Educação de Surdos Entre Narrativas Docentes

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DOI: 10.46943/IX.CONEDU.2023.GT11.

004 
EDUCAÇÃO DE SURDOS ENTRE
NARRATIVAS DOCENTES:
CONSTRUÇÕES REFLEXIVAS À LUZ
DOS ESTUDOS CULTURAIS E ESTUDOS
SURDOS

POLLIANA BARBOZA
Doutora em Ciências da Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Educação da Christian
Business School. Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da
Universidade Federal da Paraíba, Professora da Educação Básica; Supervisora Escolar, pollianabarboza@
hotmail.com.

RESUMO
O campo dos Estudos Culturais conduz para o centro das discussões os grupos que
estão às margens da sociedade, na busca de dar visibilidade para que possam resistir
e lutar contra o que é exigido pelo cânone, além de referenciar posições de militância,
questionar e problematizar os fatos. Os Estudos Surdos embasados nas contribuições
dos Estudos Culturais lutam pelo reconhecimento da pessoa surda em sua cultura, iden-
tidade e língua. Nesta perspectiva, os Estudos Culturais e os Estudos Surdos batalham
pela compreensão da surdez numa perspectiva socioantropológica e pela valorização
desta diferença. O objetivo desta pesquisa é compreender as narrativas de professores
de uma escola estadual, localizada no interior de Pernambuco sobre a educação de sur-
dos, à luz dos Estudos Culturais e Estudos Surdos. Utilizamos como aportes teóricos
Skliar (1998); Perlin (2003); Sá (2006); Hall (2011); Souza e Souza (2012); Strobel (2016);
Dorziat (2019); Silva (2020). A metodologia utilizada foi de abordagem qualitativa,
segundo Chizzotti (2011), quanto aos objetivos, à pesquisa foi exploratória (Gonsalves,
2011), e quanto aos procedimentos de coleta trabalhamos com a pesquisa de campo
(Severino, 2018). A técnica utilizada foi à entrevista semiestruturada, baseada em
Richardson (2015), em que o instrumento foi um roteiro prévio. O campo de pesquisa
foi uma escola pública estadual, localizada em Pernambuco. Os participantes da pes-
quisa foram 6 (seis) professores que lecionam no Ensino Fundamental – anos finais
e no Ensino Médio. Os achados da pesquisa apontaram que as práticas pedagógicas

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utilizadas na educação de estudantes surdos precisam de melhorias e direcionamen-
tos, de modo a incluir os mesmos nas aulas e nas atividades, sendo primordial que
professores e professoras compreendam que essas práticas precisam considerar a
cultura surda.
Palavras-chave: Educação de surdos, Narrativas, Professores, Estudos Culturais,
Estudos Surdos.

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INTRODUÇÃO

É
um grande desafio nos dias de hoje fazer pesquisa em educação no viés dos
Estudos Culturais - EC e ao mesmo tempo prazeroso. O campo dos EC possi-
bilita ao pesquisador variedades de óticas de análise, um campo metodológico
amplo, maior aproximação e identificação com o objeto de estudo, além de permitir
que todos os participantes tenham vez, voz e lugar.
Nesta direção, os EC têm suas origens nas movimentações de grupos sociais,
que referenciados num pensamento crítico e de contestação, buscam o rompi-
mento de concepções elitistas e cristalizadas de cultura. Atuando nesse contexto
das culturas, os EC expõem tentativas de descolonização de conceitos e práticas de
cultura. Assim, a cultura passa a ser entendida como “expressão das formas pelas
quais as sociedades dão sentido e organizam suas experiências comuns; cultura
como o material de nossas vidas cotidianas, como a base de nossas compreensões
mais corriqueiras”. (Costa, 2011, p.109).
Buscando movimentar os debates e evidenciando posturas contra as ideias
hegemônicas de poder, os EC “configuram espaços alternativos de atuação para
fazer frente às tradições elitistas que persistem exaltando uma distinção hierárquica
entre alta cultura e cultura de massa, entre cultura burguesa e cultura operária, entre
cultura erudita e cultura popular” (Costa; Silveira; Sommer, 2003, p.2). Portanto, os
EC propõem desfazer os binarismos originados das raízes tradicionais através de
uma posição política de oposição e movimentações que geram discussões, incerte-
zas, conflitos e ansiedades.
Neste sentido, ao compreender a importância de professores e professoras
em considerarem a cultura surda, a diferença, as identidades e a língua de sinais
como pontos chave para se pensar a educação de surdos, é que se propõe o desen-
volvimento desta pesquisa.
A escolha desta temática se deu com base nas experiências adquiridas com
a pesquisa realizada no Mestrado e também no âmbito profissional, atuando como
professora do Atendimento Educacional Especializado - AEE. As questões, no que
tange a educação de surdos geraram inquietações e reflexões, na medida em que
se observavam em algumas escolas, práticas pedagógicas que excluíam as pes-
soas surdas do processo educacional.
Alguns problemas podem ser apresentados, no que se refere à temática aqui
apresentada, que estão permeados pela hegemonia da cultura ouvinte e concepção

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clínica de surdez, em que os surdos são vistos apenas como pessoas que tem a
falta da audição.
As escolas são pensadas para as pessoas ouvintes, ou seja, a cultura majo-
ritária prevalece oprimindo as minorias. Deste modo, as relações de poder entre
ouvintes e surdos e a violência simbólica exercida pela supremacia ouvintista ficam
ainda mais fortes, quando se pensam em práticas pedagógicas que desconsideram
as diferenças.
Santiago e Pereira (2015) afirmam que os professores consideram as formas
como as pessoas ouvintes aprendem como um padrão a ser seguido por todos.
O que acontece é que por não ter o conhecimento da cultura surda e da língua
de sinais, professores e professoras tendem a ensinar esse segmento da mesma
forma como se ensinam as ouvintes. Para tanto, a falta de metodologias de ensino
que contemplem também as demandas educacionais dessas pessoas torna-se um
grande entrave, pois se nega o direito a educação e estas podem ficar excluídas do
processo educacional.
Outro fator que se pode encontrar, é a ausência de uma política linguística
nas escolas que dê suporte para a aprendizagem e a propagação da Libras, para
todos os que fazem parte do contexto escolar. Deste modo, nas salas regulares
podem acontecer impasses, como a falta de tradutores e intérpretes de Libras, da
compreensão de professores e professoras sobre a Libras e a alfabetização de
crianças e jovens surdos. Pode-se pensar também que por não haver uma comuni-
cação plena através da Libras, professores e professoras podem deixar a cargo dos
intérpretes, a tarefa do ensino para esse grupo específico, deste modo passa-se a
existir uma confusão de papéis (Lima, 2017).
Ao considerar a complexidade que envolve o objeto de estudo, levanta-se
a seguinte questão de pesquisa: Como a educação de surdos vem sendo desen-
volvida no ensino fundamental – anos finais e no ensino médio, tendo por base
as narrativas de professores e professoras de uma escola estadual, localizada no
interior de Pernambuco?
Para dar sustento a questão de pesquisa, apresentamos o objetivo geral:
compreender as narrativas de professores de uma escola estadual, localizada no
interior de Pernambuco sobre a educação de surdos, à luz dos Estudos Culturais e
Estudos Surdos.
Com vista a alcançar o objetivo proposto para a pesquisa e por ter abertura
no campo dos Estudos Culturais, a metodologia utilizada se pauta na abordagem

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qualitativa, quanto aos objetivos se apresenta como exploratória e quanto aos pro-
cedimentos de coleta, se denomina como pesquisa de campo. Os participantes da
pesquisa são 6 (seis) professores de uma escola estadual localizada no interior de
Pernambuco.
O presente artigo encontra-se estruturado de modo que, inicialmente abor-
damos as contribuições dos Estudos Surdos para a Educação de Surdos na
perspectiva dos Estudos Culturais. Em seguida, apresentamos os procedimentos
metodológicos da pesquisa, os resultados e discussões, por fim as considerações
finais.

AS CONTRIBUIÇÕES DOS ESTUDOS SURDOS PARA


A EDUCAÇÃO DE SURDOS NA PERSPECTIVA DOS
ESTUDOS CULTURAIS

O campo dos Estudos Culturais proporciona o embasamento à ideia de que


as pessoas surdas são constituídas na perspectiva cultural. Segundo Dorziat (2019,
p.70) “suas bases teóricas, em consonância com os movimentos de surdos e as
pesquisas acadêmicas, inauguram os Estudos Surdos”. Esses surgem nos movi-
mentos surdos organizados, inspirados na ótica teórica dos EC, se apresentando
assim como “guarda-chuva” desse campo, enfatizando “questões das culturas, das
práticas discursivas, das diferenças e das lutas por poderes e saberes” (Sá, 2006,
p.1). Para tanto, foi através do autor e professor Carlos Skliar, juntamente com o
seu grupo de estudos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, que a
associação entre os Estudos culturais e Estudos surdos foi fixada (Dorziat, 2019).
Os ES referenciados nas contribuições dos EC “toma como pressuposto o
conceito sócio antropológico de surdez, que reconhece o sujeito surdo como alguém
diferente, com identidade e cultura próprias e diferentes” (Souza; Souza, 2012 p.3).
Os EC e os ES estão focados na luta contra o entendimento de surdez como
deficiência e dar espaço para uma nova concepção com base no reconhecimento
da identidade e cultura surda e a valorização da pessoa surda em sua diferença.
De acordo com Skliar (1998, p.5):
Os Estudos Surdos se constituem enquanto um programa de pesquisa
em educação, onde as identidades, as línguas, os projetos educacionais,
a história, a arte, as comunidades e as culturas surdas são focalizadas e
entendidas a partir da diferença, a partir de seu reconhecimento político.

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Esses estudos vêm problematizar e questionar a educação de surdos com a
finalidade de proporcionar a reflexão sobre a língua, as identidades, diferenças e cul-
turas surdas, como também o pensar de novas práticas pedagógicas que ofereçam
melhorias para o cotidiano das pessoas surdas em seu contexto social, educacional
e de aprendizagem.
De acordo com Romário et al (2018, p.503):
Por meio de discursos produzidos pelos Estudos Surdos embasados
nos Estudos Culturais, foi possível construir novos discursos sobre as
pessoas surdas, sustentando que essas são diferentes culturalmente, de
modo a superar a visão de deficiência – sinônimo de incapacidade de
ouvir, ausência de audição –, constituída pelo discurso hegemônico ao
longo da história.

Uma das questões trazidas ao centro pelos ES são as representações hege-


mônicas e ouvintistas sobre as identidades surdas. De acordo com Skliar (1998),
o ouvintismo é a representação dos ouvintes em todo o seu conjunto da qual as
pessoas surdas tendem a se apropriar, isto implica uma relação de poder desigual.
Deste modo, não se valoriza a diferença dessas pessoas, pois se busca imprimir
nelas o que são próprios dos ouvintes.
Para este estudo, busca-se pautar em alguns conceitos presentes no campo
dos Estudos Culturais como a identidade, a língua de sinais, cultura e diferença para
pensar a prática pedagógica na educação de surdos.
Na sociedade pós-moderna, a ideia de identidade não é mais concebida como
única, a dinâmica desta sociedade vem provocando a fluidez e a crise das identi-
dades. Para tanto, Hall (2011, p.7) apresenta que “as velhas identidades, que por
tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas
identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito
unificado”. Deste modo, a identidade é móvel e multifacetada.
As pessoas surdas constroem suas identidades através de vivências nas
associações de surdos, com seus familiares, amigos, por meio das experiências
visuais, língua de sinais, do contato com os pares. Por isso, é fundamental conside-
rar as identidades surdas no exercício da prática pedagógica.
Uma das marcas dessas identidades é a língua de sinais que, conforme afirma
Strobel (2016, p.53) “é uma das principais marcas da identidade de um povo surdo,
pois é uma das peculiaridades da cultura surda, é uma forma de comunicação que
capta as experiências visuais dos sujeitos surdos”. Através da mesma, as pessoas

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com essa condição afirmam suas identidades específicas, se comunicam, leem o
mundo, de forma a alcançar uma comunicação plena.
É por meio da língua de sinais que a cultura dos sujeitos, ora tratados nesse
texto, se configura. Segundo Perlin (2013, p.56) a cultura surda “se constitui numa
atividade criadora com símbolos e práticas jamais conseguidos, jamais aproxima-
dos da cultura ouvinte. Ela é configurada por uma forma de ação e atuação visual”.
O modo como os mesmos se organizam, vivem, pensam, se comunicam e partici-
pam das mais variadas situações, é cultura, sendo esta visual-motora, diferente da
ouvinte.
Silva (2015, p.35) considera pessoa surda “aquela que compreende o mundo
através de experiências visuais, manifestando sua cultura por meio da língua de
sinais, no Brasil, a Libras – Língua Brasileira de Sinais”. Assim, a comunicação des-
sas pessoas é potencializada pela visão e a língua de sinais.
Para Dorziat (2019, p.71) “surdos e surdas são pessoas que compartilham
entre si, pares ou outros, suas crenças, valores e, em especial, sua língua, apre-
sentando, portanto, uma cultura, a Cultura Surda”. Deste modo, não pensamos nas
pessoas surdas como sujeitos que tem um “corpo danificado” como mostra a con-
cepção clinico-terapêutica e sim como pessoas dotadas de cultura. Reafirmando
esta ideia, Perlin (2013, p.53) apresenta que “em Estudos Culturais, tenho de me
afastar do conceito de corpo danificado para chegar a uma representação da alte-
ridade cultural”.
Ao pensar na educação de surdos, é necessário considerar as peculiaridades
que fazem essas pessoas únicas e, portanto, diferentes. De acordo com Dorziat,
Lima e Araújo (2007, p.17) as pessoas surdas “desenvolveram ao longo de suas vidas
estratégias visuais-gestuais de apreensão e de expressão de mundo, constituindo
o que se passou a denominar de cultura surda”. O processo educacional precisa
considerar a pessoa surda em sua inteireza, compreendendo que a visualidade e a
Língua de sinais são fundamentais neste processo, é necessário nos colocarmos na
perspectiva do Outro, conforme afirma Dorziat (2019, p.72):
Ao pensar sobre os Estudos Surdos à luz dos Estudos Culturais emba-
samos a necessidade de modificar visões sobre as pessoas surdas,
colocando-as na perspectiva do Outro. Assim como os demais grupos,
o de surdos também vive em um mundo contemporâneo, exposto à glo-
balização que, a cada momento, se apresenta mais multicultural, com
apreensões e expressões diferenciadas.

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Os ES na perspectiva dos EC enfatizam a condição surda como diferença,
esta é uma das categorias dos EC. Para tanto, a diferença é inseparável da iden-
tidade, ambas são criaturas da linguagem, construídas cultural e socialmente,
marcadas pela indeterminação e instabilidade. A diferença é um produto derivado
da identidade. Esta última é a referência, o ponto original relativamente ao qual se
define a diferença (Silva, 2014).
No contexto educacional, é necessário se pensar no currículo para as diferen-
ças, este de acordo com Dorziat (2010, p.127) “deve realizar reflexão rigorosa sobre
os conhecimentos para além de listas de conteúdos e atividade, tornar central o
desenvolvimento de outros e diferentes pensares, outras e diferentes percepções
de mundo e de experiências”. Deste modo, um currículo para as diferenças é neces-
sário, no sentido de possibilitar as pessoas surdas serem construtoras de suas
aprendizagens e conhecimentos.
Segundo Dorziat (2015, p.353) “a educação de surdos deve compor um
sistema que atenda ao principio de uma educação culturalmente engajada e que
desconstrua visões homogêneas e estáticas, entendendo a subjetividade da alteri-
dade”. Portanto, lutar por esta educação é mais do que apenas trazer a Libras para
o processo educacional, é pensar na importância e no sentido que esta tem na vida
das pessoas surdas.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Tendo a necessidade de definir o caminho metodológico para o presente


estudo, apresentamos o mesmo, como sendo, de abordagem qualitativa, de natu-
reza exploratória, e quanto aos procedimentos de coleta, trata-se de uma pesquisa
de campo.
De acordo com Chizzotti (2011, p.28) a pesquisa qualitativa “implica uma
partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa,
para extrair desse convívio os significados visíveis e latentes que somente são per-
ceptíveis a uma atenção sensível”. Deste modo, é importante nesse processo de
realização da pesquisa qualitativa, a postura do pesquisador/pesquisadora, para
estarem atentos aos significados encontrados no convívio dentro do campo de
pesquisa, analisando além dos fatos e das vozes, os gestos e olhares dos sujeitos
envolvidos na pesquisa. Essa abordagem de pesquisa é rica, pois possibilita esse
contato mais próximo com o lócus e as pessoas que dele fazem parte.

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A pesquisa exploratória busca a aproximação e esclarecimento dos fatores
que envolvem o objeto de estudo. De acordo com Gonsalves (2011, p.67) esta se
“caracteriza pelo desenvolvimento e esclarecimento de ideias, com objetivo de
oferecer uma visão panorâmica, uma primeira aproximação a um determinado
fenômeno [...]”. Para tanto, a pesquisa de natureza exploratória permitirá o conhe-
cimento e a aproximação acerca das questões que envolvem a prática pedagógica
na educação de surdos, possibilitando a compreensão das situações encontradas e
esclarecendo as ideias que as envolvem.
De acordo com Severino (2018) “na pesquisa de campo, o objeto/fonte é
abordado em seu meio ambiente próprio. A coleta de dados é feita nas condições
naturais em que os fenômenos ocorrem, sendo assim diretamente observados,
sem intervenção e manuseio por parte do pesquisador” (Severino, 2018, p.123). Esse
tipo de pesquisa além de possibilitar o contato direto do pesquisador com o lócus,
também propicia o contato com os sujeitos pesquisados, deste modo o pesquisa-
dor passa conhecer o campo da pesquisa, bem como os participantes da mesma.
O campo de pesquisa foi uma escola estadual, localizada no interior de
Pernambuco, a qual foi escolhida por ter estudantes surdos frequentando as aulas,
nos anos finais do ensino fundamental e médio. Os participantes da pesquisa foram
6 (seis) professores, assim nomeados: Odilon1 (professor de Matemática); Orlando
(professor de Biologia); Olimarcia (professora de História); Otamira (professora
de Geografia); Oscar (professor de Sociologia) e Odisseia (professora de Língua
Portuguesa).
A técnica de pesquisa utilizada foi a entrevista, que de acordo com Richardson
(2015, p.207) “é uma técnica importante que permite o desenvolvimento de uma
estreita relação entre as pessoas. É um modo de comunicação no qual determi-
nada informação é transmitida de uma pessoa A a uma pessoa B”. Deste modo,
a entrevista possibilita uma melhor aproximação entre pesquisador e pesquisado,
permitindo uma conversa sobre o objeto estudado.
A análise dos dados coletados nas entrevistas foi organizada qualitativa-
mente, numa ótica compreensiva e interpretativa, discutidos a partir do campo
dos Estudos Culturais, Estudos Surdos e da Educação. Ao realizar análises quali-
tativas, o pesquisador precisará exercer a capacidade de enxergar pelo outro, ou

1 Os nomes dos sujeitos apresentados são fictícios. Os dos/as professores/as se iniciam com a letra
“O” para fazer menção a palavra ouvinte.

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seja, colocar-se no lugar do participante da pesquisa para poder exercitar os possí-
veis entendimentos e assim desenvolver a interpretação. Esta, segundo Marconi e
Lakatos (2017, p.35) procura dar um “significado mais amplo às respostas, vinculan-
do-as a outros conhecimentos. Em geral, a interpretação significa a exposição do
verdadeiro significado do material apresentado, em relação aos objetivos propostos
e ao tema”. Para tanto, a interpretação realizada pela pesquisadora possibilitará o
aprofundamento e o detalhamento das situações encontradas no campo de pes-
quisa que, por sua vez, envolvem o objeto estudado.
O processo da análise qualitativa dos dados compreendeu diferentes fases:
1. A organização dos dados coletados: consistiu na organização do material a ser
analisado; 2. A categorização: realização da análise do material organizado; 3. A
análise: está relacionada à realização de compreensões e interpretações por meio
dos resultados significativos.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Nesta seção apresentamos os resultados obtidos nas entrevistas realizadas


com os professores, bem como as discussões desses resultados. Na oportunidade,
foram geradas duas categorias de análises: Recursos didáticos utilizados em sala
de aula com estudantes surdos e Participação discente nas aulas. Essas serão
apresentadas a seguir.

RECURSOS DIDÁTICOS UTILIZADOS EM SALA DE AULA COM


ESTUDANTES SURDOS

Os recursos didáticos fazem parte do ambiente da aprendizagem em toda


sua amplitude, estimula a aprendizagem do estudante, focando o despertar do inte-
resse, de modo a favorecer o desenvolvimento de suas capacidades de percepção
e observação, aproximando-o da realidade. Esses recursos possibilitam o acesso
às informações e dados, que dão suporte à visualização dos conteúdos abordados,
permitindo a aprendizagem. Quando são bem utilizados, aplicados e direcionados
aos diferentes estudantes contribui de forma efetiva para o sucesso do aprendizado.
Segundo Castoldi e Polinarski (2009, p. 685), “[...] com a utilização de recursos
didático-pedagógicos, pensa-se em preencher as lacunas que o ensino tradicional
geralmente deixa, e com isso, além de expor o conteúdo de uma forma diferenciada,

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fazer dos alunos participantes do processo de aprendizagem”. Tais recursos fortale-
cem o desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes por possibilitar caminhos,
que conduzem a motivação e envolvimento com o conteúdo que está sendo traba-
lhado, propiciando uma melhor compreensão e interpretação do que está sendo
abordado.
Pensando na importância dos recursos didáticos, como forma de subsidiar
o processo de aprendizagem dos estudantes surdos, apresenta-se no quadro 1 as
narrativas dos professores.

Quadro 1 – Entrevista com professores

Recursos didáticos utilizados em sala de aula com estudantes surdos

Professores Narrativas

Eu utilizo o ábaco, material dourado, banners com dados sobre os conteúdos, ferramen-
tas digitais disponíveis na internet. O ábaco e o material dourado é bem semelhante a
apresentação tradicional, mas trago sinais utilizados na Libras para ficar mais íntimo. Já
Odilon as ferramentas digitais, no momento da busca, procuro por características mais visuais
e intuitivas, para assim adaptá-las em alguns momentos. Os Banners já ficam na sala
expostos, estão disponíveis na escola, em todas as salas. Neles estão contidas muitas
informações sobre o básico de Libras. Alguns dependem das disciplinas.

Os recursos são para a turma. O recurso que é dedicado aos surdos é o humano, no caso
Orlando do TILS. Então, de modo geral, uso projeção de slides, computadores com acesso a inter-
net, lousa, etc. No momento atual, o google meet com um TILS dedicado ao aluno.

Olimarcia Eu utilizo livro, vídeo com legenda e práticas com tradução do intérprete.

Eu utilizo os mesmos recursos com todos os alunos. Apresentação de mapas, gráficos e


Otamira
esboços desenhados no quadro, desenhos, pinturas e livros didáticos, textos e data show.

Eu utilizo slides, projetor, recursos audiovisuais com legendas, lousa, livros, etc. Eu utilizo
esses recursos de forma direcionada e gradual para o aluno surdo e para a intérprete/
Oscar
tradutor. Não com o objetivo apenas de repassar o conteúdo, mas, de incluir o aluno nas
aulas e fazer com que ele consiga aprender, de forma dinâmica e prazerosa.

Eu utilizo nas minhas aulas as apresentações em power point, de forma criativa e dinâ-
Odisseia
mica.

Fonte: Entrevista 2021.

As narrativas dos professores apresentadas no quadro acima se referem à


utilização de vários recursos didáticos. Nesta direção, Odilon (professor de mate-
mática) utiliza em suas aulas o ábaco, material dourado, banners com dados sobre
os conteúdos e ferramentas digitais disponíveis na internet. Ele ainda relata que o

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uso do ábaco e o material dourado é bem semelhante à apresentação tradicional,
mas que traz sinais utilizados na Libras. Já no momento da busca por ferramentas
digitais, ele procura por características mais visuais e intuitivas, para poder adap-
tá-las. Os banners ficam na sala expostos, disponíveis na escola e em todas as
salas. Neles contém muitas informações básicas sobre a Libras. Estes achados
corroboram o que diz Kelman (2011): além de se utilizar a linguagem oral e a língua
de sinais no processo ensino-aprendizagem, o uso de vários recursos visuais pode
contribuir de forma significativa para a aprendizagem de estudantes surdos, sendo
importante ressaltar que existe a necessidade desses recursos estarem introduzi-
dos nas estratégias pedagógicas direcionadas aos estudantes.
O professor Orlando (Biologia) narra que os recursos didáticos são os mes-
mos para toda a turma. O recurso que é dedicado ao estudante surdo é o humano,
o tradutor e intérprete de língua de sinais. Ele afirma utilizar projeção de slides,
computadores com acesso a internet, lousa, etc. No momento atual, ele utiliza o
googlee meet com um intérprete de Libras dedicado ao estudante. Neste sentido,
é importante a reflexão sobre o tempo atual, em que as ferramentas tecnológicas
como os computadores, tablets, celulares e os aplicativos como o google meet,
google classroom e outros aplicativos de reuniões e interações são utilizados. Para
tanto, “as novas tecnologias surgem com a necessidade de especializações dos
saberes, um novo modelo surge na educação, com ela pode-se desenvolver um
conjunto de atividades com interesses didático-pedagógico”. (Mercado, 2002, p.13).
Essas tecnologias que temos ao nosso dispor vão se moldando de acordo com o
surgimento das necessidades de utilização.
A professora Olimarcia (História) utiliza o livro didático, vídeo com legenda e
práticas com tradução do intérprete de Libras. É possível perceber que esta narra-
tiva de Olimarcia aponta para recursos visuais, deste modo é importante:
Explorar bastante o visual nas aulas e utilizar: maquetes, frutas, aulas
práticas ao planetário, no ambiente da própria escola na educação
ambiental, vídeos, se possível em libras e com legendas. Planejar as
aulas é indispensável para o melhor entendimento de todos, respeitando
a heterogeneidade existente no ambiente de sala de aula. (Silva; Moreira,
2016, p.11).

Ao utilizar os livros didáticos, vídeos e slides é importante que o professor


esteja atento para as imagens contidas, observando os contextos para poder apre-
sentá-las e explorá-las.

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A narrativa da professora Otamira (Geografia) apresenta que ela
utiliza os mesmos recursos com toda a turma como a apresentação de mapas,
gráficos e esboços desenhados no quadro, pinturas, livros didáticos, textos e
data show. Embora esses recursos mencionados por Otamira sejam visuais é
preciso se atentar para o fato de que:
[...] a inclusão do aluno surdo não deve ser norteada pela igualdade
em relação ao aluno ouvinte e sim por suas diferenças sócio-histórico-
-cultural, às quais o ensino se sustente em fundamentos linguísticos,
pedagógicos, políticos, históricos, implícitos nas novas definições e
representações sobre a surdez [...]. Portanto, que se tenha um currículo
em LIBRAS e uma pedagogia centrada no ensino da escrita, no caso do
aluno brasileiro, o português. (Silva, 2001, p. 20).

Para tanto, não é possível ensinar os diferentes através dos mesmos recur-
sos, de forma integral, é preciso se pensar no direcionamento mais específico para
as particularidades dos grupos de estudantes. Focando nos estudantes surdos não
é possível incluí-los nas aulas, tendo como base a igualdade com os estudantes
ouvintes, mas sim ancorados por suas diferenças sócio-histórico-cultural.
O professor Oscar (Sociologia), por sua vez, relata que utiliza slides, projetor,
recursos audiovisuais com legendas, lousa, livros, etc. Ele relata ainda que utiliza
esses recursos de forma direcionada e gradual para o estudante surdo e para o
intérprete de Libras, com o objetivo de incluir o estudante nas aulas e fazer com que
alcance a aprendizagem de forma dinâmica e prazerosa. Essa ação do professor
Oscar aponta para o conhecimento que ele tem sobre o direcionamento dos recur-
sos didáticos para os estudantes surdos, deste modo:
Mais que conhecimentos gerais, o professor necessita ter conhecimen-
tos básicos para identificar as necessidades educacionais do aluno, para
adaptar estratégias e recursos de ensino que facilitem o seu aprendi-
zado, assim como formas alternativas de avaliação de aprendizagem que
permitam identificar o seu verdadeiro nível de desempenho. Com isso, o
professor pode favorecer o processo ensino-aprendizagem de todos os
alunos (Souza; Rodrigues, 2007, p.44).

É de fundamental importância que o professor se aproprie do conhecimento


acerca da diferença surda para que possa identificar as necessidades de seus
estudantes surdos, adaptar as atividades, estratégias, metodologias e pensar em
recursos que subsidiem as aprendizagens desses estudantes.

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A professora Odisseia (Língua Portuguesa) afirma que, utiliza em suas aulas
as apresentações dos conteúdos através do programa Power point, de modo dinâ-
mico e criativo. Tendo em vista este achado, é possível se fazer uma conexão com
o que destaca Ansay (2009, p.114): é um desafio para o estudante surdo estar na
instituição de ensino por conta das dificuldades encontradas como “a falta ou o uso
inadequado do material didático pedagógico para este alunado, como por exemplo,
filmes legendados, aulas sem material de apoio visual e o uso do Power point na
sala escura”. Ao utilizar o programa Power point com estudantes surdos, é neces-
sário que o professor observe as condições de visualização, a claridade, nitidez,
contexto e tamanhos das imagens e letras.

PARTICIPAÇÃO DISCENTE NAS AULAS

Os Estudos Surdos compreendem as pessoas surdas em sua cultura, identi-


dade, língua, como conhecedores de seus direitos, ativos e participativos. Portanto,
para que elas consigam ser protagonistas de suas aprendizagens, se faz necessário
que a sala de aula seja um ambiente de trocas culturais. Deste modo, “os Estudos
Surdos, na perspectiva dos Estudos Culturais, apresentam que o processo educa-
cional de pessoas surdas está atento às peculiaridades do mundo surdo, fazendo
com que a educação se faça presente na vida dessas pessoas” (Silva, 2018, p. 101).
Para que os estudantes surdos possam participar do processo educacional, profes-
sores e professoras precisam ser sensíveis as particularidades deste grupo.
De acordo com Bordenave (2002, p.16), “a participação precisa ser enten-
dida enquanto competência a ser aprendida e aperfeiçoada por meio das práticas
e reflexões. O ambiente propício para que essa participação aconteça é a escola”.
Neste contexto, a participação requer das pessoas envolvidas atuação e ação no
processo de aprendizagem. Neste ato de promoção da participação, é necessário
que o respeito às diferenças seja praticado.
Segundo Silva (2018, p.62) “a participação dos estudantes surdos nas aulas
e nas atividades propostas pode contribuir para um processo educacional mais
eficaz”. Essa participação dos estudantes surdos, de forma plena nas aulas e ati-
vidades, deve ser buscada incessantemente pelo corpo docente. Pensando na
relevância da participação discente nas aulas apresentam-se no quadro 2 as narra-
tivas docentes.

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Quadro 2 – Entrevista com professores

Participação discente nas aulas

Professores Narrativas

Eles participam, sim. Através dessa participação os alunos surdos lidam com os questio-
Odilon
namentos, se expressam, demonstram dificuldades, compreensões e receios.

Eu percebo que não é a surdez que impossibilita o estudante surdo de participar da aula.
Orlando
Tem aluno que gosta e ou quer, tem aluno que não gosta e ou não quer.

Os alunos participam das aulas, mas isso depende da personalidade do aluno e do nível de
Olimarcia
familiaridade com as línguas.

Considero que os alunos surdos participam das aulas, sim. Não identifiquei grandes difi-
Otamira culdades de aprendizagens em alunos surdos que não se igualassem, em muitos casos,
as dificuldades dos alunos ouvintes.

Sim, principalmente através da atuação do intérprete/ tradutor, que o auxilia de perto e dire-
ciona suas dúvidas para o professor. Porém, caso não exista a atuação desse profissional
(intérprete/ tradutor) a dinâmica da sala de aula e o processo ensino e aprendizagem se
Oscar torna um pouco mais difícil para esses alunos.

Os alunos surdos são bem ativos, e perguntam bastante, principalmente expondo suas
dúvidas ao profissional que os auxiliam e assim direcionam a mim, e eu consigo explicar e
esclarecer suas dúvidas com auxílio do profissional da Libras.

Os alunos surdos participam das aulas, sim. Eles participam fazendo as atividades e atra-
Odisseia
vés de sinais.
Fonte: Entrevista 2021.

O professor Odilon (Matemática) relata que seus alunos surdos participam


das aulas. Por meio dessa participação, os estudantes se expressam, desenvol-
vem questionamentos, apresentam suas compreensões, receios e dificuldades.
De acordo com Luckesi (2003, p.114) “o educando é aquele que, participando do
processo, aprende e se desenvolve, formando-se tanto como sujeito ativo de sua
história pessoal, como da história humana”. Portanto, essa participação mencionada
por Odilon, em que os estudantes surdos se expressam, questionam, apresentam
suas inquietações, compreensões e dificuldades contribuem para que sejam pes-
soas ativas de sua história.
O professor Orlando (Biologia) narra que, não é a surdez que permite ao estu-
dante surdo não participar da aula, enfatizando que independente dessa condição,
há estudantes que gostam de participar das aulas e tem outros que não gostam.
Esse desinteresse pode ocorrer pelo fato da escola não ter um currículo que con-
temple os interesses dos estudantes surdos, pode existir aí um currículo ainda

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tensionado em que privilegia a maioria ouvinte. Nesta direção, Romário (2020, p.38)
apresenta que:
O currículo escolar tem tentado produzir identidades a partir de bases
únicas, homogêneas. No caso das pessoas surdas, o currículo imple-
menta uma educação a partir da norma ouvinte, apesar de propalar um
discurso inclusivo, com suposta admiração e contemplação da língua de
sinais, conquanto ele possa ser tensionado.

Para tanto, o currículo da escola pode vir produzindo as identidades ancora-


das na homogeneidade, mesmo anunciando discursos inclusivos este pode estar
tensionado, contemplando os grupos majoritários, essa maioria é ouvinte. É preciso
pensar que a surdez não impede a participação dos estudantes surdos nas diversas
atividades escolares, o que impossibilita são as práticas existentes no seio escolar
e o próprio currículo, que pode não estar direcionado também para este grupo.
A professora Olimarcia (História) narra que os estudantes surdos participam
das aulas e que essa participação depende da personalidade do estudante e do nível
de envolvimento com a língua. O envolvimento do estudante surdo com a Libras é
fator relevante para sua participação no processo de ensino e aprendizagem e para
a construção de conhecimento. Deste modo, Silva e Silva (2016, p.34) apontam que
“a Língua de Sinais é a língua dos surdos, sendo fundamental para o seu desenvol-
vimento em todas as esferas (sociolinguística, educacional, cultural, entre outras)”.
Para que a participação dos estudantes surdos nas aulas seja mais envolvente é
necessário que professores e professoras também sejam conhecedores da Libras,
do mundo surdo e que também se tenha o apoio do intérprete.
Otamira (professora de Geografia) relata que seus estudantes surdos parti-
cipam das aulas e que não identifica grandes dificuldades de aprendizagens nos
mesmos, que não sejam iguais as dos estudantes ouvintes. Esse resultado nos
permite pensar no que diz Skliar (2003, p.29): “sem o outro não seríamos nada [...]
porque a mesmidade não seria mais do que um egoísmo apenas travestido [...], só
ficaria a vacuidade e a opacidade de nós mesmos [...]”. Para tanto, a narrativa da
professora revela que ela ainda avalia as dificuldades de aprendizagens enfrentadas
por surdos e ouvintes da mesma forma. É interessante que esse levantamento das
dificuldades dos estudantes, seja feito de forma que, se tenha como ponto de par-
tida as diferenças.

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O professor Oscar, por sua vez, relata que seus estudantes surdos participam
das aulas, sendo ativos, gostam de perguntar, tirar dúvidas e o intérprete auxilia
nesse processo. Essa participação dos estudantes surdos nas aulas acontece prin-
cipalmente por meio da atuação do intérprete de Libras, que auxilia e direciona as
dúvidas desses estudantes para o professor. Ele relata ainda que a ausência do
intérprete de Libras torna a dinâmica de sala aula e o processo de ensino-aprendiza-
gem difícil para o estudante surdo. Este achado corrobora o que diz Lacerda (2015,
p. 278): a falta dos intérpretes de Libras faz com que “a interação entre surdos e
ouvintes fique muito prejudicada. Os surdos ficam limitados a participar apenas
parcialmente de várias atividades (pelo não acesso à língua oral), desmotivados
pela falta de acesso ou total exclusão das informações”.
Odisseia (professora de Língua Portuguesa) narra que seus alunos surdos
participam das aulas através das atividades e também de sinais. Esta narrativa nos
faz pensar no sentido da participação, esta é:
O caminho natural para o homem exprimir sua tendência inata de realizar,
fazer coisas, afirmar-se a si mesmo e dominar a natureza e o mundo.
Além disso, sua prática envolve a satisfação de outras necessidades
não menos básicas, tais como a interação com os demais homens, a
autoexpressão, o desenvolvimento do pensamento reflexivo, o prazer de
criar e recriar coisas, e, ainda, a valorização de si mesmo pelos outros.
(Bordenave, 2002, p.16).

Pensando no conceito de participação de forma mais aprofundada, pode-se


perceber a sua relevância na vida das pessoas, é através dela que podemos intera-
gir, expressar nossas opiniões, desenvolver reflexões, construir nossas identidades
e a valorização enquanto pessoas. Neste contexto, a participação das pessoas sur-
das na sociedade, na escola e nos vários estabelecimentos se traduz na prática de
direitos. Especificamente, na escola e na sala de aula, os estudantes surdos ao par-
ticiparem das aulas e das atividades em sala e extrassala estarão desenvolvendo a
prática de direitos, suas identidades, cultura e propagando a língua de sinais, o que
conduz a construção do conhecimento e o protagonismo no processo de ensino e
aprendizagem.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo nos possibilitou compreender as narrativas de professores de


uma escola estadual, localizada no interior de Pernambuco sobre a educação de
surdos, à luz dos Estudos Culturais e Estudos Surdos. No que tange a utilização de
recursos didáticos em sala de aula com estudantes surdos, vimos que a maioria
dos professores utilizou recursos variados em suas aulas, estes são visuais, legen-
dados, através de programas e aplicativos, além de terem mencionado a atuação
do intérprete de Libras.
Fazendo referência a participação discente nas aulas, verificamos que os
estudantes surdos participaram das aulas dos professores, algumas vezes, por
meio de padrões e estratégias hegemônicas, que não contemplaram a cultura
surda, e outras vezes participaram se expressando, argumentando, tirando dúvidas
por meio do intérprete de Libras.
Neste contexto, esperamos que esse estudo possa contribuir para o pensar
da Educação de Surdos nas escolas, principalmente no que se refere a cultura surda,
a utilização da Libras, aos recursos didáticos, a participação discente, a inclusão,
empatia, importância da formação do professor e a atuação do intérprete de Libras.
Por fim, se fazem necessárias mais pesquisas que, venham aprofundar as
questões da educação de surdos, tendo os Estudos Culturais e os Estudos Surdos
como aportes teórico-metodológicos, na busca de problematizar e compreender os
processos que estão no entorno dessa educação.

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