FAUSTO, Ruy. Marx, Lógica e Política. Tomo I
FAUSTO, Ruy. Marx, Lógica e Política. Tomo I
FAUSTO, Ruy. Marx, Lógica e Política. Tomo I
MARX:
LOGICA E POLÍTICA
Investigações para uma reconstituição
do sentido da dialética
Tomo I
1? edição 1983
2? edição
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editora brasüiense
DIVIDINDO OPINIÕES MULTIPLICANDO CULTURA
\o ^ 19 8 7
ParaBeti
índice
Nota Introdutória............................................................................. 9
Introdução.......................................................................................... 11
II
III
Apêndices
(*) Agradecemos ao prof. Jean Desanti sob a direção do qual apresentamos este
primeiro tomo como tese de terceiro ciclo à Universidade de Paris I. Agradecemos
igualmente aos professores Hélène Vedrine e François Châtelet, que participaram tam
bém da banca. Agradecemos a François Bon, Alain Grosrichard e Franck Lahmy, que
não s6 nos ajudaram a fazer a revisão do texto francês, mas que discutiram conosco,
certas partes ou a totalidade, deste primeiro tomo. Paulo Eduardo Arantes também leu
o texto, e agradecemos as suas observações. Agradecemos ainda a Beth Lobo, que nos
ajudou no trabalho de datilografia e a quem dedicamos este primeiro tomo.
“Sobre a dialética e o marxismo” (inédito) — segunda parte da introdução
— é de 1981. “Dialética Marxista, Humanismo, Anti-humanismo” (publicado pela
revista Discurso, São Paulo, n? 8, 1978, sob o título “Dialética Marxista, Antropo-
logismo, Anti-antropologismo”) é de 1974-75; fizemos algumas modificações no texto.
“Althusserismo e Antropologismo” (publicado em francês na revista L ’Homme et la So
ciété, número duplo 41-42, Paris, 1976, e em português na revista Almanaque, São
Paulo, n? 4, 1977) é de 1975; acrescentamos ou modificamos algumas notas. “Abs
MARX: LOGICA E POLITICA 15
NOTAS
mesmo. Esta configuração é de resto essencial — ela é mesmo a chave — para pensar a
situação contemporânea.
(15) É necessário insistir sobre o dogmatismo de certos campeões do antidogma
tismo. Na medida em que eles não distinguem o que é “posto” do que é “não-posto”, se
se quiser o ato e a potência, toda tendência se torna realidade efetiva. Aí jaz o segredo
dos livros que põem numa mesma categoria — maldita — os pensadores ou os escritores
mais diferentes. A dialética, pelo contrário, que distingue a possibilidade e a efetividade,
o pressuposto e o posto, sabe registrar a presença de tal ou qual motivo inquietante nos
clássicos, mas sabe também mostrar os limites dessas tendências. (Ver Adorno e também
Horkheimer, passim, a esse respeito)
(16) Ver Hans-Günther Holl “Emigration dans l’immanence”, le mouvement
intellectuel de la dialectique négative”, posfácio a Theodor Adorno, Dialectique Nega
tive, trad. franc., Paris, Payot, 1978, pp. 325 e segs.
(17) A ausência quase total de referências aos textos de Hegel numa obra (Lire le
Capital) que pretende mostrar o não-hegelianismo de Marx é em si mesmo um sintoma.
(18) Werke, 29, op. cit., 1963, carta de Marx a Lassale, de 22 de fevereiro de
1858, p. 550; Lettres sur le Capital, tradução, apresentação e notas por G. Badia, Paris,
Ed. Sociales, 1964.
(19) Por exemplo, vamos na direção contrária à de Perry Anderson em Conside-
rations on Western Marxism, New Left Books, 1976, cuja tônica é o esgotamento da
problemática filosófica do marxismo.
(20) “Como nos relacionamos afinal com a dialética de Hegel?” (“Wie halten wir
es nun mit der Hegelschen Dialektik?"). (Werke, Ergänzungsband, I, Ökonomisch
philosophische Manuskripte, (1844), op. cit.., p. 568, grifado por Marx) A analogia entre
as duas situações históricas, que a citação induz, quer dizer somente: hoje como então
corremos o risco de abandonar um grande pensamento, sem verdadeira crítica.
(21) “Was nun mit der Logik”. (Werke, Ergänzungsband, I, Ökonomisch-philo
sophische Manuskripte, (1844), op. cit., p. 569)
1
Dialética marxista,
humanismo, anti-humanismo
PRIMEIRA PARTE
b) O homem e o capital
SEGUNDA PARTE
a) História e posição
Observação
No quadro da sua crítica do humanismo e em particular da
crítica da noção de “humanismo real” , em PourM arx, Althusser toca
no problema da tese VI, e faz as seguintes considerações a esse res
peito: “Qual é, com efeito, esta ‘realidade’ que deve transformar o
antigo humanismo em humanismo-real? É a sociedade. A tese VI sobre
Feuerbach diz mesmo que o ‘homem’ não abstrato é ‘o conjunto das
relações sociais’. Ora, se tomarmos esta expressão, literalmente, como
uma definição adequada, ela não quer dizer nada. Que se tente sim
plesmente dar uma explicação literal disto, e se verá que não a encon
traremos, a menos que recorramos a uma perífrase deste tipo: ‘se se
quiser saber qual é a realidade, não a que corresponde adequadamente
ao conceito de homem ou de humanismo, mas que está indiretamente
em causa nesses conceitos, não é uma essência abstrata, mas o con
junto das relações sociais’. Esta perífrase faz aparecer imediatamente
uma inadequação entre o conceito homem e a sua definição: conjunto
das relações sociais. Entre esses dois termos (homem/conjunto das
relações sociais) há sem dúvida uma relação, mas ela não é legível na
definição, não é uma relação de definição, não é uma relação de
conhecimento” (grifado sempre por Althusser). E Althusser continua:
40 RUY FAUSTO
(udo o que o separa do seu próprio universo lógico: “não é uma relação
de definição” (o que é verdade em certo sentido), “não é uma relação
de conhecimento” (o que já vai longe demais), e ele se refere ao mesmo
na continuação, em termos de “escandaloso paradoxo” . Mas se, de
qualquer modo, devemos reconhecer os méritos de Althusser em haver
registrado, contra as leituras ingênuas dos humanistas, o movimento
sujeito/predicado que contém a tese VI — méritos que em certo sentido
são tanto maiores dado o fato de que ele não parte, muito pelo con
trário, dos resultados da lógica de Hegel —, não se deve perder de vista
que, na interpretação que dá, ele paga um preço pelo seu anti-hege-
lianismo. Com efeito, a interpretação que dá Althusser à tese VI só põe
em evidência o lado negativo da passagem, a negação do sujeito pelo
predicado, não a sua conservação enquanto sujeito-negado. Mesmo se
ele diz que o “homem” só desaparece enquanto conceito teórico (ou por
isto mesmo: é compreender mal as pressuposições dizer que a função
delas é “prática”), é evidente que ele toma a negação do “homem” na
tese VI como uma negação vulgar; o “homem” só indicaria o “lugar de
um deslocamento” . Tal leitura é evidentemente insuficiente. Mesmo se
tivermos em vista o universo da transição, A Ideologia Alemã, que
atribui às pressuposições o estatuto mais pobre, veremos que — pelo
menos considerando o seu uso efetivo por Marx — elas têm, de qualquer
modo, funções mais ricas do que as que lhes atribui Althusser. Tomá-
las como “conceitos práticos” , como signos (ou sinais?) indicativos de
uma ação, implica enveredar pela interpretação mais nominalista das
pressuposições. (Esta interpretação não impediu de resto que Althusser
encetasse ao mesmo tempo o movimento contrário no que se refere às
pressuposições do capítulo V (original) do livro I de O Capital (ver a
esse respeito o final da primeira parte do nosso texto).) Assim, a análise
da tese VI, que deveria conduzir à dupla crítica do antropoíogismo e do
anti-antropologismo, só desembocou na crítica justificada mas unila
teral — e portanto falsa — do antropoíogismo, com o seu corolário
antinômico: a emergência do próprio antropoíogismo. Esse texto de
Pour Marx é exemplar na medida em que ele mostra como, levado pela
sua própria problemática, a “ quietude” do entendimento althusse-
riano foi conduzida às vezes até os limites da “inquietude” da razão
dialética, sem evidentemente perceber o abismo de que se aproxi
mou.
Observação
Como para o conceito de “homem” , encontramos nos althusse-
rianos urna crítica do conceito de “riqueza” , exatamente a propósito do
parágrafo primeiro do livro I de O Capital. Em “A propósito do pro
cesso de exposição do Capital”, Macherey escreve, comentando esse
parágrafo: “(...) Com efeito, o ponto de partida da exposição de Marx
é absolutamente surpreendente, o primeiro conceito, o conceito de que
todos os outros irão ‘sair’, é o conceito de RIQUEZA. Não se trata
evidentemente de uma abstração científica, mas de um conceito empí
rico, falsamente concreto, próximo daqueles que a Introdução nos
ensinou a denunciar (ver por exemplo a crítica da idéia de ‘população’).
A riqueza é uma abstração empírica: é uma idéia: falsamente concreta
(empírica), incompleta nela mesma (ela não tem sentido autônomo,
mas só em relação a um conjunto de conceitos que ela recusa). A
riqueza é um conceito ideológico, do qual à primeira vista não se pode
tirar nada. Do ponto de vista do processo de investigação (do trabalho
da investigação científica), ela constitui o pior ponto de partida. Apa
rentemente não é a mesma coisa para o processo de exposição, pois é a
partir déla que Marx apresenta os conceitos fundamentais da sua
teoria. Que se deve pensar desse início? — Várias observações permi
tem responder a essa questão: 1) Marx não pede a essa idéia mais do
que ela pode efetivamente produzir. Ao conceito empírico ele aplica
uma análise empírica: ele decompõe a riqueza em seus elementos, no
sentido mecânico do termo (a mercadoria é a ‘forma elementar’, ce
lular, da riqueza); a riqueza não é mais do que uma acumulação
de mercadorias. A idéia é ‘explorada’ nos seus próprios limites: não se
pretende fazê-la dizer o que não pode dizer; 2) Esta idéia, na medida
em que nos contentamos assim em descrevê-la sem lhe acrescentar
nada, sem dotá-la de um segredo que, pelo contrário, ela eliminou
piedosamente, não tem necessidade de justificação: ela não diz nada
além do que comporta a sua insuficiência. Ela é portanto um ponto de
partida, se não legítimo, pelo menos cômodo: ela é o objeto empírico,
imediatamente dado, da ‘ciência econômica’. É bem nessa qualidade
que ela fornecia um quadro, por exemplo, à pesquisa de Adam Smith.
Tudo se passa como se ela desempenhasse aqui o papel de uma revo-
cação: entende-se habitualmente por economia política o estudo da ri
queza; se partimos da idéia de riqueza, vemos que esta idéia se decom
põe... Mas evidentemente este conceito não tem valor por si mesmo: ele
é profundamente transitivo, ele serve para passar a outra coisa, e em
particular para recordar a ligação com o passado da investigação
MARX: LÓGICA E POLITICA 43
científica. Essa função evocatória montra bem que o conceito não deve
o seu primeiro lugar ao seu rigor, mas pelo contrário ao seu caráter
arbitrário. Ele manifesta pela sua evidente fragilidade a necessidade de
falar de outra coisa, de entrar nesse difícil caminho que só avança a
partir do esquecimento de tudo o que o precedeu (...)” . (Macherey, P.,
“À propos du processus d’exposition du Capital” in Lire le Capital, IV,
Paris, Maspero, 1973, pp. 17-18, grifado pelo autor) A exemplo do que
vimos para a noção de “homem” , o althusserismo dá bem conta do
caráter externo da noção de riqueza, isto é, do “lado” da sua ausência
ou da sua negação. Mas o lado positivo, o da sua presença enquanto
sujeito-“negado” , só é expresso por termos totalmente imprecisos
(“função evocatória” , “comodidade” etc.). O que confirma as obser
vações anteriores (ver observação acima).
d) Á interversão
e) A interversão em O Capital36
Observação
Vê-se por aí que, embora em sentido diferente do das obras de
juventude, a idéia de que, se não o operário, pelo menos a classe
operária “ aliena o seu produto” tem, sem dúvida, um sentido rigoroso
em Marx. Se os althusserianos a recusam é, entre outras razões, porque
eles são incapazes de apreender plenamente o sentido da passagem da
MARX: LÖGICA E POLITICA 49
Observação
existiu) até aqui. Ê evidente que a sociedade não pode se liberar, sem
que cada indivíduo seja liberado. O velho modo de produção deve pois
ser revolucionado a fundo, e sobretudo a velha divisão do trabalho deve
desaparecer (...)” . ( Werke, 20, Engels, Anti-Dühring, op. cit., 1962,
p. 273. Ver Anti-Dühring, trad. franc. de E. Bottigelli, Êd. Sociales,
1973, p. 331)46 Observemos, para responder a eventuais críticas, que
quando se afirma que no socialismo o “homem” , a “liberdade” etc. se
tornam verdadeiros sujeitos, não se quer dizer com isto que, na hipó
tese do socialismo, todos os problemas se reduzem ao problema do
“homem” . É um pouco o argumento que utiliza Althusser em “Mar
xismo e Humanismo” (ver Althusser, Pour Marx, Paris, Maspero,
1965, p. 246) para desacreditar toda idéia de homem sujeito. Dizer que
o homem será — ou seria — sujeito não significa afirmar que todos os
problemas teóricos específicos se deslocarão em direção à questão geral
do “homem” ou que toda questão prática será absorvida pela proble
mática dos fins. Para todo pensamento realista, é bem evidente que o
“particular” , no que se refere à teoria, e os meios, no que concerne à
prática, não perderão o seu peso específico. Mas, ao contrário do que
se passa antes do socialismo, na hipótese do socialismo todo problema
teórico que tenha como objeto tais ou tais homens fará aparecer a sua
condição de sujeitos, e não mais de suportes;47 todo problema prático a
propósito dos meios fará aparecer — ao contrário do que ocorre, antes
do socialismo, para o problema revolucionário — a não-contradição
dos meios em relação aos fins. Nem negação do homem pelos seus
predicados, nem contradição entre meios e fins, é tudo o que quer dizer
a idéia do surgimento do homem-sujeito.
TERCEIRA PARTE
b) Dialética e ideologia
(*) Aqui, mais do que era qualquer outro lugar, é preciso insistir que a pers
pectiva do texto é marxista clássica. Sobre seus limites, ver a Introdução.
58 RUY FAUSTO
NOTAS
(1) “As relações de produção burguesas são a última forma antagônica (anta
gonistisch)I do processo de produção social (...). Com esta formação social termina a
pré-história da sociedade humana”. (Marx, Werke, 13, Zur Kritik der Politischen Öko
nomie, Berlim, Dietz, 1972, p. 9) Como as noções de pré-história da sociedade humana,
de homem etc., se encontram também — e mesmo com maior freqüência — nas obras de
juventude, precisemos que o nosso texto se refere não ao jovem Marx, mas ao Marx da
maturidade, particularmente o dos Gundrisse. (Ainda que a questão histórica da relação
entre o jovem Marx e o Marx da maturidade não seja aqui o nosso problema, o leitor
perceberá que a nossa perspectiva é a da descontinuidade — de forma alguma a do
contínuo tradicional — entre os “dois” Marx, mas que essa descontinuidade deve ser
distinguida da coupure althusseriana.) Observemos por outro lado que nas obras de
Marx do período de transição, sobretudo em A Ideologia Alemã, encontram-se textos
que se afastam da perspectiva dos Grundrisse aqui exposta — perspectiva que, no essen
cial, não é diferente da de O Capital — numa direção inversa à das obras de juventude.
Nos limites deste texto — como uma exceção — também não levaremos em conta esses
textos de transição, deixando para outros textos a discussão dos problemas que eles
levantam, assim como, em geral, a do conjunto das questões que propõe o desenvolvi
mento do pensamento de Marx.
(2) Com vistas ao leitor não especialista, lembremos que na Fenomenología do
Espírito — onde se descreve o itinerário da consciência no seu ascenso até o espírito —
há, se se pode dizer assim, duas perspectivas de leitura: a perspectiva ingênua da
consciência comum e a perspectiva da consciência científica ou filosófica. A solução dos
problemas que propomos nesse texto passa pela formulação rigorosa dessa diferença, em
particular pela definição exata do estatuto da consciência filosófica.
(3) Hegel fala não de “opinião”, mas de ‘afirmação seca” (ou nua) (ein trockenes
Versichern), mas ele diz que a "ciência não verdadeira”, a consciência natural, também
remete a isto, e que “uma afirmação seca vale entretanto exatamente tanto quanto a
outra”. — Se se objetar ao nosso argumento que a consciencia filosófica necessita da
Fenomenología para se legitimar diante da consciência natural e não em termos abso
lutos, deve-se responder que a ciência necessita de qualquer modo de um caminho, ela é
processo e processo constitutivo, o que basta para o argumento.
(4) Lembremos que o devir é a passagem do não-ser ao ser ou vice-versa, não a
mudança no interior do ser, como o representam as leituras paradialéticas.
(5) Figuras da Fenomenología.
(6) “Assim como desenvolvemos pouco a pouco o sistema da economia burguesa,
desenvolvemos do mesmo modo a sua negação que é o seu resultado final (...). Se se
considerar a sociedade burguesa em grandes linhas, aparece sempre como resultado final
MARX: LOGICA E POLÍTICA 59
do processo de produção social a própria sociedade, isto é, o próprio homem nas suas
relações sociais”. (Marx, Grundrisse der Kritik der Politischen Okonomie, Berlim,
Dietz, 1953, p. 600. Ver tradução inglesa de M. Nicolaus, Penguin-New Left Review,
1973, p. 712)
(7) Poder-se-ia dizer, em certo sentido, que a matriz de todos esses juízos é a tese
VI sobre Feuerbach (tese cuja interpretação foi sempre controvertida; ver, por exemplo,
Althusser): “(...) a essência humana ( = o homem) é o conjunto das relações sociais”.
Com efeito, para que a tese VI ganhe uma significação rigorosa, é necessário que ela seja
lida como um juízo em que o sujeito passa "no” predicado. Em “o homem é o conjunto
das relações sociais”, o sujeito “homem” passa, se reflete, no predicado “relações
sociais”. Só o predicado “relações sociais”, não o sujeito “hompm”, está posto. Mas o
"homem” está lá, como sujeito pressuposto. Entretanto, como o mostraremos na se
gunda parte, retomando em detalhe a análise da tese VI, é somente se a interpretarmos
da perspectiva da obra de maturidade (destacando-a do universo da “transição”) que a
tese VI será estritamente conforme aos nossos exemplos.
(8) Poder-se-ia pensar que não fizemos aqui mais do que substituir a pergunta
“que é homem?” peia pergunta “quem é homem?” (a qual, de qualquer modo, teria
como resposta um juízo em que o predicado nega o sujeito). Mas isto não é inteiramente
verdade, ou só é verdade se considerarmos uma resposta isolada, ou algumas respostas
isoladas, “o homem é o operário”, por exemplo, ou “o homem é o cidadão romano” etc.
Mas se tomarmos o conjunto das respostas que se poderia dar à pergunta, se considerar
mos o conjunto da história, as respostas, com seus desenvolvimentos, constituem a apre
sentação do conceito de homem, que é a única definição possível do homem no nível da
sua “pré-história"-, assim como a apresentação do espírito pelos seus predicados na
Fenomenología é a única definição possível do espírito.
(9) Sobre o capital-movimento ver J. A. Giannotti, As Origens da Dialética do
Trabalho, particularmente o prefácio da versão francesa, Paris, Aubier, 1971. Nessa
obra se encontra também a distinção pressuposição/posição, mas em geral em forma
diferente da que utilizo aqui. (Lá se considera o “homem” (pressuposto) como ontolo-
gicamente vazio, aqui como susceptível (em si) de um preenchimento progressivo, que
torna possível a posição final.)
(10) Tal recusa — para certos anti-humanismos paramarxistas pelo menos — se
explica pelo pressentimento dos problemas que levanta uma formulação rigorosa da
relação contraditória entre meios "inumanos” e fins humanos. Eles recusam toda refe
rência ao homem para fugir das dificuldades — na realidade para fugir da dialética —
dessa formulação.
<11) Algo como um “a-humanismo” — a única terceira resposta que o entendi
mento poderia admitir — não seria tampouco uma solução. Com efeito, se tanto o
humanismo como o anti-humanismo são insustentáveis pelas razões indicadas, não se
trata entretanto, como já vimos, de se manter fora do problema do homem.
(12) Para a justificação da tradução de Aufhebung por “supressão”, ver neste
tomo “Circulação de Mercadorias, Produção Capitalista”, nota 24.
(13) Do ponto de vista prático, isto implica recusar toda forma de violência que
poderia “expulsar” os fins não violentos, isto é, que poderia bloquear, pelo seu caráter
abstrato, o surgimento do universo da não violência.
(14) Precisão que, como se verá, não é supérflua.
(15) A diferença entre a antropologia em sentido estrito e o humanismo está,
a rigor, no fato de que, na primeira, embora o “homem” seja visado como sujeito, ele não
é tomado, entretanto, como sujeito em sentido forte, como “homem humanizado”,
o que ocorre no segundo. Por isso, toda universalização no primeiro caso só desemboca
na generalidade abstrata, ao passo que, no segundo, o homem é universalidade concreta.
E na medida em que discutir se o homem é ou não sujeito, mas sem introduzir a idéia do
“homem humanizado”, implica visar (ilusoriamente ou não) o “homem” atual, não o
homem do futuro, a problemática do antropologismo e do antiantropologismo concerne
ao discurso teórico (em parte também a política) mas não ao problema dos fins da política.
60 RUY FAUSTO
até aqui com a distinção entre, de um lado, o discurso dialético, e, de outro, os discursos
do entendimento, nas suas duas formas opostas-complementares. Ora, examinando as
noções constitutivas do discurso do entendimento (em uma de suas formas), percebemos
que elas compõem o universo da ideologia burguesa (clássica). O que foi dito da dife
rença entre o discurso dialético e os discursos do entendimento (suas operações lógicas
características etc.) deve ser aplicável à diferença entre um discurso ideológico e um
discurso não-ideológico. Somos assim conduzidos a definir a ideologia — coisa que talvez
nSo seja sem interesse — em termos das suas operações lógicas constitutivas.
(52) Para a justificação desta última afirmação ou, antes, para uma justificação
que não seja uma simples retomada das análises anteriores, ver a nota final.
(53) Cf. a crítica do humanismo e do anti-humanismo, na primeira parte deste
texto. Evidentemente, não fazemos aqui mais do que esboçar, sob a forma de uma nota
final, o tema da significação histórico-política do humanismo e do anti-humanismo
(enquanto paramarxismos), tema que desenvolveremos em outro lugar.
(54) Aqui são os conceitos do discurso marxista, isto é, é o próprio discurso
"substantivo” que se interverte, não as noções pressupostas. De resto, esta interversão,
que é uma interversão “em si”, isto é, que não passa pela consciência do sujeito do
discurso, se produz numa esfera do discurso marxista, indicada em seguida, em que a
interversão só pode ser ideologizante.
2
Althusserismo e antropologismo
A) BALIBAR
O quadro de invariantes
B) ALTHUSSER
O antropologismo do texto
A “correção” do antropologismo
NOTAS
já antigo, das duas linhas de pesquisa — o nosso texto deve certamente alguma coisa ao
livro de Giannotti. Observe-se, entretanto, que utilizaremos aqui duas distinções envol
vendo a noção de posição. Trata-se inicialmente da distinção — análoga à que se
encontra em As origens da dialética do trabalho, a qual foi preciso retomar, de início —
entre noções pressupostas e noções postas (distinção que separa as noções- gerais de
caráter não conceituai e sem papel fundante, dos conceitos que exprimem cada modo de
produção). Porém, mais adiante, se trata da distinção — que è de uma outra ordem —
entre “visar” (meinen) e “pôr” (setzen), pela qual se separa algo como as intenções não
preenchidas de um discurso, e o discurso efetivo.)
(18) Como toda exposição antropológica, a exposição do capítulo V é subjetivi-
zante. Esta é a razão pela qual, ao retomar a análise do capitalismo, Marx poderá se
referir — em textos que lêem o capitalismo sobre o fundo (ou o horizonte) do discurso
antropológico — a uma inversão (característica do capitalismo) da relação entre o traba
lhador e os meios de produção: “Não é mais o trabalhador que utiliza os meios de
produção, são os meios de produção que utilizam o trabalhador” . (Werke, 23, Das
Kapital,\, Berlim, Dietz, 1972, p. 329; Marx, Oeuvres, Économie I, Paris, Bibliothèque
de ia Plêiade, Gallimard, 1965, p. 846). “(...) esta interversão ( Verkehrung), mesmo
deslocamento ( Verrückung) da relação entre o trabalho morto e o trabalho vivo, que é
própria da produção capitalista e que a caracteriza (...)”. ( Werke, 23, Das Kapital,
op. cit., p. 329; Oeuvres, Économie I, op. cit., p. 847. Grifo nosso)
(19) Ver, por exemplo, Werke, 23, Das Kapital, I, op. cit., p. 54; Oeuvres, op.
cit., p. 567: “A força produtiva do trabalho é determinada por diversas circunstâncias,
entre outras (...) pela extensão e a eficácia dos meios de produção (...)”. (Grifo nosso)
(20) Quanto à noção de “não-trabalhador” é, sobretudo, às noções que expri
mem as duas relações — “propriedade", “apropriação” (ainda não analisadas), elas são
sem dúvida de um nível diferente das que examinamos. Nenhuma delas se encontra na
parte antropológica do capítulo V, e pelo menos as duas últimas não são em si mesmas
propriamente antropológicas. Mas se elas não são, propriamente, antropológicas, elas
dependem das noções antropológicas e são marcadas por estas. Na realidade, essas
relações, que Balibar considera também como "elementos”, são construídas a partir das
noções de “trabalhador” e de “meios de produção”. A “propriedade" (e a "não-proprie-
dade”) são “laços” que unem (ou separam) “trabalhador” e “meios de produção”.
Não há assim descontinuidade entre, de um lado, a noçâo de “propriedade”, e de outro,
as de “trabalhador” e de "meios de produção”, como será o caso, como veremos, para o
conceito de “capital” em relação a estas últimas. (No que se refere à noção de “não-
trabalhador”, forma negativa de “trabalhador”, a dependência é imediatamente visível.)
(21) Sem dúvida, os clássicos fizeram a crítica do conhecimento fundado na
“generalidade”. Mas diante da “revolução hegeliana" isto é secundário. Criticando o
ideal de fundação na “generalidade”, eles permaneceram fiéis à idéia, que ele contém, de
uma ciência de domínio universal fundada em noções primeiras. Esta é a razão pela qual
se pode dizer, apesar de tudo, que o ideal da generalidade reconduz ao universo dos
clássicos.
(22) E. Balibar, “Sur les concepts fondamentaux du matérialisme historique”,
in op. cit., tomo II, p. 100, grifo do autor.
(23) Idem, II, pp. 112-114, grifo do autor. Mais adiante, ele escreve, no mesmo
sentido: “Possuímos o conceito teórico do modo de produção, e mais precisamente o
possuímos sob a forma do conhecimento de um modo de produção particular, pois, como
vimos, o conceito só existe especificado”. (Idem, II, p. 153)
(24) As precisões de Balibar visam antes de mais nada se distanciar da apresen
tação estruturalista, isto é, responder à imputação de “estruturalismo” habitualmente
lançada contra o althusserismo. Mas por um movimento que, no nível negativo das
justificações, é análogo àquele que estamos reconstituindo, estas garantias (ilusórias) em
relação ao estruturalismo tomam também o valor de garantias (ilusórias) em relação ao
antropologismo.
MARX: LÓGICA E POLITICA 81
secções do livro I de O Capital (ou, mais exatamente, as secções de dois a seis) e a secção
sétima, que trata da reprodução e da acumulação, representariam uma passagem do
ponto de vista estático ao ponto de vista dinâmico. Ora, não se trata disto. Na obra de
Marx, o capital é considerado sempre em movimento, porque ele é movimento. A dife
rença entre as primeiras secções e a secção sétima reside no fato de que, nas primeiras, o
movimento depende ainda de certas pressuposições, enquanto que na análise da repro
dução estas são apresentadas como sendo postas pelo próprio capital. Trata-se assim de
uma passagem que é interior ao movimento. Observemos que esta queda na distinção
não dialética entre o “estático” e o “dinâmico” é tanto mais surpreendente em Balibar,
porque ela é criticada num outro ponto do seu texto.
(38) Ele dirá, por exemplo: “Não é (...) a definição da classe capitalista ou da
classe dos proletários que precede a da relação social de produção, mas, inversamente,
é a definição da relação social de produção que implica uma função de ‘suporte’ definida
como uma classe”. (Idem, II, p. 123) Aqui se trata mais exatamente da relação social de
produção (da relação entre as classes) do que da relação de produção: mas a ante
rioridade da primeira em relação aos termos só é pensável se apreendermos a anterio
ridade da relação de produção propriamente dita.
(39) Diga-se de passagem, é substituindo o problema do movimento-sujeito pelo
problema do movimento em geral que as leituras vulgares falseiam o sentido profundo da
dialética.
(40) Se apresentarmos os dois motivos em forma negativa, diremos que o distan
ciamento é fruto, por um lado, da incapacidade do entendimento de apreender o “espe
cífico” como sendo anterior ao geral na ordem da posição; por outro lado, da sua
incapacidade de apreender o movimento como sujeito. Se apresentarmos os dois motivos
em forma positiva, diremos que o distanciamento deriva, por um lado, de uma (pretensa)
exigência de fundar o particular no geral, e por outro, de uma (pretensa) exigência de
apreender o movimento como predicado de um sujeito.
(41) Ver a esse respeito a nota 10.
(42) A “dupla separação", a forma pela qual ele apresenta a estrutura capita
lista, não é mais do que a expressão formal e generalizante da dupla subordinação do
trabalho ao capital. (Aliás, Balibar o reconhece, mas como sempre somente a posteriori.
Ver idem II, p. 219: “(...) não é uma das duas (relações) que é ‘subsumida’ à outra,
é o trabalho que é subsumido ao capital (...)” — observação que se apresenta como um
resultado mas que, se for levada a sério, contradiz, apesar das aparências, tudo qüe ele
tinha dito (feito) anteriormente.) Observemos que, se a noção de “separação” carac
teriza bem o que se passa no nível das pressuposições — (o célebre texto do livro II de
O Capital, onde se fala das “combinações”, texto sobre o qual os althusserianos fizeram
um barulho excessivo, sem tê-lo lido bem, diz: “No caso de que nos ocupamos, o ponto de
partida é dado pela separação entre o trabalhador livre e os seus meios de produção”.
(Werke, 24, Das Kapital, II, op. cit., p. 42; Le Capital, livre II, tome I (IV), op. cit.,
grifo nosso)) — ela é segunda, e em certo sentido diz o contrário do que se passa
no interior da relação, tanto no que se refere ao nível formal quanto no que concerne
ao nível material. Com efeito, no que se refere ao nível formal: no interior da relação,
o operário continua evidentemente “separado” dos meios de produção (ele é não-proprie-
tário destes últimos), mas o que é propriamente substantivo é a subordinação (formal)
do trabalho ao capital — os termos não são mais os mesmos, mas a sua relação afeta a dos
suportes —, o fato de que o trabalho é submetido ao capital, e isto implica (também para
os suportes) mais exatamente algo como uma “reunião”. Do mesmo, no que se refere ao
lado material: sob um aspecto não há mais separação mas reunião (material) entre o
operário e os meios de produção (o operário está ligado a esses meios como um apêndice
(Anhängsel)', sob um outro aspecto, há emergência de uma separação, a que se dá entre o
operário e o seu trabalho (separação que constitui o tema importante da alienação no
livro I de O Capital)', mas, a menos que se queira atribuir um papel fundante a isto
(“deslizando” ainda vez no antropologismo), é necessário tomar essa separação como
alguma coisa que é segunda em relação à subordinação do trabalho ao capital. Obser-
84 RUY FAUSTO
ele o faça — ou antes, que ele seja obrigado a fazê-lo — num texto que, mesmo como
primeiro esboço, deveria servir à fundamentação do materialismo histórico. Ê esse pro
jeto de fundamentação — que náo é de modo algum inocente, e cuja necessidade não é de
modo algum evidente —• que torna necessário o recurso a algo que se configura como
urna queda no universo discursivo do antropologismo.
(55) Sem dúvida, Althusser apresenta essas definições só como “aproximações
prévias” (aproximations préalables). (Idem, p. 167) Mas o que ele considera como
aproximativo e prévio é evidentemente a forma (em sentido fraco, o desenvolvimento etc.)
destas definições, não o próprio procedimento teórico (o projeto de uma fundamentação
do materialismo histórico numa Teoria geral das práticas).
(56) Havíamos observado a propósito de Balibar que o lugar das “advertências”
não é em si mesmo o essencial.
(57) Idem, pp. 167-168.
(58) Geral, pelo menos em um dos sentidos indicados, suficiente para a nossa
argumentação.
(59) Poder-se-ia objetar que em certas passagens da Introdução de 57 encontra-se
também a repetição do termo “determinado” (ver, por exemplo, Grundrisse, op. cit. ,
p. 20; Manuscrits de 1857-1858..., op. cit., I, p. 34): “Uma produção determinada
determina pois um consumo, uma distribuição, uma troca determinadas, e relações
determinadas que esses diferentes momentos têm entre si”). Na realidade, se se com
preender bem o caráter da Introdução de 57, e também o significado do destino que
Marx finalmente lhe deu, o texto não faz senão reforçar a nossa argumentação. Escre
vendo a Introdução de 57, Marx estava às voltas com um problema — cuja matriz é a
problemática hegeliana em tomo da impossibilidade de escrever introduções — que po
deria formular-se da seguinte maneira: como escrever uma introdução geral à crítica da
economia sem cair numa fundação antropológica? E mais radicalmente: em que me
dida é possível um discurso geral sobre a economia? Problema que é análogo àquele
que os althusserianospressentem. A Introdução de 57 era na origem uma tentativa de
resolver essa dificuldade, de responder a essas questões. Mas precisamente, diferente
mente do que se supõe em geral, mais do que uma introdução, a Introdução de 57
é na realidade uma antiintrodução: mais do que introduzir determinações positivas, ela
visa mostrar tudo o que não se pode dizer aquém da apresentação (seria possível mostrar
isto em detalhe). Mas finalmente, no próprio espírito do conteúdo dessa Introdução,
mesmo uma antiintrodução pareceu a Marx um projeto ambíguo. Com efeito, ela corria
o risco de ser (mal) compreendida como sendo simplesmente uma introdução positiva.
(E é assim que ela foi compreendida e que ela continua a sê-lo, com a publicação
póstuma do texto.) Ê bem provavelmente a razão pela qual Marx decidiu finalmente
eliminá-la: a antiintrodução acabou assim por se devorar a si mesma. Sua eliminação
realiza sua tese: não há apresentação fora da apresentação. Eis o sentido profundo da
desaparição da Introdução de 57 do texto da Crítica... A maneira pela qual Marx
encaminhou o problema, já inscrita na solução de que ele parte que é uma solução
negativa, diverge assim do caminho escolhido (em parte malgré eux) pelos althusse
rianos: o de um bloqueio numa quase-antropología cujos conceitos gerais têm a nostalgia
da determinação.
3
Abstração real e contradição:
sobre o trabalho abstrato e o valor
Introdução
(lade, mas não o quantum medido. O erro dos clássicos vai no sentido
inverso ao daquele que criticamos: eles sacrificam a qualidade à quan
tidade, mas os dois erros têm um fundo comum. — À noção de
trabalho socialmente necessário como a noção de trabalho simples são
criticadas por Castoriadis (depois de outros autores). A propósito do
conceito de trabalho socialmente necessário, ele ataca sobretudo a
noção de “trabalho médio” (depois de ter mostrado que esta seria a
única alternativa para a interpretação do conceito). O trabalho social
mente necessário não é, entretanto, necessariamente o trabalho médio,
mas o trabalho que se impõe socialmente. É no interior dessa forma,
que se impõe, que se estabelecem as médias.14 For outro lado, o
“privilégio” atribuído ao trabalho simples assim como a redução do
trabalho complexo ao trabalho simples podem parecer insustentá
veis.15 O privilégio'do trabalho simples parece se fundar num dado
estatístico: o peso numérico desse tipo de trabalho no capitalismo (do
século XIX). Se Marx se reporta efetivamente a dados estatísticos, não
são estes, como simples dados, que legitimam o papel do trabalho
simples na teoria. O privilégio do trabalho simples está ligado a uma
determinação essencial ao sistema (ao sistema plenamente desenvol
vido). Na realidade, o trabalho simples é posto ou criado pela grande
indústria (com a qual se passa ao capitalismo em sentido específico).16
É o capitalismo em sentido específico que constitui o trabalho simples
(o capitalismo manufatureiro já havia “simplificado” o trabalho). Nas
outras formações, ou o trabalho simples era secundário — a produção
medieval urbana, por exemplo, é a do virtuose — ou ela não era posta
pelo sistema, o que significa que o trabalho simples fora do capitalismo
é coisa diversa do trabalho simples como categoria do capitalismo;
conforme o que Marx diz sobre a cooperação no capitalismo e nas civi
lizações antigas. Quanto à questão da redução, problema que é sem
dúvida complexo, eis aqui o que nos parece representar a melhor dire
ção: é necessário cortar a hierarquia das forças de trabalho (cada uma
das quais produz mais ou menos valor) do processo de constituição
dessas forças. Isto é, é preciso renunciar a pensar que há uma espécie
de transferência do valor gasto na criação dessas forças qualificadas
para os produtos do uso dessas forças — não por causa das dificuldades
da mensuração, mas por razões teóricas: com isto se poria em cheque a
teoria do valor, e isto, mesmo se há correspondência (ou uma certa
correspondência) entre o tempo que se gasta para produzir uma força
qualificada e a potência aumentada de produzir valor que ela adquire
através dele. Mas que se siga este caminho ou um outro, a redução não
implica um círculo vicioso. Segundo os críticos, é finalmente pelo mer
cado 17 que se opera a redução. Fundar-se-ia a teoria do valor através
daquilo que ela deveria fundar. Na realidade, quaisquer que sejam os
problemas da redução do trabalho complexo ao trabalho simples —
e o que representa um problema correntemente não é nem esta redução
94 RUYFAUSTO
1. Contrariedade, substância
2. Posição e determinação
dizer, pelas razões expostas, que o valor não existia, deve-se dizer
também que “alguma coisa” como o valor já existia.74 Mas não se
cairia com isso numa resposta antinómica, como quer Castoriadis?
Não, essa contradição é objetiva e ela é pois pensável na e pela contra
dição.
O valor antes do capitalismo tem um estatuto análogo ao de um
ser qualquer no nível da sua pré-história. No nível da sua pré-história,
um ser não existe enquanto sujeito; uma pré-história é exatamente a
história do seu surgimento enquanto sujeito. Existem entretanto, no
nível da pré-história, certas determinações que exprimem mas que ao
mesmo tempo não exprimem esse ser, isto é, existem certas deter
minações que exprimem este ser (ausente enquanto sujeito) em forma
negativa, em forma contraditória. No decorrer de sua pré-história,
deve-se dizer de um ser que ele é... tal ou qual coisa, mas tal ou qual
coisa não exprime esse ser enquanto tal, exprime antes a sua negação.
É assim que, no que se refere ao valor, se deveria dizer que antes do
capitalismo o valor é... a cristalização do tempo de trabalho em geral,
portanto que em certo sentido o valor “é” . Mas como a determinação
“cristalização do tempo de trabalho em geral” não convém ao valor,
não é a determinação “do” valor, não é a “sua” determinação senão
sendo a sua negação, o valor enquanto tal não existe. É pois bem
evidente que temos aí uma contradição que pertence ao próprio objeto,
a qual só se pode dominar pondo o objeto de forma contraditória.
E, com efeito, quando Marx se ocupa de um objeto no nível da sua
pré-história, encontra-se a contradição (ou uma expressão quase-con-
traditória). Por exemplo, quando Marx examina o momento do nasci
mento da mercadoria, quando ele examina esse momento que, histori
camente, é o do encontro entre duas comunidades, ele escreve: “ O
intercâmbio imediato de produtos tem, por um lado, a forma da
expressão simples do valor e, por outro lado, ainda não a tem” .75 Que o
pensamento de um objeto na sua pré-história só pode se exprimir pela
contradição é o que já se encontra precisamente em Aristóteles. É
assim que ele escreve em Da Geração e da Corrupção: “Para resumir
nosso pensamento, diremos agora que num sentido há geração a partir
de alguma coisa que não é, mas que em outro sentido a geração ocorre
a partir de alguma coisa que é. Com efeito, do que existe em potência
mas não existe em ato deve em primeiro lugar se poder dizer que existe
das duas maneiras que acabamos de indicar” . 76 De resto, é evidente
mente à teoria aristotélica da mudança que remonta a distinção cujo
esquecimento fez correr muita tinta, distinção que conduz aos proble
mas da dialética. Poder-se-ia mesmo dizer, embora isto corra o perigo
de contrariar as exigências do senso comum, que pelo menos uma parte
dos problemas propostos pelos althusserianos (a propósito do “ho
mem” , por exemplo) já tem uma resposta em Aristóteles.77 E isto
permite também sair da aporia imputada a Marx por Castoriadis a
114 RUY FAUSTO
Conclusão
Vemos assim que, para os dois níveis em que se coloca o pro
blema do espaço histórico do valor, não é recuando diante dos argu
mentos críticos da lógica da identidade mas, pelo contrário, radicali
zando (objetivando) esses argumentos até que eles se voltem contra a
lógica da identidade que se encontra uma saída. Do mesmo modo, para
MARX: LÓGICA E POLÍTICA 121
NOTAS
(1) Textures, n? 12-13, 1975, 7? ano, nova série, Braine-l’Alleud (Bélgica) (repu
blicado em Les Carrefours du Labyrinthe, París, Seuil, 1978). Cremos nílo ser necessário
insistir sobre o interesse dos trabalhos de Castoriadis. Entre os críticos de Marx, Casto
riadis e seus amigos são a nosso ver os mais interessantes. No que se refere a O Capital,
&crítica de Castoriadis tem, entre outros, o interesse de resumir de uma forma bastante
rigorosa a maioria dos argumentos utilizados em geral contra O Capital, desde há muito.
Só trataremos aqui de um texto de Castoriadis (e mesmo de menos do que isto: de uma
parte de um texto), mas trata-se de um texto que oferece um interesse particular.
Além do texto de Castoriadis e de algumas referências a um texto antigo de
Claude Lefort (que apareceu nos Cahiers Internationaux de Sociologie nos anos cin
qüenta (republicado em Les Formes de VHistoire)), nós nos ocuparemos um pouco, mas
só um pouco, dos althusserianos. Veremos no final em que medida a crítica do althus-
sçrismo pode ser útil para a crítica de Castoriadis.
(2) Os althusserianos escapam (aqui) da “generalização”, mas recusam ao mesmo
tempo a abstração real: para eles, o trabalho abstrato é sem dúvida algo bem diverso da
generalidade trabalho, ele tem a unidade do conceito; mas esta unidade« a redução que
ela pressupõe s6 ocorreriam no nível do pensamento (o conceito é entendido à maneira
subjetiva da tradição reflexiva). Razão pela qual pode-se dizer que os althusserianos
substituem um subjetivismo psicologizante (ou um naturalismo) por um subjetivismo
logicista do conceito, no sentido reflexivo do termo.
(3) Poderíamos, com efeito, fazer mais ou menos a mesma crítica a propósito do
que encontramos aí no que se refere à questão do espaço histórico ocupado pelo trabalho
abstrato e o valor, problema que será tratado na terceira secção deste texto.
(4) Nota sobre as leituras vulgares do trabalho abstrato. As leituras vulgares
interpretavam a abstração que constitui o trabalho abstrato e o valor como se se tratasse
de uma simples generalização: nos trabalhos (concretos) do carpinteiro, do construtor,
do fiandeiro etc. far-se-ia abstração do que é próprio a cada um deles, da particularidade
de cada trabalho, e se obteria assim, generalizando os resíduos, a noção de trabalho
abstrato. Esta interpretação nos condena à alternativa: ou o trabalho abstrato não é
senão uma construção subjetiva (só haveria no real diferentes trabalhos específicos:
constrói-se pelo pensamento, através do procedimento clássico da generalização, a noção
de trabalho abstrato, de trabalho em geral); ou esta generalidade é real, mas nesse caso
— se o trabalho abstrato não é senão uma simples generalidade, obtida ignorando as
particularidades dos trabalhos — esta realidade só poderia ser constituída pelas carac
terísticas fisiológicas comuns a todos os trabalhos. Os textos de Marx (voltaremos a eles)
em que se trata da questão do gasto de músculos, de nervos etc. não nos reconduzem a
isto, apesar das aparências. Na realidade, o trabalho abstrato não é nem uma construção
do espírito, embora o espírito a reproduza, nem uma generalidade fisiológica: é o movi
mento da abstração que se opera no próprio real. A produção de mercadorias opera, ela
própria, a abstração: ela — e não nós, que nos limitamos a reproduzi-la — opera a
redução (e o termo “redução” ao qual Marx volta já é sintomático) do concreto ao
abstrato. A esse respeito, verem geral os marxistas (ou dialéticos) de língua alemã, come
çando pelos clássicos: Lukács, Adorno, E entre os textos recentes em que se trata da abs
tração real, além de Colletti, citado freqüentemente, mas que só dá uma visão muito geral
do problema, ver J. A. Giannotti, sobretudo a introdução das Origens da Dialética do
Trabalho (Origines de la Dialectique du Travail, Paris, Aubier, 1971). Vão também no
sentido do que chamamos de leituras vulgares — esse ponto merece talvez uma atenção
especial, pois se continua a tropeçar nisto —, os que, na linha de Bòhm-Bawerk,
duvidam da legitimidade do movimento do § 1 do capítulo 1 do livro I de O Capital, pelo
qual se passa do valor de troca ao valor. ( Werke, 23, Das Kapital I, op. cit., pp. 51-52;
ver trad. franc. do cap. 1 do livro I de O Capital em Paul-Dominique Dognin, Les "Sen-
tiers Escarpes" de Karl Marx, Paris, Êd. du Cerf, 1977, tomo I, pp. 175-176) Bohm-
124 RUY FAUSTO
Bawerk, e, depois dele, vários outros criticam Marx por ter confundido “a abstração do
gênero e a abstração das formas específicas nas quais o gênero se manifesta" (E. von
Böhm-Bawerk, Karl Marx and the Close ofhis System, Ed. P. Sweezy — com a resposta
de Hilferding e um artigo de Bortkiewics —, A. Kelly, Clifton, N. J., reed. 1975 (1949),
p. 74), isto é, não ter visto que se poderia igualmente passar ao valor de uso em geral
(o que significaria fundar o valor de troca no valor de uso). “As formas particulares sob
as quais os valores de uso das mercadorias podem aparecer — que elas sirvam como
alimento, como abrigo, como roupa, isto sem dúvida é posto de lado, mas o valor de uso
enquanto tal da mercadoria nunca é posto de lado.” (Ibidem) Tal argumento só pode ser
empregado por aqueles que lêem o movimento de que se trata no quadro (“grille")
da passagem de uma espécie a um gênero, isto é, por aqueles que não compreen
deram que mais do que uma generalização (voltaremos a isto) trata-se aí de uma
redução, de uma mudança de registro. A passagem do valor de uso específico ao
valor de uso em geral generaliza simplesmente, mas não reduz o universo dos valores de
uso, o que se trata de fazer aqui. (A resposta de Hilferding a Böhm-Bawerk — diga-se de
passagem — é bem insuficiente. Por não ter uma concepção bem rigorosa da natureza da
abstração que constitui o trabalho abstrato, Hilferding desliza freqüentemente na idéia
de simples generalização (ver Böhm-Bawerk’s Criticism o f Marx, no volume citado,
editado por Sweezy, por exemplo, p. 131) — e como conceber o valor como a simples
generalidade dos valores de uso é algo imediatamente e grosseiramente falso — Hilfer
ding tenta separar o tipo de abstração do valor da que se encontra no trabalho abstrato.
(Ver ibidem) Na realidade, quando, pelo contrário, Böhm-Bawerk tenta aproximar de
direito (pois ele supõe que Marx comete o erro de não o haver feito) a abstração do
trabalho abstrato e a do valor, ele paradoxalmente tem razão: as duas abstrações são
análogas, mas por uma razão oposta à que ele dá: tanto num caso como no outro,
trata-se de algo mais que de uma simples generalização. A última versão do argumento
de Böhm-Bawerk, que remonta de resto a uma obra anterior do mesmo Böhm-Bawerk,
encontramo-la no volume II, “Notes explicatives et critiques”, de Les "Sentiers Escarpes ”
de Karl Marx de P.-D. Dognin, op. cit., II, p. 21. Em apoio à sua tese, Dognin cita um
texto de 1903 de G. B. Shaw.) Como afirma Hegel, “é da maior importância, tanto para
o conhecimento como também para o nosso comportamento prático, que aquilo que é
simplesmente comum (das bloss Gemeinschaftliche) não seja confundido com o que é
verdadeiramente geral, universal (mit dem wahrhaft Allgemeinen, dem Universellen)”.
(Hegel, Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften in Grundrisse (1830), Erster
Teil, Die Wissenschaft der Logik..., § 163, Zusatz I, in Werke, 8, Berlim, Suhrkamp,
p. 312; Encyclopédie des Sciences Philosophiques, I, La Science de la Logique, ed.
Bernard Bourgeois, Paris, Vrin, 1970, § 163, adition I, p. 592)
(5) Werke, 13, Zur Kritik der politischen Ökonomie, op. cit., p. 18; Contribution
à la Critique de l'Économie Politique, trad. franc, de M. Husson e G. Badia, Paris,
Éd. Sociales, 1957, p. 10. Esse texto é citado por J. A. Giannotti, op. cit., p. 16,
e também por Helmut Reichelt, Zur logischen Struktur des Kapitalbegriffs bei Karl
Marx, Frankfurt am Main, Europäischen Verlagsanstalt, 1973 (1? ed., 1970), p. 153.
(6) Os termos alemães allgemein, Allgemeinheit são traduzidos geralmente, em
seu uso filosófico, hegeliano em particular, por “universal”, “universalidade”. Mas
eles significam também “geral” , “generalidade”. Como vimos acima, Hegel emprega
também Universell, para designar o “verdadeiro universal”, em oposição a gemeinschaft
lich , o que é simplesmente comum. A expressão “as abstrações objetivas põem a universa
lidade” de certo modo faz um curto-circuito, pois quer dizer “nas abstrações objetivas a
generalidade é posta e enquanto tal se torna universalidade”. Voltaremos a isto.
(7) Marx deixou três versões diferentes do capítulo 1 (ou pelo menos de partes do
capítulo 1 de O Capital): a da primeira edição (1867), o apêndice da primeira edição
sobre a forma do valor (que Marx acrescentou após uma troca de cartas com Engels,
quando o livro I estava no prelo), e o texto definitivo, o que dá Engels na quarta
edição (1890) e que, para o capítulo 1, segundo os prefácios de Engels à terceira e à
quarta edições, corresponde, com poucas diferenças, à segunda e à terceira edições.
MARX: LÖGICA E POLITICA 125
Se se acrescentar a versão francesa feita por J. Roy e revista por Marx, mas que, como
se sabe, difere bastante do original, tem-se quatro versões. Se se acrescentar ainda o
capítulo 1 da Contribuição ó Crítica da Economia Política, que é um texto paralelo,
e também o fragmento sobre o valor que se encontra nos Grundrisse (op. cit., p. 763;
Manuscrits de 1857-1858 ("Grundrisse") II, op. cit., p. 375), teríamos seis versões dife
rentes. Essas diferentes versões são essencialmente complementares: se se trabalhar
sobre o conjunto desses textos, é possível resolver a maioria dos problemas que eles
levantam. O texto da primeira edição e o do apêndice, assim como o texto definitivo
(do capítulo 1) foram traduzidos e apresentados numa edição bilíngüe (salvo para o
último) por Paul-Dominique Dognin, Les "Senders Escarpés" de Karl Marx, op. cit.,
tomo I. O tomo II contém “notas explicativas e críticas” às quais, a despeito da erudição
do autor, faríamos reservas. (Ver nota 4).
(8) Marx, “Ware und Geld” (Das Kapital, I, Erste Aufgabe, 1867, 1. Buch,
Kapitel 1) in Marx-Engels, Studienausgabe, II, "Politische Ökonomie”, Frankfurt am
Main, Fischer, 1966, p. 234; Paul-Dominique Dognin, Les "Sentiers Escarpés" de Karl
Marx, I, op. cit., p. 73. Grifo nosso.
(9) Castoriadis: “(...) a duas páginas de distância, o trabalho (abstrato) é, alter
nadamente, ‘gasto produtivo do cérebro, dos músculos...’ etc., ou ‘gasto, em sentido
fisiológico, de força humana, e, nessa condição (à ce titre) de trabalho humano igual,
forma o Valor das mercadorias’ e ‘unidade social... (que) só se pode manifestar nas
transações sociais'. Esta abstração é pois ‘fisiológica’ ou ‘social’ — ou essa distinção não
cabe? Os nervos e. os músculos são ‘forma de aparição’ do social — ou o social é
‘expressão’ e ‘apresentação’ dos nervos e dos músculos?”. (Castoriadis, art. cit., pp.
16-19; Les Carrefours du Labyrinthe, op. cit., p. 263, grifado por Castoriadis) Encontra-
se o mesmo motivo critico no artigo sobre a alienação como conceito sociológico publi
cado por Claude Lefort, nos anos cinqüenta, nos Cahiers Intemationaux de Sociologie
(e retomado em Les Formes de l'Histoire)\ “É que Marx cede, nesse caso, a uma inter
pretação naturalista do trabalho, que vicia a sua descrição do trabalho social. Essa
interpretação se dá a perceber em duas ocasiões, pelo menos; por um lado quando ele
fundamenta a determinação do valor sobre o gasto do cérebro humano, por outro lado
quando ele confunde a forma particular do trabalho e a sua forma natural: nessa
perspectiva, o modo de trabalho capitalista só pode com efeito ocultar o real ou aparecer
como ‘sobrenatural’.” (Claude Lefort, “L’Aliénation comme Concept Sociologique”,
C. I. S., vol. XVIII, cahier double, nouvelle série, 2ème. année, Paris, P. U. F.,
1955, p. 48, grifo nosso, republicado em Les formes de I'Histoire, essais d ’anthropologie
politique, Paris, Gallimard, 1978; voltaremos ao texto também sobre a última parte do
argumento.)
(10) Ver tradução francesa de M. Husson e G. Badia, op. cit., p. 10. Tanto essa
tradução como a de Maximilien Rubel e L. Evrard (Critique de 1’Économie Politique, in
Marx, Oeuvres, Economie, I, op. cit., p. 281) traduzem tanto Subjekte como Individuen
por “indivíduo”, o que é incorreto: enfraquece-se o texto, se a condição de sujeito não for
posta — a posição está no texto de Marx — no nível da expressão.
(11) Aqui não fizemos mais do que esboçar a análise da relação entre qualidade
e quantidade do valor, a qual remete sobretudo a capítulos sobre a quantidade e a me
dida da lógica do ser de Hegel.
(12) A determinidade da simplicidade do trabalho, segundo um texto das Teo
rias... é uma determinidade da qualidade. Ela permite entretanto pensar o trabalho
complexo como potência do trabalho simples, e teoricamente, estabelecer uma relação
quantitativa entre os dois. Mas diferentemente da relação entre um trabalho que se
efetua segundo o tempo de trabalho socialmente necessário e um trabalho cuja efeti
vação vai além ou fica aquém dele, essa relação, embora permita, ou deva permitir,
como o último, o estabelecimento de uma relação quantitativa entre os dois termos
(o trabalho complexo potência n do simples) se estabelece entre dois termos qualita
tivamente diferentes (“simples”', “complexo”), o que não é o caso (se nos ativermos ao
conceito) para dois trabalhos (ambos simples) de igual rendimento. Sobre essa relação
126 RUY FAUSTO
entre quantidade e qualidade, ver Werke, 26, 3, Theorien über den Mehrwert, op. cit.,
p. 133; Théories sur la Plus-value, III, op. cit., p. 160.
(13) “Ware und Geld” (Das Kapital, Erste Auflage, 1867, 1. Buch, Kapitei 1), in
Studienausgabe, II, op. cit. , p. 226; Dognin, Les "Sentiers Escarpés" de Karl Marx, I,
op. cit., p. 51.
(14) Castoriadis escreve a esse respeito: “Faiar de tempo de trabalho socialmente
necessário implica que se sabe o que significa ‘socialmente necessário’. Ora, entre
as múltiplas significações dessa expressão nenhuma se sustenta, tratando-se da economia
capitalista. Pode ser considerado como ‘socialmente necessário’ o tempo exigido pelo
(trabalho efetuado na) empresa mais eficaz (...) Pode ser considerado, pelo con
trário, como ‘socialmente necessário’ o tempo exigido pela empresa menos eficaz
(...). Finalmente, pode ser considerado como ‘socialmente necessário’ o tempo médio
consagrado à produção do produto levando em conta todas as empresas do ramo consi
derado. A primeira interpretação pode ser eliminada, pois ela cónduz a resultados
irreais e incoerentes. (...) a segunda interpretação (...) faz com que não subsista nada
da ‘lei do valor’ e conduz em linha reta à concepção neoclássica do lucro como “quase-
renda’ diferencial(...). Portanto, para ter uma ‘teoria do valor-trabalho’, sobra somente
a terceira interpretação: o tempo ‘socialmente necessário' é o tempo médio. Mas esse
tempo médio é uma abstração vazia, simples resultado de uma operação aritmética
fictícia que não tem nenhuma efetividade e nenhuma eficácia no funcionamento real da
economia: não existe nenhuma razão real ou lógica para que o valor de um produto seja
determinado pelo resultado de uma divisão que ninguém fez nem poderia fazer. Para
que esse fantasma adquira um pouco de carne, é necessário supor que as empresas que
trabalham nas condições ‘médias’ constituem a maioria esmagadora das empresas do
ramo considerado. Isto não é e nunca foi o que ocorreu na realidade do capitalismo”.
(Castoriadis, art. cit., pp. 10-11; Les Carrefours du Labyrinthe, pp. 256-257) Sem
pretender entrar no conteúdo econômico do problema, observemos que para Marx, se o
trabalho socialmente necessário não corresponde nem ao tempo máximo (o da empresa
menos eficaz) nem ao tempo mínimo (o da empresa mais eficaz), ele também não
corresponde, necessariamente, ao tempo médio exigido para a produção da mercadoria
(considerando o conjunto das empresas do ramo em questão, pondere-se ou não se
gundo a quantidade das unidades produzidas). O trabalho socialmente necessário cor
responde ao tempo que se impõe socialmente determinando o valor — isto é, em
primeira instância, os preços. (Isto parece uma tautologia, mas na realidade não é;
isto quer dizer: há um certo tempo social que aparece de forma mais ou menos modi
ficada nos preços das mercadorias.) O tempo de produção de certas empresas ou
grupos de empresas se situam em geral num nível intermediário de produtividade,
eles não produzem necessariamente conforme o nível médio. Na realidade, as empresas
que não produzem segundo o tempo de trabalho socialmente necessário — que elas
produzam consumindo mais tempo ou menos tempo — são excluídas dessa determi
nação (objetiva) do valor (o que só no caso de uma distribuição perfeitamente regular
nos conduziria a médias), e é no interior das empresas dominantes que se estabelecem
as médias que são portanto uma determinação segunda. (A fortiori, esta é a função das
médias para o caso do trabalho simples.) Quanto à idéia de que as empresas que pro
duzem segundo o tempo de trabalho socialmente necessário devem constituir “a maio
ria esmagadora”, ela decorre da interpretação em termos de simples médias. A corre
ção não é secundária porque ela questiona o pretenso papel das médias em Marx.
Através das análises da última parte, veremos que o simples jogo das médias convém
mal à análise do capitalismo (e que em certo sentido, para mercados limitados, sem
dúvida, poderia mesmo convir melhor ao pré-capitalismo). Ora, se pensarmos a consti
tuição do valor não como uma questão de médias mas como constituição de uma coisa
social objetivada por um tempo que se impõe como o tempo social, a crítica em termos
de “abstração vazia, simples resultado de uma operação aritmética fictícia (...)” ,
“resultado de uma divisão que ninguém fez nem poderia fazer”, perde, ao que parece,
muito de sua força. Sobre a questão das empresas que trabalham com uma produti-
MARX: LOGICA E POLITICA 127
dá (um lugar de) ponta (an die Spitze stellt) e que exprime uma relação (Beziehung)
muito antiga (uralte) e válida para todas as formas sociais, sò aparece entretanto nessa
abstração (como) praticamente verdadeira, como categoria da sociedade mais mo
derna.” (Grundrisse, op. cit., p. 25, Einleitung) Ver “Introduction à la Critique de
l’Économie Politique” in Contribution à la Critique de l'Économie Politique, trad.
franc, de M. Husson e G. Badia, p. 168. Husson e Badia traduzem Wirklichkeit por
"réalité” simplesmente e não por "realidade efetiva". O problema que contém a frase
final, a da validade eventual das categorias em questão fora do capitalismo, será discu
tido a partir de outros textos na secção III deste ensaio.
(23) Hegel, Encyclopédie de sciences philosophiques, t. I, La Science de la Lo
gique, trad. Bourgeois, op. cit., § 142, p. 393.
( 24) Esses dois momentos são pois interiores a uma história e não definem a ruptu
ra de uma pré-história a uma história. Sobre esta diferença ver a secção III deste ensaio.
(25) Não há contradição — ou antes é uma contradição assumida e justificada
— em explicitar a simplicidade do trabalho fazendo intervir o capitalismo da grande
indústria, e dizer ao mesmo tempo que o trabalho abstrato corresponde ao nível dos con
ceitos da circulação simples. Ver a esse respeito a nota 16, e o ensaio seguinte.
(26) E ainda “(...) Quando nos fixamos no trabalho como criador de valor, não
o consideramos na sua configuração concreta enquanto condição da produção, mas
numa determinidade social que é distinta do trabalho assalariado”. ( Werke, 25, Das
¡Capital, III, op. cit., p. 831; Oeuvres, Économie II, op. cit., p. 1431).
(27) “O trabalho privado (Privatarbeit) deve assim se apresentar imediatamente
como o seu contrário (Gegenteil) como trabalho social; esse trabalho transformado
(verwandelte Arbeit) é enquanto seu contrário imediato (ihr unmittelbares Gegenteil)
trabalho abstrato geral, que portanto se apresenta também num equivalente geral.”
(Werke, 26, 3, Tkeorien über den Mejirwert, 3, op. cit., p. 133; Théories sur la Plus-
value, III, op. cit., pp. 160-161, grifado por Marx) Num outro texto Marx fala de
contrariedade e de contradição: "A autonomização do valor de troca das mercadorias
em dinheiro é ela mesma o produto do processo de troca, do desenvolvimento das
contradições ( Widerspruche) entre o valor de uso e o valor de troca contido na merca
doria e a contradição (Widerspruch) não menos contida nela, a saber que o trabalho
determinado, particular do indivíduo privado deve se apresentar no seu contrário
(Gegenteil), trabalho igual, necessário, geral, e, nessa forma, social". (Werke, 26, 3,
Theorien über den Mehrwert, 3, p. 128; Théories sur la Plus-value, III, op. cit., p. 154,
grifo nosso) Num outro texto, Marx distingue a oposição da “contradição absoluta”
(absoluter Widerspruch) que designa a “ruptura” da oposição: “Na crise, a oposição
(Gegensatz) entre a mercadoria e a sua configuração-valor, o dinheiro, se eleva até a
contradição absoluta (bis zum absoluten Widerspruch)”. (Werke, 23, Das Kapital, I,
op. cit., p. 152, grifo nosso; Oeuvres, Économie I, op. cit., p. 681, mas nessa versão
que é a de Roy tem-se simplesmente "esta contradição rompe (éclate) no momento das
crises...”) Pensamos a oposição valor/valor de uso e trabalho abstrato/trabalho con
creto em termos de contrariedade; sendo a “contradição” aqui a ruptura dessa opo
sição.
(28) "A oposição interna (innere Gegensatz) entre valor de uso e valor envolvida
na mercadoria é, assim, apresentada através de uma oposição externa, isto é, pela rela
ção entre duas mercadorias, na qual uma mercadoria, aquela cujo valor deve ser
expresso, só vale imediatamente como valor de uso, e a outra, pelo contrário, aquela em
que o valor é expresso, só vale imediatamente como valor de troca. A forma simples do
valor é assim a forma fenomenal simples da oposição, que ela contém, entre valor de
uso e valor.” (Werke, 23, Das Kapital, I, pp. 75-76; Dognin, Les "Sentiers Escar
p és”..., I, op. cit., p. 75, grifado por Marx, salvo “oposição”) “A ampliação e o
aprofundamento históricos da troca desenvolvem a oposição entre valor de uso e valor
que dormita (den schlummemden Gegensatz) na natureza da mercadoria.” (Werke,
23, Das Kapital, I, op. cit., p. 102; Oeuvres, Économie I, op. cit., pp. 622-623, grifo
nosso)
130 RUY FAUSTO
(39) Entre outras dificuldades. Ver a crítica que Marx faz a Smith na terceira
secção do livro II de O Capital.
(40) Esta filiação é de resto indicada, num contexto crítico, por Castoriadis,
art. cit., pp. 8-9; Les Carrefours du Labyrinthe, op. cit., pp. 254-255.
(41) Esta referência tem limites. Primeiramente, o movimento que vai da subs
tância ao sujeito não pode ser assimilado sem mais à Fenomenología do Espírito: não se
trata de passagem de consciência à ciência etc. (O movimento descrito pela Fenome
nología do Espírito incide entretanto em outros níveis do pensamento de Marx.) Em
geral, deve-se pensar, antes, na Lógica de Hegel. Mas mesmo para a Lógica, a relação
não é absolutamente imediata. Salvo na sua significação mais geral (ver digressão), não
desenvolvemos aqui o lado não hegeliano de Marx. O problema da diferença Marx-
Hegel — que nunca foi tratada de maneira rigorosa — só poderá ser resolvida quando o
problema do hegelianismo de Marx for bem estudado. Ora, apesar das aparências, o
estudo deste último problema está ainda no começo.
(42) E, nesse sentido, ele se situa numa linha que vai de Aristóteles a Hegel,
passando por Leibniz.
(43) Em termos simples, eis o sentido da démarche de Marx: o valor — que
aparece nos preços — é, sem dúvida, uma coisa social, ele não £ uma relação que os
agentes estabelecem subjetivamente. O que há “atrás” do valor, e portanto "atrás” dos
preços? Essa pergunta parece se impor. Existe alguma coisa, a saber, o trabalho como
abstração. E como exprimir esse “algo" de que é constituído o valor? Nada parece
exprimi-lo melhor do que a noção de substância nas suas três referências: ele é coisa,
ele é coisa fluida, ele é coisa que só é, ainda, num primeiro nivel da sua autonomização
(se se comparar com a coisa social capital: a substância que se tornou sujeito).
(44) O argumento é utilizado contra os clássicos: se os clássicos não "substan-
cializam” o valor, eles fazem dele, de qualquer forma, o fundamento racional dos pre
ços, o que já era demais para gente como Bailey. Sobre Bailey e outros, ver Werke,
26, 3, Theorien über den Mehrwert, op. cit., pp. 105 e segs.; Théories sur la Plus-
valué, III, op. cit., pp. 126 e segs.
(45) Observemos que o próprio Marx precisou de muitos anos para se convencer
disso, já que ele nas suas obras de juventude fez uma crítica dos clássicos que (no que
se refere a um dos seus lados) tinha um caráter pré-hegeliano. Ver os textos das obras
de juveñtude — sobretudo as notas sobre os Elementos de Economía Política de James
Mili (notas que são anteriores aos Manuscritos de 44) — em que Marx critica os
economistas clássicos porque consideram médias abstratas como coisas reais. Aliás,
Castoriadis se refere a isto. (Art. cit., p. 52, Les Carrefours du Labyrinthe, op. cit.,
p. 300)
(46) “Die Wertform” (apêndice à primeira edição de O Capital) in Marx-
Engels, Kleine Ökonomische Schriften, Berlim, Dietz Verlag, 1955, p. 271. Ver Do-
gnin, Les "Sentiers Escarpés”..., I, op. cit., pp. 130 e 132. O texto já foi citado
parcialmente por J. Rancière, Lire Le Capital, III, Maspero, 1973, p. 50.
(47) Trata-se do autor anônimo de Observations on Certain Verbal Disputs in
Political Economy, particularly relating to Value and to Demand and Supply, Londres,
1821. Texto de crítica “nominalista” da economia política, cuja linha será continuada
por Bailey. Ver a esse respeito o capítulo 20, § 3 do volume III das Teorias sobre a
mais-valia.
(48) Werke, 26, 3, Theorien über den Mehrwert, 3, op. cit., p. 134; Théories
sur la Plus-value, III, op. cit., p. 162, grifo nosso. Esse texto foi citado parcialmente
por Backhaus, “zur Dialektik der Wertform”, in Beiträge zur marxistischen Erkennt
nistheorie, publicado por Alfred Schmidt, Frankfurt, Suhrkamp, 1969, p. 138; “Dia-
lectique de la forme valeur” (sic), in Critiques de VÊconomie Politique, Maspero, n?
18, out.-dez., 1974, p. 17. As contradições que estão ausentes da “expressão verbal da
coisa”, é necessário entendê-las aqui no sentido corrente, pejorativo, do termo “contra
dição”.
132 RUY FAUSTO
(49) Como dissemos, não desenvolveremos aqui uma discussão sobre o problema
do fetichismo. Trata-se antes de analisar o estatuto do trabalho abstrato e do valor (ou
antes, trata-se de mostrar como o seu caráter se revela) no quadro do texto célebre de
Marx sobre o fetichismo.
(50) A rigor, a produção capitalista enquanto produção de mercadorias.
(51) Como já vimos, em “L’aliénation comme concept sociologique”. (Cahiers
internationaux de Sociologie, art. cit.) Lefort critica Marx, a propósito desse ponto, por
confundir “a forma particular do trabalho e sua forma natural”, (p. 48) “Entretanto,
não tem nenhum sentido definir um trabalho natural em si, ou considerar que a parti
cularidade é mais natural do que a generalidade.” (Ibidem) O alcance dessa crítica é
duvidoso. Marx quer dizer que a forma social — isto é, a forma que devem tomar os
produtos do trabalho para servir socialmente, para serem consumidos por outrem —
é, nas sociedades não capitalistas-mercantis, a forma imediata, a forma natural. Seria
uma ilusão ou uma confusão dizer que a forma imediata — isto é, a forma sensível, o
objeto com todas as suas propriedades sensíveis — é a forma natural, em oposição
à forma “reduzida”, em que suas propriedades desaparecem? A crítica é compreensível
(mas não justificável) se se supuser que o trabalho abstrato é não a forma reduzida,
mas simplesmente a forma geral; nesse caso, com efeito, por que supor que a utilidade
particular é mais concreta do que a utilidade em geral? Mas, como vimos, não se trata
(só) disto em Marx.
(52) Quando há troca, a coisa é mais complicada; nós a discutiremos na secção
III. Digamos desde já que a troca só é, entretanto, condição necessária, não condição
suficiente para a existência do valor e do trabalho abstrato.
(53) Hegel retoma várias vezes na sua obra a questão do argumento ontológico.
Como se sabe, ele critica Kant por ter — entre outras coisas — tomado como exemplo
algo, os cem talers, que é não um conceito mas uma representação.
(54) No que se refere à possibilidade de conciliar abstração real e materialismo,
as idéias desse desenvolvimento final não são essencialmente diferentes das de J. A.
Giannotti na introdução das Origens da Dialética do Trabalho: "Ê nessa perspectiva
que tentaremos mostrar que o texto fundamental sobre o qual se baseia a interpretação
de Althusser permite uma outra leitura, para indicar em seguida como se pode admitir
que o universal concreto faz parte da realidade, sem cair por isso no idealismo ou no
empirismo (...). Contra Althusser, afirmamos que uma tal reflexão é possível unica
mente porque tem lugar, na própria realidade, um processo de constituição categorial,
oposto ao devir do fenômeno, processo que configura a essência de um modo de
produção determinado, e em conseqüência de uma forma de sociabilidade. A essência
faz parte de cada momento do concreto, sem entretanto esgotar todas essas dimensões;
de tal modo que o discurso se torna científico só quando reproduz a ordem dessa
constituição ontológica (...). A mesma coisa pode ocorrer com a categoria marxista
quando se descobre um processo de abstração real que opera para além da investigação
científica. É a única maneira de conservar o materialismo da doutrina. Entendida
assim, a abstração não seria semelhante à operação que retira o ouro da ganga, e o seu
produto, o conceito, não resultando de um processo exterior ao objeto, será o próprio
objeto na medida em que se situa o objeto primitivo no nível da realidade social”.
(Giannotti, op. cit., pp. 11, 14 e 15, grifado pelo autor, trad. nossa) A idéia de
abstração real é de algum modo uma constante do pensamento marxista (ou em geral
dialético) de língua alemã: Luckács sem dúvida (em História e Consciência de Classe
sobretudo, mas a idéia de reificação não deixa de levantar algumas dificuldades que
examinaremos em outro lugar), e sobretudo Adorno, para citar só os maiores (no que
concerne a Adorno, ver, por exemplo, as citações que faz dele Backhaus: “O princípio
da equivalência do trabalho social faz da sociedade um abstrato e o mais real (efetivo)
precisamente como Hegel o ensina do conceito enfático do conceito”, Drei Studien zu
Hegel, Frankfurt, 1963, p. 32; citado por Backhaus, “Materialíen zur Rekonstruktion
der Marxschen Werttheorie”, 1, in Gesellschaft..., 1, op. cit. , p. 64). “O valor de troca
diante do valor de uso, (algo) puramente pensado (ein bloss Gedachtes) reina sobre
MARX: LOGICA E POLÍTICA 133
werk); Pierre Salama, “À nouveau sur la transformation des valeurs en prix de produc
tion”, in Cahiers d ’Économie Politique, 3, Actes du Colloque Sraffa, Amiens, P.U.F.,
1976, p. 86.
(62) Ê verdade que, antes do capitalismo, a lei do valor téria, segundo Engels,
uma validade geral e direta, o que deixaria em aberto a possibilidade de uma validade
indireta... Mas primeiro, o inicio do texto diz simplesmente que a lei é válida em geral
até a emergência do capitalismo, o que parece, sem dúvida, excluí-la deste, e por outro
lado, toda a argumentação de Engels se constrói e se funda no pré-capitalismo, como se
o espaço deste último fosse por excelência o da lei do valor.
(63) E, caso a análise confirme que há efetivamente erro por parte de Engels, se
proporia também a questão: por que finalmente o velho Engels se engana, ele que,
afinal de contas, conhecia bem o problema?
(64) Castoriadis, art. cit., pp. 20 e segs. ; Les Carrefours du Labyrinthe, op. cit.,
p. 267.
(65) Werke, 23, Das Kapital, I, op. cit., pp. 73-74. Ver Dognin, Les "Sentiers
Escarpés"..., I, op. cit., pp. 201-202.
(66) Castoriadis, art. cit., pp. 20-21; Les Carrefours du Labyrinthe, op. cit.,
p. 267, grifado por Castoriadis.
(67) Castoriadis, art. cit., pp. 18-19, Les Carrefours du Labyrinthe, op. cit.,
pp. 265-266, grifado por Castoriadis.
(68) Werke, 13, Zur Kritik derpolitischen Okonomie, op. cit., p. 44; Contribu
tion à la Critique de l ’Économie Politique, trad. de Maurice Husson et Gilbert Badia,
Ed. Sociales, 1957, p. 35.
(69) Werke, 25, Das Kapital, III, op. cit., p. 97; Le Capital, 1. III, t. I (VI), op.
cit., p. 105. O texto diz que só o capital realiza (realisiert) a determinação do valor.
Mas ele diz ao mesmo tempo que a determinação do valor é não o tempo de trabalho
em gérai, mas o tempo de trabalho socialmente necessário. E o valor nâo é se essa
determinação não for realizada.
(70) Werke, 25, Das Kapital, III, op. cit., p. 298; Oeuvres, Économie II, op.
cit., pp. 1061-1062.
(71) Para as sociedades em que não há troca, ver a secção II deste trabalho, em
que comentamos o parágrafo 4 sobre o fetichismo do capítulo 1 de O Capital, em
particular a comparação que Marx estabelece entre por um lado o capitalismo, e por
outro, diferentes formas não capitalistas. Como vimos, é por erro que Castoriadis pode
falar de valor a propósito desse caso.
(72) A análise dos capítulos 1 e 2 do livro I é de ordem lógica, mas ela está
entrecortada por desenvolvimentos históricos.
(73) “A troca de mercadorias começa lá onde terminam as comunidades, nos
seus pontos de contato com comunidades estrangeiras ou com membros de comuni
dades estrangeiras (...). Sua relação de troca quantitativa é de inicio totalmente aci
dental. Elas são trocáveis através de ato de vontade daqueles que as possuem (Besitzer),
(ato de vontade que consiste em) aliená-las reciprocamente. Entretanto, a necessidade
de objetos de uso estrangeiros se fixa progressivamente. A repetição constante da troca
faz dela um processo social regular. Com o correr do tempo, pelo menos uma parte dos
produtos do trabalho deve ser produzida intencionalmente com vistas à troca. A partir
desse momento se consolida, por um lado, a separação entre a utilidade das coisas para
a necessidade (Bedarf) imediata e sua utilidade para a troca. Seu valor de uso se separa
do seu valor de troca. Por outro lado, a relação quantitativa em que elas se trocam se
torna dependente da sua própria produção. O hábito as fixa como grandezas de valor
( Wertgròssen). (...)(...) Uma circulação em que os possuidores de mercadorias trocam
e comparam os seus próprios artigos com diversos outros artigos nunca se encontra,
sem que diversas mercadorias de diversos possuidores de mercadorias, no interior da
sua circulação ( Verkehr) sejam comparadas como valores com uma e mesma terceira
espécie de mercadorias.” (Werke, 23, Das Kapital, I, op. cit., pp. 102-103; Oeuvres,
Économie, I, op. cit., pp. 623-624, grifo nosso) “Independentemente (abgesehen), pois,
MARX: LÖGICA E POLÍTICA 135
da dominação dos preços e do movimento dos preços pela lei do valor, é, pois, intei
ramente apropriado considerar os valores das mercadorias não só teoricamente mas
também historicamente como anteriores (das prius) aos preços de produção. Isto vale
para as situações em que os meios de produção pertencem ao trabalhador, e esta
situação se encontra tanto no mundo antigo quanto no mundo moderno, para o (caso
do) camponês que possui a terra e a trabalha por si mesmo, como para o (caso do)
artesão. Isto concorda também com a nossa opinião, emitida anteriormente, de que o
desenvolvimento dos produtos em mercadorias surge através da troca entre diferentes
comunidades, e não entre os membros de uma e mesma comuna. Como para essa
situação originária, isto vale para situações posteriores, fundadas na escravidão e na
servidão, e para a organização corporativa do trabalho artesanal, enquanto os meios de
produção imobilizados em cada ramo de produção só podem ser transferidos com
dificuldade de uma esfera a outra e que, no interior de certos limites, as diferentes
esferas da produção se relacionam umas às outras como países estrangeiros ou comu
nidades comunistas. / Para que os preços pelos quais se trocam entre si as mercadorias
correspondam aproximadamente aos seus valores, é necessário somente 1) que a troca
entre diferentes mercadorias deixe de ser puramente acidental ou ocasional; 2) que, na
medida em que consideramos a troca direta de mercadorias, estas mercadorias sejam
produzidas de um lado e do outro em quantidades relativas que correspondam apro
ximadamente às necessidades recíprocas, (coisa) a que leva a experiência da venda, e o
que brota assim como resultado do próprio intercâmbio contínuo; e 3) na medida em
que falamos de venda, nenhum monopólio natural ou artificial possibilite a uma das
partes contratantes vender acima do valor ou a force a vender abaixo dele.” (Werke,
25, Das Kapital, III, op. cit., pp. 186-187, Le Capital, 1. III, t. I (VI), op. cit., pp.
193-194; Oeuvres, Economie, II, op. cit., pp. 969-970, grifo nosso) E o início desse
texto que Engels cita.
(74) A resposta que consiste em dizer que antes do capitalismo há forma do
valor, expressão do valor (valor de troca), mas não valor, não é incorreta, mas ela não
permite responder, a nosso ver, a todos os problemas que levantam os textos.
(75) Werke, 23, Das Kapital, I, op. cit., p. 102; Oeuvres, Economie, I, op. cit.,
texto citado anteriormente.
(76) Aristóteles, De la Génération et de la Corruption, I, 317 b, 15, trad. franc.
de Charles Mugler, Les Belles Lettres, Paris, 1966, p. 11, grifo nosso.
(77) Descrevendo em Le Temps retrouvé o que ele chama de maturação (matu-
ration), a do ser-escritor do narrador, Proust se exprime igualmente por uma contra
dição: “E compreendi que todos aqueles materiais da obra literária eram a minha vida
passada; compreendi que eles não tinham vindo a mim, nos prazeres frívolos, na pre
guiça, na ternura, na dor, armazenados por mim, sem que eu adivinhasse mais o seu
destino, a sua própria sobrevivência, do que a semente ao pôr de reserva todos os
alimentos que alimentarão a planta. Como a semente, eu poderia morrer quando a
planta se tivesse desenvolvido, e eu me encontrava tendo vivido para ela sem o saber,
sem que a minha vida parecesse jamais ter de entrar em contato com aqueles livros que
eu gostaria de escrever e para os quais, quando outrora me sentava à minha mesa, não
encontrava assunto. Assim, toda a minha vida até o dia de hoje poderia e não poderia
ser resumida sob esse título: uma'vocação. Ela não poderia ser no sentido de que a
literatura não havia desempenhado nenhum papel na minha vida. Ela poderia ser
porque esta vida, as lembranças de suas tristezas, de suas alegrias, formavam uma
reserva semelhante a esse albúmen que está contido no óvulo das plantas e do qual este
obtém seu alimento para se transformar em semente, nesse tempo em que se ignora
ainda que o embrião de uma planta se desenvolve, o qual é entretanto o lugar de
fenômenos químicos e respiratórios secretos mas muito ativos. Assim a minha vida se
relacionava com aquilo que levaria à sua maturação”. (Proust, Â la Recherche du
Temps perdu, Le Temps retrouvé, Paris, Gallimard, 1964, p. 262, trad. nossa, grifo
nosso)
136 RUYFAUSTO
9-10, Les Carrefours du Labyrinthe, op. cit., p. 256, grifo nosso) “Um Valor e qualquer
outra coisa Só poderia ‘adquirir’ tal forma particular se ele já estivesse lá. O paradoxo,
a antinomia do pensamento de Marx é que esse Trabalho que modifica tudo e se
modifica constantemente, ele próprio, é ao mesmo tempo pensado sob a categoría da
S u b s t â n c i a / e s s ê n c i a (Castoriadis, art. cit., p. 17, Les Carrefours du Labyrinthe,
op. cit., p. 264, grifo nosso). “A antinomia que perpetuamente divide o pensamento de
Marx entre a idéia de uma ‘produção histórica’ das categorias sociais (e do pensamento)
e a idéia de uma ‘racionalidade’ última do processo histórico (...) se descobre
aqui.” (Castoriadis, art. cit., p. 20, Les Carrefours du Labyrinthe, op. cit., p. 267,
grifo nosso)
(101) Ver a esse respeito a segunda parte deste texto.
(102) Castoriadis, art. cit., p. 21, Les Carrefours du Labyrinthe, op. cit., p.
268.
(103) Dir-se-á talvez que seria preciso analisar igualmente os outros textos de
Castoriadis, em particular aqueles em que ele faz a crítica da idéia clássica de teoría.
Chegaremos lá. Mas observemos desde já que o que ele diz sobre a relação entre teoría
e política em Marx é sumário, e tem o defeito de projetar o pensamento de Marx na
tradição clássica.
4
Circulação de mercadorias,
produção capitalista
Mas se, de um modo geral, não faremos aqui mais do que uma
espécie de reconstrução da apresentação de O Capital, de maneira a
mostrar as dificuldades da leitura de Benetti e Cartelier, tentaremos
também mostrar, no fim do texto, embora limitadamente, em que dire
ções uma crítica de O Capital ou um desenvolvimento crítico das teses
de O Capital poderia, a nosso ver, ter bom resultado. Na realidade,
as indicações que daremos a esse respeito parecem convergir pelo
menos em termos gerais com as idéias expressas em certos passos do
texto de Benetti e Cartelier, passos que indicam o que parece ser o
objetivo final de suas investigações críticas. Mas esses passos ficam
mais ou menos marginais, no livro, porque eles estão muito menos
ligados aos desenvolvimentos críticos principais do que pensam os dois
autores. Qualquer que seja a importância da reconstrução da crítica
marxista clássica da economia política, cremos que a articulação com
esse segundo registro cujo horizonte é a superação do discurso clássico
é indispensável, tanto no quadro da crítica do livro de Benetti e Car
telier, quanto como perspectiva geral.
Nossas considerações se desenvolverão em torno de dois centros
de problemas que em parte se cruzam: primeiramente, em tomo da
teoria da circulação de mercadorias, isto é, em torno de questões que se
situam no interior da secção I, sobre a mercadoria e o dinheiro, do livro
I de O Capital-, em segundo lugar, em tomo de problemas que con
cernem, em primeiro lugar, à relação entre a secção I e a secção II, mas
que de fato se relacionam com o conjunto da construção do livro I e, em
certa medida, com o conjunto da apresentação de O Capital. Serão
esses os objetos das duas partes deste texto.
Os resultados aos quais chegaremos, assim como, de um modo
geral, os problemas que serão discutidos aqui, têm algo em comum
com o texto anterior. Retomaremos alguns pontos desse texto, que têm
uma relação direta com as questões que propõe a obra aqui examinada
— para desenvolvê-los ou completá-los.
I. MERCADORIA E DINHEIRO
a) O ponto de partida
Para Benetti e Cartelier é ilusório fazer da mercadoria o ponto de
partida da apresentação, como o faz Marx depois de ter fixado o seu
objeto geral, “ as sociedades em que domina o modo de produção
capitalista” . No livro deles, a apresentação, que para eles é uma dedu
ção, começa por uma “primeira hipótese” pela qual são introduzidas
por um lado a separação como vínculo entre os elementos da sociedade,
no caso, o que eles chamarão mais adiante de “sociedade mercantil” ,
por outro lado a moeda, “primeiro objeto social” (p. 17), “expressão da
144 RUYFAUSTO
d) A forma do valor
ner: “Por outro lado, o vir obscurus não viu que já na análise da
mercadoria o meu texto não se limita ao duplo modo (Doppelweise)
em que ela se apresenta, mas se vai adiante imediatamente até que,
nesse ser duplo (Doppelsein) da mercadoria se apresenta o duplo
(Zweifacher) caráter do trabalho, de que ela é o produto: o trabalho
útil, os modos concretos (den konkreten Modi) dos trabalhos que
criam valores de uso, e o trabalho abstrato, o trabalho enquanto gasto
de força de trabalho, qualquer que seja a forma ‘útil* pela qual ela é
gasta (sobre o que mais adiante se baseia a apresentação do processo
de produção); que no desenvolvimento da forma do valor da merca
doria, e em última instância, da sua forma dinheiro, portanto do di
nheiro, o valor de uma mercadoria se apresenta no valor de uso, isto
é, na forma natural da outra mercadoria, que a própria mais-valia é
deduzida de um valor de uso ‘específico’ da força de trabalho, o qual
pertence exclusivamente a esta última etc. etc.; que, em conseqüên
cia, o valor de uso tem no meu texto um papel muito mais importante
do que (aquele que ele desempenhou) até aqui na economia". (W.19,
1969, pp. 370-371, grifado por Marx, trad. nossa; Oeuvres, Economie
II, op. cit., p. 1545) Essas considerações poderiam ser complemen
tadas pelos textos das Teorias... em que se trata da importância do
valor de uso no interior da crítica da economia política.61 Nada pare
ceria mais estranho a Marx do que a idéia de uma crítica da economia
política puramente “formal” , purificada de toda referência à camada
material. Na realidade, ele acredita que o papel que nela tem a maté
ria é uma das originalidades do seu procedimento
Tomado em forma objetiva, o problema aparece como idêntico
àquele que foi discutido anteriormente, mas se apresentando agora
em nível “superior” : aqui não só aparece o desdobramento do social
nos opostos matéria e forma, mas também — contradição desenvol
vida — a matéria se torna fenômeno (forma fenomenal) da forma, seu
contrário. O valor de uso que era suporte do valor toma-se agora
material em que este se exprime. É afinal este cruzamento de contrá
rios que Benetti e Cartelier, com razão, põem em evidência. ,E, ainda
uma vez, isto lhes parece — com razão — escandaloso. Marx separou
de maneira mais estrita a matéria da forma, o concreto do abstrato, e
eis que ele afirma que um dos opostos se tomou a forma fenomenal
do outro! Anteriormente um “social” que parecia antes “antropoló
gico” devia coexistir com um “social” que lhe era oposto. Agora é
preciso ainda que um dos opostos sirva para exprimir o outro! Apa
rentemente, tentando unir termos opostos, não fazemos mais do
que nos entranhar na contradição. E se trata disso mesmo. O des
lizamento da objetividade na materialidade nada mais é do que a
re-posição (aqui uma segunda posição) da matéria — oposta à forma
— enquanto material para a expressão da forma.62 E esse movimento
é “contraditório” no sentido de que ele reúne pela relação essência/
162 RUYFAUSTO
relação não tem por enquanto uma realidade efetiva. Mas deixemos
de lado por ora a questão de realidade da relação, isto é, a questão de
saber se há e em que sentido há na expressão não só valor mas
também valor de troca, embora seja este no fundo o único ponto que
mereceria alguma explicação. Mostremos simplesmente, por ora, que
a idéia de que não haveria valor deve ser absolutamente rejeitada.
Isto aparece claramente se passarmos à terceira passagem de Marx
(“o valor deles obtém em conseqüência...”) citada de um modo trun
cado por Benetti e Cartelier. Citemos a frase inteira: “É somente
nessa expressão unitária do valor relativo que elas aparecem todas
umas às outras como valores, e que o valor delas obtém em conse
qüência a sua forma fenomenal adequada (ou correspondente, ents-
prechende — RF), enquanto valor de troca”. (Dognin, p. 73, grifado
por Marx) Vemos, pois, que o que é novo é a aparição adequada do
valor, não o próprio valor, que é dado evidentemente desde o início.
Portanto, se há dúvida ela só pode incidir sobre a questão da presença
do valor de troca, o que remete ao problema da interpretação da
expressão “forma fenomenal adequada” . Na realidade, o próprio
valor de troca também está presente, desde o início. A dialética da
forma do valor não é gênese do valor de troca, mas gênese do di
nheiro. Ela é desenvolvimento (no sentido definido anteriormente) do
valor de troca. Ao contrário do que ocorre para o dinheiro, o valor de
troca está presente enquanto valor de troca desde o início, embora
não de uma forma adequada. O problema é aqui, como vemos, o da
aparição de uma aparição. Que o valor não tenha a sua forma feno
menal adequada quer dizer que a forma fenomenal está, sem dúvida,
lá, mas sem se manifestar de uma maneira apropriada. Tal é o sen
tido da “realidade efetiva” da expressão do valor, ou de sua presença
“verdadeira” , como dirá um outro texto.68
Examinemos agora a passagem da forma II à forma III. Ao
passar da forma I à forma II, o valor de uma mercadoria não se
exprimiria mais simplesmente numa mercadoria B, mas em várias
mercadorias B, C, D etc. Através disso, iremos, pois, da unidade (e
da simplicidade) à pluralidade. Para chegar à forma geral (forma III)
a partir da forma II, é preciso voltar à simplicidade, mas se tratará de
uma simplicidade que contém nela própria a pluralidade. Deveríamos
obter:
u mercadorias B =
v mercadorias C =
z mercadorias A
w mercadorias D =
x mercadorias E =
Mas os valores de uso concretos (que até aqui — na versão da
quarta edição — figuram a posteriori entre parênteses) são agora
postos, substituindo as expressões “ algébricas” :
166 RUY FAUSTO
“ 1 roupa =
10libras de chá =
40 libras de café =
1 quarta de trigo — 20 varas de tela
2 onças de ouro =
1/2 tonelada de ferro =
x mercadorias A =
etc. mercadorias.
(W.23, K.I, p. 79; Dognin, p. 208) .
Essa passagem é um dos pontos mais difíceis da análise da
forma do valor. Como se sabe, já a partir da primeira edição de
O Capital (na qual ele inseriu um apêndice no último momento) Marx
forneceu versões sucessivas e diferentes da análise da forma do valor.
Comecemos pela versão da quarta edição de O Capital. A passagem
da II à III é apresentada aí a partir dos “defeitos” da forma desen
volvida (forma II). E esses defeitos são de três ordens: por um lado,
a cadeia das expressões relativas pode ser sempre prolongada (podem-
se supor sempre novas espécies de mercadorias); em segundo lugar,
na forma II, a variedade qualitativa não foi eliminada, pois a expres
são de valor se faz através de diferentes valores de uso; em terceiro
lugar, é possível e é necessário (“como isto deve ocorrer”)69 que se
tenha várias seqüências em lugar de uma só exprimindo o valor rela
tivo de cada uma das mercadorias. Os dois primeiros defeitos repre
sentam “insuficiências” da forma II: ela não é simples, e ela não é
fechada. O terceiro defeito é, se se pode dizer, mais grave: com a série
de seqüências, não só teríamos uma série sempre aberta, mas cada
membro da série — cada seqüência — excluiria o outro.70 Nenhuma
universalização (que ultrapassasse os limites de cada encadeamento)
poderia ocorrer, a menos que a inversão viesse negar tanto a diver
sidade dos membros da seqüência como a da série das seqüências.71
Para passar à forma geral, seria necessário, pois, que não houvesse mais
do que um equivalente; a forma do valor das mercadorias será então
“simples e comum, portanto geral” (W.23, K.I, p. 79; Dognin, p.
209), o que ao mesmo tempo simplificará a expressão relativa (no equi
valente) na seqüência considerada e evitará a multiplicação de seqüên
cias. Uma mercadoria se tornará pois equivalente geral: “(...) ao lado
(...) dos leões, dos tigres, das lebres e de todos os outros animais (efe
tivamente) reais (...) existirá, ademais, o animal, a encarnação indivi
dual de todo o reino animal” . (Dognin, p. 73, texto da primeira edi
ção, grifo nosso) Em outros termos, a forma geral será ao mesmo
tempo universal e individual, isto é, ela será um universal concreto.
Mas como efetuar — e como legitimar — essa passagem? A maneira
mais imediata de efetuá-la seria fixar simplesmente uma das formas
equivalente particular como equivalente geral. Mas não seria uma
maneira satisfatória de efetuar a passagem, porque desse modo nada
MARX: LÓGICA E POLITICA 167
tem-se as duas coisas ao mesmo tempo: o dinheiro está e não está lá.
Com efeito, na forma I de Marx temos algo como a presença da au
sência do dinheiro. Ou mais simplesmente: temos aí não o dinheiro,
nem a sua ausência, mas, como vimos, o germe do dinheiro.85 Como
vimos também, poderíamos exprimir esse ponto de partida de Marx
pelo juízo de reflexão: “ O dinheiro é... mercadoria” , isto é, “o di
nheiro é... a mercadoria que se encontra na forma equivalente” , juízo
em que o sujeito “dinheiro” passa no “seu” predicado “mercadoria”
que é o único termo posto. Isto quer dizer também que, nesse ponto
de partida, um dos termos (a mercadoria que se acha na forma rela
tiva) é pura e simplesmente uma mercadoria, e o outro termo (a
mercadoria que se acha na forma equivalente) é uma mercadoria
afetada pelo “ dinheiro” (entre aspas — isto é, pela pressuposição
(prospectiva) do dinheiro, a qual representa a forma equivalente).
A crítica do ponto de partida de Marx e, em geral, da sua aná
lise da forma do valor pelos dois autores, consiste pois em reduzir essa
contradição inicial, contradição dialética (pois nela ocorre uma Auf-
hebung), único ponto de partida capaz de pôr em marcha esta gênese
e, em forma geral qualquer gênese. O devir — vir a ser a partir do
não ser — só é possível se esse não-ser não for nem ser nem ausência
pura e simples do ser. O procedimento dos dois autores significa,
pois, por um lado se situar aquém da contradição, na tautologia:
a mercadoria é a mercadoria. Nesse caso, a identidade não passa e
não pode passar a nenhuma outra determinação. (Poder-se-ia pensar
esse bloqueio como um juízo de reflexão, mas cujo predicado é o
próprio sujeito, à maneira pela qual Hegel pensa a identidade: a
mercadoria é... mercadoria.) Por outro lado, o procedimento dos dois
autores significa situar-se além da contradição, na não-contradição:
a mercadoria não é o dinheiro ou o dinheiro não é a mercadoria. Se
no primeiro caso é propriamente a identidade que substitui a contra
dição, no segundo é a não-contradição que substitui a contradição.
No primeiro caso, A = A, no segundo A # B. O procedimento dos
dois autores representa, pois, uma afirmação da lógica da identidade
e da não-contradição em face da dialética. Ê no fundo, no plano do
discurso econômico, uma tentativa que se inscreve numa longa tradi
ção de crítica da contradição e de justificação do princípio de identidade:
ou o ser ou não-ser. Mas no ponto de partida da sua gênese, o di
nheiro “participa” tanto do ser como do não-ser.
Mas a segunda alternativa considerada é também úm ponto de
chegada. Comparemo-la desse ponto de vista com o ponto de chegada
de Marx. As diferenças se revelam análogas às que encontramos para
o ponto de partida. O ponto de chegada (que não é tal coisa por falta
de ponto de partida) dos dois autores é, pois, que a mercadoria não é
o dinheiro e que o dinheiro não é a mercadoria. No que se refere ao
ponto de chega, devemos nos fixar antes sobre o segundo juízo:
MARX: LÓGICA E POLITICA 177
Conclusão
Podemos, agora, concluir essa primeira parte. Conforme o que
vimos, a crítica dos dois autores se apresenta em geral como uma
tentativa de “ reduzir" a dialética pelas formas da lógica do entendi
mento. Digamos que há vários momentos no seu procedimento: eles
descobrem contradições em Marx (isto é o mais importante); eles as
recusam (como contradições vulgares) em nome da identidade; eles
descobrem, ou crêem descobrir, leituras ou textos de Marx que permi-
178 RUYFAUSTO
PRIMEIRA SECÇÃO
a) Introdução
primeira vez essa determinação (,..).” 96 Esses textos mostram que não
é verdade que, para Marx, o trabalho abstrato e o valor existem
enquanto tais antes do capitalismo, mesmo se não desenvolvidos (isto é,
sem desenvolvimento mas já no interior de uma história). Para Marx,
fora do capitalismo trabalho abstrato e valor não existem enquanto tais
(isto é, eles só poderiam existir como existem as coisas no interior de
uma pré-história: elas existem e não existem). Como pensar então uma
teoria que tem por objeto outra coisa do que o capitalismo e que
introduz determinações que enquanto tais (isto é, não só como deter
minações desenvolvidas mas enquanto determinações simplesmente
constituídas) só podem existir no capitalismo? Os que recusam a tese
de que o objeto da secção I não é o capitalismo têm portanto razões
sólidas para fazê-lo. Assumamos essas razões: a secção I de O Capital
teria, pois, como objeto o capitalismo. Ora, já vimos que é preciso
rejeitar essa tese, por razões que são igualmente sólidas. Se conside
rarmos o movimento de "redução ao absurdo” de cada tese, somos
assim conduzidos de um oposto ao outro num movimento infinito —
um mau infinito — incessante. Esse movimento antinómico que apa
rece se se fizer a crítica das duas teses opostas, surge na experiência
vivida de todos aqueles que tentam pensar rigorosamente a questão do
objeto da secção I: chega-se a uma resposta, se a expõe, e as razões que
a fundamentam parecem satisfatórias. Mas num outro momento, des-
cobre-se de repente que se está expondo a tese oposta. E é esta última
que aparece agora como bem fundada. Ê só num terceiro momento que
se dá conta de que se está expondo a tese oposta à que se defendera
antes, e que apresentara títulos de igual validade. Aqui, a dúvida
(Zweifeln) — como dizia Hegel — se tom a desespero ( Verzweiflung).
Poderíamos nos refugiar num terceiro termo? Seria o caso, sem pro
blema, se se tratasse de uma oposição, digamos, entre contrários. Mas
aqui opomos capitalismo a não-capitalismo, a oposição é entre contra
ditórios. Dever-se-ià pôr entre parênteses o princípio do terceiro ex
cluído, como fazem certos lógicos, e supor que além da posição de um
dos dois contraditórios, e a da contradição que só poderia nos conduzir
aparentemente à dissolução do discurso enquanto discurso rigoroso,
haveria ainda uma outra possibilidade? Sem discutir a validade das
lógicas sem terceiro excluído, pode-se dizer que aqui, um terceiro (que
não seja a contradição) não é, de modo algum, pensável. Qual seria
esse objeto social que não se situa nem no capitalismo nem fora dele? £
afinal a descoberta dessa antinomia que constitui ou deve constituir o
núcleo do procedimento de Benetti e Cartelier. Por vias que não são
exatamente as que seguimos aqui, eles adivinharam o caráter contradi
tório da relação. E este é certamente um bom resultado, quaisquer que
sejam as conclusões que eles tiram disso e o procedimento que elas ins
tauram. Outros, marxistas demais ou antimarxistas demais para levar
a sério a apresentação de O Capital e se deter nela, não perceberam
MARX: LÖGICA E POLITICA 183
d) A reprodução
Mas tudo o que vimos até aqui representa apenas a primeira
negação. Há uma segunda negação, bastante mal conhecida, que se
situa no nível da passagem da secção VI à secção VII de O Capital.113
Poderíamos apresentar essa segunda negação em momentos sucessivos.
Em primeiro lugar, se em lugar de considerar as voltas do capital como
MARX: LOGICA E POLITICA 191
e) Retomo á crítica
SEGUNDA SECÇÃO
Vejamos por que razões. Há de fato três razões que é preciso distinguir.
Primeiramente, M’ é o único ponto de partida que pressupõe um capital ante
rior.129 O capitai-mercadoria é na realidade o único que pressupõe um movi
mento anterior do capital. Como vimos, o ciclo do capitai-mercadoria não
começa com M mas com MV O signo indica que se trata de uma
mercadoria que contém um valor primitivo mais um sobrevalor. M \ no qual o
capital se apresenta em forma inerte e na forma de uma mercadoria, portanto
também e em primeiro lugar (se comparado com o dinheiro) na forma de um
valor de uso, é entretanto forma que indica uma história (no sentido lógico-
econômico), um passado (no interior da temporalidade lógico-econômica) que
é um passado capitalista. M’ indica de certo modo a memória de um capital.
Não é o caso em D nem em P, os quais não pressupõem necessariamente um
capital. M’ pressupõe, portanto, uma produção capitalista anterior e é assim a
figura mais indicada para servir como ponto de partida para o processo atual
de reprodução. Com M’ se corta esse processo (o que é necessário fazer para
pensar a reprodução de um ano) sem cortá-lo verdadeiramente (porque se
pressupõe o passado). Em “M” se tem o corte, no signo “ a continuidade,
204 RUY FAUSTO
que pela própria forma pela qual é indicada é continuidade “negada”. M’ nos
permite interromper sem irromper a cadeia dos processos de reprodução
anuais. Assegura-se o caráter capitalista do passado, o futuro (sempre no
sentido lógico-econômico) serk construído como processo capitalista.
Mas há mais do que isto. O ciclo do capital-mercadoria é o único que
desde o inicio do ciclo faz com que apareça nas mãos de um outro (que se deve
supor como sendo um outro capitalista) a figura que define o ciclo, o capital-
mercadoria. O que significa — o que para os ciclos I e II só ocorre no final do
ciclo — que ele pressupõe outros ciclos do capital-mercadoria: “D’, enquanto
ponto final (Schlusspunkt) em I, enquanto forma transformada de M’ (M’ —
D’), pressupõe D nas mãos do comprador, como algo que existe fora do ciclo
D... D’ e que é atraído para o interior desse ciclo e que se torna sua forma final
pela venda de M’. Do mesmo modo, em II o P final pressupõe T e Mp (M)
como algo que existe fora dele e que lhe é incorporado enquanto forma final
pelo ato D — M.130 Mas abstração feita do último termo, nem o ciclo do
capital-dinheiro individual pressupõe a existência (Dasein) do capital-dinheiro
em geral, nem o ciclo do capital produtivo individual pressupõe, no seu ciclo,
a existência do ciclo do capital produtivo. Em I, D pode ser o primeiro
capital-dinheiro e, em II, P pode ser ó primeiro capital produtivo que se
apresenta na cena da história. Mas em III (...) M é duas vezes pressuposto fora
do ciclo. Uma vez no ciclo M’ — D’ — M [T* , esse M, na medida em que
Mp
se compõe de Mp, é mercadoria nas mãos do vendedor; ele próprio é capital-
mercadoria, na medida em que é produto de um processo de produção capi
talista; e mesmo se ele não for, aparece como capital-mercadoria nas mãos do
comerciante.131 Uma outra vez, no segundo m em m — d —- m, onde, do
mesmo modo, ele deve (muss) estar presente como mercadoria para poder
ser comprado”. (W. 24, K. II, p. 99; Le Capital, 1. II, t. II (IV), op. cit., pp.
88-89) O texto já nos introduz ao terceiro ponto, que determina o privilégio do
capital-mercadoria: o fato de que a circulação da mais-valia está incluída nele.
Examinaremos esse ponto em seguida. Por enquanto, vejamos aqui o que se
refere, em geral, à conexão dos ciclos estabelecida pelo capital-mercadoria.
Esta conexão se faz através do capital constante, como afirmam os dois auto
res? Observemos, para evitar confusões, que a noção de capital constante como
a de capital variável só vale para o capital produtivo. A noção de capital-
mercadoria só inclui a distinção entre capital constante e capital variável
enquanto componentes do produto-mercadoria. Mas é verdade que em parte a
conexão se faz pelo capital constante, pois o primeiro M que é encontrado no
percurso é, como diz o texto, constituído por elementos do capital constante.
Tudo o que se pode dizer a esse respeito, pelo menos por enquanto, é, em
primeiro lugar, que essa conexão só levanta um problema, se supusermos que a
própria noção de capital constante é problemática, o que tentamos anterior
mente questionar. Em segundo lugar, a conexão não se faz somente através do
capital constante, porque ela se efetua também através de m, que n|o é
componente do capital produtivo e representa a mais-valia consumida como
rendimento (a totalidade da mais-valia, se se supuser a reprodução simples, e
em qualquer caso uma parte dela).132 Isto nos conduz ao terceiro ponto. Se o
ciclo do capital-mercadoria é um ciclo privilegiado é também porque ele inclui
não só o ciclo M mas também o ciclo m.133 Com efeito, se se partir de M’ será
MARX: LOGICA E POLITICA 205
Conclusão
NOTAS
(34) Ver W.26, 3, Theorien über den Mehrwert, 3, op. cit., p. 141; Théories sur
laPlus-value, III, op. cit., p. 170.
(35) W.23, K.I, p. 51; Dognin, p. 176.
(36) A expressão "(redução a) algo comum (ein Gemeines)” que se encontra em
0 Capital reforçou algumas vezes a inflexão ilusória da redução à generalização.
(37) Poder-se-ia dizer nesse sentido que a passagem da forma fenomenal ao
fundamento pode se exprimir não só em termos de conteúdo e forma como o indica
mos, mas tem também implicações para a relação matéria e forma. Com efeito, através
desta redução se passa da forma (no sentido duplamente específico), o valor de troca (e
entretanto forma expressa pela matéria) à forma pura (o valor). A continuação desse
desenvolvimento nos reconduzirá à forma expressa pela matéria (o valor de troca).
A passagem do fenômeno ao fundamento é pois "purificação” da forma. Mas purifi
cação à qual sucede a reposição do ponto de partida: esta forma “impura” que é o
valor de troca reaparece para ser analisada.
(38) W.31, Briefe..., Berlim, Dietz, 1965, p. 326, carta de Marx a Engels de 24
de agosto de 1867; Lettres sur le Capital apresentadas e anotadas por Gilbert Badia,
trad. G. Badia, J. Chabbert e P. Meier, Paris, Êd. Sociales, 1964, p. 174, grifado por
Marx.
(39) W.32, Briefe..., Berlim, Dietz, 1965, p. 11, carta de Marx a Engels de 8 de
janeiro de 1868; Lettres sur le Capital, op. cit., p. 195, grifo nosso.
(40) É essa não posição do trabalho abstrato nos clássicos que visam Benetti e
Cartelier quando eles escrevem que havia aí um "lugar (...) vazio” (p. 166). Mas para
Benetti e Cartelier o lugar “está vazio porque ele foi esvaziado” e é necessário preenchê-
lo não pelo trabalho abstrato mas pelo dinheiro.
(41) “Lógica” não quer dizer existente somente como objeto do pensamento.
Com isso, queremos dizer somente que a realidade que corresponde ao objeto não é
“histórica”, entendendo por “histórica” uma existência que se apresenta como sucessão
de formas no tempo. Voltaremos ao caso particular do problema da existência real do
momento do dinheiro.
(42) Ver a esse respeito o texto da contracapa do livro de Benetti e Cartelier.
(43) Ver a esse respeito, neste tomo, “Dialética Marxista, Humanismo, Anti-
humanismo”.
(44) O problema é posto por Benetti e Cartelier, pp. 142-143.
(45) Embora ele não esteja ainda inteiramente objetivado, ou ainda que esta
objetividade passe ainda pelos sujeitos. Há também um lado puramente subjetivo da
expressão que desempenha um papel na dialética da forma do valor, mas que não se
confunde de forma alguma com o lado objetivo. Ver mais adiante.
(46) A expressão, não o ato de exprimir.
(47) Ver a esse respeito, R. Blanché, Introduction à la Logique contemporaine,
A. Colin, 1960, p. 190.
(48) No texto da primeira edição de O Capital, Marx é muito menos explicito:
“Esta distinção (entre as duas formas: relativa e equivalente — RF) é obscurecida por
uma propriedade característica da expressão do valor relativo em sua forma simples ou
primeira. A equação: 20 varas de tela = 1 casaco ou 20 varas de tela valem 1 casaco
inclui de um modo manifesto esta equação idêntica: 1 casaco = 20 varas de tela ou
1 casaco vale 20 varas de tela. A expressão de valor relativo da tela, em que figura o
casaco como equivalente, contém assim inversamente (rückbezüglich) a expressão de
valor relativo do casaco, na qual a tela figura como equivalente”. (Dognin, pp. 62-63,
grifado por Marx) As versões posteriores desenvolvem pois consideravelmente esse
ponto, que no texto da primeira edição pode levar muito mais facilmente a interpre
tações errôneas.
(49) Este “pode” (“pode-se passar”) é também um “deve”. O problema não se
resolve pela distinção entre a assimetria (a implicação da negação da inversa) e a
simples não-simetria (o fato de que a primeira expressão não implica a inversa). Não se
214 RUYFAUSTO
trata aqui de uma assimetria "fíraca”, mas de algo bem mais difícil: uma assimetria
estrita que “coexiste” aparentemente com a sua negação.
(50) Sobre a relação entrre a análise e a síntese, ver Hegel, Wissenschaft der
Logik, op. cit., II, p. 491 (lógica. do conceito): “O método do conhecer absoluto é nessa
medida analítico. Que ele encontnra exclusivamente neste a determinação ulterior do seu
universal inicial é a objetividade; absoluta do conceito, de que o método é a certeza.
Mas o método é entretanto iguí.ahnente sintético, porque o seu objeto, determinado
imediatamente como universal sim ples, pela determinidade que ele tem na sua própria
imediatidade e universalidade, see mostra como um outro. Essa relação de um diverso
que ele (o objeto) é também em sti, não é o que se visa (gemeint) por síntese no conhecer
finito; já pela sua determinação ¡igualmente analítica em geral, (pelo fato de) que ele é
relação no conceito, ele se diferencia plenamente desse sintético (do conhecer finito)”.
(Ver Hegel, Science de la Logiquie , deuxième tome, “La logique subjective ou doctrine
du concept”, trad. franc. de P.-J.. Labarrière e G. Jarczyk, Paris, Aubier, 1981, p. 376)
Ver também (a propósito do carráter ao mesmo tempo analítico e sintético da propo
sição (Satz) da identidade e da contradição), Wissenschaft der Logik, zweiter Teil, ed.
Lasson, Hamburgo, Felix Meineir, 1963, p. 32, Science de la Logique, trad. Labarrière
et Jarczyk, op. cit., premier tonvie, deuxième livre, “La doctrine de l’essence”, p. 46.
E a nota 40 da p. 43 (idem) que reanete ao texto citado da lógica do conceito.
(51) A propósito da passaigem da forma II à forma III, que examinamos acima,
Marx escreve: “Invertamos pois ia série: 20 varas de tela = casaco ou 10 libras de chá
ou - etc.; em outros termos, excprimamos a inversão que, em si, implícita (implicite)
já está na série, obtemos então: ffl. Forma geral do valor”. (Dognin, pp. 152-153 e
155-156, apêndice à primeira etdiçâo de O Capital, grifado por Marx) Aqui Marx
escreve pois explicitamente que ¡a forma inversa existia em si na forma inicial. Entre
tanto, tratando-se da passagem (da forma II à forma III, o movimento não tem exata
mente o mesmo caráter daquela que consideramos agora. A inversão introduz uma
nova configuração, uma nova for:-ma, o que não é o caso na passagem de uma expressão
da forma I a uma outra expressão da forma I. Dever-se-ia dizer que é só no caso em
que a configuração muda que se; pode afirmar que há passagem do em si ao para si?
Não o cremos. Tentemos precisa* a diferença (porque de qualquer modo há uma dife
rença). Como veremos, na passaigem da forma II à forma III o em si só existe inicial
mente no objeto (portanto enquanto para si) em forma puramente subjetiva (a passa
gem do em si ao para si será obje;tivação do que, de início só é subjetivamente). No caso
que examinamos, o das duas expressões inversas da forma I, o em si existe em forma
objetiva (portanto como para si objetivo) no interior da forma considerada (forma I)
e isto na segunda expressão (que é igualmente de forma I). Mas precisamente ele existe
só na segunda expressão. Elé exis te como para si objetivo só se se supuser que o objeto (o
para si) está constituído pelo universo das expressões de forma I. Em relação à primeira
expressão, ele não existe, ou ele só existe como a forma III no interior da forma II. Se
se considerar só a primeira expressão, a segunda existe apenas de um modo subjetivo,
subjetivamente (a esse respeito víer mais adiante). Por outras palavras, tudo se passa
como se tivéssemos aqui uma relação entre diferentes expressões da mesma forma, que
é análoga logicamente à que se estabelece entre duas configurações (II e III) da forma
do valor. Sem dúvida, os efeitos das duas passagens não são os mesmos: mas a passa
gem do em si ao para si pode, ¡segundo o nível considerado, afetar diferentemente o
objeto.
(52) Sobre esse ponto, ver a continuação do texto.
(53) Também não podemc« dizer que a exprèssão simples do valor é transitiva. Na
realidade, na medida em que as expressões simples são expressões “atômicas” não pode
mos construir a transitividade, já por não poder construir uma conjunção de duas expres
sões diferentes no primeiro mefribro da implicação que exprimiria a transitividade.
(54) O texto diz que “as duas coisas” foram “primeiro (...) reduzidas na nossa
cabeça à abstração valor”. Isto não quer dizer, apesar das aparências, que a redução é
MARX: LOGICA E POLITICA 215
subjetiva. A redução ao valor “na nossa cabeça” se segue à redução real (mas a
expressão do valor está nesse caso ausente).
(55) Na lógica de Hegel, a identidade enquanto proposição de identidade é
representada por A = A, expressão em que figura o signo da igualdade. Hegel mos
trará, entretanto, o movimento da reflexão do sujeito no predicado que aí se encontra:
“Na forma da proposição na qual a identidade é expressa se encontra, pois, mais do
que a identidade simples, abstrata; o que aí se encontra é esse movimento puro da
reflexão no qual o outro só entra em cena como aparência, como desaparecer imediato
(...)” . (Wissenschaft der Logik, Zweiter Teil, op. cit., p. 31, Science de la Logique,
op. cit., pp. 35 e 41)
(56) “A expressão de valor relativa simples era o germe do quai se desenvolveu a
forma equivalente geral da tela.” (Dognin, pp. 86-87, texto da primeira edição de
O Capital, grifo nosso)
(57) A relação de inerência é aquela que se encontra na forma clássica da
proposição entendida em compreensão, mas mais rigorosamente numa proposição sin
gular do tipo “Sócrates é mortal”. (Ver R. Blanché, Introduction à la Logique contem
poraine, op. cit., pp. 127-128) Por outro lado, os lógicos distinguem a relação de perti
nência da relação da inclusão: a inclusão “é reflexiva, não simétrica, transitiva, en
quanto que” a pertinência “é irreflexiva, assimétrica, intransitiva (...)”. (Blanché, op.
cit., p. 177) Blanché (idem, pp. 178 e 181) faz corresponder a inerência (em com
preensão) à pertinência (em extensão). No que se refere a Marx, chamaremos de “juízo
de inerência” (ver mais adiante) um juízo do tipo “o dinheiro é ouro", no qual, como
veremos, se tem uma relação assimétrica, sem que haja entretanto reflexão do sujeito
no predicado.
(58) A proposição seria, na realidade, “o dinheiro é a mercadoria que se acha
na forma equivalente simples”. Nós simplificamos.
(59) Esta denominação, que já havíamos utilizado (ver neste tomo “Dialética
Marxista, Humanismo, Anti-humanismo), se inspira evidentemente em Hegel, mas não
corresponde exatamente ao Urteil der Reflexion (juízo da reflexão) do capítulo sobre o
juízo da lógica do conceito. (Ver Wissenschaft der Logik, op. cit., II, p. 286)
(60) Reencontramo-lo em Castoriadis. Com efeito, mesmo se Castoriadis aceita
a idéia de que há “fantasmagorias” objetivas no capitalismo — ele é levado a fazer a
mesma crítica porque supõe que Marx projeta as categorias do capitalismo no passado:
“Aristóteles não ‘fetichiza’ (n’est pas dans le ‘fetichisme’) — e é Marx que nesse ponto
paradoxalmente fetichiza (l’est)”. (C. Castoriadis, “Valeur, égalité, justice, politique:
de Marx à Aristote et d’Aristote à nous”, art. cit., p. 47, Les Carrefours du Labyrinthe,
op. cit., p. 295, grifado por Castoriadis)
(61) Para dar apenas um exemplo, Marx escreve a propósito da produção dos
meios de produção, cujo resultado é um valor de uso que pode constituir um elemento
do capital. "Trata-se aqui unicamente do gênero de valor de uso no qual o trabalho se
apresenta, (trata-se de saber) se ele pode entrar de novo como condição da produção na
esfera da produção capitalista à qual pertence o sobreproduto (surplus produce). Temos
aqui de novo um exemplo da importância da determinação do valor de uso para as
determinações econômicas formais’’. (W.26, 2, Theorien iiber den Mehrwert, 2, op.
cit. , p. 489; Théories sur la Plus-value, II, op. cit., p. 583, grifado por Marx)
(62) A diferença entre a objetividade social puramente abstrata e a objetividade
social posta na matéria aparece no texto citado por Benetti e Cartelier na p. 144
(Dognin, pp. 52-53), na diferença entre Ding e wirklich(es) Ding (coisa e coisa efetiva)
mas também na diferença entre Ding e Sache. O valor é uma coisa (Ding), no sentido
de uma objetividade essencial, forma pura do fundamento. Para “fixá-la” nessa forma
“é preciso fazer abstração de tudo o que faz dela efetivamente uma coisa (wirklich zum
Ding macht)”. (Dognin, pp. 52-53) Marx escreve mesmo que o valor é um Gedanken-
ding (uma coisa do pensamento), e um Himgespint (uma fantasmagoria). Isto não quer
dizer que o valor só existe no pensamento, mas que o valor é algo abstrato, e puramente
abstrato, no nível do fundamento. Ou se se quiser: o valor é uma coisa do pensamento e
216 RUY FAUSTO
uma fantasmagoría. Mas o real “pensa” (ou fantasma): “(A) objetividade do trabalho
humano que é ele mesmo abstrato (...) é (...) objetividade abstrata”. (Ibidem) Na
expressão do valor, a objetividade abstrata se exprime como coisa (sachlich). Se o texto
diz: “As mercadorias são coisas (Sachen). O que elas são, elas devem sê-lo à maneira
das coisas (Sachlich)", — isto quer dizer: as mercadorias se apresentam como valores
de uso. Sem dúvida, elas não são somente valores de uso, mas esta é a sua única forma
imediatamente efetiva. A efetivação ulterior (que se faz para além da mercadoria indi
vidual) de tudo aquilo que elas são, e portanto também da sua determinação formal só
se pode fazer por aí: o valor deve aparecer no valor de uso.
(63) Sem dúvida, Marx não escreve que o valor de uso da mercadoria A se torna
material para a expressão do valor. Mas a determinação do valor de uso enquanto valor
de uso (que é também posto no interior do modo) é aqui, “suprimida”. Tem-se apenas
a determinação de suporte do valor. Se essa forma da trocabilidade imediata não
corresponde perfeitamente à forma objetiva (a que se efetua para A pela mercadoria B),
em que o valor de uso se torna material, é que, precisamente, se trata de uma forma
subjetiva da trocabilidade imediata.
(64) Isto vale igualmente para a forma relativa. Na medida em que o valor de
uso (enquanto valor de uso) da mercadoria B que interessa ao agente A, ela é para ele
portanto subjetivamente, na forma relativa (a forma que corresponde à mercadoria no
interior da expressão do valor, em oposição à forma equivalente que prefigura o di
nheiro). Essa determinação subjetiva da forma relativa se acha, pois, do lado em que
objetivamente se acha a forma equivalente.
(65) Se Marx escreve que a exclusão é puramente subjetiva é porque, como já
indicamos antes do dinheiro, a própria exclusão objetiva passa ainda pelos sujeitos, ou
ainda não está inteiramente objetivada.
(66) “Es finden wesentliche Veränderungen statt beim Uebergang von Form I zu
Form II, von Form II zu Form III.” (Dognin, p. 164, grifado por Marx)
(67) Ver Hegel, Wissenschaft der Logik, Zweiter Teil, op. cit., p. 156, Science
de la Logique, trad. Labarrière e Jarczyk, op. cit., premier tome, deuxième livre, “La
doctrine de l’essence”, p. 227.
(68) O problema aqui é o da presença do valor e do valor de troca, no inicio da
análise da forma do valor. Poder-se-ia propor também o problema da presença do valor
e do valor de troca no inicio de O Capital. Lá se trata da mercadoria isolada. A merca-
doria isolada tem valor, sem dúvida, mas se não a pusermos em relação com uma outra
mercadoria, não pode haver aí valor de troca. A coisa se complica, pelo fato de que
Marx se exprime, precisamente, da maneira contrária: ele fala, no início, de valor de
troca e não de valor. Mais adiante isto é corrigido (é o único ponto em que, aparen
temente, a apresentação de O Capital corrige, isto é, aceita — mas só para este ponto,
insistimos — algo como uma apresentação provisória, forma em princípio estranha à
apresentação dialética). Com efeito, para a mercadoria isolada (einzeln, individual) o
valor de troca está ausente, ele não está presente mesmo enquanto forma fenomenal
(o valor de troca depende precisamente da relação entre pelo menos duas mercadorias).
Marx foi obrigado a seguir esse caminho que não é inteiramente satisfatório para poder
começar ao mesmo tempo pela forma elementar que é a mercadoria individual e pela
aparência que é o valor de troca e não o valor. Para evitar toda instância provisória
seria preciso aceitar, no início, ou a presença do fundamento, isto é, do valor, ou o da
multiplicidade das mercadorias, mas as duas alternativas levantam, por sua vez, pro
blemas; elas não são satisfatórias, na medida em que em cada um dos casos, um “mais
complexo” seria dado de imediato. A solução foi pois a de começar pela mercadoria
isolada mas com o valor de troca, e corrigir em seguida o uso desta última expressão:
“Se no inicio desse capitulo dissemos, da maneira usual: a mercadoria é valor de uso e
valor de troca, isto, falando rigorosamente, era falso” . (W.23, K.I, p. 75; Dognin, p.
203) Para o conjunto do problema do valor na teoria da circulação simples, ver a
segunda parte deste texto.
(69) Ver W.23, K.I, p. 78; Dognin, p. 207.
MARX: LÖGICA E POLITICA 217
(70) Ibidem.
(71) Portanto, nao haverá universalização, se se tomar a multiplicação das se
qüências como alternativa para o caminho que seguirá Marx: o da inversão da forma
II. Fora a inversão que interrompe de vez a multiplicação das seqüências, pode-se
supor também, como faz o texto da primeira edição (ver mais adiante) tanto a multi
plicação das seqüências como (depois) uma inversão de cada uma delas. Com isto se
teria equivalentes gerais ou um equivalente geral não consolidado (em cada momento).
Adiante, examinaremos em detalhe as conseqüências dà hipótese geral aqui excluída: a
de uma consideração simultânea e não sucessiva das seqüências.
(72) Observemos que nessa inversão, não só cada um dos termos da “equiva
lência” muda de posição (e de função), mas um dos termos muda também as suas
relações internas: o "ou” que liga os membros do primeiro termo na primeira expressão
foi omitido na segunda, o que significa que ele se torna um “e”. Isto quer dizer que
todas as mercadorias exprimem agora simultaneamente o seu valor. O que significa
logicamente esta passagem? Se quisermos pensar essa diferença na sua relação com a
lógica formal, seria preciso dizer: o “ou” da primeira forma é uma relação que não se
confunde nem com o “ou” alternativo ou disjuntivo, nem perfeitamente com a conjun
ção, mesmo se Marx se refere à forma II como a uma “soma de expressões”. (Dognin,
p. 153) Digamos que esse “ou” é uma espécie de conjunção que, pelo fato de que a
expressão, embora não seja subjetiva, não está inteiramente objetivada, é afetada pela
alternativa. Por outro lado, como já vimos, o conjunto da expressão está agora posta
em objetos determinados. Com essa posição, se entra num novo “registro”, cujas
conseqüências aparecerão na passagem de III a IV.
(73) Até aí a representação subjetiva do agente corresponde à expressão objetiva
do valor da sua mercadoria.
(74) Essa diferença entre o conjunto das seqüências considerado como uma su
cessão, na qual cada mercadoria representa por sua vez o equivalente geral — confi
guração que representa uma forma de transição (ao equivalente geral segundo a quarta
edição, e a forma dinheiro segundo a primeira) — e o conjunto das seqüências consi
derado em simultaneidade, poderia ser representado logicamente pela diferença respec
tivamente entre uma relação de alternativa entre as seqüências e uma relação de con
junção (para a justificação da representação da relação entre os termos da forma II por
um signo duplo de alternativa e de conjunção, ver a nota 72):
Forma II: (xA = yZ)*(xA = bm)* (xA = cL) etc.
Forma lia (forma II desenvolvida, multiplicação das seqüências em sucessão)
[(xA = yZ) * (xA = bM) ? (xA = cL) etc.] w [(yZ = xA) * (yZ = bM) *
(yZ = cL)] w [(cL = xA )» (cL = yZ) * (cL = bM) etc.] W*etc.
Forma Ilb (forma desenvolvida, multiplicação das seqüências em simultanei
dade):
[(xA = yZ) * (xA = bM) * (xA = cL) etc.] . [(yZ = xA) * (yZ = bM)1?
(yZ = cL) etc.] . [(cL = xA)» (cL = yZ) » (cL = bM) etc.] . etc.
O processo só conduziria à dissolução de toda expressão do valor se se passasse
de uma relação de alternativa entre as seqüências (forma lia) a uma relação de con
junção (forma Ilb). Mas enquanto se ficar na alternativa (forma Ha) a forma geral não
está solidificada. Com a passagem à forma III (a qual, se se considerar lia, se opera a
partir do primeiro membro de Ha) todos os membros ligados pela alternativa, em lia)
salvo o primeiro que precisamente é invertido, são pois eliminados.
(75) Ver W.23, K.l, p. 104; Oeuvres, Êconomie I, op. cit., p. 326.
(76) Ver. W.23, K.l, p. 104; cf. Oeuvres, Êconomie I, op. cit., p. 625: Kon-
gruenz é traduzido aí por “1’accord et 1’analogie”.
(77) Marx supõe aqui duas formas monetárias.
(78) W.23, K.l, p. 104; Oeuvres, Êconomie, I, op. cit., p. 625. O enunciado “os
metais (...) são por natureza ouro” é de Galiani. Ver a nota ao texto.
(79) Ver a esse respeito as últimas páginas do capítulo II do livro I de O
Capital. Pode se consultar a esse respeito o artigo de N. Geras, “Essence and Appea-
218 RUY FAUSTO
rence: aspects of fetischism in Marx’s Capital”, New Left Rewiew, Londres, n? 65,
jan.-fev. 1971. (Les Temps Modernes, n? 304, nov. 1971)
(80) A flecha sobre x e a flecha sobre y, na primeira expressão, representam,
aparentemente, as duas relações duplas e inversas x (RI e R2) e y (R4 e R3), tais como
elas são definidas nas duas últimas expressões. Elas não designam, aparentemente,
relações de equivalência como no início.
(81) X e Y aparecem em maiúsculas: trata-se entretanto das relações x e y.
(82) As flechas indicam aparentemente não simplesmente a relação de equiva
lência mas a relaçãp duplà x, isto é, a que contém RI e R2. Mas é a relação R2 que nos
interessa aqui, pois é R2 que representa um problema.
(83) Mesmo a segunda. Vimos que se se generalizar em lugar de passar ao
universal concreto, é a forma do valor não o próprio valor que se perde.
(84) É sempre possível descobrir que uma questão é uma falsa questão. Mas
para isso é necessário compreender bem o sentido e o sentido das operações que
poderiam conduzir à sua solução.
(85) Ver a nota 56 deste texto.
(86) Ver Benetti e Cartelier, p. 143.
(87) “I. A passagem da mercadoria ao capital: um problema não resolvido.”
(p. 132)
(88) “Na teoria neoclássica, a passagem (da mercadoria ao capital) é efetuada
pela generalização da teoria da troca de mercadorias como troca dos fatores de produ
ção e como capitalização para troca dos fatores de produção duráveis.” (p. 133)
(89) Benetti e Cartelier escrevem que particularmente Ricardo e Sraffa estão
persuadidos de que elaboram uma teoria dos preços, (p. 84) A abordagem Ricardo-
Torrens-Sraffa implicaria excluir “todo ponto de intersecção entre as noções de merca
doria e de capital”, (p. 134)
(90) “Tradicionalmente, a extensão da teoria da mercadoria consiste na adição
de uma hipótese suplementar (existência do trabalho assalariado) a fim de produzir a
noção de capital. Supõe-se então resolvido, sem o haver proposto, o problema da
relação entre os sujeitos mercantis e capitalistas, sendo estes últimos concebidos como
uma especificação dos primeiros.” (p. 53) “Na teoria marxista tradicional, o modo de
produção capitalista só difere da sociedade mercantil pela extensão das relações mer
cantis a uma mercadoria suplementar.” (p. 190)
(91) H l é enunciado da seguinte maneira: “Hl: a sociedade é dada e a ligação
entre os seus elementos é a separação, cuja expressão é a unidade de conta comum”.
(P. 12)
(92) H2 se enuncia da seguinte maneira: “O modo de existência da separação é
a ruptura entre o privado e o social”, (p. 14)
(93) H’2 se enuncia do seguinte modo: “(...): o modo de separação é a relação
salarial”.
(94) Não fazemos aqui a história da leitura da secção I. Não seria sem interesse
fazê-la.
(95) W.13, Zur K ritik..., op. cit., p. 44; Contribution à la critique de 1'Écono-
mie Politique, trad. franc. de Maurice Husson e Gilbert Badia, op. cit., p. 35, grifo
nosso.
(96) W.25, K.III, op. cit., p. 97; Le Capital, livro III, tomo I (VI), op. cit.,
p. 105, grifo nosso.
(97) Observemos que os dois problemas não se confundem: no texto anterior
trata-se (em termos filosóficos) do problema da relação entre essência e fenômeno-, aqui
se trata do problema da relação essência e aparência.
(98) Não há outras terras, para pensar o discurso de O Capital. Há evidente
mente outras saídas — estamos vendo uma — se se tratar de abandonar o universo de
O Capital. Mas o mínimo que se pode dizer é que ela só aparece como necessária se no
fechamento só se viu fechamento. Ou, por outras palavras, se não se ousou discutir o
princípio segundo o qual a contradição é irracionalidade.
MARX: LÖGICA E POLITICA 219
(99) Não podemos desenvolver esse problema aqui. Seria necessário pensar pri
meiro o papel da identidade na dialética hegeliana, e em seguida, o que já é outra
coisa, o papel da identidade na dialética de Marx. A questão do lugar da identidade
parece essencial para pensar a relação entre as duas dialéticas. Voltaremos a isso em
outro lugar.
(100) Como veremos, esta aparência comporta de resto instâncias diferentes que
podem não ser simples aparência.
(101) Essas considerações visam mostrar a insuficiência da tese que se encontra em
certos autores, segundo a qual na secção primeira se tem a teoria da circulação simples
e não a teoria da produção simples. Esta tese resulta da dificuldade que oferece pensar
como momento do capitalismo a noção de produção simples, o que tentamos fazer.
(102) Que ela seja a “negação” de algo positivo é também verdade, só que o
capital é posto entre parênteses na circulação simples. Mas é antes pelo outro lado que
a circulação simples deve ser caracterizada, porque o outro lado — a posição de um
ente “negado” — diz não o que é pressuposto, mas o que é posto na circulação simples.
(103) Ver primeira parte, I, “d) A forma do valor”.
(104) Dizemos expressão imediata do valor das mercadorias, porque por um
lado o dinheiro tem sua forma relativa desenvolvida (forma que não é forma-preço) no
conjunto das outras mercadorias. E que, por outro lado, através do dinheiro toda
mercadoria exprime indiretamente o seu valor em todas as outras mercadorias.
(105) O que não quer dizer que objeto e sujeito se confundem. Ver a esse res
peito “Abstração real e contradição: ...” (segunda parte, excurso).
(106) Ver a nota 42 deste texto.
(107) As soluções dos dois problemas não são idênticas porque no problema
geral (circulação simples/produção capitalista), a forma “negada” é a aparência da
forma que nega, o que não é o caso, rigorosamente, para a relação entre os momentos
do dinheiro e o dinheiro.
(108) Ver “Abstração real e contradição: ...” (terceira parte). Uma comparação
entre esses dois problemas tem interesse. Observar-se-á, como mostramos no texto
anterior, que a resposta ao problema da existência do valor nos “bolsões” mercantis
anteriores ao capitalismo é contraditória: lá o valor não existe, mas em certo sentido
existe; quanto à produção capitalista, deve-se dizer que lá ele está absolutamente au
sente. Para o problema da relação circulação simples/produção capitalista enquanto
produção capitalista, temos, pelo contrário: o valor está lá absolutamente (na circula
ção simples), enquanto que a produção capitalista, como acabamos de ver, está e não
está.
(109) O dinheiro conserva o valor de uso material mas como valor de uso (mate
rial) “negado”. Marx parece escrever que no dinheiro ao valor de uso material se
acrescenta o valor de uso formal (ver W.23, K.I, p. 104; Oeuvres, Économie I, p. 626),
o que poderia levar à suposição de que os dois valores de uso subsistem, no dinheiro,
enquanto determinações positivas. Mas na realidade ele se refere não ao dinheiro mas à
mercadoria-dinheiro (Geldware), isto é, ao dinheiro considerado em continuidade com
a forma que ele “nega”, a mercadoria. Se se pensar o dinheiro como “mercadoria-
dinheiro”, a determinação própria à mercadoria — o valor de uso material — não está
“negado” (o que seria o caso se se visasse simplesmente o dinheiro) mas aparece ao
lado da determinação própria do dinheiro, o valor de uso formal. “O valor de uso da
mercadoria-dinheiro (Geldware) se desdobra. Ao lado do seu valor de uso particular
enquanto mercadoria — o ouro, por exemplo, serve para preencher dentes ocos, como
matéria-prima para artigos de luxo etc. — ela recebe um valor de uso formal que nasce
de sua função social específica.” (W.23, K.I, p. 104; Oeuvres, Économie I, op. cit.,
p. 626)
(110) “Se se fixar as formas particulares de manifestação (...) obter-se-á as
explicações (erhält man die Erklärungen): o capital é dinheiro, o capital é mercadoria.”
(W.23, K.I, p. 169; Oeuvres, Économie I, op. cit., p. 700)
220 RUYFAUSTO
(111) Trata-se das relações entre diferentes movimentos circulares e não da re
lação entre os momentos de um desses movimentos. Já sabemos que só pode haver
capital se esses momentos se ligarem internamente, constituindo com isto um Sujeito
autônomo. Mas a exterioridade do vinculo entre os diferentes movimentos nos mostra
que nesse nível o capital tem ainda alguma coisa de mercadoria.
(112) Retomaremos em seguida, de um modo mais analítico, a passagem anali
sada em “Dialética Marxista, Humanismo, Anti-humanismo”, segunda parte.
(113) Retomada do problema da segunda parte do primeiro ensaio. Se anterior
mente (neste texto) vimos a dialética da essência e da aparência, se no final do ensaio
anterior vimos a dialética da essência e do fenômeno, trata-se aqui — como no final do
primeiro ensaio — de alguma coisa como a dialética entre a essência, e a essência da
essência do sistema.
(114) Ver W.23, K.I, pp. 594-595; Oeuvres, Économie I, op. cit., p. 1071.
(115) "A representação do capitalista segundo a qual ele consome o produto do
trabalho não pago de outrem, a mais-valia, e conserva o seu valor-capital primitivo,
não pode mudar absolutamente nada desse fato.” (W.23, K.I, pp. 594-595; Oeuvres,
Économie I, p. 1071)
(116) Observemos que no interior da teoria da reprodução — e se trata da outra
diferença em relação à teoria da produção (secções 2 a 6), toda diferença individual
entre operário e capitalista desaparece. Pouco importa se inicialmente o capitalista
trata com o operário A, substituido mais tarde pelo operário B. Aqui se totaliza, só se
considera o conjunto da classe dos capitalistas.
(117) “Quando alguém consome todos os seus bens (sein ganzes Besitzum) con
traindo dívidas, que equivalem ao valor desses bens, a totalidade dos bens não repre
senta mais do que a soma total das suas dívidas.” (W.23, K.I, p. 595; Oeuvres, Éco
nomie I, p. 1071)
(118) “Originariamente, o direito de propriedade nos aparecia como fundado no
próprio trabalho. Pelo menos, .esta suposição devia ser válida, pois só temos face a face
proprietários de mercadorias com o mesmo direito, (pois) o meio para apropriação da
mercadoria de outrem era só a alienação da própria mercadoria, e esta só pode ser
produzida pelo trabalho. A propriedade aparece agora do lado do capitalista como o
direito de se apropriar do trabalho não pago de outrem ou de seu produto, (e) do
lado do operário como impossibilidade de se apropriar do seu próprio produto. A sepa
ração entre a propriedade e o trabalho se torna uma conseqüência necessária da lei
que partia, aparentemente, da sua identidade.” (W.23, K.I, pp. 609-610; versão fran
cesa bem diferente, ver Oeuvres, Économie I, op. cit., pp. 1085 e segs.).
(119) Como assinalamos anteriormente, há uma certa dificuldade em interpre
tar e criticar a leitura de Benetti e Cartelier exatamente porque as suas respostas e os
seus conceitos tornam ambíguo o próprio problema que eles discutem. Mas como
vimos, há razões para justapor a resposta deles à de O Capital. São eles mesmos que as
justapõem. De resto, a resposta deles também não é satisfatória se supusermos que se
trata do problema da distinção entre formações históricas diferentes.
(120) Sem dúvida, como rimos, Benetti e Cartelier procuram freqüentemente
apoiar-se em certos textos de Marx. Mas não se trata de textos que apresentam as
contradições, mas de textos que parecem constituir um bloqueio diante delas. Há entre
tanto um texto (p. 118) — em que os autores insinuam a possibilidade de um paren
tesco entre as suas respostas e as de Marx — que poderia remeter à segunda negação:
“Reencontra-se aqui uma conclusão estabelecida mais acima: a especificidade da pro
priedade capitalista em relação à propriedade mercantil (do mesmo modo que uma
intuição profunda de Marx, para quem o capitalismo era a negação da propriedade
privada)”, (p. 118) Mas tudo isto permanece bem vago.
(121) Ver a nota 3 da terceira parte de Marchands, salariat et capitalistes.
(122) Primeiro no § 2 do capítulo 22 da secção VII (W.23, K. I, p. 614; Oeu
vres, Économie I, p. 1091, § II do capitulo XXIV da secção sétima na versão francesa)
— “interpretação errônea da reprodução em escala ampliada pela economia política” .
MARX: LÖGICA E POLITICA 221
como capital produtivo não é nem mercadoria nem dinheiro. Ele se apresenta só como
valor de uso e é sempre valor, pois o capital é valor que se tornou Sujeito. Tem-se
capital (valor-capital e forma de existência valor de uso) sem ser nem mercadoria nem
dinheiro.
(139) Sobre a importância do valor de uso para a reprodução, ver a nota 61.
(140) “(...) Com a ciência se passa o mesmo que com as forças naturais. Uma
vez descoberta, a lei do desvio da agulha imantada nü circulo de ação de uma corrente
elétrica, ou da produção do magnetismo no ferro em torno do qual circula uma cor
rente elétrica n&o custa um vintém." (W.23, K.I, p. 407; Oeuvres, Economie I, op. cit.,
p. 931)
(141) O que não será um pecado se o “economismo" está nas coisas. Lembre
mos a esse respeito um texto de Horkheimer, que é pouco suspeito de economismo,
a propósito do conceito (em sentido objetivo e subjetivo) de “dependência do cultural
em relação ao econômico” nas condições do capitalismo contemporâneo: “Com a ani
quilação do individuo tipico, ele (esse conceito) deve ser compreendido como se (de uma
maneira) mais vulgarmente materialista do que antes. As explicações dos fenômenos
sociais se tornam mais simples e ao mesmo tempo mais complicadas” . (Max Horkhei
mer, Traditionelle und kritische Theorie, artigo com o mesmo título, Frankfurt, Fis
cher, 1968, p. 52. Théorie traditionelle et Théorie critique, Gallimard, 1974, p. 73,
grifo nosso)
(142) Ver a esse respeito o final da primeira parte. Seria preciso insistir sobre a
importância da critica do convencionalismo, isto é, da critica do “antifetichismo”
abstrato para a análise do capitalismo contemporâneo. Com efeito, tudo se passa como
se a aderência das relações formais de produção às relações materiais se tivesse tornado
mais estreita do que pensavam os clássicos. Tal é a significação da discussão atual
sobre as implicações que têm imediatamente os meios de produção sobre a exploração e
a opressão. Nesse sentido, toda exigência de “esvaziamento” da matéria a propósito da
teoria de Marx corre o risco de ir no sentido oposto ao das exigências criticas atuais.
(143) Talvez fosse interessante comparar Benetti-Cartelier, Castoriadis e Althus
ser, no ponto em que cada um à sua maneira “roça” a dialética (exprimindo malgré lui
e de maneira subjetiva a contradição): Althusser nas suas considerações, em Pour
Marx, sobre a Tese VI sobre Feuerbach “A essência humana é (...) o conjunto das
relações sociais” (ver “Marxismo, Humanismo, Anti-humanismo”, segunda parte).
Castoriadis insistindo sobre as antinomias de Marx. (Ver “Abstração real e contradi
ção...”, terceira parte), Benetti e Cartelier, quando escrevem: “O ouro só é mercadoria
enquanto ex-mercadoria", (texto citado)
Apêndices
1
NOTAS
(*) Sobre o sentido e o lugar desse texto, ver a introdução. O texto tinha sido
ligeiramente modificado em 1972, por ocasião de sua primeira publicação na América
Latina, em Cuadernos de la Realidad Nacional, Universidade Católica de Chile, San
tiago, n? 14, outubro de 1972. Reproduzimos aqui essa versão de 1972, com bem raras
adições, assinaladas por parênteses.
(1) A expressão, usada num contexto um pouco diferente, é, se não me engano,
de J. Rancière, L ’idée critique chez le jeune Marx (inédito).
(2) Elas representam um princípio prático, porque são o ponto de partida logi
camente necessário da crítica de toda ação e da ação ela mesma. Parecem merecer o
nome de “fundamento”, fundamento prático, porque, ao contrário do que ocorrerá
com os "princípios da ação” na obra da maturidade, são princípios primeiros. Como se
verá, elas não pressupõem nenhuma real interiorização histórica. A história não fornece
mais do que as condições para a sua eclosão e exteriorização. — Esta posição em face
da história justificaria também (numa linha terminológica aproximadamente hegeliana)
a denominação "transcendental”, que mais adiante se lhes dará.
(3) Nos Manuscritos, os fundamentos práticos se apresentam, assim, em distin
tos níveis de consciência. Mas pelas razões expostas, essa distinção de níveis (cujo
hegelianismo é mais aparente do que real) nao compromete a natureza a-histórica ou
trans-histórica dos princípios.
(4) Enquanto visadas “práticas”, na critica (teórica) da economia política, o
objeto é essencialmente a natureza humana na sua forma atual.
(5) “O comunismo põe o positivo como negação da negação, ele é, pois, o mo
mento real (wirkliche) da emancipação e da retomada de si do homem, momento
necessário para o desenvolvimento próximo da História. O comunismo é a forma neces
sária e o princípio energético do futuro próximo, mas o comunismo não é, enquanto
tal, o objetivo do desenvolvimento humano — a forma da sociedade humana” (Manus-
234 RUY FAUSTO
critos de 44, trad. franc. de Bottigelli, p. 99; original, Ed. Rororo, Texte zu Methode
undPraxisII, p. 86) grifos nossos.
(6) “Para abolir a idéia da propriedade privada, o comunismo pensado basta intei
ramente. Para abolir a propriedade privada real, é necessária uma ação comunista real.
A história a trará e este, num movimento que, em pensamento, já sabemos que se
suprime a si mesmo, passará na realidade por um processo muito rude e muito extenso.
Mas devemos considerar como um progresso real que, desde o inicio, tenhamos adqui
rido urna consciencia tanto da limitação como do objetivo do movimento histórico, e
urna consciencia que o ultrapassa” (idem, Bottigeili, p. 107; Rororo, p. 93), grifos
nossos. .
(7) E em que o Sujeito (filosófico) é, portanto, o principio motor.
(8) Essa caractejfeação do Sujeito é parcial. Como se verá indiretamente, a
fusão na obra de maturidade entre o teórico e o dirigente só é essencial (como o papel
de Sujeito que se atribui ao partido só é válido) para certo tipo de discurso. — A
teoria do partido está fora dos limites deste texto.
(9) A mí:sr¡!." coisa ocorrerá no que se refere aos capitalistas. Nos Manuscritos,
a associação dos capitalistas, por nascer de um universo de dispersão, tem alguma coisa
de um pacto. Em O Capital, ela nasce do soló aglutinador do processo de equalização
da taxa de lucro.
(10) Plenamente tematizável enquanto discurso filosófico. Não há utopia polí
tica na obra de juventude de Marx. A “plenitude” da tematização deve ser entendida
relativamente ao discurso sobre o futuro imediato. (Ver nota 11)
(11) A visada do Sujeito nao tem mais como centro de referência o futuro lon
gínquo (antropologia) mas o futuro “próximo” (tática e estratégia). Esta visada do
futuro próximo prolonga por sua vez uma retrospecção histórica.
(12) Sobretodo porque ele privilegia a questão(da teoría marxista da história e da
política, em detrimento da questão) mais geral do conhecimento histórico-político e de
seus níveis, no interior do marxismo.
(13) As indicações dos althusserianos sobre a teoria da prática inspiram-se em
Que Fazer?. (Ver a esse respeito o artigo de Jean-Paul Dollé “Du gauchisme à l’huma-
nisme socialiste” in Les Temps Modemesv abril de 66). Ã medida que aquele texto
serviu a urna crítica do hegelianismo, deixamos para o final desse tópico, onde se
tratará de Hegel, as referências a respeito. — A simples possibilidade de uma teoria da
história e de uma teoria da prática — convém observar — não é em si mesma um
argumento em fávor do althusserismo; é aliás na região dessas teorias que se situa este
texto. O que importa é o tipo de relação que elas estabelecem entre o discurso teórico (e
portanto tambény entre elas mesmas e a História). Conviria precisar: a teoria da his
tória a que me ifefiro só pode ser uma teoria filosófica do conhecimento histórico da
História, do mesmo nivel da teoria filosófica da (sobre a) teoria “pura" da história que
oferece O Capital, e a distinguir das teorias científicas correspondentes (“puras” ou
históricas) e dos discursos histórico-(políticos) concretos. Algo a respeito, em forma
muito sucinta, na continuação do texto. Em geral, trato só de dois níveis: o da teoria
“pura” de O Capital e o dos discursos concretos.
(14) A rigor haveria uma terceira hipótese: a de que eles seriam “ materiais”
semi-elabórados para uma “história” (Lire Le Capital, I, p. 147, cito sempre a pri
meira edição). Essa caracterização, mesmo se verdadeira, não poderia, entretanto,
eludir o problema da natureza do discurso histórico marxista.
(15) Essa crítica não se confunde com a crítica de essência reflexiva (não hege-
liana) que faz o Sujeito nos Manuscritos.
(16) Continuidade que não exclui a descontinuidade.
(17) Ver sobretudo em O Estado e a Revolução o uso que se faz da noção de
experiência. — Ã noção de experiência corresponde a noção complementar de tarefa,
que conviria analisar mais de perto.
(18) Ver Prefácio (ou antes, a Introdução) à Fenomenología.
MARX: LÖGICA E POLITICA 235
(19) A propósito, caberia uma referência às famosas teses de Que Fazer? sobre
a introdução, de fora do proletariado, da consciência revolucionária, à medida que
os althusserianos as utilizam para mostrar o caráter radicalmente anti-hegeliano da
teoria marxista da prática. Uma discussão mais profunda dependeria de uma análise
prévia do tipo de conhecimento — bem diverso do de O Estado e a Revolução — que
nos oferece esse livro. — Resumidamente: a questão das relações entre a consciência
“econômica” e a consciência política (revolucionária) deveria ser distinguida mais rigo
rosamente do problema das relações entre teoria e prática revolucionária. Os dois pro
blemas não são evidentemente idênticos nem mesmo convergentes. Uma observação
sobre cada um deles: 1) Se de fato a recusa em admitir a possibilidade de uma
passagem espontânea da consciência econômica à consciência política implica o aban
dono de qualquer esquema finalista, a relação entre os dois níveis — já que a luta
econômica se integra numa prática política que a incorpora e a modifica (a “supera”?)
— é mais hegeliana do que espinosista. 2) Conforme o que se diz no texto, o problema
da relação teoria-prática não parece solúvel, se não se distinguirem no marxismo dife
rentes formas de conhecimento, e também de teoricidade. A relação com a prática de
uma teoria como a da revolução permanente de Trotski, por exemplo, sua “histori
cidade”, não se confunde com a da teoria de 0 Capital. Só a primeira é epistemoló
gicamente inseparável de certas éxperiências do proletariado. Sobre as duas questões
subsiste o problema histórico de saber até que ponto as teses de Que Fazer?, ou a
interpretação que usualmente se lhes dá, correspondem ao que se poderia considerar
como a posição leninista. Lenin cerca de certas reservas o emprego de algumas de suas
fórmulas. (Ver Lenin, Obras Escolhidas, esp. I, 215, Que Faire?, ed. franc. Seuil,
p. 135) Segundo Trotski — em sua biografia de Stalin, Cap. III — Lenin teria aban
donado mais tarde as teses de Que Fazer?, que Trotski reputa “unilaterais e portanto
falsas”.
(20) À medida que os discursos histórico-políticos pressupõem uma intèrioriza-
ção em profundidade, a história atual não é certamente o seu limite extremo. Mas ela o
é, não obstante, no sentido de que, enquanto campo da prática, só ela representa, a
rigor, o solo dç cada discurso prático.
2
NOTAS
(1) Sobre esse texto, ver a introdução. Como indicamos na introdução, o dese
volvimento dessas idéias sobre o jovem Marx, já feito oralmente em várias ocasiões, virá
no tomo II deste trabalho. Esse desenvolvimento fará parte de uma análise da pré-
MARX: LÖGICA E POLITICA 245
(14) W., Ergânzungsband, ErsterTeil, op. cit., pp. 565-566; Manuscrits..., op.
cit., p. 122, grifado por Marx. Lembremos também do texto “a lógica (é) o dinheiro do
espírito (...)”. (W., Ergânzungsband, op. cit., p. 571, Manuscrits de 1844, op. cit.,
p. 130) Todo o problema do equilíbrio “instável” dos Manuscritos está nesta frase. A
crítica do dinheiro é paralela à da lógica: as duas abstrações se correspondem etc. Eis
aí uma primeira direção, a mais imediata, para a interpretação. Mas, ao mesmo
tempo, essa lógica paralela ao dinheiro não seria a mais apta para pensar o dinheiro
(não seria a lógica do dinheiro)? Reflexões como esta não estão sem dúvida no texto dos
Manuscritos-, mas elas não estão absolutamente ausentes. Na realidade, elas estão
pressupostas.
(15) W.I, op. cit., p. 357-361, “Ã propos de la Question Juive”, ed. bilíngüe
(alemão-francês), trad. de M. Simon, com uma introdução de François Châtelet, Paris,
Aubier-Montaigne, 1971, pp. 83 e 95, grifado por Marx.
(16) W.I, pp. 387-388, op. cit., Critique de la Philosophie du Droit de Hegel,
introduction, ed. bilíngüe, trad. franc. de M. Simon, prefácio de F. Châtelet, Paris,
Aubier-Montaigne, 1971, pp. 87, 89 e 91.
(17) W.I, op. cit., p. 212; Critique du droit politique hégêlien, trad. franc. e
introdução de A. Baraquin, Êd. Sociales, 1975, p. 46, grifado por Marx.
(18) W.I, op. cit., p. 216; Critique du droit politique hégélien, op. cit., p. 51.
(19) O texto de Rancière em Lire Le Capital (III, Paris, Maspero, 1973) a
despeito do seu envoltório althusseriano é um texto importante.
(20) W.I, op. cit., pp. 224-225; Critique du droit politique hégélien, op. cit.,
p. 60, grifado por Marx.
(21) Grundrisse, op. cit., p. 15; Manuscrits de 1857-1858 (“Grundrisse”) I, op.
cit., p. 28.
(22) W.25, K. III, op. cit., pp. 628-629, n. 26; Oeuvres, Économie, II, op. cit.
p. 1287.
(23) O formalismo é de certo modo a “maldição” da dialética. A questão ia
dialética poderia ainda uma vez ser posta da seguinte forma: como dialetizar o ob'eto
sem com isso cair numa “dialética” formal. Tal é (depois do próprio Hegel) no p mto
de partida, o problema de Marx.