EDUCAÇÃO E ANTROPOLOGIA - Construindo Metodologias de Pesquisa - Gilmar Rocha - Sandra Pereira Tosta (Orgs)
EDUCAÇÃO E ANTROPOLOGIA - Construindo Metodologias de Pesquisa - Gilmar Rocha - Sandra Pereira Tosta (Orgs)
EDUCAÇÃO E ANTROPOLOGIA - Construindo Metodologias de Pesquisa - Gilmar Rocha - Sandra Pereira Tosta (Orgs)
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EDUCAÇÃO E ANTROPOLOGIA: 1
Sinopse 4
Currículo do Autor 5
Apresentação 7
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Sinopse
A motivação para o desenvolvimento desse livro tem como base nossas
experiências docentes na educação básica na rede escolar pública, na
graduação e na pós-graduação nas universidades e outras instituições de
ensino. E uma questão que sempre se a gura como central e problemática
é a da metodologia. Muitas vezes a confusão entre técnicas de pesquisa e
métodos, lacunas na compreensão de que metodologia consiste em teoria,
passando pelas di culdades na elaboração de projetos de pesquisa nos leva
a pensar: Por que a questão metodológica se apresenta de modo tão
dramático, angustiante, por vezes desesperador, para os candidatos ao
ofício da ciência
Desde estas perspectivas, asseguramos que esse livro não tem a pretensão
de ser um receituário de metodologias para se fazer pesquisa. Fato que,
aparentemente, parece mais complicado ainda quando se trata das ciências
sociais e humanas. É o que nos mostra alguns dos artigos que compõem
este livro, em que a própria categoria metodologia passa a ser questionada.
A verdade é que a metodologia não se reduz a métodos, posto que, do
ponto de vista epistemológico e ético, implica em opções teóricas,
re exões, dúvidas, limites, desa os colocados ao pesquisador. Pois, é o
momento no qual passamos a re etir sobre as escolhas que fazemos e
quais as suas conseqüências (inclusive, “para os outros”) na produção do
conhecimento. Tomando emprestado a Levi-Strauss uma expressão
conhecida, sem a intromissão da imaginação, da criatividade, da
sensibilidade, desses “hóspedes não convidados" do conhecimento não há
ciência, menos ainda a necessidade de re etir sobre metodologias
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Currículo do Autor
Adriana Russi
Doutoranda em Memória Social pela UNIRIO. Professora do Curso de
Produção Cultural da UFF, no Polo de Rio das Ostras
Amurabi Oliveira
Doutor em Sociologia (UFPE). Professor do Programa de Pós-graduação
em Educação da Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
Claudia Regina dos Anjos
Doutoranda em Belas Artes (UFMG). Professora da rede municipal de
Belo Horizonte - MG. Pesquisadora do EARTEC - Grupo de Pesquisas
Ensino de Arte e Tecnologias Contemporâneas- UFMG
Gilmar Rocha
Doutor em Antropologia Cultural (UFRJ). Professor do Departamento de
Artes e Estudos Culturais (RAE) da Universidade Federal Fluminense
(UFF). Coordenador do Grupo de Estudos MUA-NES (UFF) e
Pesquisador do EDUC- Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e
Culturas - PUC-Minas
José Guilherme Cantor Magnani
Doutor em Antropologia Social (USP). Professor da Universidade de São
Paulo (USP). Coordenador do NAU - Núcleo de Antro¬pologia urbana
José Reginaldo dos Santos Gonçalves
Doutor em Antropologia (Virginia University). Professor do Programa de
Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (IFCS-UFRJ). Pesquisador
do CNPq. Coordenador do LAARES (Laboratório de Antropologia da
Arquitetura e Espaços) do PPGSA/IFCS/UFRJ
Juliana Gouthier Macedo
Doutoranda em Artes (UFMG). Professora da Universidade Federal de
Minas. Pesquisadora do EARTEC - Grupo de Pesquisas Ensino de Arte e
Tecnologias Contemporâneas (UFMG)
Lucas Eustáquio Paiva
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Apresentação
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Este livro é o resultado feliz de mais um projeto desenvolvido no
âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Culturas
(EDUC), da PUC-Minas e chancelado pelo CNPq. Não faz muito
tempo, trouxemos a público, Caminhos da pesquisa1, projeto que
contou com a colaboração de pesquisadores docentes e discentes
interessados no campo da educação. Agora, em sintonia com
aquele projeto, uma vez mais contamos com a colaboração de
vários outros prestigiados pesquisadores cujas contribuições
teórico-metodológicas, mesmo quando não diretamente realizadas
no campo da educação, acreditamos, enriquecem nossas re exões
e investigações na área. A nal, os estudos e as pesquisas que
realizamos alimentam não somente os campos especí cos de
conhecimento das nossas áreas de origem, mas também o campo
da educação entendida como todo processo de formação da
pessoa envolvendo qualidades sensíveis e racionais, bem como
técnicas, práticas e representações de ensino/aprendizagem.
Portanto, experiências de transmissão de saber e fazer da ordem
do conhecimento prático, simbólico e sensível, não restrito ao
espaço formal da escola. Os textos reunidos na publicação, ao
discutirem questões de natureza metodológica e de produção do
conhecimento, em última instância, somam para o processo de
formação da pessoa humana. Esse é o sentido dado, nesta
coletânea, à educação o que justi ca, por sua vez, a sua dimensão
antropológica
Não por acaso, a motivação para o desenvolvimento desse projeto,
ter como base nossas experiências docentes na educação básica
na rede escolar pública, na graduação e na pós-graduação nas
universidades e outras instituições de ensino. E uma questão que
sempre se a gura como central e problemática é a da metodologia.
Muitas vezes a confusão entre técnicas de pesquisa e métodos,
lacunas na compreensão de que metodologia consiste em teoria,
passando pelas di culdades na elaboração de projetos de pesquisa
nos leva a pensar: por que a questão metodológica se apresenta
de modo tão dramático, angustiante, por vezes desesperador, para
os candidatos à ciência
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Desde estas perspectivas, asseguramos que esse livro não tem a
pretensão de ser um manual, um receituário de metodologias para
se fazer pesquisa. Quadro que, aparentemente, parece mais
complicado ainda quando o assunto são as ciências sociais e
humanas. É o que nos mostram alguns dos artigos que compõem
este livro, em que a própria categoria metodologia passa a ser
questionada, é o que nos sugerem os autores
A verdade é que a metodologia não se reduz a métodos, posto que,
do ponto de vista epistemológico e ético, implica em opções
teóricas, re exões, dúvidas, limites, desa os colocados ao
pesquisador. Pois, é o momento no qual passamos a re etir sobre
as escolhas que fazemos e quais as suas consequências
(inclusive, “para os outros”) na produção do conhecimento.
Tomando emprestado a Levi-Strauss uma expressão conhecida,
sem a intromissão da imaginação, da criatividade, da sensibilidade,
desses “hóspedes não convidados” do conhecimento não há
ciência, menos ainda a necessidade de re etir sobre metodologias
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O legado de Rit
Antes de comentar o texto “Antropologia e Internet: pesquisa e
campo no meio virtual”, de Rita de Cássia Amaral, tema deste
artigo e ponto de partida para as re exões que se seguem, seria
conveniente fazer algumas aclarações sobre a autora. Aluna na
graduação em Ciências Sociais na USP e minha orientanda no
mestrado e doutorado no PPGAS, Rita de Cássia fez parte da
primeira equipe de pesquisadores do Núcleo de Antropologia
Urbana (NAU), nos idos de 1988, quando saíamos em grupo pelas
áreas centrais da cidade, reconhecendo pedaços, percorrendo
manchas, identi cando circuitos, inaugurando, assim, uma prática
que se tornou uma marca nas atividades do NAU: as expedições
etnográ cas
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Apesar de suas di culdades de locomoção – deslocava-se em
cadeira de rodas – era entusiasta da pesquisa de campo, como
mostra sua dissertação de mestrado sobre terreiros de candomblé
em São Paulo. Sua tese de doutorado, porém, sobre o tema das
festas no Brasil, já foi feita com base em dados coletados na
Internet. Rita, aliás, estava continuamente online, disponível,
atenta
O computador, além de meio de informação, era também uma fonte
de renda, via de contato com uma ampla rede de amigos e
pesquisadores e objeto de pesquisa, pois, interessava-lhe a
discussão sobre o estatuto da etnogra a na Net. Na fase mais
avançada de sua doença – osteogenesis imperfecta – era
praticamente seu meio de comunicação e trabalho. O site do
Núcleo de Antropologia Urbana, em seu formato inicial, foi criado
por ela em 2003, quando o NAU completara 15 anos, e cou sob
sua supervisão até 2009. Da mesma forma a revista eletrônica
Ponto Urbe (ISSN 1981-3341), da qual foi a responsável até a
edição de número 4
Esse estreito contato com a computação e o “mundo virtual”, e as
indagações que suscitou, estão na base de suas re exões sobre o
tema, como se pode apreciar no artigo “Antropologia e Internet:
pesquisa e campo no meio virtual”, que agora, oportunamente,
reaparece neste livro. Inicialmente publicado em “TAE - Trabalhos
de Antropologia e Etnologia - Revista Inter e Transdisciplinar de
Ciências Sociais” (2001), foi postado no site do Núcleo de
Antropologia Urbana em 2004
Como se pode perceber, é um trabalho pioneiro, tendo como base
sua tese de doutorado sobre festas brasileiras, defendida no
PPGAS da USP em 1998.2 Como bem explica no começo do
artigo, o uso de dados coletados em fontes da Internet e de
conversas e entrevistas realizadas em chats, despertou a
curiosidade da banca examinadora. Com efeito, esta não era, à
época, uma prática comum em razão do desconhecimento das
possibilidades abertas pela internet e, às vezes, pela descon ança
por parte dos pesquisadores
Um novo panorama3
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De lá a esta parte, contudo, o panorama mudou, podendo ser
constatado, além de uma maior utilização das ferramentas
disponíveis, o desenvolvimento de programas especí cos para
pesquisa, inclusive, de caráter qualitativo. Proponho, para avançar
na discussão, distinguir três instâncias na área da computação e,
em especial, da Internet, em relação à pesquisa nas ciências
sociais: como campo, como objeto e como ferramenta de pesquisa
Pensar a Internet e os recursos computacionais como campo de
pesquisa signi ca reconhecer que, se instituem e interligam áreas
tão diversas como atividades de trabalho, práticas de lazer,
momentos de fruição, troca de informações, possibilidade de
encontros, aprendizado, atuação política, campanhas, vendas etc.,
isso se dá num ambiente tecnológico especí co, a partir e em
função de suas regras e protocolos. Não se trata de campo no
sentido bourdieusiano, mas antes como “mundo”, um pouco na
forma em que Howard Becker dele faz uso numa de suas obras
mais conhecidas, Art Worlds (1982)
Nesse livro, o autor utiliza o termo para incluir não só os artistas
propriamente ditos, nas diferentes áreas – música, artes plásticas,
teatro etc. – mas, muitos outros atores cujas práticas e
especialidades contribuem para a produção nal da obra ou peça.
Trata-se de uma rede complexa, responsável pela feitura das
obras, tradicionalmente vistas apenas como produto da criação
individual de cada artista. Na verdade, a arte é resultado de uma
“ação coletiva”, nela incluindo-se até mesmo, recursos materiais
como o papel, a tela, o instrumento musical etc. com seus
produtores, o cinas e ferramentas
Assim, a obra artística pode ser vista no contexto de vários círculos
concêntricos, a partir de um mais restrito (o dos próprios artistas)
até outros, sucessivamente mais abrangentes. A vinculação entre
esses diferentes círculos, desde aqueles que englobam elementos
sem envolvimento direto, até os mais centrais, se dá através do
termo “convenção”, que de ne, segundo Becker, as regras comuns
para a ação coletiva
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E nalmente, o terceiro sentido, os recursos computacionais e a
internet como ferramenta. Já é familiar para pesquisadores de
diferentes áreas o uso desses recursos e da rede para tarefas mais
corriqueiras como a busca de informações, banco de dados,
guarda e compartilhamento de documentos, debates online, até as
mais so sticadas, como as de classi cação, análise e interpretação
por meio de programas computacionais especí cos
No primeiro caso gostaria de exempli car a forma como o Grupo
Etnologia Urbana (GEU) do NAU trabalhou e compartilhou os
dados coletados em suas expedições na Amazônia. Como parte de
um programa da CAPES, o PROCAD5, pesquisadores do NAU,
durante quatro anos, realizaram várias expedições na região de
Manaus e arredores e em cidades no Baixo Amazonas sobre o
tema da presença indígena em contextos urbanos. Os dados
colhidos no “velho e bom caderno de campo” (MAGNANI, 1997)
eram compilados e postados diariamente num blog especí co de
forma que outros pesquisadores do núcleo, em São Paulo, podiam
não só acompanhar os rumos da pesquisa, mas interferir
colocando questões, fazendo sugestões etc
E como exemplo de um uso mais elaborado, e desta feita referido
mais especi camente às ciências da computação, cabe mencionar
o trabalho desenvolvido pelo prof. Márcio Silva no tradicional
campo da Etnologia Indígena, sobre os Enawene-Nawe, por meio
do aplicativo que desenvolveu e denominou MaqPar, ou seja a
“máquina do parentesco”. Seu trabalho insere-se numa rede que
articula o esforço e colaboração de vários especialistas, como
a rma em sua tese de livre docência
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D. White, da Universidade da California em Irvine, EUA (http://
eclectic.ss.uci.edu/~drwhite/), é um personagem central no
desenvolvimento da área de parentesco e computação, a partir dos
anos oitenta. Sozinho ou em parceria com matemáticos como P.
Harary e antropólogos como P. Jorion e M. Houseman tem
desenvolvido modelos algébricos e aplicativos para o estudo do
parentesco (White 1997, White & Jorion 1992, Haray & White
2001). White também se associa a V. Bagateli e a A. Mrvar (http://
pajek.imfm.si/doku.php), criadores do mais so sticado programa
computacional de análise e visualização de redes complexas de
que se tem noticia, o Pajek (WHITE; BAGATELI; MRVAR, 1999).
(SILVA, 2012, p. 32-33)
Conforme Silva aponta (op.cit.: vi), a partir de um surpreendente
depoimento de Lévi-Strauss, somente com o advento de um
software desse tipo é que a possível continuidade de seu trabalho,
o estudo sobre as estruturas complexas do parentesco, poderia ser
empreendida a contento
Desta forma, como se pode depreender dos dois exemplos acima,
é sumamente produtiva a relação entre as ciências da computação
e o ambiente da Internet com a Antropologia. Seja como campo,
objeto ou ferramenta, esta interface, como Rita Amaral já mostrava
em seu artigo, abre inúmeras possibilidades e alternativas para a
re exão antropológica
No caso especi co da pesquisa de campo, em que pese a
descon ança de quem foi treinado para o clássico contato face a
face, há que se levar em conta (e re etir sobre) o que é que
constitui, em última instância, essa relação. A intermediação via as
interfaces tecnológicas computacionais mascara, altera, ou amplia
a natureza desse contato? Só mesmo multiplicando-se os
experimentos é que poderá coligir elementos para se avaliar essa
questão
REFERÊNCIA
AMARAL, Rita. Festa à brasileira: signi cados do festejar, no ‘País
que não é sério’. Tese de doutorado, PPGAS/USP, 1998
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14 Atualmente uma derivação da história oral de vida tem suscitado
interesse e atenção de pesquisadores: são as histórias orais de
família que retratam a saga de um grupo de parentesco - por laços
sanguíneos ou afetivos, como chave para se abrir um tempo
histórico. Esta modalidade não pode ser confundida com a história
de vida e nem mesmo com um conjunto de histórias de vida
individuais. Ela tem sempre um compromisso com um projeto de
vida familiar que envolve duas, três ou mais gerações. É um reviver
de um processo histórico envolvendo membros de uma
comunidade que revela rupturas e permanências
15 A esse respeito voltamos a evocar o Projeto de Pesquisa
anteriormente citado e a leitura do livro de Pereira e Tosta (2000)
16 Esse texto é parte das re exões realizadas pelas autoras
durante o Minicurso: História Oral e Educação: impregnações,
virtualidades e ressonâncias, ofertado no VI Encontro sudeste de
História Oral em Juiz de Fora/MG, em 2006
17 Referimo-nos ao Presídio de segurança máxima “Nelson
Hungria”, na cidade de Contagem, localizado no mesmo bairro
onde está a escola
18 Fizemos consultas nos arquivos da cidade de Contagem, na
biblioteca pública e nos Centros Culturais
19 A referência é a categoria “pedaço”, muito bem formulada por
Magnani, para dar conta de suas andanças como etnógrafo pela
cidade de São Paulo. Sobre isto conferir: MAGNANI, José G. C. Na
metrópole - textos de antropologia urbana. 3. ed. São Paulo:
Edusp, 2006
20 Top é uma blusa bem curta e justa, normalmente sem mangas,
em que parte do corpo de quem usa ca à vista
21 Cruzeiro Esporte Clube e Clube Atlético Mineiro são os dois
grandes e rivais clubes do futebol mineiro. A “Má a Azul” é a
principal torcida organizada do primeiro time, enquanto a do
segundo é a “Galoucura”
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28 A análise de Regina Abreu (2003) sobre os “mestres da arte”, na
França, ilustra de maneira paradigmática essa convergência de
sentidos. Ver em Godelier (2007) interessante re exão sobre os
bens inalienáveis, guardados para serem transmitidos
29 Também a ideia de “patrimonialização” exige uma re exão
profunda e quali cada uma vez que portadora de uma carga
semântica dirigida às políticas de cultura. De forma ampliada, no
entanto, patrimonialização pode ser entendida como o
“reconhecimento de uma atividade intelectual e/ou sentimental por
parte dos setores populares e/ou eruditos da sociedade, que
procedem no sentido de classi car (e “puri car”) os elementos e
objetos considerados dignos de manutenção, preservação e
transmissão, visando a criar uma linha de tempo entre o passado, o
presente e o futuro” (ROCHA, 2007, p. 76). Acrescente-se ainda, o
reconhecimento de atividades, práticas e objetos de natureza
material e imaterial. Também Trajano Filho (2012), chama a
atenção para a complexidade que envolve a ideia de
patrimonialização na medida em que contempla os processos de
construção de sentido político-cultural de saberes, práticas e
objetos por parte de setores diversos (populares e eruditos) da
sociedade
30 A MRN iniciou suas atividades em meados dos anos de 1960
com a descoberta das primeiras ocorrências de bauxita na região.
Em 1974 foi assinado um acordo de acionista da Mineração Rio do
Norte S.A., atualmente composta pelas seguintes empresas: Vale
do Rio Doce (40%), BHP Billiton Metais (14,8%), Rio Tinto Alcan
(12%), Companhia Brasileira de Alumínio (10%), Alcoa Brasil
(8,58%), Norsk Hydro (5%), Alcoa World Alumina (5%), Abalco
(4,62%). (Fonte: <www.mrn.com.br/indez_1024.html>). Acessado
em 07/11/2011
31 É su ciente citar, nesse momento, Acevedo e Castro (1998)
32 Caracterização detalhada da cidade de Oriximiná encontra-se
em Russi & Rocha (2012)
33 Ver em Mello (2001) um breve panorama histórico acerca do
distanciamento conceitual entre arte/artesanato na história
ocidental
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49 Há registros de atendimento a alunos com de ciência mental
em ensino regular juntamente com pessoas com de ciências
físicas e visuais, em 1887, na Escola México, no Rio de Janeiro.
Mais detalhes a este respeito pode ser encontrado em Jannuzzi
(1985b, p. 36-42)
50 A educação sustentada pelas ideias positivistas a rmava que o
progresso humano seria uma decorrência do desenvolvimento
cientí co, no sentido de criar tecnologias voltadas para o bem-estar
da espécie humana (AUN, 1994)
51 Conferência que reuniu em Jomtien, na Tailândia, os países em
desenvolvimento para traçarem metas acerca dos excluídos de
seus sistemas de ensino, independentemente de suas condições
52 Para tratar especi camente da educação dos alunos com
necessidades especiais, entre eles os portadores de de ciências,
os países reuniram-se em Salamanca, Espanha (1994), assumindo
a seguinte posição. Cada país deveria: “construir um sistema de
qualidade para todos e adequar as escolas às características,
interesses e necessidades de seus alunos, promovendo a inclusão
escolar de todos no sistema educacional (UNESCO, 1994)
53 De nição da National Association of Retarded Citizens (NARC)/
EUA: integração é uma loso a ou princípio de oferta de serviços
educativos, que se põe em prática mediante a provisão de uma
variedade de alternativas de ensino e de aulas adequadas ao plano
educativo de cada aluno, permitindo a máxima integração
educacional, temporal e social entre alunos de cientes e não
de cientes durante o período escolar normal. Ver BAUTISTA
(Coord). Necessidades Educativas Especiais. Lisboa: Aljibe, 1993
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Antropologia e Internet : Um
texto pioneiro e os desa os
atuais
José Guilherme Cantor Magnan
O legado de Rit
Antes de comentar o texto “Antropologia e Internet: pesquisa e
campo no meio virtual”, de Rita de Cássia Amaral, tema deste
artigo e ponto de partida para as re exões que se seguem, seria
conveniente fazer algumas aclarações sobre a autora. Aluna na
graduação em Ciências Sociais na USP e minha orientanda no
mestrado e doutorado no PPGAS, Rita de Cássia fez parte da
primeira equipe de pesquisadores do Núcleo de Antropologia
Urbana (NAU), nos idos de 1988, quando saíamos em grupo pelas
áreas centrais da cidade, reconhecendo pedaços, percorrendo
manchas, identi cando circuitos, inaugurando, assim, uma prática
que se tornou uma marca nas atividades do NAU: as expedições
etnográ cas
Apesar de suas di culdades de locomoção – deslocava-se em
cadeira de rodas – era entusiasta da pesquisa de campo, como
mostra sua dissertação de mestrado sobre terreiros de candomblé
em São Paulo. Sua tese de doutorado, porém, sobre o tema das
festas no Brasil, já foi feita com base em dados coletados na
Internet. Rita, aliás, estava continuamente online, disponível,
atenta
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O computador, além de meio de informação, era também uma fonte
de renda, via de contato com uma ampla rede de amigos e
pesquisadores e objeto de pesquisa, pois, interessava-lhe a
discussão sobre o estatuto da etnogra a na Net. Na fase mais
avançada de sua doença – osteogenesis imperfecta – era
praticamente seu meio de comunicação e trabalho. O site do
Núcleo de Antropologia Urbana, em seu formato inicial, foi criado
por ela em 2003, quando o NAU completara 15 anos, e cou sob
sua supervisão até 2009. Da mesma forma a revista eletrônica
Ponto Urbe (ISSN 1981-3341), da qual foi a responsável até a
edição de número 4
Esse estreito contato com a computação e o “mundo virtual”, e as
indagações que suscitou, estão na base de suas re exões sobre o
tema, como se pode apreciar no artigo “Antropologia e Internet:
pesquisa e campo no meio virtual”, que agora, oportunamente,
reaparece neste livro. Inicialmente publicado em “TAE - Trabalhos
de Antropologia e Etnologia - Revista Inter e Transdisciplinar de
Ciências Sociais” (2001), foi postado no site do Núcleo de
Antropologia Urbana em 2004
Como se pode perceber, é um trabalho pioneiro, tendo como base
sua tese de doutorado sobre festas brasileiras, defendida no
PPGAS da USP em 1998.2 Como bem explica no começo do
artigo, o uso de dados coletados em fontes da Internet e de
conversas e entrevistas realizadas em chats, despertou a
curiosidade da banca examinadora. Com efeito, esta não era, à
época, uma prática comum em razão do desconhecimento das
possibilidades abertas pela internet e, às vezes, pela descon ança
por parte dos pesquisadores
Um novo panorama3
De lá a esta parte, contudo, o panorama mudou, podendo ser
constatado, além de uma maior utilização das ferramentas
disponíveis, o desenvolvimento de programas especí cos para
pesquisa, inclusive, de caráter qualitativo. Proponho, para avançar
na discussão, distinguir três instâncias na área da computação e,
em especial, da Internet, em relação à pesquisa nas ciências
sociais: como campo, como objeto e como ferramenta de pesquisa
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Nesse mundo de possibilidades que se abre para a pesquisa, é
possível identi car, para efeito de uma descrição e análise mais
detidas, diversos recortes. Como se sabe, para efeitos de uma
abordagem etnográ ca no sentido clássico, é preciso delimitar o
objeto de pesquisa: não faz sentido, por exemplo, uma “etnogra a
do mundo virtual”, em geral, mas sim, da sociabilidade entre
determinado tipo de atores sociais, por exemplo. É o que mostra
Adla Bourdoukan no capitulo “Carpe Noctem: góticos na internet”,
integrante da coletânea Jovens na Metrópole (MAGNANI;
MANTESE, 2007)
Nesse texto, que apresenta alguns resultados de sua pesquisa
realizada entre 2000 e 2004, a autora analisa a particular interação
de participantes do fórum “Lingua Morta”, integrante do portal
denominado “Carcasse – comunidade virtual da Arte obscura” e,
por ela identi cados como membros de um “pedaço virtual”.
Seguindo essa pista, é tentador propor uma ampliação do leque de
questões e perguntar-se, por exemplo – para car no âmbito das
categorias do NAU – se os “mundos virtuais”, além de
apresentarem pedaços, estariam recortados por trajetos?
Constituiriam manchas e circuitos? Como se pode perceber, abre-
se aí um rico e inesgotável lão para a pesquisa etnográ ca
E nalmente, o terceiro sentido, os recursos computacionais e a
internet como ferramenta. Já é familiar para pesquisadores de
diferentes áreas o uso desses recursos e da rede para tarefas mais
corriqueiras como a busca de informações, banco de dados,
guarda e compartilhamento de documentos, debates online, até as
mais so sticadas, como as de classi cação, análise e interpretação
por meio de programas computacionais especí cos
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No primeiro caso gostaria de exempli car a forma como o Grupo
Etnologia Urbana (GEU) do NAU trabalhou e compartilhou os
dados coletados em suas expedições na Amazônia. Como parte de
um programa da CAPES, o PROCAD5, pesquisadores do NAU,
durante quatro anos, realizaram várias expedições na região de
Manaus e arredores e em cidades no Baixo Amazonas sobre o
tema da presença indígena em contextos urbanos. Os dados
colhidos no “velho e bom caderno de campo” (MAGNANI, 1997)
eram compilados e postados diariamente num blog especí co de
forma que outros pesquisadores do núcleo, em São Paulo, podiam
não só acompanhar os rumos da pesquisa, mas interferir
colocando questões, fazendo sugestões etc
E como exemplo de um uso mais elaborado, e desta feita referido
mais especi camente às ciências da computação, cabe mencionar
o trabalho desenvolvido pelo prof. Márcio Silva no tradicional
campo da Etnologia Indígena, sobre os Enawene-Nawe, por meio
do aplicativo que desenvolveu e denominou MaqPar, ou seja a
“máquina do parentesco”. Seu trabalho insere-se numa rede que
articula o esforço e colaboração de vários especialistas, como
a rma em sua tese de livre docência
D. White, da Universidade da California em Irvine, EUA (http://
eclectic.ss.uci.edu/~drwhite/), é um personagem central no
desenvolvimento da área de parentesco e computação, a partir dos
anos oitenta. Sozinho ou em parceria com matemáticos como P.
Harary e antropólogos como P. Jorion e M. Houseman tem
desenvolvido modelos algébricos e aplicativos para o estudo do
parentesco (White 1997, White & Jorion 1992, Haray & White
2001). White também se associa a V. Bagateli e a A. Mrvar (http://
pajek.imfm.si/doku.php), criadores do mais so sticado programa
computacional de análise e visualização de redes complexas de
que se tem noticia, o Pajek (WHITE; BAGATELI; MRVAR, 1999).
(SILVA, 2012, p. 32-33)
Conforme Silva aponta (op.cit.: vi), a partir de um surpreendente
depoimento de Lévi-Strauss, somente com o advento de um
software desse tipo é que a possível continuidade de seu trabalho,
o estudo sobre as estruturas complexas do parentesco, poderia ser
empreendida a contento
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Desta forma, como se pode depreender dos dois exemplos acima,
é sumamente produtiva a relação entre as ciências da computação
e o ambiente da Internet com a Antropologia. Seja como campo,
objeto ou ferramenta, esta interface, como Rita Amaral já mostrava
em seu artigo, abre inúmeras possibilidades e alternativas para a
re exão antropológica
No caso especi co da pesquisa de campo, em que pese a
descon ança de quem foi treinado para o clássico contato face a
face, há que se levar em conta (e re etir sobre) o que é que
constitui, em última instância, essa relação. A intermediação via as
interfaces tecnológicas computacionais mascara, altera, ou amplia
a natureza desse contato? Só mesmo multiplicando-se os
experimentos é que poderá coligir elementos para se avaliar essa
questão
REFERÊNCIA
AMARAL, Rita. Festa à brasileira: signi cados do festejar, no ‘País
que não é sério’. Tese de doutorado, PPGAS/USP, 1998
AMARAL, Rita. “Antropologia e Internet: pesquisa e campo no meio
virtual”. Sociedade Portuguesa de Antropologia, vol. 41, 3-4, Porto,
2001
BOURDOUKAN, Adla. “Carpe Noctem: góticos na internet”. In:
MAGNANI, José G. Cantor & MANTESE, Bruna. (orgs.). Jovens na
metrópole: etnogra as de circuitos de lazer, encontro e
sociabilidade. São Paulo, Editora Terceiro Nome, 2007
BECKER, Howard. Art worlds. California, University of California,
1982
MAGNANI, José G. Cantor. “O (velho e bom) caderno de campo”.
Sexta-feira: Antropologia, Artes e Humanidades, vol I, n. 1, 1997
SILVA, Márcio. Liga dos Enawene-Nawe: um estudo da aliança de
casamento na Amazônia Meridional. Tese de Livre-docência,
Departamento de Antropologia, FFLCH/USP, 2012
2 “Festa à brasileira: signi cados do festejar, no ‘País que não é
sério’”
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14 Atualmente uma derivação da história oral de vida tem suscitado
interesse e atenção de pesquisadores: são as histórias orais de
família que retratam a saga de um grupo de parentesco - por laços
sanguíneos ou afetivos, como chave para se abrir um tempo
histórico. Esta modalidade não pode ser confundida com a história
de vida e nem mesmo com um conjunto de histórias de vida
individuais. Ela tem sempre um compromisso com um projeto de
vida familiar que envolve duas, três ou mais gerações. É um reviver
de um processo histórico envolvendo membros de uma
comunidade que revela rupturas e permanências
15 A esse respeito voltamos a evocar o Projeto de Pesquisa
anteriormente citado e a leitura do livro de Pereira e Tosta (2000)
16 Esse texto é parte das re exões realizadas pelas autoras
durante o Minicurso: História Oral e Educação: impregnações,
virtualidades e ressonâncias, ofertado no VI Encontro sudeste de
História Oral em Juiz de Fora/MG, em 2006
17 Referimo-nos ao Presídio de segurança máxima “Nelson
Hungria”, na cidade de Contagem, localizado no mesmo bairro
onde está a escola
18 Fizemos consultas nos arquivos da cidade de Contagem, na
biblioteca pública e nos Centros Culturais
19 A referência é a categoria “pedaço”, muito bem formulada por
Magnani, para dar conta de suas andanças como etnógrafo pela
cidade de São Paulo. Sobre isto conferir: MAGNANI, José G. C. Na
metrópole - textos de antropologia urbana. 3. ed. São Paulo:
Edusp, 2006
20 Top é uma blusa bem curta e justa, normalmente sem mangas,
em que parte do corpo de quem usa ca à vista
21 Cruzeiro Esporte Clube e Clube Atlético Mineiro são os dois
grandes e rivais clubes do futebol mineiro. A “Má a Azul” é a
principal torcida organizada do primeiro time, enquanto a do
segundo é a “Galoucura”
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28 A análise de Regina Abreu (2003) sobre os “mestres da arte”, na
França, ilustra de maneira paradigmática essa convergência de
sentidos. Ver em Godelier (2007) interessante re exão sobre os
bens inalienáveis, guardados para serem transmitidos
29 Também a ideia de “patrimonialização” exige uma re exão
profunda e quali cada uma vez que portadora de uma carga
semântica dirigida às políticas de cultura. De forma ampliada, no
entanto, patrimonialização pode ser entendida como o
“reconhecimento de uma atividade intelectual e/ou sentimental por
parte dos setores populares e/ou eruditos da sociedade, que
procedem no sentido de classi car (e “puri car”) os elementos e
objetos considerados dignos de manutenção, preservação e
transmissão, visando a criar uma linha de tempo entre o passado, o
presente e o futuro” (ROCHA, 2007, p. 76). Acrescente-se ainda, o
reconhecimento de atividades, práticas e objetos de natureza
material e imaterial. Também Trajano Filho (2012), chama a
atenção para a complexidade que envolve a ideia de
patrimonialização na medida em que contempla os processos de
construção de sentido político-cultural de saberes, práticas e
objetos por parte de setores diversos (populares e eruditos) da
sociedade
30 A MRN iniciou suas atividades em meados dos anos de 1960
com a descoberta das primeiras ocorrências de bauxita na região.
Em 1974 foi assinado um acordo de acionista da Mineração Rio do
Norte S.A., atualmente composta pelas seguintes empresas: Vale
do Rio Doce (40%), BHP Billiton Metais (14,8%), Rio Tinto Alcan
(12%), Companhia Brasileira de Alumínio (10%), Alcoa Brasil
(8,58%), Norsk Hydro (5%), Alcoa World Alumina (5%), Abalco
(4,62%). (Fonte: <www.mrn.com.br/indez_1024.html>). Acessado
em 07/11/2011
31 É su ciente citar, nesse momento, Acevedo e Castro (1998)
32 Caracterização detalhada da cidade de Oriximiná encontra-se
em Russi & Rocha (2012)
33 Ver em Mello (2001) um breve panorama histórico acerca do
distanciamento conceitual entre arte/artesanato na história
ocidental
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49 Há registros de atendimento a alunos com de ciência mental
em ensino regular juntamente com pessoas com de ciências
físicas e visuais, em 1887, na Escola México, no Rio de Janeiro.
Mais detalhes a este respeito pode ser encontrado em Jannuzzi
(1985b, p. 36-42)
50 A educação sustentada pelas ideias positivistas a rmava que o
progresso humano seria uma decorrência do desenvolvimento
cientí co, no sentido de criar tecnologias voltadas para o bem-estar
da espécie humana (AUN, 1994)
51 Conferência que reuniu em Jomtien, na Tailândia, os países em
desenvolvimento para traçarem metas acerca dos excluídos de
seus sistemas de ensino, independentemente de suas condições
52 Para tratar especi camente da educação dos alunos com
necessidades especiais, entre eles os portadores de de ciências,
os países reuniram-se em Salamanca, Espanha (1994), assumindo
a seguinte posição. Cada país deveria: “construir um sistema de
qualidade para todos e adequar as escolas às características,
interesses e necessidades de seus alunos, promovendo a inclusão
escolar de todos no sistema educacional (UNESCO, 1994)
53 De nição da National Association of Retarded Citizens (NARC)/
EUA: integração é uma loso a ou princípio de oferta de serviços
educativos, que se põe em prática mediante a provisão de uma
variedade de alternativas de ensino e de aulas adequadas ao plano
educativo de cada aluno, permitindo a máxima integração
educacional, temporal e social entre alunos de cientes e não
de cientes durante o período escolar normal. Ver BAUTISTA
(Coord). Necessidades Educativas Especiais. Lisboa: Aljibe, 1993
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Antropologia e Internet :
Pesquisa e Campo no meio
virtual
Rita de Cássia Amara
Introduçã
Durante a sessão de defesa de minha tese de doutorado sobre as
festas brasileiras, um dos aspectos mais notados e comentados
com grande curiosidade pela banca foi o uso que z de dados
coletados em fontes da Internet e de conversas e entrevistas
realizadas em chats (conversas por computador, em tempo real)
com a nalidade de atualizar as informações sobre as festas que
estudei nas cinco diferentes regiões do país. Não se questionava a
validade ou não do uso destas fontes, que a todos pareceu
legítimo, mas compreender mais profundamente de que modo se
insere um antropólogo no “campo” virtual, onde categorias básicas
do entendimento humano como tempo, espaço, corpo etc.,
encontram-se “deslocadas” e as pessoas estão, de certa maneira,
“homogeneizadas” em sua presença na tela do monitor do
computador. Por esta razão, apresento neste artigo algumas ideias
e informações sobre as condições de pesquisa utilizando
computadores e a rede Internet
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Se muitos antropólogos ainda não consideram o computador como
um instrumento de pesquisa, a maior parte de nossa “tribo” já
utiliza com familiaridade seu computador pessoal como
processador de texto e boa parte dela também como via de acesso
à Internet para enviar mensagens eletrônicas (e-mails) para os
colegas. Tem-se deixado, entretanto, de explorar os recursos do
computador como instrumento de pesquisas, e não apenas para a
organização e análise estatística dos dados que recolhemos em
campo (quando dominamos a operacionalização dos programas ‒
softwares ‒ indicados para estas nalidades). O que pretendo
levantar como tema de discussão aqui é o fato de que, devido à
imensa versatilidade advinda não apenas da simpli cação do uso
dos programas, mas também das novas facilidades de acesso à
rede Internet, os computadores podem e devem ser usados
efetivamente para a realização de pesquisas qualitativas pelos
cientistas sociais
O reconhecimento da pesquisa qualitativa como uma atividade
sistemática e o desenvolvimento de programas de pesquisa
interdisciplinares têm chamado a atenção de alguns acadêmicos
(especialmente norte-americanos, para os quais o acesso à
tecnologia informática se deu bem mais cedo e certamente com
custos muito menores), para o uso do computador como um
auxiliar também nas pesquisas na área de antropologia e em sua
publicação, especialmente nos últimos dez anos, com a expansão
e popularização do acesso à Internet (ANDERSON, 1990;
BERNARD, 1994; CHESEBRO, 1989; HUDSON, 1990; JONES,
1995) O tipo de dados (qualitativos) nos quais um pesquisador
pode estar interessado (textos, falas, música, lmes, fotogra as e
outros tipos de comunicação) vêm se tornando cada vez mais
digitalizáveis e, desse modo, passíveis de serem transmitidos via
modem entre computadores, ou postados e capturados na rede
Internet. Com isso, os computadores podem transformar, em
alguns sentidos, o modo pelo qual a pesquisa qualitativa vem
sendo feita e, até mesmo, sugerir novas pesquisas sobre o próprio
uso da Internet como fonte de dados ou como espaço de
relacionamento entre grupos
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A partir de minha experiência de pesquisa foi possível constatar
que o uso do computador e da rede Internet pode ajudar a
solucionar alguns dos problemas práticos durante as várias fases
de uma pesquisa: desde a coleta de dados até a apresentação.
Pode-se discutir se o uso do computador é possível na fase de
análise, a mais árdua delas. Não creio que possa responder a esta
questão neste artigo, uma vez que em minha pesquisa, esta fase
não se fez, de fato, com o uso do computador, o que também não
signi ca, segundo entendo, que não possa ser feito. É possível, por
exemplo, pensar na utilidade da discussão de nossas conclusões
com pesquisadores diversos via e-mail ou chat. Deixo em
suspenso, portanto, esta discussão. Em outras fases da pesquisa,
contudo, o uso do computador pode ser de grande ajuda e não
deve ser desprezado
A internet como fonte de dado
Um dos primeiros usos da rede Internet numa pesquisa
antropológica pode ser feito já durante a elaboração de um projeto
de pesquisa. Se o pesquisador tem uma investigação em mente,
ele pode usar a rede para consultar as várias bibliotecas do mundo
e veri car o que existe sobre seu tema de pesquisa. Em algumas
bibliotecas é possível solicitar o envio de cópias pelo correio,
debitando-se seu custo no cartão de crédito internacional. Em
outras pode-se simplesmente transferir, via modem, para o
computador pessoal, o arquivo que se encontra compactado e
disponível nas bibliotecas para isso. Tendo transferido para seu
próprio computador o arquivo desejado (que pode ser uma tese,
um livro, a digitalização de um quadro, um mapa antigo, músicas,
depoimentos etc.), basta descompactá-lo (os arquivos são
comprimidos para tornar sua transferência via modem mais rápida)
e imprimi-lo, poupando meses, até, na busca e aquisição de um
texto ou qualquer outro dado. Alguns sites de instituições, como o
do Projeto Gutemberg, o WebMuseum e alguns sites
universitários, também mantêm vários textos e digitalizações das
imagens disponíveis para download
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Não se pode fugir, pelo menos enquanto não entra em
funcionamento a Internet II (de exclusivo uso acadêmico) à
chateação (para o antropólogo, mas não, por exemplo, para o
publicitário) de ter que passar por páginas comerciais, experiências
multimídia e outras que tomam nosso tempo quando estamos em
busca de algum dado especí co. Estas páginas são compostas em
geral de fotos trabalhadas ou com interferências criativas, e não de
fotos documentais, das coisas “como elas são”. Mas podem
constituir excelente material de pesquisa em antropologia visual,
fotogra a, semiótica e outras
Uma vez que os dados estão digitalizados e capturados, o
computador pode ser usado também para percorrê-los, reduzi-los,
extraí-los, administrá-los, analisá-los e revelar sentidos, padrões.
Alguns pesquisadores americanos começaram mesmo a
desenvolver um corpus de conhecimento e softwares na última
década. Já existem programas que podem realizar algumas das
tarefas “braçais” da pesquisa de certos aspectos da cultura, como
etnolinguística, etnomatemática, etnobotânica etc., que exigem
classi cações, contagens, acesso a chas etc. E ainda, como a
pesquisa qualitativa tem necessidades especiais, e mesmo
considerando o pequeno mercado, já existem pelo menos dois
programas especialmente desenvolvidos para responder a estas
necessidades relacionadas à administração de dados das
pesquisas de campo. Estes programas apesar de já um pouco
antigos são pouco conhecidos no Brasil e, devido ao fato de que os
antropólogos constituem um grupo muitíssimo menor do que o das
áreas de exatas e biológicas, programas como Etnograph e
Kwalitan, até onde pude saber, têm muito menos suporte
(assistência operacional), menos documentação, pouca atenção
para o feedback do usuário, interfaces (modo de operação, na tela)
pobres e maiores períodos sem atualizações do que programas
como, digamos, os browsers (páginadores – programas de acesso
à Internet). Eles em geral são escritos por pesquisadores solitários
e não por equipes de programadores pro ssionais e, assim,
tendem a ser infestados de bugs (problemas de programação),
incompatibilidades e necessidade de aperfeiçoamento
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Todas estas vias podem ser utilizadas, portanto, para veri car a
existência de dados, a pertinência de um problema proposto pela
pesquisa, para contatar informantes e outros pesquisadores etc.
Em minha pesquisa sobre festas no Brasil, utilizando estes
recursos encontrei centenas de sites brasileiros sobre festas locais
e de outros países, produzidos pelos próprios “festeiros”, com
dados qualitativos, quantitativos, fotos (que pude inclusive usar em
minha tese depois de pedir autorização, via e-mail, aos
webmasters responsáveis) e sons, dados governamentais como os
da Embratur e seus projetos de incentivo ao turismo através das
festas e outros sites, menos signi cativos, administrados por
empresas de turismo que contudo, em conjunto, também
constituíam um dado importante. Havia ainda sites europeus sobre
folclore e temas a ns. Livrarias online como a Booknet, brasileira,
e a Amazon.com ajudaram a conseguir livros difíceis de encontrar
em São Paulo e/ou Brasil, a preços vantajosos, entregues em casa,
com pagamento através de cartão de crédito. Até mesmo sebos
puderam ser consultados online, como o Sebo Brandão, ao qual
se pode consultar via e-mail sobre a existência ou não de um dado
livro em seu estoque e, se houver e o preço interessar, solicitar o
envio a qualquer parte do Brasil ou do mundo. Gallimard, Barnies
e outras importantes livrarias internacionais também mantêm seus
sites de venda online com catálogos atualizados constantemente.
Existem, ainda, inúmeros Dicionários e Enciclopédias Online, que
podem fornecer dados de várias espécies
Todos estes recursos são bastante úteis durante a elaboração e
realização de um projeto de pesquisa e poupam tempo e dinheiro
do pesquisador e da pesquisa. E embora existam poucos sites
efetivamente dedicados à Antropologia, já se discute este potencial,
nos meios acadêmicos internacionais
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There are notably no established electronic journals, ethnographic
databases, photographic archives, or on-line courses or textbooks.
Major institutions, including the AAA and the HRAF, seem to be
unaware of the new possibilities for scholarly communication. This
situation may be temporary, and we may be on the verge of an
explosion of Internet development. However, several barriers
confront future development. These include the problems of
obtaining training and achieving pro ciency in new skills, gaining
and ensuring access to new resources, and assigning and
protecting academic credit for new publication forms
(SCHWIMMER, 1996, p. 566).
SITES ACESSADOS PELA AUTOR
http://www.aguaforte.com/antropologia/festaabrasileira/festa.htm
http://www.ibiblio.org/wm/
http://www.aguaforte.com/bancadejorna
http://www.uol.com.br/fsp
http://www.openline.com.br/~db/index
http://www.fordfound.org
http://www.cnpq.br
http://www.fapesp.br
http://www.ozemail.com.au/~qualdata/
http://www.altavista co
http://www.yahoo.co
http://www.lycos.co
http://www.cade.com.br
http://www.embratur.gov.b
http://www.booknet.com.br/default.cfm?g=3
http://www.amazon.co
http://www.galimard.f
http://www.livbrandaosebo.com.b
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http://www.livrariamonquelat.com.b
http://www.cf2.uol.com.br/encmusical
http://www.galimard.f
http://www.aguaforte.com/?f%20-%20Schwimmer
José Guilherme Cantor Magnan
O legado de Rit
Antes de comentar o texto “Antropologia e Internet: pesquisa e
campo no meio virtual”, de Rita de Cássia Amaral, tema deste
artigo e ponto de partida para as re exões que se seguem, seria
conveniente fazer algumas aclarações sobre a autora. Aluna na
graduação em Ciências Sociais na USP e minha orientanda no
mestrado e doutorado no PPGAS, Rita de Cássia fez parte da
primeira equipe de pesquisadores do Núcleo de Antropologia
Urbana (NAU), nos idos de 1988, quando saíamos em grupo pelas
áreas centrais da cidade, reconhecendo pedaços, percorrendo
manchas, identi cando circuitos, inaugurando, assim, uma prática
que se tornou uma marca nas atividades do NAU: as expedições
etnográ cas
Apesar de suas di culdades de locomoção – deslocava-se em
cadeira de rodas – era entusiasta da pesquisa de campo, como
mostra sua dissertação de mestrado sobre terreiros de candomblé
em São Paulo. Sua tese de doutorado, porém, sobre o tema das
festas no Brasil, já foi feita com base em dados coletados na
Internet. Rita, aliás, estava continuamente online, disponível,
atenta
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O computador, além de meio de informação, era também uma fonte
de renda, via de contato com uma ampla rede de amigos e
pesquisadores e objeto de pesquisa, pois, interessava-lhe a
discussão sobre o estatuto da etnogra a na Net. Na fase mais
avançada de sua doença – osteogenesis imperfecta – era
praticamente seu meio de comunicação e trabalho. O site do
Núcleo de Antropologia Urbana, em seu formato inicial, foi criado
por ela em 2003, quando o NAU completara 15 anos, e cou sob
sua supervisão até 2009. Da mesma forma a revista eletrônica
Ponto Urbe (ISSN 1981-3341), da qual foi a responsável até a
edição de número 4
Esse estreito contato com a computação e o “mundo virtual”, e as
indagações que suscitou, estão na base de suas re exões sobre o
tema, como se pode apreciar no artigo “Antropologia e Internet:
pesquisa e campo no meio virtual”, que agora, oportunamente,
reaparece neste livro. Inicialmente publicado em “TAE - Trabalhos
de Antropologia e Etnologia - Revista Inter e Transdisciplinar de
Ciências Sociais” (2001), foi postado no site do Núcleo de
Antropologia Urbana em 2004
Como se pode perceber, é um trabalho pioneiro, tendo como base
sua tese de doutorado sobre festas brasileiras, defendida no
PPGAS da USP em 1998.2 Como bem explica no começo do
artigo, o uso de dados coletados em fontes da Internet e de
conversas e entrevistas realizadas em chats, despertou a
curiosidade da banca examinadora. Com efeito, esta não era, à
época, uma prática comum em razão do desconhecimento das
possibilidades abertas pela internet e, às vezes, pela descon ança
por parte dos pesquisadores
Um novo panorama3
De lá a esta parte, contudo, o panorama mudou, podendo ser
constatado, além de uma maior utilização das ferramentas
disponíveis, o desenvolvimento de programas especí cos para
pesquisa, inclusive, de caráter qualitativo. Proponho, para avançar
na discussão, distinguir três instâncias na área da computação e,
em especial, da Internet, em relação à pesquisa nas ciências
sociais: como campo, como objeto e como ferramenta de pesquisa
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Nesse mundo de possibilidades que se abre para a pesquisa, é
possível identi car, para efeito de uma descrição e análise mais
detidas, diversos recortes. Como se sabe, para efeitos de uma
abordagem etnográ ca no sentido clássico, é preciso delimitar o
objeto de pesquisa: não faz sentido, por exemplo, uma “etnogra a
do mundo virtual”, em geral, mas sim, da sociabilidade entre
determinado tipo de atores sociais, por exemplo. É o que mostra
Adla Bourdoukan no capitulo “Carpe Noctem: góticos na internet”,
integrante da coletânea Jovens na Metrópole (MAGNANI;
MANTESE, 2007)
Nesse texto, que apresenta alguns resultados de sua pesquisa
realizada entre 2000 e 2004, a autora analisa a particular interação
de participantes do fórum “Lingua Morta”, integrante do portal
denominado “Carcasse – comunidade virtual da Arte obscura” e,
por ela identi cados como membros de um “pedaço virtual”.
Seguindo essa pista, é tentador propor uma ampliação do leque de
questões e perguntar-se, por exemplo – para car no âmbito das
categorias do NAU – se os “mundos virtuais”, além de
apresentarem pedaços, estariam recortados por trajetos?
Constituiriam manchas e circuitos? Como se pode perceber, abre-
se aí um rico e inesgotável lão para a pesquisa etnográ ca
E nalmente, o terceiro sentido, os recursos computacionais e a
internet como ferramenta. Já é familiar para pesquisadores de
diferentes áreas o uso desses recursos e da rede para tarefas mais
corriqueiras como a busca de informações, banco de dados,
guarda e compartilhamento de documentos, debates online, até as
mais so sticadas, como as de classi cação, análise e interpretação
por meio de programas computacionais especí cos
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No primeiro caso gostaria de exempli car a forma como o Grupo
Etnologia Urbana (GEU) do NAU trabalhou e compartilhou os
dados coletados em suas expedições na Amazônia. Como parte de
um programa da CAPES, o PROCAD5, pesquisadores do NAU,
durante quatro anos, realizaram várias expedições na região de
Manaus e arredores e em cidades no Baixo Amazonas sobre o
tema da presença indígena em contextos urbanos. Os dados
colhidos no “velho e bom caderno de campo” (MAGNANI, 1997)
eram compilados e postados diariamente num blog especí co de
forma que outros pesquisadores do núcleo, em São Paulo, podiam
não só acompanhar os rumos da pesquisa, mas interferir
colocando questões, fazendo sugestões etc
E como exemplo de um uso mais elaborado, e desta feita referido
mais especi camente às ciências da computação, cabe mencionar
o trabalho desenvolvido pelo prof. Márcio Silva no tradicional
campo da Etnologia Indígena, sobre os Enawene-Nawe, por meio
do aplicativo que desenvolveu e denominou MaqPar, ou seja a
“máquina do parentesco”. Seu trabalho insere-se numa rede que
articula o esforço e colaboração de vários especialistas, como
a rma em sua tese de livre docência
D. White, da Universidade da California em Irvine, EUA (http://
eclectic.ss.uci.edu/~drwhite/), é um personagem central no
desenvolvimento da área de parentesco e computação, a partir dos
anos oitenta. Sozinho ou em parceria com matemáticos como P.
Harary e antropólogos como P. Jorion e M. Houseman tem
desenvolvido modelos algébricos e aplicativos para o estudo do
parentesco (White 1997, White & Jorion 1992, Haray & White
2001). White também se associa a V. Bagateli e a A. Mrvar (http://
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computacional de análise e visualização de redes complexas de
que se tem noticia, o Pajek (WHITE; BAGATELI; MRVAR, 1999).
(SILVA, 2012, p. 32-33)
Conforme Silva aponta (op.cit.: vi), a partir de um surpreendente
depoimento de Lévi-Strauss, somente com o advento de um
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o estudo sobre as estruturas complexas do parentesco, poderia ser
empreendida a contento
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Desta forma, como se pode depreender dos dois exemplos acima,
é sumamente produtiva a relação entre as ciências da computação
e o ambiente da Internet com a Antropologia. Seja como campo,
objeto ou ferramenta, esta interface, como Rita Amaral já mostrava
em seu artigo, abre inúmeras possibilidades e alternativas para a
re exão antropológica
No caso especi co da pesquisa de campo, em que pese a
descon ança de quem foi treinado para o clássico contato face a
face, há que se levar em conta (e re etir sobre) o que é que
constitui, em última instância, essa relação. A intermediação via as
interfaces tecnológicas computacionais mascara, altera, ou amplia
a natureza desse contato? Só mesmo multiplicando-se os
experimentos é que poderá coligir elementos para se avaliar essa
questão
REFERÊNCIA
AMARAL, Rita. Festa à brasileira: signi cados do festejar, no ‘País
que não é sério’. Tese de doutorado, PPGAS/USP, 1998
AMARAL, Rita. “Antropologia e Internet: pesquisa e campo no meio
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SILVA, Márcio. Liga dos Enawene-Nawe: um estudo da aliança de
casamento na Amazônia Meridional. Tese de Livre-docência,
Departamento de Antropologia, FFLCH/USP, 2012
2 “Festa à brasileira: signi cados do festejar, no ‘País que não é
sério’”
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14 Atualmente uma derivação da história oral de vida tem suscitado
interesse e atenção de pesquisadores: são as histórias orais de
família que retratam a saga de um grupo de parentesco - por laços
sanguíneos ou afetivos, como chave para se abrir um tempo
histórico. Esta modalidade não pode ser confundida com a história
de vida e nem mesmo com um conjunto de histórias de vida
individuais. Ela tem sempre um compromisso com um projeto de
vida familiar que envolve duas, três ou mais gerações. É um reviver
de um processo histórico envolvendo membros de uma
comunidade que revela rupturas e permanências
15 A esse respeito voltamos a evocar o Projeto de Pesquisa
anteriormente citado e a leitura do livro de Pereira e Tosta (2000)
16 Esse texto é parte das re exões realizadas pelas autoras
durante o Minicurso: História Oral e Educação: impregnações,
virtualidades e ressonâncias, ofertado no VI Encontro sudeste de
História Oral em Juiz de Fora/MG, em 2006
17 Referimo-nos ao Presídio de segurança máxima “Nelson
Hungria”, na cidade de Contagem, localizado no mesmo bairro
onde está a escola
18 Fizemos consultas nos arquivos da cidade de Contagem, na
biblioteca pública e nos Centros Culturais
19 A referência é a categoria “pedaço”, muito bem formulada por
Magnani, para dar conta de suas andanças como etnógrafo pela
cidade de São Paulo. Sobre isto conferir: MAGNANI, José G. C. Na
metrópole - textos de antropologia urbana. 3. ed. São Paulo:
Edusp, 2006
20 Top é uma blusa bem curta e justa, normalmente sem mangas,
em que parte do corpo de quem usa ca à vista
21 Cruzeiro Esporte Clube e Clube Atlético Mineiro são os dois
grandes e rivais clubes do futebol mineiro. A “Má a Azul” é a
principal torcida organizada do primeiro time, enquanto a do
segundo é a “Galoucura”
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28 A análise de Regina Abreu (2003) sobre os “mestres da arte”, na
França, ilustra de maneira paradigmática essa convergência de
sentidos. Ver em Godelier (2007) interessante re exão sobre os
bens inalienáveis, guardados para serem transmitidos
29 Também a ideia de “patrimonialização” exige uma re exão
profunda e quali cada uma vez que portadora de uma carga
semântica dirigida às políticas de cultura. De forma ampliada, no
entanto, patrimonialização pode ser entendida como o
“reconhecimento de uma atividade intelectual e/ou sentimental por
parte dos setores populares e/ou eruditos da sociedade, que
procedem no sentido de classi car (e “puri car”) os elementos e
objetos considerados dignos de manutenção, preservação e
transmissão, visando a criar uma linha de tempo entre o passado, o
presente e o futuro” (ROCHA, 2007, p. 76). Acrescente-se ainda, o
reconhecimento de atividades, práticas e objetos de natureza
material e imaterial. Também Trajano Filho (2012), chama a
atenção para a complexidade que envolve a ideia de
patrimonialização na medida em que contempla os processos de
construção de sentido político-cultural de saberes, práticas e
objetos por parte de setores diversos (populares e eruditos) da
sociedade
30 A MRN iniciou suas atividades em meados dos anos de 1960
com a descoberta das primeiras ocorrências de bauxita na região.
Em 1974 foi assinado um acordo de acionista da Mineração Rio do
Norte S.A., atualmente composta pelas seguintes empresas: Vale
do Rio Doce (40%), BHP Billiton Metais (14,8%), Rio Tinto Alcan
(12%), Companhia Brasileira de Alumínio (10%), Alcoa Brasil
(8,58%), Norsk Hydro (5%), Alcoa World Alumina (5%), Abalco
(4,62%). (Fonte: <www.mrn.com.br/indez_1024.html>). Acessado
em 07/11/2011
31 É su ciente citar, nesse momento, Acevedo e Castro (1998)
32 Caracterização detalhada da cidade de Oriximiná encontra-se
em Russi & Rocha (2012)
33 Ver em Mello (2001) um breve panorama histórico acerca do
distanciamento conceitual entre arte/artesanato na história
ocidental
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49 Há registros de atendimento a alunos com de ciência mental
em ensino regular juntamente com pessoas com de ciências
físicas e visuais, em 1887, na Escola México, no Rio de Janeiro.
Mais detalhes a este respeito pode ser encontrado em Jannuzzi
(1985b, p. 36-42)
50 A educação sustentada pelas ideias positivistas a rmava que o
progresso humano seria uma decorrência do desenvolvimento
cientí co, no sentido de criar tecnologias voltadas para o bem-estar
da espécie humana (AUN, 1994)
51 Conferência que reuniu em Jomtien, na Tailândia, os países em
desenvolvimento para traçarem metas acerca dos excluídos de
seus sistemas de ensino, independentemente de suas condições
52 Para tratar especi camente da educação dos alunos com
necessidades especiais, entre eles os portadores de de ciências,
os países reuniram-se em Salamanca, Espanha (1994), assumindo
a seguinte posição. Cada país deveria: “construir um sistema de
qualidade para todos e adequar as escolas às características,
interesses e necessidades de seus alunos, promovendo a inclusão
escolar de todos no sistema educacional (UNESCO, 1994)
53 De nição da National Association of Retarded Citizens (NARC)/
EUA: integração é uma loso a ou princípio de oferta de serviços
educativos, que se põe em prática mediante a provisão de uma
variedade de alternativas de ensino e de aulas adequadas ao plano
educativo de cada aluno, permitindo a máxima integração
educacional, temporal e social entre alunos de cientes e não
de cientes durante o período escolar normal. Ver BAUTISTA
(Coord). Necessidades Educativas Especiais. Lisboa: Aljibe, 1993
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O ciberespaço, portanto, amplia e favorece as possibilidades de
comunicação com os outros e o acesso à informação, dentre outras
possibilidades a quem estiver conectado. E conforme já vem sendo
discutido nas ciências sociais há algum tempo, os jovens são
aqueles que mais têm se colocado ativamente diante deste campo,
convertendo-o em elemento importante de suas atividades
cotidianas. Têm-no, em grande medida, como espaço de diversão,
prazer e de interação com seus pares, seja através de blogs, chats,
comunicadores instantâneos, tais como o Windows Messenger e o
Skype, ou nas diversas redes sociais, bem como intercâmbio de
informação acerca de algum assunto ou tema que lhes interesse. O
fato é que o ciberespaço se trata de um campo no qual a
juventude, dentre outras camadas da sociedade, pode empreender
novas formas de sociabilidade, construir novas linguagens e
metáforas acerca da realidade
Segundo Tosta (2005), ao se tratar da juventude, a primeira
provocação está em buscar demarcar de quem se fala quando nos
referimos aos jovens, haja vista que essa não se trata de uma
empreitada fácil na sociedade contemporânea: “dado que são
termos densamente polissêmicos e atravessados por dimensões e
mediações de múltiplas origens e datação histórica” (TOSTA, 2005,
p. 185). Nessa mesma direção, Feixa (2006) e Dayrell (2003; 2007)
reivindicam a consideração de que não há tão somente uma única
juventude, mas juventudes múltiplas que se delineiam em razão de
suas características de gênero, classe social, etnia, dentre outros
marcadores. Assim, juventude se trata de um conceito complexo,
que perpassa em muito as demarcações de faixa etária, já que
essas não podem de nir a juventude, justamente em razão de sua
multiplicidade que se fracionam em matizes que se con guram de
acordo com as características antes mencionadas
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Em vista disso, ao se pensar no campo da educação é necessário
reconhecer a importância da tecnologia e do ciberespaço e sua
in uência na vida de tantos jovens na atualidade em vários setores
de suas vidas, discernir que as possibilidades do ciberespaço
enquanto constituinte dos processos educativos, por exemplo, não
se atêm à simples fonte de informação e canal que possibilita a
comunicação com os outros. A web, conforme rapidamente
enunciado, suscita diversão, encontro com os outros, oportunidade
de aprendizado, engendramento de novas linguagens, en m, a
constituição de novas realidades culturais e sociais
É necessário, pois, que as investigações em antropologia,
educação e ciências a ns busquem uma leitura mais abrangente e
plural dos jovens e de suas vivências, o que implica em considerar
os modos como se organizam e engendram suas práticas no
ciberespaço, bem como constituem e expressam sua subjetividade
nesse contexto
É justamente sobre os modos de observação e apreensão das
realidades estabelecidas no mundo virtual que se propõe este
texto, considerando que para tal empreendimento se faz
necessária a incorporação de ferramentas teórico-metodológicas
que dêem conta da uidez e dinamismo dos processos envolvidos
no ciberespaço. Para tanto, a etnogra a é aqui considerada uma
metodologia e ciente para dar conta desse empreendimento, pois
possibilita conhecer e entender o contexto de atuação dos sujeitos
no ciberespaço, bem como a compreensão de como cada um, nos
seus valores, vê e dá sentido à realidade
A virtualização da experiênci
Como podemos perceber, a sociedade, hoje mais do que nunca,
impõe sobre si mesma marcas de uma esfera de sociabilidade que
se assenta em uma ambiência que não se caracteriza como física,
marcada pela copresença plena que permite a interação de vários
usuários ao mesmo tempo, independentemente de sua localização
geográ ca e cujas experiências podem restringir-se a esse espaço
ou não
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Desta perspectiva, a velocidade e a simultaneidade tão presentes
na vida das pessoas na contemporaneidade possibilitam a
experimentação do mundo como uma entidade menor, de forma
mais integrada e, ao mesmo tempo, fragmentada em razão dos
aparatos de compreensão espaço-tempo, como manifesta Gustavo
Lins Ribeiro (2002). Esses aparatos, denominados hardware,
amarram a rede global e têm sua própria genealogia, segundo o
autor, sendo as locomotivas, barcos a vapor, carros, aviões e
outros meios de transporte os promotores da velocidade, enquanto
que a simultaneidade é fomentada pelo rádio, televisão, telefone,
fax e rede de computadores. Diante disso, ele considera que se o
espaço é transformado em uma entidade relativa pela velocidade, a
simultaneidade extermina virtualmente o espaço e o tempo, pois os
satélites, por exemplo, na comunicação entre países, dissolvem os
fusos horários e promovem a consolidação de um espaço relativo
no mundo que enfatiza a mescla complexa de pessoas, capital e
informações
Tendo isso em conta, se o ciberespaço representa tão bem a
virtualidade no mundo em que vivemos, não signi ca, contudo, que
ela tenha surgido com a rede mundial de computadores, conforme
nos alerta Lins Ribeiro (1996). Ele se mostra convencido de que a
sensibilidade à virtualidade é uma característica própria do ser
humano, a começar pela linguagem. É a virtualidade que permite
ao sujeito transportar-se, simbolicamente, a outros lugares e viver
as experiências dessa viagem e, principalmente, “criar realidades a
partir de estruturas que são puras abstrações antes de tornarem-se
fatos empíricos” (LINS RIBEIRO, 1996, p. 6)
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Não seria, entretanto, isso apenas um estado da imaginação? Para
esse autor, essas duas perspectivas não se confundem ainda que
tenham a realidade em seu sentido duro como base comum.
Mesmo que se reconheça que a imaginação tenha dinâmica
complexa e que ainda pouco se saiba sobre o assunto, há que se
considerar que ela mantém uma base empírica sobre a qual se
ergue e, a partir disso, pode fazer desprender a imagem dos
objetos. Já a virtualidade está ligada à potencialidade e
possibilidade de vir a ser, de constituir-se uma força no mundo real.
Tem capacidade de agência, de entrar e sair, enquanto que a
imaginação invade o ser humano sem controle volitivo
Ainda sobre essa questão, Lins Ribeiro (1996) assinala que é
complexa a relação entre a imaginação, a virtualidade e o real, e é
necessário vislumbrar a imaginação como uma relação de trânsito
e não de antagonismos. Desta perspectiva, a imaginação é
estimulada pela realidade e o imaginado pode se tornar realidade
através da virtualidade e, esta última, in uencia o mundo real
(melhor dizendo, off-line, destaco) em um ciclo que se
retroalimenta
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De acordo com Lins Ribeiro (1996), a rede de computadores é,
então, praticamente uma síntese dos meios de comunicação que a
antecederam, pois é um sistema descentralizado, interativo, que
permite o intercâmbio de informações dos mais variados tipos,
(simultaneamente ou não) entre um ilimitado número de
interlocutores (conhecidos ou anônimos) cujos interesses e/ou
necessidades podem motivá-los a formar os mais distintos grupos.
Também, não se pode desconsiderar sua possibilidade de
armazenamento de uma quantidade impressionante de
informações que, a qualquer tempo, pode ser acessada e
reproduzida
Mediante essa realidade, Pierre Lévy (1996) manifesta que a
virtualização constitui novos espaços-tempos mutantes que
corroboram para a apresentação de novas realidades à
humanidade. Em suas palavras
Cada novo agenciamento, cada “máquina” tecnossocial acrescenta
um espaço-tempo, uma cartogra a especial, uma música singular a
uma espécie de trama elástica e complicada em que as extensões
se recobrem, se deformam e se conectam, em que as durações se
opõem, interferem e se respondem. A multiplicação contemporânea
dos espaços faz de nós nômades de um novo estilo: em vez de
seguirmos linhas de errância e de migração dentro de uma
extensão dada, saltamos de uma rede a outra, de um sistema de
proximidade ao seguinte. Os espaços se metamorfoseiam e se
bifurcam a nossos pés, forçando-nos à heterogênese (LÉVY, 1996,
p. 23)
Nesse processo que possibilita às pessoas a aproximação e
interação com os outros, a ideia de heterogênese se trata de um
constituinte relevante na conceituação de virtualidade para Lévy
(2006), haja vista que ele considera que o virtual se dá através de
um processo de acolhimento de alteridade em que a surpresa, a
inovação e a inventividade podem constituir novos fatos
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Diante dessas questões, podemos inferir que o mundo virtual não
constitui um mundo mais ou menos real, mas uma hiper-realidade
em contínuo processo de autonomização “que ganha um estatuto
próprio cujo contexto de existência incorpora a ambiguidade como
dimensão constitutiva e positiva de seu ser e devir” (LEWGOY,
2009, p. 193)
A hiper-realidade, segundo Dominique Crozat (2006), engloba um
mundo idealizado, uma virtualização da realidade, cujas
simulações promovem experiências concretas de
desterriotorialização do indivíduo. Para Jean Baudrillard (1991, p.
8), “a simulação já não é a simulação de um território, de um ser
referencial, de uma substância. É a geração pelos modelos de um
real sem origem nem realidade: hiper-real. [...] O deserto do próprio
real.” Com as tecnologias digitais, a relação entre imagem e
natureza se modi ca radicalmente, pois um simulacro substitui a
natureza. Desta forma, a imagem se descola da realidade material
do objeto para se ater ao modelo do objeto (LEMOS, 2000). Dito de
outra forma, o simulacro não busca imitar uma realidade física, mas
simula uma realidade inexistente, pois, segundo Susana Viegas
(2007), se a cópia necessariamente faz-se à semelhança de um
modelo, a simulação não o imita. Para a autora, essa é a grande
questão a ser colocada, pois, o hiper-real se trata de um complexo
de simulacros e não de um conjunto de modelos e cópias
Essas considerações nos indicam que no atual momento em que
vivemos não é mais possível desconhecer as relações entre a
cidade e o ciberespaço, pois, a territorialidade do modo como a
conhecemos tem perdido sua força, pois as tecnologias com suas
redes de cabos e bras, antenas de celulares, ondas de rádio que
permitem conexão wi- , dentre os recursos e usos têm
transformado as formas como experimentamos e vivenciamos a
urbanidade, cujas consequências re etem na rede nição dos
espaços públicos e privados (LEMOS, 2004)
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Os espaços no cenário virtual, constituído pelas relações e
interações empreendidas entre e pelos usuários e cujas relações
tendem a ser mais uidas, são caracterizados como utuantes,
mutáveis e contingentes e, de acordo com o contexto no qual se
inserem, podem apresentar diferentes con gurações (SILVA, 2008).
Nessas circunstâncias, somada sua instantaneidade e justaposição
recorrente de contextos, o ciberespaço deve ser considerado um
espaço compartilhado, cuja característica principal é a de
“deslocamento”, pois o usuário da internet percebe-o, juntamente
com todos os espaços de sociabilidade que a compõem, como um
campo aberto ao trânsito (DORNELLES, 2004). Signi ca dizer que
o internauta pode frequentar vários espaços virtuais ao mesmo
tempo e conversar on-line com várias pessoas, instaurando um
espaço simbólico de trocas. Ele empreende interações virtuais que
se realizam em “um espaço não geográ co e numa simultaneidade
de tempo alheios ao mundo físico que seu corpo habita”
(JAGUARIBE, 1999, p. 28)
Nestas circunstâncias, o ambiente virtual pode ser abordado de
duas formas distintas: uma extrínseca, na qual é tido como objeto
em si e a outra, uma perspectiva intrínseca, em que importam “no
interior do ciberespaço as localidades especí cas, onde vigorem
culturas localmente determinadas e negociadas” (GUIMARÃES
JR., 1999, p. 141). E para a antropologia interessa tomar o
ciberespaço como lugar simbólico de comunicação, interação e
sociabilidade, pois este ambiente só adquire sentido a partir das
práticas e vivências dos usuários, que estão todo o tempo
desenvolvendo entre si distintos tipos de relações, algumas delas
limitadas apenas ao virtual e outras que extrapolam os contatos
mediados por computador (GUIMARÃES JR., 2000)
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Como se pode observar, o advento da internet e sua popularização
trazem novas questões para as ciências que buscam compreender
as interações sociais, a constituição e o funcionamento da
sociedade, desa o que também se coloca para os métodos de
pesquisa, como anuncia Christine Hine (2005). Segundo a autora,
é emergente nas ciências sociais a busca da compreensão de
como se instituem essas novas formas sociais que se instauram
com a comunicação e interação experimentadas nos meios digitais.
Nessa direção, é fato que uma leitura antropológica dos ambientes
virtuais se faz necessária e pertinente (PISCITELLI, 2005)
Esse novo campo proporciona uma mobilidade material e simbólica
antes nunca vistas, o que leva Guimarães Jr. (1999) a considerar
que compete à antropologia delinear os contornos dos mapas de
signi cados que distinguem cada um dos diferentes grupos que
conformam as sociedades complexas, atendo-se, principalmente,
aos processos de interações entre os mesmos. Referenciando
Geertz, o autor manifesta que uma das tarefas da antropologia do/
no ciberespaço “é a de fazer as pontes entre as diferentes
comunidades de sentido, aos moldes da Antropologia
Hermenêutica [...] através da tradução das categorias que orientam
as práticas sociais dos grupos on-line” (GUIMARÃES JR., 1999, p.
148)
Frente a esse importante horizonte de possibilidades que é a
internet e a disseminação de dados e informações desse meio no
campo das ciências sociais, Rita Amaral (2003, p. 1) a rmou há
alguns anos que os computadores e a internet poderiam mudar a
forma de se fazer pesquisa qualitativa e “sugerir novas pesquisas
sobre o próprio uso da Internet como fonte de dados ou como
espaço de relacionamento entre grupos”. De fato, atualmente as
pesquisas no ambiente virtual como legítimo campo de
investigação têm crescido entre os pesquisadores brasileiros7, no
entanto, há ainda muito a ser investigado e discutido
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Uma descrição densa consiste em inscrever um discurso social, em
gravá-lo, em registrá-lo a m de converter os acontecimentos em
relatos para, posteriormente, ser consultado. Assim, Geertz (1978)
considera a cultura como texto a ser interpretado e que a busca de
leis gerais, antes sendo um dos objetivos da antropologia, é
deixada de lado, pois o que importa é uma análise das
particularidades da cultura pesquisada, por meio do exercício e não
somente da descrição dos fatos, mas também no intuito de buscar
conhecer os sentidos nele incutidos e, assim, torná-los
compreensíveis a quem não faz parte dessa cultura. No entanto,
cabe destacar o alerta de Geertz para o fato de que a análise
cultural é sempre incompleta, haja vista que a cultura vai muito
além da soma de seus elementos
Vale lembrar que uma das preocupações centrais de Geertz (2002)
é como o escritor se impõe ao leitor e como fundamenta sua
autoridade. Sobre isso, ele diz que o objetivo do etnógrafo é
convencer o leitor de que seus relatos são dignos de crédito porque
ele esteve lá e que “se houvéssemos estado lá, teríamos visto o
que viram, sentido o que sentiram e concluído o que concluíram”
(GEERTZ, 2002, p. 29). Se o “ter estado lá”, ter visto e escutado os
nativos da cultura investigada, isto é, ter interagido com eles, é um
forte argumento de que texto etnográ co é autêntico, um problema
que se coloca àqueles que buscam levar a cabo uma etnogra a em
ambientes virtuais se relaciona, a princípio, à de nição e
delimitação do campo etnográ co e à execução da observação
participante que, no caso, não é caracterizada pelos encontros face
a face e pelo deslocamento físico do antropólogo ao contexto de
pesquisa a ser estudado
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Como Guimarães Jr. (1999) ressalta, o ciberespaço proporciona
cenários muito semelhantes aos das sociedades complexas
contemporâneas, sendo esse último um campo sobre o qual a
antropologia já vem desenvolvendo, há bastante tempo,
referenciais teóricos seguros. “Estranhar o familiar” já é uma prática
comum aos antropólogos das últimas décadas, no entanto, “a
imagem do trabalho de campo como uma ‘aventura’ em busca de
povos geográ ca e culturalmente distantes continua viva até hoje,
mesmo quando os antropólogos pesquisam grupos sociais que
habitam bairros próximos aos de sua residência” (SILVA, 2000, p.
26)
É preciso considerar que o ciberespaço enquanto campo de
pesquisa não é o mesmo campo pensado e vivido por Malinowski,
porque o contexto é outro, metafórica e materialmente distinto. A
introdução da etnogra a no mundo virtual e a validação de seu
estatuto, conforme destaca Lewgoy (2009, p. 189), assemelha-se à
incorporação das sociedades complexas enquanto objetos de
estudo antropológico. Em suas palavras
Diante de uma experiência tida como prototípica [...] que questiona
a legitimidade de sua disseminação para novos campos, tanto a
antropologia de sociedades complexas como as etnogra as virtuais
podem ser compreendidas como práticas etnográ cas pós-
tradicionais, a m de destacar a intrínseca e polêmica
singularidade, nunca estabilizada numa quali cação identitária
qualquer (LEWGOY, 2009, p. 189)
Em face dessas considerações, é possível que talvez não seja
necessário romper mais uma vez os velhos paradigmas da
antropologia, mas tão-somente promover sua contextualização e
apontar as diferenças e peculiaridades diante das novas
tecnologias (Silva, 2000). Nesse contexto, importa considerar que
condições especí cas, tais como formação do pesquisador, seus
instrumentos teóricos e práticos e o contexto histórico e político,
determinam a natureza dos dados etnográ cos e do conhecimento
que deles derivam
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Conforme recomenda Simone Sá (2002) a partir dos trabalhos de
Geertz, os pressupostos básicos da tradição etnográ ca devem ser
mantidos quando de sua aplicação em ambientes virtuais, isto é,
manter a postura inicial de estranhamento do pesquisador em
relação ao objeto, considerar a presença da subjetividade e
também que os dados colhidos são interpretações de segunda e
terceira mão, e, ademais, considerar o texto etnográ co como
sendo de textualidades múltiplas, isto é, várias e diferentes leituras
podem ser feitas sobre o mesmo
Nesse sentido, se as características epistemológicas da
antropologia pressupõem o trabalho de campo como essencial, é
evidente que ele não se mantém como pensado e instituído pelos
precursores da disciplina. Assim, e principalmente quando se tem
em consideração a pesquisa antropológica no ciberespaço, vale
recuperar a re exão de Geertz ao manifestar que o local é “antes
de tudo, um termo relativo. No sistema solar a terra é ‘local’, e na
galáxia, o sistema solar é local” (GEERTZ, 2001, p. 124)
A adoção de novas perspectivas para a realização de etnogra as
adquire ainda mais força quando consideramos a proposta de
Clifford (2000) de pensar o trabalho de campo como travel
encounters, o que sugere a ideia de movimento, viagem, diálogo.
Assim, o autor coloca que é necessário prestar atenção em novas
localizações, em fronteiras que se colocam à antropologia, pois o
que está no limite vai produzir novas demandas que vão in uenciar
na construção das identidades contemporâneas. Como podemos
perceber, essa re exão traz ao conceito de cultura uma ideia de
mobilidade, em constante movimento, oportunizando o pensamento
de que a cultura se desdobra em muitas variáveis e pode ser
apropriada de maneiras distintas. Então, a partir dessa ideia de
viagens e travel encounters, podemos conceber o campo para
além de um lugar físico, concreto, material
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Hine (2001), ao tratar das etnogra as virtuais, também considera a
ideia de viagem, que transcende o deslocamento físico do
etnógrafo. No caso de pesquisas no ciberespaço, esta viagem
física é substituída por uma “viagem experiencial”, em que há a
permuta de experiências e a construção de uma viagem através do
olhar, do texto e das imagens. O “estar lá” ganha um novo sentido,
dado que ele não é presença física, não está circunscrito a uma
realidade material e, por isso mesmo, não envolve
obrigatoriamente o contato face a face. Sobre essa questão, ela
enfatiza qu
O etnógrafo não é um simples voyeur ou um observador
desengajado, mas é, em certo sentido, um participante
compartilhando algumas das preocupações, emoções e
compromissos dos sujeitos pesquisados. Essa forma estendida
depende também da interação, em um constante questionamento
do que é possuir uma compreensão etnográ ca do fenômeno
(HINE, 2001, p. 47)
Se as bases do fazer etnográ co no campo tradicional e no virtual
se assemelham, no entanto, na investigação das novas realidades
que se constroem no e a partir do ciberespaço, há a necessidade
de que os métodos e os vocabulários tradicionais da disciplina
sejam revistos em alguns âmbitos, tais como na teoria, no tempo,
no espaço e na linguagem (AMARAL, 2003), tais como campo,
nativo, familiaridade com o grupo, chegar e deixar o campo, dentre
outros
É preciso ressituar a etnogra a, haja vista que o ciberespaço
requer o rearranjo de muitos de nossos conceitos e se con gura
como uma realidade com a qual todos nós mantemos, de maneira
geral, algum tipo de relação e possibilita a criação representações
de nós mesmos e dos outros (SILVA, 2008)
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Essas questões se colocam e precisam ser pensadas para que se
possa abordar criticamente a própria antropologia. Por exemplo, se
na observação participante tradicional, assentada nas relações
face a face, uma observação não participante se faz praticamente
impossível, nos ambientes virtuais, caracterizado pela ausência
física dos interlocutores, é possível apreender as lógicas culturais
de um grupo sem dele participar, isto é, apenas observando
Coralis (2004) também não hesita em considerar o espaço virtual
como campo autêntico para pesquisas etnográ cas e considera
que a observação participante não deixa de ser possível em razão
da distância geográ ca entre o etnógrafo e os nativos pesquisados.
Em suas palavras
acompanhar e observar o grupo cotidianamente [...] permite
perceber de que maneiras os sujeitos compatibilizam suas ideias,
discursos e vivências. Trata-se de uma nova modalidade de
observação participante, que em muitos aspectos se equipara à
tradicional (CORALIS, 2004, p. 141)
Segundo Braga (2006), observar já seria também uma forma de
participação. No entanto, de acordo com ela, há que se considerar
qu
trata-se de uma participação muito peculiar, na medida em que é
possível para o/a pesquisador/a tornar-se invisível, ou seja, ver
sem ser visto/a, não interferindo em princípio na dinâmica da
interação observada, embora deva-se levar em conta a
possibilidade do lurker8 já estar contida na própria enunciação dos/
as participantes. É essa participação (mesmo que invisível) no
grupo que irá viabilizar a apreensão de aspectos daquela cultura
possibilitando a elaboração posterior de uma descrição densa, que
demanda uma compreensão detalhada dos signi cados
compartilhados por seus membros e da rede de signi cação em
questão. A condição que possibilita o ofício do/a etnógrafo/a é a
imersão e a experiência da efetiva participação no ambiente
pesquisado. Este ofício inclui participar, observar, descrever:
categorias que formam a unidade do fazer etnográ co (BRAGA,
2006, p. 5)
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Sobre essa questão, Amaral (2009) destaca que a etnogra a no
ciberespaço pode ser completamente não obstrutiva e
observacional, o que implica em debates de ordem ética, dado que
os sujeitos podem desconhecer que são o móvel de uma pesquisa
acadêmica, dentre outros fatores. Para Hine (2001), a
desvantagem desse posicionamento diante do campo é que o
lurker, de maneira geral, tende a assumir uma postura passiva o
que impede que ele seja reconhecido pelos sujeitos e possa
participar do contexto investigado. Segundo ela, a participação
efetiva do contexto pesquisado é importante para que o etnógrafo
possa melhor observar e interpretar a construção dos sistemas de
sentido empreendido pelo grupo
Em contrapartida, a execução da etnogra a virtual pode assumir
uma posição intensamente participativa, em que o pesquisador
interage cotidianamente com os sujeitos estudados através dos
fóruns, chats e comunicadores instantâneos, isto é, mantém uma
postura dialógica com os sujeitos, postura que se aproxima do
etnógrafo em uma investigação convencional, isto é, em contexto
material
A m de demarcar melhor esse novo campo etnográ co, é
importante que o etnógrafo tenha claro seu problema de pesquisa e
os objetivos propostos, sem desconsiderar que, como anuncia
Silva (2008), pode não haver necessariamente uma relação de
continuidade ou similaridade entre uma identidade off-line e uma
on-line, cuja questão está diretamente atrelada ao questionamento
que se costuma fazer acerca da autenticidade dos dados colhidos
no mundo digital. Para a autora, é justamente a ausência de
encontros face a face que leva ao questionamento em relação à
autenticidade desse tipo de dado. Não obstante, a função do
pesquisador é considerar que se tratam de performances
identitárias, em que a condição assumida quanto está na internet
se trata apenas um momento da performance
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Considerando as circunstâncias acima, ao investigar as vivências e
interações dos internautas no ciberespaço se deve considerar as
suas performances nesse contexto, pois, de acordo com Goffman
(1975), em cada cenário da vida social os atores assumem
distintos papéis e vivem-nos de forma consistente em vista ao
atendimento de seus interesses e necessidades
Nesse sentido, corroborando com essa re exão, Guimarães Jr.
(1999) diz que às ciências sociais as pessoas não são fonte de
preocupação enquanto indivíduos, mas sim enquanto sujeitos de
relações sociais no contexto que se investiga. Então, acerca de
uma antropologia que tem seu campo de estudo o ciberespaço, o
autor, baseando-se em Goffmam (1975), completa que os
informantes nesse tipo de investigação se inclinam a ser mais
personas9 que os sujeitos por trás da tela do computador e, em
razão disso, não se faz possível dar por certa a existência de uma
relação unívoca entre essas duas condições, dado que cada sujeito
pode, em contextos diversos, viver personas distintas
Ainda acerca dessa díade entre o on-line e o off-line, Miller e Slater
(2004) destacam o relacionamento complexo e imbricado entre
esses dois mundos, pois vários são os usos e interesses
envolvidos entre os diferentes atores, o que pode levar a várias
transformações, seja da tecnologia, dos próprios usuários e de
suas culturas. Nessa direção, os autores propõem uma nova
abordagem da relação on-line/off-line nas investigações em
ambientes virtuais. Para os autores, no empreendimento de uma
etnogra a virtual, da mesma forma que na etnogra a clássica, isto
é, na etnogra a off-line, há observação, participação, textos e
diálogo entre o cientista e seus sujeitos de pesquisa. Desse modo,
destacam os autores, a interação face a face já não é requisito
essencial para realização da pesquisa de campo
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A etnogra a dos ambientes on-line, pelo que pudemos perceber,
não se trata de substituição das práticas de pesquisa tradicionais
ou mesmo de seu implemento, mas de empreendimento de
investigação que buscar dar conta de uma parte da realidade
engendrada e constituída de relações sociais estabelecidas
virtualmente e que são produto do progresso tecnológico próprio da
época em que vivemos
Ademais, na etnogra a virtual, os pressupostos teórico-
metodológicos básicos dessa metodologia de pesquisa são
mantidos, tais como o “olhar, ouvir e escrever” (OLIVEIRA, 1996),
resumidamente representados nessa tríade, apesar de que se faz
necessário rede nir alguns dos conceitos próprios dessa
metodologia a m de que se adequem às realidades estabelecidas
na internet
Do mesmo modo, é substancial o reconhecimento de que os
espaços virtuais não estão totalmente desligados das referências
geográ cas na produção e transformação de sentido da sociedade,
o que nos indica que perscrutar as relações mediadas pelas
tecnologias de supressão de tempo e espaço pode contribuir para
a apreensão de novos dados acerca dos jovens, por exemplo.
Ainda que, conforme anunciado, a compreensão das
cibersociabilidades devem se centrar na ideia de atos
performativos levados a cabo pelos internautas, as considerações
levantadas através de pesquisas nesses espaços contribuem para
o adensamento da teoria social acerca da juventude e dos jovens
Isto posto, a etnogra a é um método apropriado para se buscar
compreender como os espaços virtuais se constituem por meio de
suas apropriações e usos, bem como as tramas envolvidas nesse
contexto. Assim, estou seguro de essa metodologia pode em muito
contribuir para o entendimento das metáforas e sentidos postos à
contemporaneidade a partir e/no ciberespaço pelo sujeitos, dentre
eles os jovens
REFERÊNCIA
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análise antropológica da idolatria a Madonna em um fã clube
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8 Relativo a lurking, literalmente, car à espreita
9 O autor, referenciando Paccagnela (1997), manifesta que é
pouco con ável em uma pesquisa on-line conseguir dados a
respeito da vida off-line. Nesse sentido, nas investigações no
mundo virtual a busca se dá em “compreender e penetrar no
conteúdo das representações de seus habitantes” (GUIMARÃES
JR. 1999, p. 8)
10 Este texto foi originalmente elaborado na forma de uma
comunicação apresentada no seminário “Cem Anos de ‘Algumas
Formas Primitivas de Classi cação`”, promovido pelo
Departamento de Antropologia Cultural do IFCS/UFRJ, em junho
de 2003
11 Pesquisa desenvolvida no ano de 2010 com o apoio da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Pernambuco –
FACEPE e do IFPE
12 É preciso ressaltar, no entanto, que a introdução das
tecnologias na realização de entrevistas não elimina a questão, por
exemplo, da presença do pesquisador ou do possível desvio
trazido por sua intermediação na interpretação da informação e dos
resultados da história oral. Pois os dados colhidos com a mediação
tecnológica necessitam de uma transcrição, seja a fala, seja esta
acrescida da imagem. Ou seja, di cilmente se consegue conservar
a narrativa o mais próximo do registro e se suprime a distinção
entre o pesquisado ou narrador e o pesquisador. Ademais, ao se
utilizar os resultados da história oral, o pesquisador o fará de
acordo com suas preocupações que nem sempre coincidem com
as intenções do narrador. O exercício da análise é o de compor um
texto, fragmenta-lo em seus elementos centrais, recorta-lo a m de
se usar a parte que é compatível ao que se busca pesquisar.
Portanto, críticas à respeito dos recortes na história oral e seu uso
parcial se a guram, nitidamente, como um falso problema.
(PEREIRA DE QUEIRÓZ, 1988)
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13 É oportuno lembrar sempre que a criação de acervos deveria
ser um dos objetivos nais de qualquer pesquisa em história oral,
como preciosas e, às vezes, inéditas fontes a serem
disponibilizadas para consultas e novas pesquisas. Exemplar deste
produto da história oral é o Centro de Pesquisa e Documentação
(CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas, que tem servido a diversos
pesquisadores, inclusive estrangeiros, na busca de
aprofundamento da história política do país e no desvelamento de
fatos ainda não estudados. Isso mostra a importância de uma
organização cuidadosa e devidamente atualizada e normatizada do
acervo com a catalogação das tas e textos e seu
acondicionamento em espaços apropriados
14 Atualmente uma derivação da história oral de vida tem suscitado
interesse e atenção de pesquisadores: são as histórias orais de
família que retratam a saga de um grupo de parentesco - por laços
sanguíneos ou afetivos, como chave para se abrir um tempo
histórico. Esta modalidade não pode ser confundida com a história
de vida e nem mesmo com um conjunto de histórias de vida
individuais. Ela tem sempre um compromisso com um projeto de
vida familiar que envolve duas, três ou mais gerações. É um reviver
de um processo histórico envolvendo membros de uma
comunidade que revela rupturas e permanências
15 A esse respeito voltamos a evocar o Projeto de Pesquisa
anteriormente citado e a leitura do livro de Pereira e Tosta (2000)
16 Esse texto é parte das re exões realizadas pelas autoras
durante o Minicurso: História Oral e Educação: impregnações,
virtualidades e ressonâncias, ofertado no VI Encontro sudeste de
História Oral em Juiz de Fora/MG, em 2006
17 Referimo-nos ao Presídio de segurança máxima “Nelson
Hungria”, na cidade de Contagem, localizado no mesmo bairro
onde está a escola
18 Fizemos consultas nos arquivos da cidade de Contagem, na
biblioteca pública e nos Centros Culturais
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25 Por ora, apresentamos somente os contornos iniciais de um
conjunto de questões que deverão subsidiar re exões futuras em
torno da noção de etnoeducação
26 Resumidamente, o percurso parcial das transformações em
torno da cultura e da educação, pode ser observado em Rocha
(2009; 2012)
27 Nos termos de Rockwell e Ezpeleta (2007), situa-se em meio ao
plano da sociedade civil e do Estado. Nesse sentido, todo e
qualquer estudo da educação no âmbito da escola, deve conjugar
as esferas do micro e do macro
28 A análise de Regina Abreu (2003) sobre os “mestres da arte”, na
França, ilustra de maneira paradigmática essa convergência de
sentidos. Ver em Godelier (2007) interessante re exão sobre os
bens inalienáveis, guardados para serem transmitidos
29 Também a ideia de “patrimonialização” exige uma re exão
profunda e quali cada uma vez que portadora de uma carga
semântica dirigida às políticas de cultura. De forma ampliada, no
entanto, patrimonialização pode ser entendida como o
“reconhecimento de uma atividade intelectual e/ou sentimental por
parte dos setores populares e/ou eruditos da sociedade, que
procedem no sentido de classi car (e “puri car”) os elementos e
objetos considerados dignos de manutenção, preservação e
transmissão, visando a criar uma linha de tempo entre o passado, o
presente e o futuro” (ROCHA, 2007, p. 76). Acrescente-se ainda, o
reconhecimento de atividades, práticas e objetos de natureza
material e imaterial. Também Trajano Filho (2012), chama a
atenção para a complexidade que envolve a ideia de
patrimonialização na medida em que contempla os processos de
construção de sentido político-cultural de saberes, práticas e
objetos por parte de setores diversos (populares e eruditos) da
sociedade
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30 A MRN iniciou suas atividades em meados dos anos de 1960
com a descoberta das primeiras ocorrências de bauxita na região.
Em 1974 foi assinado um acordo de acionista da Mineração Rio do
Norte S.A., atualmente composta pelas seguintes empresas: Vale
do Rio Doce (40%), BHP Billiton Metais (14,8%), Rio Tinto Alcan
(12%), Companhia Brasileira de Alumínio (10%), Alcoa Brasil
(8,58%), Norsk Hydro (5%), Alcoa World Alumina (5%), Abalco
(4,62%). (Fonte: <www.mrn.com.br/indez_1024.html>). Acessado
em 07/11/2011
31 É su ciente citar, nesse momento, Acevedo e Castro (1998)
32 Caracterização detalhada da cidade de Oriximiná encontra-se
em Russi & Rocha (2012)
33 Ver em Mello (2001) um breve panorama histórico acerca do
distanciamento conceitual entre arte/artesanato na história
ocidental
34 À exemplo da arte, visto como portador de qualidades
simbólicas, o artesanato constitui um meio privilegiado para se
pensar processos de circulação cultural, qualidades mágicas,
agência como sugerem, por exemplo, Gell (1998) e Lagrou (2009),
já mencionados
35 Pode-se evocar ainda as observações de Walter Benjamin
(1994) sobre o narrador como processo de intersubjetividade
experimentado pelos agentes envolvidos na ação simbólica,
momento vivido com qualidades rituais, na medida em que aciona
saberes tradicionais, técnicas corporais, qualidades emocionais
36 São inúmeros os estudos que apontam para as mudanças de
sentido e as transformações pelas quais as “tradições” tem se
modernizado ver, por exemplo, Hobsbawn e Ranger (1984) e
Canclini (1990)
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41 Além de Geertz, Barth e outros clássicos da antropologia que se
dedicaram a compreender os processos de produção, transmissão
e validação do conhecimento humano, nas mais diversas
expressões do “pensamento selvagem” e/ou do pensamento
cientí co, uma fonte de inspiração para o desenvolvimento futuro
de uma teoria “etnográ ca da educação”, encontra-se em Goldman
(2006) e Rocha (2012). De modo especial, nossa atenção está
voltada para o caso particular da educação patrimonial, aqui
referenciada como “etnoeducação patrimonial”
42 Psicóloga e educadora. Nasceu na Rússia, formou-se em São
Petersburgo, Paris e Genebra. Seu trabalho revela a in uência da
psicologia sócio-histórica russa, e da abordagem interacionista
elaborada por Claparède e Piaget
43 Ideal de educação proposto no início do século XX, alicerçado
nas ideias propagadas pelo Instituto Jean Jacques Rousseau.
Caracterizou-se por novas propostas pedagógicas que enfatizavam
a democracia nas relações escolares, uma educação que
respeitasse as diferenças individuais, as aptidões e os interesses
das crianças. Sobre a Escola Nova ver ROMANELLI. In: História da
Educação no Brasil (1930/1973). Petrópolis, Vozes, 2002
44 Anormais: os que sofrem de moléstia contagiosa e repugnante,
os imbecis que por defeito orgânico forem incapazes de receber
educação. Diz-se de indivíduo cujo desenvolvimento físico,
intelectual ou mental é defeituoso. (DICIONÁRIO AURÉLIO, 2002)
45 Entende-se por reabilitação, segundo Mazzotta (1996), o
processo de tratamento de pessoas com de ciência que, mediante
o desenvolvimento de programação terapêutica especí ca de
natureza médico-psicossocial, visa à melhoria de suas condições
físicas, psíquicas e sociais. Desse modo, a reabilitação caracteriza-
se pela prestação de serviços especializados e se desenvolve
necessariamente através de equipe multipro ssional. Entre as
atividades multidisciplinares requeridas, via de regra, encontram-se
também as educacionais
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A Materialidade das
classi cações : De Émile
Durkheim a Marcel Mauss
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Peço que você responda imediatamente pelo correio, ou o mais
breve possível, às duas questões seguintes: 1) você poderia fazer
comigo, até o próximo mês de agosto, um artigo sobre “As
classi cações das coisas”? (título aproximativo e provisório); 2)
quais seriam as dimensões prováveis desse trabalho, em termos
de páginas do L´année Sociologique? (FOURNIER, 1994, p.
248-249)
Durkheim naliza a carta dizendo: “O trabalho começaria por
apresentar o problema da classi cação; mostraria que aí existe
uma questão. [...] Apresentaríamos alguns exemplos [...]. Creio que
isto seria bom. Voce poderia fazer isto comigo em junho e julho”
(FOURNIER, 1994, p. 249)
O texto foi publicado em 1903, no número 6 do L´Année
Sociologique. Durkheim tem então 45 anos; Mauss tem 31. Não foi
o primeiro texto assinado pelos dois. No número anterior daquela
publicação, eles assinaram uma resenha da obra de Baldwin
Spencer e de F.J. Gillen, As tribos nativas da Austrália Central
(1899)
O trabalho de leitura, chamento, crítica e resenha das obras
etnográ cas da época sempre foi tarefa de Marcel Mauss na
equipe do L´Année Sociologique. Em depoimento de 1930,
referindo-se à obra de Spencer e Gillen, a rma que foi ele o
primeiro, ainda jovem, a assinalar e elucidar a importância
(MAUSS, 1996 [1930], p. 229) dessa “massa enorme de fatos
in nitamente preciosos” (FOURNIER, 1994, p. 249). Mauss a rma
também ter feito a resenha dos sete volumes da obra de De Groot
sobre Os Sistemas Religiosos da China. A Mauss também coube o
trabalho de resenha dos estudos etnográ cos então publicados
sobre as sociedades indígenas norte-americanas
Naquele mesmo depoimento, referindo-se à preparação do ensaio,
a rma ele: “Eu forneci todos os fatos” (MAUSS, 1996 [1930], p.
226; FOURNIER, 1994, p. 249-250)
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A base etnográ ca do ensaio, embora centrada no material
australiano, norte-americano e chinês, é extensa e usada de modo
bastante cuidadoso e criterioso. Ele apresenta um total de 228
notas de pé de páginas, trazendo referências bibliográ cas e
comentários. Há um cuidado extremo com os dados etnográ cos
que ocupam na verdade a maior parte do ensaio: 61 páginas de um
total de 76
Nesse trabalho de parceria entre tio e sobrinho, teria sido tarefa do
primeiro a formulação do problema teórico (“o problema da
classi cação”); a do segundo, ilustrar com “alguns exemplos” as
teses apresentadas
Esta parece ser a estória contada com mais frequência nas leituras
feitas por antropólogos e sociólogos. Ela repercute a imagem de
um Marcel Mauss identi cado intelectualmente com o tio e com o
empreendimento coletivo da escola sociológica francesa. Essa
imagem, assinale-se, foi de certo modo bastante cultivada pelo
próprio Marcel Mauss, que sempre enfatizou sua lealdade
intelectual a Durkheim, sua responsabilidade na continuação da
obra por ele iniciada e da obra dos demais membros do grupo
desaparecidos durante a primeira guerra mundial
No depoimento já citado de 1930, ele a rma
Impossível me destacar dos trabalhos de uma escola. Se há
personalidade, ela está imersa em uma impessoalidade voluntária.
O sentido do trabalho em comum, em equipe, a convicção de que a
colaboração é uma força oposta ao isolamento, à pesquisa
pretensiosamente original, eis o que caracteriza minha carreira
cientí ca, hoje mais que ontem (MAUSS, 1996 [1930], p. 224)
Apesar dessa “impessoalidade voluntária” (“impersonnalisme
volontaire”), a originalidade da obra de Marcel Mauss é um fato
reconhecido. Não são poucos os autores importantes que
assumem a herança intelectual por ele deixada. Mas nem por isso
coincidem no entendimento dessa herança. Entre os mais
conhecidos estão evidentemente Claude Lévi-Strauss (1974
[1950]) e Louis Dumont (1972). Sua obra jamais deixou de inspirar
pesquisas originais não só em antropologia e sociologia como
também em história
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Mas onde estaria a originalidade da contribuição de Marcel Mauss
naquele ensaio? Seria possível perceber aí uma contribuição que
fosse além do fornecimento de fatos etnográ cos ilustrativos para
as teses de Durkheim
Penso que um dos pontos importantes para responder a essas
questões é esclarecer os sentidos da etnogra a, ou os usos dessa
categoria pela comunidade cientí ca. Uma distinção se impõe: se
alguns a entendem como “dados” a serem usados para con rmar
ou para negar determinadas hipóteses; outros a entendem como a
condição mesma da re exão teórica em antropologia, que jamais
se realiza se não em uma negociação permanente com o chamado
ponto de vista nativo
No primeiro caso, temos o sentido mais fraco que pode assumir
essa categoria na história da antropologia (corretamente criticado
por Max Gluckman, ainda nos anos 50, através da noção de apt
illustration); no segundo, o sentido mais forte, e que distingue o uso
da noção de “teoria” entre os antropólogos. Diferentemente de
outros cientistas sociais, os antropólogos trabalham a partir do
reconhecimento efetivo das chamadas “teorias nativas”
Se camos com esse sentido mais forte da categoria, teremos de
reconhecer que nenhuma boa etnogra a é apenas ilustração (apt
illustration) para as teorias antropológicas. A “teoria cientí ca da
cultura” de Malinowski é hoje uma peça de erudição para a história
intelectual da disciplina; já Os Argonautas do Pací co, Os Jardins
de Coral, Baloma e A Vida Sexual dos Selvagens permanecem
atuais
O fato é que as boas etnogra as representam permanentes
desa os para as teorias dos antropólogos e para as teorias nativas.
A ambiguidade desse gênero consiste precisamente no fato de que
ele encena o diálogo tenso entre diversos pontos de vista, onde se
obtém, na maioria das vezes, não mais que “verdades parciais”
Desse modo, podemos entender as 61 páginas etnográ cas que
compõem dois terços do ensaio de duas maneiras: ou elas apenas
ilustram (imprecisamente) as teses durkheimianas e nada mais têm
a nos ensinar; ou elas dizem algo diverso sobre o próprio tema do
ensaio
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Ora, em seu debate com os psicólogos e os lósofos, Durkheim e
Mauss estão explicitamente interessados nos sistemas de
classi cação, mesmo as classi cações cientí cas, enquanto
“instituições sociais” (DURKHEIM; MAUSS, 1974 [1903], p. 13).
Mas há um outro problema: os críticos parecem assumir o
pressuposto segundo o qual existem separadamente, por um lado,
as funções mentais e, por outro, as obras e instituições. Toda uma
linhagem de autores que parte de Mauss e da “psicologia histórica”
de Ignace Meyerson, e que chega até os historiadores helenistas
franceses, assume a tese segundo a qual as funções mentais são
inseparáveis das obras e das instituições. Esta é uma tese explícita
de Meyerson e um pressuposto importante da obra de Mauss
Segundo Jean-Pierre Vernant, um dos herdeiros dessa tradição
Seria vão procurar fora das obras um espírito em si, um espírito
puro. O esforço espiritual precisa de uma matéria para se encarnar.
Ele não a encontra depois, como que por acaso. Desde seu início
ele se orienta e se organiza em função dessa matéria, em direção
à obra a ser terminada. O espírito encontra-se nas obras
(VERNANT, 2001, p. 140)
Desse modo, aquela crítica parece evidenciar mais um bias contido
em determinada leitura do que efetivamente um problema existente
no ensaio. Na verdade, o que pareceria, do ponto de vista desses
críticos, uma insu ciência teórica, talvez seja precisamente uma
das razões de sua atualidade
Nos anos noventa, muitos estudos foram produzidos sobre a obra
de Marcel Mauss por parte de antropólogos, sociólogos,
historiadores e lósofos. Alguns observam o que seria “um
movimento de redescoberta” desse autor (M.A.U.S.S., 1996, p. 6)
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[...] estabelece a noção de uma ‘classi cação primitiva’, que é um
modo especí co de articular uma visão de mundo, ou, no mínimo,
porções consideráveis daquela totalidade di cilmente apreensível.
O que caracteriza esse tipo particular de classi cação (ainda que
os próprios autores não usem essa terminologia) é o fato dela ser
expressa em um [diagrama ou] esquema composto por leiras
horizontais e colunas verticais, consistindo esses alinhamentos em
entidades (ou entradas) ligadas respectivamente por relações
sintagmáticas e paradigmáticas. Em virtude dessa propriedade,
[esse tipo de classi cação] contrasta radicalmente com o tipo de
visão de mundo a que estamos acostumados (ALLEN, 2000, p. 58)
Assim, uma visão cientí ca não permitiria que se zessem ligações
entre grupamentos sociais, a divisão do ano em estações, listas de
animais totêmicos, cores, regiões no espaço e poderes mágico-
religiosos; mas são precisamente essas ligações que caracterizam
as “classi cações primitivas”
Em segundo lugar, segundo esse mesmo autor, o texto postula
uma relação entre a visão de mundo articulada pelas classi cações
primitivas e a estrutura social. Na medida em que distingue três
tipos ou formas de classi cação primitiva, ele distingue também
três modalidades de relação com a estrutura social
No caso australiano, diz ele, “a estrutura social gera a classi cação
das coisas” (ALLEN, 2000, p. 58). Nesse contexto, faz sentido a
conhecida frase em itálico no ensaio: “[...] a classi cação das
coisas reproduz esta classi cação dos homens [...]” (DURKHEIM;
MAUSS, 1974 [1903], p. 20). Mas, vale sublinhar, não exatamente
como uma proposição teórica de alcance universal
No caso Zuñi, declina a predominância da estrutura social: o
sistema de classi cação das coisas interage com o sistema de
classi cação social. Esse sistema classi catório está baseado
numa divisão entre regiões no espaço. Os clãs obedecem a essa
classi cação, a ponto dos autores se referirem à existência de “clãs
orientados”
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No caso das “classi cações primitivas”, não apenas as fronteiras
externas das classes são geradas socialmente. Também a
hierarquia entre elas. “É porque os grupos humanos se encaixam
uns nos outros, os sub-clãs dentro do clã, o clã dentro da fratria, a
fratria dentro da tribo, que os grupos de coisas se dispõem
segundo a mesma ordem” (DURKHEIM; MAUSS, 1974 [1903], p.
84)
Perguntando-se pelas “[...] forças que induziram os homens a
repartir as coisas entre essas classes segundo o método que
adotaram” (DURKHEIM; MAUSS, 1974 [1903], p. 85), os autores
apontam ainda a presença de “sentimentos” ou “estados afetivos”
na estruturação das “classi cações primitivas”. Dizem eles:
“Existem a nidades sentimentais entre as coisas como entre os
indivíduos, e é a partir dessas a nidades que elas são
classi cadas” (DURKHEIM; MAUSS, 1974 [1903], p. 86)
Chegam assim à conclusão de qu
[...] é possível classi car outra coisa além de conceitos e
diferentemente das leis do entendimento puro. Pois para que as
noções possam assim se dispor sistematicamente por razões de
sentimento, é necessário que elas não sejam ideias puras, mas
que sejam elas mesmas obras de sentimento. [...] para aqueles que
chamamos de primitivos, uma espécie de coisas não é apenas um
objeto de conhecimento, mas corresponde antes de tudo a uma
certa atitude sentimental (DURKHEIM; MAUSS, 1974 [1903], p.
86)
Numa perspectiva evolucionista (embora distinta do evolucionismo
vitoriano), a rmam eles qu
[...] a história da classi cação cientí ca é em de nitivo a história
mesma das etapas no curso da qual esse elemento de afetividade
social foi progressivamente enfraquecendo, deixando cada vez
mais lugar livre para o pensamento re etido dos indivíduos
(DURKHEIM; MAUSS, 1974 [1903], p. 88)
Do “fato social” ao “fato social total”
a materialidade das classi caçõe
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Um exemplo possível consiste numa classi cação de alimentos, na
qual estes estejam associados simultaneamente a grupos sociais,
atributos morais, sociabilidades, cores, con gurações
astronômicas, regiões do espaço, características estéticas,
materiais, siológicas, poderes políticos, militares, mágico-
religiosos etc. Uma tal classi cação é claramente estranha à
classi cação cientí ca dos nutricionistas. Essa oposição repercute,
por exemplo, na tradição de estudos sobre alimentação no Brasil:
de um lado um autor como Josué de Castro, estudando a
alimentação do ponto de vista da “fome” ou da “nutrição”; de outro,
o etnógrafo Luis da Câmara Cascudo, estudando o “paladar” e
suas associações sociais, morais e mágico-religiosas
(GONÇALVES, 2004, p. 40-55)
Ou ainda uma classi cação de objetos materiais, na qual estes
sejam vistos como simultaneamente materiais e espirituais
(GONÇALVES, 2013). Os corpos dos deuses, suas representações
materiais, apresentam essa ambiguidade. Como descrevê-los
exclusivamente por meio de uma classi cação estética ou
funcional? Como escapar da obsessiva acusação de “fetichismo”
(LATOUR, 2009)
Esses deuses podem ainda ser representados por meio de
animais. Como adequar estes fatos a uma classi cação biológica,
onde os seres vivos são dispostos em reinos, los, classes, ordens,
famílias, gêneros e espécies naturais, descartando-se qualquer
ligação sobrenatural
Uma radical separação entre espírito e matéria está na base das
classi cações cientí cas. Mas sabemos que a concepção de uma
matéria depurada de qualquer espírito (e de um espírito
independente de toda e qualquer materialidade) é uma construção
moderna (MAUSS, 1974 [1939], p. 163)
A noção de “classi cação primitiva”, tal como desenhada nesse
ensaio, pode ser útil na historicização desta e de outras
importantes dicotomias do pensamento moderno. Como resultado,
ilumina dimensões da experiência humana que permanecem na
sombra, na medida em que interpretadas por meio de categorias
fundadas no princípio das modernas classi cações cientí cas
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GONÇALVES, José Reginaldo. A fome e o paladar: a antropologia
nativa de Luis da Câmara Cascudo. In: Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, FGV, n. 33, pp. 40-55, 2004
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Marcel Fournier. Fayard France, Librairie Arthème, 199
MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo, Cosac &
Naif, 2003 [1950]
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7 Alguns exemplos: Araújo (2004) sobre os diários virtuais de
meninas anoréxicas e bulímicas; Barreira (2004) a respeito da
construção do corpo entre de cientes físicos participantes de salas
de bate-papo; Silva (2008), sobre as relações interpessoais
estabelecidas e o modo como se construíram as (homo)
sexualidades entre homens que se relacionam afetiva e
sexualmente com outros homens e faziam parte de uma
comunidade de um programa de relacionamentos no Orkut
8 Relativo a lurking, literalmente, car à espreita
9 O autor, referenciando Paccagnela (1997), manifesta que é
pouco con ável em uma pesquisa on-line conseguir dados a
respeito da vida off-line. Nesse sentido, nas investigações no
mundo virtual a busca se dá em “compreender e penetrar no
conteúdo das representações de seus habitantes” (GUIMARÃES
JR. 1999, p. 8)
10 Este texto foi originalmente elaborado na forma de uma
comunicação apresentada no seminário “Cem Anos de ‘Algumas
Formas Primitivas de Classi cação`”, promovido pelo
Departamento de Antropologia Cultural do IFCS/UFRJ, em junho
de 2003
11 Pesquisa desenvolvida no ano de 2010 com o apoio da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Pernambuco –
FACEPE e do IFPE
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14 Atualmente uma derivação da história oral de vida tem suscitado
interesse e atenção de pesquisadores: são as histórias orais de
família que retratam a saga de um grupo de parentesco - por laços
sanguíneos ou afetivos, como chave para se abrir um tempo
histórico. Esta modalidade não pode ser confundida com a história
de vida e nem mesmo com um conjunto de histórias de vida
individuais. Ela tem sempre um compromisso com um projeto de
vida familiar que envolve duas, três ou mais gerações. É um reviver
de um processo histórico envolvendo membros de uma
comunidade que revela rupturas e permanências
15 A esse respeito voltamos a evocar o Projeto de Pesquisa
anteriormente citado e a leitura do livro de Pereira e Tosta (2000)
16 Esse texto é parte das re exões realizadas pelas autoras
durante o Minicurso: História Oral e Educação: impregnações,
virtualidades e ressonâncias, ofertado no VI Encontro sudeste de
História Oral em Juiz de Fora/MG, em 2006
17 Referimo-nos ao Presídio de segurança máxima “Nelson
Hungria”, na cidade de Contagem, localizado no mesmo bairro
onde está a escola
18 Fizemos consultas nos arquivos da cidade de Contagem, na
biblioteca pública e nos Centros Culturais
19 A referência é a categoria “pedaço”, muito bem formulada por
Magnani, para dar conta de suas andanças como etnógrafo pela
cidade de São Paulo. Sobre isto conferir: MAGNANI, José G. C. Na
metrópole - textos de antropologia urbana. 3. ed. São Paulo:
Edusp, 2006
20 Top é uma blusa bem curta e justa, normalmente sem mangas,
em que parte do corpo de quem usa ca à vista
21 Cruzeiro Esporte Clube e Clube Atlético Mineiro são os dois
grandes e rivais clubes do futebol mineiro. A “Má a Azul” é a
principal torcida organizada do primeiro time, enquanto a do
segundo é a “Galoucura”
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28 A análise de Regina Abreu (2003) sobre os “mestres da arte”, na
França, ilustra de maneira paradigmática essa convergência de
sentidos. Ver em Godelier (2007) interessante re exão sobre os
bens inalienáveis, guardados para serem transmitidos
29 Também a ideia de “patrimonialização” exige uma re exão
profunda e quali cada uma vez que portadora de uma carga
semântica dirigida às políticas de cultura. De forma ampliada, no
entanto, patrimonialização pode ser entendida como o
“reconhecimento de uma atividade intelectual e/ou sentimental por
parte dos setores populares e/ou eruditos da sociedade, que
procedem no sentido de classi car (e “puri car”) os elementos e
objetos considerados dignos de manutenção, preservação e
transmissão, visando a criar uma linha de tempo entre o passado, o
presente e o futuro” (ROCHA, 2007, p. 76). Acrescente-se ainda, o
reconhecimento de atividades, práticas e objetos de natureza
material e imaterial. Também Trajano Filho (2012), chama a
atenção para a complexidade que envolve a ideia de
patrimonialização na medida em que contempla os processos de
construção de sentido político-cultural de saberes, práticas e
objetos por parte de setores diversos (populares e eruditos) da
sociedade
30 A MRN iniciou suas atividades em meados dos anos de 1960
com a descoberta das primeiras ocorrências de bauxita na região.
Em 1974 foi assinado um acordo de acionista da Mineração Rio do
Norte S.A., atualmente composta pelas seguintes empresas: Vale
do Rio Doce (40%), BHP Billiton Metais (14,8%), Rio Tinto Alcan
(12%), Companhia Brasileira de Alumínio (10%), Alcoa Brasil
(8,58%), Norsk Hydro (5%), Alcoa World Alumina (5%), Abalco
(4,62%). (Fonte: <www.mrn.com.br/indez_1024.html>). Acessado
em 07/11/2011
31 É su ciente citar, nesse momento, Acevedo e Castro (1998)
32 Caracterização detalhada da cidade de Oriximiná encontra-se
em Russi & Rocha (2012)
33 Ver em Mello (2001) um breve panorama histórico acerca do
distanciamento conceitual entre arte/artesanato na história
ocidental
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49 Há registros de atendimento a alunos com de ciência mental
em ensino regular juntamente com pessoas com de ciências
físicas e visuais, em 1887, na Escola México, no Rio de Janeiro.
Mais detalhes a este respeito pode ser encontrado em Jannuzzi
(1985b, p. 36-42)
50 A educação sustentada pelas ideias positivistas a rmava que o
progresso humano seria uma decorrência do desenvolvimento
cientí co, no sentido de criar tecnologias voltadas para o bem-estar
da espécie humana (AUN, 1994)
51 Conferência que reuniu em Jomtien, na Tailândia, os países em
desenvolvimento para traçarem metas acerca dos excluídos de
seus sistemas de ensino, independentemente de suas condições
52 Para tratar especi camente da educação dos alunos com
necessidades especiais, entre eles os portadores de de ciências,
os países reuniram-se em Salamanca, Espanha (1994), assumindo
a seguinte posição. Cada país deveria: “construir um sistema de
qualidade para todos e adequar as escolas às características,
interesses e necessidades de seus alunos, promovendo a inclusão
escolar de todos no sistema educacional (UNESCO, 1994)
53 De nição da National Association of Retarded Citizens (NARC)/
EUA: integração é uma loso a ou princípio de oferta de serviços
educativos, que se põe em prática mediante a provisão de uma
variedade de alternativas de ensino e de aulas adequadas ao plano
educativo de cada aluno, permitindo a máxima integração
educacional, temporal e social entre alunos de cientes e não
de cientes durante o período escolar normal. Ver BAUTISTA
(Coord). Necessidades Educativas Especiais. Lisboa: Aljibe, 1993
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Dilemas e possibilidades do
estudo de caso na pesquisa
educacional
Palavras iniciai
Poderíamos iniciar este texto com uma de nição simples sobre o
que é um Estudo de Caso (EC), contudo, parece-nos ser mais
instigante elaborar nossa re exão a partir da discussão em torno
do fazer cientí co, focando nas possibilidades de apreensão da
realidade em ciências humanas, para então re etirmos como sobre
a singularidade do EC no âmbito da pesquisa educacional, e em
como ele vem sendo utilizado na produção cientí ca brasileira
Discutir a produção do conhecimento nas ciências humanas nos
remete, inevitavelmente, ao debate travado pelo campo losó co,
passando por autores tão diversos quanto Kant, Hegel, Rickert,
Windelband, Dilthey, Weber, Winch, Habermas Gadamer dentre
outros
Para Kant (2012 [1781]) a realidade tal como ela é, em sua
essência (noumeno), incognoscível, ou seja, não podemos
conhecê-la, mas apenas pensá-la. Contudo, podemos acessar o
modo como ela aparece ao sujeito (fenômeno), uma vez que tal
forma depende também deste. Signi ca dizer que não conhecemos
a coisa em si (Ding na sich), mas apenas como ela se apresenta ao
sujeito. Hegel (2011 [1807]) ao adentrar no debate em torno da
essência e a aparência das coisas, vai apontar que estas estão em
contradição. Contudo, para Hegel os fenômenos comunicam algo
sobre a essência dos objetos que se dão ao nosso conhecimento,
uma vez que a coisa em si nos é acessível porque “a essência é
aparecer”, ou seja, a aparência diz algo sobre a sua essência. O
que podemos vislumbrar em meio a este debate losó co, aqui
bastante sintetizado, é que a razão busca ir para além da
aparência dos fenômenos, de modo que a produção do saber,
através de suas diversas manifestações, busca conhecer a coisa
em si, ou ao menos pensá-la
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Claro que estamos nos referindo aqui à produção do conhecimento
de forma geral, aplicada a todas as ciências, contudo, uma série de
lósofos alemãos, principalmente no século XIX, vão se dedicar a
uma re exão mais apurada em torno das especi cidades presentes
nas ciências
Dilthey (2010 [1883]) separa as ciências em
Geisteswissenschaften, ciências do espírito, que sendo
ontologicamente diferentes das Naturwissenschaften, ciências da
natureza, demandariam uma abordagem metodológica distinta,
marcada pelo Verstehen, ou seja, pela compreensão, em oposição
a Erklären, a explicação, que seria a abordagem das ciências
naturais. Tal perspectiva é questionada por uma série de autores
como Boudon (1989), que pontua que a compreensão não é um
método que se opõe à explicação causal, pois o objetivo de
qualquer ciência seria a explicação causal, ela seria apenas um
tipo particular de explicação relativa à ação humana
Para Windelband (1949 [1894]), esta distinção realizada por Dilthey
mostra-se infundada ao opor “natureza” e “espírito”; em seu lugar
Windelband contrapõe a distinção ontológica de Dilthey a uma
metodológica, classi cando as ciências em nomotéticas, aquelas
que procurariam determinar leis gerais que expressem as
regularidades dos fenômenos, e em idiográ cas, que voltam sua
atenção para o fenômeno singular, para suas idiossincrasias.
Rickert (1987 [1896]) nos chama a atenção para o fato de que
qualquer ciência e o estudo de qualquer fenômeno são em algum
grau nomotéticos, e em algum grau ideográ cos, de modo que
estes autores opõem-se fortemente à distinção objetual proposta
por Dilthey, centrando suas questões no método. Podemos resumir
a oposição entre as abordagens de Dilthey e de Windelband da
seguinte forma: para o primeiro as diferenças metodológicas entre
as ciências derivam de uma distinção ontológica, ao passo que
para o segundo são as diferenças metodológicas que nos levam a
concepções de ciências distintas
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Este cenário pode parecer, em princípio, hostil ao desenvolvimento
das pesquisas educacionais qualitativas, contudo, encontra-se, em
verdade, na base do desenvolvimento das mesmas, como o
relatório Coleman, produzido em 1966 nos Estados Unidos, e os
trabalhos desenvolvidos pelos Institut National d’Études
Démographiques (INED) na França. Estas pesquisas apontam para
a forte correlação entre a origem social dos alunos e seus destinos
escolares, bem como para o fracasso das políticas
compensatórias
A partir dos resultados obtidos por esta série de pesquisas é que se
desenvolveram as chamadas teorias reprodutivistas, ou crítico-
reprodutivistas, como as obras de Bowles e Gintis, Baudelot e
Establet, Bourdieu e Passeron (SAVIANI, 2009). Percebamos que,
principalmente a partir dos trabalhos destes dois últimos, será dada
atenção aos processos de seleção e de exclusão dos sujeitos no
sistema educacional, o que será possível a partir de uma análise
da relação entre educação e cultura (capital cultural), e das práticas
pedagógicas
Apesar de tais pesquisas terem se desenvolvido tendo por base um
substrato quantitativo, elas lançam um olhar qualitativo sobre a
realidade educacional, de modo que a investigação em torno de
práticas pedagógicas especí cas mostra-se fundamental para a
compreensão do sistema escolar como um todo. Segundo Zago et
al
Se nos anos 1960 a abordagem qualitativa para tratar as questões
da educação ainda se dava de forma marginal, ela foi a nal
consolidada nos anos 1970. Devido às revelações e denúncias
resultantes dos grandes levantamentos sobre o funcionamento das
escolas, e devido às críticas contundentes das teorias da
reprodução, muitos investigadores foram despertados por novas
tendências epistemológicas e outros olhares sobre as questões
educacionais (2011, p. 20)
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É um marco para estas pesquisas o desenvolvimento da
denominada “nova sociologia da educação”, também conhecida
como “sociologia do currículo”, capitaneada por autores como
Michael Young que, em 1971, publicou a coletânea Knowlegd and
Control, que passam a alterar o foco nas pesquisas educacionais,
não olvidando os aspectos estruturais presentes na constituição
das práticas pedagógicas, contudo, centrando-se nos aspectos
cotidianos das escolas, voltando-se para a cultura escolar
(FORQUIN, 1993). É neste cenário que tanto as abordagens
antropológicas ganham visibilidade, quanto aquelas ligadas a
correntes teóricas como a fenomenologia, o interacionismo
simbólico e a etnometodologia
Todavia, é válido ressaltar as críticas realizadas à maneira como as
abordagens qualitativas são introduzidas nas pesquisas. Segundo
Cardoso
Se nos Estados Unidos, a valorização do dado qualitativo veio
conjugada com o debate sobre as formas de conhecer, colocando
em discussão o princípio positivista da neutralidade e objetividade
do pesquisador, aqui estas técnicas foram revalorizadas sem maior
inquietação. A crítica à ciência vigente acentuou sua pobreza
técnica e seu distanciamento do real, apontando para a
necessidade de renovar as formas de coleta de dados como um
passo fundamental para enriquecer as interpretações. (CARDOSO,
p. 98-99)
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Podemos partir de uma de nição preliminar do que seja um EC,
baseada em Yin (2001, p. 32), que a de ne como uma estratégia
de pesquisa que “investiga um fenômeno contemporâneo dentro do
seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o
fenômeno e o contexto não estão claramente de nidos”. Já Cooper
e Schindler (2003, p. 120) apontam que “um único estudo de caso
bem planejado pode representar um desa o importante para uma
teoria e simultaneamente ser a fonte de novas hipóteses e
constructos”
Um dos questionamentos que se coloca acerca da utilização do
EC, enquanto ferramenta investigativa, é referente à
impossibilidade de lhe conferir um rigor cientí co diante da
possibilidade de distorção dos resultados por parte do pesquisador
(MENEZES, 2009). Para evitar que se caia em simplismos
metodológicos deve-se perceber que o EC demanda rigor por parte
do pesquisador, uma de nição clara do objeto a ser investigado,
bem como se necessita que os dados coletados estejam claros
Outro ponto nevrálgico no EC diz respeito à representatividade da
amostra, onde parece haver um embate com a ideia de
representatividade no que tange à pesquisa quantitativa, pois, o EC
também busca ser representativo, porém em termos qualitativos.
Acerca desse ponto Fonseca nos chama a atenção
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O problema metodológico que a natureza microscópica da
etnogra a apresenta é tanto real como crítico. Mas ele não será
resolvido observando uma localidade remota como o mundo numa
chávena ou como o equivalente sociológico de uma câmara de
nuvens. Deverá ser solucionado – ou tentar sê-lo de qualquer
maneira – através da compreensão de que as ações sociais são
comentários a respeito de mais do que elas mesmas; de que, de
onde vem uma interpretação não determina para onde ela poderá
ser impelida a ir. Fatos pequenos podem relacionar-se a grandes
temas, as piscadelas à epistemologia, ou incursões aos carneiros à
revolução, por que eles são levados a isso. (GEERTZ, 1989, p. 17)
Argumentamos, portanto, que na teia do social, qualquer
acontecimento possui relevância e signi cado, que se correlaciona
a fenômenos mais amplos, o que implica em dizer que existe uma
relação entre a situação particular e a estrutura social
Destacamos, até então, a etnogra a enquanto possibilidade de
investigação para o EC, o que se deve mesmo ao lugar a partir do
qual falamos: a antropologia. Porém, no EC várias técnicas podem
se combinar tendo em vista o propósito da pesquisa (YING, 2001),
o que não signi ca dizer que tais “técnicas” possam ser
combinadas de forma aleatória, tampouco descontextualizada e
completamente desconexa do substrato teórico que subjaz suas
formulações
Para Bruyne et al. (1977) os estudos de caso não podem se limitar
a descrições, ainda que bastante completas, devendo ser
orientados por hipóteses, apoiados em conceitos e prezar que a
coleta de dados seja dirigida por um esquema teórico.
Evidenciamos, portanto, que a utilização do mesmo não implica
uma falta de rigor cientí co, muito pelo contrário, o EC se baseia
tanto no rigor metodológico quanto teórico para se compreender
determinada realidade, sem que se perca a dimensão da
totalidade
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Mais uma vez nos defrontamos com a necessidade de pensar que
a singularidade do “caso” não se encerra em si mesma, realizamos
um “estudo de caso” nos leva a uma caracterização de uma dada
realidade, sem que com isso percamos sua relação com outras. O
processo de caracterização de determinada unidade (um professor,
um aluno, ou grupos destes, uma escola etc) não se encerra em si
mesma, pois, sempre no EC há um amplo diálogo que se
estabelece entre os dados empíricos e a literatura sobre o tema,
bem como com o substrato teórico que norteia a prática de
pesquisa. Sem este diálogo não estamos falando de um EC, pois,
a nal, apenas descrever uma realidade não é o mesmo que
realizar um EC, da mesma forma que ir a campo não é o mesmo
que realizar uma etnogra a
Estudo de caso e a pesquisa educacional brasileir
Quando nos utilizamos do banco de teses da CAPES para
pesquisar os trabalhos desenvolvidos que possuem o EC como
substrato das pesquisas educacionais, em nível de mestrado e de
doutorado, encontramos, apenas no ano de 2011, 126 trabalhos, o
que nos parece ser um número signi cativo em princípio, estando
incluídos aí trabalhos realizados junto a programas de pós-
graduação em educação e também em áreas conexas, como
letras, ensino de ciências etc
Quando classi camos as diversas temáticas, sobre as quais se
debruçaram tais estudos de caso, encontramos o seguinte cenário
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Formação de professores/educadores 43
Práticas Pedagógicas 24
Políticas Públicas 17
Ensino/Aprendizagem 14
Cotidiano Escolar 10
Avaliação 8
Leitura/Leitor 5
TIC 5
Total 126
Fonte: ANPE
Percebemos neste quadro que a maior parte das pesquisas que
têm se utilizado do EC, desenvolvidas no ano de 2011, focou no
processo formativo de professores e educadores de modo geral, o
que acompanha uma tendência já veri cada no GT de Sociologia
da Educação da ANPED (COSTA; SILVA, 2003), e no de História
da Educação (CATANI; FARIA FILHO, 2002) nos quais tal temática
tem ocupado um lugar de visibilidade na produção
Por mais que o EC possibilite uma combinação bastante elástica
de técnicas para a coleta de dados, raramente nestes trabalhos
são apresentadas fontes de dados secundárias para subsidiar as
questões postas, salvos no caso daqueles focados nas políticas
públicas educacionais, via de regra se apresentam enquanto
pesquisas qualitativas
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Neste breve balanço tivemos a oportunidade de perceber que o EC
voltado para a pesquisa educacional encontra-se amplamente
difundido, ultrapassando inclusive os limites dos programas de pós-
graduação em educação. Contudo, ainda carece ser mais bem
utilizado, para que não se constitua como sinônimo de uma
abordagem marcada pela falta de rigor metodológico (YING, 2001)
Um olhar sobre um estudo de caso
analisando os percursos de pesquis
Visando dar substancialidade ao que estamos discutindo aqui,
apresentaremos brevemente um EC envolvendo as representações
sociais entre alunos do ensino médio acerca da violência de gênero
no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Pernambuco (IFPE), campus Vitória de Santo Antão.11
O primeiro ponto que chamamos atenção diz respeito à própria
motivação da pesquisa, que, neste caso, assentou-se em dois
argumentos principais: a) devido ao fato de que a questão da
violência de gênero mostra-se como uma problemática social
proeminente na Zona da Mata Pernambucana (ZMP), de onde
provinha a imensa maioria dos alunos desta escola. Como
apontam os trabalhos de Schraiber et al. (2007, 2008), D’Oliveira et
al. (2009) esta região é um dos locais do mundo com maior índice
de violência de gênero contra as mulheres, atingindo cerca de um
33% das mesmas; b) o espaço escolar é por excelência um locus
de reprodução e problematização das relações de gênero
(MISKOLCI, 2010; 2012), apresentando possibilidades tanto de
rei cação de tais relações, como de transformações das mesmas
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A articulação entre dados quantitativos e qualitativos nos apontou
tanto para a dimensão plural de uma mesma unidade de análise,
quanto para a necessidade de se ter uma primeira aproximação
com a unidade a ser investigada, para então elaborarmos os
instrumentos de coleta de dados, o que nos foi possível já que
estávamos desenvolvendo a pesquisa na própria instituição
promotora. A linguagem do questionário, o encadeamento de
ideias, bem como o roteiro de entrevista foi todo elaborado
considerando fatores como: o grau de complexidade da questão
posta, a maturidade intelectual e emocional dos sujeitos
pesquisados, os objetivos da pesquisa. Nesta direção a utilização
de um pré-teste se mostrou fundamental, pois nos possibilitou ter
um retorno inicial com relação ao instrumento podendo melhorá-lo
para sua aplicação no grupo
O desenvolver da pesquisa nos possibilitou tanto visualizar com
clareza o quanto que determinadas questões relativas à violência
de gênero se faziam presente no cotidiano destes alunos, o que se
colocou através das representações dos mesmos, como também
foi além, apontando para o desconhecimento acerca de questões
relevantes deste tema (como a existência da violência sexual e
psicológica por parte do cônjuge, principalmente). Como já
a rmamos, o EC desenvolvido nesta escola mostrou-se
qualitativamente representativo, pois, para além de con rmar o
cenário da violência de gênero existente na ZMP, demonstrou como
esta afeta aqueles que não são suas vítimas diretas nesta região
O tratamento dos dados necessitou de outro cuidado redobrado,
pois, para além da dimensão metodológica precisávamos articular
os dados apresentados com o substrato teórico do qual partíamos,
o que não implicaria em um enquadramento dos dados
apresentados nas categorias teóricas utilizadas, uma vez que
compreendemos inclusive que o EC pode trazer ganhos
substanciais para a própria construção teórica
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O EC ainda nos possibilita articular a dimensão teórica com os
dados empíricos, de modo a esclarecer acerca dos limites e
possibilidades postas por determinadas categorias de análise. Um
exemplo que poderíamos apontar nesta direção diz respeito às
críticas que Lahire (1999) desenvolve acerca da teoria de Bourdieu,
ao apontar para os limites da categoria de habitus, amplamente
utilizada nas pesquisas educacionais. Para Lahire, mostra-se
pertinente a rmar que em escala coletiva ou macrossocial
indivíduos que ocupam dada posição social tendem a incorporar
determinadas predisposições, consequentemente agindo de uma
dada forma, mas isso não implicaria dizer que um indivíduo
especí co agirá da mesma forma. Para Lahire o equivoco consiste
em acreditar que o habitus individual é uma simples variação do
habitus coletivo. No que tange aos processos de socialização e sua
relação com a dinâmica escolar Lahire (1997) aponta que é
necessário estudar a dinâmica interna de cada família, para que se
possa compreender o modo e o grau como os recursos disponíveis
são transmitidos aos lhos. Percebamos que a partir desta
perspectiva o EC mostra-se como um recurso interessante para se
compreender esta “dinâmica interna” a qual Lahire faz referência,
possibilitando ao pesquisador ir para além da aplicação de
categorias analíticas à realidade analisada. Portanto, o EC mostra-
se também como uma importante ferramenta de articulação entre
teoria, metodologia e dados empíricos
E por m, rea rmamos aqui a necessidade de se desenvolver
pesquisas em que os instrumentos utilizados sejam expostos de
forma clara, bem como sobre o processo de articulação entre os
mesmos. O EC nos permite uma ampla gama de possibilidades de
articulação para o processo de delimitação e interpretação da
unidade de análise. Contudo isso não implica que o mesmo possa
ser realizado de forma aleatória, tampouco desarticulado com o
substrato teórico no qual se assentam determinadas “técnicas” de
coletas de dados. Os desa os da pesquisa educacional podem ser
pensados e enfrentados de várias formas, e certamente o EC se
mostra como uma das mais frutíferas
REFERÊNCIA
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14 Atualmente uma derivação da história oral de vida tem suscitado
interesse e atenção de pesquisadores: são as histórias orais de
família que retratam a saga de um grupo de parentesco - por laços
sanguíneos ou afetivos, como chave para se abrir um tempo
histórico. Esta modalidade não pode ser confundida com a história
de vida e nem mesmo com um conjunto de histórias de vida
individuais. Ela tem sempre um compromisso com um projeto de
vida familiar que envolve duas, três ou mais gerações. É um reviver
de um processo histórico envolvendo membros de uma
comunidade que revela rupturas e permanências
15 A esse respeito voltamos a evocar o Projeto de Pesquisa
anteriormente citado e a leitura do livro de Pereira e Tosta (2000)
16 Esse texto é parte das re exões realizadas pelas autoras
durante o Minicurso: História Oral e Educação: impregnações,
virtualidades e ressonâncias, ofertado no VI Encontro sudeste de
História Oral em Juiz de Fora/MG, em 2006
17 Referimo-nos ao Presídio de segurança máxima “Nelson
Hungria”, na cidade de Contagem, localizado no mesmo bairro
onde está a escola
18 Fizemos consultas nos arquivos da cidade de Contagem, na
biblioteca pública e nos Centros Culturais
19 A referência é a categoria “pedaço”, muito bem formulada por
Magnani, para dar conta de suas andanças como etnógrafo pela
cidade de São Paulo. Sobre isto conferir: MAGNANI, José G. C. Na
metrópole - textos de antropologia urbana. 3. ed. São Paulo:
Edusp, 2006
20 Top é uma blusa bem curta e justa, normalmente sem mangas,
em que parte do corpo de quem usa ca à vista
21 Cruzeiro Esporte Clube e Clube Atlético Mineiro são os dois
grandes e rivais clubes do futebol mineiro. A “Má a Azul” é a
principal torcida organizada do primeiro time, enquanto a do
segundo é a “Galoucura”
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28 A análise de Regina Abreu (2003) sobre os “mestres da arte”, na
França, ilustra de maneira paradigmática essa convergência de
sentidos. Ver em Godelier (2007) interessante re exão sobre os
bens inalienáveis, guardados para serem transmitidos
29 Também a ideia de “patrimonialização” exige uma re exão
profunda e quali cada uma vez que portadora de uma carga
semântica dirigida às políticas de cultura. De forma ampliada, no
entanto, patrimonialização pode ser entendida como o
“reconhecimento de uma atividade intelectual e/ou sentimental por
parte dos setores populares e/ou eruditos da sociedade, que
procedem no sentido de classi car (e “puri car”) os elementos e
objetos considerados dignos de manutenção, preservação e
transmissão, visando a criar uma linha de tempo entre o passado, o
presente e o futuro” (ROCHA, 2007, p. 76). Acrescente-se ainda, o
reconhecimento de atividades, práticas e objetos de natureza
material e imaterial. Também Trajano Filho (2012), chama a
atenção para a complexidade que envolve a ideia de
patrimonialização na medida em que contempla os processos de
construção de sentido político-cultural de saberes, práticas e
objetos por parte de setores diversos (populares e eruditos) da
sociedade
30 A MRN iniciou suas atividades em meados dos anos de 1960
com a descoberta das primeiras ocorrências de bauxita na região.
Em 1974 foi assinado um acordo de acionista da Mineração Rio do
Norte S.A., atualmente composta pelas seguintes empresas: Vale
do Rio Doce (40%), BHP Billiton Metais (14,8%), Rio Tinto Alcan
(12%), Companhia Brasileira de Alumínio (10%), Alcoa Brasil
(8,58%), Norsk Hydro (5%), Alcoa World Alumina (5%), Abalco
(4,62%). (Fonte: <www.mrn.com.br/indez_1024.html>). Acessado
em 07/11/2011
31 É su ciente citar, nesse momento, Acevedo e Castro (1998)
32 Caracterização detalhada da cidade de Oriximiná encontra-se
em Russi & Rocha (2012)
33 Ver em Mello (2001) um breve panorama histórico acerca do
distanciamento conceitual entre arte/artesanato na história
ocidental
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49 Há registros de atendimento a alunos com de ciência mental
em ensino regular juntamente com pessoas com de ciências
físicas e visuais, em 1887, na Escola México, no Rio de Janeiro.
Mais detalhes a este respeito pode ser encontrado em Jannuzzi
(1985b, p. 36-42)
50 A educação sustentada pelas ideias positivistas a rmava que o
progresso humano seria uma decorrência do desenvolvimento
cientí co, no sentido de criar tecnologias voltadas para o bem-estar
da espécie humana (AUN, 1994)
51 Conferência que reuniu em Jomtien, na Tailândia, os países em
desenvolvimento para traçarem metas acerca dos excluídos de
seus sistemas de ensino, independentemente de suas condições
52 Para tratar especi camente da educação dos alunos com
necessidades especiais, entre eles os portadores de de ciências,
os países reuniram-se em Salamanca, Espanha (1994), assumindo
a seguinte posição. Cada país deveria: “construir um sistema de
qualidade para todos e adequar as escolas às características,
interesses e necessidades de seus alunos, promovendo a inclusão
escolar de todos no sistema educacional (UNESCO, 1994)
53 De nição da National Association of Retarded Citizens (NARC)/
EUA: integração é uma loso a ou princípio de oferta de serviços
educativos, que se põe em prática mediante a provisão de uma
variedade de alternativas de ensino e de aulas adequadas ao plano
educativo de cada aluno, permitindo a máxima integração
educacional, temporal e social entre alunos de cientes e não
de cientes durante o período escolar normal. Ver BAUTISTA
(Coord). Necessidades Educativas Especiais. Lisboa: Aljibe, 1993
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Notas Introdutória
Pensar na História oral é permitir que a história não se limite a
burocracia dos arquivos públicos e aos documentos que privilegiam
sempre os grandes fatos, os grandes heróis e feitos. A Historia oral,
assim compreendida, amplia a possibilidade de resgate da história
de pessoas que não estão registrados nos livros de História e nos
documentos denominados de o ciais. Com efeito, a Historia oral
possibilita um renovado olhar para fontes documentais em que o
pesquisador investiga, na medida em que não somente os
documentos escritos são valorizados, mas, também, as falas e,
principalmente, a memória dos sujeitos
Desde esta perspectiva, o que podemos enfatizar sobre a relação
entre historia oral e pesquisa educacional? E quais as
peculiaridades que essa interface contém
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Tanto a história de vida como a história oral foram instrumentos
fundamentais nas pesquisas desses cientistas sociais. Boas as
empregava para grandes discussões sobre o homem e a cultura e
Thomas, Zanieck e Dollard já alertavam para as di culdades de tais
métodos, pois, os depoimentos orais apresentavam aspectos
apenas parciais da realidade e por isso não podiam ser usados
isoladamente, precisariam ser complementados com outras
técnicas. Os referidos autores destacavam, ainda, as implicações
psicológicas das histórias de vida, na medida em que tais recursos
eram adequados para o conhecimento de um indivíduo em seu
contexto sociocultural e, por isso mesmo, muito nuançado pela
subjetividade do informante. Fato que poderia distorcer narrativas
sobre a realidade e implicar em pontos de vistas muito singulares
ou especí cos
Entretanto, e, ao mesmo tempo, eles anotaram a importância da
História oral como estratégia de pesquisa para registrar fatos ainda
não xados em documentação escrita, não conservados e que
tenderiam ao desaparecimento; como também consideravam a
oralidade para explicitar o não explícito ou o “indizível”. No m dos
anos quarenta do século passado, o desenvolvimento e
disseminação das metodologias quantitativas de orientação
positivista acabaram obscurecendo as potencialidades da História
oral que, por sua vez, em relação a essas, parecia
demasiadamente isenta de rigor cientí co. Em contrapartida, as
pesquisas quantitativas eram reconhecidas como estudos gerais e
com pretensões de generalização que embaraçavam o estudo do
singular, dado que o geral na forma de surveys, por exemplo, é
conduzido por meio de itens cuja de nição e nalidades estavam
dadas pelo próprio pesquisador, pelos seus modos de agir e de
pensar
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No contexto da década de 1960 do século XX, com a consolidação
das pesquisas qualitativas na Europa e EUA, as histórias orais
passam por um período fértil de investigações, de desenvolvimento
e reconhecimento, principalmente nos Estados Unidos e Inglaterra,
com a emergência da chamada “história militante”, feita com novos
atores sociais e com o objetivo de “dar voz aos excluídos e
vencidos na história o cial”. Neste período, um fator a ser
destacado é o desenvolvimento tecnológico (gravadores, tas
magnéticas, fotogra a, vídeos) que acabou contribuindo para o
reavivamento da História oral, na medida em que punha ao alcance
dos pesquisadores recursos não só de conservação dos registros,
como a possibilidade de aprofundamento teórico e metodológico
das informações obtidas por essa metodologia. De fato, o uso do
gravador ou do vídeo e, mais recentemente, destes recursos e
muitos outros convergindo num só suporte, permite captar uma
quantidade maior de informações e torna possível uma delidade
maior na decodi cação das mesmas. A tecnologia pode conservar
com maior precisão e nitidez linguagens, gestos, pausas e outros
sinais que são convertidos em informação12. Além do que, o uso
das tecnologias pode assegurar e consolidar a constituição de
acervos de história oral mais ágeis e disponíveis para consulta de
pesquisadores
Para Verena Alberti (1990), a História oral é um método de
pesquisa que se situa em fronteiras comuns do conhecimento
como a Antropologia, a Sociologia, a História a Literatura etc. É um
método de investigação cientí ca que privilegia a realização de
entrevistas com pessoas que participaram ou testemunharam
acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, tomando-os como
estratégia para se aproximar com o mais possível de um tema de
estudo. Entendida dessa maneira, a História Oral é uma
metodologia, portanto, um meio e um caminho param se chegar à
geração de novos conhecimentos. Como todas as metodologias, a
História oral apenas estabelece e ordena procedimentos de
trabalho tais como o per l dos sujeitos históricos a serem
entrevistados, tipos de entrevistas, formas de ordenamento e de
utilização das entrevistas organizadas em acervo13
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Como parte de um conjunto de métodos qualitativos e como
potencial produtor de novas fontes de consulta, a História oral
a rmou-se como recurso metodológico no meio acadêmico
brasileiro no nal dos anos de 1960. Sua difusão e consolidação,
na década de 70, resultaram na organização de vários programas
de pesquisa em história oral em instituições de ensino superior e
centros de pesquisa
O método da História Oral trata de acontecimentos históricos,
instituições, grupos sociais, categorias pro ssionais, movimentos
sociais, tendo como eixo e elemento central os depoimentos. Estes
acontecimentos devem ser coletados na forma de entrevistas não
diretivas e gravados através da interação entre o entrevistador e o
entrevistado, possibilitando reconstituir o vivido na intensidade mais
próxima do concreto, na medida em que o passado é revivido na
lembrança, na memória (NEVES, 1997). Portanto, alguns aspectos
são imprescindíveis à realização da História oral, dentre eles, a
entrevista ou coleta de depoimento através da comunicação direta
do tipo face a face entre pesquisador e entrevistado. Por isso, o
entendimento da técnica de entrevista como interação entre
sujeitos ser tão necessária e relevante ao pesquisador de história
oral; A nal, por meio da História oral podem ser produzidas versões
de acontecimentos e de processos históricos, enquanto resultado
de uma inter-relação dinâmica entre o pesquisador e o sujeito
entrevistado. Juntos, tais sujeitos revisitam o passado para, a partir
do presente, melhor compreende-lo, contribuindo para a
explicitação da relação entre estes tempos. “Ao por em evidência,
através da entrevista, que a referência ao passado ocorre no
contexto do presente sob o critério de sua signi cação para ele, e
de que a memória opera uma revisão no passado em função das
exigências do presente” explica Neves (1997)
De acordo com esta mesma autora, as potencialidades da História
oral são in nitas podendo assim ser sintetizadas
• O testemunho oral é o núcleo da investigação e orienta o
investigador a considerar questões tais como a da relação
entre memória e história e entre a oralidade e a escrita
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Nesta modalidade de depoimento a participação do pesquisador é
mínima e são usados roteiros abertos e exíveis, cujos temas nele
indicados servem para orientar a reconstituição do passado a ser
feita durante as entrevistas14. Um dado importante a ser
considerado é que a elaboração do roteiro de entrevista é sempre
resultado do esforço dos pesquisadores em obter conhecimentos
prévios sobre o entrevistado. Seja através de obras autorais, de
pesquisa documental, ou de interlocuções com o próprio narrador
de pessoas próximas a ele15
A História oral na investigação d
problemas educacionai
Para as pesquisadoras Inês Teixeira e Vanda Praxedes16, no artigo
intitulado “História oral e Educação - tecendo vínculos e
possibilidades pedagógicas”, os estudos sobre educação, em geral,
têm privilegiado os diagnósticos e críticas de problemas relativos à
área, analisando-os na situação presente e propondo soluções.
Nesse caso é possível pontuar que poucos deles fazem referência
ao passado; não se questiona o que foi escrito, tomando-o muitas
vezes como verdades cristalizadas; não se tem feito análises na
perspectiva histórica
Assim, os conhecimentos produzidos pouco permitem entender os
processos sociais de integração ou de mudanças. Constatação,
aliás, que se aplica a qualquer tipo de pesquisa, se esta não estiver
enquadrada em uma análise conjuntural e não abordar um período
histórico maior, de modo a evidenciar fatores de transformação e
de renovação de uma sociedade (GOLDMAN; FERNANDES apud
DEMARTINNI, 1988). Outra crítica que se faz é que pouco se
conhece sobre o passado dos processos de escolarização da
população, na medida em que as pesquisas realizadas tendem a
privilegiar aspectos institucionais como o sistema educacional e
sua expansão, se atendo raramente aos sujeitos e agentes
envolvidos na educação
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Para Teixeira e Praxedes (2001), a historia oral, alem de se
caracterizar como um instrumento metodológico, se constitui como
ato pedagógico na medida que potencializa seu caráter formativo,
ou seja, a partir de uma entrevista e, simultaneamente, de um
resgate da memória, de um fato vivenciado, o sujeito não somente
revive a historia, mas reinterpreta e ressigni ca a sua própria
existência no mundo. E vai se conhecendo e se reconhecendo
como sujeito histórico, percebendo a possibilidade de, a partir do
resgate do passado, ressigni car a sua própria identidade no e com
o mundo e, em particular, com a comunidade onde está inserido
Desenvolvendo essa linha de argumentação, as autoras ampliam a
concepção de historia oral em três fundamentos teóricos e
epistemológicos que, sem dúvida, contribuem para a discussão da
relação historia oral e educação. O primeiro diz respeito à própria
compreensão do que seja o conhecimento cientí co e a verdade
cientí ca, pois, a história oral questiona não só os caminhos para a
construção deste conhecimento, mas o seu caráter, a sua natureza
e a sua possibilidade. Ele problematiza a noção de verdade
cientí ca hegemônica na ciência moderna. O segundo fundamento
está voltado para o sujeito e as suas práticas culturais nos tempos
de rotina da vida, como também nos momentos das festas e das
celebrações, ou seja, no seu fazer cotidiano. O terceiro e último
fundamento encontra-se na a rmação que a pesquisa é um
encontro socioantropológico, é uma relação intersubjetiva entre
sujeitos que falam e ouvem; que sentem e pensam. Para as
autoras, cabe ao pesquisador a busca da informalidade e da
espontaneidade, tratando-se de um encontro entre sujeitos com
diferentes registros culturais e temporários – o que exige um
permanente exercício de alteridade dos evolvidos na investigação
Desde esta perspectiva, a história oral pode ser entendida como
uma verdadeira experiência pedagógica a partir do momento que
não só interroga e registra, mas potencializa a condição e a ação
dos sujeitos no mundo. Dito de outro modo, em suas narrativas os
sujeitos não apenas trazem a tona suas lembranças,
reminiscências e interpretações, mas as reivindicam e
reinterpretam no tempo presente em que estão situados
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Desse modo continuamos a andar pelo bairro a procura de falas,
de imagens, de cenas, de pessoas, en m, que contribuíssem para
o desenvolvimento da pesquisa. E uma teia de relações foi sendo
construída, propiciando a criação de uma rede de informantes:
sempre ao m de uma entrevista ou coleta de depoimento, a última
fala era: “procura o ou a...”. Assim essa teia foi sendo tecida
gradativamente e pessoas sendo identi cadas como fontes
potenciais para a reconstituição da história do lugar. Como diz
Silva
Di cilmente uma cidade se aninha em forma de modelo no cérebro
de qualquer estudioso. É espaço sobre o qual se anda e de onde
se recolhem, na superfície, sinais que merecem leitura, ao mesmo
tempo, ávida e cautelosa. O conhecimento da cidade é, portanto,
um conhecimento produzido pelos percursos. Ela nunca se destaca
do observador e se oferece como um quadro no museu, para cuja
contemplação adequada ele busca, com seus passos que tateiam
no chão, o lugar ideal, o ângulo perfeito (2009, p. 6)
Não éramos andarilhos da cidade, mas de um “pedaço dela”19.
Neste andar realizamos cerca de 50 entrevistas com homens e
mulheres, incluindo 25 jovens moradores de Nova Contagem. A
análise feita das entrevistas, após sua transcrição, nos permitiu
concluir que, em primeiro lugar, o bairro se constrói no imaginário
dos moradores, a partir de dois discursos. O primeiro diz respeito à
fala dos moradores mais antigos, ou seja, aqueles primeiros
homens e mulheres que migraram para a região de Nova
Contagem na medida em que as terras foram sendo doadas pelo,
então, prefeito da cidade, Newton Cardoso, no ano de 1984. Eles
trazem uma perspectiva do bairro visto como uma região
interiorana. O segundo discurso diz respeito à perspectiva dos
jovens que trazem uma visão de Nova Contagem referenciada na
violência e na falta de oportunidades, seja no campo do trabalho,
do lazer, da continuidade dos estudos, dentre outras
Vivências de um passado que não se quer esquecer
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Aqui era só mato, não tinha nada. Telefone a gente sabia que
existia porque a gente ia no Eldorado. Os moradores recentes não
valorizam Nova Contagem hoje, eles não viram na época, a noite
única coisa que fazia era beber pinga. (Anderson Silva, 25/07/09/
Nova Contagem)
A falta de água era outro complicador do cotidiano dessa gente.
Era rotineiro andarem em mutirão a procura de poços de água para
abastecer as casas. Normalmente eram obrigados a fazer de três a
quatro viagens para pegar uma quantidade su ciente para tomar
banho e fazer comida. Segundo os moradores ouvidos era comum
o “banho de cavalo”, ou seja, esquentava-se a água no fogão de
lenha, cava-se em pé e se banhava. E aqueles moradores que
não tinham condição de buscar água por motivo de saúde
dependiam da boa vontade dos vizinhos
Na época que Nova Contagem foi inaugurada, no ano de 1984, não
havia um centro comercial (padaria, farmácia, mercearia, mercados
etc). Em razão disto, os primeiros moradores criaram a horta
comunitária, da qual qualquer um deles poderia pegar a quantidade
de verdura que quisesse. Outros plantavam frutas, distribuíam para
os vizinhos e havia, ainda, aqueles moradores que faziam biscoitos
e pães e vendiam nas ruas do novo bairro
Eu fazia pão e biscoito para vender. Mas a maioria pegava ado e
não pagava, mas não tinha problema, eu tava ajudando o próximo.
Eu queria ver todo mundo bem. Era muito comum naquele tempo
valorizar as pessoas, hoje ninguém liga para o próximo. (D. Zinha;
01/08/09/ Nova Contagem)
Tais di culdades enfrentadas de forma solidária e coletiva mostram
claramente a relação de amizade construída por esses moradores.
Interpretando a fala deles entendemos a persistente ideia de que
Nova Contagem era como uma cidade do interior, um lugar onde
todos se conheciam e cavam tranquilamente sentados na calçada
conversando
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Eu tenho saudade daquela época, era bom demais, podia dormir
de porta aberta que num tinha problema, era uma época muito
gostosa. Todo mundo conhecia todo mundo, todo era amigo de
todo mundo. Sinto falta da antiga Nova Contagem. (Zequinha,
17/07/09/ Nova Contagem)
No entanto, o bairro virou “cidade grande” e onde passavam carros
de leite, carrinho de rolimã, passam agora carros e motos em
número cada vez maior; e passam, também, pessoas estranhas,
desconhecidas! Onde estão as pipas? O dono da mercearia? Onde
está o banquinho da praça? Todavia, para esses primeiros
moradores, em que pese Nova Contagem ter crescido tanto e
desordenadamente, o bairro conservou algumas de suas
características originais. Vejamos o relato de um deles
Aqui é o melhor lugar para se viver. Aqui a gente compra ado,
conhece todo mundo, vai na casa dos vizinhos tomar café. É um
lugar muito tranquilo. Muita gente ca falando que aqui é violento,
mas eu não acho, acredito que é o melhor lugar (Zequinha,
17/07/09/ Nova Contagem)
Para Laplantine (2003), as imagens não são coisas concretas, mas
são criadas como parte do ato de pensar. Assim, a imagem que
temos de um objeto não é o próprio objeto, mas uma faceta do que
nós sabemos sobre esse objeto externo. De forma complementar,
explica a antropóloga Durhan (1973): O parentesco e o compadrio,
relacionando as unidades entre si, constituem os princípios
fundamentais de organização dos grupos de vizinhança. Desse
modo, durante as observações feitas e as entrevistas realizadas foi
possível constatar que os moradores que pensam o bairro de Nova
Contagem como interior moram em uma “vila” imaginária e, em
primeiro lugar, residem perto um do outro, facilitando assim, o
contato diário. Vejamos o relato de um deles: “Eu todo dia venho na
casa de meu compadre para tomar um café e bater papo. Aqui todo
mundo é família, eu sou casado com a irmã dele e a minha lha é
noiva do meu primo que mora em frente a minha casa” (João
Cabral; 23/ 07/09/ Nova Contagem)
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Percebemos que essa primeira geração de moradores de Nova
Contagem conservou as relações estabelecidas desde o início do
povoamento do bairro, ou seja, era muito comum, no período de
doações de lotes, incentivarem parentes e amigos a comprar e/ou
entrar no processo de recebimento do lote. Para muitos moradores
entrevistados, essa forma de convívio relacionando vizinho/
parentesco contribuiu para a adaptação num lugar desconhecido e
ermo
Eu só vivo assim. Saio da minha casa, passo na casa da minha
mãe para ver como ela está e vou para o trabalho. Às vezes meu
irmão me liga e me chama para tomar uma cerveja a noite aí eu
vou e aí a gente faz uma reunião familiar, é muito bacana (D. Lucia,
19/07/09/ Nova Contagem)
Outro aspecto observado, a partir das entrevistas com os
comerciantes do bairro e pelas observações feitas durante a
pesquisa, foi o de que as famílias que mantém essa relação de
vizinhança/parentesco mantêm uma rotina rígida no que dizia
respeito, não somente a estas relações mas, sobretudo, àquelas
que envolviam trocas econômicas. Sempre compravam na mesma
farmácia, padaria, mercearia, cortavam cabelo na mesma
barbearia, pelo fato dos donos dos estabelecimentos serem
padrinho, enteado, primo, irmão ou manterem outros vínculos entre
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O segundo discurso refere-se ao bairro visto como violento para os
jovens. Em relação a isto, no período em que estivemos no campo,
muitas vezes, presenciávamos adolescentes na faixa etária de 11 a
13 anos fumando nas calçadas, nos bares, na porta de casa.
Percebíamos certo olhar de descon ança por parte deles e isso
nos incomodava, pois, várias vezes fomos advertidos por
moradores para não circular em determinados lugares e para não
nos envolvermos com certos jovens os quais, para eles, eram
perigosos. Estas advertências nos permitiram reconhecer durante o
trabalho de campo dois sentimentos que os pesquisadores
necessitam ter: coragem e curiosidade
Transitando da escola para o bairro, já havíamos entendido a
necessidade de um distanciamento entre a escola e o trá co, ou
seja, ninguém incomoda ninguém. Contudo, estávamos no campo
como educadores e pesquisadores ávidos para responder nossas
indagações. O que demandava uma aproximação desses jovens
que nos olhavam com descon ança e hostilidade. Como chegar até
eles? Como acessá-los no contexto da investigação em curso
Como bem nos fala Silva (2009, p. 6
O percurso do etnógrafo no campo deriva da conjunção exitosa ou
atritada, isto é, pelos acordos e pelos entreveros entre a orientação
que ele mesmo quer imprimir a seu itinerário e os itinerários
permitidos, prescritos, previstos, aceitos pelos interlocutores/
interagentes. Acordos que conduzem às melí uas fusões de
horizontes ou a entreveros entrecortados de raios no horizonte e
trovões sobre a cabeça. Acordos e mal-entendidos, tessituras
sociais por excelência, termos com os quais nos referimos às
interações, sejam diálogos, cooperações ou competições, são
propriedades sociais que impregnam o processo etnográ co
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Quando todos os lugares são atingidos, de maneira direta ou
indireta, pelas necessidades do processo produtivo, criam-se,
paralelamente, seletividades e hierarquias de utilização com a
concorrência ativa ou passiva entre os diversos agentes. D’onde
uma reorganização das funções entre as diferentes frações de
território pode ser constatada. Cada ponto do espaço torna-se,
assim, importante, efetiva ou potencialmente. Tal importância
decorre de suas próprias virtualidades, naturais ou sociais,
preexistentes ou adquiridas segundo intervenções seletivas. Desse
modo, cada rua, cada avenida, cada beco é disputado pelos jovens
também como formas de poder. Para os rapazes e moças
entrevistados na pesquisa, o beco São José, por exemplo, é um
espaço de prestigio e o grupo que o conquista ganha notoriedade
na região: “É claro que a gente quer ser melhor que eles. Nós
queremos as mais gatinhas, a gente quer mesmo é aparecer. Aí
quando a gente ta com grana, aí a gente compra roupas, celular e
des la no bairro” (12/07/09, Nova Contagem)
Para estes jovens, ter êxito na disputa do espaço diz da
capacidade do consumo por parte do sujeito; é a legitimação de
uma norma regulada pela exibição de bens, cuja valorização oscila
entre um valor material e um simbólico, sendo impossível pensar
ambas as dimensões em separado. Em outros termos, o indivíduo ”
melhor” é aquele que tem a possibilidade de usufruir de roupas de
marca, celulares de última geração e outros equipamentos de
mídia- é a posse destes objetos que confere ao sujeito sua
“autoridade” e liderança e aquele que se apresentar com um maior
número de objetos tem o respeito do grupo. “Sou fã do Wellington o
cara só tem roupa doida. Ainda quero chegar perto dele. A
mulherada adora, o cara só pega menina linda, mas também, né,
celular do ano, tênis da moda, roupa de marca, aí ca fácil”
(13/07/09, Nova Contagem)
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A fala desse jovem encaminha para o segundo fato que nos
chamou atenção nas observações: A hierarquização e organização
do trá co de drogas. Ao iniciar as entrevistas, os jovens nos
falaram da necessidade da autorização do “chefe” para que eles
pudessem contribuir para a pesquisa. Para isso solicitara que
escrevêssemos em um papel as perguntas de nosso roteiro a m
de levarem ao conhecimento do “chefe”. Este apelo levou a outra
constatação: o trá co nas ruas era, também, limitado para os
próprios membros do grupo. Cada jovem tem o seu “posto” e
função e não pode ultrapassar esse limite durante as horas em que
está trabalhando. O papel onde estava um roteiro básico das
entrevistas foi por nós entregue e passado de mão em mão até
chegar ao tra cante
Nesse ínterim perguntamos a um jovem porque limitar o tráfego de
membros do próprio grupo. Sentimos certo desconforto da parte
dele em falar sobre o assunto, mas, paradoxalmente, e ao mesmo
tempo, tivemos a liberação das entrevistas com uma condição:
nenhuma pergunta relacionada diretamente ao trá co poderia ser
feita
Ficamos um pouco frustrados, no entanto, no decurso das
entrevistas, consciente ou inconscientemente, alguns jovens nos
davam pistas da forma de organização do trá co na região. Uma
dessas entrevistas salientou o código de conduta dos seus
membros
Quando a gente entra, eles falam que a gente não pode roubar na
comunidade, não fazer bagunça na escola porque isso pode
chamar a atenção da polícia. A gente não gosta de chamar a
atenção, é ruim para nós, nós preferirmos car no anonimato
(12/07/09, Nova Contagem)
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Outro relato que se destacou foi sobre a escolha do tra cante.
Quando um morria, na linha de sucessão quem assumia por direito
o lugar do outro era o seu “braço direito”, ou seja, o indivíduo de
maior con ança do tra cante. No entanto, o sucessor necessitava
ter duas características para concretizar o seu mandato, quais
sejam: uma dizia respeito à sua popularidade entre os membros do
grupo e a segunda a sua capacidade de agir de modo frio e
calculista. Valores relacionados à maldade eram lidos como
virtudes para quem comandava esse tipo de ação. Fato que dizia
de uma inversão de valores socialmente aceitos e necessários à
convivência social, como neste depoimento: “Eu me espelho muito
nele: Gosto dele, todo mundo gosta dele. Ele ajuda muito a gente.
Pede para a gente estudar, ele fala que é importante. Eu já vi
morrer muitos tra cantes, mas ele é o mais legal. Eu quero ser
igual ele!!! Ele é sinistro!!!!” (12/07/09, Nova Contagem)
De modo muito oportuno, o artigo intitulado “Pensar a constituição
da carreira criminosa: um diálogo entre a sociologia e a educação”,
do pesquisador Almir de Oliveira Junior (2008), introduz algumas
das principais teorias do crime na tradição sociológica e a partir
delas, indica alguns pontos que envolvem o papel socializador da
escola. Como, por exemplo, a teoria de Robert Merton que aborda
a carreira criminosa como um leque de alternativas socialmente
delimitadas. Nesse sentido, a pobreza não seria um fator relevante
na produção das taxas de criminalidade, mas sim a desigualdade.
Portanto, argumenta Oliveira Junior (2008) em sua leitura de
Merton, é importante pensar a carreira criminosa não como uma
carência material, mas a partir da impossibilidade de alcançar
objetivos desejados. E que lugar ocupa a escola nesse contexto?
Por esta linha de raciocínio, ao terminarem seus estudos nos quais
investiram tempo e dinheiro e não conseguirem um cargo com a
renda e status esperados, os indivíduos podem avaliar o sistema,
no caso o escolar e o social, como irracionais e injustos. Percepção
que abre espaço para busca de formas alternativas de se alcançar
os objetivos almejados. E práticas criminosas, inclusive, passam a
cumprir funções que as instituições legítimas na conseguem
atender e manter
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De forma complementar, Edwin Sutherland22, também citado por
Oliveira Junior (2008), aborda a carreira criminosa a partir de sua
teoria da “Associação”, em que o comportamento desviante tem
que ser apreendido, não bastando apenas a disposição em fazer o
ato infracional, tem que haver interações, relacionamentos
próximos que contribuam para essa “formação”
Desde estas perspectivas, pensando naqueles jovens
entrevistados, recorremos a Erick Erikson, citado também por
Oliveira Junior (2008), para quem a adolescência pode ser
entendida como um período crítico, o momento da vida em que se
enfrenta o desa o da adoção ou difusão da identidade: se os
adolescentes conseguem estabelecer relações grati cantes que
lhes proporcionem uma determinada quantidade de sucesso que
possibilite que veja a si mesmo como alguém com qualidades e
habilidades positivas, então, provavelmente terá uma identidade
estável. Caso contrário, se não for apoiado em seus
relacionamentos e seus fracassos pessoais acabarem sendo
salientados, o adolescente experimentará instabilidade ou difusão
no seu sentido de quem verdadeiramente é. Modos de perceber a
experimentar que abrem espaço para, “frente a pressões e status,
acabe por sentir certo conforto junto a grupos que buscam meios
alternativos” (OLIVEIRA JUNIOR, 2008, p. 86)
São argumentos que nos permitem a rmar que na percepção dos
jovens entrevistados o bairro Nova Contagem tem um lado positivo
e outro negativo. Em primeiro lugar, os grupos de amigos são, sem
dúvida, o lado mais positivo. Encontrar para jogar futebol,
conversar nas praças, sair com as namoradas são atividades
salientadas como positivas. O lado negativo encontra-se enraizado
nas batalhas de disputa do trá co que acontecem na região.
Segundo eles, mesmo com a delimitação de uso de ruas e becos, a
todo o momento há rixas, um olhar atravessado, uma placa de
carro anotada. En m, Nova Contagem é entendida como um
vulcão prestes a entrar em erupção: “A sensação que a gente tem
é que quando o leite derramar, o bicho aqui vai pegar, muita gente
vai morrer, vai sofrer e vai querer nunca ter nascido. Eu
particularmente não gosto do bairro” (24/07/09, Nova Contagem-
Jonathan)
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Durante as entrevistas feitas com os jovens, a sensação era que
estávamos no meio do fogo cruzado. A todo o momento eles
olhavam para trás, para os lados, conferindo se estavam ou não
sendo vigiados, ameaçados. Incomodados ou desconcertados com
essa situação, questionamos o porquê de tanta inquietação já que
estávamos sentados em uma praça pública e movimentada. A
resposta não deixou dúvidas: “Ninguém olha movimento de rua
não, já chega atirando. Semana passada perdemos um amigo,
morreu nessa mesma praça baleado. Mas isso não acaba por aqui,
eles sabem que vai ter volta” (24/07/09, Nova Contagem)
Outros jovens que participaram das entrevistas nos relataram que,
às vezes, cavam uma semana sem dormir e sem ir à escola com
medo de sofrer algum tipo de represália. Com efeito, no período da
pesquisa dois dos jovens entrevistados foram obrigados a mudar
de cidade, pois foram jurados de morte
Por que criamos as representações com as quais nos referimos e
nos situamos no mundo? A dinâmica das relações humanas é a
dinâmica da familiaridade. Se olharmos para a história, em
particular, para a história da Antropologia percebe-se que o
estranho, o desconhecido sempre causou pânico aos seres
humanos. O não familiar atrai e intriga as pessoas e a comunidade,
enquanto, ao mesmo tempo, impulsiona a buscar respostas. As
representações que fabricamos são sempre o resultado de um
esforço constante de tornar comum e real algo que é incomum,
estranho. Desse modo, representar Nova Contagem como lugar de
violência, segundo esses jovens, é primordial para sua
sobrevivência, dado que, a partir do momento que nomeiam
lugares, delimitam o espaço possível de ser usado dão conta de
manter suas interações naquele lugar
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Thompson, Paul. A voz do passado - história oral. Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1992
VISCARDI, Cláudia & DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Org.).
História oral - teoria, educação e sociedade. Juiz de Fora, Ed.
UFJF, 2006
2 “Festa à brasileira: signi cados do festejar, no ‘País que não é
sério’”
3 Agradeço a Guilherme Menezes pela leitura e sugestões nesta
parte do texto
4 Aqui tomadas no sentido de termos que fazem sentido no interior
da antinomia, sem entrar na questão de sua consistência e estatuto
seja no plano ontológico, discursivo, pragmático etc
5 Programa de Cooperação Acadêmica, neste caso entre o
PPGAS/USP e PPGAS/UFAM. O projeto denominava-se
“Paisagens Ameríndias. Habilidade, Mobilidade e Socialidade nos
Rios e Cidades da Amazônia” (2008/2012)
6 KERCKHOVE, Derrick de. “Texto, contexto e hipertexto: três
condições da linguagem, três condições da mente”. In: Revista
Famecos, n. 22, dezembro 2003
7 Alguns exemplos: Araújo (2004) sobre os diários virtuais de
meninas anoréxicas e bulímicas; Barreira (2004) a respeito da
construção do corpo entre de cientes físicos participantes de salas
de bate-papo; Silva (2008), sobre as relações interpessoais
estabelecidas e o modo como se construíram as (homo)
sexualidades entre homens que se relacionam afetiva e
sexualmente com outros homens e faziam parte de uma
comunidade de um programa de relacionamentos no Orkut
8 Relativo a lurking, literalmente, car à espreita
9 O autor, referenciando Paccagnela (1997), manifesta que é
pouco con ável em uma pesquisa on-line conseguir dados a
respeito da vida off-line. Nesse sentido, nas investigações no
mundo virtual a busca se dá em “compreender e penetrar no
conteúdo das representações de seus habitantes” (GUIMARÃES
JR. 1999, p. 8)
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14 Atualmente uma derivação da história oral de vida tem suscitado
interesse e atenção de pesquisadores: são as histórias orais de
família que retratam a saga de um grupo de parentesco - por laços
sanguíneos ou afetivos, como chave para se abrir um tempo
histórico. Esta modalidade não pode ser confundida com a história
de vida e nem mesmo com um conjunto de histórias de vida
individuais. Ela tem sempre um compromisso com um projeto de
vida familiar que envolve duas, três ou mais gerações. É um reviver
de um processo histórico envolvendo membros de uma
comunidade que revela rupturas e permanências
15 A esse respeito voltamos a evocar o Projeto de Pesquisa
anteriormente citado e a leitura do livro de Pereira e Tosta (2000)
16 Esse texto é parte das re exões realizadas pelas autoras
durante o Minicurso: História Oral e Educação: impregnações,
virtualidades e ressonâncias, ofertado no VI Encontro sudeste de
História Oral em Juiz de Fora/MG, em 2006
17 Referimo-nos ao Presídio de segurança máxima “Nelson
Hungria”, na cidade de Contagem, localizado no mesmo bairro
onde está a escola
18 Fizemos consultas nos arquivos da cidade de Contagem, na
biblioteca pública e nos Centros Culturais
19 A referência é a categoria “pedaço”, muito bem formulada por
Magnani, para dar conta de suas andanças como etnógrafo pela
cidade de São Paulo. Sobre isto conferir: MAGNANI, José G. C. Na
metrópole - textos de antropologia urbana. 3. ed. São Paulo:
Edusp, 2006
20 Top é uma blusa bem curta e justa, normalmente sem mangas,
em que parte do corpo de quem usa ca à vista
21 Cruzeiro Esporte Clube e Clube Atlético Mineiro são os dois
grandes e rivais clubes do futebol mineiro. A “Má a Azul” é a
principal torcida organizada do primeiro time, enquanto a do
segundo é a “Galoucura”
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28 A análise de Regina Abreu (2003) sobre os “mestres da arte”, na
França, ilustra de maneira paradigmática essa convergência de
sentidos. Ver em Godelier (2007) interessante re exão sobre os
bens inalienáveis, guardados para serem transmitidos
29 Também a ideia de “patrimonialização” exige uma re exão
profunda e quali cada uma vez que portadora de uma carga
semântica dirigida às políticas de cultura. De forma ampliada, no
entanto, patrimonialização pode ser entendida como o
“reconhecimento de uma atividade intelectual e/ou sentimental por
parte dos setores populares e/ou eruditos da sociedade, que
procedem no sentido de classi car (e “puri car”) os elementos e
objetos considerados dignos de manutenção, preservação e
transmissão, visando a criar uma linha de tempo entre o passado, o
presente e o futuro” (ROCHA, 2007, p. 76). Acrescente-se ainda, o
reconhecimento de atividades, práticas e objetos de natureza
material e imaterial. Também Trajano Filho (2012), chama a
atenção para a complexidade que envolve a ideia de
patrimonialização na medida em que contempla os processos de
construção de sentido político-cultural de saberes, práticas e
objetos por parte de setores diversos (populares e eruditos) da
sociedade
30 A MRN iniciou suas atividades em meados dos anos de 1960
com a descoberta das primeiras ocorrências de bauxita na região.
Em 1974 foi assinado um acordo de acionista da Mineração Rio do
Norte S.A., atualmente composta pelas seguintes empresas: Vale
do Rio Doce (40%), BHP Billiton Metais (14,8%), Rio Tinto Alcan
(12%), Companhia Brasileira de Alumínio (10%), Alcoa Brasil
(8,58%), Norsk Hydro (5%), Alcoa World Alumina (5%), Abalco
(4,62%). (Fonte: <www.mrn.com.br/indez_1024.html>). Acessado
em 07/11/2011
31 É su ciente citar, nesse momento, Acevedo e Castro (1998)
32 Caracterização detalhada da cidade de Oriximiná encontra-se
em Russi & Rocha (2012)
33 Ver em Mello (2001) um breve panorama histórico acerca do
distanciamento conceitual entre arte/artesanato na história
ocidental
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49 Há registros de atendimento a alunos com de ciência mental
em ensino regular juntamente com pessoas com de ciências
físicas e visuais, em 1887, na Escola México, no Rio de Janeiro.
Mais detalhes a este respeito pode ser encontrado em Jannuzzi
(1985b, p. 36-42)
50 A educação sustentada pelas ideias positivistas a rmava que o
progresso humano seria uma decorrência do desenvolvimento
cientí co, no sentido de criar tecnologias voltadas para o bem-estar
da espécie humana (AUN, 1994)
51 Conferência que reuniu em Jomtien, na Tailândia, os países em
desenvolvimento para traçarem metas acerca dos excluídos de
seus sistemas de ensino, independentemente de suas condições
52 Para tratar especi camente da educação dos alunos com
necessidades especiais, entre eles os portadores de de ciências,
os países reuniram-se em Salamanca, Espanha (1994), assumindo
a seguinte posição. Cada país deveria: “construir um sistema de
qualidade para todos e adequar as escolas às características,
interesses e necessidades de seus alunos, promovendo a inclusão
escolar de todos no sistema educacional (UNESCO, 1994)
53 De nição da National Association of Retarded Citizens (NARC)/
EUA: integração é uma loso a ou princípio de oferta de serviços
educativos, que se põe em prática mediante a provisão de uma
variedade de alternativas de ensino e de aulas adequadas ao plano
educativo de cada aluno, permitindo a máxima integração
educacional, temporal e social entre alunos de cientes e não
de cientes durante o período escolar normal. Ver BAUTISTA
(Coord). Necessidades Educativas Especiais. Lisboa: Aljibe, 1993
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Educação Patrimonial : O
inventário de uma experiência
Gilmar Roch
Adriana Russ
Introduçã
Este texto apresenta os resultados parciais de um programa de
extensão, desenvolvido no âmbito da Universidade Federal
Fluminense na localidade de Oriximiná, município situado no oeste
do Estado do Pará, na zona siográ ca do Baixo Amazonas.23
Trata-se do Programa de Educação Patrimonial voltado para o
ensino e a pesquisa capitaneado pelo curso de Produção Cultural/
Departamento de Artes e Estudos Culturais, de Rio das Ostras
(RJ), nanciado pelo MEC/SESu, com o apoio da Pró-Reitoria de
Extensão da UFF, da Secretaria de Cultura do Estado do Pará e da
Secretaria de Educação do município de Oriximiná, além de
instituições dos movimentos sociais locais, a saber: Associação dos
Povos Indígenas do Mapuera (APIM), Associação dos
Remanescentes Quilombolas do Município de Oriximiná (ARQMO),
Associação Moradores de Cachoeira Porteira Remanescentes de
Quilombolas (AMOCREC). Esse programa tem como objetivo
principal a formação continuada de professores da rede de ensino
do município em foco centrada na experienciação da educação
patrimonial. Entre os anos de 2010 a 2011, o Programa dedicou-se
a inventariar o artesanato tradicional da região; para 2012, o foco
de atenção se dirigiu para o trabalho de implementação e
acompanhamento dos projetos pilotos nas escolas da rede pública
de ensino
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Neste momento, contudo, nos limitamos a apresentar os
pressupostos que orientam o Programa e os desa os enfrentados
pelo mesmo ao longo de sua realização, ainda em curso, o que tem
obrigado muitas vezes a reorientação do trabalho da equipe de
pesquisadores.24 A importância desta exposição reside no fato de
possibilitar uma re exão, com implicações epistemológicas, em
torno do desenvolvimento de estratégias metodológicas de
pesquisa no campo da educação patrimonial e sua ampliação e
proposição futura em situações pedagógicas similares. Em ultima
instância, se pretende contribuir para o processo de constituição do
“campo” de estudos da etnoeducação.25
A vocação da educação patrimonia
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As políticas públicas em torno da cultura e do patrimônio tem
merecido atenção especial de organismos supranacionais como a
UNESCO, através de inúmeras resoluções voltadas para a
valorização do patrimônio cultural, bem como, de organismos
nacionais governamentais como o MEC e o IPHAN. Somam-se a
essas instituições outras não governamentais, ou seja, as ONGs
voltadas para a promoção de cidadania e fortalecimento de
experiências de empoderamento de grupos e comunidades locais
historicamente desassistidas pelo Estado. O resultado tem sido o
esforço permanente em se repensar e se criar formas alternativas
de educação. As inúmeras experiências no campo da educação
não formal, bem como, aquelas desenvolvidas à luz dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são, nesse caso,
exemplares.26
A verdade é que mesmo quando localizada no espaço da escola, a
educação deve ser pensada em relação aos domínios da vida
social, econômica, política, estética etc, à maneira dos fatos sociais
totais; a nal, ocupa um lugar privilegiado entre os domínios da
casa e da rua, para usar uma terminologia de DaMatta.27
Em meio às inúmeras iniciativas propugnadas por tais organismos
sobre a valorização dos bens culturais e dos saberes tradicionais,
destacamos o “campo” da educação patrimonial. Embora educação
e patrimônio possam ser tratados de modo distinto e seus
signi cados tenham se modi cado ao longo do tempo, ambas
parecem partilhar de um certo parentesco de sentidos. De forma
ampliada, educação e patrimônio são conceitos portadores de um
sentido “inalienável” e expressam o processo de transmissão de
um conjunto de bens (materiais e imateriais) de uma geração a
outra.28
Essa não é uma história pronta e acabada, antes ao contrário, tem
sugerido muitas perguntas e lançado vários desa os aos
pesquisadores da área na exata medida em que tem provocado o
diálogo entre as áreas da antropologia, da educação, da história,
da arquitetura, entre outras, apontando assim para a sua natureza
multidisciplinar. Característica que, para muitos, constitui num traço
identitário dos estudos de educação patrimonial
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O Programa Educação Patrimonial em Oriximiná tem clara
orientação multidisciplinar, com ênfase especial para o diálogo
entre a Antropologia (sobretudo a etnogra a), a Educação (na
con uência da escola formal com as experiências de educação não
formal) e o Patrimônio Cultural (especialmente, aqueles referidos
aos chamados saberes tradicionais). No horizonte dessas
interações está a formação continuada de professores-
pesquisadores da rede pública do município de Oriximiná. O
objetivo é o de que essa formação instrumentalize os agentes que
dela participam suscitando nos professores e alunos re exões e
ações de ensino e pesquisa em que o patrimônio cultural local
possa dialogar com o ensino da educação formal
É sabido que as re exões sobre a educação patrimonial ainda se
encontram em estado incipiente no Brasil e se desdobram em
múltiplas e variadas experiências. A despeito das inúmeras
diferenças que existem entre estas experiências nos parece que as
práticas que no Brasil, desde os anos de 1980, vem sendo
denominadas como “educação patrimonial” mantém algumas
intersecções. Basta destacar o caráter inter, multi, pluri ou
transdisciplinar que as constituem na medida em que tais práticas
articulam vários campos do saber humano
Sem pretender realizar uma genealogia do conceito, nesse
momento, evocamos a análise de Silveira e Bezerra (2007) sobre
educação patrimonial. Os autores observam que o processo de
aproximação da cultura, em seu sentido antropológico, com o
campo da educação e a sua incorporação pelo aluno na sala de
aula tem como referência os preceitos defendidos por Paulo Freire
e antecedem em muito as experiências denominadas educação
patrimonial. Nessa linha de re exão, vale lembrar ainda com
Fonseca (1996), a experiência protagonizada pela Fundação
Nacional Pró-Memória, denominada “Interação entre a educação
básica e os diferentes contextos culturais existentes no país”,
projeto desenvolvido nos idos de 1980
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Segundo o Guia Básico de Educação Patrimonial publicado pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) a
expressão “educação patrimonial” foi empregada em 1983, no
Brasil, por ocasião de um seminário realizado no Museu Imperial
em Petrópolis, no Rio de Janeiro. O encontro visava apresentar
uma metodologia inspirada no “uso educacional dos museus e
monumentos” a partir da experiência inglesa dos anos de 1970 do
evidence-based history cuja principal ideia era a utilização de
fontes primárias como ferramenta didática (BEZERRA, 2006;
SILVEIRA; BEZERRA, 2007; HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO,
2009). Assim, deixamos a Horta, Grunberg & Monteiro uma
de nição seminal da educação patrimonial no Brasil
é um instrumento de ‘alfabetização cultural’ que possibilita ao
indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à
compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-
temporal em que está inserido. Este processo leva ao reforço da
autoestima dos indivíduos e comunidades e à valorização da
cultura brasileira, compreendida como múltipla e plural (HORTA;
GRUNBERG; MONTEIRO, 2009, p. 6)
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Com efeito, esse paradoxo acaba por gerar outros desa os aos
pesquisadores da área, sejam eles agentes técnicos do campo de
salvaguarda e preservação do patrimônio, sejam arte-educadores e
professores com projetos na área de educação patrimonial. Dentre
os principais problemas que emergem da prática desses
pro ssionais, destaca-se o fato de muitas vezes não se levar em
conta o “ponto de vista do nativo”. Ainda são Silveira e Bezerra
quem advertem para o seguinte
é preciso que a participação dos grupos sociais vinculados aos
bens por intermédio de práticas sociais e simbólicas cotidianas seja
levada em consideração, a m de que os mesmos re itam acerca
do valor que sua cultura (atual ou ancestral) apresenta para
contextos culturais mais amplos, num sentido nacional ou
transnacional. O problema reside no fato de que, por vezes, tais
grupos sequer são ouvidos em seus anseios acerca do destino de
seus patrimônios. As pessoas ‘vivem o lugar’ onde os mesmos
existem como parte do cenário de suas paisagens de pertença,
independente do que pensam os pro ssionais do campo do
patrimônio, que, igualmente, têm tido di culdade em ouvir outras
áreas do conhecimento a quem o patrimônio também interessa
(2007, p. 88)
Tentando fugir a esse problema, o Programa de Educação
Patrimonial em Oriximiná, em sintonia com esse quadro de
referência, busca não só rea rmar sua vocação multidisciplinar,
bem como, destacar o “ponto de vista nativo” sobre a importância
de alguns de seus bens patrimoniais. Tais qualidades nos colocam
de frente a questões de ordem metodológica. Antes, porém, faz-se
necessário contextualizar o “campo” no qual o Programa tem sido
desenvolvido visando permitir melhor quali cação do artesanato
tradicional como bem cultural
Classi cando o artesanato tradiciona
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Oriximiná é um município do Estado do Pará, localizado às
margens do rio Trombetas – a uente da margem esquerda do rio
Amazonas (Figura 1). Mas, o que torna o município importante na
atualidade, garantindo sua visibilidade no mapa da região norte
brasileira, é a exploração de bauxita na Serra do Saracá pela
Mineração Rio do Norte (MRN30), sediada na vila de Porto de
Trombetas, distante a 70 km da cidade de Oriximiná. O impacto do
processo de exploração mineral na região, já avaliado por vários
pesquisadores31, justi ca a importância das iniciativas que visam a
re exão com os sujeitos envolvidos acerca da proteção e
salvaguarda de práticas culturais como, por exemplo, do artesanato
tradicional da região. Toda essa região abriga inúmeras
comunidades remanescentes de quilombos, grupos indígenas e
populações ribeirinhas e de terra rme. Toda essa pluralidade
demográ ca se traduz em diversidade cultural em termos de
narrativas míticas, sociabilidades festivas, ritos religiosos, culinária,
artesanato.32
Figura 1 – Município de Oriximiná/PA (em amarelo) e suas
fronteira
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Inventários são sistemas de classi cação e, portanto, modos de
ordenação social; ou nos termos de Durkheim e Mauss, “as
classi cações são, pois, destinadas, antes de tudo, a unir as ideias
entre si, a uni car o conhecimento; a este título pode-se dizer sem
inexatidão que são obras de ciência e constituem uma primeira
loso a da natureza” (1981, p. 451). Não é outro o espírito que
habita, em parte, o Programa de Educação Patrimonial em
Oriximiná. E o primeiro passo nessa direção consiste em
reconhecer a riqueza do imaginário cultural da região amazônica
(RUSSI; ROCHA, 2012). Trata-se de um mundo que para além da
imagem de “natureza encantada”, nos convida a descobrir (no
sentido de ultrapassar o exotismo que a cerca) um complexo
sistema cultural, densamente rico e fecundo em saberes
tradicionais e práticas simbólicas, tão so sticado e elaborado
quanto o da ciência moderna, tendo sido batizado por Levi-Strauss
de O pensamento selvagem (1989). A nal, como observa o
etnólogo francês, “as classi cações indígenas não são apenas
metódicas e baseadas num saber teórico solidamente constituído,
elas também podem ser comparadas, de um ponto de vista formal,
com aquelas que a zoologia e a botânica continuam a usar” (1989,
p. 60). Vale lembrar ainda que no universo das sociedades
tradicionais e primitivas não só os animais e os vegetais funcionam
como operadores simbólicos (totêmicos) entre a natureza e a
cultura, também as entidades sobrenaturais (espirituais) e mesmo
alguns objetos (artefatos) partilham dessa mesma condição. É o
que, muitas vezes, assegura a importância cultural do artesanato,
conferindo ao mesmo uma dimensão simbólica que ultrapassa sua
razão prática. De resto, lembram Durkheim e Mauss, classi car
consiste em processo de produção social de sentido sobre objetos,
seres e pensamentos, resultante de valores afetivos, pois, nos
termos dos autores “é este valor emocional das noções que
desempenha o papel preponderante na maneira pela qual as ideias
se aproximam ou se separam. É ela que serve de caráter
dominador na classi cação” (1981, p. 454). Nessa perspectiva, o
artesanato também pode ser bom para pensar sobre processos de
constituição das identidades grupais, de produção da memória
social, en m, de valorização do patrimônio cultural.34
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O impacto produzido pelas transformações econômicsa e sociais
decorrentes, entre outros, do processo de extração mineral, tem
afetado signi cativamente a rotina da produção artesanal na
região. Alguns objetos continuam sendo confeccionados
artesanalmente, outros têm sido substituídos por similares
industrializados. Outros ainda, simplesmente, perderam sua
funcionalidade. Exemplar, nesse caso, é o paneiro – espécie de
cesto cargueiro utilizado para transportar raízes, originalmente
produzido a partir de matéria-prima vegetal extraída de diferentes
palmeiras (Figura 2). Contudo, sua confecção passou, com o
tempo, a ser substituída por um saco industrializado em vários
pontos da região de Oriximiná (Figura 3). Ambas “embalagens”, a
artesanal feita com tala e a que lhe substituiu – o saco de bra
plástica‒, servem para acondicionar e transportar produtos da roça
ou coletados na mata ‒ mandioca, castanha do Pará e outros.
Servem ainda para transportar a farinha de mandioca, principal
componente da alimentação dos moradores de Oriximiná. E,
apesar da substituição de objetos artesanais pelos industrializados,
a população continua a confeccionar objetos de forma artesanal.
Essas adaptações ajudam a relativizar a ideia escatológica sobre o
m e/ou a morte de expressões das culturas populares, contudo,
assinala sua dinâmica e metamorfoses possíveis.36
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Certamente, nossa pesquisa sobre o artesanato tradicional não
pretendeu inventariar todo o universo de artesãos e objetos
confeccionados produzidos em Oriximiná/PA. Nesse sentido,
pensamos que as práticas artesanais pesquisadas podem ser
compreendidas como exemplos de patrimônio cultural na medida
em que representam uma expressão cultural importante entre os
grupos sociais investigados. Entretanto, convém salientar que não
ouvimos a expressão “patrimônio cultural” dos artesãos nem dos
moradores das comunidades, tal classi cação resulta de nossa
análise cujos passos principais e/ou estratégias metodológicas,
apresentamos em seguida
Metodologia do inventário
agentes, objetos e projeto
Ao longo da pesquisa consultamos 125 artesãos que vivem em
diferentes grupos étnicos e localidades da região de Oriximiná.
São, basicamente, remanescentes de quilombos, indígenas (dos
grupos Waiwai, Katuena, Tunayana, Kaxuyana, Tiriyó e Txikyana),
ribeirinhos e moradores de área rural de terra rme (planalto). A
distribuição desses artesãos é a seguinte: 62 quilombolas, 21
indígenas, 38 ribeirinhos, 04 moradores rurais de terra rme. Eles
estão localizados em 31 comunidades distribuídas em diferentes
regiões do interior. Das 31 comunidades 13 são quilombolas, 14
ribeirinhas, 01 comunidade rural de terra rme e 03 indígenas
Sobre o gênero e a faixa etária dos artesãos: 58% masculino e
42% feminino sendo que 51% dos entrevistados são adultos
maduros, 22% adultos jovens, 22% idosos, 05 % jovens. Foram
identi cados 64 tipos distintos de artefatos confeccionados com as
seguintes tecnologias: trançado (palha e tala), utensílios de
madeira, cerâmica, adornos, cordões e tecidos. A tecnologia do
trançado está presente em 90% das comunidades visitadas, a
produção de utensílios de madeira em 58% das comunidades, a
cerâmica em 29%, os adornos em 13% delas e em apenas 3% das
comunidades identi camos a produção de cordões e tecidos. A
matéria-prima é predominantemente de origem vegetal o que
revela grande conhecimento por parte dos artesãos do manejo das
espécies utilizadas.37
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Apenas para situar o leitor é importante apontarmos nosso
percurso iniciado em 2008. No ano em que começamos nosso
trabalho em Oriximiná nos colocamos numa posição de ouvintes/
participantes. Muitas eram nossas ideias e imenso nosso
desconhecimento sobre o local e suas “gentes”. Por isso, fomos
traçando uma trajetória de aproximações com lideranças e com os
professores. Foi assim que em 2009, realizamos um mapeamento
preliminar de áreas, comunidades e possíveis artesãos a serem
visitados durante a coleta de dados do inventário propriamente dito.
Inicialmente, o mapeamento considerou as localidades indicadas
por membros da Secretaria Municipal de Educação de Oriximiná e
Secretaria de Cultura, Desporto e Lazer. Em campo, seguindo as
orientações dos próprios artesãos, outros nomes eram somados à
lista de possíveis e futuros entrevistados. Em outras palavras, os
artesãos eram quem indicavam os nomes de outros moradores das
comunidades a serem consultados. Foi respeitada ainda a
disposição dos artesãos em participar da pesquisa. O levantamento
se deu através de visitas rápidas a inúmeras comunidades em
todas as regiões do município. Dessa forma, foram visitadas as
seguintes localidades da região: Planalto, Lago Sapucuá, Baixo,
Médio e Alto Trombetas. Em embarcações de diferentes tamanhos,
percorreu-se os rios Trombetas, Erepecuru (Cuminá), Cachorro,
Mapuera e atingimos entre outras as comunidades dos Lagos
Sapucuá, do Moura e do Batata. Por terra, através da estrada do
BEC, atingiu-se as populações de terra rme, percurso este feito no
período das chuvas (dezembro a maio), época em que se deu a
maior cheia dos rios nos últimos anos no norte do Brasil. Todo esse
processo revelou-se de extrema importância na exata medida em
que parece metaforizar uma das próprias atividades artesanais em
foco, ou seja, o “trançado” com palhas, talas e os, formando uma
verdadeira “rede” ou “tessitura” cultural, ricamente adornada com
os os simbólicos das relações entre memórias, agentes, o meio e
seus artefatos
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O inventário foi desenvolvido por docentes e discentes da equipe
em três etapas de pesquisa de campo: duas realizadas em 2010
(janeiro e julho) e uma em 2011 (entre julho e agosto). Cada etapa
teve duração média de um mês. A equipe de pesquisa, composta
por docentes e discentes universitários, realizou observação direta,
entrevistas e sistematização dos dados em chas catalográ cas,
nas quais foram descritas informações objetivas, de caráter
quantitativo e qualitativo, acompanhada de registro audiovisual.
Durante a coleta dos dados para o inventário, foi empregada a
Metodologia do Inventário do Patrimônio Cultural do Estado do
Pará (IPC/PA), na categoria saberes e fazeres. Esta metodologia
foi concebida a partir do Inventário Nacional de Referências
Culturais do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional
(INRC/IPHAN) e do Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão
(SICG)
Em suma, a pesquisa etnográ ca contou com outras estratégias
metodológicas em sua realização: da observação participante com
registros audiovisuais, buscou-se acompanhar o processo de
coleta da matéria-prima e de seu processamento para uso na
confecção dos artefatos artesanais até o preenchimento de cha de
catalogação na qual se descreve o processo de fabrico, materiais
utilizados, função atribuída etc
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Dois resultados imediatos do inventário foram a produção de um
catálogo (RUSSI; ROCHA, 2012) e de um lme documentário
(disponível na contracapa do mesmo). Como já dito, não era nosso
propósito um aprofundamento da análise do objeto (artefato) para
além de suas formas e materiais. É sabido que os objetos que
integram o inventário do artesanato tradicional revestem-se de um
valor especí co para as comunidades visitadas e seus artesãos.
São, pode-se dizer, “materiais de memória” e, como tal, são
portadores de qualidades estéticas e valores culturais que poderão
ser desvelados com pesquisas em profundidade no futuro. A nal,
são objetos que revestem-se de conhecimentos, sentimentos,
en m, funções simbólicas que transbordam sua utilidade primeira.
Isso pode ser ilustrado, com o ralador (Figura 4). Vimos e
participamos da confecção de um ralador de madeira que levou
vários dias, quando de nossa visita à aldeia Mapuera. Uma artesã
trazia consigo uma prancha de madeira e sobre linhas diagonais
nela desenhada, fazia a incrustação de minúsculas lascas de um
minério preparado para tal m. Ao término deste procedimento,
com a participação de seu esposo, hoje já falecido, passou à
pintura do artefato executada em duas etapas. Uma primeira para
impermeabilizar o artefato e a segunda para ricamente adorná-lo. A
pintura a quatro mãos – as da artesã e as de seu marido – chegou
a um resultado estético em que as cores vermelho e preto davam
forma a guras de animais e elementos geométricos
Figura 4 – Ralador de madeira em fase nal de pintur
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Portanto, uma análise que segue o caminho da matéria para o
signi cado e busca os sentidos que lhes são atribuídos poderá ser
levada adiante em pesquisas futuras. Dessa forma, este inventário
tem funcionado como uma fonte de informações, um ponto de
partida para nosso trabalho de formação continuada dos
professores-pesquisadores
As idiossincrasias e disponibilidades dos artesãos informantes
foram respeitadas durante a pesquisa de campo. Assim, nem
sempre foi possível, por exemplo, acompanhar a confecção de um
artefato. Muitas vezes houve impossibilidade de observar a coleta e
preparo da matéria-prima usada. Em algumas ocasiões, ao
contrário, acompanhamos ao longo de alguns dias a coleta, o
preparo da matéria-prima e a confecção do artefato. Noutras
ocasiões, porém, a entrevista com o artesão foi bastante breve,
quase uma rápida conversa
A análise e interpretação dos dados sobre o artesanato coletados
em campo se deu a partir de pesquisa bibliográ ca sobre a
temática. O Dicionário do artesanato indígena, de Berta Ribeiro
(1988) e a Suma etnológica brasileira, organizada por Darcy
Ribeiro e outros (1987) nortearam a compilação das informações.
Assim, empregamos destas obras a forma de categorização do
artesanato, descrição dos processos de manufatura do artefato e
da matéria-prima, além de suas nomenclaturas. Além destas obras,
no caso da tecnologia dos trançados empregamos ainda o modelo
desenvolvido em A cestaria como trançado de memórias - a
estética da produção cesteira na região do Rio Juquiá-Guaçu,
trabalho realizado por Mello (2001)
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Em sintonia com o espírito dos sistemas de classi cação, o
inventário pretendeu identi car o maior número possível de
artesãos, nas diferentes regiões que compõe o vasto município de
Oriximiná, bem como o maior número, também possível, de objetos
(artefatos), por nós considerados expressões do artesanato
tradicional, ou seja, aqueles produzidos de maneira artesanal e
transmitidos de uma geração à outra. Posto que não se pode
catalogar todos os artesãos e todos os artesanatos, deve car claro
que o inventário nos fornece apenas um panorama, uma
perspectiva sobre a produção do artesanato tradicional daquela
localidade. Contudo, sua função, acreditamos, é pedagógica na
medida em que pretende ser uma fonte de referência para outras
iniciativas a serem desenvolvidas pelos professores e seus alunos,
por exemplo, em torno das festas e ritos religiosos, da culinária,
das narrativas míticas etc
Investigação em curs
Essa experiência, não está concluída, antes o contrário, encontra-
se em desenvolvimento e tem suscitado muitas outras questões e
re exões que esperamos apresentar em outros momentos
Não obstante, destacam-se como ações principais do programa: 1)
a formação continuada de educadores com o objetivo de instigar
um olhar sensível para o patrimônio; 2) o desenvolvimento de
metodologia inovadora que articula etnogra a e trabalhos por
projeto na educação formal; 3) fomentar a preservação do
patrimônio cultural material e imaterial na cultura local
Imaginando que essa metodologia venha ser empregada em outras
experiências como essa, temos procurado encontrar “elementos
chave” que estão centrados sobremaneira no processo ensino-
aprendizagem e na postura do professor-pesquisador, experiência
esta vivenciada de forma colaborativa com os alunos. O resultado
da pesquisa sobre o artesanato tem sido empregado com
desdobramentos na formação de professores-pesquisadores da
rede pública de Oriximiná
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Um dos resultados esperados nessa fase, então, é a preparação
do volume 2 dos Cadernos de Cultura e Educação para o
Patrimônio para publicação. Trata-se de material paradidático,
organizado a partir dos registros produzidos pelos agentes da ação
(alunos e professores) participantes dos projetos pilotos. Esta
“obra”, entendida como fruto de uma ação coletiva, funciona tanto
como memória para seus participantes quanto síntese dos projetos
desenvolvidos, dando a conhecer os objetivos, estratégias
metodológicas, aportes teóricos, en m, problemas e caminhos
abertos pelo programa de educação patrimonial em Oriximiná
Em suma, o trabalho que tem sido realizado se pauta na atuação
conjunta dos professores das escolas e seus alunos, dos
representantes da Secretaria Municipal de Educação e Secretaria
Municipal de Cultura, Desporto e Lazer.40 Nesse sentido, nos
aproximamos da proposta da “pesquisa-ação” na qual o
conhecimento e a ação são resultados de um trabalho colaborativo
e participativo dos atores e agentes envolvidos no processo, mas
dela nos afastamos por não visar um resultado “funcionalmente”
pragmático, como muitas vezes parece sugerir o sentido comum
atribuído a esse tipo de metodologia (TRIPP, 2005). Embora seja
notória as a nidades metodológicas da “pesquisa-ação” com a
vocação dos programas de extensão, não pensamos a educação
patrimonial como metodologia salvacionista de um corpo doente
chamado educação. A educação patrimonial não pode ser vista
como aplicação de injeções de consciência cultural previamente
preparada, nem como o resultado da expressão acabada de uma
razão prática, segundo a abordagem de Sahlins (2003). Sua
importância para o campo da educação e do patrimônio, com suas
implicações de ordem teórico-metodológica, representa um desa o
e, ao mesmo tempo, um convite, para um diálogo que se inicia já
nessa fase da pesquisa com a etnogra a do pensamento, segundo
a formulação de Geertz (1989), e a antropologia do conhecimento,
nos termos de Barth (2002), com ns à elaboração de uma re exão
teórica sobre a “etnoeducação patrimonial”.41 Mas, essa é uma
discussão a ser realizada em outro lugar, em outro momento
REFERÊNCIA
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transforma-se em patrimônio cultural – notas sobre a experiência
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13 É oportuno lembrar sempre que a criação de acervos deveria
ser um dos objetivos nais de qualquer pesquisa em história oral,
como preciosas e, às vezes, inéditas fontes a serem
disponibilizadas para consultas e novas pesquisas. Exemplar deste
produto da história oral é o Centro de Pesquisa e Documentação
(CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas, que tem servido a diversos
pesquisadores, inclusive estrangeiros, na busca de
aprofundamento da história política do país e no desvelamento de
fatos ainda não estudados. Isso mostra a importância de uma
organização cuidadosa e devidamente atualizada e normatizada do
acervo com a catalogação das tas e textos e seu
acondicionamento em espaços apropriados
14 Atualmente uma derivação da história oral de vida tem suscitado
interesse e atenção de pesquisadores: são as histórias orais de
família que retratam a saga de um grupo de parentesco - por laços
sanguíneos ou afetivos, como chave para se abrir um tempo
histórico. Esta modalidade não pode ser confundida com a história
de vida e nem mesmo com um conjunto de histórias de vida
individuais. Ela tem sempre um compromisso com um projeto de
vida familiar que envolve duas, três ou mais gerações. É um reviver
de um processo histórico envolvendo membros de uma
comunidade que revela rupturas e permanências
15 A esse respeito voltamos a evocar o Projeto de Pesquisa
anteriormente citado e a leitura do livro de Pereira e Tosta (2000)
16 Esse texto é parte das re exões realizadas pelas autoras
durante o Minicurso: História Oral e Educação: impregnações,
virtualidades e ressonâncias, ofertado no VI Encontro sudeste de
História Oral em Juiz de Fora/MG, em 2006
17 Referimo-nos ao Presídio de segurança máxima “Nelson
Hungria”, na cidade de Contagem, localizado no mesmo bairro
onde está a escola
18 Fizemos consultas nos arquivos da cidade de Contagem, na
biblioteca pública e nos Centros Culturais
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25 Por ora, apresentamos somente os contornos iniciais de um
conjunto de questões que deverão subsidiar re exões futuras em
torno da noção de etnoeducação
26 Resumidamente, o percurso parcial das transformações em
torno da cultura e da educação, pode ser observado em Rocha
(2009; 2012)
27 Nos termos de Rockwell e Ezpeleta (2007), situa-se em meio ao
plano da sociedade civil e do Estado. Nesse sentido, todo e
qualquer estudo da educação no âmbito da escola, deve conjugar
as esferas do micro e do macro
28 A análise de Regina Abreu (2003) sobre os “mestres da arte”, na
França, ilustra de maneira paradigmática essa convergência de
sentidos. Ver em Godelier (2007) interessante re exão sobre os
bens inalienáveis, guardados para serem transmitidos
29 Também a ideia de “patrimonialização” exige uma re exão
profunda e quali cada uma vez que portadora de uma carga
semântica dirigida às políticas de cultura. De forma ampliada, no
entanto, patrimonialização pode ser entendida como o
“reconhecimento de uma atividade intelectual e/ou sentimental por
parte dos setores populares e/ou eruditos da sociedade, que
procedem no sentido de classi car (e “puri car”) os elementos e
objetos considerados dignos de manutenção, preservação e
transmissão, visando a criar uma linha de tempo entre o passado, o
presente e o futuro” (ROCHA, 2007, p. 76). Acrescente-se ainda, o
reconhecimento de atividades, práticas e objetos de natureza
material e imaterial. Também Trajano Filho (2012), chama a
atenção para a complexidade que envolve a ideia de
patrimonialização na medida em que contempla os processos de
construção de sentido político-cultural de saberes, práticas e
objetos por parte de setores diversos (populares e eruditos) da
sociedade
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30 A MRN iniciou suas atividades em meados dos anos de 1960
com a descoberta das primeiras ocorrências de bauxita na região.
Em 1974 foi assinado um acordo de acionista da Mineração Rio do
Norte S.A., atualmente composta pelas seguintes empresas: Vale
do Rio Doce (40%), BHP Billiton Metais (14,8%), Rio Tinto Alcan
(12%), Companhia Brasileira de Alumínio (10%), Alcoa Brasil
(8,58%), Norsk Hydro (5%), Alcoa World Alumina (5%), Abalco
(4,62%). (Fonte: <www.mrn.com.br/indez_1024.html>). Acessado
em 07/11/2011
31 É su ciente citar, nesse momento, Acevedo e Castro (1998)
32 Caracterização detalhada da cidade de Oriximiná encontra-se
em Russi & Rocha (2012)
33 Ver em Mello (2001) um breve panorama histórico acerca do
distanciamento conceitual entre arte/artesanato na história
ocidental
34 À exemplo da arte, visto como portador de qualidades
simbólicas, o artesanato constitui um meio privilegiado para se
pensar processos de circulação cultural, qualidades mágicas,
agência como sugerem, por exemplo, Gell (1998) e Lagrou (2009),
já mencionados
35 Pode-se evocar ainda as observações de Walter Benjamin
(1994) sobre o narrador como processo de intersubjetividade
experimentado pelos agentes envolvidos na ação simbólica,
momento vivido com qualidades rituais, na medida em que aciona
saberes tradicionais, técnicas corporais, qualidades emocionais
36 São inúmeros os estudos que apontam para as mudanças de
sentido e as transformações pelas quais as “tradições” tem se
modernizado ver, por exemplo, Hobsbawn e Ranger (1984) e
Canclini (1990)
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41 Além de Geertz, Barth e outros clássicos da antropologia que se
dedicaram a compreender os processos de produção, transmissão
e validação do conhecimento humano, nas mais diversas
expressões do “pensamento selvagem” e/ou do pensamento
cientí co, uma fonte de inspiração para o desenvolvimento futuro
de uma teoria “etnográ ca da educação”, encontra-se em Goldman
(2006) e Rocha (2012). De modo especial, nossa atenção está
voltada para o caso particular da educação patrimonial, aqui
referenciada como “etnoeducação patrimonial”
42 Psicóloga e educadora. Nasceu na Rússia, formou-se em São
Petersburgo, Paris e Genebra. Seu trabalho revela a in uência da
psicologia sócio-histórica russa, e da abordagem interacionista
elaborada por Claparède e Piaget
43 Ideal de educação proposto no início do século XX, alicerçado
nas ideias propagadas pelo Instituto Jean Jacques Rousseau.
Caracterizou-se por novas propostas pedagógicas que enfatizavam
a democracia nas relações escolares, uma educação que
respeitasse as diferenças individuais, as aptidões e os interesses
das crianças. Sobre a Escola Nova ver ROMANELLI. In: História da
Educação no Brasil (1930/1973). Petrópolis, Vozes, 2002
44 Anormais: os que sofrem de moléstia contagiosa e repugnante,
os imbecis que por defeito orgânico forem incapazes de receber
educação. Diz-se de indivíduo cujo desenvolvimento físico,
intelectual ou mental é defeituoso. (DICIONÁRIO AURÉLIO, 2002)
45 Entende-se por reabilitação, segundo Mazzotta (1996), o
processo de tratamento de pessoas com de ciência que, mediante
o desenvolvimento de programação terapêutica especí ca de
natureza médico-psicossocial, visa à melhoria de suas condições
físicas, psíquicas e sociais. Desse modo, a reabilitação caracteriza-
se pela prestação de serviços especializados e se desenvolve
necessariamente através de equipe multipro ssional. Entre as
atividades multidisciplinares requeridas, via de regra, encontram-se
também as educacionais
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Introduçã
Foucault (1995), em seu livro As palavras e as coisas ao traçar
uma arqueologia da palavra nos vários séculos decorrentes do XV,
ressalta que neste tempo histórico especí co, “o mundo está
coberto de signos que é mister decifrar”, e, que “conhecer será,
pois, interpretar: ir da marca visível ao que se diz dela e que, sem
ela, permaneceria palavra muda, adormecida nas coisas” (p. 54). A
relação com os textos é da mesma natureza que a relação com as
coisas, uma e noutra, é de sinais que a gente se serve
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Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei
nº. 4.024), garantiu o direito dos “alunos excepcionais” à educação,
estabelecendo, em seu Artigo 88 que, para integrá-los na
comunidade, os alunos deveriam enquadrar-se, dentro do possível,
no sistema geral de educação. Entende-se que nesse sistema
geral estariam incluídos, tanto os serviços educacionais comuns,
como os especiais, mas pode-se também compreender que,
quando a educação de de cientes não se enquadrasse no sistema
geral, deveria constituir um especial, tornando-se um subsistema à
margem do geral46, apesar desse não ser o propósito à época
A interpretação que se faz é que essa e outras imprecisões
acentuaram o caráter dúbio da educação especial no sistema geral
de educação. A questão que se apresentava na época era: en m,
diante da lei, trata-se de um sistema comum ou especial de
educação? Desse modo, essa situação vai se perpetuar ainda até
os anos 90
Em 1972, foi constituído pelo Ministério de Educação e Cultura
(MEC) o Grupo-Tarefa de Educação Especial com participação do
especialista James Gallagher, norte-americano consultor em
educação especial, que apresentou propostas de estruturação da
educação especial brasileira. Os resultados dos trabalhos do
Grupo–Tarefa contribuíram para a criação de um órgão central
responsável pelo atendimento aos excepcionais no Brasil, sediado
no próprio Ministério e denominado Centro Nacional de Educação
Especial (CENESP). Esse Centro é hoje a Secretaria de Educação
Especial (SEESP), que manteve basicamente as mesmas
competências e estrutura organizacional de seu antecessor.47
O que se percebe, a rma Mazzotta (1996) é que a condução das
políticas de educação especial no Brasil esteve por muito tempo
nas mesmas mãos, ou seja, foram mantidas por um grupo que se
envolveu a fundo com essa tarefa. Essas pessoas, entre outros,
estavam ligadas a movimentos particulares e bene centes de
assistência aos de cientes que, até hoje, têm muito poder sobre a
orientação das grandes linhas da educação especial
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Na época do regime militar, instaurado em 1964, por exemplo,
eram generais e coronéis que lideravam as instituições
especializadas de maior porte. Assim, antes, durante e depois da
vigência deste regime, observa-se a continuidade da presença de
certos grupos na condução da política de educação especial no
Brasil.48
De fato, no início dos anos 60 é que essa modalidade de ensino foi
instituída, com a denominação de “educação dos excepcionais”.
Segundo Aun (1994), as classes especiais49 públicas vão surgir
mantidas por discursos cientí cos positivistas que defendiam a
separação dos alunos normais e anormais, na pretensão de
organizar salas de aula homogêneas, a partir dos preceitos da
racionalidade e modernidade. A permanência desse modelo se
con rmava à medida que o critério de seleção da sua clientela
repousava no pré-requisito do desvio de normalidade estabelecido
pelo ensino regular. Assim, para Aun (1994) ao estabelecer a sua
clientela como aquela que apresenta “desvios” em características
biológicas, estatísticas, psicológicas ou sociais, a educação
especial reproduz, no âmbito de ação o processo de participação-
exclusão.50
No terceiro período, na década de 90, o movimento de inclusão,
que começou incipiente na segunda metade dos anos 80 nos
países desenvolvidos, tomou um forte impulso. Sob a inspiração de
novos princípios traçados na Conferência Mundial de Educação
para Todos51 e a Declaração de Salamanca52, o Brasil
comprometeu-se a enfrentar o desa o de construir uma escola de
qualidade para todos, fruto do movimento mundial que reconhece e
rea rma o direito à educação de todas as pessoas
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Sob a ótica de Sassaki (1998), tanto integração quanto inclusão se
constituem formas de inserção. Era próprio da integração escolar,
principalmente na década de 60 e 70, apoiar-se no referencial
médico da de ciência, segundo o qual era preciso modi car a
pessoa com de ciência para ajustá-la aos padrões de normalidade
estabelecidos no meio social (familiar, escolar, pro ssional,
recreativo, ambiental). Ou seja, a integração escolar é de nida
como uma forma de inserção que admite alunos com de ciência
desde que esses se ajustem à escola regular nos moldes
tradicionais
Da educação especial à educação inclusiva
“incluir para transformar
Já a prática da inclusão escolar, segundo Mantoan (2003), pauta-
se na capacidade de entender e reconhecer o outro e, assim, ter o
privilégio de conviver e compartilhar com pessoas diferentes; é
acolher todas as pessoas, sem exceção. É construir formas de
interagir com o outro, que, uma vez incluídas, poderão ser
atendidas as suas necessidades especiais; o estudante com
de ciência física, os que têm de ciência mental, os superdotados,
todas as minorias e para o aluno que é discriminado por qualquer
outro motivo
Como destaca Sassaki (1998), Educação inclusiva é o processo
que ocorre em escolas de qualquer nível preparadas para propiciar
um ensino de qualidade a todos os alunos independentemente de
seus atributos pessoais, inteligências, estilos de aprendizagem e
necessidades comuns ou especiais
A inclusão escolar é uma forma de inserção em que a escola
comum tradicional é modi cada para ser capaz de acolher qualquer
aluno incondicionalmente e de propiciar-lhe uma educação de
qualidade. Na inclusão, as pessoas com de ciência estudam na
escola que frequentariam se não fossem de cientes (SASSAKI,
1998c, p. 8). Sá (2005) a rma que a escola inclusiva exige novas
estruturas e novas competências
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Observa-se que as escolas públicas não têm correspondido às
características individuais e socioculturais diferenciadas de seu
alunado, funcionando de forma seletiva e excludente. Para Sá
(2005), especial é a educação que legitima esquemas, espaços e
dimensões do conhecimento e dos direitos humanos sem atributos
restritivos
Com base no princípio inclusivo, elabora-se o conceito de que o
de ciente é uma pessoa com direitos e deveres iguais a todo e
qualquer ser humano. Neste sentido, conscientes de que o
processo de mudança está intimamente ligado ao processo
educacional, necessário se faz inverter a ordem do estabelecido.
Isto é imprescindível para que todos possam se fazer ouvidos,
sabedores dos seus próprios desejos e defensores de seus
direitos, preconizando o indivíduo, o cidadão, o próprio sujeito da
história e não a de ciência. Tornando assim, a “Educação Especial”
mais e ciente e elevando ao estatuto de “especial” a prática
educacional inclusiva
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) mais
recente Lei nº. 9.394 de 20/12/96 destina o Capítulo V inteiramente
à educação especial, de nindo-a no Artigo 58 como uma
modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na
rede regular de ensino, para educandos que apresentam
necessidades especiais (CURY, 2002, p. 101). Pergunto: Este
destaque representou de fato um avanço
Sem dúvida, avançou-se muito em relação ao texto da Lei nº.
4.024/61, pois, parece que não há porque rejeitar a ideia de que a
“educação dos excepcionais” pode enquadrar-se no sistema geral
de educação. Mas, a verdade é que continuamos ainda atrelados à
subjetividade de interpretações, quando se depara com o termo
“preferencialmente” da de nição citada, que não garante de fato o
direito. Observam-se nos decretos pós LDB 9394/96 que apontam
para a questão da educação dos portadores de necessidades
educacionais especiais de forma mais abrangente e em sintonia
com o momento democrático
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O cotidiano para Certeau: “é aquilo que nos é dado a cada dia, nos
pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do
presente, é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior.
É uma história a meio caminho de nós mesmos, quase em retirada,
às vezes velada” (1998, p. 31). É uma história que ca no entre, no
devir, mesmo que o entendimento deste presente nos pressione a
cada dia. A partir de Certeau, busquei analisar como essa escola
representada em sua comunidade escolar – mais especi camente
os professores – se reconhecem ou não em seus processos de
subjetivação, como vivem e como se tornam professores na/da
escola – local em que, segundo Foucault “atuam relações de poder,
relações de força e certo jogo de poder” (1999, p. 202)
Rocha deixa claro que tem sido bastante difícil, na maioria das
instituições de formação, transformar a realidade que se apresenta
como desestimulante e produzir forças mobilizadoras para a
construção de caminhos e práticas grati cantes e fecundas, uma
vez que “o trabalho que ela (escola) vem fazendo está na ordem da
captura da sensibilidade, do discernimento, en m, da produção de
novos focos de subjetivação”. (2000, p. 186
O confronto entre a análise do portfólio da escol
e as questões da comunidade escola
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Ao analisar o portfólio da escola como etapa da pesquisa
documental, minha preocupação foi vê-lo mais como o registro das
intenções, dos objetivos, das metas, das experiências vividas que
caram de certa forma ‘plasmadas’ em certas representações da
escrita. Aí emergiram e se tornaram formas do grupo se identi car,
reconhecer seus objetivos e transformá-los. Esse documento
tornou-se para essa pesquisa um valioso instrumento de
investigação, pois, o que estava sendo observado em campo
fraturava de algum modo as intenções de uma escrita anterior
registrada nesse portfólio. Várias questões foram suscitadas,
oportunizadas pelo que chamo de fratura do discurso desse
documento. Isso se tornou um importante analisador no decorrer
dos encontros com o coletivo da escola – assim se
autodenominando os professores e a direção da instituição –
quando as intenções, as práticas eram relembradas, e porque não
resgatadas, em suas falas
Nos encontros realizados com os professores e coordenação da
escola nos denominados ‘Grupos Focais’, a primeira pergunta que
se zeram girava em torno da dúvida da pertença. Porque a
comunidade haveria de destruir algo que era considerado dela e
para ela? A resposta insistente era que, na verdade, a comunidade
não sentia a escola como sua. Era então preciso abrir as portas,
convidar a comunidade a adentrar os portões. Era preciso envolver
a comunidade. A nal, se perguntavam: era a escola a excluída da
comunidade ou a comunidade excluída da escola
Uma maior proximidade foi tentada com o uso de atividades
oferecidas à comunidade como capoeira, empréstimo das quadras
de esportes recém-construídas pela Secretaria Municipal de Obras
etc; estratégias essas antes hesitosas passam a ser exitosas, o
que garantiu e garante até hoje uma maior penetração e
participação das pessoas do entorno. Tal engajamento da
comunidade ‒ mesmo que de forma um pouco trôpega – encontra,
hoje, um novo e maior desa o: a busca da inclusão de seus lhos
de cientes
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Apesar do propalado abandono dos órgãos executivos municipais,
as professoras acreditam no próprio trabalho que está sendo
realizado. Valorizam a atitude do corpo docente, que mesmo com
todas as di culdades encontradas nas instâncias governamentais,
têm buscado fazer movimentos revitalizadores de práticas
inclusivas
No ano de 2002, cientes da distância existente entre os objetivos
traçados e a realidade vivida pela comunidade dos nossos alunos,
buscamos então iniciar o processo de construção do conhecimento
desta comunidade, os seus desejos, as suas expectativas em
relação à escola, e assim, conhecer melhor nossos alunos
(PORTFÓLIO DA ESCOLA, s/d, p. 01)
A maioria dos pro ssionais dessa escola, conforme consta no
portfólio da escola, “vê a aprendizagem como uma descoberta do
processo interação aluno X grupo, trabalha com avaliação
processual, se norteando pela investigação”; mas também está
registrada neste mesmo documento, a presença reconhecida de
relatos que con rma que vários pro ssionais, apresentam tanto
tendências tradicionais, quanto críticas e/ou tecnicistas. Os
professores entrevistados dizem ter escolhido a pro ssão docente
ou por terem isso como sonho de infância ou como escolha
pro ssional já depois de adulto, in uenciado por familiares ou por
outros professores
Trata-se de um grupo que ainda está em construção para achar
uma melhor metodologia pedagógica, entremeando momentos de
seu trabalho ora com tendências construtivistas, ora com
tendências do ensino tradicional
O coletivo dos professores de nossa escola acredita no trabalho
que desenvolve com criatividade, solidariedade, criticidade,
contextualização, valores e autonomia, construindo assim uma
escola de qualidade. Cada vez mais, a percepção de que o afeto é
o o condutor da aprendizagem se faz mais forte. (PORTFÓLIO DA
ESCOLA, p. 15)
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Mesmo com o registro das intenções e planos futuros nesse
portfólio, é relevante acrescentar que são vários os projetos
anexados que versam sobre Arte, Música, Eventos com e para a
comunidade. Mas, fato curioso, não há ainda nenhuma referência
ao projeto da escola inclusiva. Isso nos leva a crer que a Inclusão
Social é ainda uma política que não está inscrita nas práticas dessa
escola, sem nenhum registro nesse documento. Existe um único
documento ‒ uma espécie de cartilha organizada e enviada pela
Secretaria Municipal de Educação ‒ que chegou até à escola e que
está disponível para consultas na biblioteca e que por lá
permanece até os dias atuais
O aluno especial: o hiato entre
informação e as prática
É usual de nir o aluno ‘especial’ como aquela criança que não é
capaz de acompanhar a dinâmica da classe, que precisa de apoio
ou atendimento educacional diferenciado. Em termos gerais é
possível dizer que é o aluno que precisa de atendimento
educacional especí co (GONZÁLEZ, 2007). Na escola onde se
desenvolveu a pesquisa, os professores acreditam na importância
de se incluir o aluno especial, mas já virou clichê entre eles, o velho
argumento de não saberem como fazer isso
É paradoxal de certa maneira observar essa queixa quando ao
escutar “o outro lado”, ou seja, os gabinetes do executivo, o que se
ouve – mesmo que em tom de justi cativa – é que oferecem cursos
de capacitação e pessoal de apoio. Existe um hiato entre esses
dois mundos. O que um diz fazer é desconhecido pelo outro como
tentativas de estratégias de intervenções inclusivas
Para o pesquisador que coloca em análise as práticas e efeitos da
inclusão o que sobressai aos olhos de quem acompanha esse
movimento é uma dissonância entre vários eixos: entre o que se
fala e o que se faz; entre o que se espera e o que se tem; entre o
que um professor sozinho faz e quando esse mesmo professor em
grupo diz fazer
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O que seria “dar trabalho” para esse professor? Novamente caímos
na velha discussão que alunos quietos, passivos, “mortos” em sala
de aula – peculiaridades não pertencentes absolutamente aos
alunos cadeirantes – são os melhores alunos. Por esse viés, os
alunos portadores de algum tipo de necessidade educacional
especial que não se movimenta ou locomove-se seria o elo perdido
do bom funcionamento de uma sala de aula
Continuando com a análise do movimento na escola, a queixa do
professor é que não há nenhum tipo de revezamento que propicie
um movimento dessa criança de ciente entre o corpo docente. Ela
é “adotada” na maioria das vezes pela mesma professora que “tem
mais jeito”, ou pela novata que está chegando à escola. Ano após
ano essa criança permanece com essa professora, além dos dois
anos que em coro as professoras pediram para permanecer com a
mesma turma alegando importância de se dar continuidade ao
trabalho. Ao ultrapassar os dois anos tornam-se especiais, tal como
seus alunos especiais. Paralisadas e imobilizadas, esvaziadas de
desejo e produção
Existem relatos que as professoras se dizem especiais por serem
as eleitas pela escola para essas crianças. Acabam por se
tornarem “vítimas” de um processo de convencimento e aliciamento
que as fazem acreditar que é ela a mais indicada para estar com
“aquelas crianças”. É a qualidade total na educação novamente: o
homem certo no lugar certo
Questionam, se revoltam, criam um movimento de questionar a
ordem ditada, mas, invariavelmente, caem em um sentimento de
culpa. Como dizem, é como se ao tomar a atitude de movimentar
as escolhas e designações pudessem “quebrar” a boa ordem de
bondade e compaixão da inclusão social. E essa culpa não dá para
compartilhar. “É sina”
À primeira vista seria uma distorção do que Guimarães Rosa
(1984) dizia e se faz tão rmemente presente no discurso dos
mineiros: “O capinar é sozinho, mas a colheita é coletiva”. Na
escola o capinar é sozinho e a colheita é mais sozinha ainda. Não
há trocas. Reconhecida distorção para um lugar que em primeira
instância teria que se primar por trocas
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Com a implantação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da
Educação 9394/96, polêmicas vêm sendo geradas não somente na
escola lócus dessa pesquisa, mas nas diferentes regiões e
realidades da grande rede de ensino fundamental que recobre
nosso território nacional. Não são poucos os escritos, pesquisas e
debates que abordam as sutilezas dos processos agenciados no
Projeto Inclusivo das escolas de ensino regular, evidenciando as
tensões que estão sendo vividas nas escolas. É recorrente ouvir
dos professores do ensino fundamental que o projeto da Educação
Inclusiva tem criado situações e di culdades muitas vezes
intransponíveis. A questão, cuja ênfase incide normalmente no trato
com alunos com necessidades especiais, não é simples e apenas
re ete a complexidade das escolas regulares. O que veri camos é
que o projeto de inclusão, pelo modo como foi formulado (nos
gabinetes e sem a interferência do professorado), pela maneira
verticalizada como foi implementado, pelas relações entre
Secretarias de Educação e escolas (assessoramento assistemático
e capacitação) e pelas condições quase sempre precárias do
sistema escolar (organização do tempo e do espaço
institucionalizados, quantitativo de alunos por turma, excesso de
trabalho), vem suscitando controvérsias que tocam em pontos
sensíveis de nossa realidade educacional. Para além dos
procedimentos que vão regulamentar a entrada de alunos com
necessidades especiais, estamos vivendo um momento
tensionador do sistema. O desa o é por uma boa escola para
todos, o que a rma a luta não só por igualdade entre os alunos
especiais e os demais como também pelas diferenças, o que
implica a inclusão das múltiplas necessidades de cada um.
(VEIGA-NETO, 2005)
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Os professores com os quais convivemos, não somente na escola
onde se desenvolveu essa pesquisa, estão em constante
movimento de busca de apoio e de referenciais que deem conta de
um trabalho que possa estabelecer novos caminhos à atividade
docente. Esse é um momento que pode se constituir como singular
na história da educação brasileira, apontando para o desa o de
abordar a escola como um campo social problemático, um
laboratório de experiências que possa dar passagem a outras
micro-políticas transformadoras da formação. O movimento de luta
pela singularização de práticas inclusivas nos convoca a analisar
alguns dos dispositivos de poder que vêm sustentando tradições,
hábitos e modos de funcionamento institucional, cujos efeitos
levam mais ao adoecimento que à qualidade de vida. Na educação,
o sentido de inclusão deverá ser abordado em um campo social
concreto, o das práticas ético-políticas que constroem as relações
do professor com o processo de trabalho na escola
Por esse prisma, a aposta é na inclusão que transforma e faz
transformar! Uma inclusão que funciona é aquela capaz de fazer e
trabalhar em rede. Convocando não somente a comunidade
escolar, mas todos os segmentos da sociedade
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23/12/1996
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2 “Festa à brasileira: signi cados do festejar, no ‘País que não é
sério’”
3 Agradeço a Guilherme Menezes pela leitura e sugestões nesta
parte do texto
4 Aqui tomadas no sentido de termos que fazem sentido no interior
da antinomia, sem entrar na questão de sua consistência e estatuto
seja no plano ontológico, discursivo, pragmático etc
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14 Atualmente uma derivação da história oral de vida tem suscitado
interesse e atenção de pesquisadores: são as histórias orais de
família que retratam a saga de um grupo de parentesco - por laços
sanguíneos ou afetivos, como chave para se abrir um tempo
histórico. Esta modalidade não pode ser confundida com a história
de vida e nem mesmo com um conjunto de histórias de vida
individuais. Ela tem sempre um compromisso com um projeto de
vida familiar que envolve duas, três ou mais gerações. É um reviver
de um processo histórico envolvendo membros de uma
comunidade que revela rupturas e permanências
15 A esse respeito voltamos a evocar o Projeto de Pesquisa
anteriormente citado e a leitura do livro de Pereira e Tosta (2000)
16 Esse texto é parte das re exões realizadas pelas autoras
durante o Minicurso: História Oral e Educação: impregnações,
virtualidades e ressonâncias, ofertado no VI Encontro sudeste de
História Oral em Juiz de Fora/MG, em 2006
17 Referimo-nos ao Presídio de segurança máxima “Nelson
Hungria”, na cidade de Contagem, localizado no mesmo bairro
onde está a escola
18 Fizemos consultas nos arquivos da cidade de Contagem, na
biblioteca pública e nos Centros Culturais
19 A referência é a categoria “pedaço”, muito bem formulada por
Magnani, para dar conta de suas andanças como etnógrafo pela
cidade de São Paulo. Sobre isto conferir: MAGNANI, José G. C. Na
metrópole - textos de antropologia urbana. 3. ed. São Paulo:
Edusp, 2006
20 Top é uma blusa bem curta e justa, normalmente sem mangas,
em que parte do corpo de quem usa ca à vista
21 Cruzeiro Esporte Clube e Clube Atlético Mineiro são os dois
grandes e rivais clubes do futebol mineiro. A “Má a Azul” é a
principal torcida organizada do primeiro time, enquanto a do
segundo é a “Galoucura”
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28 A análise de Regina Abreu (2003) sobre os “mestres da arte”, na
França, ilustra de maneira paradigmática essa convergência de
sentidos. Ver em Godelier (2007) interessante re exão sobre os
bens inalienáveis, guardados para serem transmitidos
29 Também a ideia de “patrimonialização” exige uma re exão
profunda e quali cada uma vez que portadora de uma carga
semântica dirigida às políticas de cultura. De forma ampliada, no
entanto, patrimonialização pode ser entendida como o
“reconhecimento de uma atividade intelectual e/ou sentimental por
parte dos setores populares e/ou eruditos da sociedade, que
procedem no sentido de classi car (e “puri car”) os elementos e
objetos considerados dignos de manutenção, preservação e
transmissão, visando a criar uma linha de tempo entre o passado, o
presente e o futuro” (ROCHA, 2007, p. 76). Acrescente-se ainda, o
reconhecimento de atividades, práticas e objetos de natureza
material e imaterial. Também Trajano Filho (2012), chama a
atenção para a complexidade que envolve a ideia de
patrimonialização na medida em que contempla os processos de
construção de sentido político-cultural de saberes, práticas e
objetos por parte de setores diversos (populares e eruditos) da
sociedade
30 A MRN iniciou suas atividades em meados dos anos de 1960
com a descoberta das primeiras ocorrências de bauxita na região.
Em 1974 foi assinado um acordo de acionista da Mineração Rio do
Norte S.A., atualmente composta pelas seguintes empresas: Vale
do Rio Doce (40%), BHP Billiton Metais (14,8%), Rio Tinto Alcan
(12%), Companhia Brasileira de Alumínio (10%), Alcoa Brasil
(8,58%), Norsk Hydro (5%), Alcoa World Alumina (5%), Abalco
(4,62%). (Fonte: <www.mrn.com.br/indez_1024.html>). Acessado
em 07/11/2011
31 É su ciente citar, nesse momento, Acevedo e Castro (1998)
32 Caracterização detalhada da cidade de Oriximiná encontra-se
em Russi & Rocha (2012)
33 Ver em Mello (2001) um breve panorama histórico acerca do
distanciamento conceitual entre arte/artesanato na história
ocidental
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49 Há registros de atendimento a alunos com de ciência mental
em ensino regular juntamente com pessoas com de ciências
físicas e visuais, em 1887, na Escola México, no Rio de Janeiro.
Mais detalhes a este respeito pode ser encontrado em Jannuzzi
(1985b, p. 36-42)
50 A educação sustentada pelas ideias positivistas a rmava que o
progresso humano seria uma decorrência do desenvolvimento
cientí co, no sentido de criar tecnologias voltadas para o bem-estar
da espécie humana (AUN, 1994)
51 Conferência que reuniu em Jomtien, na Tailândia, os países em
desenvolvimento para traçarem metas acerca dos excluídos de
seus sistemas de ensino, independentemente de suas condições
52 Para tratar especi camente da educação dos alunos com
necessidades especiais, entre eles os portadores de de ciências,
os países reuniram-se em Salamanca, Espanha (1994), assumindo
a seguinte posição. Cada país deveria: “construir um sistema de
qualidade para todos e adequar as escolas às características,
interesses e necessidades de seus alunos, promovendo a inclusão
escolar de todos no sistema educacional (UNESCO, 1994)
53 De nição da National Association of Retarded Citizens (NARC)/
EUA: integração é uma loso a ou princípio de oferta de serviços
educativos, que se põe em prática mediante a provisão de uma
variedade de alternativas de ensino e de aulas adequadas ao plano
educativo de cada aluno, permitindo a máxima integração
educacional, temporal e social entre alunos de cientes e não
de cientes durante o período escolar normal. Ver BAUTISTA
(Coord). Necessidades Educativas Especiais. Lisboa: Aljibe, 1993
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Arte-Educação: Desa os
Metodológicos
Cláudia Regina dos Anjo
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Contextualizando – Arte passou a ser considerada como campo de
conhecimento, do ponto de vista legal, há pouco menos de 20
anos. Um tempo que parece, por um lado, ter sido su ciente para
assegurar um discurso mais crítico em relação à Arte como campo
de conhecimento. Por outro, não foi o bastante para que essa
tenha sido vivenciada no processo de ensino/aprendizagem como
tal pelas pessoas que estão atuando como pro ssionais nas
escolas. Ou seja, a maioria dos adultos nessa primeira década do
século XXI não teve a oportunidade de, na escola, passar por
experiências signi cativas em Arte. Explicando melhor: a maioria
teve em sua vida escolar aulas de Matemática, História, Ciências
etc., com algumas experiências melhores do que outras, com
alguns professores mais e outros menos interessantes. Isso, de
alguma forma, garante aos que frequentam a escola uma
diversidade de percepções e uma construção crítica em relação a
esses campos de conhecimento
Pensando em Arte como área de conhecimento, podemos
constatar que coordenadores, pais e alunos não vislumbram
argumentos para cobrar algum conteúdo ou percurso educativo.
Isso se dá, principalmente, por não terem tido a oportunidade de
vivenciar, em sua formação, experiências consistentes em Arte. Até
mesmo para os professores, inclusive os licenciados, isso interfere
no momento de construir um projeto pedagogico objetivamente
claro nos poucos encontros disponíveis
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Nesse quadro, a autonomia do professor de Arte ‒ fundamental,
assim como nos demais campos do conhecimento –, se relaciona
essencialmente com a falta de clareza da importância do
pensamento artístico na formação dos sujeitos. Ou seja, se o
professor de Matemática não cumprir determinado conteúdo,
poderá ter problemas. Já o de Arte... Essa responsabilidade
atribuída ao professor de Arte, além de sobrecarregá-lo, também
demonstra uma concepção de educação individualizada e
fragmentada, e um currículo elaborado somente por um ponto de
vista. Pode ser uma armadilha quando o professor escolhe sozinho
o conteúdo a ser desenvolvido. E, não por acaso, vale a pena
questionar porque, havendo uma diversidade tão grande de
referências e conteúdos, na história curricular de Arte de boa parte
das escolas há uma recorrência dos mesmos movimentos, artistas
e ideias
Reconhecer criticamente os desa os históricos e outros novos que
vão surgindo é determinante para uma re exão dos avanços
conquistados e a construção das estratégias de atuação, seja na
elaboração de projetos pedagógicos para a educação básica, na
formação de professores na graduação ou paralelamente à sua
atuação pro ssional. Nesse sentido, a participação de professores/
artistas na construção da proposta curricular da RMBH foi um
importante movimento, um passo que tem como antecedentes
discussões intensas sobre o ensino de Arte, iniciadas há pelo
menos quarenta anos
Para situar melhor – O ensino de Arte estava pouco presente nas
discussões curriculares da Secretaria Municipal de Educação
(SMED). Consideramos que esse quadro começa a mudar, quando
a diretoria da Associação Mineira de Arte/Educadores (AMARTE),
em 2004, procura a SMED propondo parceria de trabalho e quando
começa o programa Rede de Trocas, da Prefeitura de Belo
Horizonte. Nesses encontros, envolvendo professores municipais e
consultores, cou clara a necessidade de se continuar estudando e
discutindo questões relativas ao ensino de Arte
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Esse diagnóstico remeteu à urgência de uma construção e
sistematização do saber sobre a Arte enquanto área do
conhecimento humano e, portanto, sobre o seu ensino/
aprendizagem. Nesse contexto, houve indícios de um ensino/
aprendizagem desconectado do contexto da vida de seus sujeitos,
priorizando a técnica em detrimento de outros conteúdos que
abrangem a área de conhecimento Arte. Em outros termos, a
técnica está sobrepondo à produção cultural dos sujeitos e
desconsiderando as múltiplas narrativas, imagens e expressões
que os mesmos trazem para a sua experiência escolar, que se
con gura como sua identidade cultural ou que torna parte dela
(ANJOS, 2008)
Em continuidade à ação de aprofundar as discussões relativas ao
ensino/aprendizagem da Arte, um grupo de professores de Arte da
RMBH após o XVI Congresso da Federação de Arte Educadores
do Brasil (CONFAEB), ocorrido no nal do mês de abril e início de
maio de 2006, em Ouro Preto (MG), se constituiu como
fomentadores da discussão, acreditando e defendendo a
importância da presença da arte nos processos educativos. O
objetivo e proposta do grupo eram abertos a todos que se
interessassem pela Arte/Educação, especi camente pelo ensino/
aprendizagem de Arte, e que provessem na escola um ensino mais
signi cativo para os educandos
Considerou-se, também, que as discussões seriam ampliadas e
que o grupo poderia, inclusive, ajudar a reler as práticas, esclarecer
dúvidas, mudar ou con rmar posições e acompanhar as
discussões e apontamentos em níveis estadual, federal e
internacional. No primeiro esboço de documento, o grupo se
posicionou a rmando que pretendia construir um instrumento de
diálogo com os professores da RMBH e com a SMED, no sentido
de de nir alguns pressupostos e referenciais para o ensino/
aprendizagem de Arte
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Esse encontro não foi tranquilo; as tensões foram explicitadas,
sobretudo, no campo da atuação do professor de Arte pós LDBEN
9394/96. A polivalência esteve na pauta das discussões, com
premissa e herança da Educação Artística promulgada pela LDBEN
5692/71, que tinha um caráter de super cialidade, pois exigia do
professor a responsabilidade para dar aulas de Artes Plásticas,
Música e Teatro. Outro ponto polêmico foi o ensino/aprendizagem
da Arte a serviço de outras disciplinas escolares, com se a Arte não
tivesse conteúdos próprios, não fosse uma área de conhecimento
Como constatação clara cou a demanda de uma formação
continua e continuada dos professores. Também foi ressaltada a
importância dessa formação acontecer na prática, revendo rotinas
e concepções, re etindo sobre o papel do professor e sobre as
discussões e orientações contemporâneas para o ensino/
aprendizagem de Arte
Sistematizando ações – No ano seguinte, 2007, iniciou-se a
construção das Proposições Curriculares para o ensino da Arte,
proposta feita pela política educacional da SMED, com a
assessoria da professora Lucia Pimentel, em um primeiro
momento, e a participação dos professores Fabrício Andrade,
Fátima Barcellos e Juliana Gouthier Macedo, como consultores
externos, além de professores da Rede Municipal e do
acompanhamento da equipe pedagógica da Gerência da
Coordenação da Política Pedagógica e de Formação da SMED.
Essa proposta se balizava na premissa de construir capacidades/
habilidades gerais em Arte para o ciclo, uma vez que cada projeto
escolhido na escola permitirá a construção de capacidades/
habilidades especí cas para ele, de acordo com a visão pessoal de
cada professor de Arte. [...] Percebe-se, assim, que não só nossas
sugestões de trabalho, neste momento, mas nossa própria
formação enquanto professores/estudiosos é um ato constante de
construção e aprendizado. A nal, a tarefa de ensinar arte
“necessita de uma preparação bastante profunda e constante para
poder ser bem sucedida”. (PIMENTEL, 2006, p. 79)
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No ano seguinte, nova tarefa proposta. Desta vez, a atuação direta
nas escolas, discutindo as Proposições com a equipe de
professores de Arte que não necessariamente haviam participado
ativamente de maneira ativa na formulação do documento. Um
desses desdobramentos envolveu cinco encontros com três
professores para a construção de um plano de trabalho, uma
sistematização curricular para uma determinada escola, a partir das
Proposições Curriculares para o Ensino Fundamental – Arte – 3º
Ciclo
Como resultado, foi apresentado à direção da instituição um
documento dos professores de Artes Visuais da escola, abordando
formas de desenvolver seus trabalhos, ampliando suas
possibilidades de trocas, as prioridades de ação, as demandas
básicas de condições de trabalho e uma proposta de organizações
de equipe. Pouco antes da entrega do documento, a diretora,
contaminada por um novo ânimo que os professores de Arte
estavam demonstrando, nos brindou com um comentário: ‘Que
bom que estão organizando um currículo de Arte para o próximo
ano, pois nossos alunos precisam mesmo de mais momentos para
relaxar!
Considerações Gerai
Iniciamos estas considerações rea rmando a importância e
urgência da formação continua e continuada em serviço. É
fundamental que o professor de Arte na contemporaneidade tenha
condições teóricas e metodológicas para o afastamento necessário
para a re exão de sua prática pedagógica e sua atualização em
função do dinamismo em que vivemos e vivencias das mudanças e
construções de conhecimentos
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Em relação à concepção da arte como área do conhecimento,
conforme as premissas da LDBEN 9394/96 e os PCN/Arte, ainda
está em construção na RMBH. Em alguns aspectos, algumas
escolas, de acordo com o posicionamento e depoimento dos
professores, conseguiram avançar e se apropriar de proposições
artísticas e estéticas que promovam o pensar em arte, portanto, a
construção do conhecimento em Arte. Mas, outras ainda
desenvolvem atividades artísticas desconectadas do contexto
social e cultural dos sujeitos envolvidos no processo de ensino/
aprendizagem em Arte, além de serem executadas sem qualquer
referência de arte. Pode-se dizer que ainda está pautada nas
premissas da LDBEN 5692/71 em que a Arte é mera atividade
artística
Outro desa o está relacionado aos tempos/espaços destinados ao
ensino/aprendizagem em Arte nas escolas da RMBH. Sabemos
que as salas ambientes são de fundamental importância para se ter
um ambiente propício para o desenvolvimento e construção do
conhecimento em Arte. Dessa forma, ter um espaço como a Sala
de Arte, além da construção da referência de espaço e de recursos
disponíveis tais como pia, bancadas, galerias, armários e imagens,
entre outros, possibilita ao estudante acompanhar o seu processo
de construção, bem como a sequência dos trabalhos. Infelizmente,
são poucas as escolas que lançam mão desse espaço, e outras
que já tiveram, segundo o relato dos professores, foram
transformadas em salas de aula comum para atender a demanda
das matriculas iniciais do ensino fundamental
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ANJOS, Cláudia Regina dos. Imagens visíveis, imagens invisíveis:
um estudo de caso sobre o ensino da arte numa escola da rede
Municipal de Belo Horizonte. 2008. 135 f. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
Belo Horizonte, 2008
BARBOSA, Ana Mae.(org). Arte/Educação contemporânea:
consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2005
BARBOSA, Ana Mae. Porque e como: arte na educação. [online]
Disponível na Internet: <www.corpos.org/anpap/2004/textos/ceaa/
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BARBOSA, Ana Mae. Tópicos utópicos. Belo Horizonte, C/Arte,
1998
BARBOSA, Ana Mae (Org.). Arte-Educação: leitura no subsolo. 4.
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pesquisadores em Arte Educação”. In: BARBOSA, Ana Mae (Org.).
Arte-Educação: leitura no subsolo. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002
BARBOSA, Ana Mae (Org.). Inquietações e mudanças no ensino
de arte. São Paulo: Cortez, 2002
BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão; SALES, Heloisa
Margarido. Artes visuais: da exposição à sala de aula. São Paulo:
Edusp, 2005
BRASIL. Lei n. 5692/71 – 12 de agosto de 1971 - Lei de Diretrizes
e Bases da Educação
BRASIL. Lei n. 9394/96 – 20 de dezembro de 1996. Lei de
Diretrizes e Bases da Educação
EFLAND, Arthur D. “Cultura, sociedade, arte e educação num
mundo pós-moderno”. In: GUINDSBURG, J.; BARBOSA, Ana Mae
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EFLAND, Arthur D. “Imaginação na cognição: o propósito da arte”.
In: BARBOSA, Ana Mae (Org.). Arte/Educação contemporânea:
consonâncias internacionais. São Paulo, Cortez, 2005
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14 Atualmente uma derivação da história oral de vida tem suscitado
interesse e atenção de pesquisadores: são as histórias orais de
família que retratam a saga de um grupo de parentesco - por laços
sanguíneos ou afetivos, como chave para se abrir um tempo
histórico. Esta modalidade não pode ser confundida com a história
de vida e nem mesmo com um conjunto de histórias de vida
individuais. Ela tem sempre um compromisso com um projeto de
vida familiar que envolve duas, três ou mais gerações. É um reviver
de um processo histórico envolvendo membros de uma
comunidade que revela rupturas e permanências
15 A esse respeito voltamos a evocar o Projeto de Pesquisa
anteriormente citado e a leitura do livro de Pereira e Tosta (2000)
16 Esse texto é parte das re exões realizadas pelas autoras
durante o Minicurso: História Oral e Educação: impregnações,
virtualidades e ressonâncias, ofertado no VI Encontro sudeste de
História Oral em Juiz de Fora/MG, em 2006
17 Referimo-nos ao Presídio de segurança máxima “Nelson
Hungria”, na cidade de Contagem, localizado no mesmo bairro
onde está a escola
18 Fizemos consultas nos arquivos da cidade de Contagem, na
biblioteca pública e nos Centros Culturais
19 A referência é a categoria “pedaço”, muito bem formulada por
Magnani, para dar conta de suas andanças como etnógrafo pela
cidade de São Paulo. Sobre isto conferir: MAGNANI, José G. C. Na
metrópole - textos de antropologia urbana. 3. ed. São Paulo:
Edusp, 2006
20 Top é uma blusa bem curta e justa, normalmente sem mangas,
em que parte do corpo de quem usa ca à vista
21 Cruzeiro Esporte Clube e Clube Atlético Mineiro são os dois
grandes e rivais clubes do futebol mineiro. A “Má a Azul” é a
principal torcida organizada do primeiro time, enquanto a do
segundo é a “Galoucura”
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28 A análise de Regina Abreu (2003) sobre os “mestres da arte”, na
França, ilustra de maneira paradigmática essa convergência de
sentidos. Ver em Godelier (2007) interessante re exão sobre os
bens inalienáveis, guardados para serem transmitidos
29 Também a ideia de “patrimonialização” exige uma re exão
profunda e quali cada uma vez que portadora de uma carga
semântica dirigida às políticas de cultura. De forma ampliada, no
entanto, patrimonialização pode ser entendida como o
“reconhecimento de uma atividade intelectual e/ou sentimental por
parte dos setores populares e/ou eruditos da sociedade, que
procedem no sentido de classi car (e “puri car”) os elementos e
objetos considerados dignos de manutenção, preservação e
transmissão, visando a criar uma linha de tempo entre o passado, o
presente e o futuro” (ROCHA, 2007, p. 76). Acrescente-se ainda, o
reconhecimento de atividades, práticas e objetos de natureza
material e imaterial. Também Trajano Filho (2012), chama a
atenção para a complexidade que envolve a ideia de
patrimonialização na medida em que contempla os processos de
construção de sentido político-cultural de saberes, práticas e
objetos por parte de setores diversos (populares e eruditos) da
sociedade
30 A MRN iniciou suas atividades em meados dos anos de 1960
com a descoberta das primeiras ocorrências de bauxita na região.
Em 1974 foi assinado um acordo de acionista da Mineração Rio do
Norte S.A., atualmente composta pelas seguintes empresas: Vale
do Rio Doce (40%), BHP Billiton Metais (14,8%), Rio Tinto Alcan
(12%), Companhia Brasileira de Alumínio (10%), Alcoa Brasil
(8,58%), Norsk Hydro (5%), Alcoa World Alumina (5%), Abalco
(4,62%). (Fonte: <www.mrn.com.br/indez_1024.html>). Acessado
em 07/11/2011
31 É su ciente citar, nesse momento, Acevedo e Castro (1998)
32 Caracterização detalhada da cidade de Oriximiná encontra-se
em Russi & Rocha (2012)
33 Ver em Mello (2001) um breve panorama histórico acerca do
distanciamento conceitual entre arte/artesanato na história
ocidental
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49 Há registros de atendimento a alunos com de ciência mental
em ensino regular juntamente com pessoas com de ciências
físicas e visuais, em 1887, na Escola México, no Rio de Janeiro.
Mais detalhes a este respeito pode ser encontrado em Jannuzzi
(1985b, p. 36-42)
50 A educação sustentada pelas ideias positivistas a rmava que o
progresso humano seria uma decorrência do desenvolvimento
cientí co, no sentido de criar tecnologias voltadas para o bem-estar
da espécie humana (AUN, 1994)
51 Conferência que reuniu em Jomtien, na Tailândia, os países em
desenvolvimento para traçarem metas acerca dos excluídos de
seus sistemas de ensino, independentemente de suas condições
52 Para tratar especi camente da educação dos alunos com
necessidades especiais, entre eles os portadores de de ciências,
os países reuniram-se em Salamanca, Espanha (1994), assumindo
a seguinte posição. Cada país deveria: “construir um sistema de
qualidade para todos e adequar as escolas às características,
interesses e necessidades de seus alunos, promovendo a inclusão
escolar de todos no sistema educacional (UNESCO, 1994)
53 De nição da National Association of Retarded Citizens (NARC)/
EUA: integração é uma loso a ou princípio de oferta de serviços
educativos, que se põe em prática mediante a provisão de uma
variedade de alternativas de ensino e de aulas adequadas ao plano
educativo de cada aluno, permitindo a máxima integração
educacional, temporal e social entre alunos de cientes e não
de cientes durante o período escolar normal. Ver BAUTISTA
(Coord). Necessidades Educativas Especiais. Lisboa: Aljibe, 1993
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