Ato 3 FREI LUIS DE SOUSA
Ato 3 FREI LUIS DE SOUSA
Ato 3 FREI LUIS DE SOUSA
● Esta primeira cena do terceiro ato liga-se à última do anterior. Essa ligação é
estabelecida pela fala inicial de Manuel de Sousa: “Oh minha filha, minha filha!”. Ora, o
ato precedente termina com D. Madalena a sair espavorida da sala, gritando por
Maria, a principal vítima da desgraça que se abateu sobre a família após a certeza de
que D. João de Portugal está vivo.
● Assunto
▪ Manuel de Sousa considera que o seu casamento com D. Madalena foi um erro e não
um crime (faz tal afirmação, pois casou-se sem uma prova inequívoca da morte de D.
João de Portugal, não obstante a esposa o ter procurado durante 7 anos por todo o
lado). Porém, não considera o seu casamento um crime, visto que as suas ações foram
praticadas sem que tivesse consciência de que estava a incorrer em adultério e
bigamia. Dito de outra forma, um crime deve ser punido, enquanto um erro, ainda por
cima involuntário, pode ser cometido sem se ter a consciência de que se está a errar,
pelo que merecerá uma sanção menos pesada.
▪ Pode ler-se aqui uma crítica velada à sociedade da época, pois condena uma família à
destruição, por causa do desaparecimento de alguém ocorrido há mais de vinte anos.
▪ A situação de Maria leva-o a, por um lado, desejar que ela viva (“Peço-te vida, meu
Deus, peço-te vida, vida… vida para ela,”), pois é uma vítima inocente (é o amor de pai
a falar), e, por outro, a pedir a sua morte (“meu Deus! eu queria pedir-te que a
levasses já”), já que tem consciência das consequências que se irão abater sobre a
filha, que será marginalizada pela sociedade (“vai cair toda essa desonra, toda a
ignomínia, todo o opróbrio.”). É um pai a sangrar pela desonra que se abateu sobre a
filha.
▪ Considera D. Madalena uma «infeliz» e «desgraçada» por ter sido arrastada por ele
para a vergonha e para a infâmia.
▪ O seu discurso reflete a emotividade que o caracteriza ao longo da cena: frases curtas
(“Oh, minha filha, minha filha!”), alternando com frases longas de construção erudita
(terceira fala de Manuel de Sousa); apóstrofes (“Olha Jorge”); hipérboles (“bebeu até
às fezes o cálix das amarguras humanas”; “A lançar sangue?... Se ela deitou o do
coração”); metáforas (“para pôr tudo na testa branca e pura de um anjo”); frases de
tipo exclamativo e interrogativo. Todos estes recursos conferem ao discurso uma
grande intensidade dramática.
▪ Manuel de Sousa está prestes a ingressar no convento e a tornar-se Frei Luís de Sousa.
▪ Note-se o contraste entre o Manuel de Sousa Coutinho que encontramos nos atos I e II
e aquele que nos é dado a conhecer nesta cena. De facto, nos atos anteriores, a
personagem surgiu em palco como um homem sensato, racional, determinado,
pragmático e corajoso, porém, agora, após a chegada do Romeiro e o agravamento do
estado da filha, revela-se uma figura dilacerada, profundamente infeliz, desesperado,
quer pela doença da filha, quer pela desgraça que está a abater-se sobre a família,
quer por se sentir o maior culpado pela infelicidade dos outros.
▪ Nesta mesma cena, é possível observar que a personagem oscila entre a emotividade e
a racionalidade. A primeira, bem ao gosto romântico, manifesta-se essencialmente
sempre que se refere a Maria, enquanto a racionalidade que o caracterizava
anteriormente aflora quando, após analisar a situação em conjunto com Frei Jorge,
assume a tomada de hábito como a solução mais adequada para o problema.
● Caracterização de Frei Jorge
▪ Quando Manuel de Sousa se diz o homem mais infeliz na Terra, Frei Jorge recorda-lhe
a situação de D. João de Portugal, que perdeu tudo quanto tinha.
▪ A sua fé e a sua lucidez orientam as ações de Manuel de Sousa, que está incapaz de
decidir racionalmente.
O diálogo que ocorre nesta cena entre os dois irmãos veicula um conjunto de
informações sobre o que se passou no curto espaço de tempo que mediou entre o
final do ato anterior e o início deste:
- D. Madalena e Manuel de Sousa decidiram entrar na vida religiosa como solução para o
problema;
- O estado de saúde agravou-se desde a chegada a Lisboa;
- Somente o arcebispo, Manuel de Sousa e Frei Jorge conhecem a identidade do
Romeiro, que chegará ao conhecimento das outras personagens por fases (“Demais, o
segredo de seu nome verdadeiro está entre mim e ti, além do arcebispo.”);
- Maria não sabe dos últimos acontecimentos em torno de D. João de Portugal;
- Telmo irá encontrar-se com o Romeiro, a pedido deste.
● Características românticas:
. forma do texto: escrito em prosa;
. religiosidade: referências ao cristianismo e ao culto religioso – preparação da tomada
de hábito;
. o tema da morte, encarada como a melhor solução para os conflitos;
. o individualismo: o confronto entre o indivíduo e a sociedade.
● Características trágicas
▪ A hybris de Manuel de Sousa, que chega a desejar a morte da filha face à sua
ilegitimidade.
A este propósito, há que notar a hesitação de Telmo quando refere por quem Maria
perguntou: «Perguntou por vós... ambos.», pois não quer dizer que ela nada
questionou acerca da mãe. Esta postura de Maria talvez signifique que responsabiliza a
mãe pelo que está a acontecer, que a culpa pela tragédia iminente.
● Assunto
● Didascália inicial:
- entrada precipitada de Maria na igreja;
- estado de Maria (“de completa alienação” física e psicológica);
- reação dos presentes na cerimónia (“Espanto geral”);
- interrupção da cerimónia.
● Caracterização de Maria
▪ Esse discurso é extremamente emotivo, como se pode verificar pelo recurso aos
modos imperativo e conjuntivo com valor exortativo (“Mate-me”, “deixe-me”),
às apóstrofes, repetições e interrogações. Além disso, são várias as frases
interrompidas por ela produzidas. Esta linguagem emotiva evidencia a sua
lucidez e a violência crítica das suas palavras.
▪ Por outro lado, o seu discurso é transgressor e questionador das normais sociais
e religiosas dominantes, motivado pela sua revolta, que tem vários alvos:
- aqueles que participam na cerimónia da tomada de hábito e que, portanto,
comparticipam na dissolução do casamento dos pais e da sua família;
- a falta de humanidade de Deus que lhe reservou um destino tão cruel e lhe
rouba os pais legítimos (“Que Deus é esse que […] quer roubar o pai e a mãe a
sua filha?”);
- D. João de Portugal, que voltou para a condenar à morte (não é tolerável que
alguém que desapareceu há 21 anos e do qual nada se soube durante esse
período de tempo, tendo sido considerado morto, venha agora destruir o que
de mais sagrado existe: uma família feliz e temente a Deus);
- um mundo hipócrita e desumano em que os inocentes são castigados;
- as convenções sociais e religiosas, que a obrigam a separar-se dos seus pais e
condenam vítimas inocentes (estará aqui em causa a lei da indissolubilidade do
casamento, que gera situações dramáticas).
▪ No seu discurso, Maria volta a referir-se aos sonhos e visões que a mantinham
acordada e não deixavam dormir: o anjo que surgia com uma espada em
chamas na mão e a atravessava entre ela e a mãe. Essa espada constituía um
presságio que remetia para a separação da família (o atravessar a espada entre
ambas) e a sua destruição (o facto de a espada estar em chamas).
▪ A sua fala final anuncia a sua morte (“E eu hei de morrer assim…”) e a entrada
em cena do Romeiro (“e ele vem aí…”).
● Assunto
Nesta cena, Telmo, num monólogo em forma de solilóquio, expressa em voz alta
as suas preocupações, as suas dúvidas, em suma, o seu dilema.
● Elementos da cena
Segundo Carlos Reis (Frei Luís de Sousa, Leituras Orientadas, pp. 80-81, Porto
Editora), neste monólogo «estão concentrados dois sentidos, que dizem respeito a
um drama interior vivido por Telmo:
. O sentido da fidelidade ao antigo amo, uma fidelidade que agora está em crise.
. O sentido da culpa pelo facto de a fidelidade ao passado ter sido perturbada: o afeto
sentido por Maria foi mais forte.
Para além disso, as palavras de Telmo confirmam os presságios e as ameaças: ou
seja: quem por várias vezes, no primeiro ato (sobretudo na cena 2), expressou a crença
de que o passado não estava morto, confirma agora, pela chegada do romeiro, que
os presságios estavam certos. Convém lembrar; neste momento Telmo ainda não sabe
que o romeiro é o próprio D. João de Portugal, seu antigo amo.».
Citando novamente Carlos Reis (op. cit.), «Embora esteja só em cena, Telmo parece
acompanhado por duas figuras ausentes:
. Maria, esta “última filha” (II. 10-11), “aquele anjo” (ll. 12-13) que ocupou o lugar que
antes pertencia a D. João. Maria é filha, evidentemente, apenas no sentido afetivo.
. D. João de Portugal, o “filho que eu criei nestes braços” (l. 6), assim considerado no
mesmo sentido afetivo.
- Estas duas personagens são a razão do dilema de Telmo, como se nele
existissem duas personalidades em conflito: uma que está ligada ao passado, outra
que está situada no presente.
- Pela intensidade daquele dilema (que não atinge nenhuma outra personagem
do Frei Luís de Sousa), Telmo já foi considerado a personagem principal da ação. O seu
comportamento, nesta cena, apresenta, além disso, uma forte teatralidade, criada por
recursos de linguagem dramática:
. Toda a fala de Telmo revela as emoções que ele expressa através de exclamações,
reticências e interrogações.
. Junta-se a isto a linguagem do corpo, quando Telmo se ajoelha.
. Em certo momento, a personagem dirige-se a Deus e transforma o monólogo em
diálogo com essa divindade invisível.
- A cena termina com uma situação tipicamente teatral. Telmo não vê que o
romeiro entra em cena; ao falar no ser “inocentinho que eu criei para Vós, Senhor” (ll.
18-19), ele é entendido pelo romeiro como estando a referir-se a D. João, É isso que se
percebe logo na abertura da cena seguinte: “Não pedias tu por teu desgraçado amo,
pelo filho que criaste?”, pergunta o romeiro a Telmo. A resposta confirma o engano e
deixa o romeiro/D. João de Portugal consciente de que todos o abandonaram.».
Análise da Cena 5 do Ato III de Frei Luís de Sousa
● Assunto
● A cena abre com um equívoco, técnica que Garrett utilizou mais do que uma vez na
peça: o Romeiro pensa que a prece de Telmo se dirige a si, quando, na verdade, o
motivo da preocupação do velho criado era Maria, o que é confirmado pelo
aparte: «Já não sei pedir senão pela outra.».
● No início da cena, Telmo faz uma pergunta idêntica à que Frei Jorge fizera ao
Romeiro e a resposta, para além dos gestos com que descobre o rosto, é semelhante,
só que dada de forma muito mais sentida, parecendo bem mais melindrado do que
aquando do encontro com D. Madalena. A repetição do pronome
indefinido «ninguém» e a razão que apresenta para a sua utilização («se nem já tu me
conheces!») evidenciam os seus sentimentos (perplexidade, tristeza, dor, mágoa…) e a
sensação de anulação, motivada pelo esquecimento a que foi votado por todos os que
lhe eram queridos, incluindo agora também a dúvida sobre o velho criado.
● No final, D. João de Portugal reconhece o quão imprudente, injusto e cruel foi: «Fui
imprudente, fui injusto, fui duro e cruel.». E reconhece também a sua anulação:
ninguém queria o seu regresso, exceto Telmo e mesmo este mudou de
comportamento neste ato, ninguém desejava sequer que estivesse vivo, todos
contavam com a sua morte e sobre ela foram construídos um amor e uma família. A
partir desse momento, D. João de Portugal não existe, é ninguém: «Na hora em que
ela creditou na minha morte, nessa hora morri. Com a mão que deu a outro riscou-me
do número dos vivos.».
● Note-se que Telmo tinha razão com a sua superstição segundo a qual D. João de
Portugal iria regressar e cumprir a promessa feita na carta enviada a D. Madalena na
véspera da batalha de Alcácer Quibir: primeiro, visitaria a esposa e, depois, não se iria
sem «aparecer ao seu velho aio». Com efeito, a primeira visita foi, efetivamente, para
D. Madalena e a segunda para o velho aio.
● A atitude do Romeiro foi-se alterando desde o momento da sua chegada até esta
cena. De facto, quando fez a sua aparição diante da esposa, estava profundamente
magoado e dominado por instintos de vingança por D. Madalena ter refeito a sua vida
com outro homem, construindo a sua felicidade sobre a sua morte, o que Telmo
considera injusto. Depois de o velho aio ter confirmado as diligências da esposa, bem
como a sua virtude e honra, revela-lhe a sua resolução e pede-lhe que a cumpra: o
Romeiro era um impostor e tudo não passara de um embuste. De seguida,
desaparecerá para sempre e salvará a nova família de D. Madalena: sabedor de que
havia uma filha na equação, sentiu-se responsável pelo «mal feito».
● Confirmada a verdade, D. João expõe a sua decisão: pede a Telmo que minta e diga
que o Romeiro era um embuste, para poder reparar o mal infligido à atual família de D.
Madalena. Mostra-se assim disposto a abdicar da sua própria existência, a anular-se
enquanto D. João de Portugal, para impedir a destruição daquela família. D. João de
Portugal revela, deste modo, um extraordinário espírito de abnegação, o que mostra
que é uma personagem exemplar.
● Os apartes de Telmo adquirem grande relevância neste passo da obra, pois revelam
todo o drama vivido por Telmo: o conflito interior entre o amor a Maria e o amor a D.
João e a conclusão de que aquele superou este. Como não o consegue revelar
diretamente ao seu primeiro amo, fá-lo através dos apartes, que revelam igualmente
os seus sentimentos e emoções.
De acordo com Luís de Amaro Oliveira (Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett, p.
162):
1 – É uma entidade abstrata (desde o começo até à cena 15 do segundo ato), porque
a) até ao fim do II ato, não tem senão uma existência física provável (é a simples
representação de um indivíduo dado como morto);
b) não tem uma existência moral individualizada até aos fins do mesmo ato (é um simples
vago de Fatalidade e de Destino – vestígio literário da vontade superior dos deuses da
tragédia grega).
2 – É uma entidade concreta (desde a cena 15 do segundo ato até ao fim da peça), porque
a) a partir dos fins ao ato II, surge na figura do Romeiro;
b) procura interferir voluntariamente na ação dramática, esforçando-se por impedir a
tomada de hábito de Madalena.
1 – Não é uma personagem real como entidade abstrata, porque não atua direta e
voluntariamente na ação dramática. Não é ele quem vem, são os outros quem o traz
ao conflito. Mas, como fonte de toda a energia dramática da peça, está quase
permanentemente em cena. E permanece através:
a) das evocações angustiosas de Madalena;
b) das convicções, sempre renovadas, de Telmo no seu regresso;
c) do sebastianismo de Maria (se D. Sebastião pode regressar, porque não D. João?) (II, 1);
d) das intuições de Frei Jorge e Manuel de Sousa (II, 9);
e) da crença nos agouros e sinas (II, 1), nas revelações dos sonhos (III, 11), nas almas
penadas (I, 1).
2 – Não é uma personagem real como entidade concreta, porque, embora atuando direta e
voluntariamente, a sua atuação carece de força e de intenção. É como se toda a
natureza simbólica de que viveu nos dois primeiros atos extravasasse e o tivesse
esvaziado de autenticidade humana. A simples prova da sua existência é suficiente
para o desenlace.
De facto:
- Quem pensa mais seriamente no destino do Romeiro após a sua identificação?
- Quem adere em profundidade ao seu drama de prisioneiro, de marido ultrajado, de
amigo esquecido?
- Quem acredita na eficácia das suas tentativas de solução da crise?
• A cena abre com novo equívoco: D. João, ao ouvir D. Madalena chamar por seu
marido ("Esposo, esposo!") e pensando que a esposa já sabe quem ele realmente é, julga
por instantes que ela se refere a si e sente-se tentado a abrir-lhe a porta, como ela pedia.
Por momentos, a ilusão do amor a Telmo parecer ser esquecido ("É ela que me chama!
Santo Deus! Madalena que chama por mim..."; "Que encanto, que sedução! Como Ihe
hei de resistir?!"), mas rapidamente toma consciência que a esposa se referia a Manuel
de Sousa.
Seja como for, é mais do que óbvio que D. João ama a esposa e, mesmo que por
momentos, estaria disposto a abandonar todas as resoluções se ela Ihe correspondesse.
na conta de D. João e o que solicitara
• Tendo em conta a sua postura, o seu comportamento e atitudes desde que entrou cena,
podemos concluir que, quanto à caracterização, D. João de Portugal:
» simboliza as virtudes do cavaleiro cristão: amor ao rei e à pátria, combate contra os
inimigos da fé, pelos quais expõe a sua vida, sujeitando-se a maus-tratos, privações,
distância, ausência de notícias e saudade da esposa durante mais de 2° anos;
» revela grande generosidade e grandeza de alma caráter ao querer preservar a honra de
D. Madalena, optando, não obstante a sua dor, frustração e mágoa pela perda da esposa,
passar por impostor, mentiroso, apagando-se voluntariamente, para tentar remediar o
problema que o ser regresso gerou e preservar a família da destruição.
Análise das Cenas 7 e 8 do Ato III de Frei Luís de Sousa
● D. Madalena, acompanhada de Frei Jorge, deseja entrar no compartimento,
pois ouviu vozes conversando dentro e, supondo que uma delas é a de Manuel
de Sousa, deseja falar com ele. A sua entrada em cena mostra-nos uma
mulher «desgrenhada e fora de si, procurando com os olhos todos os recantos
da casa», sinal de que quer desesperadamente encontrar Manuel de Sousa e
julga que a estão a impedir. D. Madalena “vive” estas duas cenas desesperada e
completamente dominada pelos sentimentos, ao gosto romântico, sem controlo
sobre as suas emoções, como se pode comprovar através da
didascália “(Entrando desgrenhada e fora de si, procurando, com os olhos, todos
os recantos da casa)”.
● D. Madalena deseja falar com ele por um motivo claro: tentar remediar a
situação, impedir a tomada de hábito. Para tal, argumenta que talvez estejam a
agir de forma precipitada, ao acreditarem nas palavras de “um romeiro, um
vagabundo… um homem enfim que ninguém conhece”, mas Manuel de Sousa,
tratando-a novamente pelo primeiro nome, contraria-a, jurando-lhe que o amor
de ambos é impossível. Ele mostra-se decidido a aceitar o seu destino,
chamando a atenção de D. Madalena, na cena 8, para a impossibilidade de o
mudarem.
● O tom inicial com que Manuel de Sousa se dirige à esposa é ríspido e frio,
tratando-a, de forma formal, por “senhora”, o que a deixa magoada: “Oh, que
ar, que tom, que modo esse com que me falas.”. Comovido (“enternecendo-
se”), Manuel trata-a então pelo nome próprio, mas logo cai em si e retoma a
formalidade e rispidez iniciais.
De facto, ele dirige-se à esposa usando diferentes formas de tratamento:
. formal (“senhora”): atitude de distanciamento;
● Na parte final da cena 7, Telmo procura falar à parte com Frei Jorge (“Tenho
que vos dizer, ouvi.”) e os dois “Conversam ambos à parte.”. Embora não
saibamos as palavras que trocaram entre si, é fácil deduzir que o velho aio
estará a dar seguimento à solicitação de D. João, tentando convencer o frade de
que o Romeiro é um impostor. A finalidade é evitar a destruição da família,
nomeadamente de Maria.
● Assunto
▪ Posteriormente, como não vê saída para a situação, apela a Deus que a ampare,
apelo esse que é traduzido pelas palavras do coro: “Fiant aures tuae
intendentes; in vocem deprecationis meae” (Que os vossos ouvidos estejam
atentos à voz da minha súplica).
▪ É de notar que a tomada de hábito por parte de D. Madalena não resulta da sua
vontade ou de qualquer crença de que aquela é a solução adequada à situação.
De facto, ela luta até ao fim pelo seu amor e, só quando se apercebe que
Manuel de Sousa já partiu para a cerimónia da tomada de hábito, abdica da sua
felicidade e aceita a decisão do segundo marido (“Ele foi?”; “E eu vou.”),
colocando o seu destino nas mãos de Deus.
• Assunto
D. Madalena e Manuel de Sousa preparam-se para tomar o hábito. Por causa
disso, o espaço da ação muda, passando esta a decorrer na igreja de S. Paulo.
• Didascália inicial
· Espaço:
- igreja de S. Paulo, um espaço solene;
- é neste espaço que vai ocorrer a cerimónia da tomada de hábito, a qual
implica o abandono dos bens terrenos por parte de Manuel de Sousa e
Madalena, incluindo a própria filha, o que lhe confere um caráter trágico.
- Personagens:
- os frades que constituem o coro -o Prior de Benfica
- Manuel de Sousa
- o Arcebispo
- os clérigos
- Jorge
- Madalena
● Acontecimentos da cena
▪ O Romeiro, numa derradeira tentativa de reparar a situação que criou e por que
se sente responsável, manda Telmo intervir e dizer aos presentes que é um
impostor.
▪ D. Madalena e Manuel de Sousa tudo deixam para trás: bens materiais, lugar de
relevo na sociedade, amigos, parentes e até o nome. Como diz o Prior, despiram
“o homem velho”, para se sepultarem vivos, embrulhados naquelas
“mortalhas”, um na solidão do convento de S. Domingos de Benfica e a outra no
convento do Sacramento.
▪ Na cena 2 do ato II, Telmo deixa escapar o seguinte presságio: “… tenho cá uma
coisa que me diz que, antes de muito, se há de ver quem é que quer mais à
nossa menina nesta casa.”. O terceiro ato vem confirmar esse presságio, visto
que acaba por ser a única personagem que se mostra disposta a abdicar de um
princípio que o norteava – o de nunca mentir – em nome do seu amor por
Maria. É por este motivo que tenta levar a cabo a missão de que foi
encarregado pelo Romeiro, passando a mensagem de que é um impostor.
▪A derradeira fala da peça, saída da boca do Prior (“Meus irmãos, Deus aflige
neste mundo aqueles que ama. A coroa de glória não se dá senão no céu.”),
aponta para a possibilidade de uma felicidade futura (a “coroa de glória… no
céu”), embora à custa de sofrimento redentor, neste mundo, pela contrição,
pela penitência, pela ascese. Estas palavras de conforto apontam para a
esperança, só possível na mundividência cristã.
Por outro lado, desta fala pode concluir-se que o desenlace da tragédia se
projeta em dois planos. No plano humano, as personagens não têm saída, não
podem voltar atrás, tal como na tragédia grega, que reflete o mundo clássico-
pagão, mundo sem esperança, nem redenção, em que o Destino, entidade cega
e cruel, parece ter ciúmes da grandeza das personagens e só se satisfaz com a
sua destruição e o aniquilamento das vítimas, sejam elas culpadas ou não. No
plano da mundividência cristã, as personagens, embora destruídas como tal,
infelizes no plano humano, desgraçadas no relacionamento familiar ou social,
podem mesmo assim suportar todas as dores, todos os sofrimentos, porque
lhes será sempre possível, mesmo neste mundo, atingir a paz de consciência, e,
com os esforços próprios de uma vida de penitência, aspirar, com a ajuda da
graça de Deus, a uma suprema felicidade futura.
Por outro lado, no mundo antigo clássico, a morte era vista como o
aniquilamento total, o fim de tudo: nada mais se poderia esperar para além
dela. A lei da morte era o esquecimento, do qual só se salvavam, como escreveu
Camões, “… aqueles que por obras valerosas / se vão da lei da morte
libertando”. As obras valorosas eram os feitos guerreiros dos heróis, os feitos
intelectuais dos poetas, os feitos atléticos dos jogos. Só esses eleitos tinham
direito à imortalidade, sublinhada pela ereção de uma estátua (ou retrato),
duplo da personagem. A imortalidade, ou glória, era, portanto, a memória do
herói, do poeta, do atleta nas gerações vindouras.
Na mundividência cristã, a alma humana é imortal; o homem morre, mas a
alma não é destruída, antes tem um destino feliz ou infeliz, para além da morte.
Os santos são os heróis da Fé, só eles atingem a bem-aventurança, simbolizada
na estátua, ou imagem, com honras e culto nos altares. É neste sentido que
apontam as palavras do Prior.
▪ É, pelo exposto no ponto anterior, que para Sóror Madalena das Chagas, no
Convento do Sacramento, se abre uma possibilidade de reabilitação e redenção,
pela contrição, pela oração, pela penitência, que a poderá levar, com a ajuda da
graça de Deus, à felicidade e à bem-aventurança no Céu.
É, por isso, que, para Frei Luís de Sousa, no Convento de Benfica, as
perspetivas são mais largas ainda, se juntar à penitência e à oração, a ascese
que o levará à glória do escritor (o mito romântico do escritor/poeta) e a uma
quase santificação, promissora da suprema glória no Céu.
Por fim, Maria, a vítima inocente das paixões dos pais (sobretudo da mãe), a
morte que a destrói leva-a imediatamente à glória do Céu (“este anjo que Deus
levou para si” – III, 12), nimbada pelas virtudes que a exornam, pelos
sofrimentos e provações a que foi sujeita, pela inocência e pela beleza. Do
ponto de vista transcendente, é a personagem mais feliz de todas.
● Características românticas:
▪ a exacerbação dos sentimentos;
▪ o domínio da emoção e da sensibilidade;
▪ a morte como solução para os problemas;
▪ a intenção pedagógica: a problemática dos filhos ilegítimos.
● Características trágicas
▪ Catástrofe:
- O Romeiro sofre uma morte psicológica: o anonimato. Ele é atingido pela dor
que causou nos outros, pela morte de Maria, uma inocente, e por não ter
remediado o mal que involuntariamente causou. Consigo transporta as
memórias da breve felicidade passada e dos infortúnios com que o Destino o
sobrecarregou. Nunca quis desonrar a sua viúva, mas também não deseja a
honra para si. Bastar-lhe-á um nome honrado e uma memória sem mancha.
- Telmo morre psicologicamente também. Conseguirá ele sobreviver a tantos
desgostos e a tão grande sofrimento?
- Manuel de Sousa e D. Madalena morrem para o mundo com a tomada de
hábito, para suportar a sua dor. No lugar de Manuel de Sousa, surge um novo
ser: Frei Luís de Sousa. No de D. Madalena, igualmente outro ser: Sóror
Madalena das Chagas.
- Maria é a vítima inocente de um destino trágico e morre fisicamente, revoltada,
de vergonha. Como era usual na tragédia grega, a catástrofe faz-se sentir na
vítima (mais) inocente.
▪ Peripécias:
- a tomada de hábito;
- a morte de Maria.
É a vitima inocente de toda a situação e acaba por morrer fisicamente, tocada pela vergonha de
se sentir filha ilegítima (está tuberculosa).
Detentora de um conhecimento especial, quase místico, muito pouco comum para a sua idade. A sua condição física de
tuberculosa estimula a sua curiosidade e torna-a ainda mais apta para um conhecimento especial das coisas.
Maria, D. Frei Jorge anuncia a Manuel de Soror Joana (D. Joana de Castro e Manuel, Sousa a
decisão dos governadores Mendonça) fora casada com o conde Jorge de esquecer a sua atitude.
Manuel de Vimioso, D. Luís de Portugal. A de Sousa pretende deslocar-se a determinada altura das
suas vidas Lisboa ao convento do decidem os dois professar: ela entra no Sacramento e Maria pede-
lhe para convento do Sacramento e ele em S. o acompanhar a fim de conhecer Domingos de Benfica.
soror Joana.