TD 2 de Linguagem e Comunicação-Prof. Manoel

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Língua Portuguesa – Vestibular 2015.

1
Texto 1
O milagre das folhas
Não, nunca me acontecem milagres. Ouço falar, e às vezes isso me basta como
esperança. Mas também me revolta: por que não a mim? Por que só de ouvir falar? Pois
já cheguei a ouvir conversas assim, sobre milagres: “Avisou-me que, ao ser dita
determinada palavra, um objeto de estimação se quebraria”. Meus objetos se quebram
banalmente e pelas mãos das empregadas.
Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daqueles que rolam pedras
durante séculos, e não daqueles para os quais os seixos já vêm prontos, polidos e
brancos. Bem que tenho visões fugitivas antes de adormecer – seria milagre? Mas já me
foi tranquilamente explicado que isso até nome tem: cidetismo (sic), capacidade de
projetar no alucinatório as imagens inconscientes.
Milagre, não. Mas as coincidências. Vivo de coincidências, vivo de linhas que
incidem uma na outra e se cruzam e no cruzamento formam um leve e instantâneo
ponto, tão leve e instantâneo que mais é feito de pudor e segredo: mal eu falasse nele, já
estaria falando em nada.
Mas tenho um milagre, sim. O milagre das folhas. Estou andando pela rua e do
vento me cai uma folha exatamente nos cabelos. A incidência da linha de milhões de
folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-las a
mim. Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a
escolhida das folhas. Com gestos furtivos tiro a folha dos cabelos e guardo-a na bolsa,
como o mais diminuto diamante.
Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca,
engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança. E
também porque sei que novas folhas coincidirão comigo.
Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza.

LISPECTOR, Clarice. In: SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Organização e introdução.


As cem melhores crônicas brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p. 186-187.
1. O texto estrutura-se em pares opositivos.
Marque com S a(s) oposição(ões) que se encontra(m) no texto e, com N, a(s) que não se
encontra(m).
( ) milagres X esperança
( ) esperança X revolta
( ) milagre X coincidências
( ) folha X diamante
( ) (d)aqueles que rolam pedras durante séculos X (d)aqueles para os quais os seixos já
vêm prontos, polidos e brancos
Está certa, de cima para baixo, a seguinte sequência:
A) S, N, N, S, S.
B) N, S, N, S, N.
C) N, S, S, N, S.
D) S, S, S, N, N.
2. Atente ao que se diz sobre o texto.

I. Pode-se dividir o texto em duas partes: a primeira, do primeiro ao


terceiro parágrafo; a segunda, do quarto ao último parágrafo. Essa
delimitação, no nível do texto, corresponde a uma divisão no nível das
ideias.
II. O conectivo “mas” (quarto parágrafo) pressupõe um embate entre duas
vozes: uma que afirma algo, e outra que se opõe a esse algo ou o
restringe. Na crônica de Lispector, essas vozes derivam de personagens
diferentes.
III. O conectivo “mas” (quarto parágrafo) evidencia a oposição básica do
texto, que nomeamos aqui de milagre 1 e milagre 2. Está correto o que se
diz apenas em

A) I.
B) II e III.
C) I e II.
D) I e III.

3. O texto diz que

A) o fenômeno do milagre é privativo das pessoas que abraçam abertamente


uma religião.
B) saber-se indignas de milagres deixa todas as pessoa confusas e revoltadas
contra Deus.
C) é importante ver as pequenas coisas do cotidiano como milagres, ou
manifestações de Deus.
D) nem todo mundo é digno de receber um milagre da divindade.

4. O primeiro enunciado do texto “Não, nunca me acontecem milagres” (linha 1)


tem algumas peculiaridades. Assinale a alternativa correta em relação a esse
enunciado.

A) Na reescritura — Não, milagres nunca me acontecem —, o sujeito do


enunciado ocupa a posição canônica, isto é, a mais usada. Essa mudança altera a
expressividade e a impressividade da frase.
B) O emprego do advérbio “não” no início do enunciado é textualmente
irrelevante. Ele poderia ocupar qualquer lugar no enunciado sem que houvesse
alteração em nenhum nível do texto.
C) Há nele uma dupla negativa, muito característica da língua popular, mas só
na modalidade escrita.
D) Reescrito, o enunciado poderia ficar assim: Não me acontecem milagres
nunca. Dessa maneira, efetua-se a separação dos dois elementos negativos. Essa
nova estrutura prejudica a compreensão das ideias do texto.
5. Nos estudos sobre a obra de Clarice Lispector, fala-se da epifania (ou revelação)
que se dá com a personagem. Em determinado momento do texto, a personagem
passa a entender algo que, para ela, estava escondido ou obscuro.
Assinale a opção cujo trecho transcrito indica esse momento na crônica.

A) “Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande
delicadeza.”
B) “Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daqueles que rolam
pedras durante séculos...”
C) “Vivo de coincidências, vivo de linhas que incidem uma na outra e se
cruzam...”
D) “Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca,
engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança.”

6. É correto dizer que o enunciado “Meus objetos se quebram banalmente e pelas


mãos das empregadas”,

A) é puramente informativo.
B) tem sutis conotações irônicas.
C) exige um conhecimento especializado do leitor.
D) traz uma informação indispensável para a atribuição de um sentido ao texto.

7. O pronome “isso” (linha 1) constitui uma anáfora. Sobre ele é correto afirmar
que

I. além de anafórico, o “isso” aponta para a posição que o substantivo


milagre ocupa no plano do texto, posição de anterioridade.
II. retoma a expressão “ouço falar” (ouvir falar de milagres) e aponta para a
anterioridade dessa expressão no texto.
III. tem conotações afetivas.

Estão corretas as complementações contidas em

A) I e II somente.
B) I, II e III.
C) I e III somente.
D) II e III somente

8. Acerca do “pois” da segunda linha, deve-se dizer que

A) semanticamente ele introduz uma noção de exclusão.


B) estabelece um elo com o enunciado anterior e tem o valor semântico de
conclusão.
C) não tem valor semântico nem função sintática mas reforça a coesão textual.
D) ressalta o valor de um elemento do enunciado para o entendimento das
informações que estão no nível dos elementos linguísticos do texto.
9. Geralmente, em um texto, detectam-se outras vozes além da voz do enunciador,
contradizendo-o ou concordando com ele. Às vezes, essas vozes vêm marcadas
por um verbo discendi e por sinais gráficos, tais como dois pontos, aspas,
travessão, etc. Isso acontece, principalmente, na narrativa dita tradicional.
Outras vezes, essas vozes aparecem muito sutilmente e exigem maior atenção do
leitor. Pondere sobre o seguinte excerto: “Pois já cheguei a ouvir conversas
assim, sobre milagres: Avisoume que, ao ser dita determinada palavra, um
objeto de estimação se quebraria.”. Nesse trecho da crônica, ouve-se mais de
uma voz camuflada pela voz do enunciador. Reconheça a única voz que NÃO se
manifesta no trecho destacado.

A) Ouve-se a voz de quem, como terceira voz, deu à segunda voz informações
sobre milagre.
B) A primeira voz é a do enunciador da crônica que relata o que lhe foi dito por
alguém.
C) Para fazer o relato do que lhe foi dito ele se vale do discurso indireto.
D) A segunda voz é a de alguém que fala sobre milagre ao enunciador da
crônica.

10. Reflita sobre o seguinte trecho “Até que fui obrigada a chegar à conclusão de
que sou daqueles que rolam pedras durante séculos, e não daqueles para os quais
os seixos já vêm prontos, polidos e brancos.”
Assinale com F o que for falso e com V o que for verdadeiro.

( ) Rolar pedras durante séculos e receber os seixos prontos e polidos são,


respectivamente, metáforas para o fazer sacrifícios por si mesmo e o fazer
sacrifícios pelos outros.
( ) Embora pedra e seixo possam aparecer como sinônimos, no texto desta prova
esses dois vocábulos não podem trocar de lugar sob pena de causar prejuízo,
senão à compreensão das ideias, pelo menos à expressividade e à carga emotiva
do texto.
( ) as orações 1. “que rolam pedras durante séculos” e 2. “para os quais os
seixos já vêm prontos, polidos e brancos”, restringem respectivamente o
“(d)aqueles” e o “(d)aqueles”. Daí a ausência da vírgula antes de “os quais” e de
“para os quais”.

Está correta, de cima para baixo, a seguinte sequência:

A) V, F, V.
B) V, F, F.
C) F, V, F.
D) V, V, V.

11. “Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a


escolhida das folhas.” Assinale a afirmação INCORRETA em relação aos
elementos do enunciado transcrito.
A) O pronome “isso” tem duas funções neste trecho: 1. apontar para trás
situando no espaço físico do texto o que foi dito; 2. resumir em si mesmo o que
foi dito antes.
B) As duas partículas “me”, que se relacionam com os verbos acontecer (me
acontece) e considerar (me considerar) têm, respectivamente, o valor de
complemento verbal direto e complemento verbal indireto.
C) Substituindo-se as partículas “me” por expressões substantivas, têm-se as
seguintes estruturas: 1. Isso acontece a minhas primas, tantas vezes [...]; 2.
Considerei meu pai o herói do momento.
D) Pode-se dizer que há, entre as duas orações desse enunciado, uma relação
entre causa e efeito. Mudando-se o foco, o enunciado pode ser assim reescrito:
Porque isso me acontece tantas (muitas) vezes, passei a me considerar
modestamente a escolhida das folhas.

12. O personagem do texto percorre etapas para chegar, ao final, a um estado de


epifania ou iluminação. Identifique esse percurso na ordem em que ele acontece.

A) revolta; certeza (do não merecimento de milagres); aceitação; ceticismo


(raivoso); iluminação.
B) conformação; revolta; ceticismo (raivoso); certeza (do não merecimento de
milagres); iluminação.
C) revolta; esperança; certeza (do não merecimento de milagres); ceticismo
(raivoso); aceitação; iluminação.
D) esperança; revolta; ceticismo (irônico); aceitação; certeza (do não
merecimento de milagres); iluminação.

13. O dicionário Houaiss Eletrônico apresenta várias acepções para o vocábulo


“coincidência”. Assinale a acepção na qual repousa o sentido em que o termo em
questão foi usado no texto.

A) Igualdade, identidade de duas ou mais coisas.


B) Ocorrência de eventos que, por acaso, se dão ao mesmo tempo e que parecem
ter alguma conexão entre si.
C) Realização simultânea de dois ou mais acontecimentos; simultaneidade.
D) Concorrência de coisas para um mesmo fim.

14. Observe a ocorrência, no texto, de marcadores temporais: “Até que” (segundo


parágrafo), “Até que” (quinto parágrafo) e “um dia (uma folha me bateu nos
cílios)” (último parágrafo). Geralmente esses marcadores, chamados de adjuntos
adverbiais, aparecem com mais de um valor semântico. Atente para o que é dito
sobre esses marcadores.

I. O do segundo parágrafo tem valor semântico de tempo e de


consequência.
II. O do quinto parágrafo é puramente temporal.
III. O do último parágrafo acrescenta o valor semântico de tempo ao de
condição.
É correto o que se diz em

A) I, II e III.
B) I e III apenas.
C) II e III apenas.
D) I e II apenas.

15. Os dois últimos parágrafos do texto constituem uma sequência

A) argumentativa, que dá um toque de intelectualidade ao texto.


B) narrativa, que empresta ao texto o cunho do cotidiano, imprescindível para a
crônica.
C) descritiva, que confere a tonalidade de leveza exigida pelo gênero crônica.
D) injuntiva (exprime uma ordem), que torna a crônica mais ágil, porque põe as
personagens em interação.

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