Metodologias Do Ensino de Literatura

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METODOLOGIAS DO ENSINO DE LITERATURA


Albeiro Mejia Trujillo – [email protected]
Universidade de Brasília, UnB, Brasília, DF, Brasil; https://orcid.org/0000-0001-8581-5150

RESUMO: No artigo que aqui apresentamos são expostas cinco abordagens referentes à metodologia do ensino
de Literatura. Sabe-se que a Literatura, como campo de estudo, tem sido um domínio de interface com a Filosofia,
a Sociologia, a Psicologia, a História entre outros campos do conhecimento. Essa característica confere à Literatura
um status de quase independência, porém a sua pertença formal à grande área de Linguística, Letras e Artes a reduz
a uma simples auxiliar do processo de fixação da língua, quando não é tratada só como objeto lúdico de “aquisição
de cultura”. Tais posições em que se encontra a Literatura conduzem a um relativo desinteresse no
desenvolvimento e aprimoramento de métodos de ensino desse campo de estudos e, tentando contribuir com essa
área de conhecimento, apresentamos os seguintes temas: metodologia do ensino da literatura a partir dos estudos
literários; metodologia do ensino da literatura como processo de leitura e escritura; metodologia do ensino da
literatura a partir da dimensão estética e lúdica; metodologia do ensino da literatura a partir dos gêneros literários;
e metodologia do ensino da literatura a partir da dimensão hermenêutica. Retomando esses instrumentos para o
ensino da Literatura, pretende-se estimular o interesse no desenvolvimento de novos caminhos que contribuam
para o ensino literário.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura; metodologia; ensino; estética.

1 INTRODUÇÃO

O pressuposto inicial para se compreender melhor a metodologia do ensino de literatura parte do


fato de conceber a mesma como um campo de estudo difuso, complexo, e às vezes inapreensível, devido,
entre outros fatores, ao caráter ancilar desta, dado que está sujeita a diversas disciplinas como a linguística,
a psicologia, a sociologia, a história, etc.; enfoques teóricos como o estruturalismo, crítica retórica,
psicanálise, formalismo, crítica hermenêutica, etc.; e perspectivas diferentes de análise literária que vêm o
texto artístico na ótica do autor, da obra, do leitor, do contexto espaço-temporal, etc. Na prática, a
complexidade dos estudos literários, e o relativo desconhecimento que o leitor médio tem do fenômeno
literário fizeram, até a atualidade, que não se conseguisse superar os modelos tradicionais de ensino de
literatura petrificados durante décadas, isto é, que sejam utilizadas as mesmas escolas e períodos literários,
obras e autores, e que a leitura dos textos seja feita de modo frio, desapaixonado e como simples
obrigação curricular.
O diagnóstico e a análise do estado atual da metodologia do ensino de literatura permitem
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visualizar as rotas e os paradigmas que esta disciplina tem tomado nos últimos anos, transformando-se
num interessante insumo teórico para as redes investigativas no campo da pedagogia da literatura, assim
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como um valioso compêndio teórico-prático que serve de referência para professores em formação,
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Travessias, Cascavel, v. 15, n. 1, p. 139-155, jan./abr. 2021.
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docentes em exercício e, em geral, para a comunidade educativa associada ao ensino-aprendizagem da


literatura na educação formal.
A interface entre a produção acadêmica e científica sobre a língua e os conteúdos “didatizados”
é o que se denomina de transposição didática, isto é, o saber se transforma em objeto de ensino factível
de ser transmitido em condições de ser aprendido pelo aluno. Ao conceito de transposição didática opõe-
se o conceito de elaboração didática, pois a primeira noção preconiza o aplicacionismo, a partir de um
processo descendente do conhecimento científico para o conhecimento a ser ensinado, purificando os
objetos de ensino e provocando uma perda de sentido para os aprendizes. Já a elaboração didática dos
conhecimentos a ser ensinados e aprendidos preconiza um ensino denominado de implicacionista,
operacional e reflexivo; uma didática praxiológica, fundada na pluralidade de saberes de referência e, por
isso, apoiada na participação do professor e do aluno, pois é preciso selecionar, interagir, operacionalizar
e solidarizar, mais do que transpor conhecimentos científicos em conteúdo que será ensinado.
Os princípios destacados para a opção por uma metodologia de ensino de elaboração didática
reforçam o pressuposto de que é preciso o planejamento da atividade docente. Uma preparação bem
elaborada possibilita que o professor antecipe situações capazes de propiciar ao aluno a aprendizagem e
o desenvolvimento do domínio de conhecimentos de linguagem e seus usos sociais, evitando,
principalmente, a perda de tempo e de rumo na condução do processo de ensino e aprendizagem.
Estudos baseados em propostas metodológicas para o ensino literário permitiram fazer uma
análise qualitativa para derivar em interpretações que deram como resultado o predomínio de cinco
concepções didáticas da literatura a partir da última década do século XX. Embora essas concepções não
sejam novas, no âmbito do ensino de literatura, continuam a ser importantes e, por isso, as apresentamos
a seguir: Metodologia do ensino da literatura com base nos Estudos Literários; Metodologia do ensino
da literatura como processo de leitura e escritura; Metodologia do ensino da literatura com base nas
dimensões estética e lúdica; Metodologia do ensino da literatura com base nos Gêneros Literários;
Metodologia do ensino da literatura orientada para a dimensão hermenêutica.

2 METODOLOGIAS DO ENSINO DA LITERATURA

2.1 METODOLOGIA DO ENSINO DA LITERATURA COM BASE NOS ESTUDOS


LITERÁRIOS
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São relativamente poucos os autores e textos que privilegiam os Estudos Literários como
ferramentas para o ensino do fato literário, porém é possível constatar que um amplo percentual de
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autores considera relevante não procurar um encontro com o texto literário só pelo gozo estético ou pela

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apreciação de um movimento literário, época ou escola literária. Evidencia-se, ainda, a persistência em


aplicar estratégias que permitam construir e desvendar o universo de sentidos que guarda a obra, por
meio do exame, da análise, da interpretação e da valorização de seus elementos de forma e fundo, assim
como uma leitura que implique em reconhecer a incidência de aspectos contextuais, ideológicos,
intertextuais, e dialógicos que atravessam a literatura.
Ao nível do ensino de literatura, considera-se que os estudos literários permitem a compreensão
da arte como fenômeno humano, fato que implica em não observar esses estudos como procedimentos
sistemáticos e rígidos que matam a sensibilidade, senão que levam a compreender a natureza da arte
literária. A complexidade da literatura tem nos Estudos Literários um de seus modos de compreensão,
pois estes oferecem as ferramentas e marcos de referência para fazê-lo a partir da perspectiva da arte, da
linguagem e do conhecimento do mundo. Uma metodologia do ensino literário alicerçada nos Estudos
Literários, deve abordar a poética que fundamenta a obra literária, com sua tipologia, gêneros e espécies
de cada forma literária, haja vista que existe uma série de conceitos e de categorias específicas para se
estudar uma crônica, um romance, um drama, um conto, um poema ou quaisquer gêneros, subgêneros e
espécies literárias.
O texto literário enquanto objeto de estudo, por vezes produz certo desencanto por parte de
pedagogos e docentes em geral, assim como dos discentes e leitores lato sensu, sendo que alguna das razões
para tal desmotivação podem ser: a falta de conhecimento da natureza e estrutura do texto objeto de
estudo; o desconhecimento do mecanismo de integração do polo artístico e do polo estético; a
insuficiência de base epistêmica por parte de muitos estudos culturais quando relacionados às teorias
artísticas e estéticas, por oposição à teoria da literatura. Todavia, mesmo que se diga que no ensino da
literatura tem predominado o foco na teoria e na história literárias, reconhece-se que estas não devem
eliminar-se senão matizar-se, com a finalidade de abrir espaços e precisar o papel de cada uma de suas
disciplinas na educação estética.
Um dos enfoques didáticos que prevaleceu no século XX em relação ao ensino e à concepção da
literatura é aquele que privilegia a análise formal da obra literária, isto é, a literatura apoiada nos aportes
do formalismo e do estruturalismo. Essa tendência submete a literatura a uma análise intrínseca para ver
seu funcionamento e sua organização, permitindo perceber e valorar as construções e estratégias textuais
das obras.
Pelo fato de que se cai muito facilmente no imanentismo, esquecendo-se a inserção da literatura
no tecido social, é comum que se considere que os métodos analíticos desenvolvidos na perspectiva do
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estruturalismo e do formalismo se comportem como regras, métodos e saberes estabelecidos, os quais


por vezes são desvirtuados ou levados a reducionismos que não deixam espaço para o gozo estético nem
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para a aproximação crítico-interpretativa da obra literária e que, portanto, não se tornam ferramentas
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didáticas úteis. No contexto atual, pode-se inferir que a forma como são empregados esses enfoques
teóricos e analíticos está determinado pelo fato de gerar uma aproximação minuciosa de fundo e forma
do discurso estético verbal, que permite alimentar posteriormente a interpretação de sentidos.
A perspectiva semiótica apresenta-se como a concepção didática da literatura ao nível dos
Estudos Literários, mais valorizada nas últimas décadas, pois muitos autores a mostram como a teoria e
metodologia analítica e crítica que contempla todos os elementos implicados no ato de ler (leitor, texto,
contexto, autor) e que ademais se centra, diretamente, na construção de sentidos que emanam do diálogo
que se estabelece entre o fato literário e seus atores, com as unidades culturais e sígnicas escolhidas do
texto, com o tipo de aproximação à obra que se queira, com as características próprias de seu gênero
discursivo e com a enciclopédia pessoal com que conta o leitor.
A semiótica como base dos estudos literários apresenta diversas tendências como a Semiótica
Cultura, tributária do Formalismo Russo, e cujo principal representante é Iuri Lótman; a Semiótica
Peirceana, originária da Fenomenologia, e que serviu de base para o surgimento da linha francesa
denominada de Semiótica Tensiva, desenvolvida por Claude Zilberberg, sendo que a chamada virada
fenomenológica dentro da qual se insere esta linha, implica uma mudança em que os aspectos sensíveis
se sobrepõem aos inteligíveis, estabelecendo a diferença entre o eixo intensivo (estado da alma) e o eixo
extensivo (estado das coisas) na análise literária; e, finalmente, a Semiótica Discursiva, que reúne
dispositivos de eficácia descritiva advindos do domínio da linguística estrutural, articulados com a
narratologia de Vladimir Propp, a Antropologia de Lévi-Strauss e a fenomenologia de Merleau-Ponty,
formando uma teoria geral que procura simular o percurso gerativo do sentido, tomado não apenas como
processo de produção, mas também como processo de interpretação.
Afirma-se que a esfera semiótica permite que a literatura seja assumida como experiência
cognitiva, que possibilita a reconstrução de mundos possíveis e de universos culturais e, também, que
seja assumida como experiência estética na medida em que a construção de sentido gera a conexão
com a obra mesma como expressão artística. Pode-se estabelecer que um processo de leitura real de uma
obra literária exigiria primeiro um processo de imersão ou explicação e depois a
interpretação/compreensão. Um labor semiótico completo implica dois processos de pensamento
fundamentais que são a leitura e a escrita. A leitura na re-construção1 da semiose da obra, e a escrita como
resultado e construção imaginativa e semiótica do mundo e de si, através da interpretação realizada.
Associada à semiótica como teoria e estratégia eficaz para desenvolver processos interpretativos
e críticos nos leitores-estudantes, também tem ganhado relevância, no âmbito dos estudos literários, a
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Aqui utilizamos a palavra “re-construção”, com hífen, atribuindo a mesma ênfase de palavras como pré-juízo, pré-conceito
e pré-compreensão, conforme utilização feita na escrita filosófica própria da Hermenêutica e da Filosofia da Linguagem.
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Estética da Recepção. Nesta teoria, quem fala já não é só a obra, o autor ou sua época, senão que hoje se
reconhece a importância da relação entre os anteriores e o leitor mesmo, pois este se apresenta como
portador e construtor de sentidos na sincronização que alcança com a obra. Conforme Zilberman (1989),
a teoria da recepção constitui o modelo que estabelece uma conversação entre o texto e o leitor como
sujeitos ativos em que, cada um, cheio de sentidos, significações, informações e experiências, entra em
um diálogo de sujeito a sujeito e, assim, a obra só se constrói com a intervenção do leitor.

Em todos os tempos, os escritores têm reconhecido implícita e explicitamente a


importância do leitor – mesmo quando fingem ignorá-lo ou até quando o desprezam–,
mas só recentemente, no plano da teoria da literatura, se atribuiu ao receptor/leitor uma
função relevante no processo da comunicação literária, fazendo-se justificadamente
avultar o seu papel de agente dinâmico, e não de passivo consumidor, na decodificação
do texto (SILVA, 1996, p. 300).

Para o ensino de literatura, pode-se propor uma semântica enciclopédica, que induza o leitor a se
envolver com seus conhecimentos no processo de compreensão e interpretação do texto. Porém, numa
perspectiva complementar, é factível a abordagem da literatura em sala de aula, tendo como base
conceitual e procedimental a Estética da Recepção. Assim, Semântica e Estética da Recepção se
promulgam hoje em dia como teorias que enchem as expectativas de críticos, teóricos e docentes no
âmbito do ensino-aprendizagem da literatura, por outorgar um papel fundamental ao estudante como
produtor de interpretações.
No âmbito da formação literária e enquanto estratégias didáticas que se desprendem e que
acolhem como fundamento a Semiótica e a Estética da Recepção aparecem dois procedimentos que
mostram de modo muito mais explícito como transformar em fatos didáticos essas teorias. Trata-se da
consolidação de hipóteses abdutivas ou criativas, isto é, a busca das melhores explicações para os fatos
revelados nos textos literários e, por outro lado, o tratamento do discurso estético verbal como
palimpsesto, ou seja, o reaproveitamento textual para gerar novos discursos e sentidos.
Sob o olhar bachelardiano, o âmbito da imaginação poética não está circunscrito aos limites das
sensações vividas, mas é fundamentalmente fonte e poder de criação. A imaginação está vinculada à
vontade e revela-se como atividade potencialmente transformadora do mundo. Destarte, seja pela ciência
seja pela arte, a imaginação é a forma pela qual se instauram as novas realidades, o caminho para o novo,
para fazer “ser” o que não é. Nas palavras do próprio Bachelard (1948, passim): a imaginação inventa mais
do que coisas e dramas; ela inventa a vida nova, inventa o espírito novo, abre olhos que possuem tipos
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novos de visão.
A imaginação criadora revela-se como uma capacidade aumentada de inventividade, cabendo a
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ela libertar-se das imagens estáticas, romper com estados imóveis do interior e desconstruir o mundo

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corporificando para explorar o irreal enquanto possibilidade. A imaginação, em Bachelard, não é


reprodutora das sensações vividas, mas uma força cujo potencial ultrapassa a própria natureza humana.
Suas imagens não têm por finalidade celebrar a realidade em suas formas estanques, senão que,
inversamente, buscam suplantar o que se oferece à visão, engendrando formas outras, realidades
inexistentes.

Para nós a imaginação percebida e a imaginação criada são duas instâncias psíquicas
muito diferentes e seria preciso uma palavra especial para designar a imagem imaginada.
Tudo aquilo que é dito nos manuais sobre a imaginação reprodutora deve ser creditado
à percepção e à memória. A imaginação criadora tem funções totalmente diferentes da
imaginação reprodutora (BACHELARD, 1948, p. 47).

Nesse registro, o ato de imaginar expresso no texto literário se delineia quando uma imagem
existente nos remete à criação de outras que não encontram equivalência no real. A incursão no
movimento das imagens permite-nos o alargamento da existência, induzindo-nos a investir, a acreditar
no universo de possibilidades.
Fazendo uma imersão no senso de criatividade é possível evidenciar seu nexo natural com a
linguagem literária. É a criatividade um processo mental orientado a gerar novas visões, a estabelecer
relações pouco comuns, introduzindo o que há de novo e/ou inesperado. Esse tipo de pensamento se
acentua no uso do analógico ou pensamento criativo, o qual supõe exercícios como: comparação,
simbolização, condensação, ênfases, implicação, devaneios, sincretismo, azar, suspeita, superposição,
repetição, contraste, deslizamento, assombro, entre outros, que também podem ser encontrados na
Teoria do Efeito Estético.

2.2 METODOLOGIA DO ENSINO DE LITERATURA COMO PROCESSO DE LEITURA E DE


ESCRITA

A recepção e a produção do mundo literário têm início quando a leitura e a escrita servem de
exercícios intelectuais, sendo inegável que desenvolver uma didática da literatura supõe tanto a otimização
quanto a conceitualização das habilidades comunicativas impressas no literário. Um dos entraves
fundamentais relacionado com o ensino-aprendizagem da literatura é o fato de que esta geralmente é
entendida como uma estratégia, quando não um apêndice a mais no ensino da língua materna. Assim,
para a apropriação da lecto-escrita e para a compreensão das estruturas sintáticas e morfológicas da língua,
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utiliza-se material literário, o que demonstra que não se marca uma diferenciação entre processos de
interpretação de um texto literário e processos de interpretação de qualquer outro tipo textual, seja este
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argumentativo, expositivo ou descritivo.

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A literatura como expressão estética, histórica, cultural, ideológica, intelectual, axiológica,


intertextual e, em si, humana, requer uma série de exercícios de leitura diferentes. Para o caso da leitura
literária não se trata só de ensinar a ler ou alfabetizar, já que o texto literário se deve entender como uma
atividade significativa que, baseada na interpretação do sentido textual e na produção de discurso
compreensivo, requer um leitor cooperativo. Por isso, na Teoria da Literatura, fala-se de um leitor ativo,
plural, crítico, criativo, vital e competente, capaz de superar os hábitos da leitura literal com fins somente
informativos.
No centro da Didática da Literatura está a leitura entendida como um processo complexo de
significações, com um sentido lúdico, criativo e de gozo. Outra estratégia didática para abordar a literatura
é a que consiste na seleção do corpus de obras que serão lidas, tendo como eixo um tema, um motivo ou,
então, um símbolo literário. Essa escolha implica em organizar os conteúdos de classe, menos numa
perspectiva cronológica e mais partindo de tematizações atemporais. Uma proposta é transformar a aula
num diálogo entre épocas, nações, autores, gêneros, e inclusive, um diálogo com outras manifestações
artísticas (pintura, música, teatro, etc.).
Em relação à escrita, estabelece-se uma diferença entre o que é a escrita não-literária, a escrita
literária e a escrita sobre o literário. A escrita literária supõe um processo de criação, de elaboração, uma
poiesis e, nesse sentido, a escrita literária é um processo estético em que a palavra não só se expõe para
dizer algo, senão que autorregula sua forma, seu lugar na escrita e sua relação com outras palavras,
buscando alcançar uma transformação no modo como se expressa e/ou no que expressa.

De acordo com uma teoria pitagórica tardia, existem duas modalidades de expressão:
uma, a mais corrente, apresenta-se “nua”, desprovida de figuras e de quaisquer recursos
técnico-estilísticos; a outra, pelo contrário, caracteriza-se pelo ornato, pelo vocabulário
escolhido e pelo sábio uso dos tropos. A primeira corresponde a uma linguagem não-
artística, não-literária; a segunda, em contrapartida, a uma linguagem artística, literária
(SILVA, 1996, p. 42).

Como proposta didática da escrita literária e sobre o literário, entende-se que as oficinas de
produção textual se transformam numa ferramenta fundamental, haja vista que estas resultam úteis para
desenvolver a capacidade da escrita, pois é o que melhor permite apreciar o processo de produção, o
passo a passo da escrita. No ensino da literatura centrado nos processos de construção e criação, o
rascunho é fundamental, pois adverte que escrever é aprender a riscar e, sendo assim, considera que a
escrita como processo deve valorizar as folhas com rabiscos, as indecisões como manobras que permitem
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a aprendizagem pela releitura, reescrita, reformulações e recriações.


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2.3 METODOLOGIA DO ENSINO DA LITERATURA COM BASE NAS DIMENSÕES


ESTÉTICA E LÚDICA

Clássicos da Epistemologia, da Pedagogia e da Psicologia da Aprendizagem como Kant,


Rousseau, Locke, Piaget, Paulo Freire, entre muitos outros, têm falado, de formas muito diversas, o fato
incontestável de que “sempre aprendemos”. Entretanto, há muitos fatores que interferem no processo
cognitivo em que o ser humano está imerso, sendo que o sujeito pode estar em posições ativas ou passivas
durante a assimilação ou a criação do conhecimento.
Tradicionalmente e em contextos coloquiais, entende-se que a estética é somente uma
manifestação do belo, porém esta é um tipo de conhecimento em que a palavra, a imagem ou o som
constituem modos de expressão que regulam a própria forma. Por sua vez, quando se fala de lúdico,
popularmente se pensa só em brincadeira e lazer, mas a palavra latina Ludens remete a um sentido mais
profundo do termo em que, este, necessariamente, envolve a motivação interior e o estímulo do sujeito
para internalizar o mundo exterior.

Al hablar de una Didáctica de la literatura, hay que tener en cuenta que esta área, al igual
que las artes, requiere de una percepción estética que permita entrar en interacción con
mundos posibles a través de la creatividad y sus instancias como: la imaginación, la
sensibilidad, la originalidad, entre otras; así como potencializar el ejercicio lúdico de la
sensibilidad para percibir el mundo de manera emotiva, vivencial, trascendente, y con
ello, hacer más significativo el contacto con la literatura. Por eso, la necesidad de que la
literatura se viva como experiencia para que deje de ser sólo un objeto de estudio y se
incorpore la dimensión estética y humana (PRECIADO Y PINEDA, 2013, p. 184).

Para redimensionar o sentido da ludicidade na aprendizagem da criança é necessário que no


ensino de literatura não seja confundida a estética como simples exercício de contemplação e promoção
da criatividade. Embora as artes requeiram desta, não deve transformar-se em seu ponto de chegada,
pois: “No se puede seguir enseñando la mera aisthesis, el solo consumo de la literatura; nos urge, formar
a los estudiantes en las lógicas de composición, en la poiesis, allí donde la literatura renace y se potencía”
(PRECIADO Y PINEDA, 2013, p. 184). É a partir dessa forma particular de interagir com a literatura
que se podem estabelecer vínculos mais estreitos e vivenciais com a obra, os quais poderão redimensionar
o sentido das práticas de ensino-aprendizagem para uma área que, em muitas ocasiões, desconhece o
valor de suas funções. Afirma-se, ainda, que nas aulas de literatura, não se dimensiona o verdadeiro
sentido da criatividade:
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[...] la predilección por convertir la clase de literatura en momento para la creatividad es


el que ha llevado a pensar que el maestro ya no tiene nada que enseñar, que él es apenas
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un facilitador o animador de clase. Yo creo que tal postura no solo empobrece y devasta

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la profesión docente sino que, además, pone al aluno en la situación de que ya no tiene
nada que aprender (PRECIADO Y PINEDA, 2013, p. 184).

Nesse sentido, é importante delimitar alguns pressupostos teóricos em torno das funções estéticas
e lúdicas para a metodologia da literatura, para compreender o sentido dessa área e não reduzi-la a simples
lazer, enquanto ócio improdutivo. Em primeiro lugar, é necessário conceber o prazer estético não como
distração, senão como vontade de experiência e de libertação que permite ao ser humano enfrentar as
manifestações estéticas com consciência crítica para constituir-se num leitor múltiplo que não só
decodifica, senão que produz, deixa-se atravessar pela linguagem e é esta influência a que deveria levar-
se em conta para uma didática da literatura.
Para o desenvolvimento da competência cognitiva do aluno é relevante a vinculação dos
conteúdos, enquanto experiência de vida, com o corpo do aprendiz, sendo a experiência sinestésica (de
movimento) aquela em que o aluno se envolve enquanto se estabelece um pacto fático com o professor
e o conteúdo estudado. Em consonância com este postulado, destaque-se a ideia de assumir os conteúdos
desde uma postura lúdica centrada nos sentimentos e sensações que surgem, estabelecendo uma relação
com a experiência de vida do discente em que se estabelece um encontro, um diálogo entre dois sujeitos:
o mundo dos conhecimentos e a vida do aluno.
Atendendo ao caráter pedagógico, deve-se considerar que o papel educativo do lúdico deve
apontar para a formação dos diversos matizes da sensibilidade, da imaginação e do intelecto, servindo-
se, por exemplo, da leitura e da escrita como fontes de prazer produtivo. O ensino de literatura deve
reivindicar sua condição estética enquanto nível de conhecimento (sensível, imaginário, intelectual,
lúdico, crítico) e, para isso, deve começar por explorar fatores poéticos e sensíveis nos indivíduos, em
busca da construção de um sentido mais profundo para a existência do ser humano no mundo.
Sem dúvida alguma, os fatores lúdicos constituem uma grande estratégia para motivar a
introdução e a abordagem de conteúdos; dar viveza a uma sala de aula e gerar potencialidades criativas
nos estudantes, porém, não se pode substituir o particular do saber científico, como se apresenta em
algumas ocasiões em contexto educativo, em que continuam prevalecendo práticas que com a pretensão
de “lúdicas” desviam-se do verdadeiro sentido desta dimensão, tornando-se fugidias e ambíguas.
Em relação à criatividade, cabe afirmar que o pensamento criativo é aquele que revela a expressão
polifacetária da inteligência, processos mentais e atitudinais complexos muito distantes da espontaneidade
e da inconsciência. Por sua vez, entende-se que a educação não tem conseguido ver de que maneira as
fontes imaginativas (emocionais, afetivas, criativas) ajudam às intelectivo-lógicas (comunicativas,
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interpretativas, argumentativas, propositivas) a construir o sujeito mais integral possível. Dessa forma
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deve emergir uma pedagogia como “jogo da imaginação poética: sensibilidade e afetividade (âmbito

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corpóreo), criatividade (âmbito espiritual) e intelectualidade (âmbito ideativo)” (PRECIADO Y


PINEDA, 2013, p. 185).
Um dos procedimentos lúdico-criativos mais importantes encontra-se na proposta centrada na
pedagogia da experiência, que mais favorece o desenvolvimento da vivência cognitiva: as saídas de campo.
Para isso, ressalta-se a importância das viagens para a formação e aquisição de conhecimentos por parte
das crianças e jovens, e que o conhecimento em si mesmo é uma viagem pela vida. Ainda vale destacar a
importância de abordar com calma e prazer as possibilidades simbólicas e criativas da imagem, partindo
da perspectiva da oferta contemporânea de Literatura Infanto-Juvenil em que as ilustrações
desempenham um papel decisivo. O docente deve ter conhecimento e familiaridade particular com esse
tipo de literatura, pois muitas vezes estes não percebem a implicação didática que as imagens geram.
Diante desse assunto, é preciso questionar se as instituições formadoras de licenciados estão abordando
criativamente esse assunto.
As características do método lúdico-ambiental para a análise de obras literárias, criado pelo
filósofo espanhol Alfonso López Quintás, concebe o ato de leitura como um diálogo hermenêutico
(interpretativo) que considera toda expressão artística como caminho para a formação em valores. A
condição humana está presente quando da análise de um texto artístico, pois:

En la obra literaria es posible identificar diversos elementos estéticos que se constituyen


como signos de procesos humanos de creatividad o destrucción. En los contextos
espacio-temporales de la narración y en los modos de actuar de los personajes es posible
hallar una lógica de las actitudes humanas que conducen al tedio, la desesperación y el
egoísmo, o por el contrario, a ámbitos de diálogo, apertura y convivencia (PRECIADO
Y PINEDA, 2013, p. 186).

Finalmente, para conseguir sensibilizar e estimular o aluno diante do fato do conhecimento é


necessário que todo docente carregue paixão pelo saber e, daí, surge o grande desafio que é dar vida aos
saberes que são transmitidos àquele que constrói seu conhecimento enquanto interage com os conteúdos
a ele transmitidos. É fundamental que o professor tenha uma atitude filosófica para o ensino em que
entrem em jogo a imaginação, a capacidade inventiva e o amor pelo conhecimento. A experiência lúdica
no contexto educativo, além de desenvolver a emoção, a sensibilidade e a criatividade nos estudantes,
deve propiciar a transformação do ser humano num sentido positivo para que realmente tenha
transcendência. O fato lúdico conduz a um sentido axiológico (valorativo) da experiência cognitiva
enquanto elemento angular que parte dos saberes sistematizados, para atingir as esferas de uma sociedade
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como a nossa, que precisa de sujeitos mais sensíveis que pratiquem a tolerância, o respeito, a equidade,
entre outros valores fundamentais para a convivência.
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2.4 METODOLOGIA DO ENSINO DA LITERATURA COM BASE NOS GÊNEROS


LITERÁRIOS

Ensinar a literatura por meio dos Gêneros Literários constitui mais uma alternativa que se
apresenta como constante nos últimos anos, na Educação Básica, na medida em que se incorpora a
narrativa, a lírica, o drama e os chamados “gêneros da cibercultura” para o exercício lecto-escritural, a
aproximação estético-vivencial da obra, assim como aos temas e problemas inerentes a ela mesma.
Todavia, vale a pena indicar que muitos docentes não estão suficientemente preparados para incorporar
esses gêneros às disciplinas, pois falta explorar didáticas específicas e a melhor maneira não é mostrando
exemplos, como costuma acontecer nas salas de aulas, senão dando chaves e procedimentos mediante
um exercício contínuo de leitura e produção de textos literários.
É necessário assumir o conhecimento da narrativa como possibilitadora de recursos para a criação
de mundos possíveis. Com base em textos e autores contemporâneos cujas temáticas, esquemas
narrativos, ilustrações, discursos, etc., se encontrem relacionados com algumas características do mundo
mass-midiático como, por exemplo, youtubers e blogueiros: (KondZilla, Whindersson Nunes, Irmãos Neto,
Larissa Manoela, Fabi Santina, Pedro Resende, etc.), e em que se desenvolvem os estudantes, pode-se
motivar os jovens para a leitura, facilitando sua aproximação ao texto escrito e permitindo a incursão na
análise literária. De igual modo, a elaboração de um conto deve ser vista como um processo e um tecido
que obedece a regras estruturais, semânticas e pragmáticas e, por isso, essas regras devem retomar os
níveis de análise e produção de textos que permitam alcançar o padrão desejado para o desenvolvimento
das potencialidades do aluno.
Estudos sobre a narrativa destacam textos que focalizaram no terror, pois a partir da tensão
narrativa, abrem-se as possibilidades de desfrute da leitura e da escrita. Uma proposta metodológica para
trabalhar estas narrativas compreende quatro estratégias: análise literária, guia de leitura, animação da
leitura (desde o texto cinematográfico e a criação plástico-literária) e compreensão.
Em relação ao gênero miniconto, seu nível literário estimula a imaginação e fatores emocionais
como: o estremecimento, a fascinação e a surpresa, que exige das oficinas literárias um nível dobrado de
compreensão, tanto na escrita quanto na leitura. O miniconto é um subgênero apropriado para o ensino
da literatura, já que serve de recurso pedagógico para incentivar e desenvolver a escrita e ativar a
competência interpretativa, devido a sua brevidade.
Sobre a lírica, por causa da avalancha informativa, tem-se perdido a capacidade de assombro e de
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sensibilização, a tal ponto que se deixa de apreciar as pequenas coisas e é aí onde a leitura habitual de
poesia pode servir para gerar comoção e assombro nos estudantes. O mais importante para gerar una
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didática da escrita poética é o fato de que a poesia está mais no “modo de perceber do que no expressar”.

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Dentro das propostas pedagógicas para o ensino da lírica, conta-se com o planejamento estratégico prévio
das aulas, sequências didáticas e oficinas de aproximação compositiva.
Tem grande destaque a ideia de que na experiência poética não se ensina, senão que simplesmente
se entra nela sem nenhum tipo de imposição, e por isso, busca caminhos de experiências e novos
horizontes acudindo, por exemplo, aos pontos de fuga dos labirintos fixados pela cotidianidade como
matéria prima para começar a escrever. É preciso privilegiar a imagética linguística da fala cotidiana e
popular, porque está cheia de imagens poéticas e recursivas em que subjaz a própria experiência humana.

O bicho
Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato.
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Manuel Bandeira (1947)

Sobre o ensino do drama vale a pena ressaltar que se conta com algumas fontes bibliográficas que
focalizam no ensino e na aprendizagem do teatro como meio para fomentar a criatividade, a lúdica, a
sensibilidade e a imaginação nos estudantes, essencialmente de Educação Básica, apresentando-se
técnicas, estratégias, e algumas reflexões pedagógicas. Todavia, a focalização em subgêneros teatrais como
a tragédia ou a comédia ou em outros gêneros literários é escassa. A criação de roteiros teatrais é relevante
para o ensino da dramática aos estudantes, haja vista que esse tipo de texto supõe um trabalho cognitivo
e lúdico no qual se constroem saberes e se julgam valores éticos e sociais.
Finalmente, frente aos gêneros próprios da cibercultura, pode-se dizer que estes podem facilitar
a compreensão e produção de textos, assim como otimizar as competências em nível comunicativo e
tecnológico, porém se faz necessário que o simbólico, o virtual e o mediado contenha um significativo
conjunto de atrações estéticas para as atuais gerações. Ainda, é preciso que as propostas didáticas e
investigações que incorporam as TIC ao ensino da literatura, embora escassas, criem os alicerces para os
estudos a esse respeito, e que sejam mais preponderantes as pesquisas a partir do âmbito da educação
superior em oposição à educação básica.
Há uma proposta, em um módulo de alfabetização digital, que sugere uma sequência de trabalho
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para reconhecer as propriedades do discurso subjacente nas obras de John Ronald Reuel Tolkien
(1892/1973 – África do Sul), O Hobbiet, e O Retorno do Rei, que propicia diversas produções textuais e a
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interação com os RPG (Role Play Game) que se constroem a partir do mundo possível. Tudo isso
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emoldurado dentro de uma semiótica discursiva e de um constructo que permite didatizar o ato de ler,
incorporando a leitura literal, inferencial e crítico-intertextual; leitura descritiva, interpretativa e avaliativa;
leitura descritiva, analítica e valorativa.

2.5 METODOLOGIA DO ENSINO DA LITERATURA ORIENTADA PARA A DIMENSÃO


HERMENÊUTICA

A palavra hermenêutica deriva da tradução do substantivo grego hermeneia (interpretação), que,


por sua vez, provém do verbo herméneuein (interpretar). Esse verbo tem o sentido de “dizer”; “explicar”;
“traduzir”. Originariamente a expressão hermenêutica provém de “Hermes” que era um “deus alado”
cuja tarefa era trazer e interpretar as mensagens dos Deuses aos homens. Na atualidade, entre outros
conceitos, a hermenêutica é considerada como a ciência ou teoria que busca o sentido que está por trás
dos discursos, sendo utilizada como instrumento interpretativo em diversos campos como: político,
jurídico, histórico, literário, religioso, clínico etc.
A hermenêutica, na tentativa de fixar-se como ciência autônoma, tem-se deparado com o entrave
da amplitude do seu objeto, fazendo com que esta ainda não tenha penetrado no imenso mundo da
interpretação que lhe compete. Desse modo, a subjetividade da hermenêutica exige a articulação de um
projeto, o mais objetivo possível, contudo, é pouco provável que não se levem em consideração os pré-
conceitos, pré-juízos, pré-compreensões e pré-suposições inerentes ao entendimento humano.
A validade interpretativa da hermenêutica alcançará seu cume quando as pré-suposições de que
parte o intérprete, não sejam totalmente arbitrárias e, tal fato nos leva a entender que o intérprete não
necessariamente permanece preso às pré-suposições individuais e coletivas, mas pode ir além destas
quando questiona a legitimidade e origem dos discursos, objeto de interpretação. Para que o ato
hermenêutico se mantenha no âmbito da fiabilidade, torna-se necessário que não se perca o foco na
percepção de que não há uma única interpretação dos fatos, senão que existem leituras possíveis que
devem ser apontadas ao leitor para que este não mergulhe nas cavernas gélidas do pseudo-saber.
A dimensão hermenêutica, no ensino da literatura, não pretende definir interpretações acabadas
do texto literário, como sendo “verdades absolutas”, pois a obra poética diz a cada leitor, de cada tempo,
aquilo que a própria vida interior inspira e o mundo exterior sugere. O mesmo texto pode dialogar com
o leitor numa perspectiva política, econômica, religiosa, psicológica, entre outras e, dentro dessas
perspectivas, também pode dirigir a tendência do discurso.
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Ao mesmo tempo em que os socorros enviados por ar e por terra, todas as noites, pelas
ondas ou pela imprensa, comentários piedosos ou de admiração se abatiam sobre a
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cidade agora solitária. E todas as vezes, o tom de epopeia ou de discurso de distribuição

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de prémios impacientava o médico. Naturalmente, ele sabia que esta solicitude não era
fingida (CAMUS, s.d., p. 97).

A obra A Peste, de Albert Camus, por exemplo, nas décadas de 1980 e 1990, era lida em escolas
da América Latina como sendo uma expressão do Existencialismo Ateu mais profundo, sendo essa
interpretação decorrente do movimento político marxista que imperava durante a “Guerra Fria”. Hoje,
porém, é possível interpretar o trecho da chegada de alimentos e remédios para a população de Orã pelo
ar como um sinal de esperança, sendo esta uma representação da necessidade de extrapolar as barreiras
geográficas, políticas, culturais, ideológicas e de toda ordem imaginável, para superar os problemas de
diversa natureza que afetam a humanidade. A hermenêutica nos leva a ensinar a literatura como um
espectro de leituras possíveis, e não como gavetas lacradas em que as interpretações são únicas e
absolutas.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensino de literatura tem se pautado entre duas tendências, sendo a primeira denominada de
transposição didática, na qual o saber se transforma em objeto de ensino a ser transmitido, e é aplicado
mediante um processo descendente do conhecimento científico para os conteúdos a serem ensinados. A
segunda tendência é conhecida como elaboração didática, em que o ensino é operacional, reflexivo, e
utiliza uma metodologia pautada na prática e na pluralidade de saberes de referência. Como se percebe,
o primeiro caminho leva à apresentação de informações literárias, adaptando-as ao nível dos estudantes,
porém dificultam o envolvimento dos mesmos com seu objeto de estudo. Entretanto, a metodologia da
elaboração didática possibilita que haja uma construção do percurso a ser seguido mediante a exploração
da literatura em suas múltiplas possibilidades.
O ensino de literatura com base nos estudos literários permite a compreensão da literatura como
fenômeno humano, fato que implica em não observar ditos estudos como procedimentos sistemáticos e
rígidos que matam a sensibilidade senão que levam a compreender a natureza da arte literária. Um dos
enfoques didáticos que prevaleceu no século XX, em relação ao ensino e concepção da literatura, pauta-
se nos aportes do formalismo e do estruturalismo. Essas tendências submetem a literatura a uma análise
intrínseca para ver seu funcionamento e sua organização, permitindo perceber e valorar as construções e
estratégias textuais das obras.
A semiótica como base para os estudos literários, tem sido relativamente valorizada nas últimas
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décadas, seja na perspectiva da semiótica peirceana, da semiótica discursiva, da semiótica cultural ou,
ainda, da chamada semiótica tensiva. Essas abordagens têm permitido que muitos autores mostrem a
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semiótica como a teoria e a metodologia analítica e crítica que contempla todos os elementos implicados
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no ato da leitura que são: leitor, texto, contexto e autor. Por sua vez, para a Estética da Recepção, hoje
se reconhece a importância da relação entre autor, texto e contexto, além do próprio leitor, pois este se
apresenta como portador e construtor de sentidos na sincronização que alcança com a obra. Assim,
Semiótica e Estética da Recepção se promulgam hoje em dia como teorias que enchem as expectativas
de críticos, teóricos e docentes no âmbito do ensino-aprendizagem da literatura, por outorgar um papel
fundamental ao estudante como produtor de interpretações.
Na metodologia do ensino da literatura como processo de leitura e de escrita entende-se que a
leitura é um processo complexo de significações, com um sentido lúdico, criativo e de gozo, enquanto,
no âmbito da escrita, estabelece-se a diferença entre o que é a escrita literária e escrita sobre o literário.
Por sua vez, na metodologia da literatura, com base na dimensão estética e lúdica, entende-se que para o
desenvolvimento da competência cognitiva do aluno é relevante a vinculação dos conteúdos, enquanto
experiência de vida, com o corpo do aprendiz, sendo importante a ideia de assumir os conteúdos desde
uma postura lúdica centrada nos sentimentos e sensações que surgem, estabelecendo uma relação com a
experiência de vida do discente em que se estabelece um encontro, um diálogo entre dois sujeitos: o
mundo dos conhecimentos e a vida do aluno.
O ensino literário na Educação Básica, nas últimas décadas, tem-se enriquecido na abordagem da
literatura com base nos gêneros literários, na medida em que aos gêneros clássicos foram incorporados
os denominados gêneros da “cibercultura” para o exercício da leitura e da escrita, a aproximação estético-
vivencial à obra, assim como aos temas e problemas inerentes a ela mesma. Frente aos gêneros próprios
da cultura digital, pode-se dizer que estes podem facilitar a compreensão e produção de textos, assim
como melhorar as competências em nível comunicativo e tecnológico, porém se faz necessário que o
simbólico, o virtual e o mediado contenham um significativo conjunto de atrações estéticas para as atuais
gerações.
A dimensão hermenêutica, no ensino de literatura, não pretende definir interpretações acabadas
do texto literário, como sendo “verdades absolutas”, pois a obra poética diz a cada leitor, de cada tempo,
aquilo que a própria vida interior inspira e o mundo exterior sugere. O mesmo texto pode dialogar com
o leitor numa perspectiva política, econômica, religiosa, psicológica, entre outras e, dentro dessas
perspectivas, também pode dirigir a tendência do discurso.

9 REFERÊNCIAS
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BACHELARD, Gaston. Essai sur l’imagination des forces. Paris: Libraire José Corti, 1948.
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dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: MEC/SED, 1996.
Disponível em:
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/529732/lei_de_diretrizes_e_bases_1ed.pdf.
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BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Parte II – Linguagens, Códigos e suas Tecnologias.
Brasília: MEC/ Semtec, 2000. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf.
Acesso em 27/04/2018.

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CAMUS, Albert. A Peste. Rio de Janeiro: Record, [s.d.].

PAIVA, Rita. Gaston Bachelard: a imaginação na ciência, na poética e na sociologia. São Paulo: Annablume; Fapesp,
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Title
Methodologies of literature teaching.

Abstract
In the article presented here are exposed five approaches to the methodology of teaching Literature. It is known
that Literature, since ancient times, has been a domain of interface with Philosophy, Sociology, Psychology, History
among other fields of knowledge. This characteristic confers on Literature a status of almost independence, but
its formal belonging to the great area of Letters and Linguistics reduces it to a simple aid of the process of fixation
of the language, when it is not only treated as a ludic object of "acquisition of culture". Such positions in Literature
lead to a relative lack of interest in the development and improvement of teaching methods of this field of study
and, trying to contribute to this area of knowledge, we present the following methods: methodology of literature
teaching from literary studies; methodology of literature teaching as a process of reading and writing; methodology
of literature teaching from the aesthetic and ludic dimension; methodology of literature teaching from literary
genres; and methodology of literature teaching from the hermeneutic dimension. Returning these instruments to
the teaching of Literature, it is intended to stimulate interest in the development of new ways that contribute to
literary teaching.

Keyword:
Literature; methodology; teaching; aesthetics.

Recebido em: 21/07/2020.


Aceito em: 03/03/2021.
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