PSICANÁLISE
PSICANÁLISE
PSICANÁLISE
Introdução
Influenciado pelos avanços científicos e pelas tendências modernas
do campo filosófico, Sigmund Freud inaugurou a Clínica da Psicanálise,
tomando o conceito de que a subjetividade e, consequentemente, o
comportamento humano são regidos por outra lógica que não a da razão
cartesiana, mas, sim, por uma que Hegel descreveu como motivada pelo
desejo. Em seus estudos e pesquisas empíricas, Freud desvelou a instância
do Inconsciente (Ics) como sendo o lugar em que os pensamentos se
organizam. O Ics se torna, portanto, o objeto de investigação psicanalítica,
evoluindo e se desdobrando em muitas escolas que abordam as questões
psicológicas em relação ao sujeito e à dinâmica consciente-inconsciente.
A partir dessas concepções, é possível estudar a constituição do sujeito,
enquanto humano, as relações que ele estabelece com o ambiente e o
seu desenvolvimento, tornando-se, assim, uma das maiores escolas e
correntes teórico-metodológicas do campo da Psicologia.
Neste capítulo, você vai conhecer os fundamentos da Escola Psica-
nalítica e a sua contribuição para o comportamento humano, identificar
o processo de construção da Psicanálise e o desvelar do Ics e relacionar
os conceitos psicanalíticos que se referem à constituição do sujeito e aos
seus desenvolvimentos cognitivo e afetivo.
2 Escola psicológica: teoria psicanalítica
Para saber mais sobre a origem da Psicologia como ciência e das Escolas de Psicologia,
leia o artigo “Principais escolas de pensamento em Psicologia”, de Joviane Aparecida
de Moura (2009) no site Psicologado.
obscuros que fugiam das decisões conscientes de uma pessoa. Não conseguindo
ver eficácia na hipnose em seu trabalho clínico, Freud começou a orientar
sua clínica por meio da associação livre de ideias, em conjunto com o que os
próprios pacientes lhe retornavam. No princípio, ele usava uma leve pressão
sobre a fronte dos pacientes, como se aquilo pudesse induzi-los a falar o que
lhes viesse à mente, porém, um deles sinalizou que aquele procedimento não era
necessário e que bastava que o psicanalista deixasse que ele falasse livremente.
E foi assim que Freud passou a sugerir que seus clientes falassem o que lhes
viesse à cabeça, sem censura, definindo-se, assim, o método psicanalítico
pela livre associação de ideias.
A Psicanálise, como técnica construída por Sigmund Freud (1856–1939), vai
na contramão do Eu único da razão e da verdade de Descartes, inaugurando,
nesse momento, a visão do Eu dividido, que obscurece a verdade. Freud,
porém, também não conseguiu se ver livre da forma platônica de construir
o conhecimento e da ciência (positivista). Garcia-Roza (1993, p. 20) fez essa
diferenciação da seguinte forma: “[...] a psicanálise produziu uma derrubada
da razão e da consciência do lugar sagrado em que se encontravam. Ao fazer
da consciência um mero efeito de superfície do Inconsciente, Freud operou
uma inversão do cartesianismo [...]”.
A Psicanálise freudiana muito contribuiu para a compreensão do funciona-
mento psíquico e para a apreensão do comportamento humano e o tratamento
do sofrimento, ou seja, a partir do Ics, o comportamento humano não pode
ser apenas explicado por aspectos psicológicos racionais. Instaura-se, a partir
daí, toda uma corrente que valoriza o afeto. Para Freud (1996b), o conflito
psíquico é resultante do embate de forças instintivas (inconscientes) e repres-
soras (oriundas do Ego e do Superego), sendo os sintomas as representações
simbólicas desse conflito. Ele desvelou a instância do Ics, revelando a ideia
de dissociação do Eu em sujeito consciente e inconsciente, e as pulsões que
movem o desejo do ser humano em pulsões de vida e de morte (FREUD,
1996a), as quais funcionam sob lógicas diferentes. Freud defendeu que, além
da livre associação, havia outro meio de acesso aos conteúdos inconscientes
expressos por lembranças: as reminiscências dos sonhos (FREUD, 1996c,
1996d). O médico chocou a comunidade científica ao defender a existência de
uma sexualidade infantil, denominando os traumas sofridos na infância pela
instância do Complexo de Édipo (FREUD, 1996e). Ele revelou, ainda, aspectos
subjetivos, como repressões, resistências e identificações como contribuintes
para a formação do caráter, da personalidade e do comportamento humano
e o fenômeno da transferência como o pivô para o tratamento psicanalítico
(FREUD, 1996e).
Escola psicológica: teoria psicanalítica 5
novo Ego ideal, dotado de perfeições, que não pode ser renunciado (perfeição
narcísica da infância). O homem então busca recuperá-lo pela forma de um
ideal do Ego. Temos aqui dois termos importantes para a dinâmica psíquica:
o Ego ideal (objetiva a repressão) e o ideal de Ego (objetiva a idealização).
Em Luto e Melancolia, Freud (1996j) abordou mais precisamente o Narci-
sismo e a identificação imaginária com o objeto, caracterizando como a libido
no processo de luto deve passar pelo teste de realidade e pelo confronto com
a perda do objeto, esvaziando-se dos laços afetivos outrora ligados a ela. Um
processo similar, mas fundamentalmente diferente, ocorre na Melancolia,
processo no qual o paciente identifica a fantasia do objeto com o Ego e passa
a investi-lo por essa identificação.
Ainda em Garcia-Roza (1993), notamos que, no texto “Além do Princípio
do Prazer”, (FREUD, 1996m) declarou que há grande parte do Ics no Ego, ou
seja, além de uma parte do Ego estar ligada à consciência, existe outra que é
inconsciente, mas é apenas em O Ego e o Id, de Freud (1996h), que é assinalada
a emergência de um novo sistema que ficou conhecido como Segunda Tópica
Freudiana: Ego, Id e Superego. A nova tríade, no entanto, não vem substituir
a anterior, pois: “[…] enquanto a primeira tópica voltava sua atenção para a
economia libidinal, a segunda está voltada para o confronto da libido com o que
lhe é externo: a exigência de renúncia imposta pela cultura” (GARCIA-ROZA,
1993, p. 206). Em outras palavras, o que recalca a libido são as regras de uma
sociedade. Só podemos falar em ideal do Ego quando se introduz o outro.
Podemos afirmar que as máximas freudianas dessa segunda tópica nos dizem que
não devemos confundir Ics com Cs, mas que algo no Ego também é inconsciente.
Tudo que é recalcado é inconsciente. O Ego pertence tanto ao Cs, como ao Pré-Cs e
ao Ics. Por sua vez, o Id é a parte inacessível do nosso psiquismo e tem características
opostas ao Ego, pois está aberto a influências somáticas e abriga os representantes
pulsionais que buscam satisfação (GARCIA-ROZA, 1993).
Garcia-Roza (1993) destaca também que Freud admitiu que o Ego é aquela
parte do Id que se modificou pela proximidade e influência do mundo externo
(FREUD, 1996n), confrontando o princípio do prazer e da realidade. Mas e o
Superego? Ainda de acordo com o autor, não é apenas contra o Id que o Ego
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Inconsciente Pré-consciente
Consciente
Outra importante escola criada nos EUA foi a Psicologia do self. Ela foi
inaugurada por Heiz Kohut, médico austríaco que, assim como Mahler e outros,
fugiu do caos nazista. Kohut inicialmente se considerava um aprofundador
dos conceitos freudianos, porém, em Chicago, ele acabou se distanciando
desses conceitos de base dos egressos da Psicanálise tradicional. Para Kohut,
as concepções psicanalíticas tomavam posturas muito ortodoxas (as Escolas de
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Anna Freud, Melaine Klein e a Psicologia do Ego). Ele afirmou que fenômenos
psicológicos só podem ser apreendidos por intermédio da introspecção e da
empatia. Por estudar as patologias narcísicas, sofreu críticas negativas contun-
dentes, apesar disso, seus ensinamentos se expandiram. Segundo Sarkis (2016),
os estudos de Kohut sobre as patologias narcísicas apresentadas em trabalhos
e publicadas em seus livros sofreram críticas negativas. Colegas e estudantes
se reuniam e o ajudaram a formar o Grupo de Estudos da Psicologia do self.
Heiz Kohut formulou o conceito de self-objeto que responde empaticamente
às necessidades psicológicas, ou seja, o indivíduo que vem a desempenhar
uma vivência aglutinada às funções que um bebê ainda não pode desempenhar
sozinho, devido a dispor apenas de um núcleo de self a ser desenvolvido, por
intermédio da vinculação com seu próprio self (SARKIS, 2016). De forma
mais clara, para o bebê, o adulto que cuida dele é parte de si mesmo. O self-
-objeto idealizado garante a segurança e o amparo e o sentimento de pertencer
a um contexto humano, mas se esse self-objeto falha, haverá a internalização
idealizada do self vinculado, surgindo, a partir daí, as patologias narcísicas
do self. Kohut defendia a existência de um self completo (não defeituoso) com
capacidades realizantes, criativas e produtivas em oposição ao self narcísico
(defeituoso). A cura do self narcísico se dá pelas vivências emocionais do
paciente na reativação e na análise de transferência, emoções inconscientes
revividas e elaboradas na consciência durante o processo analítico. Mais
tarde, Kohut modificou certos conceitos, como o do narcisismo, que passou
a ser conceituado como uma estrutura da mente, algo próprio das relações
humanas, tendo capacidade de transformações evolutivas. Ele criticava, por
meio do conceito de fúria narcísica, a agressividade destrutiva que é reativa
às ameaças de fragmentação do self. Além disso, Kohut diferenciava, fazendo
uso de metáforas, o homem culpado (relação do homem com suas pulsões) do
homem trágico (que busca um sentido existencial), ao apontar decisivamente
seu distanciamento da Psicanálise freudiana, afirmando que o homem sofre
pela ameaça de fragmentação do self.
A Escola de Donald Woods Winnicott (1896–1971) também se tornou
bastante importante, tendo em vista que o pediatra, psiquiatra infantil e psi-
canalista nascido na Grã-Bretanha atuou clinicamente e escreveu para revistas
destinadas ao público em geral. Nelas, ele discutia os problemas das crianças
e das suas famílias. Sua extensa obra foi dedicada à construção da teoria dos
processos maturacionais (um caminho a ser percorrido partindo da dependên-
cia absoluta e da dependência relativa à independência relativa) que, além de
constituir uma teoria da saúde, com descrição das tarefas impostas desde o
início da vida pelo próprio amadurecimento, configura também o horizonte
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Um dos mais famosos casos que Freud atendeu bem no início da construção da
Teoria Psicanalítica ficou conhecido como o caso Dora. Muitos dos conteúdos do
caso foram confiados em cartas a um amigo de Freud, o médico Wilhelm Fliess. Freud
começou a atender a moça, que chamou Dora, em outubro de 1900 e terminou em
31 de dezembro do mesmo ano. O médico só publicou o artigo sobre o caso em
1905 e o considerava um prato cheio para a confirmação de sua teoria, pois notou
a dificuldade de manter uma cronologia dos relatos da vida da paciente devido à
associação livre, às amnésias, que serviam para encobrir os conteúdos recalcados, à
cena edípica presente no relacionamento com seus pais (suspeita de infidelidade do
pai a quem nutria muito afeto), aos seus amplos conhecimentos dos assuntos sexuais,
apesar da sua juventude (18 anos), à utilização de sua doença (sintomas) para conseguir
coisas (ganho primário e secundário), ao papel dos sonhos e à sua interpretação. O
atendimento foi interrompido após a interpretação do segundo sonho, não sendo
um sucesso, do ponto de vista da cura, mas, sim, da confirmação de alguns conceitos
que ele defendia como condição da Psicanálise (FREUD, 1996e).
Leitura recomendada
MOURA, J. A. Principais escolas de pensamento em psicologia. 2009. Disponível em: https://
psicologado.com.br/abordagens/introducao/principais-escolas-de-pensamento-em-
-psicologia. Acesso em: 20 ago. 2020.
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