O Método Da Teoria Neoclássica - A Economia Neoclássica É Uma Teoria Refutável
O Método Da Teoria Neoclássica - A Economia Neoclássica É Uma Teoria Refutável
O Método Da Teoria Neoclássica - A Economia Neoclássica É Uma Teoria Refutável
1. Introdução
Sem ser exaustivo, este artigo procura retomar a questão metodológica a partir da
análise da concepção de método na teoria neoclássica. Após uma breve sistematização
da concepção empirista, desde os indutivistas clássicos, passando pelo falseacionismo
popperiano e pelo programa de pesquisa de Lakatos, procura-se apresentar argumentos
que justificam a posição neoclássica quanto ao método em economia.
** Doutorando, PPGE-UFRGS. E-mail: [email protected].
2[2] Para uma esquematização das idéias deste grupo, ver CALDWELL (1982).
4[4] Esta posição não pode ser confundida com as posições de Popper (1977, 1982), apesar deste ter
sido contemporâneo e de ter colaborado em certo sentido com o CÍRCULO DE VIENA.
Ademais, Popper, apoiado em Hume, derruba o indutivismo e, por conseguinte,
o "apelo" fortemente empirista do positivismo lógico. A observação, os fatos e a
experimentação não levam à verdade inexorável, última, apenas possibilitam testar a
teoria e revisar o problema que a teoria postula solucionar.
Até aqui, o que se viu foi uma rápida visão da evolução do pensamento empirista
que se consolidou a partir do século XVI e que até os dias atuais é usado em ampla
medida pela ciência na resolução de problemas, na formulação de bases empíricas e na
corroboração de teorias. Contudo, a primazia da observação como processo de
compreensão do real não vigora com o mesmo entusiasmo do passado. A observação
pura e o acúmulo sistemático de observações pouco representam, a menos que estejam
estreitamente ligados a um corpo teórico básico.
Além desse aspecto geral, a indução foi questionada por David Hume em sua
base racional e lógica no trabalho "Investigações sobre o conhecimento humano". Hume
(1989) defende com bastante ênfase que não há uma justificativa racional capaz de
assegurar que o que aconteceu no passado se repetirá no futuro, por maior que seja o
número de repetições e/ou observações realizadas. Pode-se sempre afirmar o contrário
do observado no passado, ou seja, pode-se afirmar categoricamente que o sol não vai
nascer amanhã sem se incorrer em erro lógico, porque simplesmente não se conhece a
causa primeira ou a essência do processo de nascimento do Sol. Não se pode fazer a
ponte entre a causa e o efeito, apenas se pode observar e anotar as repetições.
5[5]Segundo Feijó (1994) a metodologia popperiana é adaptada em economia por
autores como Hutchison (1965) e Machlup (1978).
Popper diferencia a ciência da não-ciência propondo o seguinte critério de
demarcação: “... a ciência é aquele corpo de proposições sintéticas sobre o mundo real
que pode, pelo menos em princípio, ser falseada mediante observações empíricas.
Portanto, a ciência se caracteriza pelo seu método de formular e testar proposições, (...)
qualquer que seja a certeza apresentada pela ciência, essa é a certeza da ignorância.”
(Blaug, 1993, p.50) A característica fundamental do conhecimento científico, portanto,
é a constante tentativa de falsear as hipóteses existentes e substituí-las por outras que
resistem à falseabilidade. Outra forma de ver o mesmo processo é encarar o critério de
demarcação como sendo o de que as teorias são científicas se fazem previsões passíveis
de serem testadas empiricamente. Neste sentido, o critério essencial é o de se expor ao
teste da realidade observável. Conforme este critério, tem-se um amplo espectro de
conhecimento que vai do extremo da física e da química, consideradas como as ciências
naturais “pesadas”, passando pelas ciências sociais, até a poesia e as artes.
6[6]Para uma crítica a esta posição de Popper, veja Ramos (1993, p.59).
7[7] Essa passagem merece um tratamento mais rigoroso que será feito nos próximos parágrafos.
desaparecerão com o avanço de nossa compreensão.’” (Blaug, 1993, p.56) Ademais,
uma teoria pode não corresponder aos fatos empíricos.
9[9] Algumas das dificuldades, apontadas por Lisboa (1998), sobre a realização de
testes empíricos para validar um argumento ou proposição: “O teste empírico de
qualquer argumento usualmente requer a adoção de diversas hipóteses auxiliares. Estas
hipóteses definem e selecionam tanto os dados empíricos quanto os testes estatísticos a
serem utilizados. Além disso, os argumentos falseáveis são usualmente definidos em
condições ideais que não são satisfeitas empiricamente, ou ainda, podem requerer a
especificação de variáveis não mensuráveis.” (Lisboa, 1998, p.122-23)
inconsistente com qualquer argumento sobre a descoberta da verdade: todo
argumento é necessariamente conjuntural. Não é possível descobrir a
verdade; apenas o erro.” (Lisboa, 1998, p.122)
10[10] Os itens de 4 a 10 foram obtidos da sistematização proposta por Caldwell e que é
citada por Lisboa (1998, p.124-25).
Esses autores, como David Hume, mostram-se bastante céticos quanto a possibilidade
de se conseguir chegar à compreensão exata e completa dos fenômenos econômicos
típicos. Nesse sentido, assumem como inviável o desafio de se construir uma teoria que
reproduza integralmente a realidade. Friedman (1954) postula que o papel da teoria é
definir leis de movimento gerais e fazer previsões universais, enquanto o real é único,
especifico e complexo e, portanto, indecifrável em sua essência. Desta forma toda
formulação teórica necessariamente apóia-se em hipóteses irrealistas e em
simplificações que buscam captar apenas os elementos fundamentais de cada processo
ou fenômeno econômico que está sendo analisado e/ou estudado. Assim, toda teoria
seria uma construção simplificada e idealizada da realidade e, necessariamente, falsa.
Assim sendo, seria um equivoco de análise tentar discutir o realismo das hipóteses, ou
tentar comparar a qualidade de teorias distintas com base na analise da exatidão de suas
hipóteses, pois todos os modelos teóricos usam hipóteses irreais. Para contornar esse
problema, Friedman (1954) e Machulup (1978) propõem dois critérios para avaliar ou
comparar teorias econômicas. O primeiro critério seria o de avaliar a capacidade
explicativa da teoria em relação a eventos que estão acontecendo no tempo. Segundo
Lisboa (1998) esse critério apresenta uma inconsistência lógica, “pois é sempre possível
construir diversos argumentos alternativos para explicar a mesma seqüência de eventos
observados sem que seja possível, a priori, demonstrar que algumas destas explicações
sejam equivocadas.” (Lisboa, 1998, p. 118).
Na prática essa visão dita instrumentalista avalia teoria apenas por sua capacidade de
previsão da realidade. Cabem nesse perfil, em economia, as escolas de Chicago e
Minnesota que têm como fio condutor a elaboração de modelos capazes de fazer boas
previsões econômicas que podem, dessa forma, ser expostos aos testes empíricos. Essa
visão pragmática é semelhante, em algum sentido, à visão de Popper, pois para essa
linha de pensamento a boa teoria é a que faz previsões que são corroboradas ou que não
são derrubadas pelas observações e que, portanto, não são falseadas pelos dados da
realidade.
2.4 Os Programas de Pesquisa Científica de Lakatos12[12]
Para Lakatos, “... uma teoria [T] é falsificada apenas quando uma teoria
alternativa [T’] com maior grau de falseabilidade é desenvolvida.” (Lisboa, 1998,
p.126) A teoria alternativa (T’) deve possuir as seguintes características: 1) ter mais
conteúdo empírico que a teoria T, isto é, prever fatos novos; fatos estes improváveis ou
proibidos à luz de T; 2) T’ explica o sucesso anterior de T, isto é, todo o conteúdo não
refutado de T é incluído no conteúdo de T’; 3) algum excesso de conteúdo de T’ é
corroborado.
Um PPC é superior a um outro se “... cobrir todos os fatos previstos por um PPC
rival, e, além disso, fazem-se também previsões extras, algumas das quais sendo
empiricamente confirmadas.” (Blaug, 1993, p. 76) Exemplo de PPC bem sucedido é a
teoria da atração de Newton.
Lisboa (1998) apresenta uma situação na qual o novo modelo não falsifica, ou
substitui, o modelo antigo dentro de um mesmo programa de pesquisa científica.
Suponha que um determinado programa de pesquisa adote um modelo rejeitado por
alguns testes empíricos e proponha um modelo alternativo capaz de explicar um
conjunto maior de casos que o modelo antigo. Entretanto, suponha que o novo modelo
apresenta um grau menor de falseabilidade, ou seja, “... o conjunto de observações
12[12]Análise com base em Blaug (1993) e Lisboa (1998). As idéias centrais podem ser
encontrados no artigo de Lakatos: “O Falseamento e a Metodologia dos Programas de
Pesquisa Científica”Lakatos e Musgrave, (1979)
empíricas que levariam à rejeição do novo modelo é menor do que o conjunto associado
ao modelo existente.” (Lisboa, 1998, p.127) Neste caso, o modelo que reduziu o grau de
falseabilidade não deve ser aceito. Além disso, na hipótese de um modelo ser
falsificado, abre-se um campo de pesquisa no qual são construídos modelos alternativos,
compatíveis com os fatos aceitos e progressivos.
Para Lakatos, a história da ciência pode ser descrita como a preferência racional
de cientistas por PPCs progressivos em vez de degenerativos, ou seja, por programas de
pesquisa com conteúdo empírico cada vez maior. Lisboa (1998) resume do seguinte
modo o critério de progresso da ciência proposto por Lakatos: “Não basta apontar as
limitações com os modelos existentes; é necessário propor um modelo alternativo que
corrobore os sucessos do modelo anterior, não reduza o grau de falseabilidade da
teoria e explique algum fato novo.” (Lisboa, 1998, p.131)
13[13]Análise com base em Blaug (1993).
A teoria do consumidor tem uma longa e complexa história, que pode ser assim
resumida:
Até a época de Marshall, a lei da demanda era considerada uma lei determinista,
ou seja, uma regularidade empírica que não admitia exceções. De Marshall em diante, a
referida lei passou a ser considerada como uma lei estatística de comportamento do
mercado, admitindo exceções, caso do paradoxo de Giffen. Como lei estatística, a lei da
demanda, que se apóia fundamentalmente na hipótese de racionalidade e no
individualismo metodológico, é uma das mais corroboradas em economia. As
contribuições de Slutsky, Allen e Hicks consolidaram a teoria do consumidor, pois a
partir de então a curva de demanda passou a ser deduzida de axiomas fundamentais. A
contribuição de Samuelson, a teoria da preferência revelada, propunha,
fundamentalmente, inferir as preferências do consumidor a partir do comportamento
revelado e não o contrário. Esta teoria passou por um processo de axiomatização a tal
ponto que se tornou logicamente equivalente à teoria da utilidade16[16].
Blaug (1993) afirma que é difícil negar à lei da demanda o status de uma lei
científica, ou seja, relação universal e bem corroborada entre eventos ou classes de
15[15] O acúmulo de observações empíricas sobre o comportamento individual e sobre
os mercados financeiros - mercados mais próximos da concorrência perfeita - aponta
diversas anomalias que colocam em questão a hipótese de racionalidade, a tal ponto que
a hipótese pode ser considerada falsa. Todavia, como não existem testes empíricos
definitivos e aceitos inequivocamente por todos e como as hipóteses de racionalidade e
de informação completa funcionam bem em várias circunstâncias, e, além disso, vários
resultados da hipótese da racionalidade restringida não diferem em muito dos resultados
da teoria convencional. Os economistas tendem, nessas circunstâncias, a não
abandonarem a teoria microeconômica padrão em favor de alternativas dissidentes que
dispensam o individualismo metodológico.
Ao final dos anos 50, Solow apresentou a sua teoria do crescimento econômico,
na qual utiliza-se de uma função de produção agregada e supõe-se o progresso técnico
exógeno.19[19] O progresso técnico pode ser do tipo Harrod-neutro e Hicks-neutro: no
primeiro caso, o conhecimento, representado por A, entra na função de produção
17[17]Blaug (1993) chega a esta conclusão a partir da análise de Latsis (1972), segundo
a qual o programa neoclássico é degenerativo porque é estéril e, apenas
secundariamente, por não ser empiricamente corroborado.
A prova rigorosa do equilíbrio geral foi obra dos autores Arrow, Debreu e
Mckenzie nos anos 30. Supondo conjuntos de possibilidades de consumo e de produção
convexos, além disso, utilizando a hipótese de racionalidade,21[21] eles propuseram os
20[20]Em termos formais. Seja a função de produção dada por: Y=f(K,AL), neste caso
o progresso técnico é Harrod-neutro. Se a função de produção é Y=Af(K,L), então, se
diz que o progresso técnico é Hicks-neutro.
Dado que as condições iniciais da teoria do equilíbrio geral não são satisfeitas
nas modernas economias, isto implica que a teoria é “inaplicável”. Todavia, a teoria do
equilíbrio geral não faz previsões, portanto, não pode ser falseada por evidência
empírica. O conteúdo empírico da teoria é nulo porque “... nenhum sistema teórico
concebido em tais termos completamente gerais poderia prever qualquer evento
econômico ou (...) proibir a ocorrência de qualquer evento econômico que pudesse
eventualmente emergir.” (Blaug, 1993, p.233) Por não ter conteúdo empírico, segundo a
metodologia popperiana, é difícil justificar o termo teoria. Pode-se analisar a
consistência lógica da teoria do equilíbrio geral, mas é inútil fazer uma ponte entre a
teoria e o mundo dos fatos. De fato, a teoria não tem a pretensão de descrever o mundo
real, bem como avaliá-lo ou prescrever algo em termos de política econômica.
Uma defesa da teoria do equilíbrio geral é a de que serve como alicerce para se
analisar, entre outros fenômenos, os retornos crescentes de escala, a concorrência
imperfeita, etc.22[22] A crítica a esta defesa é a de que independentemente da tradição
walrasiana os fenômenos mencionados já haviam sido descobertos e investigados. Outra
defesa afirma que, do ponto de vista da metodologia de Lakatos, a teoria do equilíbrio
geral constitui o núcleo central do programa de pesquisa científico neoclássico,
portanto, não é passível de comprovação empírica. Blaug (1993) critica esta defesa ao
lembrar que a economia marshalliana deu pouca atenção para a teoria do equilíbrio
geral. Ele manifesta um certo descontentamento com a teoria em questão ao afirmar: “O
que parece ter ocorrido historicamente é a teoria do EG invadiu a economia neoclássica
e no processo transformou-a em um aparato altamente técnico e formal para falar acerca
de uma economia como se toda aquela conversa correspondesse a uma economia real.”
(Blaug, 1993, p.236) Finalmente, a característica principal da teoria do equilíbrio geral
“... tem sido a formalização sem fim de problemas puramente lógicos sem a mínima
consideração com a produção de teoremas falsificáveis acerca do comportamento
econômico real, o qual, insistimos, permanece sento a tarefa fundamental da economia.”
(Blaug, 1993, p.237)
4. Considerações finais
5. Referências bibliográficas
DEMO, Pedro. Metodologia Científica em Ciências Sociais. São Paulo, 2a Edição, Ed.
Atlas, 1989.