31168-Texto Do Artigo-83394-1-10-20161222
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Resumo: Este trabalho tem o propósito de analisar o conceito de fato social desenvolvido
por Émile Durkheim. Nosso objetivo primordial é compreender de que maneira o
sociólogo francês procurou salvaguardar este conceito das inúmeras críticas que, ainda em
sua época, foram-lhe endereçadas. Para tanto, percorremos não só as principais objeções,
mas, também, os argumentos empregados pelo autor com vistas a se defender desses
ataques. O método empregado é eminentemente revisionista, analítico e bibliográfico.
Com efeito, procuramos demonstrar que apesar das fragilidades detectadas o referido
conceito representou uma tentativa de delimitar o objeto da Sociologia, marcando posição
frente a outras áreas do conhecimento, em especial da Filosofia, Biologia e Psicologia.
Abstract: This paper aims to analyze the concept of social fact developed by Emile
Durkheim. Our primary goal is to understand how the French sociologist sought to
safeguard this concept of the numerous criticisms that even in his time, were addressed to
it. Therefore, we have come not only the principal objections, but also the arguments used
by the author in order to defend these attacks. The method is highly revisionist, analytical
and bibliographic. Indeed, we try to demonstrate that, despite the weaknesses detected,
that concept represented an attempt to define the object of sociology, marking a position
in relation to other areas of knowledge, especially Philosophy, Biology and Psychology.
1
Doutor e Mestre em Educação pela USP. Professor dos Cursos de História, Filosofia e Pedagogia do Cen-
tro Universitário Assunção – SP. Email: [email protected]
Introdução
2
Sobre esta relação, consultar o trabalho de Dominick Lacapra. Vide referências bibliográficas.
3
Com isto não estamos afirmando que esta seja a única preocupação do texto. Além de delimitar o objeto
da sociologia (os fatos sociais), As Regras do Método Sociológico aborda outros tantos temas, como a dis-
tinção entre o “normal” e “patológico”, “estrutura” e “função”, além da noção de “ideologia”. Nosso foco,
entretanto, volta-se para a definição de fato social.
em especial, Durkheim procura desde o início situar o leitor. Logo no primeiro capítulo,
intitulado “O que é fato social?” o sociólogo destaca os seus traços fundamentais, quais
sejam, exterioridade, coercitividade e generalidade. O primeiro nos situa em um “fora”
indeterminado; o segundo refere-se à interiorização do fato social, isto é, à sua conversão
em um poder interno, que se impõe à subjetividade humana; o terceiro, por seu turno,
diz respeito tanto à pluralidade de sujeitos que surge através do processo de socialização,
quanto, novamente, ao caráter autônomo do fato social, porém, desta vez como existência
independente do reino ideal das normas que presidem e tornam possível a existência da
vida coletiva. Cada um deles, portanto, corresponde a um momento específico, conquanto
isto não signifique que tenham o mesmo grau de importância.
Na concepção durkheimiana, a exterioridade é o signo mais perceptível dos fatos
sociais, tomado em dois diferentes aspectos: em relação ao indivíduo singular que se
incorpora à sociedade; e em relação a toda uma geração de homens vivos em um dado
momento histórico. Analisemos cada um deles.
Nascemos no interior de um mundo constituído. A cada geração nos encontramos
como uma tabula rasa frente a um conjunto de valores, crenças, normas, modos, usos
etc. – que a exemplo dos objetos físicos de seu entorno são impessoais. Destarte, não
somos mais que um elemento de um nexo de múltiplas interações. Para que possamos
acessar esse vasto conjunto de objetos culturais, e assim desfrutar da condição de ser
social, deve-se internalizar um sistema de signos que já está dado. É no curso do processo
de socialização, portanto, que estes objetos culturais vão sendo incorporados pelos
indivíduos. Nesse sentido, a educação constitui-se no instrumento social mais eficaz
para converter essas representações coletivas em algo interior, íntimo. É através dela –
primeiramente na instância familiar e posteriormente na instância escolar – que certos
elementos culturais objetivados tornam-se subjetivos, plasmando gradualmente o espaço
psíquico particular do indivíduo concreto. Entretanto, esta interiorização nunca é total,
uma vez que o indivíduo, seja pelas limitações de suas faculdades intelectuais seja pelo
curto tempo de vida que dispõe, só pode incorporar uma parcela ínfima de tudo o que a
vida coletiva produziu ao longo dos séculos. Este só pode conhecer uma pequena parte,
normalmente a de índole geral que lhe possibilita tornar-se membro do grupo e a de
índole específica que lhe permite ocupar um lugar no interior da divisão do trabalho.
Portanto, este primeiro sentido da exterioridade dos fatos sociais, definido a partir
da diferença entre o indivíduo pré-social e a determinação do meio social, ainda nos deixa
107
um suporte: as gerações adultas socializadas. Segundo Durkheim, os fatos sociais não
decorrem nem das ações nem das volições individuais, mas de um passado que antecede
a todos eles. Trata-se, pois, de fenômenos que extrapolam os indivíduos vivos e suas
consciências tanto em termos lógicos quanto em termos histórico-culturais. Isto porque
nenhuma geração de homens se encontra em situação de elaborar por inteiro, partindo do
zero, um sistema cultural completo. Afinal de contas, conforme enfatiza Durkheim:
Como o excerto acima deixa entrever, a coerção externa pode ser de dois tipos.
Além do constrangimento direto, sentido quando a violação às regras sociais desencadeia
sanções mais ou menos violentas, há imposições que são indiretas, pois surgidas
da necessidade do indivíduo se submeter a certos procedimentos para obter êxito em
determinadas atividades sociais.
Mas a coerção não se dá apenas de fora para dentro. Ela também pode ser pensada
em termos intersubjetivos, na forma de constrangimento moral. É este, aliás, o seu sentido
mais original. Afinal, a coerção vai muito além dos deveres expressos pelo sistema jurídico
ou pelas normas coletivas. Nesse sentido, pode-se falar em uma pressão interior, de cunho
4
Segundo Juan Pablo Vázquez Gutiérrez (2002), embora Durkheim tenha apenas esboçado uma discussão
acerca da moralidade no início de sua carreira, só voltou a este tema em seus trabalhos posteriores, sobre-
tudo em seus estudos atinentes à educação moral e à religião, quando, inclusive, procurou desfazer os mal-
-entendidos contidos nas análises de alguns de seus intérpretes.
É fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre
o indivíduo uma coerção exterior; ou, ainda, toda maneira de fazer que é geral
na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência
própria, independente de suas manifestações individuais (Durkheim, 2007, p.
13).
110
Controvérsias e dilemas de uma definição
5
Crítica semelhante já havia sido feita por Georges Sorel, um contemporâneo de Durkheim, em 1895, em
um artigo publicado na Revista Le devenir social, intitulado Les theóries de M. Durkheim. Consultar o
excelente texto de Steven Lukes (1984). Vide referências bibliográficas.
ou seja, como sinônimo de violência física, pois, comumente, não se usa a expressão
“coerção” para se referir às crenças, aos valores ou à moda, já que os indivíduos, ao
abraçar à fé dos seus semelhantes, têm a impressão de se exprimirem de modo pessoal e
não-coletivo.
A terceira objeção volta-se para o critério de generalidade e independência.
Segundo Durkheim um fato social também poderia ser definido por ser geral no interior do
grupo e, o que é mais importante, por existir independentemente das formas que assume
ao se generalizar. Aqui, generalidade combina com a ideia de que a forma geral independe
do comportamento individual ao mesmo tempo em que o orienta. Destarte, correntes de
opinião, sentimentos coletivos, crenças e práticas se impõem aos indivíduos quando, uma
vez interiorizados, influenciam-nos a pensar, sentir e agir de certas maneiras. Por este
prisma, o indivíduo não passaria de mero suporte das influências coletivas, enquanto a
sociedade se apresentaria com uma força espiritual autônoma (Gurvitch, 1986).
Em larga medida, todas essas dificuldades acerca da definição de fato social
resultam do esforço de Durkheim para fazer da Sociologia uma ciência autônoma,
sobretudo em relação à Biologia e à Psicologia. Praticamente todas as ambigüidades e
clivagens que atravessam sua obra derivam dessa tentativa. Vejamos a seguir como o
113
sociólogo procurou defender sua posição.
Quando foi publicado pela primeira vez, este livro suscitou controvérsias
bastante fortes. As ideias correntes, como que desconcertadas, resistiram a
princípio com tal energia que, durante um tempo, nos foi quase impossível
fazer-nos ouvir. Até nos pontos em que nos expressáramos mais explicitamente,
atribuíram-nos gratuitamente ideias que nada tinham em comum com as
também quanto ao substrato, visto não evoluírem no mesmo meio e nem nas mesmas
condições. Ainda que exista alguma forma de relação entre eles, não se pode efetivamente
deixar de reconhecer que o pensamento coletivo, em sua forma e em sua matéria, dispõe
de propriedades específicas, tornando-o único. Daí a necessidade de uma ciência – a
sociologia – que estude separadamente este tipo de fenômeno, já que esta ordem especial
de fatos, ao se misturar ou se separar, dá origem a compostos que se opõem aos produtos
ordinários do pensamento privado.
Por último, o sociólogo tece algumas considerações a respeito da definição segundo a
qual os fatos sociais consistem em maneiras de fazer, agir e pensar, reconhecíveis pela
coerção que exercem sobre as consciências particulares. Sobre esse ponto, argumenta
Durkheim, fez-se uma enorme confusão. Esta resulta do modo como sobre as coisas
sociológicas aplicam-se categorias eminentemente filosóficas, o que concorre para tornar
essa definição preliminar em uma espécie de filosofia do fato social. O autor, entretanto,
procura demonstrar que as propostas oferecidas em As Regras têm caráter preliminar.
Trata-se apenas de indicar alguns sinais externos para que o cientista possa reconhecer
os fatos que devem ser examinados, evitando assim quaisquer confusões com fenômenos
atinentes a outras ciências. Deste modo, Durkheim aceita a censura feita a sua definição,
115
sobretudo por não exprimir do todos os caracteres do fato social. Portanto, consente
o mestre francês, não há nada de inconcebível que o fenômeno em questão possa ser
caracterizado de várias maneiras diferentes, pois não há razão para que ele tenha apenas
uma propriedade distintiva. Aliás, em uma nota de texto, ele explicita melhor esta sua
posição, apontando um aspecto dos fatos sociais que escapa às suas características mais
perceptíveis, visto tratar-se de uma propriedade interiorizada pelo indivíduo.
A nota acima demonstra que embora os fatos sociais comportem sinais exteriores,
facilmente reconhecíveis, também podem exprimir-se em termos morais, isto é, na forma
de condutas, comportamentos e visões de mundo internalizadas pelo indivíduo através
da educação.6 Estas ideias voltam a aparecer neste prefácio, porém, aqui, empregadas
com o intuito de demonstrar as diversas possibilidades de apreensão dos fatos sociais.
Dessa forma, assume o sociólogo, a coerção não pode ser tomada como o único critério
de distinção do fenômeno social. Trata-se de uma característica possível, que inicialmente
pode facilitar o estabelecimento de uma definição, conquanto em alguns casos sua
identificação não seja assim tão fácil. O mais importante, porém, é que as características
utilizadas sejam imediatamente discerníveis e possam ser percebidas antes do início
da pesquisa. É essa condição, entretanto, que as definições opostas a de Durkheim não
obedecem, pois tendem quase sempre a determinar o objeto da investigação sem que o
estudo dos fatos sociais tenha avançado suficientemente para descobrir algum outro meio
preliminar que permita reconhecê-los.
Durkheim também aproveita para se defender daqueles que acusam sua definição
de compreender quase todo o real, sendo, por isso, demasiadamente larga. Segundo
alegam os críticos, o meio físico exerce similar coerção sobre os indivíduos, obrigando-
116
os a se adaptar a ele. Porém, como explicita o sociólogo, entre esses dois tipos de coerção
existe uma enorme diferença, afinal, a pressão exercida pelo meio natural não pode ser
confundida com aquela que a consciência de um grupo exerce sobre seus membros. Eis
aqui uma importante distinção: a primeira forma consiste em uma coerção física, enquanto
a segunda refere-se a uma coerção moral. Conforme sublinha o autor:
O que a coerção social tem de inteiramente especial é que ela se deve, não
à rigidez de certos arranjos moleculares, mas ao prestígio de que seriam
investidas algumas representações. É verdade que os hábitos, individuais
e hereditários, têm, sob certos aspectos, a mesma propriedade. Eles nos
dominam, nos impõem crenças ou práticas. Só que nos dominam desde dentro,
pois estão inteiros em cada um de nós. (DURKHEIM, 2007, p. XXIX).
Mas, em que pese essa distinção, não resta dúvida que entre esses dois tipos de
coerção existem semelhanças, pois ambos constituem realidades objetivas. Há, neste ponto,
6
Em seus estudos sobre educação e moral, Durkheim desenvolveu esta tese com vistas a superar a rígido
pensamento moral kantiano. Toda a primeira parte de seu curso sobre A Educação Moral, esboçado ainda
no tempo em que era professor em Bourdeaux e oferecido pela primeira vez entre os anos de 1902-1903
na Sorbonne.
um importante elemento, a saber, para Durkheim os fenômenos sociais são coisas reais
que, mesmo sendo diferentes das coisas materiais, impõe-se igualmente aos indivíduos,
sendo, por isso, passíveis de estudo. Com efeito, os fatos sociais são formas definidas e
constantes, possuidoras de uma natureza independente do arbítrio individual e da qual
derivam relações necessárias. A sociologia, por sua vez, constitui um esforço no sentido
de precisar as regularidades das forças coletivas, bem como suas influências sobre os
indivíduos. O grande desafio que se coloca a esta nova ciência, portanto, é romper com os
postulados antropocêntricos que se tornam hegemônicos e que levaram, por conseguinte,
os seus representantes a negar às forças coletivas uma natureza própria, tomando-as como
mera ficção.
Considerações finais
Em termos metodológicos, é mister admitir que a noção de fato social encerra uma
série de dificuldades. A principal delas: a ideia de que os fenômenos sociais, a exemplo
dos fenômenos naturais, podem ser estudados objetivamente. Tal posição implica,
pois, que os fatos falam por si, e que o sociólogo não tem qualquer participação em
sua constituição. Em outras palavras, segundo o método empírico-indutivo empregado
por Durkheim, todo sociólogo deve se desprender das pré-noções. Contudo, se o próprio
sociólogo ocupa um lugar específico na sociedade, de que modo os juízos de valor
que emite ou a interpretação que faz podem ser isentas de influências? Eis um dilema
que Durkheim não foi capaz de contornar. Como observa Maura Pardini Bicudo Verás
(2014), o próprio neokantismo, que Durkheim confessamente absorveu durante o tempo
de estudante secundário, estabelece uma importante distinção metodológica fundamental
entre “ciências nomotéticas” (caracterizadas pela busca de leis gerais, universais, como
no caso das ciências naturais) e “ciências ideográficas” (presas ao estudo de fenômenos
singulares e circunstanciais, como no caso das ciências humanas). Essa diferenciação
entre as “ciências da natureza” e as “ciências da cultura”, presente em autores como
Wilhelm Windelband e Wilhelm Dilthey7, é completamente ignorada por Durkheim, que,
como sabemos, manteve-se fiel ao naturalismo comtiano durante toda a primeira fase. A
118
questão que se impõe é a seguinte: por que isso se deu? Por que essa rigidez em relação
ao caráter objetivo dos fatos sociais, sobretudo em seus primeiros livros?
Quanto ao caráter coercitivo dos fatos sociais, a expressão “coerção” é no mínimo
infeliz. Trata-se de um termo ambíguo, pois embora seja comumente empregado como
sinônimo de violência física, Durkheim o utiliza para se referir tanto às pressões exteriores,
exercidas pelos fatos sociais, quanto às pressões de ordem moral. As inúmeras vezes
que Durkheim veio a público explicar a seus leitores em que sentido o utilizou confirma
a sua má escolha. Talvez termos como “constrição” ou “coação” ocasionassem menos
problemas. Cumpre então perguntar: por que diante de tantas confusões interpretativas,
Durkheim mantém o termo “coerção”? Mesmo admitindo não se tratar do único elemento
distintivo do fato social, por que o autor não abriu mão dele?
7
Ao lado de Heinrich Rickert, Windelband e Dilthey promoveram uma importante discussão metodológica
acerca da especificidade dos princípios norteadores das ciências humanas. Desse modo, todos eles pro-
curam se distanciar e se contrapor ao positivismo, que insistia na tese de que os princípios fundamentais
das ciências humanas, como no caso da sociologia, guardavam similares com os princípios das ciências
naturais. Isto porque, no caso específico da sociologia, a identificação com as ciências naturais, tal como os
positivistas propugnavam, ignora o fato de que o ser social é, a um só tempo, sujeito e objeto desta ciência,
o que impossibilita uma análise imparcial da fração da realidade social que sociólogos tomam como objeto
(Cf. Sell, 2002; Verás, 2015).
Parece-nos que uma resposta crível às questões precedentes só pode ser oferecida
caso consideremos alguns pontos importantes, especialmente em relação aos trabalhos
dessa primeira fase: (a) o embate teórico travado com os representantes da filosofia
utilitarista; (b) a tentativa de demarcar o território da Sociologia em face do território da
Psicologia; (c) o caráter provisório da definição durkheimiana. Em relação ao primeiro
ponto, Durkheim não aceita a hipótese utilitarista segundo a qual a sociedade é resultado
da busca calculada de indivíduos – átomos interesseiros que estabelecem contratos entre si
– por vantagens econômicas. Por isso o modo radical com que o sociólogo francês se opõe
ao individualismo metodológico, empregando expressões como “coerção” para salientar
o primado dos fatos sociais. O segundo ponto diz respeito ao esforço de Durkheim para
determinar a esfera de atuação do sociólogo, bem como definir seu objeto de estudo e
seus métodos de pesquisa, visando, assim, delimitar o espaço específico da Sociologia.
Esta tarefa, árdua de início, em decorrência da influência exercida pela Psicologia Social
em grande parte da Europa, custou ao sociólogo francês uma postura mais ou menos
radical em relação às metodologias centradas do indivíduo, que, pelo menos em um
primeiro momento, deu origem a uma forte tendência sociologista por parte do autor, que
só seria diluída nos trabalhos produzidos tardiamente. Sua estratégia, portanto, consistiu
119
em projetar as características dos fenômenos sociais, por ele considerados autônomos
e independentes dos indivíduos isolados e, assim, demonstrar a validade das pesquisas
sociológicas. Já o terceiro ponto refere-se ao reconhecimento de que os fatos sociais
constituem uma realidade que ainda necessita ser estudada em toda a sua complexidade.
A coerção não é senão um sinal preliminar, que somado a outros sinais, tais como a
exterioridade e a generalidade, contribui para que o sociólogo possa localizar o seu objeto
de estudo sem confundi-lo com o de outras ciências. Contudo, como assente o autor, é
possível que outras características sejam descobertas à medida que a sociologia avançar.8
O desenvolvimento ulterior da sociologia durkheimiana confirmou esta previsão. Basta
lembrar que durante toda a primeira fase de sua carreira Durkheim esteve preocupado em
localizar o substrato sob o qual se encontravam os fenômenos da vida social, dentro de
8
Como é sabido, desde o início Durkheim se esforça em provar que os fatos morais – que não se distinguem
dos fatos sociais – são passíveis de ser estudados. Se, por um lado, isto implica que o cientista deve primar
pela neutralidade axiológica, anulando os valores subjetivos no processo de observação científica – o que
foi devidamente criticado por autores de diversas matrizes sociológicas –, por outro, foi desta asserção
que floresceram formulações cada vez mais ousadas. Nesse contexto, tomar os fatos sociais como “coisas”
significa dizer que a própria moralidade dos povos, historicamente constituída, transforma-se na mesma
medida em que as sociedades se modificam. Ora, uma ciência estática não poderia captar esse movimento.
Cabia a sociologia, portanto, reinventar-se o tempo todo se quisesse dar conta das transformações sociais.
certas condições teóricas. Por um lado, deveria ser um fenômeno material e, ao mesmo
tempo, espiritual. Por outro, deveria ser um fenômeno presente tanto na esfera individual
quanto na esfera inter-individual. Daí Durkheim ter se dedicado com tanto afinco aos
tipos de solidariedade social expressos nas normas jurídicas. Porém, na medida em que
a sua sociologia avança, o autor atenta para novas dimensões dos fenômenos sociais, em
especial as representações e os sentimentos coletivos, responsáveis por colocar em xeque
a ideia de um substrato social adverso a essas representações e que unilateralmente as
determinaria. A partir do momento em que redireciona os seus estudos para os aspectos
religiosos e simbólicos da vida social, durante a segunda fase de sua carreira, Durkheim
não só revê as suas posições iniciais, mas também apresenta uma concepção renovada
na perspectiva mais elaborada de uma dinâmica social que passa pela interação dos
indivíduos e pela confrontação dos sentimentos coletivos. Essa reviravolta possibilitou
ao mestre francês avançar em seus estudos, tornando-os bem mais atrativos e bem menos
rígidos quando comparados aos seus estudos iniciais. Com efeito, nesta última fase, a
sociologia durkheimiana abre espaço para se pensar, de um lado, a influência que a vida
coletiva exerce sobre os homens e, de outro, o papel destes enquanto produtores dos
fenômenos sociais, rompendo assim com o determinismo morfológico contido em seus
120
primeiros escritos.
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