A Desmistificação Do Método Global
A Desmistificação Do Método Global
A Desmistificação Do Método Global
Resumo:
empíricas das neurociências sobre os limites biológicos à captação pela retina de mais do que
opção por métodos fônicos não implica ignorar a existência e necessidade de processamentos
top-down e em paralelo, uma vez que a leitura e sua aprendizagem se ancoram em conhecimentos
prévios armazenados na memória linguística, acionados para sustentar o reconhecimento da
Palavras-chave:
Abstract:
from neuroscience about the biological constraints imposed to the retina for capturing more than
specialized region, called left ventral occipital-temporal one, processes written information,
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Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 48, n. 1, p. 6-11, jan./mar. 2013 Creative Commons Atribuição-UsoNãoComercial-ObrasDerivadasProibidas 3.0 Unported.
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método foi a Cartilha Analytica o Brasil encontra-se entre os 32 países que ocupam
publicada em 1907 e difundida entre vários estados, no posição intermediária no alcance dos objetivos.
levantamento de Moraes Scheffer et al. (2007). Situado em 88º lugar, o Brasil só está acima dos 30
Um dos estados brasileiros em que o método global países cujas metas educacionais são longínquas, em
virtude da instabilidade provocada por guerras civis
durante a Reforma Francisco Campos: a educadora Lúcia
Casassanta participou ativamente do ideário, formando
Em resumo, conforme Frade (2005) os defensores do
ministrando a disciplina de Metodologia da Língua Pátria, método global advogam os seguintes princípios:
de acordo com Moraes Scheffer et al. (2007). 1. o de que a linguagem funciona como um todo;
Entre as cartilhas que adotaram o método global, 2. a criança primeiro percebe o todo para depois
utilizadas no que então foi denominado de pré-livro, observar as partes;
situam-se O Livro de Lili 3. prioridade à compreensão;
4. no ato de leitura, o leitor utiliza estratégias globais
(a partir de 1961, editado pela Editora do Brasil de São de reconhecimento;
Paulo) e Os três porquinhos de Lúcia Casassanta, lançado 5. as palavras devem ser familiares e possuir valor
em 1954. afetivo para a criança.
De O livro de Lili, extraí a primeira lição, para se ter
uma ideia: evidências da linguística, psicolinguística, neuropsicologia
eu me chamo Lili, eu comi muito doce, vocês gostam de
doce. Vocês gostam de doce de abacaxi?” defensores do método global.
Como o trecho era decorado, observem as caracte-
rísticas textuais: a primeira palavra é um vocativo que está 1 A arquitetura cerebral da linguagem
completamente deslocado do ponto de vista discursivo, verbal sustenta seu funcionamento
pois o contexto intervocálico torna totalmente imprevisível plica, contudo, a impenetrabilidade dos níveis, uma vez
derivará a abolição do livro didático e, consequentemente, que, quanto mais baixo o nível, menor é o número de
elementos que constituem seu paradigma, mais fechado à
sobre a orientação atualmente vigente no MEC, cujas entrada de novos elementos em cada sistema linguístico
consequências sobre os níveis de letramento no país são e mais compulsória sua automatização, para que o pro-
por demais conhecidas. Para ilustrar tais consequências,
valho-me dos dados sobre o Índice de Desenvolvimento Sendo assim, no nível mais baixo da arquitetura
de Educação para Todos (IDE), (INEP, 2012): subjacente ao processamento da recepção auditiva está
o paradigma constituído das invariâncias de uns poucos
Utilizado para monitorar o cumprimento dos obje- traços fonéticos, bem como dos fonemas (incluída sua
tivos de EPT pelos vários países, o Índice de Desen-
distribuição), cujo pareamento com o que é extraído
volvimento de Educação para Todos (IDE) é composto
por quatro indicadores: universalização da educação do sinal acústico da fala de uma dada variedade
primária, alfabetização de adultos, paridade e igualdade sociolinguística e, a seguir, processado, permite perceber
de gênero e qualidade da educação... Na avaliação
do cumprimento das metas de Dacar segundo o IDE, (observe que as unidades do nível mais baixo não têm
O falso argumento de que os autores dos métodos processamentos top-down e em paralelo, uma vez que a
fônicos não se preocupam com a compreensão é exem- leitura e sua aprendizagem se ancoram em conhecimentos
prévios armazenados na memória linguística, acionados
discriminação das diferenças entre sons, supostamente, para sustentar o reconhecimento da palavra escrita e se che-
instrumento para desenvolver a consciência fonológica
e/ou com as chamadas cartilhas matracas para alfabetizar. bre algumas deturpa os métodos fônicos, concluindo
No primeiro caso, cabe esclarecer que exercícios que seu fundamento está em estabelecer a relação entre
para discriminar diferenças entre sons isolados não grafemas e fonemas, unidades que têm a função de distinguir
têm nada a ver com desenvolvimento da consciência
fonológica e se alguém os aplica sob esta alegação está
muito equivocado, pois Referências
Perception &
ainda com muitos seguidores no Brasil, apesar do descrédi- Psychophysics, v. 17, p. 578-586, 1975.
to em vários países como a França. Tracei breve histórico dos
marcos iniciais e comentei seu uso no Brasil, particularmente
O Livro de Lili. Cartilhas: das cartas ao livro de alfabetização. Anais do 10 Se-
minário da Associação Brasileira de leitura, 2007. Disponível
em: <http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/
ciências sobre a arquitetura cerebral e sobre os limites bioló- .
gicos à captação pela retina de mais do que doze caracte-
fonética inata no primeiro ano de vida. Letras de Hoje, v. 39,
região especializada para tal, a região occípito-temporal n. 3, p. 79-87, 2004.
ventral esquerda, processa a informação escrita, demons- Aventuras de Vivi. Florianópolis: Lili, 2012.