras-chave: Transtorno do Espectro do Autismo; instrução programada;
problemas de comportamento.

Abstract
People with Autism Spectrum Disorder (ASD) may have significant deficits
in basic repertoire to accept teaching programs and may engage frequently
in repetitive and inappropriate behaviors. Considering that such behavior is
incompatible with learning and results in negative consequences, whether
social and/or academic, this study aimed to systematically teach operational
requirements such as sit, stay seated, look, imitation, generalized imitation and
visual tracking to two children with ASD, and check the effect of the procedure
on the inappropriate and stereotypical behavior. The results demonstrated
that one participant learned all the target behavior that was taught whilst the
other participant did not reach the learning criterion in imitation. There was
a reduction of behavior incompatible with learning after the introduction of
the contingencies for teaching behaviors for both. The results demonstrate the
acquisition of important repertoire requirements in children with severe ASD
and show that the rebate of incompatible behavior with learning is possible
through the teaching of desired behaviors.
Keywords: Autism Spectrum Disorder; programmed instruction; behavior
problems.

Resumen
Las personas con Trastorno del Espectro Autista (TEA) pueden presentar
déficit significativo en el repertorio básico necesario para recibir programas de
aprendizaje formal, presentando con frecuencia comportamientos repetitivos
e inadecuados. Considerando que tales comportamientos son incompatibles
con el sistema formal de educación, trayendo consecuencias negativas, ya
sean sociales e/o académicas. La presente investigación tuvo como objetivo
enseñar sistemáticamente operantes requisitos, como sentarse, permanecer
sentado, mirar, imitar, imitación generalizada y rastreo visual para dos niños
con TEA, y verificar el efecto del procedimiento sobre los comportamientos
inadecuados y estereotipias. Los resultados demostraron que uno de los
participantes aprendió todos los comportamientos propuestos mientras que

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el otro no alcanzó el criterio de aprendizaje en el quesito imitación. En ambos


participantes hubo una reducción de los comportamientos incompatibles
con el aprendizaje después de la introducción de las contingencias para los
comportamientos enseñados. Los resultados demuestran la adquisición de
repertorios necesarios en niños con TEA grave y demuestran que la reducción
de comportamientos incompatibles con el aprendizaje puede ocurrir mediante
la enseñanza de comportamientos deseados.

Palabras-clave: Trastorno del espectro autista, enseñanza programada,


Problemas comportamentales.

Indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresentam


prejuízos diversos nas áreas de Comunicação/Interação Social e Padrões
restritos e repetitivos de comportamento, interesse ou atividade (American
Psychiatric Association, 2013). Tais prejuízos podem estar relacionados com
ausência de repertórios requisitos para receber programa instrucional, que
vão desde permanecer sentado a seguir instruções do mediador.
A aquisição de repertórios requisitos é elementar para a apren-
dizagem de pessoas com atraso no desenvolvimento (Lovaas, 1977) e é
condição para que repertórios mais complexos possam ser ensinados. Para a
aprendizagem da nomeação, por exemplo, um requisito é o comportamento
de ouvinte relacionado ao seguimento de instruções por antecedentes vocais
(Greer, Stolfi, Chavez-Brown, & Rivera-Valdes, 2005). Em casos em que
repertórios prévios estão ausentes, é necessário que condições de ensino
sejam planejadas (Nunes, 1992).
A partir das contribuições da Análise do Comportamento Aplicada
(ACA) (ciência dedicada ao estudo do comportamento humano socialmente
relevante por métodos científicos) (Cooper, Heron, & Heward, 2007), e
principalmente após a publicação do trabalho de Lovaas (1987), pesquisas
e manuais têm sido desenvolvidos para ensinar repertórios requisitos para
pessoas com TEA.
Frequentemente o ensino de repertórios básicos e complexos para
pessoas com TEA é realizado por tentativas discretas (Vandbakk, Arntzen,
Gisnaas, Antonsen, & Gundhus, 2012; Varella, 2009). O ensino por tenta-
tivas discretas é o método pioneiro empregado nos estudos para realizar

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intervenções comportamentais e apresenta sua eficácia comprovada (Eike-


seth, Smith, Jahr, & Eldevik, 2007). Uma tentativa discreta consiste na
apresentação de um estímulo discriminativo, seguido pela oportunidade
para emissão da resposta alvo (com uso de ajuda quando necessário), no
fornecimento da consequência programada para acertos e erros, intervalo
entre as tentativas e registro dos dados. É importante ressaltar que a ajuda
é esvanecida do ensino para que o aluno possa responder de forma inde-
pendente na presença do estímulo discriminativo (Dib & Sturmey, 2007).
O ensino por tentativas discretas é uma ferramenta que maximiza
a aprendizagem e pode ser utilizada para ensinar diversos repertórios
como imitação, seguir instrução e comunicação em populações de todas as
idades e condições de desenvolvimento (Ghezzi, 2007). Como um exemplo
de um ensino por tentativa discreta e comportamentos requisitos, está o
estudo de Varella (2009). O autor realizou uma pesquisa, sendo que um
dos objetivos foi ensinar matching de identidade visual e testar identidade
generalizada, para cinco participantes do sexo masculino com TEA grave
e moderado. Os resultados demonstraram que quatro participantes atin-
giram o critério de ensino e obtiveram resultados satisfatórios no teste de
identidade generalizada.
Um outro exemplo de ensino de comportamentos requisitos é o
estudo de DeQuinzio, Townsend, Sturmey, e Poulson (2007), que conside-
raram a imitação como operante essencial para aprendizagem da linguagem,
e realizaram um treino com três crianças com TEA que demonstraram na
linha de base taxas baixas de imitação de modelos faciais. Após o ensino,
que consistiu em ensinar imitações faciais por modelagem, com utilização de
ajuda, reforçamento diferencial e correção de erros, todos os participantes
aprenderam a imitar alguns dos modelos apresentados.
Dentre alguns desafios encontrados no ensino de pessoas com TEA
estão os excessos comportamentais, sendo frequentemente apresentados
comportamentos inadequados e estereotipias. Em uma pesquisa realizada
por Jang, Dixon, Tarbox, e Granpeesheh (2011), os autores analisaram os
dados de 84 crianças com TEA que recebiam intervenção comportamental

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precoce e os resultados indicaram que 94% da amostra apresentou compor-


tamentos desafiadores, sendo os comportamentos estereotipados os mais
comumente relatados.
As estereotipias são comportamentos repetitivos que podem produzir
estimulação visual, auditiva, vestibular e tátil, e podem refletir diversos
graus de comprometimento na interação com o ambiente (Lovaas, Newsom,
& Hickman, 1987) por impedirem que o estímulo relevante exerça controle
sobre o organismo. Em relação à topografia, podem ser simples ações
motoras, vocais ou envolver a manipulação de objetos.
Embora não aparentem ter função social, estudos demonstram que
as estereotipias podem ser mantidas por contingências sociais (Durand &
Carr, 1987; Kennedy, Meyer, Knowles, & Shukla, 2000). Nessa perspectiva,
arranjos específicos de contingências podem fazer com que as estereotipias
diminuam de frequência se forem dispensados reforços para comporta-
mentos socialmente mais adequados e alternativos ou incompatíveis às
estereotipias.
Da mesma maneira, alguns reforços indiscriminados podem influen-
ciar os níveis de comportamentos inadequados apresentados durante a
intervenção (Mueller, Sterling-Turner, & Scattone, 2001; Smith, Iwata,
Goh, & Shore, 1995). A depender da frequência e intensidade com que as
estereotipias e os comportamentos inadequados são apresentados, podem
ser considerados incompatíveis com a aprendizagem de outros repertórios
(Epstein, Doke, Sajwaj, Sorrell, & Rimmer, 1974).
Em relação aos manuais, Greer e Ross (2008) desenvolveram
um guia de ensino de habilidades diversas para crianças com atraso na
linguagem, incluindo o TEA e apresentam procedimentos para ensino de
comportamentos requisitos para a exposição a programas e procedimentos
de ensino de operantes verbais. O assim denominado Five Basic Attention
Programs (FBAP) consiste em colocar o comportamento da criança sob
controle de instruções fornecidas pelo professor, ensinando como responder
a comandos como “sente” (sit), “permaneça sentado” (sit still), “olhe para
mim” (look at me), “faça isso” para ações específicas (do this) e “faça isso”
para imitação generalizada (do this as generalized imitation).

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Considerando-se o exposto, esse estudo objetivou ensinar e fortalecer


operantes requisitos para controle instrucional de acordo com o FBAP,
proposto por Greer e Ross (2008), e verificar os efeitos dessa aquisição
sobre os comportamentos incompatíveis com a aprendizagem (estereotipias
e comportamentos inadequados) em crianças com TEA em um contexto e
cultura brasileiros.

MÉTODO

Participantes

Os critérios elencados para seleção dos participantes foram: (1) apre-


sentar diagnóstico médico de TEA grave e (2) repertórios requisitos para
receber programa instrucional ausentes ou fracamente estabelecidos. Os
repertórios requisitos para receber um programa de ensino foram pautados
no FBAP (Greer & Ross, 2008): sentar, permanecer sentado, estabelecer
e manter contato visual, imitação, imitação generalizada e rastreamento
visual.
Participaram duas crianças do sexo masculino com diagnóstico de
TEA. Enry tinha sete anos e como comorbidade Paralisia Cerebral. Apre-
sentava comportamentos inadequados com alta frequência (dar cabeçadas,
jogar itens, jogar-se em cima do interlocutor) no contexto domiciliar e
escolar, estereotipias vocais e motoras (bater os braços/mãos uns contra
os outros, balançar as mãos e os braços, girar a cabeça para os lados em
ângulos de aproximada 90º, aparentemente sem intenção de atentar para
algum estímulo e inclinar a cabeça para trás em ângulos de 90º). Cerca de
duas vezes por semana recebia atendimento fonoaudiólogico, fisioterápico
e psicológico (em grupo). Quanto ao comportamento verbal, a criança
apresentava comportamento de ouvinte (seguir instruções) fracamente
estabelecido e comportamento de falante via troca de figuras para alguns
itens (para fazer pedidos). Os repertórios alvo desse estudo não eram trei-
nados em outros ambientes.
Samy tinha cinco anos e segundo relato dos pais não apresen-
tava os comportamentos alvos de ensino. Apresentava comportamentos

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inadequados com baixa frequência (choramingar e recusa para devolver


item de preferência) e estereotipias com alta frequência (balanceio do
corpo para frente e para trás, e balançar as mãos para cima e para baixo -
flapping). A criança recebia atendimento duas vezes por semana em um
Apoio Educacional Especializado, via método TEACCH (Treatment and
Education of Autistic and Related Communication-Handicapped Chil-
dren), sendo os comportamentos alvo deste estudo não eram ensinados em
outros locais. Em relação ao comportamento verbal, Samy não apresentava
comportamento de ouvinte e falante de forma funcional.
As informações apresentadas acima sobre os participantes foram
obtidas por meio de entrevistas com os responsáveis previamente ao início
da avaliação e intervenção.

Materiais e Ambiente

As sessões de ensino foram realizadas na casa dos participantes,


com média de três vezes por semana e duração de vinte minutos, sendo os
horários estabelecidos a partir da disponibilidade da família e da criança.
As sessões eram organizadas com poucos itens no ambiente (por exemplo,
eram retirados do ambiente controle remoto da televisão e rádio), uma
vez que os participantes atentavam facilmente a estímulos irrelevantes
ao ensino. Os materiais utilizados foram: mesa de plástico, cadeira para o
participante, filmadora, itens de preferência selecionados para a sessão e
diário de anotações.

Procedimentos éticos

Após a manifestação de interesse dos pais na realização da pesquisa,


o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelas respon-
sáveis. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Facul-
dade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Número do Parecer:
393.839; Data da Relatoria: 12/09/2013).

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Procedimento

O procedimento consistiu em avaliações iniciais e ensino dos compor-


tamentos requisitos alvo da pesquisa. Os passos estão apresentados na
Figura 1.

Avaliação e Ensino dos comportamentos requisitos

Avaliação de preferência de estímulos reforçadores

Avaliação inicial dos comportamentos requisitos (tentativas das


primeiras sessões)

Ensino dos comportamentos requisitos: sentar, permanecer sentado,


olhar, imitar, imitar generalizado e rastreamento visual

Avaliação dos comportamentos incompatíveis (comportamentos


inadequados e estereotipias)

Figura 1. Delineamento adotado na pesquisa.

Avaliação de Preferência de Itens Reforçadores. Anterior-


mente à coleta de dados foi realizada uma avaliação de preferência de
estímulos reforçadores. Após um levantamento realizado com as famílias
sobre os possíveis objetos reforçadores, as crianças foram expostas indi-
vidualmente à avaliação de preferência que consistia na apresentação de
estímulos múltiplos sem reposição (Carr, Nicolson, & Higbee, 2000).
Os estímulos listados pelos responsáveis como sendo preferidos pelas
crianças, eram colocados em ordem linear em arranjo de oito perante o
participante. Após a escolha de um item, a criança tinha acesso ao objeto
(comestível ou brinquedo), e os estímulos restantes eram reorganizados,

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sendo o item escolhido removido da amostra. O procedimento era repetido


até a criança escolher todos os itens ou até não apresentar mais respostas
de escolha.
Devido à ampla variação na preferência de reforçadores dos parti-
cipantes, as avaliações de preferência foram realizadas diariamente de
forma menos sistemática, previamente ao início das sessões, com base nos
estímulos que os pais identificaram como preferidos pelos filhos.

Avaliação Inicial e Final dos operantes requisitos. Os parti-


cipantes foram expostos as tentativas de ensino de cada comportamento
requisito. A exposição a um comportamento-alvo novo dependia da
obtenção do critério de acertos do operante requisito anterior. O número de
tentativas para o ensino de cada operante dependia da obtenção do critério
e das estereotipias e comportamentos inadequados emitidos durante a
sessão. As tentativas da primeira sessão de cada operante foram conside-
radas como avaliação inicial para emissão do comportamento alvo devido
ao baixo repertório de entrada dos participantes. As tentativas da última
sessão do ensino de cada comportamento pré-requisito foram consideradas
como avaliação final do ensino.

Ensino dos comportamentos requisitos. A avaliação e ensino


foram programados em tentativas discretas. Durante o ensino progra-
mou-se consequências para acertos e erros: no início da tentativa a atenção
da criança era garantida, seguida pela instrução, resposta da criança,
consequência fornecida pela pesquisadora e intervalo entre tentativas com
registro dos dados. O participante deveria apresentar a resposta alvo em
até cinco segundos; quando emitisse a resposta correta, obtinha itens refor-
çadores e incentivos verbais como “Parabéns!”, “Perfeito!”, “Muito bem!”;
quando não apresentava a resposta ou se engajava em comportamento
incompatível, era redirecionado com níveis de ajuda física que era retirada,
gradualmente, de acordo com passos de fading out. As respostas emitidas
com ajuda física também eram consequência das com reforço social e acesso
a itens reforçadores, porém ambos em menor magnitude.

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Os níveis de ajuda física adotados foram: Ajuda Total (o participante


recebia ajuda motora para emitir a resposta correta do início ao fim da ação);
Ajuda Parcial (a ajuda física do mediador era aplicada para que a criança
iniciasse ou finalizasse a ação desejada); Ajuda Leve (um pequeno toque
físico era aplicado na parte do corpo envolvida na ação) e Resposta indepen-
dente (respostas sem nenhum tipo de ajuda do mediador) (Greer, 2002).
O procedimento de ensino por tentativas discretas e níveis de ajuda
vigoraram para todos os operantes alvo e a seguir é apresentado uma breve
descrição do que consistiu em uma tentativa de cada comportamento
pré-requisito alvo do estudo.
Sentar. Era apresentado a instrução verbal “Senta”; após cinco
segundos, se o participante emitisse o comportamento alvo de sentar, eram
apresentadas consequências programadas para acertos; caso o participante
não emitisse o comportamento alvo, era fornecido o nível de ajuda física
de acordo com o programa de esvanecimento da dica.
Permanecer sentado. Após o atendimento de um comando de
sentar, o experimentador apresentava o comando “Fique sentado”. A
criança deveria permanecer sentada por até dez segundos. Acertos eram
consequenciados diferencialmente conforme o especificado e níveis de ajuda
eram fornecidos no caso de resposta incorreta.
Realizar e manter contato visual. A instrução “Olhe para mim”
era fornecida e a criança deveria realizar contato visual com a pesquisa-
dora dentro de cinco segundos. A resposta de olhar foi modelada, sendo
que inicialmente a resposta de estabelecer contato ocular era reforçada (0
segundos); após atingir o critério de seis acertos consecutivos, sem ajuda, a
criança deveria sustentar o olhar por dois (2 segundos), quatro (4 segundos)
e seis 6 segundos) segundos, respectivamente.
Imitação. Era fornecida de forma simultânea a instrução vocal
“Faça isso” e uma ação física para ser imitada. Dentro de cinco segundos,
o participante deveria duplicar a ação. As ações apresentadas foram bater
palmas, colocar as mãos na cabeça e colocar as mãos no nariz. Consequên-
cias programadas foram apresentadas para acertos e erros incluindo níveis
de ajudas no caso de erros.

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Imitação Generalizada. Uma sondagem foi realizada para veri-


ficar se havia ocorrido a generalização para ações não ensinadas. As novas
respostas solicitadas foram: cruzar os braços sobre o corpo, colocar as mãos
na nuca e erguer os braços, sendo que após cinco segundos da apresentação
da ação com o estímulo discriminativo vocal “Faça isso” pela instrutora, o
participante deveria imitar passo-a-passo. No caso de erro, a resposta era
ensinada seguindo os níveis de ajuda (nesse caso, as respostas ensinadas
não foram consideradas no teste de generalização).
Rastreamento Visual sem e com rotação de estímulos. A
mediadora disponibilizava três vasilhames sob a mesa, sendo que um item
reforçador era colocado sob de um deles. A experimentadora perguntava
“Onde está?” e, dentro de cinco segundos, a criança deveria apontar para o
vasilhame que continha o objeto reforçador. Após atingir o critério, novas
tentativas eram realizadas com rotação entre os vasilhames.
O critério de aprendizagem de um repertório e que acarretava na
exposição às condições de ensino do repertório seguinte foi apresentar seis
respostas consecutivas e independentes para os operantes alvo.
O número de tentativas por cada treino não foi padronizado devido
ao critério adotado no estudo.
Ao final de cada ensino, os pais recebiam orientações de como manter
e favorecer a generalização dos repertórios aprendidos no ambiente domés-
tico. Todavia, nenhum acompanhamento sistemático dos efeitos dessas
orientações foi realizado.

Variáveis dependentes e independentes. As variáveis depen-


dentes do estudo foram a porcentagem de respostas corretas das habilidades
ensinadas pelo FBPA (Greer & Ross, 2008). Considerou-se uma resposta
correta quando após fornecida a instrução, a criança emitiu a resposta
com independência em cinco segundos sem ajuda do mediador. Também
foram consideradas variáveis dependentes a diminuição dos episódios de
estereotipias e comportamentos inadequados apresentadas em cada sessão.
A variável independente foi o programa de ensino adotado baseado
no FBPA (Greer & Ross, 2008).

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Procedimento de análise dos resultados

Os dados foram analisados quantitativamente em cada sessão pela


porcentagem de acertos do comportamento alvo, emitidos de forma inde-
pendente, até atingir o critério de acertos (seis respostas independentes
consecutivas). Para calcular a porcentagem de acertos foram contabilizados
o total de tentativas fornecidas na sessão (100%) e o número de vezes que
o participante emitiu a resposta alvo (X%) sem ajuda, ou seja, de forma
independente. Serão apresentados o número de sessões necessárias para
a obtenção do critério de aprendizagem e as porcentagens de acertos na
primeira e última sessão (critério atingido).
Também foi mensurada a ocorrência de comportamentos inade-
quados e estereotipias, sendo apresentados os resultados da primeira e da
última sessão de ensino de cada operante. As estereotipias foram medidas
em episódios, uma vez que não foi possível mensurar a quantidade de
respostas isoladas, pois em uma mesma situação a criança poderia apre-
sentar diversas respostas consecutivas. Os episódios eram iniciados quando
primeira resposta de estereotipia era emitida e era finalizado quando a
criança permanecia cinco segundos sem apresentar nenhuma ação repe-
titiva. Após o registro de cada episódio, a quantidade era dividia pelos
minutos do treino, para obter a média de episódios por minuto em cada
sessão.
Os comportamentos inadequados eram aqueles concorrentes ao
seguimento da instrução alvo apresentada e foram semelhantes para os
dois participantes, como atirar objetos, recusa para devolver item refor-
çador após a manipulação, levantar da cadeira após a instrução, tentar
abrir a porta do dormitório em momento impróprio, chorar, gritar, hetero
e autoagressão, e risada descontextualizada e constante por mais que cinco
segundos. A medida do comportamento inadequado ocorreu pelo número
total emitido na sessão, e em seguida dividido pela quantidade de minutos
total para obter-se a quantidade de respostas por minuto no treino.

Análise de concordância entre observadores. Previamente


às análises das filmagens das sessões de ensino, foi realizado um treino

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com o observador. Uma sessão foi selecionada, as respostas de estereotipia


e comportamentos inadequados foram descritas. Em seguida a análise
foi realizada pela observadora e a pesquisadora nos minutos iniciais da
sessão. Para obter o critério de concordância foi usado o modelo proposto
por Kazdin (1982): [número de concordância / número de concordância +
discordância] * 100.
Foram realizadas sessões de análise concordância até atingir um
critério de 90% entre a observadora e a pesquisadora na mesma sessão
para cada participante, sendo que as sessões para análise foram esco-
lhidas de forma aleatória. Na primeira análise do participante Enry houve
concordância de apenas 19% para estereotipias (5/21+5*100) e 40% para
inadequados (2/2+3*100). Na segunda análise houve concordância de
62% para estereotipia (106/106+55*100) e 58% para comportamentos
inadequados (11/11+8*100). Na última análise houve 90% de concordância
para estereotipias (47/47+5*100) e 100% para inadequados. Para Samy,
na primeira análise a concordância para estereotipias foi de 43% e 31,4%
para inadequados. A análise seguinte resultou em 62% de concordância
para estereotipias e 81% para comportamentos inadequados. Na terceira
análise os resultados foram de 100% para estereotipias e 93% para compor-
tamentos inadequados.
A análise que seguiu após o treino de observadores com 30% dos
dados, sendo escolhidas ao menos uma sessão que objetivou o ensino de
uma das habilidades do programa FBPA (Greer & Ross, 2008), resultou
em 86% de concordância.

RESULTADOS

O número total de sessões necessárias para aquisição e ampliação


de repertórios requisito para cada participante está indicado na Tabela
1. Enry recebeu 39 sessões de ensino para aprender os comportamentos
requisitos (sentar, permanecer sentado, olhar, imitar, imitar generalizado
e rastreamento visual), sendo necessário maior exposição para o treino de
imitar (12 sessões).

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Samy necessitou de 239 sessões, sendo que no decorrer do ensino


adquiriu os requisitos sentar, permanecer sentado, olhar e rastreamento
visual. Embora não tenha atingido critérios de aprendizagem para os
comportamentos de imitação, demonstrou aumento em tal repertório,
considerando-se a avaliação inicial.
No decorrer do ensino de Samy foi necessário expô-lo a rotas remedia-
tivas de ensino para os operantes olhar e imitação. O novo treino de contato
visual foi estabelecido quando após uma pausa de três semanas realizado na
fase de ensino de estabelecer contato visual por quatro segundos, a criança
apresentou ausência de respostas. O ensino foi reestabelecido com pequenos
passos, que foram modelados (divididos em blocos). No Bloco 1 a resposta
exigida foi realizar contato visual utilizando-se um item reforçador próximo
aos olhos da pesquisadora, no Bloco 2 solicitou-se que a criança olhasse por
dois segundos, no Bloco 3 Samy deveria sustentar o olhar por quatro segundos
e no Bloco 4 deveria olhar para a mediadora durante seis segundos.

Tabela 1 – Operantes-alvo de ensino e número de sessões


de ensino para cada participante da pesquisa
ENRY SAMY Número de sessões remediativasb
Número de sessões
Sentar 3 12 ------
Permanecer sentado 1 4 ------
Olhar 5 8 11
Olhar por 2 segundos 2 22 2
Olhar por 4 segundos 7 7a 12
Olhar por 6 segundos 5 ------ 20
21 (colocar mão no nariz, bater palmas e colocar
mãos na cabeça)
31 (colocar mão no nariz)
21 (bater palmas e colocar mão no nariz)
Imitar 12 124a 15 (colocar mãos na cabeça, bater palmas e colocar
mão no nariz)
8 (bater palmas, colocar mãos na cabeça e dançar)
28 (bater palmas, mostrar as palmas das mãos e
colocar mãos na cabeça)
Imitação generalizada 2 12 ------
Rastreamento visual
1 2 ------
sem rotação
Rastreamento visual
1 1 ------
com rotação
Total de sessões 39 239
a
Rotas remediativas que foram necessárias para aquisição do comportamento alvo para Samy
b
As sessões remediativas foram adotadas apenas para Samy.

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Em relação ao comportamento de imitar, Samy apresentou dificul-


dades de imitar as ações previamente estabelecidas, e foram realizados
ajustes a partir de comportamentos já emitidos parcialmente pela criança.
No Bloco 1 as ações elencadas para o ensino original foram mantidas, quais
sejam, colocar a mão no nariz, bater palmas e colocar as mãos na cabeça;
a criança apresentou recusa ao contato visual da mediadora durante os
procedimentos de ajuda. No Bloco 2 optou-se por solicitar a emissão de uma
resposta já estabelecida, qual seja, colocar a mão no nariz. Os acertos no
Bloco 2 permaneceram em nível baixo e variado, portanto estruturou-se um
novo ensino no Bloco 3. No Bloco 3 os comportamentos solicitados foram
bater palmas e colocar a mão no nariz. Após 21 sessões, a criança atingiu
o critério de aprendizagem para o imitar bater palmas.
O Bloco 4 manteve a solicitação de imitação das ações do Bloco 3
com acréscimo da ação de colocar as mãos na cabeça, sendo que para as
respostas de colocar as mãos na cabeça e colocar as mãos no nariz não
apresentou os critérios de acertos. Na rota remediativa apresentada no
Bloco 5 apresentou as ações de bater palmas, colocar as mãos na cabeça e
dançar, após o relato da mãe de que a criança estava imitando personagens
da televisão. Uma vez que Samy apresentava repertório restrito de imitação,
para o comportamento de dançar exigiu-se que ele se girasse parcialmente
o corpo para os lados. O critério não foi atingido para as ações de colocar
as mãos na cabeça e dançar, então estruturou-se o Bloco 6, em que Samy
deveria imitar as ações de bater palmas, mostrar as palmas das mãos e
colocar as mãos na cabeça. A criança atingiu o critério para bater palmas
e para mostras as mãos.
A Figura 2 demonstra os episódios de estereotipias e comportamentos
inadequados por minuto (parte superior) e a porcentagem de acertos (parte
inferior) para os comportamentos alvo nas sessões de ensino. A porção
esquerda da figura apresenta os resultados de aquisição dos comporta-
mentos alvo e os episódios de estereotipias e comportamentos inadequados
para o participante Enry, o lado direito demonstra os dados de Samy.

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392 Barbara T. Guerra, Ana C. M. Almeida-Verdu, Bruna Pessenda, Maria F. C. Alvarez

Os quadrados cinzas representam os episódios de estereotipias nas sessões iniciais e finais de cada
comportamento alvo treinado. Os círculos representam os comportamentos inadequados que ocorreram
nas sessões inicias e finais de cada comportamento alvo treinado. Os triângulos (porção inferior da figura)
representam a porcentagem de acertos nas sessões inicias e finais apresentadas pelos participantes em
cada comportamento alvo (S: sentar; PS: permanecer sentado; O: olhar; O2: olhar por dois segundos;
O4: olhar por quatro segundos; O6: olhar por seis segundos; I: imitação; IG: imitação generalizada; RV:
rastreamento visual)

Figura 2 - Episódios de estereotipias e comportamentos inadequados


por minuto apresentadas pelos participantes e porcentagem de acertos
nas sessões nas sessões de ensino.

Enry apresentou durante o ensino um baixo número de episódios


de estereotipias e comportamentos inadequados, com predomínio de
estereotipias. A comparação entre ocorrência de número de episódios de
estereotipais nas sessões inicias e finais demonstrou que para este partici-
pante ocorreu redução no ensino de sentar, olhar, olhar por seis segundos
e imitação. Verificou-se um aumento no número de episódios na sessão
final (comparando-se com a sessão inicial) para o ensino de olhar por dois
segundos, olhar por quatro segundos e imitação generalizada. Não foi
possível verificar os efeitos para o treino de permanecer sentado, uma vez
que Enry atingiu o critério em apenas uma sessão. Em relação ao treino
de rastreamento visual, o número de episódios manteve-se igual na sessão
inicial e final de ensino.
Quanto aos comportamentos inadequados, observou-se uma
tendência a redução quando se comparou o número apresentado nas sessões
inicial e final. Ocorreu aumento apenas no ensino de olhar por dois e seis
segundos. Assim como para a análise das estereotipias, não foi possível veri-
ficar os efeitos no treino do comportamento requisito permanecer sentado.

Psic. Rev. São Paulo, volume 27, n. 2, 377-400, 2018


Ensino de repertórios requisitos e os efeitos sobre comportamentos incompatíveis... 393

Samy apresentou maior número de comportamentos inadequados


em relação às respostas estereotipadas. Tratando-se do número de episó-
dios de estereotipias, verificou-se que ocorreu aumento (comparando-se a
sessão inicial e final) para os treinos de olhar por dois segundos (primeiro
treino), olhar (segundo treino), olhar por seis segundos e imitação. Em
contrapartida, observou-se redução do número de episódios no ensino
de sentar, permanecer sentado, olhar (primeiro treino), olhar por dois
segundos (segundo treino), olhar por quatro segundos (primeiro treino) e
imitação generalizada. Para os comportamentos requisitos olhar por quatro
segundos (segundo treino) e rastreamento visual não foram observadas
modificações na emissão do número de episódios nas sessões inicial e final.
Em relação aos comportamentos inadequados para Samy, iden-
tificou-se aumento no ensino dos comportamentos requisitos de olhar
(primeiro treino), olhar por dois segundos (segundo treino), olhar por
quatro segundos (segundo treino), imitação e rastreamento visual. Uma
redução foi observada nos treinos dos operantes de sentar, permanecer
sentado, olhar (segundo treino), olhar por dois segundos (primeiro treino),
olhar por quatro segundos (primeiro treino), olhar por seis segundos e
imitação generalizada.
Ainda que a aprendizagem tenha tido custos diferenciados para os
participantes, ambos apresentaram uma porcentagem de acertos na última
sessão de ensino (entre 60% e 100% de acertos) superior a porcentagem de
acertos obtidas na primeira sessão (entre 0 e 40% de acertos), para a maior
parte dos operantes requisito, conforme representado conforme ilustra a
parte inferior da Figura 2. Todavia, para Enry não é possível verificar a
porcentagem de acertos nas sessões inicial e final para os comportamentos
de permanecer sentado (uma vez que foi realizada apenas uma sessão de
ensino) e para imitação generalizada (o participante obteve 100% de acertos
nas duas sessões realizadas). Para o participante Samy, observou-se uma
redução na porcentagem de acertos apenas nos treinos de olhar (segundo
treino – o participante apresentou a mesma porcentagem de acertos na
sessão inicial e final) olhar por quatro segundos (primeiro e segundo treino).
Essa redução pode ser explicitada pelo custo de resposta que o ensino de
estabelecer e sustentar contato visual teve para este participante.

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394 Barbara T. Guerra, Ana C. M. Almeida-Verdu, Bruna Pessenda, Maria F. C. Alvarez

DISCUSSÃO

Os objetivos desse estudo foram ensinar e fortalecer comportamentos


requisitos para receber programa instrucional em duas crianças com TEA
e verificar o efeito dessa aprendizagem sobre comportamentos incompa-
tíveis. O ensino foi realizado com base no Programa FBPA (Greer & Ross,
2008). Em linhas gerais, o programa foi efetivo para ampliar os repertórios
requisitos e reduzir os comportamentos incompatíveis ao ensino para os
dois participantes, confirmando a replicabilidade do programa de ensino
em uma realidade brasileira.
Considerando-se o tempo (meses) e o número de sessões para os parti-
cipantes, o ensino para Samy, por um lado, foi mais intenso (até três sessões
por dia) e extenso (total de sessões); todavia o ensino não foi semelhante ao
proposto por Lovaas (1987), que sugere intervenções de 40 horas semanais.
Então, por outro lado, é discutível para Samy a questão da intensidade da
ajuda e frequência das sessões, uma vez que a aquisição dos repertórios alvo
poderia ter acontecido de forma mais rápida se a criança tivesse sido exposta
a sessões diárias (ao invés de duas a três vezes por semana).
A variabilidade no desempenho e no número de sessões necessárias
durante o ensino de comportamentos requisitos para pessoas com TEA
também é observada na literatura. Gregory, DeLeon, e Richman (2009)
propuseram o ensino dos comportamentos requisitos de pareamento e
imitação motora para verificar os efeitos sob a comunicação em linguagem
de sinais e em trocas de figuras em seis crianças com TEA e deficiência
intelectual. Os resultados demonstraram variabilidade, sendo que enquanto
três crianças necessitaram de uma média de 25 sessões para adquirir o
repertório para as duas habilidades e rapidamente demonstraram as duas
formas de comunicação alternativa, o outro grupo, ainda que exposto a uma
média de 21 sessões, não demonstrou nenhuma das habilidades.
Em relação ao elevado número de sessões de ensino demandadas
no treino os resultados do presente estudo (repertório alvo de imitação
para Samy) são semelhantes aos de DeQuinzio et al. (2007). A pesquisa
de DeQuinzio et al. (2007) teve por objetivo ensinar imitação facial para
crianças com TEA em idade pré-escolar. Após a exposição a um elevado

Psic. Rev. São Paulo, volume 27, n. 2, 377-400, 2018


Ensino de repertórios requisitos e os efeitos sobre comportamentos incompatíveis... 395

número de sessões para ensino (43), na sondagem um dos participantes


observou-se que este não generalizou respostas entre os estímulos não trei-
nados, mas aprendeu a imitar alguns modelos faciais nas sessões de ensino.
Em relação aos comportamentos incompatíveis a aprendizagem,
Lovaas (1987) demonstrou em seu estudo que o tratamento comportamental
permite a aquisição de repertórios mais complexos, como a linguagem, e
auxilia na supressão de comportamentos patológicos, tais como agressão
e estereotipias. Considerando-se que crianças com TEA frequentemente se
engajam em comportamentos inadequados em situações de ensino (Jang,
Dixon, Tarbox, & Granpeesheh, 2011), o uso de tentativas discretas propi-
ciou um ambiente controlado, estruturado e monitorado. Desta forma,
foram oferecidas as condições necessárias para que o comportamento
fosse emitido, a oportunidade de resposta, a consequência diferencial para
respostas desejadas e indesejadas e a distinção entre sucessivas tentativas
(Dib & Sturmey, 2007). Isso favoreceu tanto o aumento nos comportamentos
adequados quanto a diminuição de comportamentos indesejáveis porque
eram incompatíveis (Moreira & Vermes, 2015) e porque as contingências
programadas que incluíam a probabilidade de reforços para a emissão de
um e de outro eram distintas. Se a probabilidade de respostas tende a variar
como função da probabilidade de reforços (Borges, Todorov, & Simonassi,
2006), o comportamento dos participantes (aumento de comportamentos
requisito e diminuição dos incompatíveis) variou nessa direção.
Essa relação entre aprendizagem de comportamentos mais adequados
e diminuição de comportamentos inadequados também é observada na lite-
ratura (Green, 2001; Mueller et al., 2001). Foi possível obter tais resultados,
uma vez que os reforçadores de maior magnitude estavam contingentes a
emissão dos comportamentos requisitos, o que permitiu o fortalecimento
das respostas de seguir instrução do mediador e aumento nas respostas
compatíveis ao ensino. Enquanto isso, para quaisquer comportamentos
inadequados não foram programadas consequências reforçadoras, e os
comportamentos inadequados foram enfraquecidos.
Embora os comportamentos inadequados tenham aumentado para
Samy na última sessão (rastreamento visual com rotação) se comparados
com a sessão anterior (imitar generalizado), o número de episódios por

Psic. Rev. São Paulo, volume 27, n. 2, 377-400, 2018


396 Barbara T. Guerra, Ana C. M. Almeida-Verdu, Bruna Pessenda, Maria F. C. Alvarez

minuto permaneceu menor do que aqueles apresentados na primeira


sessão (sentar). Esse aumento no número de episódios de comportamentos
inadequados na última sessão pode ser devido ao aumento na exigência de
comportamentos, uma vez que a criança deveria ficar sentada em frente a
uma mesa e realizar outros comportamentos como rastreamento visual.
No entanto, muitas são as variáveis que podem manter comportamentos
inadequados e essas devem ser alvo específico de análise em outros estudos
(Durand & Crimmins, 1988).
Em relação a contribuições para futuras pesquisas, alguns pontos são
importantes para discussão. Inicialmente, os familiares receberam orienta-
ções sobre formas de generalizar e manter os comportamentos aprendidos
nas sessões individuais de ensino. Embora os efeitos dessa instrução não
tenham sido alvo do presente estudo, alguns estudos têm realizado um
acompanhamento sistemático para verificar os efeitos das instruções forne-
cidas aos responsáveis, como por exemplo, por videomodelação (Barboza,
Silva, Barros, & Higbee, 2015; Ubeid, 2017).
Ainda, em relação à forma de análise das estereotipias apresentadas
nas sessões, futuras pesquisas podem realizar mensuração por amostragem
de tempo como uma forma de fornecer medidas da frequência de episódios
no início, durante e final das sessões (Taubman, Leaf, McEachin, Papovich,
& Leaf, 2013). Essa forma de análise poderá fornecer dados do processo
de modificação de problema de comportamento ao longo de uma sessão
de ensino.

CONCLUSÃO

Algumas limitações neste estudo podem ser apontadas, como o número


assistemático de tentativas por sessão e o número excessivo de sessões de
ensino de um participante em relação ao outro. Futuras pesquisas podem
controlar essas variáveis. Ao se estabelecer poucas tentativas por sessão (e.
g., seis) e realizar mais sessões durante um dia (e. g., oito sendo, quatro pela
manhã e quatro à tarde), pode-se manter como critério 100% de acertos (o que
seria equivalente a seis acertos consecutivos) além de verificar se o número
de rotas alternativas seria menor dado o intervalo reduzido entre as sessões.

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Ensino de repertórios requisitos e os efeitos sobre comportamentos incompatíveis... 397

De maneira geral, os procedimentos adotados neste estudo contri-


buíram para ampliar os repertórios dos participantes e diminuir compor-
tamentos inadequados, o que é de extrema importância social tendo em
vista os prejuízos ocasionados aos familiares de crianças com baixo nível
de funcionamento independente e alta frequência de comportamentos
inadequados (Werner, Dawson, Munson, & Osterling, 2005). Assim, uma
intervenção adequada como aqui discutida pode construir comportamentos
mais complexos e fundamentais para autonomia e inserção social.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)


pelo financiamento concedido. (Nº do processo: 2013/13028-0). A pesquisa
foi desenvolvida no Laboratório de Aprendizagem, Desenvolvimento e
Saúde da UNESP, que faz parte do Instituto Nacional de Ciência e Tecno-
logia sobre Comportamento, Cognição e Ensino, com recursos da FAPESP
(Processo 2008/57705-8) e do CNPq (Processo No. 573972/2008-7).

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