DINÂMICA VEICULAR - Relatório Conceitual
DINÂMICA VEICULAR - Relatório Conceitual
DINÂMICA VEICULAR - Relatório Conceitual
A parte mais importante de um carro, sem dúvida, são os pneus. São eles a única
parte que toca o solo, logo, são eles os responsáveis por imprimir no veículo as forças que
o fazem acelerar, frear e virar. Basicamente todos os principais sistemas de um veículo
trabalham em função dos pneus.
Imagem: ganhador.com
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SUMÁRIO
2. CURVAS ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 3
2. CURVAS
Devido à inércia, para que qualquer corpo descreva uma trajetória curvilínea, ele
deve ser submetido a algum tipo de força centrípeta. Nos carros, quem cumpre essa
função são os pneus, que resistem à tendência inercial do veículo de sair pela tangente da
curva, através da geração de força lateral (imagem 2).
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3. ESTABILIDADE E CONTROLE
Todo pneu possui um limite de aderência lateral, ou seja, produz uma força lateral
máxima. Se for exigido mais do que esse limite, a força produzida cai e o pneu passa a
deslizar completamente. É a transição do atrito estático para o atrito cinético.
Se, por algum motivo, essa situação ocorrer apenas com os pneus traseiros, o
veículo se comportará lançando a traseira para fora da curva (imagem abaixo), já que a
inércia deixará de ser resistida pelas forças laterais dos pneus traseiros.
Por definição, um veículo que possui boa estabilidade direcional tem boa
capacidade de retornar para sua condição de equilíbrio quando é desestabilizado, ou seja,
quando há incidência de sobre-esterçamento. Nesse aspecto, as dimensões principais do
veículo são determinantes: quanto maiores a distância entre-eixos e a bitola (imagem
6), maior a estabilidade, devido ao maior momento polar de inércia. Além disso, a posição
do centro de massa do veículo também influencia diretamente: quanto mais deslocado
para trás o centro de massa estiver, maior será a tendência sobre-esterçante. Diversos
outros fatores também influenciam na estabilidade direcional e serão, em parte, cobertos
neste relatório.
Também, o veículo deve ser capaz de repassar, através do volante, feedbacks para
as mãos do piloto sobre o que está ocorrendo a cada instante com o seu equilíbrio
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O pneu produz força de atrito em sua área de contato com o solo, chamada de
contact patch, através de dois mecanismos. O primeiro deles é a adesão – força das
ligações intermoleculares entre as duas superfícies em contato – que resiste ao movimento
relativo entre a borracha e a pista.
Não é incomum que a força dessas ligações seja mais forte que a própria interação
dos grãos de borracha entre si. Desse modo, com a adesão superando a própria resistência
do material, o resultado é que grãos de borracha são arrancados do pneu, depositando-se
na pista. Assim são gerados os marbles (grãos de borracha que se depositam na pista) e
os trilhos de borracha (ambos representados na imagem 7). Ao contrário do que se
costuma imaginar, não é necessário que o pneu esteja deslizando para que este último
aconteça. Na verdade, ocorre justamente o contrário: a borracha gruda tão forte na pista,
em função da adesão intermolecular, que ela é arrancada do pneu.
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Imagem 7: motor.es
A importância desse efeito se nota claramente nos pneus de chuva, os quais não
podem depender da adesão para gerar força no contact patch e, em vista disso, são
fabricados com muito mais histerese que os pneus para pista seca.
Imagem 9: nytimes.com
5. TRANSFERÊNCIA DE CARGA
Imagem 12: Diagrama de corpo livre de um veículo em vista traseira fazendo curva para a
direita.
ℎ
∆ 𝑐𝑎𝑟𝑔𝑎 𝑙𝑎𝑡𝑒𝑟𝑎𝑙 = 𝑚 × 𝑎𝑐𝑒𝑙.𝑙𝑎𝑡 ×
𝑏
Essa fórmula indica o tanto de carga que está “migrando”, no total, de um lado do
veículo para o outro. Para a transferência longitudinal de carga o procedimento é idêntico,
sendo apenas necessário trocar o valor da bitola pela distância entre-eixos e considerar a
aceleração respectiva.
No eixo y, a força lateral, como visto, representa a força de atrito que o pneu
produz para manter o carro na curva. Ela atua na área de contado do pneu com o solo,
chamada de contact patch, e age como força centrípeta, ou seja, aponta para o centro da
trajetória da curva, sendo perpendicular à direção para a qual o pneu aponta (na verdade,
ao pé da letra, não é 100% da força lateral que equivale à força centrípeta, pois existe uma
componente de força de arrasto, mas podemos desconsiderar isso por enquanto).
Já a carga vertical (eixo x) é equivalente à força normal que atua no pneu, e varia,
como já mencionado, em função da transferência de carga. Em consequência disso, a
força lateral produzida pelo pneu externo à curva tem sempre maior módulo que a
produzida pelo pneu interno (imagem 15). Costuma-se dizer, então, que os pneus externos
são sempre os pneus mais importantes.
Imagem 15: Vista traseira de um veículo tipo fórmula fazendo curva para a direita
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Tendo sido esses conceitos esclarecidos, pelo gráfico anterior percebe-se que o
aumento da carga vertical resulta em incrementos cada vez menores nos valores de força
lateral. Isso indica uma diminuição no coeficiente de atrito em função do aumento da
carga vertical, uma vez que a derivada da curva (coeficiente de atrito) assume valores
cada vez menores ao longo da abscissa, o que, de fato, pode ser observado no gráfico
abaixo:
7. SLIP ANGLE
Desse modo, a trajetória que a roda descreve durante a curva nunca coincide com
a direção para a qual ela aponta, pois, enquanto houver atrito estático, sempre haverá
deformação de torção na área de contato do pneu com o solo e, quando houver atrito
cinético, a roda literalmente estará escorregando de lado.
O ângulo formado entre a direção que a roda segue num dado instante (reta
tangente à trajetória circular por ela descrita) e a direção para a qual a roda aponta é
chamado de slip angle, ou ângulo de deriva (imagem 19).
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O termo “slip” pode soar um pouco confuso, pois não necessariamente os pneus
precisam estar deslizando para gerarem slip angle, sendo, por isso, o termo “ângulo de
deriva” a tradução mais adequada.
Desse modo, o slip angle, até certo valor, é diretamente proporcional à força
lateral que o pneu produz. No gráfico a seguir é possível visualizar tal proporcionalidade
(região até 2° de slip angle):
A partir desse valor de slip angle encontra-se a zona friccional, na qual a força
lateral diminui progressivamente. Isso ocorre porque nessa fase o pneu deixa de
apresentar qualquer interação de agarramento com o solo, restando apenas interação de
deslizamento. Mas perceba que a aderência não desaparece na zona friccional, ela apenas
cai progressivamente com o aumento do slip angle. É por isso que manobras de drift são
possíveis, mesmo tendo os pneus já ultrapassado o pico de aderência.
O desenho desse tipo de gráfico, ainda que sempre siga esse mesmo padrão, varia
em função de alguns fatores: composto, construção e geometria do pneu, pressão interna,
carga vertical aplicada, entre outros.
Em razão desses fatores, pneus de rua, por exemplo, possuem seu pico de força
lateral em um maior valor de slip angle quando comparados a pneus de competição, de
modo que a perda de aderência não seja tão abrupta, e sim mais previsível para motoristas
comuns (é como se os pneus tivessem mais tempo para “avisar” ao motorista que o limite
da aderência está chegando/já chegou).
Em contrapartida, o fato de o pico de força lateral dos pneus slick ser atingido em
um menor valor de slip angle permite que um pequeno esterçamento das rodas produza
um elevado valor de força lateral. Repare na inclinação da curva vermelha na imagem 22
em comparação com a verde – é o que chamamos, na fase elástica, de cornering stiffness
– quanto maior é o coeficiente angular da curva, maior é o ganho de força lateral por
aumento de slip angle, o que deixa as respostas do veículo aos comandos do volante mais
rápidas e precisas, melhorando o controle direcional.
Além disso, menores valores de slip angle também geram menos arrasto no
contact patch (que é uma componente da força lateral, como mencionado no tópico
anterior) e, por consequência, menos calor nos pneus é gerado. Desse modo, mais macios
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O quê? Calma. Para o piloto, o parágrafo acima queria dizer algumas coisas. O
fato de a carcaça torcer tanto, especialmente na banda de rodagem, se traduzia em várias
consequências: muito feedback às mãos sobre o limite de aderência, mas por outro lado,
eram pneus de respostas lentas – o piloto de tinha de ser mais agressivo nas entradas de
curva para que os pneus dobrassem até chegar no ponto de máxima aderência. O quão
agressivo? Como o pico de aderência era bem largo e o decaimento (perda de aderência)
era baixo no caso de se passar do ponto, você podia ser muito ou pouco agressivo. Os
pneus antigos permitiam mais estilos de pilotagem diferenciados. Por fim, com aderência
limitada e composto duro, não se gerava tanto calor, e portanto os pneus duravam uma
enormidade.” (flatout.com.br, “QUAL A DIFERENÇA ENTRE POWERSLIDE, DRIFT
E DERRAPAGEM CONTROLADA?”)
Neste ponto, você já é capaz de entender porque os veículos (pelo menos os com
distribuição de peso 50:50) adquirem os slip angles mostrados na imagem abaixo quando
estão sub-esterçando, sobre-esterçando ou em condição de equilíbrio: se o veículo está
saindo de traseira, seu slip angle traseiro é maior que o dianteiro, pois a traseira já
ultrapassou o limite da aderência, produzindo menos força lateral que a dianteira. E o
inverso ocorre no sub-esterçamento.
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8. SLIP RATIO
O slip ratio nada mais é que a diferença entre a velocidade de rotação da roda e
sua velocidade de translação (https://www.youtube.com/watch?v=1-zUmZH7WDA
). Desse modo, se um veículo que viaja a 100 km/h alcança um slip ratio de 20% durante
a frenagem, significa que, na verdade, a roda está girando a 80 km/h nesse dado instante.
“A mecânica do atrito entre o pneu e a pista é a mesma nos dois casos [slip angle
e slip ratio] – uma combinação de aderência mecânica e adesão molecular transiente
que cresce até que toda a área de contato comece a deslizar. Assim como ocorre com o
slip angle, qualquer pneu desenvolve seu máximo coeficiente de atrito e,
consequentemente, sua máxima capacidade trativa em um determinado valor de slip
ratio. Depois que esse valor é alcançado, tanto o coeficiente de atrito quanto a
capacidade trativa decrescem." (SMITH, 1978)
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Ainda é oportuno mencionar que slip angle e slip ratio também acontecem
conjuntamente. É o que se sucede quando um veículo freia/acelera e vira ao mesmo
tempo, como em entradas e saídas de curvas.
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9. FRICTION CIRCLE
Por esse vetor ser radialmente constante nesse diagrama em específico, implica
que ou o pneu é capaz de gerar 1,4 G de aceleração quando trabalha produzindo apenas
força longitudinal, ou é capaz de gerar 1,4 G quando trabalha produzindo apenas força
lateral. Em outras palavras, nunca será possível, com esse pneu, desenvolver 1,4 G
longitudinal ou lateral se ele estiver gerando força de atrito nas duas direções
simultaneamente. O vetor FT ilustra isso.
No entanto, isso não quer dizer que, para extrair o melhor desempenho dos pneus,
o piloto deva fazer curva com os pés longe dos pedais. Muito pelo contrário, é
fundamental que o piloto use os pedais dentro da curva. A única condição é a de que ele
deve ser capaz de manter os pneus o tempo todo o mais próximo possível da fronteira do
diagrama. Desse modo, eles são mantidos operando em um nível eficiente de forças
combinadas, pois, como se observa no diagrama, a força resultante é uma soma vetorial,
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logo, a soma dos módulos das componentes lateral e longitudinal é maior que o próprio
módulo do vetor resultante.
"Qualquer processo que envolva atrito produz calor. Além disso, uma porção da
energia envolvida na compressão e distorção da banda de contato não é devolvida para
o pneu quando a banda de contato volta a se alinhar, mas sim é convertida em calor.
Parte do calor é dissipada pelo fluxo de ar, mas parte é armazenada no pneu." (SMITH,
1978)
Quanto maior é a pressão de enchimento do pneu, mais rígido ele fica – maior é a
sua resistência à deformação – e, assim, maior é o seu cornering stiffness. Porém, em
razão disso, quanto maior é a pressão, menos o pneu se molda à pista e mais cedo ele
escorrega, apresentando uma menor extensão de zona linear no gráfico de força lateral x
slip angle e, principalmente, um menor valor de pico de força lateral.
Outras questões, mais relevantes para carros de passeio, são o maior consumo de
combustível quando a pressão está abaixo da recomenda, devido ao aumento da
resistência à rolagem, e o menor conforto de rodagem quando acima, devido ao aumento
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De início, não se sabe qual é a pressão fria ideal de cada pneu para a pista em
questão, sabe-se apenas a pressão ideal de trabalho (pressão quente), através dos dados
do pneu. Assim sendo, para se configurar, adota-se inicialmente uma pressão fria genérica
e são dadas algumas voltas rápidas com o veículo. Quando a temperatura dos pneus
estabiliza, o veículo retorna aos boxes e é checada a pressão quente. Então, adiciona-se
(ou se retira) a pressão necessária para que a pressão quente ideal seja atingida. Aguarda-
se o resfriamento total e novamente a pressão é checada. Os valores encontrados são
registrados e repete-se todo o procedimento algumas vezes, até que a pressão fria
encontrada esteja variando suficientemente pouco entre as checagens. É importante que
essa iteração seja feita, pois, quanto mais próximo da pressão quente ideal o pneu está,
mais aderente ele fica e mais calor é gerado, o que aumenta sua própria pressão quente,
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exigindo uma nova checagem e reajuste de pressão quente, que resulta em uma nova
pressão fria.
Para se determinar quais são as pressões quentes de cada pneu, é necessário ter
acesso aos dados do pneu. Em geral, quanto mais pesado é o veículo, maior deve ser a
calibragem. O gráfico abaixo (coeficiente de atrito x pressão quente) dá uma ideia de por
que isso ocorre: para maiores cargas verticais, o pico de coeficiente de atrito ocorre a
maiores pressões.
Como os pneus externos são sempre mais importantes, costumam-se adotar para
todos os quatro pneus valores de pressão quente baseando-se apenas nas curvas de atrito
x pressão de quando estão trabalhando como pneus externos. No entanto, se houver uma
predominância muito grande de curvas para um determinado lado, pode-se pensar em
enviesar a calibração.
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Uma curiosidade é que, em pistas cuja maioria das curvas é para a esquerda, pode
ocorrer de os pneus direitos acabarem tendo pressões frias menores, mesmo tendo
pressões quentes maiores. Isso ocorre pelo maior ganho de temperatura nos pneus que
recebem maiores cargas, já que produzem mais atrito. Um exemplo disso são os carros
de NASCAR, que, em circuitos ovais, têm uma variação de temperatura, em média, de
apenas 10°C nos pneus internos, enquanto os pneus externos chegam a variar 30°C.
Ainda, é importante notar que a diferença de pressão interna entre os eixos é uma
rápida e prática ferramenta de setup dinâmico do veículo: quanto maior a pressão interna
de um eixo, menor é pico de força lateral que ele irá alcançar (considerando-se alterações
de pressão dentro da faixa recomenda de trabalho). Muitas vezes esse é o primeiro ajuste
a ser considerado quando se busca alterar o equilíbrio dinâmico do veículo.
12. CAMBAGEM
Quando o veículo faz curva, a cambagem de todas as suas quatro rodas varia, por
motivo da rolagem da carroceria, a qual altera a geometria da suspensão. No caso, as
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rodas externas à curva tendem a ficar com inclinação positiva, enquanto as internas,
negativa, como mostra a imagem abaixo:
Justamente para evitar que a situação retratada acima ocorra, veículos de corrida
possuem valores negativos de cambagem estática. Ou seja, enquanto o veículo se
encontra parado, suas rodas já apresentam um valor negativo de cambagem (imagem 34).
Emprega-se isso porque, como se percebe na imagem acima, as rodas tendem a inclinar
sua parte superior/rolar para fora da curva. Desse modo, adotar um valor negativo de
cambagem estática compensa o efeito da rolagem natural das rodas externas, resultando
em sua menor inclinação para fora da curva.
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Obviamente, as rodas internas sairão prejudicadas, uma vez que elas ficarão ainda
mais inclinadas nas curvas (imagem 35). Porém, devemos nos lembrar mais uma vez que,
em função da transferência lateral de carga, a maior parcela da força lateral é produzida
pelas rodas externas, sendo, por isso, mais vantajoso melhorar o desempenho dessas
rodas, mesmo que isso signifique prejudicar as internas.
Quando o pneu está inclinado com relação à vertical no plano frontal, ou seja,
quando apresenta cambagem, o padrão de distorção elástica gerado na sua região de
contato com o solo cria uma força lateral no mesmo sentido da inclinação.
“Abaixo temos uma imagem didática que dá uma ideia de como isso acontece: o
lápis representa um dos pneus do carro, visto de frente. O ângulo do lápis em relação à
vertical é a cambagem negativa. Agora, tente arrastar a borracha para a direita: será
muito mais difícil que para a esquerda. Mais ainda: se na foto abaixo o lápis fosse um
pneu girando sozinho, estas forças laterais fariam o pneu se deslocar para a esquerda.
Esta resistência ao deslizamento é análogo ao camber thrust, e aumenta a capacidade de
aceleração lateral do veículo quando aplicado na proporção adequada, sem falta ou
excesso.”
Por questões geométricas, pneus mais largos e chatos sofrerão com mais
intensidade esses efeitos da cambagem (tanto os favoráveis quanto os desfavoráveis para
a aderência lateral) e, por isso, são mais sensíveis a sua variação (enquanto pneus mais
estreitos e abaulados são mais tolerantes), sendo necessário, nesse caso, um cuidado
adicional no projeto dos parâmetros de cambagem do veículo.
Uma vez que as forças laterais geradas pelo pneu atuam no centro de pressão, essa
distância se torna um braço de momento, que age em torno do centro de pivotamento do
pneu (coincidente com o centro geométrico na imagem 41). Como esse momento tende a
restabelecer o alinhamento da roda quando há esterçamento, ele é chamado de torque
auto-alinhante. É por efeito desse fenômeno que a direção “conserta sozinha” quando
liberamos as mãos do volante em uma conversão. No entanto, o pneumatic trail produz
apenas parte do torque auto-alinhante total do veículo. O restante é produzido pela
geometria do pino mestre da direção.
Como o pneumatic trail e a força lateral variam enquanto o veículo faz curva,
temos que o torque auto-alinhante também varia e, por consequência, o “peso” da direção
também varia. Sendo assim, quando o volante é esterçado com o veículo em movimento,
a resistência inicial ao esterçamento cresce muito rapidamente, em função do afastamento
progressivo do centro dinâmico do pneu em relação ao centro de pivotamento. Porém, se
o esterçamento continuar crescendo, logo a taxa de crescimento do torque auto-alinhante
começará a cair e, antes mesmo de o pico de força lateral ser atingido, o torque auto-
alinhante já estará a decrescer acentuadamente (imagem 42).
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Esse comportamento faz todo sentido, pois, como já visto, após a zona elástica,
com o aumento do slip angle, a fração do contact patch em atrito cinético cresce da parte
posterior em direção à anterior. Desse modo, a força resultante é cada vez mais deslocada
para frente, uma vez que o atrito estático tem maior módulo que o cinético. Isso diminui
progressivamente o pneumatic trail e, como a força lateral ainda está a crescer, porém
com taxa cada vez menor, notaremos como resultado uma queda progressiva na taxa de
crescimento do torque auto-alinhante, que, então, atingirá um valor de pico (antes do pico
de força lateral) e, logo em seguida, começará a decrescer.
Valores positivos de KPI fazem com que o veículo seja erguido conforme as rodas
são esterçadas para longe do centro, gerando simultaneamente ganho de cambagem
positiva em ambas as rodas (prejuízo para a roda externa). Quanto maiores são a
inclinação do pino mestre na vista frontal e o spindle length (distância do eixo do pino
mestre ao centro da roda na vista frontal), maiores são esses efeitos. Nesse caso, como o
veículo adquire energia potencial gravitacional quando esterçado, acaba sendo gerada
mais uma componente auto-alinhante, que surge pela tendência do veículo de retornar
para a posição de menor energia. Mas esse efeito é sentido apenas em baixas velocidades.
O scrub radius é o raio que o pneu descreve ao ser esterçado. Quanto maior o seu
valor, maiores serão o desgaste do pneu e o peso do volante em baixas velocidades.
Também influencia diretamente na transmissão dos choques/pancadas da roda com as
irregularidades da pista para o volante, efeito chamado de kickback. Quanto maior é o
scrub radius, maior é esse efeito e, assim, mais instável o veículo tende a ser e maiores
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Porém, talvez o efeito mais importante gerado pelo scrub radius seja a mudança
de convergência das rodas quando o veículo está em movimento. Dependendo do seu
valor, as rodas podem convergir em frenagens (ambas esterçarem para dentro) e divergir
em acelerações (ambas esterçarem para fora), ou o contrário. Isso acontece porque o scrub
radius é um braço de momento, formado pela distância entre o centro de aplicação de
forças longitudinais do pneu (meio do pneu) e o centro de pivotamento do pneu, o que
tende a gerar esterçamento da roda, devido à deformação elástica dos componentes
(compliance), quando há atuação de forças longitudinais. Esse efeito acontece tanto na
dianteira quanto na traseira e pode afetar em grande medida a estabilidade do veículo.
Porém, não significa que um scrub radius nulo seja o ideal, pois, desse modo é
intensificado o fenômeno do squirm, que também pode causar instabilidade e maior
desgaste dos pneus (https://youtu.be/SUDMEd1bMZI?t=4m20s). Além disso,
dependendo do propósito do projetista, pode ser interessante que ocorram essas variações
de convergência em determinadas situações.
Além disso, em veículos de tração dianteira em geral, valores negativos de scrub radius
nas rodas da frente também possibilitam essa auto-estabilização quando há
destracionamento de apenas uma das rodas, situação em que o veículo tenderia a fazer
curva por conta própria devido à assimetria das forças longitudinais de tração (torque
steer).
17. CONVERGÊNCIA
Imagem 46
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Desse modo, se a relação geométrica for tal que provoque bump steer mesmo com
as rodas alinhadas, ao passar por irregularidades que fazem o curso da suspensão variar,
será provocada variação de convergência, trazendo imprevisibilidade para a condução.
Em curvas, devido à rolagem da carroceria, que comprime um lado da suspensão e
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distende o outro, também ocorrerá variação de convergência (no caso, chamado de roll
steer). Em frenagens e acelerações em linha reta, devido à arfagem, o efeito também
estará presente.
Desconsiderando slip angles, é necessário que cada uma das rodas dianteiras
aponte exatamente na direção de sua trajetória para que nenhuma delas deslize.
Concluímos, então, que a roda dianteira interna deverá ter maior ângulo de esterçamento
que a externa, já que seu raio de trajetória é menor. Esse é o princípio da geometria de
Ackermann.
Como é possível ver na imagem acima, o slip angle adquirido pelas rodas traseiras
translada o centro instantâneo de curvatura da posição I para a posição X, o que exige que
os ângulos de esterçamento das rodas dianteiras sejam mais próximos entre si para que
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não haja escorregamento (geometria < 100% Ackermann). Somado a isso, como vimos
no tópico de slip angle, aumentos na carga vertical sobre um pneu deslocam o pico do
gráfico ‘força lateral x slip angle’ para a direita, ou seja, é necessário um maior slip angle
para se atingir a força lateral máxima. E, uma vez que há transferência lateral de carga
em curvas, temos que a roda externa adquire maior carga normal que interna. Conclusão?
Precisamos gerar maior slip angle na roda externa que na interna para que o eixo alcance
a máxima força lateral possível. Inclusive, dependendo do caso, pode ser necessário
empregar uma geometria oposta à Ackermann, com a roda externa esterçando mais que a
interna (imagem 49). É o que chamamos de geometria anti-Ackermann (geometria < 0%
Ackermann).
Imagem 49
A mola força o pneu em direção à pista, para que, ao passar por buracos e
depressões, o contato seja mantido. Além disso, ela também absorve a energia dos
impactos que a roda recebe ao passar por ressaltos da pista, convertendo a energia cinética
do impacto em energia potencial elástica. Observa-se que acaba de ser definido um
sistema massa-mola, que oscila. A oscilação do chassi é prejudicial tanto ao conforto,
quanto ao comportamento dinâmico do veículo. Ela gera flutuação das cargas verticais
aplicadas sobre pneus, podendo resultar em um comportamento dinâmico inconstante
devido às perdas intermitentes de aderência. Além disso, a liberação da energia contida
na mola impulsiona o chassi para cima, o que pode ocasionar descolamento total do pneu
em relação ao solo se a energia armazenada for muito grande. Eis que entram em cena os
amortecedores, que atuam dissipando essa energia, convertendo-a em calor, estabilizando
o chassi.
No que diz respeito às molas, quanto menor é a sua rigidez, ou seja, quanto mais
macias são as molas, maior é a capacidade do veículo de ler o solo, pois o chassi estará
sujeito a menores impulsos verticais (desde que os amortecedores sejam adequados), além
de que maior será o curso efetivo da suspensão, melhorando a capacidade do pneu de
alcançar depressões.
Quanto mais rígidas as molas, menor é a rolagem, mais constante fica a geometria
da suspensão e melhor é o desempenho desta. Porém, molas muito duras comprometam
o desempenho vertical do veículo de absorção de impactos e leitura do solo. Empregam-
se, então, barras estabilizadoras, que auxiliam na contenção da rolagem, possibilitando
que as molas sejam mais macias.
Isso é relativamente fácil de entender. Para resistir à rolagem o eixo deve reagir,
fazer força contrária ao movimento de rolagem. Quando isso ocorre, a normal do pneu
envolvido nessa reação é aumentada. Está aí a transferência de carga. Desse modo, se
considerarmos um carro com rigidez à rolagem nula (abstração) no eixo dianteiro e eixo
traseiro com rigidez à rolagem padrão, toda a reação para conter a rolagem total do carro
será feita somente pela traseira e, por isso, toda a transferência lateral de carga ocorrerá
somente na traseira.
Obviamente, nenhum carro possui rigidez à rolagem nula em nenhum eixo. Logo,
ambos os eixos transferem carga, com a diferença de que, dado o raciocínio do parágrafo
anterior, o eixo mais rígido transfere relativamente mais carga que o outro eixo. E isso é
uma importante ferramenta de setup dinâmico do veículo, pois sabemos que quanto mais
carga é transferida de um pneu para o outro, menor é a aderência do conjunto. Assim,
pode-se modificar o equilíbrio dinâmico do veículo simplesmente alterando as rigidezes
entre as barras estabilizadoras dianteira e traseira e as molas dianteiras e traseiras, o que
varia a distribuição da transferência lateral de carga entre os eixos, alterando a aderência
de cada eixo. Alguns veículos, inclusive, possuem regulagem das barras estabilizadoras
dentro do cockpit para que o piloto encontre o melhor setup dinâmico em cada situação
da corrida.
Outro ponto a evidenciar é a rigidez torcional do chassi. Quando o chassi não tem
boa rigidez torcional, ele acaba funcionando como uma mola de torção em série com os
sistemas de suspensão dianteiro e traseiro, anestesiando o efeito das configurações de
setup que visam alterar a distribuição de rigidez à rolagem entre os eixos.
Se o pneu tiver baixa capacidade de geração de força, ele será um limitante para
o desempenho do veículo. Se os sistemas mecânicos do veículo não conseguirem extrair
o máximo desempenho possível que o pneu pode dar, o veículo estará limitando a si
mesmo. Se o piloto não for capaz de explorar o limite de aderência dos pneus, ele estará
subaproveitando o veículo como um todo.