Oliveira, Gloria, Brasileiros Ilustres No Tribunal Da Posteridade
Oliveira, Gloria, Brasileiros Ilustres No Tribunal Da Posteridade
Oliveira, Gloria, Brasileiros Ilustres No Tribunal Da Posteridade
Brasileiros ilustres no
tribunal da posteridade
biografia, memória e experiência
da história no Brasil oitocentista*
VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 26, nº 43: p.283-298, jan/jun 2010 283
Maria da Glória de Oliveira
1 GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
e o projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.1, p.5-27, 1988; e MATTOS, Ilmar R.
Tempo saquarema. A formação do estado imperial. 5aed. São Paulo: Editora Hucitec, 2004.
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2 DOSSE, François. Le pari biographique. Écrire une vie. Paris: La Découverte, 2005, p.185-194 et passim.
3 Ao longo do texto, utilizarei as expressões “vidas” e “biografias” como sinônimas, a despeito da precedência his-
tórica do uso da primeira para designar o gênero biográfico (com bios dos gregos), e de sua larga vigência, pelo
menos até meados do século XVIII, quando os termos biographie e biographe aparecem registrados em língua
francesa no Dictionnaire de Trévoux (1721) com a definição de “história da vida de um indivíduo”. MADELÉNAT,
Daniel. La biographie. Paris: PUF, 1984, p.11-20.
4 KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contra-
ponto/Editora PUC-Rio, 2006, p.41-44 et passim.
5 HARTOG, François. Regimes d’historicité. Presentisme et expériences du temps. Paris: Éditions du Seuil, 2003,
p.117.
6 CATROGA, Fernando. O magistério da história e exemplaridade do grande homem. A biografia em Oliveira Martins.
In: PÉRES JIMÉNEZ, A.; FERREIRA, J. Ribeiro e FIALHO, Maria do Céu. (ed.) O retrato literário e a biografia como
estratégia de teorização política. Coimbra: Málaga, 2004, p.258.
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7 BONNET, Jean-Claude. Naissance du Panthéon. Essai sur le culte des grands hommes. Paris, Fayard, 1998,
p.29.
8 BONNET, Jean-Claude. Naissance du Panthéon, p.9-13 e 32.
9 HARTOG, François. Plutarque entre les Anciens et les Modernes. In: PLUTARQUE. Vies parellèles. Paris: Gallimard,
2001, p.46.
10 FABRE, Daniel. L’atelier des héros. In: CENTILIVRES, Pierre; FABRE, Daniel; ZONABEND, Françoise (orgs.). La
fabrique des héros. Paris: Éditions de la Mason des sciences de l’homme, 1998, p.272.
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14 JANCSÓ, István. Independência, independências. In: Independência: história e historiografia. São Paulo: Editora
Hucitec/FAPESP, 2005, p.17-48.
15 BARBOSA, Januário da Cunha. Discurso. Revista do IHGB, t.1, p.16, 1839.
16 CATROGA, Fernando. Memória, história e historiografia. Coimbra: Quarteto, 2001, p.40-44.
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17 Relatório do Primeiro Secretário Perpétuo Januário da Cunha Barbosa. Suplemento da Revista do IHGB, t.5, p.4,
1843.
18 Discurso do orador Joaquim Manoel de Macedo. Revista do IHGB, t.26, p.925-926, 1863.
19 ZANGARA, Adriana. Voir l’histoire. Théories anciennes du récit historique. Paris: EHESS, 2007, p.165-166.
20 Discurso do orador Joaquim Manoel de Macedo, p.925.
21 Discurso do orador Joaquim Manoel de Macedo, p.926.
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22 Sobre a posteridade elevada a “foro de justiça” e a metáfora da história como “tribunal” ver KOSELLECK, Reinhart.
Histoire, droit et justice. In: L’expérience de l’histoire. Paris: Éditions Gallimard/Seuil, 1997, p.161-180 e KOSELLECK,
Reinhart. historia/Historia. Madrid: Editorial Trotta, 2004, p.60-65.
23 Relatório do primeiro secretário Joaquim Manoel de Macedo. Revista do IHGB, t.19, p.92, 1856.
24 SISSON, S. Galeria dos brasileiros illustres (os contemporaneos), retratos dos homens mais illutres do Brasil, na
politica, sciencias e letras, desde a guerra da independencia até os nossos dias, copiados por S. A. SISSON,
acompanhados das suas respectivas biographias. Publicado sob a protecção de S. M. o Imperador. Rio de Janeiro:
Lithographia de A. S. SISSON, 1859-1861, 2 v.
25 Revista do IHGB, t.22, p.700, 1859.
26 Revista do IHGB, t.22, p.700, 1859.
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31 GUIMARÃES, Lúcia M. Paschoal. Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial: o Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro (1838-1889). Revista do IHGB, Rio de Janeiro, n.388, p.571-572, jul./set.1995.
32 CEZAR, Temístocles. Presentismo, memória e poesia. Noções da escrita da história no Brasil oitocentista. In:
PESAVENTO, Sandra J. (org.) Escrita, linguagem, objetos. Leituras de História Cultural. Bauru/São Paulo: Edusc,
2004, p.43-80.
33 Parecer sobre o Elogio Histórico de José Bonifácio, p.515.
34 MARTIUS, Carl P. von. Como se deve escrever a história do Brasil (1844). Revista do IHGB, p.204, 1953.
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35 GAY, Peter. O estilo na história: Gibbon, Ranke, Macaulay, Burckhardt. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.23.
36 Parecer sobre o Elogio Histórico de José Bonifácio, p.518.
37 Parecer sobre o Elogio Histórico de José Bonifácio, p.519-520.
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O tribunal da posteridade
A tarefa de honrar a memória dos grandes homens, empreendida como
antídoto à ação do tempo, não era evocada sem que nela também estivesse
implícito certo dever de justiça. Nos discursos dos sócios eminentes do
Instituto, seria recorrente a analogia, tornada célebre por Jules Michelet,
do papel do historiador com a de um magistrado encarregado do ofício de
administrar o legado dos mortos, uma espécie de intermediário e intérprete
de suas vozes junto à posteridade.38 Ninguém celebraria tal compromisso
com mais clareza do que o orador Joaquim Manoel de Macedo:
38 BARTHES, Roland. Michelet. São Paulo: Companhia das Letras, p.74, 1991; e HARTOG, François. Michelet, a
história e a “verdadeira vida”. Ágora, Santa Cruz do Sul/RS, n.1, v.11, p.13-19, 2005.
39 Discurso do orador. Revista do IHGB, t.22, p.706, 1859 (grifos meus).
40 Sobre as dimensões ético-políticas da memória e suas relações com a idéia de justiça ver RICOEUR, Paul. A
memória, a história, o esquecimento. Campinas/SP: Editora Unicamp, 2007, p.99-104.
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dar, muitas vezes, uma firme opção pela crítica histórica como caminho
privilegiado para a retificação da memória. De um modo bastante evidente,
tal premissa marcaria as investigações de Joaquim Caetano Fernandes Pi-
nheiro. Para o cônego, a defesa enfática do compromisso do historiador com
a verdade e a imparcialidade, combinado ao pressuposto de um “tribunal
da história”, ao contrário de funcionarem como justificativas plausíveis para
o adiamento da investigação dos acontecimentos do passado recente do
Império, serviriam como argumentos propulsores para um estudo histórico
sobre Revolução Pernambucana de 1817, intitulado sugestivamente de Luiz
do Rego e a posteridade.41 Na função de primeiro secretário do Instituto em
1861, ele comentaria o trabalho em seu relatório anual: “examinei, estreme
de cor política, alheio às recriminações ou vindictas, e com a imparcialidade
de que Tacito prezava-se guardar para com a memoria de Othon ou Vitellio,
essa epoca de nós mais arredada pela transformação das idéas do que pelo
lapso do tempo”.42 Após compulsar “valiosos documentos” relativos ao epi-
sódio, Fernandes Pinheiro chegaria à convicção de que “injusta fora até aqui
a historia para com um respeitável varão”, o comandante português Luiz do
Rego, enviado por D. João VI para debelar o movimento.43 O que o cônego
propunha era não somente a correção das inexatidões acerca dos fatos da
revolução, mas a reabilitação daquele personagem histórico em nome de um
pretenso sentido de justiça. Se, por um lado, a retificação da memória não
dispensava procedimentos críticos específicos, tampouco podia prescindir do
fator que se tornara coadjuvante ao método dos historiadores e das condições
possíveis de elaboração historiográfica do passado: a própria temporalidade.
Tal aspecto apareceria destacado já nas primeiras linhas do seu estudo:
41 Nas páginas da Revista, prevaleceu o silêncio sobre a revolução pernambucana até 1853, quando começaram a
ser publicados documentos relativos ao movimento. Ver GUIMARÃES, Lúcia M. Paschoal. Da Escola Palatina ao
Silogeu, p.118.
42 Relatório do primeiro secretário Cônego Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro. Revista do IHGB, t.24, p.775,
1861.
43 Relatório do primeiro secretário Cônego Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, p.775 (grifos meus).
44 PINHEIRO, Joaquim Caetano Fernandes. Luis do Rego e a posteridade. Revista do IHGB, t.24, p.353, 1861.
45 Sobre o uso recorrente da noção de “tribunal da posteridade” no IHGB das décadas iniciais do século XX. Ver
GUIMARÃES, Lúcia M. Paschoal. Da Escola Palatina ao Silogeu, p.115-130.
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