Ava 2 Ciência Política e Teoria Do Estado

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CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO

ESTADO E SOBERANIA
Caio Benevides Pedra

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OLÁ!
Esta nova unidade busca apresentar alguns dos grandes pensadores da Ciência
Política e do Estado. O material é uma referência do conteúdo básico da
disciplina, então é essencial a leitura de outras fontes de pesquisa. A leitura
deve ser realizada pensando o contexto histórico e as transformações
sociais.
Traremos elementos teóricos e práticos do surgimento do Estado e da sua
relação com o poder. Nos tópicos sobre a separação de poderes, os regimes
políticos e as formas de Estado, trazemos a possibilidade de comparar o
conteúdo com as informações e notícias atuais. Sugerimos, inclusive, que o
leitor pense o mundo atual a partir dos conceitos debatidos.
Bons estudos!

1.0 Estado e soberania: a visão dos


clássicos do pensamento político
O estudo da soberania é ponto importantíssimo na disciplina Teoria do Estado
moderno, já que se trata de um dos elementos essenciais na formação do Estado.
Mas mesmo antes deste conceito de Estado, a soberania era tema dos
pensadores políticos que, por sua vez, influenciaram a construção teórica do que
hoje é chamado de governo soberano e que traz os desafios contemporâneos
sobre o tema. Por isso, é necessário compreendermos alguns pontos das teorias
mais comentadas na doutrina clássica.

Assista aí

1.1 Doutrinas teocráticas


Inicialmente, destacam-se as doutrinas ou teorias teocráticas, que desenharam o
poder soberano de uma forma em que a legitimação última do exercício da
soberania recaía sobre um elemento divino ou natural.
É importante ter em mente que durante parte do Império Romano e a Idade Média
os filósofos eram pessoas ligadas direta ou indiretamente à religião. Além disso, o

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fundamento religioso operava na ordem de uma ideologia que compunha o
paradigma destes tempos, principalmente na Idade Média.
Por esse contexto, os teólogos assumiram um papel de destaque na teoria
filosófica, política e social. Estes, por sua vez, escreveram que todo poder vem de
Deus (omnis potestas a Deo).
Teólogos como Belarmino e Santo Tomás de Aquino fundamentaram a soberania
no poder divino, mas ressaltavam que este poder passava pelo povo. Para Santo
Tomás de Aquino, o modo como a soberania se externaliza e é usada são formas
de manifestação do Homem, mas é Deus quem confere o poder soberano. Assim,
para o autor, quando os homens ultrapassam os limites e os princípios divinos,
eles são injustos, o que nos permite dizer que, apesar de haver alguém que
exerce o poder soberano, quem traz as regras e a legitimidade é um poder divino,
de tal forma que há um parâmetro para analisar se o poder tem sido exercido
conforme a vontade e as leis divinas. A síntese do pensamento de Santo Tomás
de Aquino é expressada como: Omnis potestas a Deo per populum – Todo poder
vem de Deus pelo povo.
Para compreender este ponto, é importante saber que, dentre os diversos teóricos
que explicavam a Soberania como um poder advindo de Deus, cada um possuía
sua análise, tendo complexidades e nuances diferentes que não cabem a este
estudo aprofundar. Destacamos, inclusive, que Azambuja menciona autores que,
ao trazerem o elemento do povo para a questão da soberania, já o fizeram em
razão das aspirações democráticas.
―A teoria do direito divino providencial, cujos mais ilustres intérpretes modernamente
foram De Maistre e Bonald, ensinava que Deus não intervém diretamente para indicar a
pessoa que deve exercer o poder, mas indiretamente, pela direção providencial dos
acontecimentos humanos. É, pois, uma doutrina semelhante à de Santo Tomás.‖
(AZAMBUJA, 2008, p. 77).

1.2 O poder político em Nicolau Maquiavel


Nicolau Maquiavel escreveu o famoso livro O Príncipe, de 1513, considerado
como um dos textos que funda a Política como arte de governar o Estado.
Assim, o exercício do poder seria uma forma de manutenção do próprio poder e
da estabilidade do Estado, sendo que a política ―era precisamente a arte de
conquistar o poder político, conservá-lo e exercê-lo‖ (AZAMBUJA, 2008, p. 27),
razão pela qual a política, o poder e a soberania estão intimamente imbricados
em Maquiavel.
Para Azambuja (2008), Maquiavel não quis classificar entre bons e maus os
governos. Pelo contrário, quis tentar sair desta classificação para mostrar como a
história possui ciclos fatais, em que homens bons tentam derrubar o governo
anterior, mas seus filhos que não vivem os sofrimentos dos pais acabam por
cometer injustiças com os governados, e assim serão depostos.
A análise empírica de Maquiavel é inserida no contexto de uma Itália instável,
formada por diversos estados assimétricos e com invasões constantes, daí a
preocupação central em estabelecer um poder político que consiga perpetuar no
tempo. Mário Lúcio Quintão Soares afirma:
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―Maquiavel deve ser analisado em seu contexto histórico, pois foi fiel à sua época e à sua
classe, ao justificar a organização das monarquias nacionais absolutas como forma
política do Estado moderno que permitiria e facilitaria um ulterior desenvolvimento das
forças produtivas do capitalismo‖ (SOARES, 2011, p. 49).

O autor analisou e trouxe diversas virtudes as quais o bom soberano deveria


ter para unificar a Itália, como ser um príncipe protegido pela fortuna e
dotado de virtú. Dessas qualidades, o governante acabaria por necessitar da
sorte, em razão dos elementos externos que estão fora de seu alcance, além de
ambição e sabedoria para tomar as decisões políticas.
A somatória destas e outras características elencadas na obra traria o
consentimento dos cidadãos, que por sua vez permaneceriam fiéis ao poder
soberano.

1.3 O conceito de soberania em Jean Bodin


Jean Bodin publicou em 1576 a obra Os Seis Livros da República, que teve
grande impacto sobre a temática da política, poder e soberania.
Mario Lúcio Quintão Soares (2011) relata como Jean Bodin foi o primeiro autor a
descortinar o elemento da Soberania e a buscar sua justificativa. Esse poder
soberano clássico, também chamado de summa potestas, não tinha relação como
hoje a um direito internacional, mas em um âmbito interno. Era o poder absoluto
e eterno que não conhecia limites por ninguém, pois não havia autoridade
superior ao soberano (majestas est summa in cives ac súbditos legisbusque
soluta postesta). Era exceção justamente aquele que legitimaria este poder: Deus
e as leis divinas.
Nina Ranieri (2019) aponta como Bodin, em Os Seis Livros da República, buscou
uma abordagem empírica do Estado, principalmente em razão da crise de
justificação do final do século XVI. Por isso ele também tinha relação com um
modelo absolutista, no sentido de conferir legitimidade a este modelo que poderia
trazer estabilidade às nações europeias naquele momento. Ranieri afirma que, ―a
despeito da descrição empírica da realidade estatal e de suas exigências, nele se
percebe, sobretudo, o desejo de restaurar o equilíbrio entre Moral e Política, entre
Direito e Poder.‖ (RANIERI, 2019, p. 65).
Bodin afirmava, inclusive, que a nação que possuía algum tipo de vínculo jurídico
com outras nações, como tratados, por exemplo, não poderia ser chamada de
Estado soberano. Segundo ele, um Estado que precisa de um acordo com outro
Estado não pode se considerar soberano. Se o cerne do poder político é a
capacidade de legislar sobre todos que estão abarcados por tal manifestação
política de forma irrestrita, independentemente do consentimento, então os
tratados internacionais que impõem limites às nações iriam de encontro à sua
noção de soberania.
Dos escritos de Bodin, podemos sintetizar que a soberania é esse poder
perpétuo, inalienável e imprescritível que não tem limites senão em Deus.
Contudo, uma visão rápida poderia nos levar ao erro de acreditar que o Soberano
poderia tudo. Mario Lúcio Quintão Soares (2011) anota que, da limitação das leis
divinas, o summa potestas deveria observar certos limites como a própria

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finalidade do Estado e do direito natural, as leis de sucessão ao trono, os tratados
que o Soberano pactuasse (em razão do princípio pacta sunt servanda) e o
consentimento dos estamentos.
A importância da teoria de Bodin, principalmente para superação do feudalismo, é
indiscutível. No entanto, por outro lado, o fortalecimento do âmbito internacional e
dos tratados é justamente um dos elementos que possibilitou que os Estados
exercessem sua soberania com mais estabilidade política, como será visto a partir
da Paz de Westphalia e a teorização do Estado moderno.

1.4 A teoria contratual da origem do Estado


As teorias contratualistas estão inseridas em um movimento jusnaturalista que
buscam explicar as relações sociais e a formação do Estado em uma base
hipotética racional, em que é pressuposto um acordo entre as pessoas em
algum momento após o estado de natureza. Assim, as associações só existem
porque os homens aceitarem se reunirem nestes moldes.
Neste sentido, destacamos as palavras de Nina Ranieri:
A doutrina contratualista abriga uma grande diversidade de justificações a respeito do
porquê os homens decidiram unir-se e viver em sociedade. O ponto comum a todas é a
negação do impulso associativo espontâneo como elemento-chave do contrato social: o
contrato social é intencional e representa (RANIERI, 2019, p. 254).

Assim, antes de o ser humano viver em uma sociedade com regras, estruturada
em algum arranjo racional, ele teria vivido na natureza, de forma primitiva e
apenas em busca da sobrevivência.
Deste modelo de supor como ocorreu a evolução da humanidade é que foram
criadas as teorias contratualistas, que foi descrita por alguns autores. A partir de
agora, vamos entender um pouco melhor quem são eles e quais suas principais
características.

1.5 O estado absoluto de Thomas Hobbes


Thomas Hobbes viveu entre 1588 e 1679, e tem como principal obra O Leviatã.
No que diz respeito à justificativa do Estado e de sua soberania, o autor afirmou
que o homem vivia em um estado de natureza anárquico e caótico, em que o
indivíduo vivia ameaçado pelas incertezas, o ataque de oponentes e a morte.
Esse modelo imaginado seria a guerra de todos contra todos, criando no homem
um instinto agressivo sempre presente e natural.
O ser humano vivia em guerra com outros seres humanos em busca de poderes,
e somente um governo poderia punir os excessos destes e possibilitaria a vida em
sociedade. Segundo Hobbes, somente o medo da morte faz com que as pessoas
busquem uma organização para se protegerem das outras.
Para pôr fim a essa situação caótica, o homem permitiu que um poder comum
governe em benefício de todos. Essa autoridade política única, que traria a
estabilidade e segurança da vida das pessoas seria, então, o Estado.

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O Estado seria, portanto, uma abdicação da liberdade total do ser humano, por
isso um mal, um monstro, o Leviatã.
Utilizando-se da imagem bíblica do monstro marinho Leviatã, descreve [Hobbes] o
Estado, significativamente, como o ente que assimila organicamente todos os integrantes
da sociedade política: ―uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos
recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela
poder usar a força e os recursos todos da maneira que entender conveniente, para
assegurar a paz. (RANIERI, 2019, p. 258).

Esse mandatário teria, para Hobbes, poderes ilimitados, indiscutíveis e absolutos.


Uma soberania ilimitada e acima da moral. O que, no contexto histórico, era
exatamente a teoria que os monarcas absolutistas queriam encontrar.
Podemos afirmar, a partir destes elementos e das leituras sobre Hobbes que o
ser humano, sob o medo da morte, decide abdicar de parte da sua liberdade
para criar o Estado. Este, por sua vez, terá seu poder e soberania para
garantir a liberdade e segurança dos indivíduos.

1.6 O estado liberal de John Locke


John Locke viveu entre 1632 e 1704, desenvolveu um contratualismo liberal para
justificar o Estado e o exercício de sua soberania. De forma diversa de Hobbes,
não propunha um Estado absolutista.
Para o autor, todos os homens são iguais, e essa premissa é muito importante
para justificar o direito natural de cada indivíduo em ser livre. Dessa forma, o
homem inserido em um estado natural percebeu que era necessário criar leis para
trazer estabilidade e restabelecer a igualdade e a justiça entre as pessoas que,
por sua vez, teriam sido ameaçadas com a formação das sociedades.
Sahid Maluf (2009) destaca que na obra Ensaio sobre o governo civil, Locke
desenvolve uma teoria que justificaria o Estado inglês do final do século XVII. O
autor destaca que Locke afirmou que as pessoas podem delegam parte de
suas liberdades, mas que o fariam apenas com aquelas relacionadas às
relações externas, em sociedade. Assim, por outro lado, algumas liberdades e
direitos fundamentais seriam indelegáveis, e o Estado não teria a possibilidade de
restringi-los aos indivíduos:
O homem não delegou ao Estado senão os poderes de regulamentação das
relações externas da vida social, pois reservou para si uma parte de direitos que
são indelegáveis. As liberdades fundamentais, o direito à vida, bem como todos
os direitos inerentes à personalidade humana, são anteriores e superiores ao
Estado.‖ (MALUF, 2009, p. 77).
É interessante perceber que em Locke, apesar do grande destaque dado às
liberdades em uma lógica naturalista e racionalista, o autor coloca a questão ao
lado do bem comum. Esta questão seria a razão de ser do Estado, formado por
um contrato nitidamente objetivo para garantir o bem comum, juntamente
com as liberdades.
Azambuja (2008) também extrai de Locke a ideia de que o poder deve ser
exercido pela maioria que, consente expressamente quando se cria a sociedade
estatal e, tacitamente, os seus descendentes. Para o inglês, a melhor forma de se

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governar a sociedade seria pela democracia, só sendo admitido um monarca caso
haja um legislativo.
Destacamos, inclusive, que apesar da notoriedade de Montesquieu e sua teoria
sobre os três poderes e os respectivos órgãos, John Locke em sua defesa pela
democracia já distinguia os poderes, com destaque para a função do legislativo.

1.7 A soberania popular de Jean Jacques


Rousseau
Jean Jacques Rousseau (1712-1778) é considerado por Maluf (2009) como o
teórico contratualista que mais aprofundou em estudos sobre a justificação do
Estado e a soberania, como o autor que mais inspirou a Europa e a América no
século XVIII.
Maluf continua e afirma que em Rousseau temos a afirmação de que a
soberania não vem da coroa, mas dos indivíduos que, a partir da vontade da
maioria, convencionam pelo surgimento do Estado.
Neste sentido, considerando que a soberania é do povo, ela nunca poderá ser
limitada por um governante, que deverá garantir o bem comum sob pena de, em
algum momento, ser retirado do poder, até mesmo com um novo pacto a fundar
um novo Estado.
Para Rousseau, o homem era livre e feliz, e a sociedade e a propriedade privada
trouxeram consequências negativas aos homens. Para evitar maiores
desigualdades e proteger aqueles que foram subjugados é que foi criado o
Estado.
O problema social consistia, assim, em encontrar uma forma de associação capaz de
proporcionar os meios de defesa e proteção com toda a força comum, às pessoas e aos
seus bens, e pela qual cada um, unindo-se a todos, não tivesse de obedecer senão a si
próprio, ficando tão livre como antes do pacto‖. (MALUF, 2009, p. 81)

Assim, o homem abre mão de parte da sua liberdade por meio de um contrato
social, que terá um poder político que é a vontade geral. Sobra a cada indivíduo
uma parcela da soberania, e por isso a necessidade de uma maioria para a
manutenção do Estado.
As leis trazem, portanto, a vontade geral e o conteúdo das normas deste
contrato social que funda e mantém o Estado. Mario Lúcio Quintão Soares
(2011) destaca que o homem abre mão da sua liberdade natural e, em
contrapartida, recebe a liberdade civil.
Outro importante ponto para a compreensão do Estado segundo Rousseau é
compreender que só há a soberania popular quando os governados e os
governantes possuem convergência e uma consequente ação estatal que respeite
a vontade do povo: a democracia (SOARES, 2011).

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Fonte: Lisa-S, Shutterstock, 2020

#PraCegoVer: Juiz segurando um livro grande e virando a página. Não é possível


ver o rosto do juiz.

2.0 Montesquieu, os três poderes e as


leis
A divisão dos poderes é um desenho do exercício dos poderes políticos pelo
Estado, também conhecido como sistema de freios e contrapesos ou, na forma
americana, checks and balances system. Juliano Bernardes e Olavo Ferreira
(2019) afirmam que esta forma de distribuir o exercício dos poderes foi pensada
por Aristóteles, John Locke e Jacques Rousseau, apesar de que a definição e
divulgação se deu mesmo com Montesquieu, enquanto que para Soares (2011) a
ideia remonta a Platão, tendo Montesquieu inovado quanto à distinção orgânica
entre esses poderes.
Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu, ficou
conhecido apenas como Montesquieu, e tem grande importância no estudo das
ciências políticas, do estado e do direito, principalmente pelo seu livro L’esprit des
lois, traduzido como O espirito das leis, de 1747.
Destacamos que, apesar de o autor ser muito citado pela teoria da separação dos
poderes, o referido livro não se resume a isso, sendo na verdade uma teorização
sociológica dos governos, do direito e das organizações políticas. Destaca-se
que, inserido em uma onda iluminista, o autor permanece na tentativa de explicar
a sociedade a partir de leis naturais.
Mario Lúcio Quintão Soares destaca que a obra ―rompe com a tradicional
submissão da política à teologia, ao definir leis, em seu significado mais amplo,
como relações necessárias derivadas da natureza das coisas (liv. I, cap. I)‖
(SOARES, 2011, p. 65).
Para Soares, Montesquieu contemplou em um Reino Unido construída como
protótipo os seguintes poderes:

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“O Legislativo:
como vontade geral do Estado, deve ser confiado aos representantes do povo e a uma
assembleia de nobres, retratando o pluralismo político do parlamento. Este, como órgão
representativo da comunidade política, deve ser dotado de competência para criar leis
por um tempo ou para sempre, e corrigir ou anular aquelas que foram feiras, e, ainda,
servir de obstáculo às eventuais arbitrariedades perpetradas pelo monarca‖ (SOARES,
2011, p. 66-67);

“O Federativo:
como poder executivo das coisas atreladas ao direito das gentes, deve ser conferido ao
príncipe ou magistrado, encarregado de fazer a paz ou a guerra, exercer o direito de
legação, instaurar a segurança e prevenir invasões estrangeiras‖ (SOARES, 2011, p. 66-
67);

“O Executivo:
como executivo da vontade geral do Estado ou daquelas coisas que dependem do
governo civil, deve ser outorgado a um monarca inviolável, rodeado de ministros
responsáveis, incumbidos da execução das leis. O poder de julgar os crimes e decidir
sobre querelas entre os particulares deve ser exercido por pessoas tiradas do meio do
povo, em certos momentos do ano, de maneira prescrita na lei, para formar um tribunal
que só dure o tempo necessário que a necessidade requer‖. (SOARES, 2011, p. 66-67).

Nina Ranieri (2019), aponta que no estudo das leis dos governos e na tentativa de
garantir a liberdade de se fazer aquilo que a lei permite, essa separação de
poderes proposta por Montesquieu visa limitar e moderar o poder do Estado.
Dessa forma, se cada um dos poderes for independente, com a possibilidade de
frear os abusos do outro, teríamos uma organização estatal racionalmente
limitada.
A autora aponta como Montesquieu centrava seu pensamento em uma
supremacia do parlamento britânico, com a fórmula King in the Parliament¸ que
busca exatamente desconcentrar o poder, para que ele não ficasse acumulado
em uma única mão. Daí a necessidade de funções dividas, harmoniosamente,
sem haver usurpação. Os poderes seriam separados e complementares.
Em síntese, o avanço teórico de Montesquieu é pensar a divisão das funções
estatais também em órgãos. Cada órgão teria uma das três funções do poder
estatal, o que, para a época, trazia um modelo racional de superar o absolutismo
centralizador.
Em uma análise mais criteriosa e científica, devemos alertar que o mais adequado
não é considerar uma divisão dos poderes, uma vez que o poder político é uno,

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indivisível e indelegável. Mas, há uma divisão de funções entre órgãos
autônomos, independentes e harmônicos.
Nesse modelo de divisão de funções, três órgãos acabaram por receber o nome
de poderes, cada um com suas funções precípuas.
As constituições norte americanas e francesas, do final do século XVIII, tiveram
grande influência deste pensamento orgânico da separação das competências
dos poderes. Era um movimento em que além do pensamento federalista, havia
também o discurso sobre a limitação do Estado e seu controle, como alguns
artigos escritos por James Madison e Thomas Jefferson.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2015) destaca que a divisão funcional dos
poderes nas democracias ocidentais não foi fruto de uma genialidade de um
teórico inspirado, mas o resultado da prática do constitucionalismo inglês que
consagrou o Bill of Rights de 1689. Neste sentido, podemos destacar também o
empirismo federalista norte americano.
O conceito de checks and balances está preconizado na Constituição norte
americana, logo nos três primeiros artigos. Sugerimos a consulta do documento,
para a melhor compreensão deste arranjo, em que os papéis estão bem
delimitados, inclusive com mecanismos de controle, como o julgamento de
impeachment do Presidente dos Estados Unidos, que será presidido pelo
Presidente da Suprema Corte e julgado pelos senadores.
Assim, com a teoria de Montesquieu atualizada nos tempos atuais, podemos dizer
que temos o Poder Legislativo, Poder Executivo e o Poder Judiciário.
O poder legislativo tem como razão de ser a representação da população e,
quando for caso, dos entes federados para criar e extinguir leis, bem como
fiscalizar as ações do poder executivo para o cumprimento fiel da legislação.
O poder executivo, assim, tem a competência de executar as leis, políticas
públicas, serviços públicos e as atividades decorrentes da administração da
máquina estatal, sendo, por isso, chamada também de função administrativa.
Por sua vez, o poder judiciário tem a competência de analisar a lei nos casos
concretos quando provocado, resolvendo os conflitos de interesses existentes na
sociedade, para que todas as pessoas, inclusive o estado, sejam compelidas a
obedecer a legislação.
Podemos assim, sintetizar a divisão entre as competências típicas dos órgãos
estatais:

a) Poder legislativo: legislar e fiscalizar – art. 44 da CF/88.

b) Poder executivo: administrar o estado – art. 76 da CF/88.

c) Poder judiciário: julgar casos concretos – Art. 92 da CF/88.

Apesar deste modelo bem delimitado de competências, a explicação teórica teve


de criar aquilo que convencionou-se chamar de funções atípicas dos poderes

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estatais. Isso ocorreu porque, apesar de cada órgão ter sua competência
justificada em um sistema que traz equilíbrio para o Estado, a prática exige que
algumas funções sejam exercidas, excepcionalmente, por aquele que
originalmente não teria tal competência.
Como visto, se a separação funcional e orgânica dos poderes se dá para evitar o
abuso e a concentração de poderes em um só órgão, a teoria estatal criou
mecanismos de fiscalização e responsabilização dos poderes estatais, o que
Pedro Lenza (2019) chama de desenho institucional dos freios e contrapesos.
Destacamos que este desenho institucional variará conforme cada ordenamento
jurídico, se mencionamos os três primeiros artigos da Constituição norte
americana como exemplo, em nosso ordenamento este arranjo é feito em
diversos artigos. Pedro Lenza destaque os seguintes:

o Poder Judiciário pode rever atos de determinada


CPI (Legislativo) que extrapolem o postulado da reserva
art. 5º, XXXV: constitucional de jurisdição, quando, por exemplo, o seu
presidente expede um mandado de busca e apreensão em
total violação ao art. 5º, XI;

compete privativamente ao Senado Federal (legislativo)


art. 52, I: processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República
(Executivo) nos crimes de responsabilidade;

eventual condenação pelo STF (Judiciário)

art. 53, § 1º, c/c o art. de parlamentar federal corrupto (Legislativo)


102, I, “b”: que se vale de seu cargo para indevidamente
enriquecer (cf. julgamento do denominado ―mensalão‖ na AP 470);

as medidas provisórias adotadas pelo


art. 62: Presidente da República (executivo) poderão ser
rejeitadas pelo Congresso Nacional (Legislativo);

o Chefe do Poder Executivo pode sancionar


art. 66, § 1º:
ou vetar projetos de lei aprovados pelo Parlamento (Legislativo);

o Parlamento (Legislativo) poderá ―derrubar‖


art. 66, §§ 4º a 6º:
o veto lançado pelo Chefe do Poder Executivo;

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se a lei não for promulgada dentro de 48 horas pelo
Presidente da República (Executivo), nos casos
art. 66, § 7º: dos §§ 3º e 5º, o Presidente do Senado (Legislativo)
a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá
ao Vice-Presidente do Senado (Legislativo) fazê-lo;

cabe emenda parlamentar (Legislativo) em projeto de


art. 63, I e II:
lei de iniciativa exclusiva do Presidente da República (Executivo);

o Presidente da República (executivo) poderá solicitar


art. 64, § 1º: urgência para o Parlamento (Legislativo) apreciar os projetos
de sua iniciativa;

os juízes (Judiciário) poderão declarar a inconstitucionalidade


de lei (Legislativo) ou ato normativo do Poder Público
art. 97:
(inclusive, como exemplo, de decretos autônomos elaborados
pelo Executivo);

art. 101, parágrafo os Ministros do STF (Judiciário) serão nomeados pelo


único (c/c o art. 52,
Presidente da República (Executivo), depois de aprovada a
III, “a”, e o art. 84,
XIV): escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (Legislativo);

compete ao STF (Judiciário) declarar a inconstitucionalidade de


art. 102, I, “a”: lei ou ato normativo federal ou estadual (Legislativo).
(LENZA, 2019, p. 569-570).

Temos, portanto, as funções típicas de cada um dos três poderes, que


justificam a existência de cada um destes órgãos, e as funções atípicas, que
possuem uma natureza distinta daquela originariamente pensada para cada
um dos três poderes.
Para ilustrar e não deixar dúvidas: o poder legislativo tem como função típica
legislar e fiscalizar, contudo, ele também julgará o Presidente da República nos
crimes de responsabilidade. Importante: essa função atípica está prevista na
constituição e, exatamente por isso, é uma exceção legítima dada ao poder
legislativo.
Atenção: O STF (na ADIn 135/PB) já manifestou que o judiciário e o legislativo
também terão de exercer a função administrativa Contudo, tal atividade não é
uma exceção às competências dos órgãos. Se a independência destes órgãos dá

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a eles a garantia de gerirem seu patrimônio e suas atividades internas, uma
consequência é que eles terão de gerir os servidores públicos que lá trabalham,
executar os contratos de compra e prestação de serviço, realizar licitações, dentre
várias outras atividades consideradas administrativas.
É importante perceber que essas atividades serão unicamente no âmbito de cada
um dos dois poderes mencionados e para a fiel execução das suas atividades
finalísticas (típicas) e, portanto, trata-se apenas de meio necessário para seu
funcionamento.

3.0 Regimes políticos


Os regimes políticos são formas de concretização de ideias de como se exercer o
poder e tomar decisões no Estado. Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2015)
explica que, apesar da falta de consenso entre terminologias, é possível dizer que
o sistema político é normatizado pela Constituição do Estado e o regime é o modo
efetivo como esse sistema é exercido. Logo, se a Constituição for inteiramente
respeitada, o sistema político e o regime político serão equivalentes.
Esses regimes são conceituados de formas opostas entre os democráticos e os
autoritários, sendo certo que essa classificação se dá gradualmente, a partir da
análise de diversos instrumentos estatais de tomadas de decisão e exercício do
político.

Assista aí

3.1 Regimes autoritários


Azambuja (2008) aborda aquilo que compreendemos como regime autoritário e
como ditadura. Diversos outros autores, como Ferreira Filho (2015), Maluf (2009)
e Ranieri (2019), dedicam-se pouco a falar do autoritarismo enquanto regime
político porque, em alguma medida, sua antítese é o regime democrático.
Por sua vez, a democracia é um regime que poderá ser graduado, de forma que
permite uma comparação entre regimes ou teoria de sistemas políticos, para
concluirmos se o regime é mais ou menos democrático do que o comparado.
Dessa forma, um estado autoritário é aquele que tem menos instrumentos de
decisão política considerados democráticos.
Podemos dizer que alguns regimes autoritários se instauram sob a justificativa de
transitoriedade e por isso podem, a depender do caso concreto, ser chamados
desta forma: regimes de transição.
De toda sorte, se a reflexão perpassa pelo debate atual de regimes de governo,
bem como os tratados internacionais e os debates que focam nos direitos
humanos, esses regimes autoritários, ainda que transitórios, seriam considerados
reprováveis.
Podemos afirmar, portanto, que os regimes autoritários são aqueles em que
há supressão ou redução de direitos fundamentais e de instrumentos

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democráticos que possibilitam à população participar da instância política
do Estado.

3.2 Regimes democráticos


Os regimes democráticos trouxeram uma complexidade maior na intervenção do
Estado na vida dos indivíduos. Diferentemente do que propunha o liberalismo
político, o Estado está presente de forma intensa na vida dos cidadãos mas, por
outro lado, busca não restringir direitos individuais. Além disso, são exigidas dele
intervenções para que os projetos de vida, múltiplos, possam ser exercidos. Há o
crescimento da esfera pública e da participação popular, bem como um espaço de
possibilidade de diálogo em que os cidadãos possam deliberar sobre a vida
pública.
Depois da segunda guerra mundial, algumas Constituições, como a de Bonn
(Alemanha – 1948), a Constituição italiana de 1948, espanhola de 1978, a
portuguesa de 1976 e a brasileira de 1988, são exemplos de Estados que
adotaram regimes democráticos que visam o reconhecimento da diversidade e
do pluralismo social.
As Constituições passam a ter uma importância de destaque. Com um papel mais
do que político, assumem a supremacia em um sistema jurídico que serve de
contenção para abusos das demais esferas da sociedade, incluindo os poderes
econômico e político.
Neste contexto, o legislativo tem seu papel reafirmado, pois é a instância na qual
a vontade popular se manifesta. Contudo, o poder judiciário passa a ser o órgão
constitucionalmente legitimado para ser o guardião do sistema jurídico e das
instituições.
Os direitos humanos passam a integrar os princípios democráticos em seu rol na
terceira onda geracional e, numa via de mão dupla, os Estados democráticos
somente serão assim considerados se há um elevado grau de tutela aos direitos
humanos. Assim, só podemos falar em um Estado democrático se a participação
popular vier acompanhada de proteção efetiva aos direitos humanos.

3.3 Regimes totalitários


Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2015), o regime totalitário
―Apresenta-se marcado por uma ideologia oficial, um partido único, de massa, que
controla toda a mobilização política e o poder concentrado em mãos de um pequeno
grupo que não pode ser afastado do poder por meios institucionalizados e pacíficos.‖
(FERREIRA FILHO, 2015, p. 107).

Nina Ranieri (2019) anota que, filosoficamente, os Estados totalitários se opõem


ao liberalismo, e no plano dos regimes políticos à democracia. Tal forma de
organização política parte do pressuposto de que o Estado é eticamente superior
aos indivíduos, razão pela qual se colocam de forma a suprimir a individualidade
em nome do bem comum, com um único governante ou partido.

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O Estado que adota tal regime não admite conceitos que estejam fora da máquina
estatal e, por isso, aniquilam a subjetividade e a identidade dos indivíduos.
Suas ações só poderiam ser aquelas autorizadas pelo poder Soberano.
Apesar dessa oposição ao modelo filosófico liberal, Azambuja (2008) anota
que na perspectiva política não há uma identificação com as teorias, sendo
possível encontrarmos estados totalitários com ideias socialistas, como a União
Soviética, ou modelos capitalistas como na Itália Fascista.
Como forma de demonização ideológica, esses regimes políticos utilizam
do discurso nacionalista, em busca de identidade popular que coadune com a
ideia de povo, em que as pessoas convirjam para esse bem comum que o Estado
simbolizaria e materializaria.
Apesar de ter semelhanças práticas entre Estados liberais e o Estado autoritário
(autoritarismo), eles não se confundem, pois a ideia de oposição política não
existe em nenhuma medida no totalitarismo que, como o nome indica, tem tudo
sob o domínio do governante ou seu partido.
Os clássicos exemplos de Estados totalitários, que foram responsáveis por
anularem direitos individuais e colocarem o Estado sempre acima do indivíduo,
foram a Alemanha nazista, a Itália fascista e a União Soviética.
Recomendamos ao estudante que se aprofunde sobre o tema, que é de grande
relevância no momento político atual e, assim, possa formar sua opinião enquanto
cidadão crítico. Sugerimos a leitura do livro literário 1984, de George Orwell, e da
obra política As origens do totalitarismo, de Hannah Arendt.

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Fonte: tlegend, shutterstock, 2020

PraCegoVer: Um martelo de juiz em cima de um grande livro. Ao lado, outros


dois livros grandes e sobre eles uma balança, símbolo da justiça. Tudo está sobre
uma mesa de madeira, e ao fundo há um armário de livros e algumas cadeiras.

4.0 Formas de Estado


A forma de Estado relaciona-se com a maneira como o Estado organiza suas
funções políticas, em uma análise a partir do grau de centralização destes
poderes políticos que compõem o Estado. Na prática é objeto de debates pois,

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se há mais ou menos centralização, é possível ampliar ou reduzir a proximidade
daqueles que governam com os cidadãos, o que variará muito em relação à
extensão territorial do país, a quantidade da população e o arranjo adotado.
Sobre as formas de Estado, Ranieri afirma:
―Um Estado pode adotar diferentes formas de organização política e administrativa,
conforme o grau de descentralização territorial do poder entre os entes que o compõem.
Essa descentralização é denominada vertical, posto que, em qualquer hipótese,
promoverá a repartição de competências entre a entidade central e as periféricas,
dotando-as ou não de autonomia política.‖ (Ranieri, 2019, p. 145).

4.1 Estados unitários


O Estado é considerado como unitário (ou também chamado de simples)
se organiza-se em um poder central, ainda que se divida em regionais e
províncias, que por sua vez não têm autonomias de poderes.
Azambuja (2008) tenta uma forma empírica de analisar e conceituar o estado
unitário, diferindo o que é um Estado e o que são apenas circunscrições
territoriais descentralizadas, que por sua vez estão presentes em estados
unitários.
O autor sublinha, portanto, que há nestes estados um único poder legislativo,
um poder executivo e um poder judiciário. Há, neste ponto, uma ênfase ao
poder legislativo que, sendo apenas um órgão, terá poder para editar regras neste
Estado.
Ainda que haja alguma descentralização administrativa, com administradores das
províncias, ou até mesmo com conselhos, estes terão algum grau de
subordinação, hierarquia e serão fiscalizados pelo poder central, o que não ocorre
no modelo estatal antagonista, o federalismo.
Anotamos aqui para o estudante que a descentralização política não deve ser
confundida com a administrativa. Enquanto a política refere-se à capacidade de
editar leis, a segunda está ligada ao gerenciamento da máquina administrativa
estatal que tem por finalidade a prestação do serviço público – e este é um
assunto relevante para a disciplina do Direito Administrativo e da Administração
Pública.
Nina Ranieri (2019), por sua vez, elenca três características aos Estados
unitários: a) centralização política, com unidade jurídica; b) descentralização
decisória, sob determinadas condições; c) burocracia única.
Azambuja (2008) alerta que esse modelo essencialmente centralizado só existiria
em lugares muito pequenos e pouco populosos. Podemos afirmar, assim, devido
à raridade deste estado unitário puro, que a melhor forma de analisá-los seria por
graus de centralização. Propomos, portanto, a separação dos estados mais ou
menos centralizados segundo os seguintes critérios:
a) centralizados: os estados unitários são centralizados quando o governo é
exercido com centralização total na figura do governante, ou a delegação de
competência da gestão está centralizada em órgãos próximos a ele.
b) descentralizados: por outro lado, temos a possibilidade de o governo central
repassar serviços públicos a outras instâncias, que terão algum grau de
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autonomia na gestão dos serviços, ainda que reste ao governo central os poderes
de fiscalização.
Mais uma vez, é necessário não confundir com descentralização política, que
seria a possibilidade de outros entes ou órgãos editarem leis. Nesse caso,
identificada tal características, estamos diante de um estado federado.
Um exemplo que os autores sempre citam como Estado unitário é a França (além
de Portugal e Uruguai).
Neste sentido, anotamos que na França temos coletividades territoriais, que são
organizações regionais, que podem administrar os serviços público por meio de
conselhos, mas estes não possuem um poder legislativo e, portanto, não têm a
possibilidade de exercer autonomia política.

4.2 Estados compostos


Os Estados compostos, também chamados de estados complexos, são formas de
Estado que apresentam mais de um centro político. Mario Lúcio Quintão Soares
(2011) afirma que esta forma de Estado é resultado da aglutinação de vários
outros estados e que a centralização do poder não é acentuada, como no Reino
Unido.

Assista aí
4.3 Estados federados
O termo federação possui sinônimo de união, aliança, cooperação. Um Estado
federado, por sua vez, surge do pacto de entre outros estados (que geralmente
serão chamados de estados-membros) que decidem perder sua soberania em
favor da União Federal. Há, portanto, o surgimento de um novo Estado.
Geralmente, a formação deste estado federado se dá pela Constituição, que
instrumentaliza a criação da União a partir desse movimento político dos estados-
membros.
Azambuja (2008) aponta que uma das características do federalismo é que a
união tem a intenção de ser perpétua, razão pela qual os estados-membros não
terão direito a sair do Estado, ou seja, não há no estado federado o direito de
secessão.
No Estado federado, da perspectiva da União, ocorre uma descentralização
política, que é a distribuição de competências de editar normas entre os entes
federados.
A origem histórica do federalismo remete às treze colônias inglesas nos Estados
Unidos da América: Era uma confederação que se reuniu (confederados da
Filadélfia) e decidiu abdicar da soberania, constituindo um Estado. A
representação inicial foi feita por embaixadores e a manutenção, por Senadores.
Destaca-se que este movimento de primeiro haver uma confederação, para em
seguida formarem a união, é chamado de Movimento Centrípeto, uma vez que a
soberania sai dos extremos para se aglutinar no centro, a União.

Pág. 16
Retomando os conceitos, visualizamos que há um arranjo para a atribuição das
competências de forma vertical, que vai centralizar com mais ou menos força,
conforme cada caso.
De uma síntese do que as referências aqui citadas mencionam, podemos afirmar
que para a formação do federalismo são necessários alguns requisitos:
 Constituição
há a necessidade de um liame normativo comum, geralmente realizado pelas
Constituições.
 Autonomia
os entes federados têm de possuir autonomia, que pode variar em graus. Essa
autonomia está ligada à administração interna e à amplitude da possibilidade de
fazer leis. Não se confunde com Soberania, que só o Estado tem.
 Manifestação da vontade dos entes federados
Os entes federados devem manifestar favoravelmente à federação. Isso
geralmente se dá com o Senado, que é composto por representantes dos
estados-membros.
 Auto-organização em Constituições
Os estados-membros também devem ter a possibilidade de organização própria,
o que geralmente se dá por meio de constituições.
Por outro lado, há características comuns para a manutenção da federação:
a) Rigidez Constitucional: esse elemento traz a impossibilidade constitucional de
alterações quanto ao sistema federal.
b) Um órgão de controle concentrado de leis que garanta que não haja
interferência nas autonomias federativas.

4.4 Confederações
As confederações surgem de um tratado entre cada Estado, e deste tratado não
surge um Estado novo, não há uma soberania única e por isso não é forma de
estado, apesar de ser comum ver autores colocarem as confederações nesta
classificação de Estados complexos.
Os Estados permanecem cada um com sua soberania, independentes, e pactuam
em prol de objetivos comuns, geralmente ligados à paz e questões comerciais. E,
por se formar a partir de um tratado, há na confederação o direito de secessão.
Historicamente, registra-se que as treze colônias inglesas da América firmaram
uma Confederação (1781), que logo em seguida se transformou em federação,
assim como na Suíça e na Alemanha.
Hoje a União Europeia pode ser considerada como um novo modelo de
confederação, em que há o compartilhamento de elementos que relativizam a
soberania dos estados por meio de um tratado, a moeda comum e regras de
entrada e saída mais flexíveis entre os cidadãos dos países membros.

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Compreender essa posição crítica sobre o fato de as confederações não serem
formas de Estado pode ser considerado um diferencial do estudante,
principalmente em sua fundamentação, pois demonstrará que domina os
elementos que compõem um Estado e suas formas de organização. Ademais,
aprofundar-se sobre a organização da União Europeia é necessário para aqueles
que querem dominar a disciplina na atualidade.

4.5 Estados Regionais


São estados que estão entre o estado unitário e o estado federado. Alguns
autores não aderem a esta classificação pela dificuldade entre criar critérios
adequados para distinguir dos outros dois modelos de Estado.
Pedro Lenza (2019) destaca que alguns autores classificam a forma de Estado
em regional por discordarem da ideia de que poderia existir um estado unitário
mais descentralizado. O autor anota que alguns também trazem a classificação
de Estado autonômico, como seria o caso da Espanha. Assim, afirma:
Certos autores, ao analisar alguns casos particulares, entendem imprecisa essa alocação
dentro dessa categoria de Estado unitário de maior grau de descentralização, preferindo,
então, criar outras, localizadas entre o Estado federal e o unitário, quais sejam, os
denominados Estado regional (Itália) e Estado autonômico (Espanha), que se identificam
não apenas pela descentralização administrativa como também — e aí a marca — pela
legislativa. Haveria um único poder constituinte, mas pluralidade de fontes
legislativas/normativas. (LENZA, 2019, p. 476-477).

Dessa forma, podemos afirmar que estes Estados regionais possuem unidades
que possuem alguma liberdade normativa, geralmente exercida por conselhos, e
estão entre Estados unitários e os federados.
Na Itália há 20 regiões autônomas, que a Constituição estabelece uma autonomia
peculiar, tendo, portanto, mais poderes políticos que em estados unitários, mas
sem uma autonomia total como os entes federados.

4.6 O novo federalismo brasileiro


O federalismo brasileiro deu-se a partir do Decreto nº 1, de 1889, em que foi
fundado os Estados Unidos do Brasil. O intuito era ter a facilidade de gerir as
especificidades de um país continental, com a descentralização das competências
políticas, em especial o exercício das funções executivas e legislativas. Com o
advento da Constituição republicana de 1891, o federalismo brasileiro foi
consolidado.
Apesar de nunca ter deixado de existir após a primeira república, nos momentos
em que a democracia foi reduzida com regimes de governos mais autoritários, a
autonomia dos estados-membros também foi diminuída. Assim, nos períodos
ditatoriais era comum a inobservância de cláusulas federalistas, inclusive com
Pág. 18
mecanismos de intervenções federais, como as ocorridas nos períodos de 1937 a
1945 e nos anos de 1967 a 1985.
Destacamos que esse processo inicial de formação do federalismo brasileiro é
denominado de movimento centrífugo. Ao contrário do que ocorreu nos Estados
Unidos da América, é possível perceber que com o fim do império brasileiro e o
golpe republicano, a unidade política central resolve delegar poderes políticos ao
estados-membros com o intuito de obter uma melhor gestão política e
administrativa. Por isso a nomenclatura utilizada refere-se a um poder que era
concentrado em uma unidade e, posteriormente, parte dele é delegado para os
membros federados.
Michel Temer (2006) diz que o Brasil hoje possui um federalismo de cooperação,
em virtude de arranjos que compartilham, por exemplo, recursos para tentar trazer
justiça distributiva. No entanto, Barroso (Lenza, 2019) critica exatamente este
ponto por entender que no Brasil não há um sentimento de nação, o que faz com
que as unidades federativas vivam em competição por recursos, poder e
protagonismos.
Composto pela União indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito
Federal (art. 18, da Constituição Federal), O Estado brasileiro assumiu a forma
federada na Constituição de 1988, colocando tal característica como imutável.
Os entes federativos que compõem o Estado brasileiro são autônomos, o que não
se confunde com Soberania, como já frisamos.

O federalismo brasileiro de 1988 inovou ao dar autonomia aos Municípios. A


bibliografia analisada traz que nos demais Estados pelo mundo, ainda que haja
algum tipo de autonomia, os Municípios não possuem autonomia legislativa e de
auto-organização semelhante ao Brasil. Esta é a razão pela qual, no Direito
brasileiro, há autores que estudam especificamente o direito municipal.
A partir da teoria analisada nos subtópicos anteriores, podemos verificar alguns
elementos da forma de estado arquitetada na Constituição Federal de 1988. O
objetivo é concluirmos cientificamente se vivemos realmente em um Estado
federado, ou se a nomenclatura é utilizada de forma inadequada.
Assim, podemos perceber que:
a) Há descentralização Constitucional de competências políticas: da leitura
dos arts. 21 a 24 da CF/88, em que é estabelecida a lógica de competências, em
que os Estados assumem competências legislativas residuais em relação às da
União, é possível afirmar que há descentralização política e autonomia
administrativa e legislativa dos estados-membros.
Por sua vez, o art. 30 traz as competências aos Municípios, que de forma geral
podem legislar sobre interesse local ou para suplementar as leis federais e
estaduais conforme o arranjo do art. 24 e seus parágrafos. Aqui também fica
demonstrado como os municípios também receberam autonomia, o que foi inédito
na história das nossas constituições.
A título de esclarecimento, o Distrito Federal atua de forma cumulativa, como
estado-membro e como município, conforme o § 1º do art. 32 da Constituição.

Pág. 19
b) Representação de todos Estados na formação da federação: O Brasil
adota o sistema bicameral, o que significa dizer que os legisladores federais são
os deputados federais, representantes do povo, e os senadores, que são
representantes dos estados-membros.
Importante perceber que é no Senado que há equilíbrio quantitativo na
representação legislativa. Cada estado possui três representantes no Senado,
independentemente do tamanho da sua população, e os senadores fazem o papel
contínuo de confirmarem a posição do seu estado nos interesses federados.
III – Auto Constituição e Organização: O art. 25 da Constituição Federal traz
que os Estados-membros serão organizados e regidos por suas próprias
Constituições.
E, apesar do debate teórico sobre a real natureza da Lei Orgânica Municipal na
Constituição Federal de 1988, sendo que o STF se posiciona no sentido de não
compreendê-la como uma Constituição, é nítido que a Constituição Federal deu à
Lei Orgânica, por meio do art. 29, o status de um instrumento jurídico-político para
a auto organização dos Municípios.
Dessa forma, percebemos que os Estados e Municípios possuem o poder político
de auto organizarem, com o enquadramento prático na teoria do federalismo.
IV – Rigidez Constitucional: O inciso I do § 4º do art. 60 da Constituição Federal
coloca o federalismo como cláusula pétrea, consagra, assim, o aspecto teórico da
rigidez constitucional e a ausência do direito de recessão. Dessa forma, nenhuma
alteração da constituição por Emenda à Constituição poderá tentar abolir a forma
federativa de governo que nosso país adotou.
V – Órgão de controle de leis que violem o pacto federativo: O STJ possui
atribuições que buscam evitar a quebra do pacto federativo e a ausência de
isonomia da aplicação das normas por entes federativos através de dos tribunais
de justiça, conforme se vê no inciso III do art. 105 da Constituição Federal.
Por outra via, o STF tem a possibilidade de realizar o controle das cláusulas que
tentem abolir a forma federativa, bem como atos e leis que negam a aplicação de
normas federais, conforme inciso III do art. 102 da CF.
Os dois tribunais superiores exercem, portanto, uma função importante na
manutenção da forma federativa por meio da atuação do poder judiciário, caso o
legislativo extrapole suas funções ou os órgãos do judiciário estadual.
VI – Intervenção federal: Os mecanismos de intervenção federal que servem
para garantir a própria forma federativa devem ser exceção e utilizados em último
caso. Ou seja, se por um lado deve ser evitada qualquer interferência de um ente
federado em outro, por outro lado em algumas circunstâncias é essa intervenção
que permitirá a estabilidade jurídica e social para que o federalismo não seja
rompido.
Assim, o art. 34 da CF/88 traz as hipóteses em que é possível a intervenção da
União nos Estados-membros e Distrito Federal:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
I - manter a integridade nacional;
II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;

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IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;
V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que:
a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo
motivo de força maior;
b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição,
dentro dos prazos estabelecidos em lei;
VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais,
compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do
ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 29, de 2000)

Podemos citar, a título exemplificativo, que a União intervirá para manter a


integridade nacional, repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da federação
a outra, pôr termo a grave comprometimento da ordem pública, prover execução
de lei federal, ordem ou decisão judicial, dentre outras circunstâncias previstas na
Constituição.
Em 2018 ocorreu a única intervenção federal após a Constituição de 1988. Com
fundamento no inciso III do art. 34, o governo federal trouxe medidas interventivas
no Rio de Janeiro (analisaremos o ocorrido no final do capítulo).
A constituição também prevê a intervenção de Estado nos Municípios. No mesmo
sentido, a intervenção é medida excepcional.
É possível ocorrer a intervenção, dentre outros motivos, em razão do Município
não prestar contas devidas, conforme a lei, ou não tiver sido aplicado o mínimo
exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas
ações e serviços públicos de saúde.
É importante perceber que, na lógica da intervenção, quando a União age, ela
está atuando em nome de todos os entes federados, para conseguir
reestabelecer a ordem normal da federação, assim como os estados-membros, e
quando intervém no Município, o faz em nome dos demais Municípios também.
A Constituição atribui ao chefe de Estado a competência para decretar a
intervenção, ainda que a pedido do Legislativo ou judiciário, e dependerá de
apreciação do legislativo.

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É ISSO AÍ!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
 conhecer sobre algumas teorias que justificam a soberania estatal e explicam
como esse poder é exercido pelo Estado.
 entender a respeito da separação orgânica dos poderes, teoria de
Montesquieu que até hoje influencia grandemente os Estados ocidentais e que
sempre é tema das questões jurídicas em nossa realidade.
 verificar que o Estado pode exercer sua soberania de forma democrática e
autoritária, certo de que, com a nova ordem internacional em que vivemos, a
democracia é um valor fundamental dos cidadãos, razão esta pela qual
voltaremos ao assunto de forma mais aprofundada na próxima unidade.
 analisar as formas de Estado, com uma ênfase maior nos Estados unitários e
federados, pois compreendem a maior incidência de organização presente no
mundo hoje.
 compreender que o Brasil se insere no modelo de Estado Federado, inclusive
com a particularidade de termos Municípios com autonomia de auto-
organização.

REFERÊNCIAS
AZAMBUJA, D. Teoria geral do Estado. 4ª ed. São Paulo: Globo, 2008
BERNARDES, J. T.; FERREIRA, O. A. V. A.. Direito Constitucional: Tomo I –
Teoria da constituição. 9ª ed. Salvador: Editora juspodivm, 2019.
FERREIRA FILHO, M. G. Curso de direito constitucional. 40 ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2015.
MALUF, S. Teoria geral do estado. Atualização prof. Miguel Alfredo Malufe Neto.
29ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
RANIERI, N. Teoria do Estado: do estado de direito ao estado democrático
de direito. 2ª ed. Barueri: Manole, 2019.
SOARES, M. L. Q. Teoria do Estado: novos paradigmas em face da
globalização. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2011.
TEMER, M. Elementos de direito constitucional. 21ª ed. São Paulo: Malheiros,
2006.

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