Os Clerigos Nativos Yoruba Barretti 2013

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O “Sagrado” e o Duvidoso na Etnografia1

1 - Os Clérigos Nativos Yorùbá

Aulo Barretti Filho 2

São inúmeros os yorùbá que se aculturaram com as religiões dos colonizadores,


e que utilizaram o conhecimento do idioma para impor as religiões estrangeiras. Vamos
repassar rapidamente alguns deles, para mostrar quão duvidosos são seus “escritos
sagrados” sobre o Òrìsàísmo3.
O reverendo John Raban (CMC)4 auxiliado por Ajayi Crowther, em 1830,
publicam o Vocabulário Eyo, em que declaravam que “Yorùbá” é a denominação geral
de um grande país, com “cinco” regiões, para não fracionar as publicações da bíblia.5
O real interesse, por parte dos missionários era grafar o yorùbá e, assim, traduzir
e publicar a bíblia, destinada a sustentar seus esforços de evangelização em todas as
cinco regiões, as quais, na realidade eram muitas mais, cada uma com seus dialetos,
unificada agora através do koine, a moderna língua geral yorùbá.
O bispo Samuel Ajayi Crowther6 (1809-1891) um ex-escravo adotado por um
senhor de nome Crowther, tornou-se um linguista e foi o primeiro bispo anglicano de

1
O título é tema de uma aula curricular do curso da Funaculty – “Cultura e Teologia Yorùbá
Comparada”, por nós ministrado desde 1979. Mais dados em http://funaculty.blogspot.com.
2
Escritor, pesquisador e professor da religião tradicional yorùbá e da afro-brasileira. Bàbálórìsà do
candomblé Kétu (Bahia) reafricanizado Ilé Àse Ode Kitálesi (em São Paulo, Brasil) e Asojú Oba Alákétu
(em Kétu no Benin). Odontólogo e presidente da Funaculty – “Fundação de Apoio ao Culto e Tradição
Yorùbá no Brasil.” Mais detalhes em http://pt.wikipedia.org/wiki/Aulo_Barretti_Filho.
3
Cf. em http://aulobarretti.wordpress.com/orisaismo.
4
Church Mission Society.
5
Pierre Fatumbí Verger. Orixás, Salvador, Ed. Corrupio, 1981, p.15.
6
Samuel Ajayi Crowther. A Dictionary of the Yoruba language, Ibadan, CMS, Oxford University Press,
1980 (1843, 1852) (1937, 1950) [1913-1950].

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origem africana yorùbá, na Nigéria.


Em 1852, ele escreve o Vocabulário Yorùbá, que era “então” sua língua,
segundo a definição dos haussá. Começou a traduzir em 1840 a bíblia para a “língua
yorùbá” e compilou um dicionário yorùbá.
Dom Emmanuel Moisés Lijadu, evangelista anglicano, yorùbá de Abeokuta,
autor, catequista, ativista franco e diácono em 1894, era evangelista ardente e foi o
criador da Banda Evangelística que percorreu o país. Em 1898, publicou um livro sobre
o oráculo yorùbá de Ifá.7
O reverendo pastor anglicano de Òyó Samuel Jonhson publicou em 1921, The
History of the Yorubas8 (originalmente escrito em 1897), um clássico dos mais
importantes sobre os yorùbá, especialmente os de Òyó.
Em 1931 em Lagos, o reverendo cristão David Onadele Epega publicou The
Mystery of the Yoruba Gods. Seu filho, o também “reverendo” conhecido como o
“Patriarca”, Daniel Olarimwa Epega e seu filho Afolabi A. Epega (neto de David)
foram igualmente escritores.
J. Olumide Lucas escreveu The Religion of the Yoruba9. Era arcediago, pastor da
Igreja de São Paulo de Lagos, Nigéria.
E. Bolají Idowu, um famoso religioso e ativista cristão, por sua vez, escreveu
Olódùmarè, God in Yoruba Belief10, um clássico na área, pioneiro nos estudos da
religião yorùbá. Sua interpretação de Olódùmarè foi e tem sido criticada e revisada, por
expressar um viés cristão11.
Chamado de “Sua Proeminência Bolaji” dentro dos círculos da Igreja Metodista
foi o terceiro líder indígena desta, de 1972 a 1984. Arquiteto da constituição da igreja de

7
E. M. Lijadu, Ifá: Imole Re ti Ise Ipile Isin ni Ile Yorùbá, Ado-Ekiti (1898), Omolayo S. Press of
Nigéria, 1972.
8
Routledge & Kegan Paul Ltda, London, 1973.
9
New York, Athelia H. Press, (1948) 2001.
10
Ibadan, Longman Group, 1977. 1ª Ed. 1962 (1960).
11
Cf. John A. I. Bewaji, “Olodumare: God in Yoruba Belief and the Theistic Problem of Evil.” In:
African Studies Quartely, http://www.africa.ufl.edu/asq/v2/v2i1a1.htm, 1998; ou na tradução de Luiz L.
Marins, em http://culturayoruba.wordpress.com/olodumare-deus-na-crenca-ioruba-e-o-problema-teista-
do-mal.

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1976, seu mandato é descrito por alguns como um dos mais agitadores na história da
Igreja Metodista da Nigéria.
J. Omosade Awolalu foi o autor de Yoruba Beliefs and Sacrificial Rites12, era
colega, amigo e seguidor de Idowu (seu orientador).
P. Ade Dopamu é autor do livro Exu: O Inimigo Invisível do Homem13.
Conhecido cristão e ativista, nesse livro promove a apologia de que Èsù é o mesmo ou o
próprio diabo cristão. Jamais o Òrìsà Èsù pode ser comparado à divindade do mal
absoluto, ao diabo e/ou satã das religiões cristãs e/ou muçulmanas, É de se estranhar
que uma editora de um sacerdote nativo da tradicional religião yorùbá no Brasil, tenha
traduzido e publicado um livro dessa natureza.
“Um fato muito importante e que deveria ser totalmente condenável é que
sempre que se “estuda” ou se faz “pesquisa” no campo das religiões comparadas, os
parâmetros e referenciais são sempre os do cristianismo, do islamismo e de outras
religiões para a religião tradicional dos yorùbá. A recíproca, infelizmente, nunca é
verdadeira, pois se assim o fosse, com certeza teríamos inúmeras e novas variáveis a
serem avaliadas, para o bem da religião tradicional yorùbá e de suas descendentes.” 14
Todos esses livros e autores aqui arrolados falam da religião tradicional dos
òrìsà. Porém, há que se ter extremo cuidado nos conceitos e conclusões que chegarem,
pois são todos ativistas de outras religiões que, mesmo sendo nativos yorùbá, não estão
preocupados com a religião tradicional, e sim em criar meios e subterfúgios de
compará-las às suas próprias religiões, criticando assim a religião dos òrìsà e induzindo
o leitor a aceitar as religiões que usam como parâmetro como as únicas e verdadeiras
religiões.
Algo que também almejamos é inverter esses parâmetros, a partir da aceitação e
promulgação do conceito universal do Òrìsàísmo.

12
Yoruba Beliefs and Sacrificial Rites, London, Logman Group, 1979.
13
Exu: O Inimigo Invisível do Homem, São Paulo, Editora Oduduwa, 1991(1986).
14
Aulo Barretti Filho. “Òsóòsì e Èsù, os Òrìsà Alákétu”. In: Dos Yorùbá ao Candomblé Kétu - Origens,
Tradições e Continuidade. Aulo Barretti Filho (Org.) São Paulo, Edusp, 2010, pp. 132-134.

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