Ato 3 FREI LUIS DE SOUSA

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Análise da Cena 1 do Ato III de 

Frei Luís de Sousa

● Esta primeira cena do terceiro ato liga-se à última do anterior. Essa ligação é
estabelecida pela fala inicial de Manuel de Sousa: “Oh minha filha, minha filha!”. Ora, o
ato precedente termina com D. Madalena a sair espavorida da sala, gritando por
Maria, a principal vítima da desgraça que se abateu sobre a família após a certeza de
que D. João de Portugal está vivo.

● Assunto

Nesta cena, apresentam-se as decisões tomadas após a descoberta de que D.


João de Portugal está vivo (e regressou, embora deste último facto tenham
conhecimento unicamente Frei Jorge, Manuel de Sousa e o arcebispo).

● Caracterização de Manuel de Sousa Coutinho

▪ Manuel de Sousa sente-se extremamente infeliz e conturbado por causa da


ilegitimidade da filha, pela qual se sente responsável. Mais concretamente, a sua
preocupação centra-se nos efeitos que os novos desenvolvimentos terão na frágil
saúde de Maria e com as consequências sociais da sua ilegitimidade. Ele está convicto
que a filha acabará por morrer perante a «afronta» que lhe é feita: a doença vai-a
minando e debilitando, o que faz com que a sua resistência aos acontecimentos será
muito pouca.

▪ Manuel de Sousa considera que o seu casamento com D. Madalena foi um erro e não
um crime (faz tal afirmação, pois casou-se sem uma prova inequívoca da morte de D.
João de Portugal, não obstante a esposa o ter procurado durante 7 anos por todo o
lado). Porém, não considera o seu casamento um crime, visto que as suas ações foram
praticadas sem que tivesse consciência de que estava a incorrer em adultério e
bigamia. Dito de outra forma, um crime deve ser punido, enquanto um erro, ainda por
cima involuntário, pode ser cometido sem se ter a consciência de que se está a errar,
pelo que merecerá uma sanção menos pesada.

▪ Pode ler-se aqui uma crítica velada à sociedade da época, pois condena uma família à
destruição, por causa do desaparecimento de alguém ocorrido há mais de vinte anos.

▪ É um homem dominado por um profundo sentimento de culpa: sente-se culpado pela


ilegitimidade da filha, pelo mal causado a D. João e pela vergonha com que cobriu o
nome da família.
▪ Considera-se mais infeliz do que o Romeiro, pois, além de tudo, carrega a certeza de
ser o verdadeiro culpado pela desgraça que recai sobre todos. De facto, Manuel de
Sousa considera ter sido ele (1) o causador da destruição de D. João; (2) o causador da
sua desonra, da da esposa e da filha; (3) o culpado de toda a desgraça, mas ser a filha
inocente a grande vítima da situação.

▪ A situação de Maria leva-o a, por um lado, desejar que ela viva (“Peço-te vida, meu
Deus, peço-te vida, vida… vida para ela,”), pois é uma vítima inocente (é o amor de pai
a falar), e, por outro, a pedir a sua morte (“meu Deus! eu queria pedir-te que a
levasses já”), já que tem consciência das consequências que se irão abater sobre a
filha, que será marginalizada pela sociedade (“vai cair toda essa desonra, toda a
ignomínia, todo o opróbrio.”). É um pai a sangrar pela desonra que se abateu sobre a
filha.

▪ Considera D. Madalena uma «infeliz» e «desgraçada» por ter sido arrastada por ele
para a vergonha e para a infâmia.

▪ As atitudes corporais de Manuel de Sousa (os atos de se levantar e de apertar a mão do


irmão enquanto fala) demonstram o seu nervosismo e a sua aflição.

▪ O seu discurso reflete a emotividade que o caracteriza ao longo da cena: frases curtas
(“Oh, minha filha, minha filha!”), alternando com frases longas de construção erudita
(terceira fala de Manuel de Sousa); apóstrofes (“Olha Jorge”); hipérboles (“bebeu até
às fezes o cálix das amarguras humanas”; “A lançar sangue?... Se ela deitou o do
coração”); metáforas (“para pôr tudo na testa branca e pura de um anjo”); frases de
tipo exclamativo e interrogativo. Todos estes recursos conferem ao discurso uma
grande intensidade dramática.

▪ Manuel de Sousa está prestes a ingressar no convento e a tornar-se Frei Luís de Sousa.

▪ Note-se o contraste entre o Manuel de Sousa Coutinho que encontramos nos atos I e II
e aquele que nos é dado a conhecer nesta cena. De facto, nos atos anteriores, a
personagem surgiu em palco como um homem sensato, racional, determinado,
pragmático e corajoso, porém, agora, após a chegada do Romeiro e o agravamento do
estado da filha, revela-se uma figura dilacerada, profundamente infeliz, desesperado,
quer pela doença da filha, quer pela desgraça que está a abater-se sobre a família,
quer por se sentir o maior culpado pela infelicidade dos outros.

▪ Nesta mesma cena, é possível observar que a personagem oscila entre a emotividade e
a racionalidade. A primeira, bem ao gosto romântico, manifesta-se essencialmente
sempre que se refere a Maria, enquanto a racionalidade que o caracterizava
anteriormente aflora quando, após analisar a situação em conjunto com Frei Jorge,
assume a tomada de hábito como a solução mais adequada para o problema.
● Caracterização de Frei Jorge

▪ A principal função de Frei Jorge é ser o confidente e conselheiro do irmão, informando-


o (sobre o destino da mulher e da filha), orientando-o e consolando-o, após as terríveis
notícias.

▪ Quando Manuel de Sousa se diz o homem mais infeliz na Terra, Frei Jorge recorda-lhe
a situação de D. João de Portugal, que perdeu tudo quanto tinha.

▪ Procura consolar o irmão, dizendo-lhe que encontrará a paz e a redenção na religião,


mas não deixa de o chamar à razão de forma inflexível, impedindo-se de se deixar
cegar pelo seu sofrimento e desespero.

▪ A sua fé e a sua lucidez orientam as ações de Manuel de Sousa, que está incapaz de
decidir racionalmente.

▪ Procura manter-se tranquilo e sensato, não se deixando dominar pelos


acontecimentos funestos. Ele aceita-os como resultado da vontade divina, que não
pode ser contestada.

▪ É um homem prático perante as circunstâncias, por isso prepara a entrada de Manuel


de Sousa e de D. Madalena no convento, que considera ser a única possibilidade para o
casal remediar a situação.

● Informações sobre o passado recente

O diálogo que ocorre nesta cena entre os dois irmãos veicula um conjunto de
informações sobre o que se passou no curto espaço de tempo que mediou entre o
final do ato anterior e o início deste:
- D. Madalena e Manuel de Sousa decidiram entrar na vida religiosa como solução para o
problema;
- O estado de saúde agravou-se desde a chegada a Lisboa;
- Somente o arcebispo, Manuel de Sousa e Frei Jorge conhecem a identidade do
Romeiro, que chegará ao conhecimento das outras personagens por fases (“Demais, o
segredo de seu nome verdadeiro está entre mim e ti, além do arcebispo.”);
- Maria não sabe dos últimos acontecimentos em torno de D. João de Portugal;
- Telmo irá encontrar-se com o Romeiro, a pedido deste.

● Linguagem e recursos estilísticos


▪ Metáforas e hipérboles: de caráter religioso, traduzem o sofrimento das personagens e
apontam para a ideia de morte:
. “bebeu até às fezes o cálix das amarguras humanas”;
. “cobri-lhas de um véu de infâmia que nem a morte há de levantar, porque lhe fica
perpétuo e para sempre lançado sobre o túmulo a cobrir-lhe a memória de sombras…
de manchas que se não lavam!”;
. “Já que te não pode apartar o cálix dos beiços”;
. “cubra-me o escárnio do mundo, desonre-me o opróbrio dos homens, tape-me a
sepultura uma loisa de ignomínia, um epitáfio que fique a bradar por essas eras
desonra e infâmia sobre mim”.

● Características românticas:
. forma do texto: escrito em prosa;
. religiosidade: referências ao cristianismo e ao culto religioso – preparação da tomada
de hábito;
. o tema da morte, encarada como a melhor solução para os conflitos;
. o individualismo: o confronto entre o indivíduo e a sociedade.

● Características trágicas

▪ A hybris de Manuel de Sousa, que chega a desejar a morte da filha face à sua
ilegitimidade.

▪ Os indícios de tragédia: quando Manuel de Sousa a designa por «anjo» , prenuncia a


sua morte, o seu abandono do mundo terreno, visto que os anjos não pertencem ao
mundo físico terreno.
Análise da Cena 2 do Ato III de Frei Luís de Sousa
• Telmo entra em cena, juntando-se a Manuel de Sousa e Frei Jorge, trazendo notícias
sobre Maria:
- Maria acordou e sente-se melhor;
- apesar de abatida, fraca e com voz lenta, o seu olhar está mais sereno e animado;
- Perguntou pelo pai e pelo tio, mas não se referiu à mãe.

A este propósito, há que notar a hesitação de Telmo quando refere por quem Maria
perguntou: «Perguntou por vós... ambos.», pois não quer dizer que ela nada
questionou acerca da mãe. Esta postura de Maria talvez signifique que responsabiliza a
mãe pelo que está a acontecer, que a culpa pela tragédia iminente.

Quando entra em cena, Telmo diz simplesmente «Acordou.», não sentindo a


necessidade de identificar a quem se refere. Este comportamento justifica-se por ser
desnecessária essa identificação, dado que Maria está presente no pensamento e na
preocupação de todos.

Análise da Cena 11 do Ato III de Frei Luís de Sousa

● Assunto

Maria entra em cena e interrompe a cerimónia da tomada de hábito dos


pais, produzindo um discurso prenhe de revolta contra tudo e todos os que
responsabiliza pela tragédia que se abateu sobre si e a sua família.

● Didascália inicial:
- entrada precipitada de Maria na igreja;
- estado de Maria (“de completa alienação” física e psicológica);
- reação dos presentes na cerimónia (“Espanto geral”);
- interrupção da cerimónia.
● Caracterização de Maria

▪ Maria surge em cena “em estado de completa alienação”, despenteada (“os


cabelos soltos”), vestida de forma imprópria (“traz umas roupas brancas
desalinhadas e caídas”), com o “rosto macerado mas inflamado com as rosetas
hécticas, os olhos desvairados”, como se pode ler na didascália inicial. A sua
entrada precipitada mostra o quão perturbada está.

▪ De seguida, doente (febril) e desesperada, profere um discurso violento,


revoltado e desafiador das normas vigentes na época, acabando a desejar a
morte.

▪ Esse discurso é extremamente emotivo, como se pode verificar pelo recurso aos
modos imperativo e conjuntivo com valor exortativo (“Mate-me”, “deixe-me”),
às apóstrofes, repetições e interrogações. Além disso, são várias as frases
interrompidas por ela produzidas. Esta linguagem emotiva evidencia a sua
lucidez e a violência crítica das suas palavras.

▪ Por outro lado, o seu discurso é transgressor e questionador das normais sociais
e religiosas dominantes, motivado pela sua revolta, que tem vários alvos:
- aqueles que participam na cerimónia da tomada de hábito e que, portanto,
comparticipam na dissolução do casamento dos pais e da sua família;
- a falta de humanidade de Deus que lhe reservou um destino tão cruel e lhe
rouba os pais legítimos (“Que Deus é esse que […] quer roubar o pai e a mãe a
sua filha?”);
- D. João de Portugal, que voltou para a condenar à morte (não é tolerável que
alguém que desapareceu há 21 anos e do qual nada se soube durante esse
período de tempo, tendo sido considerado morto, venha agora destruir o que
de mais sagrado existe: uma família feliz e temente a Deus);
- um mundo hipócrita e desumano em que os inocentes são castigados;
- as convenções sociais e religiosas, que a obrigam a separar-se dos seus pais e
condenam vítimas inocentes (estará aqui em causa a lei da indissolubilidade do
casamento, que gera situações dramáticas).

▪ Em determinado momento, lança um apelo lancinante aos pais: “«Essa filha é a


filha do crime e do pecado!...» Não sou; dize, meu pai, não sou… dize a essa
gente toda, dize que não sou. […] Pobre mãe! Tu não podes… coitada!... Não
tens ânimo… - nunca mentiste?... Pois mente agora para salvar a honra de tua
filha, para que lhe não tirem o nome de seu pai. / […] Não queres? Tu também
não, meu pai? – Não querem. […]”. Maria desafia as normas dominantes ao
pedir aos pais que mintam e afirma não se importar com «o outro» (D. João de
Portugal), que veio dizer que ela era “filha do crime e do pecado”, o que mostra
que, para si, a família tem um valor superior aos valores sociais e religiosos.
▪ Maria não se considera “filha do crime e do pecado”, por isso não se conforma e
não aceita a sua ilegitimidade, e acusa as pessoas de a julgarem e de a
impedirem de ser feliz por causa da sua ilegitimidade.

▪ O objetivo final de Maria é demover os pais da resolução de tomar o hábito


(“levantai-vos, vinde”).

▪ No seu discurso, Maria volta a referir-se aos sonhos e visões que a mantinham
acordada e não deixavam dormir: o anjo que surgia com uma espada em
chamas na mão e a atravessava entre ela e a mãe. Essa espada constituía um
presságio que remetia para a separação da família (o atravessar a espada entre
ambas) e a sua destruição (o facto de a espada estar em chamas).

▪ A sua fala final anuncia a sua morte (“E eu hei de morrer assim…”) e a entrada
em cena do Romeiro (“e ele vem aí…”).

▪ Com este discurso, Almeida Garrett pretende suscitar a piedade (éleos) do


leitor/espectador relativamente a Maria, uma vítima inocente das normas
sociais e religiosas.

▪ Para Maria, o Romeiro-D. João de Portugal é o “homem do outro mundo”, isto


é, alguém considerado morto e agora ressuscitado para atormentar e trazer a
desgraça; por outro lado, é o homem do outro mundo, ou seja, de outra família,
anterior à ilegal construção da sua, o qual tem direitos e os reivindica nesta hora
fatal. Sucede que essas duas realidades nunca poderiam coocorrer: D. Madalena
não poderia ser, face à lei de Deus e à dos homens, esposa legítima de dois lares
em simultâneo.
Análise da Cena 4 do Ato III de Frei Luís de Sousa

● Assunto

Nesta cena, Telmo, num monólogo em forma de solilóquio, expressa em voz alta
as suas preocupações, as suas dúvidas, em suma, o seu dilema.

● Elementos da cena

Segundo Carlos Reis (Frei Luís de Sousa, Leituras Orientadas, pp. 80-81, Porto
Editora), neste monólogo «estão concentrados dois sentidos, que dizem respeito a
um drama interior vivido por Telmo:
. O sentido da fidelidade ao antigo amo, uma fidelidade que agora está em crise.
. O sentido da culpa pelo facto de a fidelidade ao passado ter sido perturbada: o afeto
sentido por Maria foi mais forte.
Para além disso, as palavras de Telmo confirmam os presságios e as ameaças: ou
seja: quem por várias vezes, no primeiro ato (sobretudo na cena 2), expressou a crença
de que o passado não estava morto, confirma agora, pela chegada do romeiro, que
os presságios estavam certos. Convém lembrar; neste momento Telmo ainda não sabe
que o romeiro é o próprio D. João de Portugal, seu antigo amo.».

● Conflito interior de Telmo

Telmo Pais sempre desejou o regresso de D. João de Portugal e sempre acreditou


que estaria vivo e iria, efetivamente, regressar. Porém, agora que sabe que está vivo é
confrontado com um dilema terrível: o amor a Maria versus o amor a D. João.
No momento em que o sonho alimentado durante 21 anos (a vida e o regresso
de D. João, que ele criou como um filho) está prestes a concretizar-se, Telmo não se
sente feliz, pois apercebe-se de que vive um conflito insanável, já que tem dois filhos,
mas, para um existir, o outro tem de desaparecer: «Virou-se-me a alma toda com isto:
não sou já o mesmo homem.». Além disso, conclui que o amor por Maria superou
(«apagou») o que dedicava ao antigo amo, por isso fica amargurado com a
possibilidade de ela morrer em resultado dos recentes acontecimentos. A jovem é um
anjo que não merece tanto sofrimento. E tudo isto o deixa dividido, confuso e
aterrado.
Com efeito, Telmo já não é o mesmo homem, dado que já não tem a certeza de
desejar o regresso do primeiro amo e dado que o amor por este foi suplantado pelo
amor por Maria.
Na parte da final da cena, Telmo oferece a sua vida em sacrifício em troca da de
Maria, pois pressente a morte próxima desta: «Levai o velho que já não presta para
nada, levai-o, por quem sois!».
Estilisticamente, o conflito de Telmo é traduzido pelo recurso às reticências e
frases interrompidas, as quais traduzem fielmente a dificuldade que a personagem
tem em concluir os seus pensamentos, que se cruzam, atropelam e precipitam. Por
outro lado, as exclamações refletem a sua emotividade, enquanto as interrogações
traduzem as suas dúvidas.
Relativamente à adjetivação, possuem uma carga profundamente negativa
(“aterrado”, “confuso”, “terrível”), traduzindo o estado de espírito de Telmo e a sua
lancinante divisão interior. Nota também para determinadas expressões que
exprimem, igualmente, o conflito, a dor e a angústia da personagem: «Virou-se-me a
alma toda»; «Perdoe-me Deus se é pecado», etc.
O uso do diminutivo “inocentinho” reflete o carinho e o amor de Telmo por
Maria, mas, por outro lado, evidencia a fragilidade desta.

● Personagens e linguagem dramática

Citando novamente Carlos Reis (op. cit.), «Embora esteja só em cena, Telmo parece
acompanhado por duas figuras ausentes:
. Maria, esta “última filha” (II. 10-11), “aquele anjo” (ll. 12-13) que ocupou o lugar que
antes pertencia a D. João. Maria é filha, evidentemente, apenas no sentido afetivo.
. D. João de Portugal, o “filho que eu criei nestes braços” (l. 6), assim considerado no
mesmo sentido afetivo.
- Estas duas personagens são a razão do dilema de Telmo, como se nele
existissem duas personalidades em conflito: uma que está ligada ao passado, outra
que está situada no presente.
- Pela intensidade daquele dilema (que não atinge nenhuma outra personagem
do Frei Luís de Sousa), Telmo já foi considerado a personagem principal da ação. O seu
comportamento, nesta cena, apresenta, além disso, uma forte teatralidade, criada por
recursos de linguagem dramática:
. Toda a fala de Telmo revela as emoções que ele expressa através de exclamações,
reticências e interrogações.
. Junta-se a isto a linguagem do corpo, quando Telmo se ajoelha.
. Em certo momento, a personagem dirige-se a Deus e transforma o monólogo em
diálogo com essa divindade invisível.
- A cena termina com uma situação tipicamente teatral. Telmo não vê que o
romeiro entra em cena; ao falar no ser “inocentinho que eu criei para Vós, Senhor” (ll.
18-19), ele é entendido pelo romeiro como estando a referir-se a D. João, É isso que se
percebe logo na abertura da cena seguinte: “Não pedias tu por teu desgraçado amo,
pelo filho que criaste?”, pergunta o romeiro a Telmo. A resposta confirma o engano e
deixa o romeiro/D. João de Portugal consciente de que todos o abandonaram.».
Análise da Cena 5 do Ato III de Frei Luís de Sousa

● Assunto

A anagnórise cumpre nova etapa: Telmo Pais conhece a identidade do Romeiro.


Nesta cena, dá-se o tão esperado encontro entre Telmo e D. João, o qual
confirma que o amor por este foi suplantado pelo amor a Maria. Por outro lado, nela
assistimos ao arrependimento do Romeiro/D. João e ao pedido ao velho aio para que
reverta a situação criada.

● A cena abre com um equívoco, técnica que Garrett utilizou mais do que uma vez na
peça: o Romeiro pensa que a prece de Telmo se dirige a si, quando, na verdade, o
motivo da preocupação do velho criado era Maria, o que é confirmado pelo
aparte: «Já não sei pedir senão pela outra.».

● O que permite o reconhecimento de D. João de Portugal é a voz e, posteriormente, o


rosto: «Que voz!»; «Esta voz… esta voz!»; «oh! é o meu filho todo: a voz, o rosto…». De
facto, assim que o Romeiro entra em cena, Telmo encontra algo de estranho na sua
voz, algo que lhe faz lembrar, nas inflexões, no timbre, uma voz familiar e conhecida.

● Entre as duas personagens existe uma relação paternal, de amizade e de lealdade.


Durante o diálogo entre ambos, D. João duvida que essa relação se mantenha após
tantos anos de ausência: «E contudo, vinte anos de ausência, e de conversação de
novos amigos, fazem esquecer tanto os velhos!...». De facto, com a decorrência do
diálogo, D. João vai-se apercebendo, gradualmente, do conflito com que o velho aio se
debate. Começa por manifestar algumas dúvidas sobre se a longa ausência não alterou
em nada o amor de Telmo e compreende, finalmente, a dimensão desse conflito no
momento em que o criado lhe fala de Maria.

● No início da cena, Telmo faz uma pergunta idêntica à que Frei Jorge fizera ao
Romeiro e a resposta, para além dos gestos com que descobre o rosto, é semelhante,
só que dada de forma muito mais sentida, parecendo bem mais melindrado do que
aquando do encontro com D. Madalena. A repetição do pronome
indefinido «ninguém» e a razão que apresenta para a sua utilização («se nem já tu me
conheces!») evidenciam os seus sentimentos (perplexidade, tristeza, dor, mágoa…) e a
sensação de anulação, motivada pelo esquecimento a que foi votado por todos os que
lhe eram queridos, incluindo agora também a dúvida sobre o velho criado.
● No final, D. João de Portugal reconhece o quão imprudente, injusto e cruel foi: «Fui
imprudente, fui injusto, fui duro e cruel.». E reconhece também a sua anulação:
ninguém queria o seu regresso, exceto Telmo e mesmo este mudou de
comportamento neste ato, ninguém desejava sequer que estivesse vivo, todos
contavam com a sua morte e sobre ela foram construídos um amor e uma família. A
partir desse momento, D. João de Portugal não existe, é ninguém: «Na hora em que
ela creditou na minha morte, nessa hora morri. Com a mão que deu a outro riscou-me
do número dos vivos.».

● Note-se que Telmo tinha razão com a sua superstição segundo a qual D. João de
Portugal iria regressar e cumprir a promessa feita na carta enviada a D. Madalena na
véspera da batalha de Alcácer Quibir: primeiro, visitaria a esposa e, depois, não se iria
sem «aparecer ao seu velho aio». Com efeito, a primeira visita foi, efetivamente, para
D. Madalena e a segunda para o velho aio.

● A atitude do Romeiro foi-se alterando desde o momento da sua chegada até esta
cena. De facto, quando fez a sua aparição diante da esposa, estava profundamente
magoado e dominado por instintos de vingança por D. Madalena ter refeito a sua vida
com outro homem, construindo a sua felicidade sobre a sua morte, o que Telmo
considera injusto. Depois de o velho aio ter confirmado as diligências da esposa, bem
como a sua virtude e honra, revela-lhe a sua resolução e pede-lhe que a cumpra: o
Romeiro era um impostor e tudo não passara de um embuste. De seguida,
desaparecerá para sempre e salvará a nova família de D. Madalena: sabedor de que
havia uma filha na equação, sentiu-se responsável pelo «mal feito».

● O objetivo do Romeiro ao procurar o seu velho criado é simples: aferir a verdade do


que ouvira sobre o seu desaparecimento e o comportamento de D. Madalena, isto é,
que fizera todos os esforços para saber notícias e para encontrar o primeiro marido
após a batalha de Alcácer Quibir. E fê-lo junto de Telmo, porque era o único em quem
confiava e que era seu amigo.

● Confirmada a verdade, D. João expõe a sua decisão: pede a Telmo que minta e diga
que o Romeiro era um embuste, para poder reparar o mal infligido à atual família de D.
Madalena. Mostra-se assim disposto a abdicar da sua própria existência, a anular-se
enquanto D. João de Portugal, para impedir a destruição daquela família. D. João de
Portugal revela, deste modo, um extraordinário espírito de abnegação, o que mostra
que é uma personagem exemplar.

● No entanto, Telmo não acata o pedido e, apesar de reconhecer a nobreza do gesto e


o caráter de D. João, questiona a possibilidade de se reverter a situação, mostrando,
assim, a sua crença na inexorabilidade do Destino e o momento trágico vivido por
todos. Note-se que Telmo seria a única pessoa que poderia levar a cabo tal proposição,
já que ninguém conhecia melhor D. João do que ele e ansiava pelo seu regresso, o que
lhe conferia toda a credibilidade para fazer passar o embuste como credível junto das
outras personagens. Seja como for, nada disto poderia resolver o conflito do aio, visto
que viveria sempre com o remorso de ter renegado o velho amo, «um filho».

● Os apartes de Telmo adquirem grande relevância neste passo da obra, pois revelam
todo o drama vivido por Telmo: o conflito interior entre o amor a Maria e o amor a D.
João e a conclusão de que aquele superou este. Como não o consegue revelar
diretamente ao seu primeiro amo, fá-lo através dos apartes, que revelam igualmente
os seus sentimentos e emoções.

● Esta cena confirma o que a anterior deixava adivinhar: a transformação psicológica


sofrida por Telmo.
De facto, o velho criado, depois de ter desejado e alimentado o regresso do
antigo amo durante 21 anos, apercebe-se de que, afinal, já não o deseja, uma vez que
tal implicaria que Maria passasse a ser filha ilegítima e, por outro lado, constata que o
amor pela filha de Manuel de Sousa e D. Madalena superou o que sentia por D. João.
Depois de este último se ter certificado de que a esposa não se poupara a
esforços para o encontrar, decide pedir a Telmo que minta, que diga que o Romeiro é
um impostor e o velho escudeiro sente-se tentado a acatar o pedido, apenas para
salvar Maria, que também considera sua filha.
Deste modo, pode concluir-se que, ao longo da peça, Telmo se humaniza, pois
deixou de ser a figura inflexível e atormentadora de D. Madalena a que fomos
apresentados no ato I, para passar a ser alguém angustiado e dilacerado por um
conflito interior que o consome, acabando por abdicar dos seus princípios por amor a
Maria.

● A figura de D. João de Portugal em Frei Luís de Sousa

De acordo com Luís de Amaro Oliveira (Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett, p.
162):

A. D. João de Portugal é uma entidade dupla:

1 – É uma entidade abstrata (desde o começo até à cena 15 do segundo ato), porque
a) até ao fim do II ato, não tem senão uma existência física provável (é a simples
representação de um indivíduo dado como morto);
b) não tem uma existência moral individualizada até aos fins do mesmo ato (é um simples
vago de Fatalidade e de Destino – vestígio literário da vontade superior dos deuses da
tragédia grega).

2 – É uma entidade concreta (desde a cena 15 do segundo ato até ao fim da peça), porque
a) a partir dos fins ao ato II, surge na figura do Romeiro;
b) procura interferir voluntariamente na ação dramática, esforçando-se por impedir a
tomada de hábito de Madalena.

B. D. João de Portugal não é, em rigor, uma personagem real, no sentido dramático e


vivo da palavra:

1 – Não é uma personagem real como entidade abstrata, porque não atua direta e
voluntariamente na ação dramática. Não é ele quem vem, são os outros quem o traz
ao conflito. Mas, como fonte de toda a energia dramática da peça, está quase
permanentemente em cena. E permanece através:
a) das evocações angustiosas de Madalena;
b) das convicções, sempre renovadas, de Telmo no seu regresso;
c) do sebastianismo de Maria (se D. Sebastião pode regressar, porque não D. João?) (II, 1);
d) das intuições de Frei Jorge e Manuel de Sousa (II, 9);
e) da crença nos agouros e sinas (II, 1), nas revelações dos sonhos (III, 11), nas almas
penadas (I, 1).

2 – Não é uma personagem real como entidade concreta, porque, embora atuando direta e
voluntariamente, a sua atuação carece de força e de intenção. É como se toda a
natureza simbólica de que viveu nos dois primeiros atos extravasasse e o tivesse
esvaziado de autenticidade humana. A simples prova da sua existência é suficiente
para o desenlace.
De facto:
- Quem pensa mais seriamente no destino do Romeiro após a sua identificação?
- Quem adere em profundidade ao seu drama de prisioneiro, de marido ultrajado, de
amigo esquecido?
- Quem acredita na eficácia das suas tentativas de solução da crise?

C. D. João de Portugal é uma personagem virtual

D. João é a presença simbólica de uma «força trágica» permanente que atua


sobre as personagens reais, exacerbando-lhes as paixões, avolumando o clima patético
através de situações psicológicas progressivamente tensas até ao desfecho.
Análise da Cena 6 do Ato III de Frei Luís de Sousa
Assunto
D. João de Portugal sai de cena, numa atitude de grande dignidade, depois de confirmar
que D. Madalena já não o ama.

• A cena abre com novo equívoco: D. João, ao ouvir D. Madalena chamar por seu
marido ("Esposo, esposo!") e pensando que a esposa já sabe quem ele realmente é, julga
por instantes que ela se refere a si e sente-se tentado a abrir-lhe a porta, como ela pedia.
Por momentos, a ilusão do amor a Telmo parecer ser esquecido ("É ela que me chama!
Santo Deus! Madalena que chama por mim..."; "Que encanto, que sedução! Como Ihe
hei de resistir?!"), mas rapidamente toma consciência que a esposa se referia a Manuel
de Sousa.
Seja como for, é mais do que óbvio que D. João ama a esposa e, mesmo que por
momentos, estaria disposto a abandonar todas as resoluções se ela Ihe correspondesse.
na conta de D. João e o que solicitara

• Quando se apercebe do equívoco (quando ela nomeia “Manuel", chamando-lhe "meu


amor"), D. João fica furioso e dirige-se para a porta, para se vingar de D. Madalena,
provocando-lhe um choque profundo ("Investe para a porta com ímpeto; mas para de
repente."). No entanto, reconsidera e mantém decisão que anunciara a Telmo, saindo
violentamente da cena (sinal da sua deceção), o que confirma que se trata de um homem
digno, integro, generoso, abnegado e virtuoso. Esta saída intempestiva da sala mostra
também o quão solitário é e frustrado se sente: "Ahl E eu tão cego que já tomava para
mim!...".

• Tendo em conta a sua postura, o seu comportamento e atitudes desde que entrou cena,
podemos concluir que, quanto à caracterização, D. João de Portugal:
» simboliza as virtudes do cavaleiro cristão: amor ao rei e à pátria, combate contra os
inimigos da fé, pelos quais expõe a sua vida, sujeitando-se a maus-tratos, privações,
distância, ausência de notícias e saudade da esposa durante mais de 2° anos;
» revela grande generosidade e grandeza de alma caráter ao querer preservar a honra de
D. Madalena, optando, não obstante a sua dor, frustração e mágoa pela perda da esposa,
passar por impostor, mentiroso, apagando-se voluntariamente, para tentar remediar o
problema que o ser regresso gerou e preservar a família da destruição.
Análise das Cenas 7 e 8 do Ato III de Frei Luís de Sousa
● D. Madalena, acompanhada de Frei Jorge, deseja entrar no compartimento,
pois ouviu vozes conversando dentro e, supondo que uma delas é a de Manuel
de Sousa, deseja falar com ele. A sua entrada em cena mostra-nos uma
mulher «desgrenhada e fora de si, procurando com os olhos todos os recantos
da casa», sinal de que quer desesperadamente encontrar Manuel de Sousa e
julga que a estão a impedir. D. Madalena “vive” estas duas cenas desesperada e
completamente dominada pelos sentimentos, ao gosto romântico, sem controlo
sobre as suas emoções, como se pode comprovar através da
didascália “(Entrando desgrenhada e fora de si, procurando, com os olhos, todos
os recantos da casa)”.

● D. Madalena deseja falar com ele por um motivo claro: tentar remediar a
situação, impedir a tomada de hábito. Para tal, argumenta que talvez estejam a
agir de forma precipitada, ao acreditarem nas palavras de “um romeiro, um
vagabundo… um homem enfim que ninguém conhece”, mas Manuel de Sousa,
tratando-a novamente pelo primeiro nome, contraria-a, jurando-lhe que o amor
de ambos é impossível. Ele mostra-se decidido a aceitar o seu destino,
chamando a atenção de D. Madalena, na cena 8, para a impossibilidade de o
mudarem.

● Esta postura diferente de Manuel e Madalena é facilmente justificável: ele


conhece toda a verdade, ou seja, que o Romeiro é D. João de Portugal, ao
contrário dela, que ainda ignora este facto, e vê a entrada no convento como a
única solução digna para a situação. E critica mesmo a esposa e, num tom
ríspido e decidido, despede-se dela.

● O tom inicial com que Manuel de Sousa se dirige à esposa é ríspido e frio,
tratando-a, de forma formal, por “senhora”, o que a deixa magoada: “Oh, que
ar, que tom, que modo esse com que me falas.”. Comovido (“enternecendo-
se”), Manuel trata-a então pelo nome próprio, mas logo cai em si e retoma a
formalidade e rispidez iniciais.
De facto, ele dirige-se à esposa usando diferentes formas de tratamento:
. formal (“senhora”): atitude de distanciamento;

. familiar (“querida”): atitude de proximidade, de intimidade.


● Esta oscilação das formas de tratamento traduz o contraste entre o amor que
Manuel de Sousa sente por D. Madalena (que lhe corresponde) e a dor de não o
poder cultivar e marca a despedida emotiva entre ambos.

● Na parte final da cena 7, Telmo procura falar à parte com Frei Jorge (“Tenho
que vos dizer, ouvi.”) e os dois “Conversam ambos à parte.”. Embora não
saibamos as palavras que trocaram entre si, é fácil deduzir que o velho aio
estará a dar seguimento à solicitação de D. João, tentando convencer o frade de
que o Romeiro é um impostor. A finalidade é evitar a destruição da família,
nomeadamente de Maria.

● Ao constatar que a sua tentativa fracassou, procura fazer o mesmo junto de


D. Madalena, mas sem sucesso, visto que Frei Jorge o impede de falar com ela:
“Telmo sai com repugnância, e rodeando para ver se chega ao pé de Madalena.
Jorge, que o percebe, faz-lhe um sinal imperioso; ele recua, e finalmente se
retira pelo fundo.”.

● Por que razão age Frei Jorge assim?


Contrariamente a D. Madalena, o frade sabe que o Romeiro é D. João de
Portugal, por isso, enquanto membro do clero, assume a defesa da verdade dos
factos, impedindo Telmo de mentir para salvar Maria. Ele não pode aceitar uma
mensagem que iria contra as leis de Deus. Na sua perspetiva de religioso, a
única solução para a situação será o ingresso na vida monástica. Pelo contrário,
se tivesse aceitado a proposta de D. João via Telmo, estaria a ser conivente com
uma relação adúltera e bígama. Estando D. João vivo, ali ou na Palestina, o
segundo casamento de D. Madalena com Manuel de Sousa era nulo. Eles viviam
em pecado e Maria era uma filha ilegítima. Esta situação, agora que a verdade é
conhecida, não pode continuar.

● A cena 8, na sequência da anterior, confirma as atitudes contrastantes de


Manuel e de D. Madalena:
- Madalena: crê que é possível recuperar a sua família e que a mensagem do
Romeiro não passou de um embuste (cena 7);
- Manuel: não vê salvação e, decidido, enfrenta a vida religiosa.

● As didascálias ajudam a evidenciar o estado de espírito e a postura de Manuel


de Sousa [“(Caindo em si e gravemente)”, “(Tomando os hábitos de cima do
banco.)”, “(Vai para a abraçar e recua)”, “(Foge precipitadamente pela porta da
esquerda)”]: racional e determinado, pega nos hábitos que vai usar juntamente
com D. Madalena, recusa abraçá-la e sai rapidamente para evitar mais
sofrimento.

● A fala final de Manuel de Sousa da cena 8 está prenhe de expressões que


associam a decisão tomada a uma morte simbólica: “Para nós já não há senão
estas mortalhas (tomando os hábitos de cima da banca) , e a sepultura de um
claustro.”. A referência aos condes de Vimioso é significativa neste contexto

Análise da Cena 9 do Ato III de Frei Luís de Sousa

● Assunto

O assunto desta cena é a tentativa frustrada de D. Madalena de mudar o


seu destino e o da sua família, seguida da resignação e aceitação do futuro.

● Evolução do estado de espírito de D. Madalena

▪ Inicialmente, D. Madalena mostra-se inconformada com a decisão do marido.

▪ Posteriormente, como não vê saída para a situação, apela a Deus que a ampare,
apelo esse que é traduzido pelas palavras do coro: “Fiant aures tuae
intendentes; in vocem deprecationis meae” (Que os vossos ouvidos estejam
atentos à voz da minha súplica).

▪ No final da cena, parece tomar consciência de que nada há a fazer, resigna-se e


conforma-se com o seu destino.

▪ É de notar que a tomada de hábito por parte de D. Madalena não resulta da sua
vontade ou de qualquer crença de que aquela é a solução adequada à situação.
De facto, ela luta até ao fim pelo seu amor e, só quando se apercebe que
Manuel de Sousa já partiu para a cerimónia da tomada de hábito, abdica da sua
felicidade e aceita a decisão do segundo marido (“Ele foi?”; “E eu vou.”),
colocando o seu destino nas mãos de Deus.

▪ Para D. Madalena, a religião constitui o derradeiro refúgio (“refúgio de


infelizes”) para as adversidades da sua vida.
Análise da Cena 10 do Ato III de Frei Luís de Sousa

• Assunto
D. Madalena e Manuel de Sousa preparam-se para tomar o hábito. Por causa
disso, o espaço da ação muda, passando esta a decorrer na igreja de S. Paulo.

• Didascália inicial

· Espaço:
- igreja de S. Paulo, um espaço solene;
- é neste espaço que vai ocorrer a cerimónia da tomada de hábito, a qual
implica o abandono dos bens terrenos por parte de Manuel de Sousa e
Madalena, incluindo a própria filha, o que lhe confere um caráter trágico.

· Elementos do cenário – predominantemente religiosos:


-O coro
- o altar-mor
-dois escapulários dominicanos
- o órgão

- Personagens:
- os frades que constituem o coro -o Prior de Benfica
- Manuel de Sousa
- o Arcebispo
- os clérigos
- Jorge
- Madalena

- Ambiente: as personagens estão envolvidas numa cerimónia religiosa; Manuel


de Sousa e D. Madalena estão ajoelhados e de hábito vestido para professarem.
Análise da Cena 12 do Ato III de Frei Luís de Sousa

● Assunto: o Romeiro entra em cena, Maria morre e os pais tomam o hábito.

● Acontecimentos da cena

▪ O Romeiro, numa derradeira tentativa de reparar a situação que criou e por que
se sente responsável, manda Telmo intervir e dizer aos presentes que é um
impostor.

▪ Maria ouve a sua voz e reconhece-o imediatamente. Sendo tuberculosa, tem


uma acuidade auditiva mais desenvolvida. Cumpre-se, assim, a última etapa
da anagnórise: o reconhecimento da identidade do Romeiro por Maria e pelos
circunstantes.

▪ Para Maria, o Romeiro/D. João é o “homem do outro mundo”, morto e


ressuscitado para trazer a desgraça e confirmar a sua ilegitimidade. Ela não
aguenta a “vergonha” de ser filha ilegítima e morre. De facto, é possível
considerar que o trauma psicológico que sofreu tenha agravado o seu estado de
saúde debilitado (pela tuberculose), contribuindo para a sua morte.

▪ A tomada de hábito configura um duplo suicídio: Manuel de Sousa e D.


Madalena abandonam voluntariamente o mundo profano (morte para o
mundo), para se entregarem à religião.

▪ D. Madalena e Manuel de Sousa tudo deixam para trás: bens materiais, lugar de
relevo na sociedade, amigos, parentes e até o nome. Como diz o Prior, despiram
“o homem velho”, para se sepultarem vivos, embrulhados naquelas
“mortalhas”, um na solidão do convento de S. Domingos de Benfica e a outra no
convento do Sacramento.

▪ Na cena 2 do ato II, Telmo deixa escapar o seguinte presságio: “… tenho cá uma
coisa que me diz que, antes de muito, se há de ver quem é que quer mais à
nossa menina nesta casa.”. O terceiro ato vem confirmar esse presságio, visto
que acaba por ser a única personagem que se mostra disposta a abdicar de um
princípio que o norteava – o de nunca mentir – em nome do seu amor por
Maria. É por este motivo que tenta levar a cabo a missão de que foi
encarregado pelo Romeiro, passando a mensagem de que é um impostor.

▪A derradeira fala da peça, saída da boca do Prior (“Meus irmãos, Deus aflige
neste mundo aqueles que ama. A coroa de glória não se dá senão no céu.”),
aponta para a possibilidade de uma felicidade futura (a “coroa de glória… no
céu”), embora à custa de sofrimento redentor, neste mundo, pela contrição,
pela penitência, pela ascese. Estas palavras de conforto apontam para a
esperança, só possível na mundividência cristã.
Por outro lado, desta fala pode concluir-se que o desenlace da tragédia se
projeta em dois planos. No plano humano, as personagens não têm saída, não
podem voltar atrás, tal como na tragédia grega, que reflete o mundo clássico-
pagão, mundo sem esperança, nem redenção, em que o Destino, entidade cega
e cruel, parece ter ciúmes da grandeza das personagens e só se satisfaz com a
sua destruição e o aniquilamento das vítimas, sejam elas culpadas ou não. No
plano da mundividência cristã, as personagens, embora destruídas como tal,
infelizes no plano humano, desgraçadas no relacionamento familiar ou social,
podem mesmo assim suportar todas as dores, todos os sofrimentos, porque
lhes será sempre possível, mesmo neste mundo, atingir a paz de consciência, e,
com os esforços próprios de uma vida de penitência, aspirar, com a ajuda da
graça de Deus, a uma suprema felicidade futura.
Por outro lado, no mundo antigo clássico, a morte era vista como o
aniquilamento total, o fim de tudo: nada mais se poderia esperar para além
dela. A lei da morte era o esquecimento, do qual só se salvavam, como escreveu
Camões, “… aqueles que por obras valerosas / se vão da lei da morte
libertando”. As obras valorosas eram os feitos guerreiros dos heróis, os feitos
intelectuais dos poetas, os feitos atléticos dos jogos. Só esses eleitos tinham
direito à imortalidade, sublinhada pela ereção de uma estátua (ou retrato),
duplo da personagem. A imortalidade, ou glória, era, portanto, a memória do
herói, do poeta, do atleta nas gerações vindouras.
Na mundividência cristã, a alma humana é imortal; o homem morre, mas a
alma não é destruída, antes tem um destino feliz ou infeliz, para além da morte.
Os santos são os heróis da Fé, só eles atingem a bem-aventurança, simbolizada
na estátua, ou imagem, com honras e culto nos altares. É neste sentido que
apontam as palavras do Prior.

▪ É, pelo exposto no ponto anterior, que para Sóror Madalena das Chagas, no
Convento do Sacramento, se abre uma possibilidade de reabilitação e redenção,
pela contrição, pela oração, pela penitência, que a poderá levar, com a ajuda da
graça de Deus, à felicidade e à bem-aventurança no Céu.
É, por isso, que, para Frei Luís de Sousa, no Convento de Benfica, as
perspetivas são mais largas ainda, se juntar à penitência e à oração, a ascese
que o levará à glória do escritor (o mito romântico do escritor/poeta) e a uma
quase santificação, promissora da suprema glória no Céu.
Por fim, Maria, a vítima inocente das paixões dos pais (sobretudo da mãe), a
morte que a destrói leva-a imediatamente à glória do Céu (“este anjo que Deus
levou para si” – III, 12), nimbada pelas virtudes que a exornam, pelos
sofrimentos e provações a que foi sujeita, pela inocência e pela beleza. Do
ponto de vista transcendente, é a personagem mais feliz de todas.

● Funções das didascálias

As indicações cénicas salientam o estado de espírito de Maria,


nomeadamente a sua dor, o seu desespero e a sua revolta. Elas indicam os
movimentos e os gestos feitos por Maria para se juntar aos pais, procurando
neles um refúgio: ela agarra-os, abraça-nos, procura proteção no hábito do pai e
no rosto da mãe, dirige-se aos presentes, aponta para o Romeiro, em sinal de
reconhecimento, acabando por cair no chão, morta.

● Características românticas:
▪ a exacerbação dos sentimentos;
▪ o domínio da emoção e da sensibilidade;
▪ a morte como solução para os problemas;
▪ a intenção pedagógica: a problemática dos filhos ilegítimos.

● Características trágicas

▪ Catástrofe:
- O Romeiro sofre uma morte psicológica: o anonimato. Ele é atingido pela dor
que causou nos outros, pela morte de Maria, uma inocente, e por não ter
remediado o mal que involuntariamente causou. Consigo transporta as
memórias da breve felicidade passada e dos infortúnios com que o Destino o
sobrecarregou. Nunca quis desonrar a sua viúva, mas também não deseja a
honra para si. Bastar-lhe-á um nome honrado e uma memória sem mancha.
- Telmo morre psicologicamente também. Conseguirá ele sobreviver a tantos
desgostos e a tão grande sofrimento?
- Manuel de Sousa e D. Madalena morrem para o mundo com a tomada de
hábito, para suportar a sua dor. No lugar de Manuel de Sousa, surge um novo
ser: Frei Luís de Sousa. No de D. Madalena, igualmente outro ser: Sóror
Madalena das Chagas.
- Maria é a vítima inocente de um destino trágico e morre fisicamente, revoltada,
de vergonha. Como era usual na tragédia grega, a catástrofe faz-se sentir na
vítima (mais) inocente.

▪ Peripécias:
- a tomada de hábito;
- a morte de Maria.

▪ Pathos (sofrimento) das personagens.

▪ Éleos (piedade) e phobos (medo): Garrett pretendia levar os espectadores a


sofrer os terrores (phóbos) perante os castigos do Destino (neste caso, da
Justiça de Deus) e sentir a piedade (éleos) pelas vítimas.

▪ Catarse: a purgação das paixões humanas. Os espectadores viveram (e vivem) as


paixões, as angústias, os desesperos das personagens, com quem idealmente se
identificaram. Sofreram os terrores de D. Madalena, choraram as lágrimas de
Manuel de Sousa, morreram com Maria, antipatizaram com a dureza do
Romeiro, sensibilizaram-se com a «traição» do Romeiro, de modo que, no final
de contas, no momento do julgamento final, o prato da balança se inclina a
favor das vítimas.
              Garrett quis combater os preconceitos e a condenação da chamada
“moral social” contra os filhos ilegítimos (como era o caso de Maria Adelaide,
sua filha), mas, mais ainda, atrair a simpatia, a desculpa, a absolvição para os
amores românticos (os “direitos da paixão”), à margem das leis de Deus e das
leis humanas (como era o seu próprio caso).

 
            É a vitima inocente de toda a situação e acaba por morrer fisicamente, tocada pela vergonha de
se sentir filha ilegítima (está tuberculosa).

Detentora de um conhecimento especial, quase místico, muito pouco comum para a sua idade.  A sua condição física de
tuberculosa estimula a sua curiosidade e torna-a ainda mais apta para um conhecimento especial das coisas.

A referência à separação ocorrida no casamento de D. Joana de Castro e D. Luís de


Portugal e a opção pela vida religiosa pode assumir um valor de indício trágico que
prepara o leitor/espectador para os acontecimentos finais: separação do casal D.
Madalena / Manuel Sousa Coutinho e ingresso na vida religiosa.

Maria, D. Frei Jorge anuncia a Manuel de Soror Joana (D. Joana de Castro e Manuel, Sousa a
decisão dos governadores Mendonça) fora casada com o conde Jorge de esquecer a sua atitude.
Manuel de Vimioso, D. Luís de Portugal. A de Sousa pretende deslocar-se a determinada altura das
suas vidas Lisboa ao convento do decidem os dois professar: ela entra no Sacramento e Maria pede-
lhe para convento do Sacramento e ele em S. o acompanhar a fim de conhecer Domingos de Benfica.
soror Joana.

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