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Rev. Bras.

Adolescência e Conflitualidade, 1(1): 29-46, 2009 29

O Sistema Nacional de

Veronese & Lima


Atendimento Socioeducativo
(Sinase): breves considerações

Josiane RosePetry Veronse 1,2


Fernanda da Silva Lima 1,2,3 Resumo

A doutrina da proteção integral disposta na Constituição da


República Federativa do Brasil de 1988 e na Lei 8.069/90 eleva
crianças e adolescentes à condição de sujeitos de direitos e os
reconhece como pessoas em desenvolvimento, além de conferir
à família, ao Estado e à sociedade o dever de assegurar seus
direitos fundamentais e de proteção com prioridade absoluta
(Art. 227, CF/88). Estudar o ato infracional e as medidas
sócioeducativas implica fazer um aprofundamento teórico da
doutrina da proteção integral. As medidas sócioeducativas têm
finalidades especificamente pedagógicas e levam em
1 Centro de Ciências Jurídicas, consideração a vulnerabilidade do público a qual se destina. É
Universidade Federal de Santa necessário elucidar a diferenciação da responsabilização
Catarina estatutária da lógica repressiva imposta pelo sistema penal; por
2 Núcleo de Estudos Jurídicos e isso, a partir do ano de 2004 foi apresentado como Projeto de
Sociais da Criança e do Lei o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo –
Adolescente, Universidade Federal SINASE. A pesquisa tem como objetivo trazer algumas
de Santa Catarina reflexões sobre o ato infracional, medidas socioeducativas,
3 Mestranda no Curso de Pós-
responsabilização estatutária e o SINASE como instrumento
Graduação em Direito da jurídico-político para a concretização dos direitos dos
Universidade Federal de Santa adolescentes autores de ato infracional. A pesquisa utilizou o
Catarina método indutivo com análise interdisciplinar crítica e reflexiva
da realidade envolvendo pesquisa bibliográfica. Podemos
concluir que é necessário um estudo aprofundado da temática
que envolve o ato infracional a partir das concepções trazidas
pela doutrina da proteção integral e que o SINASE é um
importante documento normativo que visa promover uma ação
educativa no atendimento ao adolescente, seja em meio aberto
ou em casos de restrição de liberdade.

Autor para correspondência:


Josiane RosePetry Veronse
Centro de Ciências Jurídicas,
Universidade Federal de Santa
Catarina, Campus Trindade, Cep:
88050-000, Florianópolis, SC.
Palavras-chave: adolescentes - ato infracional - doutrina da
Email: [email protected] proteção integral - medidas socioeducativas -
responsabilização estatutária - SINASE.
Rev. Bras. Adolescência e Conflitualidade, 1(1): 29-46, 2009 30

Introdução

Veronese & Lima


O Direito da Criança e do Adolescente é um ramo jurídico
autônomo, cujo caráter interdisciplinar permite o estudo aprofundado
dos mais variados temas que envolvem a população infanto-juvenil.
Crianças e adolescentes, na condição de sujeitos de direitos, recebem
uma proteção especial, tendo em vista a situação peculiar de seres
ainda em desenvolvimento e que por isso gozam de absoluta
prioridade na efetivação dos seus direitos fundamentais.

Nesta perspectiva, estudar o ato infracional e as medidas


socioeducativas implica fazer um aprofundamento teórico da doutrina
da proteção integral, consagrada na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 e no Estatuto da Criança e do
Adolescente consubstanciado na Lei 8.069 de 13 de julho de 1990.

A problemática que envolve o ato infracional e a execução das


medidas socioeducativas tem múltiplas causas e está vinculada a
concepções obsoletas na forma como enfrentar/ lidar com o
adolescente autor de ato infracional. As medidas socioeducativas,
sejam aquelas executadas em meio aberto ou as restritivas de
liberdade, devem guiar-se pelo trinômio: liberdade, respeito e
dignidade. A intervenção deve ser obrigatoriamente pedagógica e não
punitiva.

No ano de 2004, a Secretaria Especial de Direitos Humanos


(SEDH), o Conselho Nacional de Direitos da Criança e do
Adolescente (CONANDA) e com apoio do Fundo das Nações Unidas
para a Infância (UNICEF) sistematizaram e apresentaram a proposta
do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE, que
é um documento que visa promover uma ação educativa no
atendimento ao adolescente que cumpre medida socioeducativa, sejam
aquelas em meio aberto ou as restritivas de liberdade.

A pesquisa tem como objetivo trazer algumas reflexões sobre o


ato infracional, as medidas socioeducativas, responsabilização
estatutária e o SINASE – como instrumento jurídico-político para a
concretização dos direitos fundamentais dos adolescentes autores de
ato infracional.

Num primeiro momento deste estudo, é importante conceituar


ato infracional e a responsabilização estatutária caracterizada na
execução das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da
Criança e do Adolescente. É importante elucidar a diferenciação da
responsabilização estatutária – ancorada pela doutrina da proteção
integral – da lógica repressiva imposta pelo sistema penal. Em
seguida será analisado o projeto do SINASE e a sua importância como
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instrumento jurídico consolidador dos direitos dos adolescentes no

Veronese & Lima


Brasil.

A pesquisa utilizou o método indutivo com análise


interdisciplinar envolvendo pesquisa bibliográfica.

Ato infracional, medidas socioeducativas e a


responsabilização estatutária

Um dos grandes desafios atuais nos estudos em Direito da


Criança e do Adolescente refere-se à temática ato infracional. É um
tema complexo, que envolve múltiplas causas e vem carregado das
velhas concepções trazidas pelo direito do menor e pela doutrina
jurídica da situação irregular consubstanciada no revogado Código de
Menores de 1979.

Não cabe neste texto discorrer sobre a política social e a


construção normativa que marcou o direito menorista no Brasil1, mas
cabe enfatizar que já passamos pelo período de transição
paradigmática com a promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 e com a aprovação da Lei 8.069, de 13
de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. Ambos os
instrumentos normativos foram inspirados na Convenção
Internacional dos Direitos da Criança aprovada pela Assembléia Geral
da Organização das Nações Unidas em 1989 que contempla uma nova
doutrina jurídica para a infância respaldada pela concepção da
proteção integral.

A doutrina da proteção integral eleva crianças e adolescentes à


condição de sujeitos de direitos e as reconhece como pessoas em
estado peculiar de desenvolvimento, além de conferir à família, ao

1
De acordo com Custódio: “No período da Política Nacional do Bem-Estar do
Menor, implantada a partir de 1964 com o golpe, mais uma vez, há a repressão
institucionalizada, com a criação da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor e a
ideologia da segurança nacional, revigorando as práticas de contenção institucional e
imposição da disciplina.” E ainda assinala que: “O Período do Direito do Menor em
Situação Irregular inaugurado com o Código de Menores de 1979 continuou a
compreender a infância como abandonada, exposta, transviada, delinqüente,
infratora ou libertina, ou seja, concentrando todas as discriminações em uma única
categoria jurídica: a menoridade. Na verdade, o Direito do Menor nada mais foi que
a institucionalização jurídica da Política Nacional do Bem-Estar do Menor orientada
para o controle, a vigilância e a repressão das classes populares.” CUSTÓDIO,
André Viana. Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente e Políticas
Públicas: limites e perspectivas para a erradicação do trabalho infantil doméstico. In:
CUSTÓDIO, André Viana; CAMARGO, Mônica Ovinski de. (orgs.) Estudos
contemporâneos de direitos fundamentais: visões interdisciplinares. Curitiba:
Multideia, 2008. p. 105.
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Estado e à sociedade o dever de assegurar seus direitos fundamentais e

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de proteção com prioridade absoluta (Art. 227, CF/88).

A infância e a adolescência, admitidas como prioridade


imediata e absoluta exige uma consideração especial e isto significa
que a sua proteção deve sobrepor-se às medidas de ajustes econômicos
com o objetivo de serem resguardados os seus direitos fundamentais.
E mais, tal entendimento resultou na “prioridade absoluta
constitucional” determinada no art. 227 da Constituição Federal de
1988, regulamentada na Lei nº 8.069/90, em especial o art. 4º, § único:
- primazia em receber proteção e socorro em qualquer
circunstância;

- precedência no atendimento por serviço ou órgão público


de qualquer poder;

- preferência na formulação e execução das políticas sociais


públicas;

- destinação privilegiada de recursos públicos às áreas


relacionadas com a proteção da infância e da juventude.

A Doutrina da Proteção Integral, como lembra Costa,

[...] afirma o valor intrínseco da criança como ser humano; a


necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa
em desenvolvimento; o valor prospectivo da infância e da
juventude como portadora da continuidade do seu povo e da
espécie e o reconhecimento da sua vulnerabilidade. O que
torna as crianças e adolescentes merecedores de proteção
integral por parte da família, da sociedade e do Estado, o
qual deverá atuar através de políticas específicas para
promoção e defesa de seus direitos (1992: 17).

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em consonância com


tal doutrina, tem por fundamento o seguinte tripé: liberdade, respeito,
dignidade. Não podemos mais tratar a infância e a juventude com
descaso, não podemos mais coisificá-los como meros objetos
passíveis de tutela normativa, não podemos mais diferenciar a quem
se deve proteger. Todas as crianças e adolescentes, indistintamente,
estão na condição de sujeitos de direitos e são merecedores de uma
proteção especial aos seus direitos, sem negligência, sem crueldade,
sem opressão, sem discriminação e sem desrespeito.

Nessa perspectiva de proteção, o Estatuto da Criança e do


Adolescente consubstancia uma norma insurgente capaz de não
apenas normatizar sobre os direitos de crianças e adolescentes; vai
além disso, pois consegue sistematizar a forma pela qual esses direitos
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devem ser efetivados mediante a atuação do sistema de garantia de

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direitos.

Primeiramente, podemos conceituar ato infracional como toda


conduta praticada por criança ou adolescente definida como crime ou
contravenção pelo Código Penal Brasileiro. Para a configuração do ato
infracional é necessária a presença de indícios suficientes da autoria e
materialidade do fato. Esta é a única relação existente entre o Direito
da Criança e do Adolescente e o Direito Penal. O Direito Penal apenas
nos dá os tipos penais que são considerados crimes ou contravenções,
pois a forma de responsabilização pela prática do ato infracional é
exclusiva das normativas previstas no Estatuto da Criança e do
Adolescente.

Conforme previsto na Constituição da República Federativa do


Brasil de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente, são
penalmente inimputáveis as pessoas com idade inferior a 18 anos. A
palavra imputabilidade tem origem no verbo imputar, que significa
atribuir a alguém determinada responsabilidade. Imputabilidade penal,
portanto, é a atribuição da responsabilidade penal, que torna a pessoa
suscetível de aplicação das normas estabelecidas no Código Penal e de
suas sanções, se suas determinações não forem cumpridas.

Logo, imputabilidade penal é a suscetibilidade de tornar a


pessoa sujeito do Direito Penal, sendo então considerada como uma
condição ou qualificação daquele que pode ser sujeito ativo de ilícito
penal (CRETELLA JÚNIOR, 1993: 45-49).

A inimputabilidade penal dos menores de dezoito anos


incorporou-se à Carta Magna brasileira em 1988, quando foi
promulgada, com sua disposição no art. 228.2 Por isso podemos dizer
que a discussão acerca do rebaixamento dos limites de idade penal soa
como um “discurso vazio”, pois o dispositivo normativo que assegura
a imputabilidade penal aos menores de 18 anos é uma cláusula pétrea
e, como tal, só pode ser alterada mediante a realização de uma nova
Assembléia Nacional Constituinte.

Portanto, o critério de 18 anos como limite de responsabilidade


penal vem de um avanço da própria política criminal. Os projetos de
rebaixamento desse limite esbarram no art. 60, § 4º da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, o qual determina que não
pode ser objeto de Emendas Constitucionais dispositivos que visem
abolir os direitos e garantias individuais.

No entanto, há que se afirmar que o menor de dezoito anos é


inimputável penalmente, mas está sujeito às normas presentes na
legislação especial. Desde 1990, os adolescentes – pessoas de 12 a 18

2
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às
normas da legislação especial.
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anos de idade - são responsabilizados por seus atos frente ao Estatuto

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da Criança e do Adolescente.

O Estatuto da Criança e do Adolescente foi criado para dar


maior ênfase à situação da criança e do adolescente e dar-lhes o status
de sujeitos de Direito. Para tal fim, se projeta com uma proposta
insurgente: a responsabilização social. Assim, para atos infracionais
cometidos por menores de dezoito anos, o Estatuto prevê medidas
socio-educativas que são dispostas em grau de severidade, no seu art.
112, dependendo, para a aplicação de cada medida, de algumas
questões fundamentais que são: a capacidade do adolescente em
cumprir determinada medida, as circunstâncias que sucedeu o suposto
ato infracional e a gravidade deste último.

As medidas socioeducativas são prescritas conforme os artigos


do Título III, Capítulo IV do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Vejamos os artigos das Seção I, “Disposições gerais”, os quais
enumeram e caracterizam as tais medidas:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade
competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes
medidas:

I – advertência;

II – obrigação de reparar o dano;

III – prestação de serviços à comunidade;

IV – liberdade assistida;

V – inserção em regime de semiliberdade;

VI – internação em estabelecimento educacional;

VII – qualquer uma das medidas previstas no art. 101, I a


VI.3

§ 1.º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a


sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade
da infração.

§ 2.º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será


admitida a prestação de trabalho forçado.

3
Art. 101, I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de
responsabilidade; II – orientação, apoio e acompanhamento temporários; III –
matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de estudo
fundamental; IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família,
à criança e ao adolescente; V – requisição de tratamento médico, psicológico ou
psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI – inclusão em programa
oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e
toxicômanos;
Rev. Bras. Adolescência e Conflitualidade, 1(1): 29-46, 2009 35

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§ 3.º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência
mental receberão tratamento individual e especializado, em
local adequado às suas condições.

Art. 113. Aplica-se a este capítulo o disposto nos arts. 99 e


100.4

Art. 114. A imposição das medidas previstas nos incisos II a


IV do art. 112 pressupõe a existência de provas suficientes
da autoria e da materialidade da infração, ressalvada a
hipótese da remissão, nos termos do art. 127.

Parágrafo único. A advertência poderá ser aplicada sempre


que houver prova da materialidade e indícios suficientes da
autoria.

Ainda como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente, são


asseguradas aos adolescentes todas as garantias processuais tais como
o direito ao contraditório, a ampla defesa, a defesa técnica por
advogado e o devido processo legal. Sem essas garantias, medida
alguma poderá ser concedida ao adolescente autor de ato infracional
sob pena de nulidade processual.

As garantias processuais, bem como a imprescindibilidade da


presença do advogado em todos os atos do processo representam um
enorme avanço frente aos revogados Códigos de Menores (1927 e
1979), uma vez que, para o antigo sistema, a presença do advogado
era facultativa, prejudicando principalmente aquela parcela da
população sem recursos financeiros para contratar profissional da
área.

As seis medidas socioeducativas previstas no Estatuto devem


ser aplicadas em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana
e observar o estado peculiar em que se encontram os adolescentes na
condição de pessoas em desenvolvimento. A aplicação das medidas
socioeducativas deve ter caráter pedagógico e promover o
fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.

Entende-se que a Lei n. 8.069/90 efetivamente não contempla


a medida socio-educativa como uma sanção penal. Chama atenção o
fato de que no art. 100 há a evidência de algo inovador: “Na aplicação
das medidas, levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas,
preferindo-se aquelas que visem o fortalecimento dos vínculos
familiares e comunitários”. Os arts. 119, II; 120, § 1º; 123, § único, de
igual modo ratificam a importância das atividades pedagógicas, as
quais são obrigatórias, mesmo nas internações provisórias, pois o que
se pretende é sempre o resgate desta pessoa humana, inimputável
penalmente que, no entanto, transgrediu normas.
4
Art. 99. As medidas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou
cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo. Art. 100. Na aplicação
das medidas, levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se
aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.
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O Estatuto acredita que a melhor forma de intervir nesse
adolescente em conflito com a lei é incidir positivamente na sua
formação, servindo-se, para tanto, do processo pedagógico como um
mecanismo efetivo, que possibilite o convívio cidadão desse
adolescente autor de ato infracional em sua comunidade. Pretendem,
pois, tais medidas, educar para a vida social.

No entanto, não deve ser essa intervenção pedagógica pautada pelo


medo, pois

O medo é impositivo, suscita um desequilíbrio psicológico e


físico, exerce uma ação de fora para dentro no individuo e o
leva, pela incapacidade ou impossibilidade de enfrentá-lo, à
obediência. A prática de educar pelo medo, pela punição,
atua fortemente, predeterminando uma ação ou um
comportamento através da inibição de outros. O medo
impede determinadas ações, não porque desencadeia no
indivíduo uma maior compreensão sobre algo, não
necessariamente porque o conduz a um processo consciente
de aprendizagem, mas porque faz com que o indivíduo, na
maioria das vezes, se sinta sem iniciativa, podendo,
consequentemente, comprometer suas ações futuras, o seu
processo de socialização e sua autoestima (VERONESE,
OLIVEIRA, 2008: 49).

O que se pretende com o atual sistema de medidas


socioeducativas é a superação das velhas concepções autoritárias de
defesa social e de caráter retributivo, pois sabemos que a melhor
alternativa de superação à violência é a emancipação humana e
somente a promoção de alternativas educativas e sociais são capazes
de apresentar novos horizontes.

Ao responsabilizar os adolescentes estamos impondo limites.


Se o Estatuto da Criança e do Adolescente não é respeitado sob esse
prisma, o da responsabilização estatutária é, porque estamos
trabalhando com profissionais inabilitados e/ou programas
inadequados.

A idéia fundamental de que à criança e ao adolescente é


conferida a prioridade constitucional, a qual enseja uma série de
respostas a serem tomadas de forma conjunta pela família, pela
sociedade e pelo Estado, implica necessariamente o atendimento
preferencial nos casos limites e emergenciais. Portanto, o status da
prioridade absoluta deve ser considerado na proposição e execução
das políticas públicas, nesse caso, que visem orientar adequadamente
a execução das medidas socioeducativas.
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O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo –
SINASE
A proposta da responsabilização estatutária mediante a
inserção de práticas pedagógicas em detrimento das punitivas –
violadoras dos direitos humanos dos adolescentes – é um grande
desafio proposto aos operadores do sistema de garantia de direitos da
criança e do adolescente. É possível fazer com que esse ideal de
responsabilização não se constitua em letra morta? Como fazer
cumprir essa nova proposta pedagógica? Qual caminho seguir? Como
permitir que os adolescentes envolvidos com ato infracional não
tenham condutas reiteradas? Essas e outras indagações são basilares
para quem trabalha com um tema tão complexo e tão carregado das
mais variadas violências.

Foi pensando em melhor atender os adolescentes e dar


respostas a essas questões que, no ano de 2004, a Secretaria Especial
de Direitos Humanos da Presidência da República, o Conselho
Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente e com apoio do
Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) sistematizaram e
apresentaram a proposta do Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo – SINASE.
Em novembro do mesmo ano promoveram um amplo
diálogo nacional com aproximadamente 160 atores do SGD,
que durante três dias discutiram, aprofundaram e
contribuíram de forma imperativa na construção deste
documento (SINASE), que se constituirá em um guia na
implementação das medidas socioeducativas (CONANDA,
2006: 15).

O SINASE foi aprovado na assembléia do CONANDA em 13


de julho de 2006 e representou um grande avanço em termos de
políticas públicas voltadas para os adolescentes autores de ato
infracional. Em 13 de julho de 2007, o SINASE foi apresentado como
projeto de lei (PL 1.627/2007) ao Plenário da Câmara dos Deputados.
Em 9 de novembro do mesmo ano, por Ato da Presidência da Câmara
foi criada uma Comissão Especial para analisar o projeto de lei, tendo
como relatora a deputada Rita Camata (PMDB/ES).

O SINASE é fruto de uma construção coletiva envolvendo


diversos seguimentos do governo, representantes de entidades de
atendimento, especialistas na área e sociedade civil que promoveram
intensos debates com a finalidade de construir parâmetros mais
objetivos no atendimento ao adolescente autor de ato infracional.
Trata-se de uma política pública que verdadeiramente procura atender
aos preceitos pedagógicos das medidas socio-educativas conforme
dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente.
O educar para a vida social visa, na essência, ao alcance de
realização pessoal e de participação comunitária, predicados
inerentes à cidadania. Assim, imagina-se que a excelência
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das medidas socioeducativas se fará presente quando

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propiciar aos adolescentes oportunidade de deixarem de ser
meras vítimas da sociedade injusta em que vivemos para se
constituírem em agentes transformadores desta mesma
realidade (MAIOR, 2006: 379).

O SINASE, portanto, é um instrumento composto por um “[...]


conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico,
político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve desde o
processo de apuração de ato infracional até a execução de medida
socioeducativa” (CONANDA, 2006: 23). Deve ser compreendido
como uma política social de inclusão do adolescente autor de ato
infracional.

O SINASE é um documento que visa promover uma ação


educativa no atendimento ao adolescente, seja em meio aberto ou em
casos de restrição de liberdade. Mas há que se ressaltar que esse
instrumento jurídico-político dá preferência às medidas executadas em
meio aberto, porque compreende que as medidas restritivas de
liberdade, como a semiliberdade e a internação devem ser aplicadas
em último caso, levando sempre em consideração os princípios da
brevidade e da excepcionalidade.

O SINASE está organizado em nove capítulos e


Objetiva, primordialmente, o desenvolvimento de uma ação
socioeducativa sustentada nos princípios dos direitos
humanos. Persegue, ainda, a idéia dos alinhamentos
conceitual, estratégico e operacional, estruturado,
principalmente, em bases éticas e pedagógicas (CONANDA,
2006: 15).

Na condição de sistema integrado, o SINASE procura articular


os três níveis do governo para o melhor desenvolvimento do
atendimento socioeducativo ao adolescente, levando em consideração
a intersetorialidade e a co-responsabilidade entre a família, o Estado e
a sociedade. É importante que haja uma articulação e um trabalho
conjunto/em rede dos operadores do Sistema de Garantia de Direitos.
Para Souza, é necessário que se desenvolva trabalhos em sistemas de
redes para alcançar a real efetivação dos direitos infanto-juvenis, uma
vez que
A idéia de rede tem por base o sistema de garantia dos
direitos da criança e do adolescente, compreendendo os
diversos atores que interagem para garantir esses direitos.
[...] Assim, esse sistema de garantia apresenta eixos de ação
(promoção de direitos, defesa dos direitos e controle social),
que criam redes internas e entre si (2008: 45-46).

O SINASE tem como marco legal os dispositivos da


Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do
Adolescente, além de respeitar os tratados e convenções
internacionais. É um documento que normatiza como devem atuar as
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entidades de atendimento que trabalham com os adolescentes autores

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de ato infracional. O manual compreende desde a forma política de
traçar as diretrizes pedagógicas de cada programa de atendimento
como também enumera o quadro de profissionais que deve atuar em
conjunto nos programas específicos.

A equipe multidisciplinar é fundamental para auxiliar o


adolescente em cumprimento de medida socioeducativa, pois ele pode
ser atendido na medida de suas necessidades e recebe apoio
profissional de advogados, pedagogos, assistentes sociais, psicólogos
e demais profissionais dispostos a contribuir com a sua formação.
Além disso, o apoio pedagógico deve ser suficiente para
[...] propiciar ao adolescente o acesso a direitos e às
oportunidades de superação de sua situação de exclusão,
de ressignificação de valores, bem como o acesso à
formação de valores para a participação na vida social,
uma vez que as medidas socioeducativas possuem uma
dimensão jurídico-sancionatória e uma dimensão
substancial ético-pedagógica (CONANDA, 2006: 51).

O SINASE também normatiza sobre os parâmetros


arquitetônicos para unidades de atendimento socioeducativo,
principalmente em relação ao espaço físico, infraestrutura adequada
para atender os adolescentes e capacidade/vaga compatível com a
demanda sem negligenciar os direitos dos adolescentes. Dispõe sobre
a previsão orçamentária para a execução e manutenção das medidas
socioeducativas. Enfim, é um verdadeiro manual que, em
complemento ao Estatuto da Criança e do Adolescente, mostra o know
how, o como fazer, o como trabalhar com as medidas socioeducativas
mediante a intervenção de práticas pedagógicas sem violar direitos.

Dentre as diretrizes pedagógicas do atendimento


socioeducativo apontadas pelo SINASE, ressalta-se que é
imprescindível considerar:
1.A prevalência da ação socioeducativa sobre os aspectos
meramente sancionatórios;

2.O projeto pedagógico como ordenador de ação e gestão do


atendimento socioeducativo;

3.A participação dos adolescentes na construção, no


monitoramento e na avaliação das ações socioeducativas;

4.O respeito à singularidade do adolescente, presença


educativa e exemplaridade como condições necessárias na
ação socioeducativa;

6.A disciplina como meio para a realização da ação


socioeducativa;

7.A dinâmica institucional garantindo a horizontalidade na


socialização das informações e dos saberes em equipe
multiprofissional;
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8.A diversidade étnico-racial, de gênero e de orientação
sexual norteadora da prática pedagógica;

9. A família e a comunidade participando ativamente da


experiência socioeducativa;

10.A formação continuada dos atores sociais (CONANDA,


2006).

A sistematização do SINASE em nove capítulos foi importante


porque abrangeu as principais necessidades e, porque não dizer, as
medidas urgentes que precisavam ser estabelecidas para harmonizar o
atendimento socioeducativo em todo o território nacional. O SINASE,
sem dúvida alguma, é um importante instrumento jurídico-político que
contribuiu para a concretização dos direitos dos adolescentes
envolvidos com ato infracional.

Tem a característica de um verdadeiro manual a ser seguido


pelos operadores dos programas de atendimento, além de auxiliar os
operadores do sistema de garantia de direitos – principalmente na
proposição de políticas públicas e previsão orçamentária –, e o sistema
de justiça. Ambos devem atuar em conjunto para romper com a lógica
repressivo-punitiva que permeia os programas de atendimento
socioeducativo.

Estamos numa fase de transição, em que se rompe com a


punição, com a cultura do medo, para substituí-la pela lógica dos
limites e da intervenção pedagógica. Em outra obra já afirmamos que
[...] a melhor educação assegurada pela atual Carta
Constitucional é aquela voltada ao diálogo, à tolerância e,
sobretudo, à liberdade.

A educação para a liberdade somente poderá ser efetivada


através do diálogo e da hierarquização dos valores
intrínsecos à natureza humana, no sentido de permitir à
criança e ao adolescente uma possibilidade real de atuar
como protagonista na construção de sua condição especial
de ser humano em desenvolvimento (VERONESE,
OLIVEIRA, 2008: 131).

Por isso, insistimos em afirmar: para que haja verdadeira


transformação no tratamento dispensado aos adolescentes autores de
ato infracional, são necessárias grandes mudanças. É imprescindível a
ampliação do sistema em meio aberto. É preciso que os magistrados
que atuam na área da infância conheçam melhor o Estatuto da Criança
e do Adolescente e a finalidade das medidas socioeducativas para que
possam aplicar as medidas não restritivas de liberdade em detrimento
da semiliberdade e da internação.

É necessário ampliar as varas especializadas e o plantão


institucional. Regionalizar o atendimento em atenção ao princípio da
municipalização. É importante que a elaboração de uma política de
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atendimento esteja verdadeiramente integrada com as demais políticas

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sociais desenvolvidas para a infância e juventude.

É imprescindível que haja integração entre os “órgãos do


Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública,
Assistência Social, na operacionalização do atendimento inicial do
adolescente em conflito com a lei, e atendimento estruturado e
qualificado aos egressos” (CONANDA, 2006: 22).

Finalmente, no dia 29 de abril de 2009, a Comissão Especial


instalada na Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade o
projeto de Lei 1.627/2007 que foi, em seguida, encaminhado ao
Plenário da Câmara. Em discussão no Plenário da Câmara o projeto
original do SINASE ganhou duas Emendas e o substitutivo foi
aprovado no dia 2 de junho de 2009 e encaminhado para apreciação
do Senado Federal sob o nº PL 1.627-B/2007.

O SINASE é um instrumento jurídico-político que


complementa o Estatuto da Criança e do Adolescente em matéria de
ato infracional e medidas socioeducativas. É um documento que
impõe obrigações e a co-responsabilidade da família, da sociedade e
do Estado para a efetivação dos direitos fundamentais dos
adolescentes autores de ato infracional. E ao Estado, principalmente,
cabe a função de investir em políticas sociais que facilitem a
concretização desse importante instrumento normativo.

Conclusão

Como forma de concluir esse trabalho, sem obviamente cessar


as reflexões sobre a aplicabilidade das medidas socioeducativas para
adolescentes como modelo de (que deve ter) caráter sociopedagógico,
vale a pena tecer algumas considerações e inquietações a cerca da
temática e tudo o que ela envolve. Atuar na área da infância e
adolescência não é tarefa fácil, mas se tornará profundamente mais
difícil se não houver amor e compreensão por essa parcela
significativa da população que, com absoluta certeza, é a mais
vulnerável.

Mas o seu estado de vulnerabilidade é inerente à fase da vida


(ÀRIES,1981) em que se encontram os adolescentes. O ser
adolescente representa o ser que ainda não está completo, pois ainda
transita entre a infância e a fase adulta que terá de trilhar. Portanto, a
adolescência, diversas vezes, caracteriza-se pela busca incessante de
autonomia, de liberdade, de emancipação, de formação, etc.

A historiografia sociojurídica da infância e adolescência revela


que esses grupos vulneráveis sempre foram alvos de toda forma de
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negligência, violência e opressão. Ao normatizar as relações sociais,

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as leis menoristas serviram para escamotear verdadeiras crueldades
nos tratamentos dispensados à infância e juventude, em que o ser
adulto sempre foi, nessa relação, aquele que tudo podia e a voz da
autoridade. No Brasil, sobretudo, por mais de quatro séculos, milhares
de crianças e adolescentes foram oprimidos na sua condição de ser
humano.

Vive-se numa sociedade que ainda não conseguiu romper com


a lógica punitivo-repressiva evidenciada principalmente na época da
Política Nacional do Bem-Estar do Menor em plena efervescência
durante a ditadura militar no país. Problema de menor era assunto de
segurança nacional. E o que se percebeu ao longo de décadas foi o
inchaço das FUNABEMs e FEBEMs espalhadas pelo Brasil, que
atuavam como verdadeiros depósitos de indesejáveis sociais.

Hoje, que tipo de instituições existem? Existem os Centros


Educacionais e os Centros de Internamento Provisórios, e agora? Cadê
a mudança?! Parece que, em muitos destes lugares, foi apenas
substituído o nome; eis que a lógica da institucionalização permanece
a mesma.

Mas não cabe a desesperança, pois a verdade é que, muito ou


pouco, os estudos têm avançado. O Direito da Criança e do
Adolescente segue à risca as normativas internacionais de proteção e
promoção dos direitos infanto-juvenis. O Estatuto da Criança e do
Adolescente é uma norma insurgente mais que avançada para o seu
tempo, e o melhor instrumento jurídico de proteção aos direitos da
infância que alguma nação pode ter.

Em se tratando da normatização das condutas humanas, o


Estatuto reservou às crianças e adolescentes a chamada
responsabilização estatutária frente à prática do ato infracional, e essa
responsabilização se materializa no cumprimento, pelos adolescentes,
das medidas socioeducativas.

As medidas sócio-educativas devem contribuir para o


desenvolvimento dos adolescentes, sendo-lhes garantido o acesso à
educação, à cultura, à informação, ao lazer, à profissionalização, à
convivência comunitária. Contudo, é preciso registrar que no sistema
de justiça brasileiro ainda são aplicáveis as medidas socioeducativas
consideradas mais severas para um universo significativo de
adolescentes, tais como as privativas de liberdade. Essas decisões
buscam fundamentos em concepções antigas e reproduzidas
historicamente pelo Direito do Menor e que continuam em pleno vigor
no Brasil “[...] porque os atores jurídicos envolvidos nestas questões
continuam com a ‘mentalidade da defesa social’,
inconstitucionalmente, ressalta-se” (ROSA, 2005: 39, grifo do autor).

Nos procedimentos de apuração de ato infracional, ou até


mesmo durante a execução da medida socioeducativa há uma perda da
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identidade do adolescente, pois ele é desconsiderado em sua condição
de sujeito de direito sendo taxado erroneamente de adolescente
infrator. Nas fases judiciais, dá-se maior ênfase aos “aspectos
objetivos e formais, desconsiderando-se as questões subjetivas,
relacionais e emocionais envolvidas no ato infracional” (VEZZULLA,
2004: 69).

A experiência profissional de Alexandre Morais da Rosa5 tem


revelado que a aplicação das medidas socioeducativas e que o
tratamento dispensado aos adolescentes em conflito com a lei caminha
na contramão dos Direitos da Criança e do Adolescente, ao afirmar
que:
A Justiça da Infância e Juventude continua, salvo poucas
exceções, contribuindo para fomentar a ideologia da
formação para o trabalho, o respeito à ordem e à disciplina, à
tolerância das violações por parte do Estado, agindo na
camada mais excluída da população para manter a
tranquilidade ideológica de poucos. Justificando o uso da
opressão em uma parcela cada vez maior de pessoas –
adolescentes – com o enfadonho e cínico discurso de que a
intervenção é um ‘bem para o adolescente’. (ROSA, 2005:
179, grifo do autor)

Passados mais de vinte anos da promulgação da Constituição


da República Federativa do Brasil de 1988, que efetivamente
inaugurou esse novo olhar para a infância ao contemplar a doutrina da
proteção integral, ainda é necessário gritar pela concretização e não
violação dos direitos de crianças e adolescentes.

Crianças e adolescentes estão, infelizmente, propensos a


situações de violência, seja sofrendo-a diretamente ou, ainda,
exercendo-a. Nesse cenário, em que a população infanto-juvenil ainda
luta pela concretização de seus direitos, Savater (2005: 108) aduz que
a educação deve ter uma função humanizadora no sentido de
proporcionar aos seus sujeitos a autonomia necessária para o
desenvolvimento humano.

E isso implica em não coagir, não agir de violência contra


crianças e adolescentes durante o seu processo de desenvolvimento,
pois todo ato de “coação reprime a criatividade” (MIZUKAMI,1986).
Essa prerrogativa educacional deve ser extensiva a todos os
adolescentes autores de ato infracional e que, de certa maneira,
cumprem as medidas socioeducativas, uma vez que, conforme
previsão estatutária, as medidas socioeducativas tem caráter socio-
pedagógico.

Entende-se por bem que a aplicação das medidas


socioeducativas devem contribuir para o desenvolvimento humano do
5
Alexandre Morais da Rosa foi magistrado titular da Vara da Infância e Juventude
na Comarca de Joinville, no estado de Santa Catarina.
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adolescente em um procedimento dialógico, em respeito ao
adolescente que tem o direito de fala, o direito de ser ouvido e
atendido sempre que seus direitos forem violados.

Enquanto isso, o SINASE, que é um importante instrumento


jurídico-político para a concretização dos direitos fundamentais dos
adolescentes envolvidos com a prática de ato infracional, ainda está
em fase de discussão. O SINASE impõe medidas e mostra como
devem funcionar/atuar as entidades de atendimento socioeducativo,
bem como os operadores que, direta ou indiretamente, irão trabalhar
com esses adolescentes.

Obviamente, é necessário o investimento em políticas sociais


públicas que dêem conta de pôr todo esse planejamento em prática.
Além, é claro, da necessidade de capacitação dos operadores do
sistema de garantia de direitos e de justiça. Para romper com a lógica
punitivo-repressiva é necessário viver a cultura da tolerância e cultivar
o amor pela infância e adolescência.

Fala-se tanto na reinserção social do adolescente autor de ato


infracional, mas como reinseri-lo numa sociedade que é culpada pela
sua situação vulnerável. É o adolescente quem tem que se reinserir,
mas a sociedade consumista, egoísta, violenta, discriminadora não lhe
dá condições mínimas para tanto. Se é necessário tratamento, é a
sociedade quem tem que se curar e entender sua posição frente a esse
adolescente que, mesmo autor de ato infracional é, sem sombra de
dúvida, a maior vítima.

Abstract
The full protection doctrine as disposed in the Constitution of the
Federal Republic of Brazil of 1988 and in law 8.069/90 elevates children and
adolescents to the condition of subjects of right, recognizes them as persons
in development, and gives the family, the State and society the duty of
ensuring their fundamental rights and rights of protection with absolute
priority. To study the infractional act and the social-educational measures
implies in analysing thoroughly the theory of the full protection doctrine.
The social-educational measures have specifically pedagogical purposes and
take into consideration the vulnerability of the public it’s aimed at. It’s
important to clarify the distinction between the statutary responsibility and
the repressive logic imposed by the penal system. For this reason, since
2004, the National Social Educative Service System - SINASE has been
presented as bill. This research brings us some reflections about the
infractional act, social educative measures, statutary responsibility and the
SINASE as juridical and political instrument concretizing the rights of the
adolescents, authors of an infractional act. The research used the inductive
method with interdisciplinary critical and reflexive analysis of the reality
involving bibliographical research. We can conclude that it’s necessary to
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make a profound study of the themes involving the infractional act starting at
the concepts brought by the full protection doctrine and that the SINASE is
an important normative document with an educational purpose in attending
the adolescent, in an open environment or in cases of restriction of liberty.

Key Words: adolescents - infractional act - full protection doctrine - social


educational measures - statutuary liability - SINASE.

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