Renata Cristina Do Nascimento Antão

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Renata Cristina do Nascimento Antão

O DIREITO À EDUCAÇÃO DO ADOLESCENTE EM SITUAÇÃO


DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

Mestrado em Direito

São Paulo, 2013


Renata Cristina do Nascimento Antão

O DIREITO À EDUCAÇÃO DO ADOLESCENTE EM SITUAÇÃO


DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-graduação Strictu Sensu da
Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo.
Orientadora Professora Associada Nina
Beatriz Stocco Ranieri

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP


Programa de Direitos Humanos
São Paulo, 2013
Banca Examinadora

____________________________

____________________________

____________________________
Agradecimentos
À minha mãe Luzia, pelo amor e pelo exemplo de força, ao meu pai Luiz, pelo exemplo
de perseverança.

À minha tia e madrinha Maria Antonia, pelo estímulo aos estudos.

Aos três pelo apoio emocional e material, diário e incondicional e a minha família pela
alegria da vida: Elza, Yuri, Gustavo e Jonas.

Agradeço a minha professora e orientadora, Nina Beatriz Ranieri Stocco, pela


confiança e oportunidade, por aceitar me orientar recém saída da graduação e pelo
exemplo de coerência que representa na área do direito à educação. Agradeço também
às professoras Eunice Prudente e Monica Caggiano, pela participação em meu exame
de qualificação, cujas contribuições trouxeram mais grandeza a este estudo.

A todos aqueles que passaram pelo Escritório Modelo Dom Paulo Evaristo Arns -
PUC/SP, que entre muito trabalho e indignações da luta diária pela afirmação de
direitos, insistem, buscando um país melhor: Anna Claudia Vazzoler, Sabrina
Durigon, Karen Cruz, Rose dos Santos, Fernanda Carpanelli, Carla Paixão e tantos
outros colegas e estagiários que por lá passaram.

Às amigas de trabalho que se transformaram em companheiras da vida e da luta: Delana


Corazza e Mariana Lins - Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas!

Aos colegas Defensores (populares ou não), aos participantes do NADIR, em especial à


professora Ana Lucia Pastore, aos amigos do Centro Gaspar Garcia de Direitos
Humanos, aos movimentos sociais e a todos aqueles que de alguma forma contribuíram
para esta dissertação.

Pelos almoços, cafés e dramas compartilhados: Carolina Nascimento, Cibele Dione,


Felipe Ocanha e Antonio Barbosa.

A todos aquelas crianças e jovens que excluídos por um perverso sistema, vendo seus
sonhos e brincadeiras se transformarem pela dura realidade, dedico este trabalho.
“Todos estavam silenciosos. Um operário que vinha
pela rua, vendo a aglomeração dos meninos na
praça, veio para o lado deles. E ficou também
parado, escutando a velha música. Então a luz da lua
se estendeu sobre todos, as estrelas brilharam ainda
mais no céu, o mar ficou de todo manso (talvez que
Iemanjá tivesse vindo também ouvir a música) e a
cidade era como que um grande carrossel onde
giravam em invisíveis cavalos os Capitães da Areia.
Neste momento de música eles sentiram-se donos da
cidade. E amaram-se uns aos outros, se sentiram
irmãos porque eram todos eles sem carinho e sem
conforto e agora tinham o carinho e o conforto da
música.”

Jorge Amado
RESUMO
ANTÃO, Renata Cristina do Nascimento. O direito à educação do adolescente em situação
de privação de liberdade. 2012. 228 p. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo, 2012.

A educação, tida como direito fundamental, ou seja, um direito público subjetivo, de


aplicabilidade imediata, nos estabelecimentos de privação de liberdade muitas vezes
acaba se limitando a figurar como uma garantia simbólica. Muitos dos adolescentes em
conflito com a lei entram no sistema punitivo juvenil apresentando baixo grau de
escolaridade, e, ao longo do cumprimento das medidas socioeducativas, permanecem
apresentando déficit no ensino e com atitudes aquém da proposta ressocializadora e
educacional da medida punitiva.
Sendo a educação um direito de todos, ela deve ser efetivada e assegurada sempre,
principalmente porque a educação, em seu sentido amplo, possibilita a resignificação do
jovem em conflito com a lei.
O presente estudo pretendeu analisar o direito à educação do adolescente em privação
de liberdade, sua garantia e aplicação nos estabelecimentos de privação de liberdade nos
quais são cumpridas medidas socioeducativas de internação e semiliberdade.
Para tanto, foi sistematizada e analisada a legislação referente ao direito à educação, ao
direito da criança e do adolescente, e mais especificamente a juventude em conflito com
a lei, para assim, confrontarmos o direito formulado em nossa legislação e literatura
acadêmico-doutrinária a jurisprudência relativa à aplicação deste direito.

Palavras-chave: direito à educação, medida socioeducativa, conflito com a lei.


ABSTRACT
ANTÃO, Renata Cristina do Nascimento. The right to education of adolescents in
situations of deprivation of freedom. 2012. 228 p. Thesis (Master). Faculty of Law,
University of São Paulo, 2012.

Education is regarded as a fundamental right, ie a public right of immediate


applicability. Establishments of deprivation of freedom, it often ends up limited to
feature as guarantee symbolic. Many adolescents in conflict with the law go into
punitive juvenile system presenting low educational level, and along the fulfillment of
the socioeducational measures, they still present educational deficits and actions behind
the proposal of re-socialize and educate of punitive measure.
Being education a right of everyone, it should be carried out and guaranteed always
mainly because education in its widest sense, allows resignification of the youth in
conflict with law. The aim of this study is to examine the right to education of
adolescents deprived of freedom, security and application in their establishments of
deprivation of liberty in which educational measures are met hospitalization and semi-
freedom.
Therefore, we analyzed the legislation concerning the right to education, the right of
children and adolescents, and more specifically the youth in conflict with the law, thus
confronting the law formulated in our legislation and academic literature-doctrinal
rulings concerning under that law.

Keywords: Right to education, socioeducative measure, conflict with the law


LISTA DE SIGLAS

CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos


CNE - Conselho Nacional de Educação
CNJ - Conselho Nacional de Justiça
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente
FEBEM - Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação

LEP – Lei de Execução Penal

MEC – Ministério da Educação


MSE – Medida Socioeducativa

OEA - Organização dos Estados Americanos

ONU - Organização das Nações Unidas

PEC - Projeto Educação e Cidadania

PEDH-SP - Programa Estadual de Direitos Humanos do Estado de São Paulo


PIA - Plano Individual de Atendimento
PIA – Plano Individual de Atendimento
PIDESC - Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

PNDH - Programa Nacional de Direitos Humanos

PNE – Plano Nacional de Educação

PRTE - Projeto Revitalizando a Trajetória Escolar

SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura


VIJ - Varas de Infância e Juventude
SUMÁRIO

REFLEXÕES INICIAIS

I – O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO: DIREITO SOCIAL


FUNDAMENTAL AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
1. O Estado Democrático de Direito e os Direitos Humanos
a. Conceitos e definições preliminares

b. Os Direitos Humanos: Fundamentais e Sociais

2. O direito fundamental à educação


a. Definição e fundamento
b. Educação e ensino
c. Acesso à educação
3. Fontes Nacionais do Direito Educacional
a. Constituição da República Federativa do Brasil

b. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


c. Plano Nacional de Educação
d. Conselho Nacional de Educação
4. Tratados e Declarações e o Direito à Educação
a. Declaração Universal de Direitos Humanos
i. Um “Direito Novo” e sua lógica
ii. A Declaração e o direito à educação
b. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
c. Declaração de Hamburgo
d. Declaração Mundial sobre Educação para todos
5. Políticas públicas educacionais e jurisprudência

II – A CRIANÇA E O ADOLESCENTE
1. Direito da Criança e do Adolescente
a. Concepções que orientam o direito da criança e do adolescente
i. Escorço histórico da infância no Brasil
ii. Definição de Criança e Adolescente
b. Doutrina do respeito à peculiar condição de pessoa em desenvolvimento
c. Doutrina da prioridade absoluta
d. Doutrina da proteção integral
e. Direitos fundamentais especiais de criança e adolescente
i. Direito à educação
ii. Direito à liberdade (tutela especial da liberdade)
iii. Outros direitos individuais especiais da criança e do adolescente
autor de crime.
2. O adolescente em conflito com a lei
a. O perfil do adolescente autor de infração
b. Trajetória de vitimização do adolescente autor de infração

III – A LEI, A INFRAÇÃO E A PUNIÇÃO


1. A medida socioeducativa
a. Definição
b. Tipos de medidas socioeducativas
c. A eficácia das medidas socioeducativas
2. O sistema de cumprimento de medidas socioeducativas
a. O espaço prisional destinado ao cumprimento de medidas
socioeducativas de internação
b. O sistema de cumprimento de medida socioeducativa de internação
c. O Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente - Fundação
CASA-SP
d. O fornecimento educacional na Fundação CASA: O Projeto Educação e
Cidadania e outros projetos

IV – DIREITO À EDUCAÇÃO DO ADOLESCENTE EM SITUAÇÃO DE


PRIVAÇÃO DE LIBERDADE
1. Fontes do direito à educação em situações de privação de liberdade
a. Legislação Nacional
i. Programa Nacional de Direitos Humanos
ii. Programa Estadual de Direitos Humanos do Estado de São Paulo
iii. Estatuto da Criança e do Adolescente
iv. Resolução nº 46 de 1996, do Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente
v. Resolução nº 02 de 2010, do Conselho Nacional de Educação
b. Legislação Internacional

i. A Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a


Cultura e seus desafios e estratégias para a educação
ii. Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças
iii. Convenção Relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do
Ensino.
iv. Resolução nº 40/33 da Assembleia Geral, de 29.11.85 - Regras de
Beijing
v. Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não
Privativas de Liberdade - Regras de Tóquio
vi. Regras mínimas para o tratamento de prisioneiros
2. O fornecimento educacional do adolescente em conflito com a lei e a visão
do Judiciário

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
REFLEXÕES INICIAIS
1. A escolha do direito à educação juvenil em ambiente de privação de liberdade
O direito à educação é um direito fundamental, público e subjetivo, que leva
o individuo a desenvolver, com autonomia, as suas potencialidades como ser humano.
Tanto que a Constituição estabelece em seu art. 205 que o direito à educação é “direito
de todos e dever do Estado e da família”.
Ao analisá-lo a partir do enfoque do adolescente, esta fundamentabilidade se
amplia, pois sob o manto do Sistema Constitucional Especial de Proteção aos Direitos
Fundamentais da Criança e do Adolescente, instituído pela Constituição Federal de
1988, distinguem-se as crianças e adolescentes dos outros grupos de indivíduos,
considerando que os primeiros são seres em desenvolvimento que merecem tutela
diferenciada e prioridade absoluta na efetivação de direitos. LIBERATI1 entende por
“absoluta prioridade” que a criança e o adolescente estejam “em primeiro lugar na
escala de preocupação dos governantes”, e, desta forma:

“[...] na área administrativa, enquanto não existirem creches,


escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e emergencial
às gestantes, condições dignas de moradia e trabalho, não se
deveriam asfaltar ruas, construir praças, sambódromos,
monumentos artísticos, etc., porque a vida, a saúde, o lar, a
prevenção de doenças são mais importantes que as obras de
concreto que ficam para demonstrar o poder do governante”.

O Sistema Constitucional Especial de Proteção deriva do disposto nos


artigos 226, 227, 228 e 229 da Constituição Federal, tendo como noção fundamental e
fundante a peculiar condição de seres humanos em processo de desenvolvimento2.
Tal previsão também se encontra no Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei 8.069, de 13 de julho de 1990) que substituiu o antigo Código de Menores (Lei
6.697, de 10 de outubro de 1979), contemplando os seus direitos, regulamentando o
artigo 227 da CF/88. O ECA, além de expressar resoluções da Convenção Internacional
dos Direitos da Criança de 1989, proclamando uma doutrina de proteção integral, é
claro ao dispor que a criança e o adolescente devem ter preferência na formulação e na
execução das políticas sociais3.

1
LIBERATI, Wilson Donizeti. “Conteúdo material do direito à educação (208-260)”. In. LIBERATI,
Wilson Donizeti (org.). Direito à educação: Uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 18-
19).
2
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003.p. 135.
3
BRASIL, 1990, art. 4º, alínea b.

1
Muito se fala sobre os avanços da educação no Brasil: as reduções de taxas
de analfabetismo, o crescimento da escolaridade média dos brasileiros, as expectativas
sobre a ampliação do acesso e da qualidade na educação. Porém, pouco ou quase nada
se fala sobre os avanços neste campo àqueles que se encontram cumprindo medidas
socioeducativas de privação total ou parcial de liberdade sobre a tutela estatal.
A opção pelo estudo do direito à educação do adolescente que cumpre
medida privativa de liberdade em razão de ato infracional justifica-se por ser esta uma
questão não apenas de política educacional, mas de segurança pública, que exige maior
compreensão a partir da análise sistemática da legislação e jurisprudência. O problema
se amplia ao confrontarmos o direito à educação e a punição pelo ato infracional, para a
verificação de desrespeito, ou não, eventual à sua garantia e aplicação.
Segundo dados oficiais, o número de adolescentes que cumpre medida
socioeducativa em unidades de internação da Fundação Casa cresceu 18% entre agosto
de 2010 e setembro de 2011, isto é, em pouco mais de um ano, esta população saltou de
484 para 572. Tais dados nos mostram a relevância da reflexão e análise acerca da
educação fornecida nestes estabelecimentos.
Em nossa pesquisa, analisaremos, especificamente, a Fundação Centro de
Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA) – instituição vinculada à
Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo 4 –, e
sua relação de parceria e gestão compartilhada do fornecimento educacional com a
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo5 – responsável prioritário pelo
fornecimento do ensino fundamental e médio no estado de São Paulo, inclusive nos
estabelecimentos de cumprimento de medida socioeducativa de privação de liberdade.

2. A doutrina especial de proteção integral e prioridade absoluta no Brasil


A infância passou a ser identificada no tecido social6 somente a partir do
final do século XVII e início do século XVIII. No Brasil, a chamada doutrina menorista
inaugura o período no qual os olhos do legislador se voltam para a criança, até então
considerada objeto de direito, invisível à sociedade. Assim, com a promulgação do
Código de Menores7, em 1927, as crianças passam a ter alguns direitos e deveres

4
http://www.justica.sp. gov.br/novo_site/ Acesso em: 10 de abril de 2012.
5
http://www.educacao.sp. gov.br/ Acesso em: 10 de abril de 2012.
6
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003.p. 29.
7
Decreto nº 17.943-A de 12 de outubro de 1927.

2
legislados, como a proibição do trabalho8 para os menores de 12 anos, bem como a
adoção de medidas assistencialistas e protecionistas ao “menor” abandonado ou
delinquente. O termo delinquência e sua noção acabam por adjetivar e estigmatizar o
indivíduo. Assim, a criminologia crítica atual busca compreender a infração como um
fenômeno transitório na vida do indivíduo, tirando o estigma do “delinquente”. Porém,
como a bibliografia internacional especializada utiliza o termo “delinquência juvenil”
(juvenile delinquency) esta pode vir a ser utilizada ao longo do trabalho.
Crianças e adolescentes se tornam objeto da atenção de médicos,
psicólogos, pedagogos e juristas que institucionalizaram a figura do menor abandonado
através de casas públicas de custódia, nas quais era aplicado o modelo compaixão-
repressão dominante na doutrina da situação irregular.
O Código de Menores deu suporte à chamada “escola menorista”, que
considerava a criança pobre e desvalida e a criança autora de infração ou crime da
mesma forma. Esta clara confusão conceitual, de forte influência positivista e
determinista, acabou por permitir sérias violações aos direitos fundamentais tanto de
crianças carentes quanto de crianças delinquentes; de modo que o binômio,
historicamente construído, criança carente/delinquente, ou infância desviante, acabou
por marcar o Estado, o Direito e todas as instâncias criadas para aplicação desta
doutrina menorista, doutrina da situação irregular. Na Doutrina da situação irregular
havia clara diferenciação entre os menores regulares, ou seja, aqueles nascidos em
famílias com posses, podendo usufruir de educação, saúde e todo tipo de direito; e os
menores irregulares, provenientes de famílias pobres, órfãos, ou que haviam cometido
algum tipo de delito. Este segundo “tipo de menor” recebia tratamento jurídico
diferenciado, podendo ser retirados arbitrariamente do convívio familiar, sendo levados
a unidades de internação tanto órfãos ou crianças abandonadas, quanto as que cometiam
crimes.
Foi a doutrina da proteção integral, sedimentada pela Convenção
Internacional dos Direitos da Criança da ONU, de 1989, que rompeu com a doutrina
menorista, fazendo, então, com que os “menores” fossem vistos como crianças e

8
Art. 101. é prohibido em todo o territorio da Republica o trabalho nos menores de 12 annos.
Art. 102. Igualmente não se póde ocupar a maiores dessa idade que contem menos de 14 annos. e que não
tenham completando sua instrucção primaria. Todavia. a autoridade competente poderá autorizar o
trabalho destes, quando o considere indispensavel para a subsistencia dos mesmos ou de seus paes ou
irmãos, comtanto que recebam a instrucção escolar, que lhes seja possível.

3
adolescentes sujeitos de direitos9 amparados por um sistema de proteção. O qual acaba
por autorizar uma aparente quebra do princípio da igualdade, possibilitando uma
diferenciação positiva feita às crianças e adolescentes, visto estes serem “portadores de
uma desigualdade de fato” e permitindo-lhes atingir uma “igualdade jurídica material e
não meramente formal”10.
A Constituição Federal do Brasil e o Estatuto da Criança e do Adolescente
vêm, assim, romper com a antiga doutrina da situação irregular e sua nefasta tradição
autoritária e excludente, que tinha na confusão conceitual entre “infância carente e
infância delinquente” um instrumento jurídico extremamente poderoso à “manutenção
do status quo e das desigualdades sociais”11.

3. O adolescente em conflito com a lei e o fornecimento educacional nos espaços de


privação de liberdade
No direito penal juvenil, a conduta análoga a crime ou contravenção penal
praticada por adolescente é chamada ato infracional. O Sistema de Proteção Integral
permite que o adolescente infrator seja sujeito de medida socioeducativa, prevista nos
artigos 103, 104 e 212 do Estatuto da Criança e do Adolescente. As sanções previstas
pelo ECA vão da advertência à aplicação de medidas socioeducativas (obrigação de
reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e
até internação). O Estatuto da Criança e do Adolescente ao tratar dos objetivos da
ressocialização12 e educação dos adolescentes em conflito com a lei (que praticaram
atos infracionais)13 é extremamente avançado, prevendo a aplicação de medidas

9
“(...) Crianças e adolescentes merecem, e receberam, do ordenamento brasileiro esse tratamento mais
abrangente e efetivo porque, à sua condição de seres diversos dos adultos, soma-se a maior
vulnerabilidade deles em relação aos seres humanos adultos.
É esta vulnerabilidade que é a noção distintiva fundamental, sob a ótica do estabelecimento de um sistema
especial de proteção, eis que distingue crianças e adolescentes de outros grupos de seres humanos
simplesmente diversos da noção do homo médio.” MACHADO, Martha de Toledo. A proteção
constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 119.
10
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 119.
11
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003.p. 54.
12
Há quem diga que estas visam “favorecer a reintegração e reeducação do adolescente”, mas tal discurso
não é aceito na criminologia crítica, já que o prefixo “re” tem conotação de repetição e muitas destas
crianças e adolescentes em conflito com a lei, na maioria das vezes, não foram anteriormente nem
integradas, nem educadas.
13
A opção por tais expressões se dá “por apresentarem uma circunstância de vida e não uma categoria
valorativa” como ocorre com a utilização do termo ‘adolescente infrator’, que torna o “o adjetivo mais
importante que o substantivo, imprimindo um estigma irremovível” (VOLPI, 2001, p. 21)

4
socioeducativas que devem buscar esta socialização e habilitação para a vida em
sociedade.
As medidas socioeducativas, previstas no artigo 212 do Estatuto da Criança
e do Adolescente, visam punir e educar. A educação e seu fornecimento dentro dos
estabelecimentos de cumprimento destas medidas é, assim, de extrema importância,
devendo estar comprometida com valores e com a “vocação ontológica do homem” de
ser sujeito, tal qual nos ensina Paulo Freire, auxiliando estes adolescentes na construção
de novos caminhos, e contribuindo para a “construção da autonomia dos sujeitos de
modo que eles possam visualizar alternativas para a própria vida, inclusive – e de
preferência, fora do crime.”14.

4. Justificativa da escolha
O interesse por este tema de pesquisa foi motivado por anseios em
investigar durante o trabalho de conclusão de curso (tese de láurea) a questão
educacional dentro dos encarceramentos femininos. O trabalho desenvolvido voltou-se a
análise de relatórios e pesquisas realizadas por instituições da sociedade civil e órgãos
governamentais, como a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres 15, os quais a
partir de visitas aos estados obtiveram um diagnóstico a respeito da oferta escolar
existente nas prisões e de suas principais fragilidades.
Participando do Laboratório de Ciências Criminais do Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais (IBCCRIM) e das diversas discussões relacionadas às condições dos
estabelecimentos prisionais, questões de criminologia e política criminal foi possível
analisar dados, participar de debates e mesas de estudo, verificando assim, que a
realidade dos estabelecimentos de privação de liberdade em muito se difere da disposta
no texto legal.
Outro fator que levou à investigação da educação em estabelecimentos de
privação de liberdade foi o exercício profissional enquanto professora de
desenvolvimento infantil e acompanhamento das ações socioeducativas desenvolvidas
através do Programa Escola da Família. Vivências que mostraram que muitos dos
jovens e adultos que cumprem penas privativas de liberdade tiveram itinerários de vida

14
MOREIRA, Fábio Aparecido. “A política de Educação de Jovens e Adultos em Regimes de Privação
de Liberdade no Estado de São Paulo”. Dissertação de Mestrado. São Paulo, 2007.p. 39.
15
Brasil. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Grupo de Trabalho
Interministerial – Reorganização e reformulação do Sistema Prisional Feminino – 2008. Brasília: 2008. P.
70-72

5
escolar interrompidos por problemas sociais constantes como desagregação familiar,
drogas, violência, falta de moradia entre outras causas que fogem do nosso
entendimento, não podendo a privação de liberdade espoliá-los novamente.
Em todo esse contexto, pareceu-nos bastante relevante aprofundar estudos
sobre a educação e sua efetivação nos estabelecimentos prisionais, visto haver um
grande abismo entre os direitos constitucionalmente elencados (no presente caso o
direito à educação) e a realidade do encarceramento, principalmente quando tratamos de
jovens, cuja vida está apenas começando, havendo inúmeras possibilidades de mudança
e resignificação.

5. Justificativa da importância do tema


A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, por visar o
pleno desenvolvimento da pessoa, o seu preparo para o exercício da cidadania e a sua
qualificação para o trabalho, instrumentaliza o indivíduo na busca e aquisição dos
demais direitos. O direito à educação, dentro da sua fundamentabilidade, faz da escola,
na maioria das vezes, prediletora de destinos, pois “mais do que uma exigência
contemporânea ligada aos processos produtivos e de inserção profissional” ela
“responde a valores da cidadania social e política”16.
O direito à educação é o “campo privilegiado de realização dos direitos
fundamentais, dadas as suas repercussões na vida do indivíduo, da sociedade e do
Estado, e da pluralidade de direitos que dele dependem”17.
Quando tratamos da educação no espaço prisional, nos referimos aos
socialmente excluídos, tanto que analisando a trajetória daqueles que se encontram
cumprindo medida socioeducativa restritiva de liberdade, percebemos que os percursos
escolares destes foram e são extremamente deficitários quando não inexistentes18.
Tendo a educação como direito fundamental, e visto o fundamento da pena não
ser apenas a punição, mas a resocialização do indivíduo, faz-se necessário pensar na
educação dos adolescentes que cumprem medidas judiciais de privação de liberdade,

16
CURY, Carlos Roberto J., “Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença”, Cadernos de
Pesquisa, São Paulo, n.116, Julho, 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cp/n116/14405.pdf.
Acesso em: 10 Abril. 2012.
17
RANIERI Nina Beatriz Stocco, “O Estado Democrático de Direito e o Sentido da Exigência de Preparo
da Pessoa para o Exercício da Cidadania pela Via da Educação”, tese apresentada à Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo, para obtenção de título de livre docente junto ao Departamento de Direito
do Estado, São Paulo, 2009. p. 29.
18
http://www.fundacaocasa.sp. gov.br/index.php/superintendencia-pedagogica - Acesso em 23.03.2012.

6
para que estas não se deem apenas no tempo, mas conforme dispositivos legais
constitucionais e internacionais de direitos humanos.
Cabe mencionar que no que toca ao tema da educação do adolescente em
conflito com a lei, privado de liberdade, há vasta produção acadêmica ligada, entre
outros, à Faculdade de Educação e ao Instituto de Psicologia da USP; entretanto, são
escassas tais pesquisas no âmbito jurídico, e quando existentes são impregnadas da
doutrina menorista. Demonstramos, assim, a importância que a presente pesquisa trará
para a garantia desse direito.

6. Objetivos
6.1. Objetivo Geral da pesquisa
(i) Explorar e desenvolver uma análise jurídica e jurisprudencial sobre o
direito à educação, com o recorte do adolescente que cumpre medida socioeducativa de
privação de liberdade;
(ii) Sistematizar e analisar a legislação e jurisprudência referente à garantia
do direito à educação nos estabelecimentos de privação de liberdade juvenis, no estado
de São Paulo, e sua efetivação;
(iii) verificar como o ensino público é ofertado nestas instituições (Estudo
de caso da Fundação CASA-SP), delimitando o tipo de ensino realizado;
(iv) verificar a observância e aplicabilidade, pelas instituições (Fundação
CASA-SP), do direito à educação, bem como dos direitos e garantias especiais da
criança e do adolescente, e princípios constitucionais a ele relacionados.

6.2. Objetivo Específico


(i) Esquematizar e analisar a legislação (leis, decretos, regulamentos e
normativas) referente à oferta educacional nos estabelecimentos de cumprimento de
medida socioeducativa em São Paulo (Centro de Atendimento Socioeducativo ao
Adolescente - Fundação CASA-SP);
(ii) Verificar o ensino público ofertado no Centro de Atendimento
Socioeducativo ao Adolescente - Fundação CASA-SP;
(iii) Relacionar, sistematizar e analisar a legislação existente (tratados,
protocolos, leis, decretos e resoluções) referente à oferta educacional aos adolescentes
privados de liberdade em razão de cometimento de ato infracional;

7
(iv) Analisar a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre o
tema, sistematizá-la e verificar como a legislação foi interpretada e aplicada, tendo
como instrumento súmulas e acórdãos. A análise jurisprudencial das demandas
educacionais referentes ao espaço de privação de liberdade se dará a partir da vigência
do Estatuto da Criança e do Adolescente, ano de 199119, até o ano de 2011. Tal corte
temporal, que abarca os 20 anos de vigência do ECA, se faz por o considerarmos um
importante ordenador jurídico para a garantia e defesa dos direitos da infância e
juventude. Insta salientar que tal delimitação temporal é necessária pois abrange não só
o tempo suficiente para a criação do aparato jurídico-educacional do sistema de
proteção à criança e ao adolescente, mas também à mudança ocorrida com os 06 anos de
implantação da Fundação CASA e seu novo modelo de intervenção em substituição ao
antigo modelo vigente na FEBEM. A análise buscará assim, investigar procedimentos
de realização, concretização e cumprimento das normas constitucionais e ocorrerá em
duas etapas. A primeira, formal, em que as decisões coletadas serão sistematizadas
dentro dos seguintes tópicos: 1. Número do processo; 2. Natureza do recurso; 3. Data do
julgamento; 4. Categorias; 5. Temas; 6. Origem: Comarca originária do processo; 7.
Apelante/Recorrente: os nomes dos autores que recorreram da decisão anterior; 8.
Apelados/Recorridos: os nomes dos autores que foram apelados ou recorridos para a
solução do litígio; 9. Câmara: Sessão onde ocorreu o julgamento; 10. Votação: se
unânime ou maioria dos votos; 11. Resultado: se o recurso foi provido, não provido,
parcialmente provido, recurso extinto; 12. Relator: nome do desembargador relator da
decisão; e 13. Localização da ementa e do acórdão: indicando a origem do acesso do
material. Após a sistematização, a segunda etapa, que será material, se dará através do
seguinte roteiro de pesquisa: a. Contexto – Em que consistiu o caso e quais os fatos?
Quais os problemas políticos sociais e humanos suscitados? Qual o contexto legislativo
constitucional e ordinário? b. Texto e significado da norma – Quais os sentidos
interpretativos que podem ser atribuídos ao anunciado da disposição constitucional e
ordinária em referência (origem, teleologia, história, interpretação gramatical e
interpretação sistêmica do texto)? c. Controvérsias constitucionais – quais as principais
controvérsias suscitadas pela normatização? d. Argumentação das partes e dos
envolvidos, se houver – quais os principais argumentos a favor e contra as
controvérsias? Quais as teses levantadas? e. Argumentação do Tribunal – Quais as

19
Promulgado em julho de 1990, e publicado D.O.U. 16.7.1990 e retificado no D.O.U de 27.9.1990,
entrando em vigor 90 (noventa) dias após sua publicação (art. 266 da Lei 8.069/90).

8
razões constitucionais da tese vencedora? E as do(s) voto(s) dissidentes? f. Decisão do
Tribunal – Qual a norma de decisão? Qual(is) o(s) fundamento(s) do acórdão? O
resultado final tem força racional a ponto de ser facilmente aceito pela sociedade? Quais
os seus benefícios sociais? Qual a sua repercussão jurídica?
Serão igualmente analisadas as estruturas e articulações existentes entre
órgãos envolvidos com a educação juvenil em estabelecimentos de privação de
liberdade, quais sejam: o Conselho Nacional de Educação, a Secretaria Estadual de
Educação e a Fundação CASA; analisando suas competências e atribuições. Isto porque,
sendo a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo responsável prioritário pelo
fornecimento do ensino fundamental e médio no estado de São Paulo, e sendo a
Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA) a instituição
responsável pela tutela dos adolescentes que lá cumprem medida socioeducativa de
privação de liberdade, faz-se necessário analisar dentro das competências desses órgãos
suas atribuições e limites na oferta do ensino; bem como a evolução da proteção e
promoção do direito à educação ao adolescente que se encontra privado de liberdade,
visualizando possíveis lacunas, a fim de delinear novas propostas para efetivação da
oferta educacional nos estabelecimentos de privação de liberdade destinados ao
cumprimento de medidas socioeducativas.

7. Desenvolvimento
A sistematização e análise de dados ocorreram em continuidade aos estudos
e pesquisas iniciados ainda na graduação de Direito com a temática da educação
prisional, fornecendo subsídios para a dissertação de mestrado na Faculdade de Direito
da USP. O trabalho de pesquisa teve seu foco prioritário no levantamento bibliográfico
e legislativo de maneira a agregar à bibliografia específica, voltada ao tema central da
pesquisa. Para tanto, foram usadas como fontes, as Bibliotecas da Universidade de São
Paulo (USP), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), a internet (sítios eletrônicos do STJ, do
STF e do TJ-SP), resenhas críticas e artigos, através de revistas especializadas como,
por exemplo, a Revista dos Tribunais. Uma dificuldade em relação à busca por
bibliografia jurídica foi que as bibliotecas das faculdades de direito possuíam em seu
acervo livros desatualizados, alguns que ainda tratavam da doutrina menorista,
chegando a nomeação encontrada nos espaços ser “direito do menor”.

9
Diferentemente das bibliotecas dos cursos de educação, serviço social e
psicologia, nos quais a criança e o adolescente já são foco de pesquisa há algum tempo,
em que havia ampla bibliografia referente ao tema pesquisado Tal perspectiva é de
extrema importância para um trabalho que tem como área de concentração os direitos
humanos, pois rompe barreiras com relação aos outros saberes e enriquece a pesquisa
numa perspectiva dialógica.
Assim, a bibliografia trabalhada procurou abranger não apenas a área
propriamente jurídica, mas a educacional, sociológica e filosófica. Tal articulação
interdisciplinar também se deu visto não ser fácil penetrar no âmbito dos meandros do
direito (que tem muitas concepções, diversidades de ponto de vista – se aproximando
muito mais de uma ciência social, do que de uma ciência aplicada) aos meandros da
legislação e doutrina educacional.
A maior dificuldade encontrada foi com relação à pesquisa quantitativa,
quando verificamos a escassez de decisões judiciais referentes ao tema da pesquisa,
sendo encontradas decisões referentes à efetivação de outros direitos sociais que não o
educacional, ou mesmo pertinentes à execução da MSE em um enfoque muito mais
penalista do que constitucional educacional. Outra dificuldade, que levou uma
perspectiva inicial de projeto ser deixada de lado ao longo da pesquisa, foi quanto à
possibilidade de analise empírica, aplicação de questionários, ou mesmo realização de
vivências nos estabelecimentos prisionais. Tal situação foi frustrada dada a dificuldade
de realização de pesquisas no interior da Fundação CASA, as quais muitas vezes
demoram mais de um ano para obter aprovação, podendo ser subitamente canceladas
em razão de mudanças no governo.
Por fim, cumpre mencionar que apesar de vultuosa legislação referente ao
direito à educação e ao fornecimento educacional, a presente pesquisa buscou se
restringir às mais gerais e de maior incidência.

8. Metodologia da Pesquisa
O tema a ser discutido é complexo e amplo, envolvendo diversas áreas do
conhecimento. Isto porque, tratar do direito fundamental à educação do adolescente em
conflito com a lei – que se encontra em situação de privação de liberdade – acaba por
envolver as áreas da educação e da sociologia, além de temas do direito, como
criminologia e direito penal juvenil.

10
Assim, a pesquisa terá natureza aplicada para atingir seu objetivo
exploratório, que além de demonstrar familiaridade com o tema, buscará explicitá-lo a
partir da pesquisa bibliográfica e documental somadas ao estudo de caso.
Para o desenvolvimento da pesquisa, o método científico a ser utilizado será
o dialético, porque este, nas palavras de DEMO, “vê na história não somente o fluxo
das coisas, mas igualmente a principal origem explicativa”20.
Tal método se justifica por considerar que nenhum fenômeno da natureza
pode ser compreendido, quando encarado isoladamente, fora dos fenômenos que o
circundam. Sendo o crime uma construção social, visto que nós (sociedade), dentro de
um processo social de construção de valores mutáveis com o tempo, definimos o
delito21; e estando a concepção de infância e a doutrina em constante processo de
mudança e avanço. A análise da educação de crianças e adolescentes em conflito com a
lei deve ser compreendida e realizada considerando sua ligação indissolúvel com os
fenômenos que a rodeiam.
No que toca às técnicas de investigação, utilizaremos a de investigação
teórica, documental, bibliográfica e de estudo de caso.
BITTAR é claro ao afirmar que “a pesquisa não deve ficar confinada
somente a se desenvolver a partir de uma técnica bibliográfica [...], nem sobre um
modelo empírico-experimental”22 devendo se conjugar ou se adequar às técnicas de
acordo com o campo de trabalho no qual se situa o tema a ser abordado.
Assim, utilizaremos as seguintes fontes de pesquisa: (i) legislação nacional
e internacional, incluindo declarações, convenções e tratados internacionais, (ii) fontes
bibliográficas diversas a respeito do tema; (iii) jurisprudência disponível no sítio
eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (www.tjsp.gov.br); (iv)
documentos públicos e dados disponíveis em sítios de órgãos oficiais como a Fundação
CASA (www.casa.sp.gov.br), a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo
(www.educacao.sp.gov.br); Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania do
Estado de São Paulo (http://www.justica.sp.gov.br/novo_site/) o INEP
(www.inep.gov.br), MEC (www.mec.gov.br), IBGE, (www.ibge.gov.br), e ONU-
BRASIL (www.onu-brasil.org.br).

20
DEMO, Pedro, “Introdução à metodologia da ciência”. 1987, p. 21. In. BITTAR, Eduardo Carlos
Bianca. Metodologia da Pesquisa Jurídica. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011.
21
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
22
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Metodologia da Pesquisa Jurídica. 9ª edição. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 201.

11
I – O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO: DIREITO SOCIAL
FUNDAMENTAL AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

1. O Estado Democrático de Direito e os Direitos Humanos; 2. O direito


fundamental à educação; 3. Fontes do Direito Educacional; 4. Políticas públicas
educacionais e jurisprudência

1. O Estado Democrático de Direito e os Direitos Humanos

a. Conceitos e definições preliminares

O Estado Brasileiro é um Estado Democrático de Direito, classificação esta


que leva em conta a qualidade do poder exercido neste Estado, tendo na efetiva
participação popular um dos seus princípios.
Previsto no artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, o Estado encontra-se diretamente associado aos princípios legitimadores da
Constituição Federal, quais sejam: a república e a democracia.

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce


por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos
desta Constituição.

Tais princípios designam “a supremacia do bem comum sobre os interesses


individuais, o que implica moralidade e responsabilidade públicas, além da igualdade de
todos e a valorização da dignidade humana” e “a supremacia da vontade popular” 23, por
isso a preservação dos direitos fundamentais. Outros princípios são derivados do

23
RANIERI, Nina Beatriz Stocco. “O Estado Democrático de Direito e o Sentido da Exigência de
Preparo da Pessoa para o Exercício da Cidadania, pela Via da Educação”. Tese (Livre-Docência) –
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009, p. 246.

12
binômio democracia e república, como a soberania popular (participação representativa
e participação popular direta), a dignidade da pessoa humana, a cidadania e o pluralismo
jurídico, princípios estes, relativos ao regime democrático e à vida política.
Vemos, assim, que o Estado Democrático de Direito é legitimado pela
democracia, tendo seus objetivos, valores e princípios expressos constitucionalmente. O
vocábulo democracia advém etimologicamente do grego dèmokratía, que significa o
governo do povo, visto Demos = povo e kratos = força/poder, o que nos leva a concluir
que a “democracia” somente ocorre no Estado no qual o povo detém o poder24, sendo
exercida direta ou indiretamente, por meio de representantes eleitos, além de ser
possível tanto em sistemas presidencialista, parlamentararista, republicano quanto
monárquico.
Quando pensamos em democracia, logo nos vêm à mente a Grécia antiga e
suas experiências democráticas em Atenas. Ocorre que o conceito grego de democracia
apesar de guardar certa relação com o moderno, possui uma divergência fundamental no
que diz respeito à noção de povo, isto porque a condição grega de cidadania possuía
pressupostos que excluíam boa parte da população, como escravos, mulheres e
estrangeiros, que politicamente marginalizada.
Segundo DALLARI, Aristóteles é taxativo ao afirmar que a cidade-modelo
não deve jamais admitir um artesão a somar no número de seus cidadãos, já que “a
virtude política, que é a sabedoria para mandar e obedecer, só pertence àqueles que não
têm necessidade de trabalhar para viver, não sendo possível praticar-se a virtude quando
se leva a vida de artesão ou mercenário”.25 Vemos que a democracia grega era um
reflexo dos valores presentes na cultura grega.
O primeiro Estado jurídico tem origem no pensamento de fins do século
XVII e inícios do XVIII com as ideias iluministas (1650/1700)
, e nas ideias das revoluções Inglesa (1689), Americana (1776) e Francesa
(1789), quando a crise do Ancien Régime trouxe novas ideias filosóficas e econômicas
que defendiam a liberdade de pensamento e a igualdade dos homens perante as leis,
além da democracia, do liberalismo econômico e da liberdade de culto e de pensamento.
A preferência pela democracia e a afirmação dos princípios democráticos se
deu nos marcos do enfraquecimento do poder absolutista e do fortalecimento da

24
SANTOS, Marcelo Fausto Figueiredo. Teoria Geral do Estado. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2001. p.
81.
25
DALLARI, Dalmo. Elementos de Teoria Geral do Estado. 23ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002. p.
146.

13
burguesia, a qual, através da afirmação de direitos naturais da pessoa humana, buscou
ascender politicamente. Para isso, apoiaram-se em grandes pensadores jusnaturalistas,
como Locke e Rousseau.
John Locke pregava a limitação da autoridade real pela soberania do povo,
sendo suas ideias de grande valia para aqueles que queriam se ver livres dos poderes da
monarquia absolutista. Em sua obra O segundo tratado sobre o governo26, que tem
como base princípios liberais da doutrina contratualista, ele buscou universalizar suas
teorias como a de distinção entre poder Legislativo e Executivo, bem como o direito de
insurreição dos súditos, devendo sempre prevalecer a vontade soberana da comunidade
nacional, única fonte do poder27.
Interessante notar que em seu pensamento, Locke utiliza conceitos caros à
democracia moderna, como a liberdade, para validar a propriedade privada. Sendo a
propriedade para ele, um direito natural que o Estado deve reconhecer e proteger,
contraposição clara ao modelo feudal de propriedade.28.
Rousseau – outro pensador que influenciou a atual teoria de governo
democrático –, por sua vez, chegou a manifestar seu descrédito pelos governos
democráticos, dizendo que “se existisse um povo de deuses, ele se governaria
democraticamente. Tão perfeito governo não convém entre homens”.29 Mesmo assim,
podemos ver em sua obra diversos princípios inerentes ao Estado Democrático; ele
considerava, por exemplo, que todos deveriam estar em condições de igualdade para
que a democracia pudesse se efetivar.
Para Rousseau a representatividade era uma ideia incoerente com o
princípio da democracia, pois esta deveria ser exercida de maneira direta, pelo próprio
povo, de modo que a participação popular e a cidadania dependem de modo direto da

26
LOCKE, John. O segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Ibrasa, 1963.
27
MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 23ª edição, revisada e atualizada. São Paulo: Saraiva, 1995. p.
121.
28
Tanto que Peter Laslett é enfático ao afirmar que o autor introduz “(...) um motivo para a instauração da
sociedade política que poucos consideraram no contexto das origens políticas, um motivo ao qual
ninguém atribuiu muita importância. De forma abrupta, Locke insere na discussão o conceito de
propriedade” (LASLETT, Peter. “A teoria social e política dos dois tratados sobre o governo”. In:
QUIRINO, Célia Galvão & SOUZA, Maria Tereza Sadak R. de (Orgs.). O pensamento político clássico,
cit. p. 214-5.) De igual opinião é Harold Laski para quem “Locke não teve dificuldade em considerar que
o Estado era feito para proteger os interesses de um homem que, pelo seu próprio esforço, acumulou bens
e propriedades”,de modo que para ele, “se a propriedade é a consequência do trabalho, então ele tem,
claramente, todo o direito à segurança, pois esta é a ‘grande e principal finalidade’ da união dos homens
em comunidade” (LASKI, Harold J. O liberalismo europeu. São Paulo: Mestre Jou, 1973. p. 84).
29
ROUSSEAU. Jean-Jacques, O Contrato Social, Livro III, Capítulos III e IV.

14
forma como está constituído -o Estado. Devendo sua estrutura conter mecanismos que
permitam a manifestação da vontade geral.
Como já dito anteriormente, foram três os grandes movimentos político-
sociais que transpuseram do plano teórico para o prático os princípios condutores da
democracia: a Revolução Inglesa (Revolução Gloriosa), a Revolução Americana e a
Revolução Francesa. A primeira, fortemente influenciada por Locke30, consolidou, no
limiar do século XVIII, sua estrutura monárquica, cuja tripartição do poder, sistema
representativo, preemência da opinião nacional e intangibilidade dos direitos
fundamentais do homem31 teve no Bill of Rights (1689) sua expressão mais
significativa.
Por sua vez, a Revolução Americana, sofrendo forte influência das ideias
liberais irradiadas da metrópole inglesa, estabeleceu seus princípios liberais na
Declaração de Independência Americana, datada de 4 de julho de 1776, cujo preâmbulo,
demonstra o espírito que ensejou a elaboração do documento, verbis:

Cremos axiomáticas as seguintes verdades: que todos os


homens foram criados iguais, que lhes conferiu o Criador certos
direitos inalienáveis, entre os quais o de vida e de liberdade, e o
de procurarem a própria felicidade, que, para assegurar esses
direitos, se constituíram entre os homens governos cujos justos
poderes emanam do consentimento dos governados; que sempre
que qualquer forma de governo tenta destruir esses fins, assiste
ao povo o direito de mudá-la ou aboli-la, instituindo um novo
governo cujos princípios básicos e organizações de poderes
obedeçam às normas que lhe parecerem mais próprias a
promover a segurança e a felicidade gerais.

Por fim, o terceiro movimento, foi a Revolução Francesa; considerada um


dos principais movimentos inspiradores da construção dos direitos fundamentais pelo
conteúdo eminentemente universalista dos direitos esparsamente já consagrados na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, a qual dispunha em seu
artigo 16, que: “Toda sociedade que não assegura a garantia dos direitos nem a
separação dos poderes não possui constituição”.
BONAVIDES nos mostra o quanto a Revolução Francesa tornou-se “gênero
de importantíssimas renovações institucionais, na medida em que içou, a favor do

30
“Esta liberdade em relação ao poder absoluto e arbitrário é tão necessária à preservação do homem e a
ela está tão intimamente conjugada, que não lhe é dado desfazer-se dela senão mediante o que lhe faz
perder juntamente a preservação e a vida.” John Locke - Segundo tratado sobre o governo, 1690.
31
MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 23ª edição, revisada e atualizada. São Paulo: Saraiva, 1995. p.
124.

15
Homem, a tríade da liberdade, igualdade e fraternidade [...]”, promulgando as
“Constituições do chamado Estado Democrático”32. Cumpre complementar o tema com
anotações acerca do tipo de Estado que se organizou para ser democrático, qual seja, o
Estado Constitucional e todas as teorias que informam as Constituições em relação às
suas formas de Estado e de governo. A importância da Constituição se faz por ser esta
uma carta de intenções do poder, que irá fundamentar e guiar as ações do Estado.
Durante o “constitucionalismo antigo”, a Constituição era a organização do
exercício do poder político que não necessariamente coincidia com o conceito de norma
jurídica. Ela não guardava um conteúdo do “dever ser” (que o Estado tem condições de
impor e o dever de garantir), sendo simplesmente uma mera fotografia do poder (o
retrato estático da forma como o Poder está estabelecido conforme o afirmado por
Lassale33).
A emergência do “constitucionalismo novo”34 – modelo que surgiu no
século XX – trouxe transformações sensíveis ao direito constitucional e ao conceito de
Estado, tais quais o reconhecimento da força normativa da Constituição, a expansão da
jurisdição constitucional, e o desenvolvimento da dogmática da interpretação
constitucional.

“Neoconstitucionalismo” é um termo obviamente empregado


para distinguir esta doutrina daquela do final do século XVIII,
para designar a superação, em certa medida, do positivismo e
do jusnaturalismo. Embora ambas designem doutrinas que se
voltam à limitação do poder estatal, enquanto a última diz como
uma Constituição deve ser (cf. art. 16 da Declaração de 1789) o
neoconstitucionalismo é, sobretudo, uma política constitucional
(Pozzolo, 2006:78), a indicar não como o direito é, mas como
deve ser.35

Assim, da norma jurídica que organiza, condiciona e legitima o exercício do


poder político, adveio um novo modelo de Estado, nos chamados Estados
Constitucionais, passando a considerá-lo não como um fim em si mesmo, mas como um
instrumento de garantias de direitos, por exemplo, para assegurar uma sociedade igual.

32
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2009.
p. 30.
33
LASSALE, Ferdinand. Que é uma Constituição? São Paulo: Edições e Publicações Brasil, 1933.
34
BARROSO, Luís Roberto. ”Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio
do direito constitucional no Brasil”. Revista de direito constitucional e internacional, São Paulo, n. 58, p.
129/173, jan.-mar. 2007.
35
RANIERI, Nina Beatriz Stocco. “O Estado Democrático de Direito e o Sentido da Exigência de
Preparo da Pessoa para o Exercício da Cidadania, pela Via da Educação”. Tese (Livre-Docência) –
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009, p. 118.

16
Temos aqui a ideia de que todo o poder emana do povo, sendo a Constituição o
instrumento que reconhece esta soberania.

Afigura-se-nos, assim, o Estado social do constitucionalismo


democrático da segunda metade do século XX o mais adequado
a concretizar a universalidade dos valores abstratos das
Declarações de Direitos fundamentais.36

De igual posicionamento é corroborado por RANIERI37, que é clara ao


afirmar o status de consagração constitucional dado aos direitos do homem, quando
estes passaram a ser direitos constitucionais:

Além dos fundamentos da doutrina dos direitos humanos, o


constitucionalismo elaborado a partir do final do século XVIII
também favoreceu a utilização de mecanismos de distribuição e
descentralização de poderes dentro do Estado nacional por
intermédio das técnicas federalistas, das garantias de direitos e
do pluralismo partidário; numa etapa posterior, assegurou o
controle de constitucionalidade das leis.

Do ponto de vista das relações entre governantes e governados,


instituiu uma configuração triangular entre os indivíduos, o
Direito e o poder estatal, representada pelo parlamento,
governo, povo, na qual os detentores do poder são
reciprocamente responsáveis pelo seu controle, consoante a
dinâmica do sistema constitucional que supõe a atribuição de
poder do povo para o Parlamento e deste para o governo. Por
conseguinte, além de ser um governo de leis, o
constitucionalismo significou “responsabilidade
governamental”, considerando-se responsável o governo no
qual o exercício do poder é reciprocamente dividido e
mutuamente controlado.

O conceito contemporâneo de Constituição reconhece o povo como efetivo


detentor do poder político, estabelece os procedimentos que legitimam o exercício deste
poder pelos representantes (eleitos) dos seus efetivos titulares (o povo), condiciona o
exercício do poder político à realização dos direitos fundamentais, e ainda garante a
própria normatividade estabelecendo a separação dos poderes38, mecanismos de
controle de constitucionalidade e procedimentos especiais para proceder a sua própria

36
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2009.
p. 32.
37
RANIERI, Nina Beatriz Stocco. “O Estado Democrático de Direito e o Sentido da Exigência de
Preparo da Pessoa para o Exercício da Cidadania, pela Via da Educação”. Tese (Livre-Docência) –
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009, p. 94.
38
Mecanismo de garantia da normatividade constitucional, já que um órgão do Estado garante o controle
de outro órgão do Estado.

17
reforma.39 Nesse sentido, pode-se dizer que Constituição (em sua acepção
contemporânea) é condição de Democracia, e só tem sentido de existir em Estados
Democráticos.
Temos, assim, que Democracia são as condições que legitimam,
procedimental e materialmente, o exercício do poder do povo, pelo povo e para o povo.
Considerando “povo” como o conjunto mais amplo possível de pessoas relacionadas
com Estado.
De tal modo, faz-se obsoleta a premissa de Aristóteles de que possa haver
governos legítimos que não sejam democráticos. Tanto os procedimentos para a
investidura dos governantes para o exercício do poder político quanto o propósito com o
qual o poder político é exercido são condições da democracia. Ela é ao mesmo tempo,
um procedimento e um valor material que só se garante por meio de uma Constituição
específica.
Se tentarmos extrair um conceito material de Democracia, teremos uma
síntese de liberdade e igualdade. Isto porque, o Estado democrático não é o que garante
a liberdade absoluta, mas o que a assegura de forma igualitária para todo o seu povo,
proporcionando, assim, igualdade de possibilidade para que todos participem, na mesma
proporção, na formação e condução da própria ordem social (Estado/Direito).
Assim, em uma rápida síntese, destacamos que os princípios que passaram a
nortear os Estados são: a supremacia da vontade popular, a preservação da liberdade e a
igualdade de direitos. Cumpre, desse modo, transcrevermos o conceito de Democracia
dado pela Organização dos Estado Americanos, nos artigos 1º e 2º, da Carta
Democrática Interamericana, aprovada em 11 de setembro de 2001:

Artigo 1

Os povos da América têm direito à democracia e seus governos


têm a obrigação de promovê-la e defendê-la.

A democracia é essencial para o desenvolvimento social,


político e econômico dos povos das Américas.

Artigo 2

O exercício efetivo da democracia representativa é a base do


Estado de Direito e dos regimes constitucionais dos Estados
membros da Organização dos Estados Americanos. A
democracia representativa reforça-se e aprofunda-se com a
participação permanente, ética e responsável dos cidadãos em
39
Pois se eu posso alterar a norma que me condiciona, eu não estou sendo condicionado.

18
um marco de legalidade, em conformidade com a respectiva
ordem constitucional.

Concluímos que o conceito de Democracia é tão presente no Estado


Contemporâneo, que até mesmo estados totalitários se definem como democráticos. Por
esta razão, faz-se necessário o histórico e a conceituação do Estado Democrático de
direito, porque na maioria das vezes tal conceito é utilizado de maneira equivocada,
buscando fundamentar atitudes que não condizem com o real conceito de democracia,
nem seus princípios informadores.
O Estado Democrático é aquele que garante a liberdade de forma igualitária
e, com isso, a igualdade de possibilidade que todos participem na formação e condução
da ordem social. Sendo o Estado concebido como sistema jurídico e político que visa a
proteção de direitos fundamentais, a limitação do poder; e se constitui pelo conjunto de
direitos ligados à ideia de dignidade da pessoa humana, faz-se necessário analisarmos
seu conceito de direitos humanos vez que sua importância axiológica, acaba por
fundamentar e legitimar todo o ordenamento jurídico.

b. Os Direitos Humanos: Fundamentais e Sociais

Os direitos fundamentais40 encontram proteção constitucional no disposto


pelo artigo 5º parágrafo 1º da Constituição Federal de 1988, ao estabelecer que: “as
normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem aplicabilidade imediata”.
Tal entendimento tem por base a ideia contemporânea de direitos humanos, que os
classifica como sendo universais, indivisíveis, interdependentes entre si, tendo como
objetivo a garantia da dignidade humana.
SILVA destaca a dificuldade de se definir os direitos fundamentais do
homem em um conceito sintético e preciso devido à sua ampliação e transformação na
evolução histórico-social. Soma-se a isso, a extensa gama de definições e expressões
utilizadas para designá-los, tais como direitos naturais, direitos humanos, direitos dos
homens, direitos individuais, etc. Nesse sentido, ele conclui que a expressão “direitos
fundamentais do homem é a mais adequada, pois

40
A distinção entre os termos “humanos” e “fundamentais” foi superada pela visão de que ambos os
termos tratam do mesmo instituto jurídico, recuperado por Ferreira Filho através da expressão “direitos
humanos fundamentais”. (RANIERI, Nina Beatriz Stocco. “O Estado Democrático de Direito e o Sentido
da Exigência de Preparo da Pessoa para o Exercício da Cidadania, pela Via da Educação”. Tese (Livre-
Docência) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009, p. 274).

19
além de referir-se a princípios que resumem a concepção do
mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento
jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo,
aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em
garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as
pessoas.41

Temos, assim, que os direitos fundamentais são aqueles sem os quais a


pessoa não vive e os demais direitos e garantias não se realizam. Eles se caracterizam
pela sua historicidade, evoluem e se ampliam como o passar do tempo; inalienabilidade,
já que são intransferíveis; imprescritibilidade, nunca deixando de ser exigíveis; e
irrenunciabilidade, não se admitindo que deles se renunciem, mesmo que não exercidos.
A afirmação dos direitos fundamentais na Constituição reveste-se do que
José Afonso da Silva chama de caráter de transcendental importância. Porém não basta
serem previstos e reconhecidos, eles precisam ser garantidos e efetivados; tal qual
BOBBIO desafia: “o problema real que temos de enfrentar, contudo, é o das medidas
imaginadas e imagináveis para a efetiva proteção desses direitos”42.
O direito à educação é, dentre os direitos fundamentais, aquele que leva o
individuo a desenvolver, com autonomia, as suas potencialidades como ser humano; e
que no caso da criança e do adolescente em conflito com a lei, poderá, nas palavras de
KONZEN “minimizar, para o destinatário, o grau de angústia e de sofrimento
decorrente da perda ou da restrição da liberdade”43, além de auxiliá-lo no processo de
resignificação.
O direito à educação também pode ser compreendido enquanto direito
social, os quais podem ser classificados, segundo SILVA, da seguinte maneira:

Podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos


direitos fundamentais do homem, são prestações positivas
proporcionadas pelo estado direta ou indiretamente, enunciadas
em normas constitucionais, que possibilitam melhores
condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a
realizar a igualização de situações sociais desiguais. São,
portanto, direitos que se ligam ao direito desigualdade44

Segundo BUCCI, “os direitos sociais representam uma mudança de


paradigma no fenômeno do direito, a modificar uma postura abstencionista do Estado
41
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30ª edição, revista e atualizada. São
Paulo: Malheiros, 2008. p. 178.
42
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 19ª. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1992. p. 33.
43
KONZEN, Afonso Armando. Pertinência Socioeducativa. Reflexões sobre a natureza jurídica das
medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. p. 92.
44
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30ª edição, revista e atualizada. São
Paulo: Malheiros, 2008. p. 268-269.

20
para o enfoque prestacional, característico das obrigações de fazer que surgem com os
direitos sociais”45; tais direitos aparecem nos textos normativos da Constituição
Mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar de 1934, podendo ser classificados
como “direitos-meio” de fruição de direitos de primeira geração46 e demais direitos.
Tal relação entre igualdade e efetivação de direitos sociais é feita por
diversos pensadores como o professor JAGUARIBE47 que tem na Democracia social
uma organização cuja finalidade é o interesse público:

Democracia organizatória que configura a sociedade para os


fins da coletividade: o Estado se torna fiscal da interdição de
certas práticas que possam afetar o interesse público (medidas
antitruste), e finalmente, ativo coordenador da economia
(dirigismo) e preservador dos interesses da classe trabalhadora.

Temos, assim, que a garantia e efetivação dos direitos sociais, são condição
necessárias ao conceito de Estado Democrático de Direito, sendo o direito fundamental
à educação o mediador da atuação participativa e crítica do indivíduo, bem como o
precursor dos demais direitos sociais.
Analisando o processo histórico de busca por direitos foi a Revolução
Industrial que trouxe à luz diversas demandas trabalhistas, afinal, foi o momento no
qual as massas operárias e o movimento sindical assumiram relevância social48 e
pautaram suas demandas por direitos. Esta, somada ao início da chamada 2ª Era dos
Direitos, Geração dos direitos econômico-sociais49, fizeram com que o Estado, agora
chamado Estado Social de Direito, constituísse uma inovação no paradigma do Estado

45
BUCCI, Maria Paula Dallari. “O conceito de política pública em direito”. In Políticas Públicas:
Reflexões sobre o conceito. p. 2-3.
46
“O professor Antonio Augusto Cançado Trindade entende, entretanto, que a classificação não tem
nenhum fundamento jurídico, nem tão pouco fundamento na realidade, tratando-se de uma teoria
fragmentária, incompatível com a complexidade do direito. Para este ilustre professor, a classificação
toma os direitos humanos de maneira dividida, teoria inaceitável uma vez que, na sua concepção, os
direitos são indivisíveis e interrelacionados. Uma interessante contribuição da crítica apresentada refere-
se aos reflexos da classificação fragmentária sobre os direitos econômicos e sociais. Para os defensores da
classificação em gerações, esses direitos são programáticos. Assim, enquanto as discriminações relativas
a direitos individuais e políticos são absolutamente condenadas, as discriminações econômicas e sociais
são toleradas, pois como entende a teoria fragmentária, são programáticos, portanto de realização
progressiva. Ainda segundo o ilustre professor, em vez de ajudar a combater as discriminações
econômicas e sociais, rejeitando-as, a teoria das gerações acaba por tolerá-las, convalidando as
disparidades.” ANGIEUSKI, Plínio Neves. Evolução dos Direitos Humanos: Crítica à Classificação em
Gerações de Direitos. Boletim Jurídico. Edição no 138. Código da publicação: 745.
47
JAGUARIBE, H. Brasil, sociedade democrática. Rio de Janeiro. José Olímpio, 1985.
48
GRINOVER, Ada Pellegrini. “O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário”. In O processo:
estudos e pareceres. 2ª edição revisada e ampliada. São Paulo: DPJ Editora, 2009. p. 36.
49
Cumpre mencionais que a expressão “geração de direitos” sofre críticas da doutrina, visto o uso do
termo “geração” nos dar falsa ideia de substituição de uma geração por outra, o que não ocorre, havendo
assim um processo de acumulação de direitos.

21
Liberal, transformando sua postura negativa (de abstenção) em uma postura positiva (de
prestação). Tal mudança alterou a concepção de Estado e suas finalidades, tanto que
diversas Constituições passaram a dispor sobre as garantias e proteções dos direitos
sociais como um todo, garantindo com isso que tais direitos, por figurarem na Carta
Maior, na carta de propostas de um país, não deixassem de ser previstos.
Seguindo a corrente, o Brasil também incorporou ao longo dos anos
diversos direitos sociais a sua Carta Magna, dando maior ou menor importância a estes
direitos conforme a conjuntura à época de cada modificação constituinte. Na atual
constituição Federal, datada de 1988, o Estado Brasileiro tem dentre os objetivos
fundamentais, constantes em seu artigo 3º: “I - construir uma sociedade livre, justa e
solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e IV - promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.”, objetivos juridicamente vinculantes para todos os órgãos estatais,
levando-nos a concluir que o nosso Estado Democrático Social de Direito destina-se a
assegurar o exercício de direitos sociais e individuais, direitos estes fundamentais.
Temos um Estado que deve intervir sobre a realidade social para modificá-
la; que se propõe transformador, não apenas mantenedor. Conforme já mencionado, o
Estado Moderno, cujas bases foram concebidas no fim do século XVII e ao longo do
século XVIII, é tido como “organização necessariamente rígida e estática, porque o
desafio político da época consistia em abolir o absolutismo monárquico, pela
despersonalização do poder”50. Sendo necessária a norma geral e abstrata para substituir
a vontade individual do governo absolutista.
Este Estado Moderno buscava a segurança individual, valor, nas palavras de
COMPARATO, essencialmente estático e conservador; buscava a preservação da vida,
da liberdade e da propriedade. A lei aparece para Locke e Montesquieu como regra
geral e suprema de conduta, não sujeita a adaptações ou alterações (imutável), tal qual a
norma Constitucional. Tal concepção restritiva vinha por limitar o poder estatal;
limitação que Montesquieu buscou através do mecanismo da separação dos poderes,
condicionando a liberdade dos cidadãos à divisão das funções do Estado.
DALLARI observa que a “teoria foi consagrada em momento histórico no
qual se pretendia o enfraquecimento do Estado e a sua restrição na esfera de liberdade

50
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas, in
Revista dos Tribunais, Ano 86, V. 35, 1997, p. 12.

22
individual”.51 Assim, a separação dos poderes serviu para refrear a interferência da
realeza nas decisões dos juízes52,53.
A transição entre o Estado Liberal e o Estado Social promove alteração
substancial quanto à concepção de Estado e sua finalidade54. A teoria de Separação dos
Poderes não pode ser um fim em si mesma devendo estar estreitamente ligada às
finalidades do Estado, de modo que com a alteração destas, a concepção da teoria
também se altera:

No Estado liberal, o objetivo da teoria da separação dos


poderes, consoante já assentado era o de evitar a concentração
do poder estatal, a fim de que os direitos fundamentais de
primeira geração fossem assegurados. O Estado, na premissa
liberal, é um elemento catalisador do poder, instrumento para a
sua contenção, em estrito respeito à liberdade individual.

No Estado social, este objetivo permanece, mas se lhe é


acrescentado o desiderato de realização dos direitos
fundamentais de segunda e outras gerações; com o propósito de
se assegurar a igualdade substancial entre os cidadãos. De uma
conduta meramente negativa, o Estado assume, também, uma
conduta pró-ativa.55.

Apesar das constituições liberais procurarem a “inação” estatal, a Revolução


Industrial e o “movimento das coisas”56 passaram a exigir mais ação do Estado, sendo
necessário um planejamento estratégico, escolhendo-se fins e objetivos comuns bem

51
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado, 26 ed., São Paulo: Saraiva, 2007. p.
216.
52
“Os reis ingleses, por sua influência direta na composição e na atuação dos órgãos jurisdicionais, não
raras vezes tentavam intervir nas decisões exaradas nos casos concretos de maior relevância”. CANELA.
Oswaldo Jr.
53
Ele também nos lembra que Montesquieu “exerceu a magistratura. Entretanto, o seu acesso às funções
judicantes operou-se hereditariamente. Assim é que Montesquieu herdou de um tio, no ano de 1716, o
cargo de membro do Parlement de Bordeaux, órgão judiciário coletivo, cargo que acabou vendendo por
necessidade financeira e porque não nutria qualquer interesse pela atividade.” DALLARI, Dalmo de
Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996, p.15. apud CANELA. Oswaldo Jr. O controle
Judicial de Políticas Públicas. 1ª. Edição. São Paulo: Saraiva, 2011. p.69.
54
Concepção esta que segundo Oswaldo Canela Junior mudou de aspecto: “e assim a teoria da separação
dos poderes (art.2º da CF brasileira) muda de feição, passando a ser interpretada da seguinte maneira: o
estado é uno e uno é seu poder. Exerce ele seu poder por meio de formas de expressão (ou Poderes). Para
racionalização da atividade estatal, cada forma de expressão do poder estatal exerce atividade específica,
destacada pela Constituição. No exercício de tais funções é vedado às formas de expressão do poder
estatal interferências recíprocas: é este o sentido da independência dos poderes.” CANELA, Oswaldo. Jr.
A efetivação dos direitos fundamentais através do processo coletivo: um novo modelo de jurisdição (tese
de doutorado apresentada na USP sob orientação de Kazuo Watanabe). apud GRINOVER, Ada
Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário. O processo: estudos e pareceres. 2ª
edição revisada e ampliada. São Paulo: DPJ Editora, 2009. p. 39.
55
CANELA, Oswaldo. Jr. O controle Judicial de Políticas Públicas. 1ª. Edição. São Paulo: Saraiva,
2011. p.72.
56
COMPARATO, Fábio Konder. “Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas”, In
Revista dos Tribunais, Ano 86, V. 35, 1997, p. 16.

23
como os instrumentos e meios para alcançá-los. Isto porque no séc. XIX as
transformações sociais decorrentes da Revolução Industrial, a expansão em massa da
população, somadas à concentração de riqueza acabaram gerando gigantescos bolsões
de misérias nas classes inferiores.
O Estado Contemporâneo, assim, passou a ter legitimidade e capacidade
para realizar objetivos predeterminados, e a reorganização da atividade estatal em
função de finalidades coletivas tornou-se indispensável, passando a ser atribuição dos
Poderes Públicos propiciar condições básicas ao alcance da igualdade social.
Tal mudança de modelo estatal de modelos estatais torna necessário um
reexame da tradicional classificação dos Poderes de estado, pois diferentemente do
modelo constitucional clássico, no qual o Legislativo é tido como um Poder Supremo, a
legitimidade estatal passa a fundar-se na realização de finalidades coletivas (a serem
concretizadas programadamente através de políticas públicas ou de programas de ação
governamental), dando ao Poder Executivo um papel hegemônico. Realidade verificada
no fornecimento de direitos sociais, como o direito à saúde e o direito à educação, que
por serem direitos prestacionais, necessitam ser organizados dentro da divisão de
competências do pacto federativo, e da atuação harmônica dos Poderes.

2. O direito fundamental à educação

O direito à educação, direito público subjetivo, é considerado para a maior


parte da doutrina e da jurisprudência como sendo direito de eficácia plena e de aplicação
imediata. Tanto que nos julgados do STF percebemos a inexistência de limites (tão
invocados para a aplicação de direitos sociais) quando tratamos da saúde e da educação.

a. Definição e fundamento

A educação é um direito humano fundamental que deve ser garantido pelo


Estado; por meio dela, nos desenvolvemos enquanto seres humanos e contribuímos para
o desenvolvimento da sociedade como um todo.
Fernando Savater destaca que

[...] o ser humano é um ser inconcluso que necessita


permanentemente da educação para desenvolver-se em sua
plenitude, motivo por que a finalidade da educação é cultivar a

24
humanidade. Esse caráter humanizador57 implica que a
educação tem um valor em si mesma e que não é unicamente
uma ferramenta para o crescimento econômico ou social, ainda
que também o seja, como costumava perceber-se a partir de
visões mais utilitaristas.58

A educação – que ocorre ao longo da vida do ser humano –, assim, é um


processo,

em que a criança ou o adulto convive com o outro e, ao


conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de
maneira que seu modo de viver se faz progressivamente mais
congruente com o do outro no espaço de convivência. O educar
ocorre, portanto, todo o tempo estrutural contingente com uma
história no conviver, e o resultado disso é que as pessoas
aprendem a viver de uma maneira que se configura de acordo
com o conviver da comunidade em que vivem59.

Conforme já mencionado anteriormente, a democracia pressupõe igualdade


de oportunidades e participação social, efetivados por meio da educação. Isto porque a
Democracia não pode prescindir de cidadãos preparados para exercê-la.
MONTESQUIEU ressalta a necessidade de o povo, de participação imprescindível à
democracia, ter acesso às informações que lhes subsidiem no sufrágio:

O povo, na democracia, é sob certos aspectos, o monarca; sob


outros, é o súdito. Não pode ser monarca senão por meio de
seus sufrágios que constituem suas vontades. A vontade do
soberano é o próprio soberano. [...] O povo é admirável para
escolher aqueles a quem deve confiar parte de sua autoridade.
Para deliberar, não dispõe senão de coisas que não pode ignorar
e de fatos que são palpáveis. 60

Vemos, assim, a relação direta entre a educação e o exercício democrático,


que se consubstancia não só no voto, mas na vivência cidadã ativa, participativa, na
capacidade de julgar e escolher.
57
Paulo Freire reconhece o homem enquanto ser histórico e por este motivo, ser que “está sendo”, ser
inacabado, inconcluso, “em e com uma realidade, que sendo histórica também, é igualmente inacabada”,
e o mais importante, ser que se sabe inacabado, consciência na qual se encontram as raízes da educação
como manifestação exclusivamente humana; educação que Paulo Freire define como um “que-fazer
permanente” devido à inconclusão humana e à realidade sempre em mutação, maneira pela qual a
educação se refaz constantemente na práxis, afinal, “para ser tem que estar sendo”.
58
SAVATER, Fernando (2006), “Educação de qualidade para todos: um assunto de direitos humanos”. –
Brasília: UNESCO, OREALC, 2007. Documento de discussão sobre políticas educativas no marco da II
Reunião Intergovernamental do Projeto Regional de Educação para a América Latina e o Caribe
(EPT/PRE), 29 e 30 de março de 2007, Buenos Aires, Argentina, 2007. p. 138.
59
MATURAMA, Humberto. Emoções e Linguagem na Educação e na Política. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2002, p. 29. apud KONZEN, Afonso Armando. Pertinência Socioeducativa. Reflexões sobre a
natureza jurídica das medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. p. 80.
60
MONTESQUIEU. Sociedade e Poder. In. WEFFORT, Francisco C. Os Clássicos da Política. 14ª ed.
São Paulo: Ática, 2006. p. 127-128.

25
b. Educação e Ensino

Primeiramente, faz-se necessário diferenciar os vocábulos educação e


ensino, uma vez que apesar serem utilizados como equivalentes, possuem significados
distintos; educação tem significado mais amplo que ensino. BITTAR61 diferencia os
vocábulos, argumentando que:

[...] a educação envolve todos os processos culturais, sociais,


éticos, familiares, religiosos, ideológicos, políticos que se
somam para a formação do indivíduo. Trata-se de vislumbrar na
educação, nesse sentido, a formação e o desenvolvimento das
faculdades e potencialidades humanas, sejam físicas, sejam
morais, sejam intelectuais por quaisquer meios possíveis e
disponíveis, extraídos ou não do convívio social.

Por sua vez, ensino representa uma relação mais pontual, que se
destaca de um processo de aprendizado, direcionado e direto,
em que se podem detectar dois polos relacionais, a saber, o
educador e o educando. O ensino tem mais a ver com o
engajamento da atividade educacional em relações privadas ou
públicas de prestação de serviços educacionais, tenentes à
formação elementar do indivíduo nas ciências, nas práticas e
nos saberes constituídos pelos progressos da humanidade.
Quando se menciona a palavra ensino, está-se a vislumbrar uma
atividade de transmissão de conhecimento dentro de parâmetros
predefinidos, formais, portanto, por meio dos quais se
transporta a experiência de um para outro ser.

RANIERI nos chama atenção para o imenso número de palavras que deriva
de ambos os vocábulos, mostrando-nos que estes são empregados pela Constituição
Federal de 1988, pela LDB (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996) ou mesmo pelo
ECA (Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990), muitas vezes como sinônimos62.

Das palavras educação e ensino derivam – ou a elas se


associam, direta ou indiretamente – os termos “educador”,
“educando”, “professor”, “magistério”, “aluno”, “creche”, “pré-
escola”, “universidade”, “pedagogia”, “frequência escolar”,
“dias letivos”, “critérios avaliativos” etc. Nesse conjunto,
podemos ainda distinguir, em outro estágio interpretativo, entre
o direito à educação e os direitos na educação, que nos remetem

61
BITTAR, Eduardo G. B. Direito e Ensino Jurídico: Legislação Educacional. São Paulo: Editora Atlas
S.A., 2001.p. 15-16.
62
RANIERI, Nina Beatriz Stocco. “O Estado Democrático de Direito e o Sentido da Exigência de
Preparo da Pessoa para o Exercício da Cidadania, pela Via da Educação”. Tese (Livre-Docência) –
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009, p. 277.

26
a “qualidade”, “acesso à escola pública e gratuita próxima da
residência”, “participação em entidades estudantis” etc.

Concluímos, assim, que o ensino é apenas “um capítulo da educação de uma


pessoa”, enquanto que esta envolve diferentes processos socioculturais que formam o
indivíduo. Vale ressaltar que ambos (educação e ensino) são positivados e garantidos
pelo Estado. (CF, arts. 205 e 206.). Igual definição encontramos na Convenção contra a
Discriminação na Escola de 1960, art. 1º, nº 2 (no Brasil, Decreto nº 63.223, de 6 de
setembro de 1968), que define o ensino como a educação que se dá no ambiente escolar.
Assim, todos devem ter o direito de acesso ao ensino, que é o “meio pelo
qual a pessoa adquire conhecimentos formais para seu engajamento social”. Neste
sentindo, ele qualifica o indivíduo desenvolvendo suas habilidades e integrando-o
socialmente63, constituindo-se no que BITTAR define como o meio para a realização de
parte do processo educacional e instrumento de grande importância para a realização de
justiça social. O acesso ao ensino acaba, assim, desenvolvendo potencialidades humanas
(puramente técnicas, ou puramente intelectuais ou aplicativas64).
Por sua vez, a educação, sendo mais, ampla, fortalece os liames éticos,
dignifica o cidadão, ampliando seus horizontes e suas opções intelectuais, morais,
sociais, cívicas e laborais. É a educação que alavanca o cidadão para o
desenvolvimento65; assim, cabe a ela a formação da consciência cívica, base do
progresso social, constituindo-se em um meio de fortalecimento dos elos racionais e
culturais, um “ingrediente capaz de reduzir as desigualdades, de favorecer a distribuição
de riquezas, de modo que, em suas múltiplas funções, a educação é sempre indicada
como um bom remédio social”66.
Ao longo da Constituição Federal, a educação aparece sob diferentes formas
e termos, sendo importante observarmos os significados e conceitos que cada um deles
leva. A principal diferenciação entre os termos educação e ensino é que enquanto a
primeira visa sentimentos como pertencimento, reconhecimento, amor e os põe sob o
controle da vontade, o ensino é instrução e se dirige ao intelecto. Tal diferença fica

63
A escola é depois da família o primeiro espaço de troca e interação social do indivíduo, sendo o seu
primeiro contato com o outro.
64
BITTAR, Eduardo G. B. Direito e Ensino Jurídico: Legislação Educacional. São Paulo: Editora Atlas
S.A., 2001.p. 15-16.
65
MONTORO, André Franco Jr. Estudos de filosofia do direito. 3.ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999. p.
171–173.
66
BITTAR, Eduardo G. B. Direito e Ensino Jurídico: Legislação Educacional. São Paulo: Editora Atlas
S.A., 2001.p. 20-21.

27
evidente quando pensamos na educação como um todo, que não se limita ao espaço
escolar, enquanto o ensino, mais restrito, é aplicado neste.
Tais motivos por si só já seriam suficientes para a criação de medidas
efetivas que permitam a todos não só o acesso à educação, mas também sua
manutenção. Isto porque ele acaba por tornar-se o acesso aos demais direitos, à
participação efetiva do indivíduo na sociedade. No mesmo sentido, para BITTAR:

Sabendo-se que não se pode pensar em construir um Estado


Democrático de Direito mantendo a maior parte dos cidadãos
excluídos ou alijados do processo educacional é que foi
ampliada a disciplina normativa da questão da educação, no
contexto da construção da Constituição Cidadã. Por isso, a
CF/88 dedica um capítulo inteiro à questão da educação, após
colocar em patamar todo especial, entre as garantias
fundamentais do art.5º, os direitos intelectuais e a liberdade de
expressão, que são a condição para que o ensino livre exista e se
desenvolva.67

Assim, no que tange ao ensino público, este deve ser acessível a todos, de
qualidade, devendo haver forte investimento nos professores, em programas
suplementares – como a oferta de alimentação, material escolar e transporte –, no
policiamento, entre outros. Também são condições de realização do ensino público no
Brasil a igualdade de oportunidades e a garantia de vagas para todos.
Na presente pesquisa, adotaremos o termo escolarização para tratar desta
educação formalizada pelo equipamento estatal e controlada não apenas de forma
instrumental, mas também ideologicamente.

c. Acesso à educação

O acesso à educação pode ser considerado um dos mais eficazes meios para
alcançar este direito tão primordial que é a dignidade da pessoa humana. A dignidade
diz com a condição humana do ser humano, guardando íntima relação com as
complexas manifestações da personalidade humana68. SARLAT ao tratar das dimensões
da dignidade salienta como esta é vista enquanto constituinte do valor próprio que

67
BITTAR, Eduardo G. B. Direito e Ensino Jurídico: Legislação Educacional. São Paulo: Editora Atlas
S.A., 2001.p. 20-21.
68
SARLET, Ingo Wolfgang (org.). As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma
compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. 2ª. ed. e ver. e ampl. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2009. p. 15.

28
identifica o homem, sendo algo real, irrenunciável e inalienável. Significa que a
dignidade deve ser não apenas reconhecida e respeitada, mas protegida e promovida.
O presente trabalho se propõe a tratar do direito à educação nas situações de
privação de liberdade, situações nas quais muitas vezes encontramos indivíduos que
foram privados desta dignidade social, deste reconhecimento simbólico tão necessário
ao ser humano, acabando a buscar outras formas de reconhecimento e de afirmação
enquanto ser humano, realizando o que OLIVEIRA chama de descolamento:

Diante da recusa do reconhecimento simbólico destes jovens,


ante o desprezo e indiferença a que são submetidos eles buscam
inventar outro espaço, um deslocamento de lugar, o que o
permite definir o delinquente juvenil como ‘um adolescente
desalojado que busca de forma exacerbada um atalho de
reconhecimento’69

Como resignificar esses jovens socialmente excluídos, senão através da


educação em seu sentido mais amplo, capaz de dentro da reclusão resignificar a vida
intra e extramuros dos jovens, conferindo-lhe um sentido.
Com relação ao conceito de educação, PAULA afirma que

juridicamente podemos conceber a educação como um direito


público subjetivo. Deve ser materializado através de política
social básica, porquanto indiscutível relacionado à cidadania e à
dignidade humana, dois fundamentos constitucionais da
República Federativa do Brasil (CF, art. 1º), bem como é
pertinente aos objetivos primordiais e permanentes do Estado
brasileiro (CF, art. 3º), notadamente o referente à erradicação da
marginalidade.70

A educação abrange, assim, tanto o atendimento a crianças em idade escolar


(2-18 anos) em creches, pré-escolas e ensino fundamental, quanto àqueles que não
tiveram acesso à educação na idade própria, como é o caso da grande maioria dos
encarcerados no Brasil. Implicando ao Estado o dever de proporcionar a efetivação
desse direito.
Cumpre mencionar que este dever é do Estado como um todo, isto é, das
ações conjuntas de seus órgãos e Poderes. Neste sentido, SARI afirma a necessidade de

69
Oliveira, Carmen Silveira de. Sobrevivendo no inferno. A violência juvenil contemporânea. Porto
Alegre: Sulina, 2001, p. 99. apud VICENTIN, Maria Cristina Gonçalves. A vida em Rebelião. Jovens em
conflito com a Lei. São Paulo: Hucitec: Fapesp, 2005. p. 210)
70
PAULA, Paulo Afonso Garrido de. “Educação, Direito e cidadania”, Revista Igualdade. Livro 0.
Curitiba, s/Ed., outubro-dezembro/1995. p. 13.

29
um novo entendimento sobre gestão pública que vise impulsionar mudanças na área
educacional:

Trata-se de incluir e valorizar novos agentes sociais capazes de


provocar avanços e de conferir mais eficácia às ações
decorrentes das políticas públicas. Por isso, entende-se que,
além das responsabilidades confiadas ao Poder Público,
também são atribuídos deveres à sociedade, aos cidadãos e às
suas entidades representativas. No Poder público não basta a
atuação do Executivo para garantir o já instituído; é
indispensável a vigilância do Poder Legislativo e também do
Poder Judiciário, bem como do Ministério Público, sobre as
realizações em curso e sobre as novas demandas sociais71

Assim, o acesso à educação, mais do que um direito fundamental, é uma


obrigação estatal e questão de política pública; ao tratarmos do direito fundamental à
educação, não podemos nos esquecer que ele não deve ser apenas protegido, mas deve
ser garantido e implementado.

3. Fontes Nacionais do Direito Educacional

a. Constituição da República Federativa do Brasil

O direito à educação (social e individual) no Estado Brasileiro é previsto


nos artigos 6º e 205 da Constituição Federal. A primeira Constituição brasileira a tratar
do direito à educação foi a Constituição Política do Império do Brasil, de 1824, que
consagrou em um dos incisos do art. 75, o direito “à gratuidade do ensino primário”.
Por sua vez, a Constituição Republicana de 1891 tratou da “gratuidade do ensino leigo”
em seu art. 72. A Constituição de 1934 ampliou a normatização referente ao direito à
educação, quando em seu artigo 149, dispôs que:

Art. 149. A educação é direito de todos e deve ser ministrada,


pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes
proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no
país, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e
econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a
consciência da solidariedade humana.

A posterior Constituição de 1937 estabeleceu em seu art. 130, que:

Art. 130. O ensino primário é obrigatório e gratuito. A


gratuidade, porém, não exclui o dever de solidariedade dos

71
SARI, Marisa Timm. “A organização da Educação Nacional. (67-120)”. In. LIBERATI, Wilson
Donizeti (org.). Direito à educação: Uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 69.

30
menos para com os mais necessitados; assim, por ocasião da
matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente
não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição
módica e mensal para a caixa escolar.

A Constituição de 1946 fez voltar o preceito de que educação é direito de


todos, afirmando em seu art. 166 que:

Art. 166. A educação é direito de todos e será dada no lar e na


escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais
de solidariedade humana.

Seus artigos seguintes tratam dos princípios de gratuidade e obrigatoriedade


do ensino, de modo que a Constituição de 1946 é tida como bastante avançada para a
época, progredindo na consolidação da democracia e das liberdades individuais.
Posteriormente, já sob a ditadura civil-militar instituída após o golpe de Estado de 1964,
a Emenda Constitucional 1/1969, promulgada pela Junta Militar acrescentou ao
dispositivo forte ideologia nacionalista, um retrocesso nos direitos civis e políticos.
Interessante observar a relação de tal ideologia com a educação, disposta em seu art.
176:

A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos


ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e
dever do estado, e será dada no lar e na escola.

Por fim, a Constituição de 1988, coloca a educação no patamar de direito


social, dispondo, em seu artigo 6º, que o direito à educação é fundamental e social.
Assim, ex vi, do artigo 6º da CF de 1988: “São direitos sociais a educação, a saúde, o
trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Nos dizeres de
MORAIS:

[...] A definição dos direitos sociais no título constitucional


destinado aos direitos e garantias fundamentais acarreta duas
consequências imediatas: subordinação à regra da
autoaplicabilidade prevista no parágrafo 1º, do art. 5º e
suscetibilidade do ajuizamento do mandado de injunção,
sempre que houver a omissão do poder público na
regulamentação de alguma norma que preveja um direito social,
e consequentemente inviabilize seu exercício.72

72
MORAES, Alexandre de. Curso de direito constitucional. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 194.

31
Como adverte BOAVENTURA73: “Ao lado do direito à educação deve estar
a obrigação de educar”. Obrigação tão cara ao Estado Brasileiro que a Constituição de
1988 determina ser a educação um direito fundamental, ou seja, um direito público
subjetivo, nos termos dos artigos 205 e 208, §1º e reforça essa obrigação estatal ao
definir a educação como: (I) direito de todos; (II) dever do Estado e da família, devendo
ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade; (III) visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa; (IV) seu preparo para o exercício da cidadania; e sua (V)
qualificação para o trabalho, na conformidade com as disposições dos artigos 205 e
20874.
A Constituição estabelece em seu artigo 205 que o direito à educação é
“direito de todos e dever do Estado e da família”, devendo esta ser “promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
LIBERATI é claro ao definir os objetivos constitucionais da educação
como: “a) pleno desenvolvimento da pessoa; b) preparo da pessoa para o exercício da
cidadania; c) qualificação da pessoa para o trabalho”75. Objetivos interligados aos
demais princípios constitucionais, de modo que ao afirmar os norteadores do ensino, o
constituinte nada mais fez do que esmiuçar princípios de direitos e garantias já dispostos
na Constituição.

Art. 206 - O ensino será ministrado com base nos seguintes


princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na


escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o


pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e


coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

V - valorização dos profissionais da educação escolar,


garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso

73
BOAVENTURA, M. Edivaldo. “Um ensaio de sistematização do direito educacional”. Revista de
Informação Legislativa. Brasília. Ano. 33, N. 131. Julho a setembro de 1996, p. 32
74
LINHARES, Mônica Tereza Mansur, “O Direito à Educação como Direito Humano Fundamental”. In:
Revista Jurídica da Universidade de Franca. Publicação do Curso de Direito da Universidade de Franca.
Franca. Ano 7, n. 13. 2º semestre. Franca, 2004. p. 159.
75
LIBERATI, Wilson Donizeti. “Conteúdo material do direito à educação (208-260)”. In. LIBERATI,
Wilson Donizeti (org.). Direito à educação: Uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 209.

32
exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos
das redes públicas;

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII - garantia de padrão de qualidade.

VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais


da educação escolar pública, nos termos de lei federal.

Temos que a educação é a chave para estabelecer e reforçar a Democracia.


Assim, a Constituição Federal é categórica ao definir em seu art. 208 o acesso ao ensino
obrigatório e gratuito como direito público subjetivo:

Art. 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado


mediante garantia de: [...]

Parágrafo. 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito


público subjetivo.

Parágrafo. 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo


poder público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade
da autoridade competente.

No que tange ao direito público subjetivo, prende-se a uma “[...] teoria


fundamental, porquanto implica a afirmação de que o indivíduo possui uma esfera
inviolável, em cujo âmbito o poder público não pode penetrar”.76 LIBERATI afirma que
“O status de direito público subjetivo exigível do Estado não deveria circunscrever-se
somente ao acesso ao ensino obrigatório e gratuito, mas a todo o sistema educacional”.77
Isto porque segundo ele, existem outros deveres do Poder Público para com a educação
que não se limitam ao acesso obrigatório e gratuito, tais quais os descritos no próprio
art. 208 da Constituição e repetidos pela Lei de Diretrizes e Bases – LDB, em seu art.
4º.
De fato, o acesso deve garantido a todo o sistema educacional, visto ser a
educação um direito em contínuo desenvolvimento, que acompanha o homem ao longo
de sua vida, o humanizando.

b. Lei de Diretrizes e Bases

A Lei n. 9.394, de 20.12.96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional, também chamada “Lei Darcy Ribeiro”, é, conforme expressão de Nina
76
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, 16ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 269.
77
LIBERATI, Wilson Donizeti. “Conteúdo material do direito à educação (208-260)”. In. LIBERATI,
Wilson Donizeti (org.). Direito à educação: Uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 211.

33
Ranieri, o “eixo jurídico da organização do ensino no País”78. Ela vem para
regulamentar as linhas traçadas pela Constituição Federal, pois disciplina a educação
escolar (da infância à superior), define incumbências (a jurisdição e a forma de
relacionamento dos Sistemas de Ensino), além de tratar da gestão democrática do ensino
público, da autonomia das escolas, dos níveis e modalidades de educação e de ensino,
dos recursos financeiros, entre outros temas de igual importância.
A LDB é considerada, por diversos autores, o marco sistematizador das
mudanças propostas à época de sua tramitação, sobretudo por sua flexibilidade,
descentralização e avaliação79.
Ao regulamentar os dispositivos constitucionais referentes à educação, ela
trata da escolarização básica de adultos (no presente caso, de jovens que cumprem MSE
de privação de liberdade) na Seção V do Capítulo II, “Educação Básica”, que obriga aos
sistemas de ensino garantir cursos e exames que proporcionem oportunidades
educacionais apropriadas aos interesses, condições de vida e trabalho dos jovens e
adultos; e determina que o acesso e a permanência destes na escola devem ser
viabilizados e estimulados por ações integradas dos poderes públicos.
Sendo a educação um direito extensivo a todos, e dever do Estado, ela deve
ser fornecida de “modo a permitir a completitude da finalidade do Estado de
proporcionar o bem-estar de todos”80, de modo que a LDB dispõe em seu art. 1º que
“educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na
convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos
movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.”
Temos, assim, que o ensino é um gênero da educação, conforme nos mostra
RANIERI81:

Os processos formativos, por sua vez, se ministrados por


instituições escolares, constituem o “ensino”, que se especifica
de acordo com o seu nível ou modalidade, e a natureza jurídica
pública ou privada do mantenedor. No texto constitucional, o
ensino como processo formativo escolar é, em consequência,
espécie do gênero “educação”. Incluem-se nesta definição os
78
RANIERI, Nina Beatriz Stocco, 2000. Educação superior, direito e Estado na lei de diretrizes e bases
(Lei n. 9.394/96), São Paulo, EDUSP/FAPESP, p. 25
79
SARI, Marisa Timm. “A organização da Educação Nacional”. (67-120). In. LIBERATI, Wilson
Donizeti (org.). Direito à educação: Uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 71-72.
80
LIBERATI, Wilson Donizeti. “Conteúdo material do direito à educação” (208-260). In. LIBERATI,
Wilson Donizeti (org.). Direito à educação: Uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 215.
81
RANIERI, Nina Beatriz Stocco. “O Estado Democrático de Direito e o Sentido da Exigência de
Preparo da Pessoa para o Exercício da Cidadania, pela Via da Educação”. Tese (Livre-Docência) –
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009, p. 285.

34
processos próprios de aprendizagem relacionados ao
oferecimento de ensino fundamental às populações indígenas
(art. 210, §2º).

Em seu título III, “Do Direito à Educação e do Dever de Educar”, a LDB é


clara ao afirmar em seu artigo 4º82 que:

Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será


efetivado mediante a garantia de:

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os


que a ele não tiveram acesso na idade própria;

II - universalização do ensino médio gratuito;

[...]

VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do


educando;

VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos,


com características e modalidades adequadas às suas
necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem
trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola;

VIII - atendimento ao educando, no ensino fundamental


público, por meio de programas suplementares de material
didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;

IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a


variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos
indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-
aprendizagem.

[...]

Tendo em vista que:

o direito à educação um direito humano fundamental, essencial


para o desenvolvimento humano, sem o qual não há qualquer
chance de sobrevivência (física e intelectual – no que diz
respeito à concorrência de trabalho e sua consequente
qualificação técnico-profissional) ou, se houver, essa
sobrevivência estará comprometida com a qualidade.83

82
Com relação ao inciso VII do artigo 4º, o Conselho Nacional de Educação aprovou em 2000 o Parecer
11 e a Resolução 1, que fixam Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, de
modo a regulamentar alguns aspectos da LDB.
83
LIBERATI, Wilson Donizeti. “Conteúdo material do direito à educação” (208-260). In. LIBERATI,
Wilson Donizeti (org.). Direito à educação: Uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 212.

35
Não há que se questionar a possibilidade de acesso à educação para aqueles
que não a tiveram na idade própria, bem como para aqueles que se encontram privados
de liberdade, sob a tutela do Estado.

c. Plano Nacional de Educação

O art. 214 da Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional (LDB, art. 87, §1º) preveem a aprovação por lei do Plano Nacional
de Educação (PNE). Este Plano deve ser fruto do debate dos representantes dos diversos
partidos políticos e das entidades e órgãos educacionais que acompanharam sua
tramitação, sendo previstas inclusive audiências públicas para dar maior legitimidade ao
Plano, definido como um Plano de Estado e não de Governo, por ser decenal (2001 a
2010 e 2011 a 2020). Tal previsão visa minimizar a descontinuidade que caracteriza as
políticas educacionais84, elegendo as prioridades norteadoras dessas políticas.
O plano contempla todos os níveis e modalidades de educação, bem como
seu financiamento e gestão. Além disso, ele determina que Estados, Distrito Federal e
Municípios elaborem planos decenais correspondentes, e prevê a realização de
avaliações periódicas para o acompanhamento da implementação do Plano. Ele
pressupõe ainda planos plurianuais de cada uma das esferas federativas para dar suporte
à consecução de seus objetivos e metas.
Quando institucionalizados, faz-se necessário considerar as normas próprias
dos Sistemas de Ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Estas são organizadas por SARI em dois subconjuntos, quais sejam:

As derivadas de atos do Poder Legislativo (Lei do Sistema de


Ensino, Lei do Conselho de Educação, Lei da Gestão
Democrática, Lei do Plano de Educação, Lei do plano de
Carreira e Remuneração do Magistério etc.), as derivadas de
atos do Poder Executivo – atos próprios (decretos e portarias) e
atos de seu órgão normativo (pareceres e resoluções ou
deliberações).85

Os órgãos normativos dos Sistemas de Ensino são os Conselhos de


Educação que possuem funções normativas e consultivas no que se refere à legislação
educacional, à sua interpretação e à sua aplicação.

84
SARI, Marisa Timm. “A organização da Educação Nacional”. (67-120). In. LIBERATI, Wilson
Donizeti (org.). Direito à educação: Uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 73-74.
85
SARI, Marisa Timm. “A organização da Educação Nacional”. (67-120). In. LIBERATI, Wilson
Donizeti (org.). Direito à educação: Uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 73-74.

36
A Lei 10.172/2001 do Plano Nacional de Educação (PNE) definiu 26 metas
prioritárias para o decênio 2001-2010, tais quais: alfabetizar em cinco anos dois terços
da população analfabeta, visando superar o analfabetismo em uma década; assegurar,
em cinco anos, a oferta do primeiro segmento do Ensino Fundamental para 50% da
população com mais de 15 anos que não tenha atingido este nível de escolaridade;
atender no segundo segmento do Ensino Fundamental toda a população com mais de 15
anos que tenha concluído a etapa precedente; dobrar em cinco anos, e quadruplicar em
dez anos, o atendimento de jovens e adultos no Ensino Médio86.
Entre tantas metas a serem realizadas, encontramos como sendo a 17ª meta,
implantar, em todas as unidades prisionais e estabelecimentos que atendam adolescentes
e jovens em conflito com alei, programas de educação de nível fundamental e médio
(EJA), assim como de formação profissional. Tal meta contempla outras como a 5ª
(financiamento pelo MEC de material didático-pedagógico) e a 14ª (oferta de programas
de educação à distância); já que é obrigação estatal assegurar recursos do Tesouro e da
Assistência Social para programas de renda mínima associados à educação, recursos da
Saúde e Assistência Social para a educação infantil; recursos destinados à criação de
condições de acesso da escola; e recursos do Trabalho para a qualificação dos
trabalhadores.
Entretanto, apesar de o Plano Nacional de Educação ter sido elaborado em
2001, somente em março de 2005, ou seja, quatro anos depois da sua publicação, o
Ministério da Educação anunciou que em parceria com o Ministério da Justiça e a
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República participaria da definição
de projeto educativo destinado às populações carcerárias, o qual só foi efetivado em
2009, ou seja, oito anos depois.
O atual PNE87, para o decênio 2011-2020, definiu 20 metas prioritárias, tais
quais:

Meta 2: Criar mecanismos para o acompanhamento individual


de cada estudante do ensino fundamental.

Meta 3: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para


toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até 2020, a taxa
líquida de matrículas no ensino médio para 85%, nesta faixa
etária.

86
GRACIANO Mariângela. “A educação como Direito Humano: A escola na prisão”. USP Faculdade de
Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado). São Paulo, 2005.p. 33.
8787
Sitio eletrônico do Senado: http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2012/10/22/plano-nacional-
de-educacao-apresenta-19-metas - consulta realizada em 15.12.2012.

37
Meta 6: Oferecer educação em tempo integral em 50% das
escolas públicas de educação básica.

Meta 7: Atingir as médias nacionais para o Ideb já previstas no


Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)

Meta 8: Elevar a escolaridade média da população de 18 a 24


anos de modo a alcançar mínimo de 12 anos de estudo para as
populações do campo, da região de menor escolaridade no país
e dos 25% mais pobres, bem como igualar a escolaridade média
entre negros e não negros, com vistas à redução da desigualdade
educacional.

Meta 9: Elevar a taxa de alfabetização da população com 15


anos ou mais para 93,5% até 2015 e erradicar, até 2020, o
analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de
analfabetismo funcional.

Meta 10: Oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educação


de jovens e adultos na forma integrada à educação profissional
nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio.

Meta 11: Duplicar as matrículas da educação profissional


técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta.

Meta 12: Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior


para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24
anos, assegurando a qualidade da oferta.

Meta 19: Garantir, mediante lei específica aprovada no âmbito


dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, a nomeação
comissionada de diretores de escola vinculada a critérios
técnicos de mérito e desempenho e à participação da
comunidade escolar.

Meta 20: Ampliar progressivamente o investimento público em


educação até atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto
Interno Bruto (PIB) do país.

Além das 10 diretrizes objetivas e das 20 metas, o PNE apresenta estratégias


específicas de concretização das ambiciosas metas do atual decênio, visto que o atual
PNE foi aprovado por unanimidade pela Câmara dos Deputados, apenas em 16 de
outubro de 2012 (após 18 meses de tramitação), e ainda será encaminhado para exame
do Senado Federal.

d. Conselho Nacional de Educação

O Conselho Nacional de Educação tem como missão a “busca democrática


de alternativas e mecanismos institucionais que possibilitem, no âmbito de sua esfera de

38
competência, assegurar a participação da sociedade no desenvolvimento,
aprimoramento e consolidação da educação nacional de qualidade”.88
O CNE é regulamentado pela lei federal 9.131/95 sancionada pelo então
presidente Fernando Henrique Cardoso, que alterou dispositivos da Lei nº 4.024, de 20
de dezembro de 1961. O atual CNE é tido como órgão colegiado integrante do
Ministério da Educação.
As atribuições do Conselho são normativas, deliberativas e de
assessoramento ao Ministro de Estado da Educação. Assim, lhe cumpre formular e
avaliar a política nacional de educação, buscando o aprimoramento da legislação
educacional e a participação da sociedade.
O Conselho e as Câmaras exercem as atribuições conferidas pela Lei
9.131/95, tal qual a emissão de pareceres e decisão de assuntos que lhe são pertinentes.
Para saber um pouco mais do histórico do Conselho Nacional de Educação,
cumpre-nos transcrever a seguinte passagem do portal do MEC:

A primeira tentativa de criação de um Conselho na estrutura da


administração pública, na área de educação, aconteceu na
Bahia, em 1842, com funções similares aos “boards” ingleses e,
em 1846, a Comissão de Instrução Pública da Câmara dos
Deputados propôs a criação do Conselho Geral de Instrução
Pública.

A ideia de um Conselho Superior somente seria objetivada em


1911 (Decreto nº 8.659, de 05/04/1911) com a criação do
Conselho Superior de Ensino.

A ele seguiram-se o Conselho Nacional de Ensino (Decreto nº


16.782-A, de 13/01/1925), o Conselho Nacional de Educação
(Decreto nº 19.850, de 11/04/1931), o Conselho Federal de
Educação e os Conselhos Estaduais de Educação (Lei nº 4.024,
de 20/12/1961), os Conselhos Municipais de Educação (Lei nº
5692, de 11/08/1971) e, novamente, Conselho Nacional de
Educação (MP nº 661, de 18/10/94, convertida na Lei nº
9.131/95).89

Dentre os compromissos do Conselho podemos citar:

1- Consolidar a identidade do Conselho Nacional de Educação


como Órgão de Estado, identidade esta afirmada e construída na
prática cotidiana, nas ações, intervenções e interações com os
demais sistemas de ensino.

88
Site: http://portal.mec.gov.br/ Acesso em 13.06.2011.
89
Site: http://portal.mec.gov.br/ Acesso em 13.06.2011.

39
2- Participar do esforço nacional comprometido com a
qualidade social da educação brasileira, cujo foco incide na
escola da diversidade, e para a diversidade, tendo o PNE e o
PDE como instrumentos de conquista dessa prioridade.

[...]

4- Consolidar a estrutura e diversificar o funcionamento do


CNE. Não queremos que ele responda apenas às demandas, mas
que se constitua em espaço de fortalecimento de suas relações
com os demais sistemas de ensino e com os segmentos sociais,
espaço de estudos para as comissões bicamerais, audiências
públicas, fóruns de debates, sempre cuidando da dotação de
infraestrutura material necessária e do quadro de pessoal
próprio.

5- Instaurar um diálogo efetivo, articulado e solidário, com


todos os sistemas de ensino (em nível federal, estadual e
municipal), em compromisso com a Política Nacional de
Educação, em regime de colaboração e de cooperação. Talvez
este se constitua no desafio maior para o CNE. 90

Um outro órgão ligado ao CNE é a Câmara de Educação básica, cujas


atribuições, entre outras, consiste em analisar e emitir pareceres sobre procedimentos e
resultados de processos de avaliação da educação infantil, fundamental, média,
profissional e especial; deliberar sobre diretrizes curriculares propostas pelo Ministério
da Educação; acompanhar a execução do Plano Nacional de Educação. Estas
atribuições, somadas aos objetivos do CNE, principalmente os constantes do item 4,
referente à resposta às demandas educacionais e ao fortalecimento de suas relações com
os demais sistemas de ensino e com os segmentos sociais, são consonantes com o que se
pretende na educação prisional, que é a articulação dos sistemas de ensino formal com a
prática de ensino dentro das prisões (se é que podemos classificá-la como um sistema de
ensino).

e. Secretaria da Educação do Estado de São Paulo


A criação da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo se deu no
início da década de 30, quando se começou a pensar a estruturação de uma rede de
educação que se utilizasse de políticas específicas para a formação de professores e
abastecimento das escolas. Antes a educação de São Paulo era conduzida Secretaria de
Interior através da Diretoria de Instrução Pública.

90
Site: http://portal.mec.gov.br/ Acesso em 13.06.2012.

40
“Um dos principais resultados desse movimento é a primeira
reforma de instrução pública, também conhecida como a
“grande reforma de 20”. A reforma realizada em São Paulo, que
propunha a modernização administrativa e a reestruturação da
rede física, serviu como exemplo para que outros Estados
também iniciassem mudanças na área.”91

O crescimento da cidade de São Paulo e o novo cenário político apresentado


pela revolução de 1930 auxiliaram nesta reestruturação, de modo que em 3 de março de
1931 foi criada, pelo Decreto nº 4.917, a Secretaria da Educação. São evidentes as
melhoras ocorridas nas áreas administrativas e o avanço das discussões pedagógicas
com a reforma que ficou conhecida como reforma Fernando de Azevedo. Foram tantos
avanços, que a pasta da nova secretaria educação se manteve sob a mesma estrutura até
1947.
Atualmente a Secretaria se guia pelo disposto no decreto n.º 57.141 de 18 de
julho de 2011, que a reorganizou:

“Em 2012 teve início a reestruturação de sua formação básica,


que conta agora com dois órgãos vinculados, sendo eles o
Conselho Estadual de Educação (CEE) e a Fundação para o
Desenvolvimento da Educação (FDE) e seis Coordenadorias:
Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Professores –
“Paulo Renato Costa Souza” (EFAP); Coordenadoria de Gestão
da Educação Básica (CGEB); Coordenadoria de Informação,
Monitoramento e Avaliação Educacional (CIMA);
Coordenadoria de Infraestrutura e Serviços Escolares (CISE);
Coordenadoria de Gestão de Recursos Humanos (CGRH);
Coordenadoria de Orçamento e Finanças (COFI).”92

O novo modelo adotado pelo então governador do Estado de São Paulo


Geraldo Alckmin foi pensado em parceria com a Fundação para o Desenvolvimento
Administrativo (Fundap) e transferiu tarefas de professores para profissionais
específicos, auxiliando a organização interna das coordenadorias. Segundo dados do
sitio eletrônico da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo esta

“possui a maior rede de ensino do Brasil, com 5,3 mil escolas,


230 mil professores, 59 mil servidores e mais de quatro milhões
de alunos. Até 2011, a SEE esteve organizada em sete órgãos
centrais e dois órgãos vinculados.”93

Vemos que a educação no estado de São Paulo é fornecida através de uma


forte estrutura educacional. Tal estrutura também é responsável pela educação-formal
91
Site: http://portal.mec.gov.br/ Acesso em 13.06.2012.
92
Site: http://portal.mec.gov.br/ Acesso em 13.06.2012.
93
Site: http://portal.mec.gov.br/ Acesso em 13.06.2012.

41
dos jovens que se encontram em privação de liberdade, por isso a importância de sua
análise.

4. Tratados e Declarações Internacionais e o Direito à Educação

O Brasil – signatário de diversas declarações e pactos internacionais de


proteção aos direitos humanos e que elencou em sua Constituição Federal o direito à
educação, ao lado de outros direitos sociais, regulamentando-o através de uma vasta
quantidade de leis, diretrizes, normas técnicas e outros instrumentos normativos –
acabou por conferir à educação a condição de exigibilidade e justiciabilidade94.
Nesse sentido, é importante considerar o direito humano à educação não
apenas no contexto apresentado pelo PIDESC, mas também sob a ótica de outros
instrumentos de direitos humanos, tais como o protocolo de San Salvador, a convenção
relativa à luta contra as discriminações na esfera do ensino, e a Declaração Mundial
sobre Educação para todos.

a. Declaração Universal dos Direitos Humanos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é tida como um


acontecimento histórico visto ser a primeira a afirmar o papel dos direitos humanos na
convivência coletiva. Ela veio por alterar a lógica da paz de Westfália (1648) que se
baseava nas “relações de coexistência e conflito entre entes soberanos num sistema

94
Existem remédios jurisdicionais (nacionais e internacionais), mas também outros mecanismos de
exigência, como o departamento do ombudsman (Procuradoria dos Direitos Humanos, Defensoria do
Povo etc.), as Comissões de Direitos Humanos dos sistemas universal ou regionais de direitos humanos,
os procedimentos convencionais e extraconvencionais das Nações Unidas e dos sistemas regionais de
proteção aos direitos humanos, e controles de serviço ou gestão institucional, entre outros. Os
instrumentos convencionais são os instrumentos do direito internacional que por sua natureza, sua adoção,
sua ratificação e seu grau de compromisso e composição jurídica multilateral obrigam os Estados a
respeitarem os direitos e obrigações contidas no texto de uma convenção, que normalmente zela e
promove os direitos por meio de órgãos criados por esse mesmo instrumento (como, por exemplo, o
Comitê sobre os Direitos das Crianças). Os mecanismos não convencionais não são resultado de uma
convenção ou tratado, mas sim produto do consenso ou decisão de certas instâncias dos sistemas
universal ou regionais de direitos humanos, tais como as relatorias especiais ou os grupos de trabalho de
composição aberta. A existência e a cobertura de todas essas formas protetoras é o que pode garantir a
acessibilidade, sustentabilidade e efetividade dos recursos de proteção e defesa que legalmente deveriam
ser complementados pela implementação de políticas públicas destinadas à concretização dos direitos
humanos. (HADDAD e GRACIANO, 2006. p. 52.)

42
internacional de natureza intraestatal”95, não apreciando possíveis ingerências dos
Estados.
Dentre as tentativas de pactos sociais, temos a Sociedade das Nações (1919)
que procurou “institucionalizar a comunidade internacional criando um tertius inter-
partes por meio de uma organização internacional”96, porém nesta o papel dos direito
humanos ainda era restringido.
Posteriormente, a Carta da ONU (1945) figurou como um terceiro cuja
amplitude de organização internacional auxiliou na institucionalização dos direitos
humanos e inserindo sua temática na construção da ordem mundial. Como
desdobramento da Carta da ONU, temos a Declaração Universal de 1948, o primeiro
texto internacional a tratar, de forma ampla, a importância dos direitos humanos, o que
representa internacionalmente um evento inaugural. Importante frisar que esta passagem
teve uma série de influencias como a Declaração da Independência dos EUA (1776), as
Declarações de Direito da Revolução Francesa, a Constituição Mexicana, a Constituição
Alemã de Weimar, entre outras.
Aproximadamente dois séculos antes (fins do XVIII, inícios do XIX), Kant
já sistematizara o pensamento que mais tarde apareceria na internacionalização dos
direitos humanos visto conceber o ser humano como um fim em si mesmo e não o meio.
Tanto que enfatiza em sua obra que a “história humana só pode ter unidade,
regularidade e continuidade teleológica quando considerada sob o ângulo universal”97,
sendo a proposição de um direito cosmopolita98 a grande inovação de Kant no que se
refere ao plano internacional.
Assim, percebemos que é a sensibilidade em relação à violação dos direitos
que está na raiz do evento histórico único da Declaração Universal, podendo ser
analisada a partir das fontes materiais (fenômenos sociais, econômicos ou científicos
que modificam e/ou criam normas na ordem jurídica). Tais fontes obedecem, no plano
internacional, uma lógica mais delimitada, que não foi como a das agendas internas.

95
LAFER, Celso. “Declaração universal dos Direitos Humanos (1948)”, In: MAGNOLI, Demétrio (org.).
História da paz: os tratados que desenharam o planeta. São Paulo: Contexto, 2008. Vários Autores.
96
LAFER, Celso. “Declaração universal dos Direitos Humanos (1948)”, In: MAGNOLI, Demétrio (org.).
História da paz: os tratados que desenharam o planeta. São Paulo: Contexto, 2008. Vários Autores.
97
LAFER, Celso. “Declaração universal dos Direitos Humanos (1948)”, In: MAGNOLI, Demétrio (org.).
História da paz: os tratados que desenharam o planeta. São Paulo: Contexto, 2008. Vários Autores.
98
No séc. XX, o pacto da Sociedade das Nações apreciou de forma circunscrita os direitos humanos,
tratando de diversos grupos como indígenas, mulheres, crianças, etc. Mais um regime concebido pela
Sociedade é das minorias havidas do desmembramento de impérios, o que gerou um grande número de
displaced people expelidos do conjunto Povo-Estado-Território. A negação dos direitos humanos acabou
gerando arbítrio, sendo a única maneira de efetivar o “direito a ter direitos”a tutela internacional.

43
I. Um “Direito Novo” e sua lógica

Em 6.01.1941, Franklin Delano Roosevelt, então presidente dos EUA,


proferiu um discurso no qual afirmava a necessidade de um mundo balizado por quatro
diferentes tipos de liberdade: 1. Expressão; 2. Religião; 3. De viver ao abrigo da
necessidade; e 4. De viver sem medo. Somente em 1948, sob a presidência de Eleanor
Roosevelt, viúva do presidente, a nova Comissão das Nações Unidas para os Direitos
Humanos acabou por captar a atenção do mundo, através da Declaração das Nações
Unidas que expressava seu credo na preservação dos direitos humanos. A Declaração
Universal de 1948 foi a primeira expressão de uma proposta orientadora para a
consecução de objetivos comuns, sendo produto da cooperação intelectual e moral de
diversas nações99.
Analisando os dispositivos da Declaração, percebemos que ela considera a
paz como um valor e identifica uma direção no sentido do pacifismo ativo. Importante
frisar que ela não é a soma de Declarações nacionais nem estas ampliadas para escala
mundial.
A Declaração, conforme qualificação de CASSIN100, é o pórtico do templo
dos direitos humanos, sendo sua base o princípio da generalização (calcado na
igualdade e dignidade de direitos). Sobre este pórtico existem 4 colunas: 1. Direitos e
liberdades de ordem pessoal; 2. Direitos dos indivíduos nos relacionamentos com
grupos; 3. Faculdades espirituais, públicas e direitos políticos fundamentais; 4. Direitos
econômicos, sociais e culturais.
Por não ter força de lei internacional e sim de recomendação, à declaração
era juridicamente atribuída a eficácia de norma costumeira do Direito Internacional
Público, de modo que com o passar do tempo, ela tornou-se usual no processo de
criação destas normas.

99
Foram padrinhos da Declaração, sem o quais ela não terminado adequadamente, Eleanor Roosevelt,
René Cassin, Charles Malik, Peng-chan Chung John P. Humphrey e Hernán Santa Cruz. Estes, mais do
que homogeneizadores, eram universalistas e “acreditavam na unidade do gênero humano e entendiam
que processos de experienciar, compreender e julgar eram capazes de a todos conduzir ao entendimento e
à aceitação de algumas verdades básicas” (LAFER, LAFER, Celso. “Declaração universal dos Direitos
Humanos (1948)”, In: MAGNOLI, Demétrio (org.). História da paz: os tratados que desenharam o
planeta. São Paulo: Contexto, 2008. Vários Autores.).
100
LAFER, Celso. “Declaração universal dos Direitos Humanos (1948)”, In: MAGNOLI, Demétrio
(org.). História da paz: os tratados que desenharam o planeta. São Paulo: Contexto, 2008. Vários
Autores.

44
II. A Declaração e o Direito à Educação

O artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos determina que:

1. Toda pessoa tem direito à educação. A educação será gratuita


pelo menos nos graus elementares e fundamentais. O ensino
elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve
ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve ser
assegurado a todos, em plenas condições de igualdade, em
função do mérito.

Além disso, os objetivos enunciados na Declaração Universal dos Direitos


Humanos de 1948 também tratam da educação ao determinar que:

A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento


da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos
direitos do homem e pelas liberdades fundamentais (Item 2,
Artigo 26).

O que nos mostra o caráter transformador da educação, e mais uma vez


reforça que toda pessoa tem direito à educação.

b. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

Por sua vez, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e


Culturais (PIDESC), adotado pela Resolução n. 2.200-A (XXI) da Assembleia Geral
das Nações Unidas em 16.12.1966 e ratificado pelo Estado brasileiro, entrou em vigor
no Brasil em 24.01.1992, promulgado pelo Decreto-lei n.591, de 06.07.1992. Em seu
artigo 13 este dispõe que:

1. Os Estados-partes no presente pacto reconhecem o direito de


toda à pessoa à educação. Concordam em que a educação
deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade
humana e do sentido de dignidade e a fortalecer o respeito pelos
direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda
que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar
efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão,
a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os
grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades
das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

Ao assegurar o direito à educação no PIDESC, mais especificamente em seu


item “d”, alínea 2, artigo 13, quando versa sobre a educação de jovens e adultos, o pacto
não faz menção à “obrigatoriedade”, “gratuidade” ou “progressividade” na
implementação desta modalidade.

45
Dever-se-á fomentar e intensificar, na medida do possível, a
educação de base para aquelas pessoas que não receberam
educação primária ou não concluíram o ciclo completo de
educação primária.

COMPARATO chama a atenção para a ambiguidade dos termos “educação


primária” e “educação secundária”, que não trazem consigo a especificação das séries –
ou período escolar – correspondentes. Isto é particularmente importante porque o Pacto
determina obrigatoriedade e gratuidade apenas para a educação primária, e esta varia de
configuração em cada País. No Brasil, o número de anos obrigatórios de educação
pública gratuita ampliou-se de 4 para 8 anos em 1971 e, em 1996, este período teve sua
denominação alterada de “Ensino de 1º grau” para “Ensino Fundamental”.101
Além da ambiguidade acima apontada, em relação à educação de jovens e
adultos, o Pacto fala em “educação de base” sem, contudo, explicitar seu significado.

c. Declaração de Hamburgo

A Declaração de Hamburgo, assinada ao final da 5ª Conferência


Internacional sobre Educação de Jovens e Adultos (Confintea V) realizada na Alemanha
em julho de 1997, avança em relação ao reconhecimento do direito à educação, formal e
não-formal, ao afirmar o direito à aprendizagem a todas as pessoas, destacando os
grupos historicamente excluídos em seu item 11 “Alfabetização de adultos”: “A
preocupação mais urgente é estimular oportunidades de aprendizagem a todos, em
particular, os marginalizados e excluídos”.
Em seu “Plano de Ação para o futuro”, ela também trata da educação das
pessoas encarceradas de forma explícita no “Tema 8”, cujo item 43 afirma a educação
como um direito universal que tem sido negado a muitos grupos, entre eles “os presos”
e, dando consequência a esta constatação, prevê, no item 47:

Reconhecer o direito de todas as pessoas encarceradas à


aprendizagem: a) proporcionando a todos os presos informação
sobre os diferentes níveis de ensino e formação, e permitindo-
lhes acesso aos mesmos; b) elaborando e implementando nas
prisões programas de educação geral com a participação dos
presos, a fim de responder a suas necessidades e aspirações em
matéria de aprendizagem; c) facilitando que organizações não
governamentais, professores e outros responsáveis por
atividades educativas trabalhem nas prisões, possibilitando
assim o acesso das pessoas encarceradas aos estabelecimentos
101
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo, Editora
Saraiva, 2003.

46
docentes e fomentando iniciativas para conectar os cursos
oferecidos na prisão aos realizados fora dela102.

Percebemos, assim, que ao reconhecer o direito de todas as pessoas


encarceradas à aprendizagem, a Declaração de Hamburgo afirma a fundamentalidade do
direito à educação.

d. Declaração Mundial sobre Educação para todos

Em 1990, em Jomtien, Tailândia, realizou-se a Conferência Mundial sobre


Educação para Todos e Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem donde se
aprovou a “Declaração Mundial sobre Educação para todos”. Nesta indicou-se um plano
de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem, certificando seus
objetivos, quais sejam:

ARTIGO 1. SATISFAZER AS NECESSIDADES BÁSICAS


DE APRENDIZAGEM

1. Cada pessoa – criança, jovem ou adulto – deve estar em


condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas
para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem.
Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos
essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a
expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto os
conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos,
habilidades, valores e atitudes), necessários para que os seres
humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas
potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar
plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida,
tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo. A
amplitude das necessidades básicas de aprendizagem e a
maneira de satisfazê-las variam segundo cada país e cada
cultura, e, inevitavelmente, mudam com o decorrer do tempo.

2. A satisfação dessas necessidades confere aos membros de


uma sociedade a possibilidade e, ao mesmo tempo, a
responsabilidade de respeitar e desenvolver a sua herança
cultural, linguística e espiritual, de promover a educação de
outros, de defender a causa da justiça social, de proteger o
meio-ambiente e de ser tolerante com os sistemas sociais,
políticos e religiosos que difiram dos seus, assegurando respeito
aos valores humanistas e aos direitos humanos comumente
aceitos, bem como de trabalhar pela paz e pela solidariedade
internacionais em um mundo interdependente.

102
Declaração de Hamburgo, 1997, tema 8, item 47.

47
3. Outro objetivo, não menos fundamental, do desenvolvimento
da educação, é o enriquecimento dos valores culturais e morais
comuns. É nesses valores que os indivíduos e a sociedade
encontram sua identidade e sua dignidade.

4. A educação básica é mais do que uma finalidade em si


mesma. Ela é a base para a aprendizagem e o desenvolvimento
humano permanentes, sobre a qual os países podem construir,
sistematicamente, níveis e tipos mais adiantados de educação e
capacitação.

A partir destes objetivos podemos observar o quão necessária é a educação


para sobrevivência, uma vez que só ela desenvolve plenamente as potencialidades do
ser humano, auxiliando-o a viver e a trabalhar com dignidade, a desenvolver-se. Os
demais artigos passam a tratar da expansão desta visão de educação (Art. 2 Expandir o
enfoque) como a necessidade de universalizar o acesso à educação e promover a
equidade através da atenção na aprendizagem; da ampliação dos meios e do raio de ação
da educação básica; da promoção de um ambiente adequado à aprendizagem; e do
fortalecimento de alianças. Estes itens estão detalhados nos artigos de 3 a 7.
Os artigos 8 ao 10 tratam dos requisitos desta sonhada “educação para
todos”, tais quais mobilização de recursos e o fortalecimento da solidariedade
internacional. Deste modo, a declaração firma o compromisso coletivo de cooperação,
para que em se tomando todas as medidas necessárias à consecução dos objetivos de
educação para todos, possa-se concretizar o que denominam urgente empreendimento.

5. Políticas públicas educacionais e jurisprudência

Para que direitos sociais sejam garantidos e efetivados, são necessários


programas de ação, planejamento e investimento, consolidados por meio de políticas
públicas, no presente caso, políticas públicas educacionais. O conceito de política como
programa de ação apenas recentemente passou a ser tratado pela teoria jurídica. Assim,
em que pese a política se distinguir das normas e dos atos, ela precisa reconhecê-los
como seus componentes, que se unificam pela sua finalidade.
Mas afinal, o que são políticas públicas? Segundo definição de BUCCI, elas
se constituem como

um programa ou quadro de ação governamental, porque


consiste num conjunto de medidas articuladas (coordenadas),
cujo escopo é dar impulso, isto é, movimentar a máquina do

48
governo, no sentido de realizar algum objetivo de ordem
pública ou, na ótica dos juristas, concretizar um direito103

Por sua vez, CANELA as classifica como

o conjunto de atividades do Estado tendentes a seus fins, de


acordo com metas a serem atingidas. Trata-se de um conjunto
de normas (Poder Legislativo), atos (Poder Executivo) e
decisões (Poder Judiciário) que visam à realização dos fins
primordiais do Estado – e complementa – como toda atividade
política (políticas públicas) exercida pelo Legislativo e pelo
Executivo deve compatibilizar-se com a Constituição, cabe ao
Poder Judiciário analisar, em qualquer situação e desde que
provocado, o que se convencionou chamar ‘atos de governo’ ou
‘questões políticas’, sob o prisma do atendimento aos fins do
Estado (art. 3º da CF).104

O juízo de constitucionalidade de políticas públicas acaba por exigir uma


normatização referente à forma processual da demanda, da legitimidade das partes e da
competência judiciária. Atualmente, o posicionamento dos tribunais brasileiros avançou
no que concerne à efetivação de direitos sociais, tanto que podemos citar o
reconhecimento pelo STF do dever do Estado de fornecer gratuitamente medicação aos
portadores do vírus HIV. Dentre as decisões paradigmáticas do Supremo, temos que
citar a ADPF 45-9, na qual em decisão monocrática o Ministro Celso de Mello assim se
posicionou:

É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das


funções institucionais do Poder Judiciário – e nas desta
Suprema Corte, em especial – a atribuição de formular e de
implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE
ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição
Portuguesa de 1976”, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina,
Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal
incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais,
poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos
estatais competentes, por descumprirem os encargos político-
jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com
tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos
individuais e/ou coletivos impregnados de estatura
constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de
conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto –
consoante já proclamou esta Suprema Corte – que o caráter
programático das regras inscritas no texto da Carta Política “não

103
BUCCI, Maria Paula Dallari. “O conceito de política pública em direito”. In. BUCCI, Maria Paula
Dallari (org.) Políticas Públicas: Reflexões sobre o conceito Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 14.
104
CANELA, Oswaldo. Jr. In. GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder
Judiciário. O processo: estudos e pareceres. 2ª edição revisada e ampliada. São Paulo: DPJ Editora, 2009.
p. 39.

49
pode converter-se em promessa constitucional inconsequente,
sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele
depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o
cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto
irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a
própria Lei Fundamental do Estado” (RTJ 175/1212-1213, Rel.
Min. CELSO DE MELLO). [...] A meta central das
Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode
ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do
homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições
de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos
direitos individuais, condições materiais mínimas de existência.
Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o
mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os
alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-
los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos
remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O
mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento
de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver
produtivamente com a reserva do possível. (grifei) [...].

Importante mencionar que os direitos, objetivos fundamentais do Estado,


cuja implementação exige políticas públicas, possuem um núcleo central que assegura o
mínimo existencial necessário à garantia da dignidade humana. Neste núcleo temos o
direito à educação fundamental, à saúde, ao saneamento básico, ao acesso à Justiça etc.
Inaceitável, é assim, a legação do poder Público de falta de recursos para a
implementação das políticas públicas, devendo, devendo esta ser provada pela própria
administração (através da inversão do ônus da prova – art. 6º, VIII do CDC ou da
distribuição dinâmica do ônus da prova flexibilizando o art.333 do CPC). Cabendo que

o Judiciário, em face da insuficiência de recursos e de falta de


previsão orçamentária, devidamente comprovadas, determinará
ao Poder Público que faça constar da próxima proposta
orçamentária a verba necessária à implementação da política
pública. E, como a lei orçamentária não é vinculante,
permitindo a transposição de verbas, o Judiciário ainda deverá
determinar, em caso de descumprimento do orçamento, a
obrigação de fazer consistente na implementação de
determinada política pública.105

Também no Tribunal de São Paulo tal posicionamento é adotado, vejamos:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LEGITIMIDADE –


INTERFERÊNCIA NO PODER EXECUTIVO –
INEXISTÊNCIA – TRATANDO-SE DE ATENDIMENTO
SOCIAL PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA,
É DE SE RECONHECER A EXISTÊNCIA DE DIREITO
105
GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário. O processo:
estudos e pareceres. 2ª edição revisada e ampliada. São Paulo: DPJ Editora, 2009. p. 48.

50
DIFUSO A SER TUTELADO POR AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
A DETERMINAÇÃO PARA IMPLEMENTAÇÃO DE
POLÍTICA PÚBLICA, JÁ PREVISTA NA CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA, NÃO CARACTERIZA INGERÊNCIA NO
PODER EXECUTIVO. RECURSOS A QUE SE NEGAM
PROVIMENTO.106

No mesmo sentido, o TJ-SP assim decidiu:

APELAÇÃO CIVEL Nº 193.953-5/6-00

Comarca de São Paulo. A apelante: Fazenda Pública do Estado


de São Paulo. Apelado: Ministério Público.

Essa atividade do Poder Judiciário não configura qualquer


intervenção no Executivo, muito menos no direcionamento das
verbas públicas, mesmo porque encontra-se ela atrelada aos
princípios constitucionais dos freios e contra-pesos e de
universalização da Justiça, e em plena sincronia ao da harmonia
dos Poderes do Estado.107

A jurisprudência faz uma distinção entre os direitos fundamentais e o que


chama de mínimo existencial – o núcleo duro destes direitos – para se garantir a
dignidade da pessoa humana. Assim, havendo o mínimo existencial, o Judiciário é
obrigado não a legislar, mas a dar um passo, a implementá-la.
Com relação à efetivação do direito à educação, como o acesso a creches,
escolas de educação infantil e ensino fundamental, a jurisprudência é igualmente
progressista, elevando o direito à educação ao patamar de direito fundamental, e
entendendo pela sua aplicabilidade imediata. Tanto que RANIERI ao realizar exame da
jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal referente ao direito à educação,
verificou expressivo aumento do número de demandas levadas ao conhecimento da
Corte:

Temática relativamente marginal na jurisprudência do STF


antes da Constituição Federal de 1988, no período
compreendido entre 1990 e início de 2009, foram protocolados
cerca de 2.250 processos, dos quais 2.215 deram entrada a partir
do ano 2000.

Desde então, tem sido particularmente notável a alteração de


conteúdo das decisões, em benefício da efetividade do direito à
educação, em especial no que concerne à educação básica, com
repercussão nas estruturas do Estado Democrático de Direito,
em especial no que diz respeito ao exercício do poder político e

106
TJSP. AC 61.146-5/0-00. 2ª Câmara de Direito Público. Rel. Lineu Peinado. 22.06.2003
107
Apelação Cível nº 195.953-5/6-00, de 3/02/2003. Relator: Des. Prado Pereira. 7ª Câmara de Direito
Público do TJSP. Negado provimento. p. 4.

51
à sua configuração, no plano dos valores, como verdadeiro
Estado Democrático Social de Direito.108

Como exemplo, o acórdão prolatado em Agravo Regimental no Recurso


Extraordinário nº. 410.715-5/SP, no qual o Ministro Celso de Melo se pronunciou da
seguinte forma:

Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e


Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas
públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário,
determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas
hipóteses de políticas públicas definidas pela própria
Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais
inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento
dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em
caráter mandatório –mostra-se apta a comprometer a eficácia e
integridade de direitos sociais e culturais impregnados de
estatura constitucional.[...]

Esse caráter de fundamentalidade, de que se acha impregnado o


direito à educação, autoriza a adoção, pelo Judiciário, de
provimentos jurisdicionais que viabilizem a concreção dessa
prerrogativa constitucional, mediante utilização, até mesmo,
quando for o caso de medidas extraordinárias que se destinam
[...] a tornar efetivo [...] o atendimento dos direitos prestacionais
que congregam os valores inerentes à dignidade da pessoa
humana, como é o caso do direito a educação.109

Infelizmente, quando tratamos do direito à educação para os que se


encontram privados de liberdade, nem a eficácia plena, nem a aplicabilidade imediata
parecem valer, sendo estes excluídos do acesso à educação de qualidade, quando não do
próprio fornecimento educacional. Passaremos assim, a tratar dos direitos relativos à
criança e ao adolescente, para então compreendermos a proteção especial que a
legislação lhes assegura.

108
RANIERI, Nina Beatriz Stocco. “O Estado Democrático de Direito e o Sentido da Exigência de
Preparo da Pessoa para o Exercício da Cidadania, pela Via da Educação”. Tese (Livre-Docência) –
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009, p. 22-23.
109
SÃO PAULO, STF, RE. 410.715-5, Rel. Min. Celso de Melo, 2005.

52
II – A CRIANÇA E O ADOLESCENTE

1. Direito da Criança e do Adolescente. 2. O adolescente em conflito com a


lei.

1. Direito da Criança e do Adolescente

a. Concepções que orientam o direito da criança e do adolescente


O direito da criança e do adolescente é muito recente visto que até meados
do século XIX crianças eram objetos e não titulares de direitos específicos no mundo
dos adultos. E até mesmo a legislação protetiva dos direitos das crianças e adolescentes
no Brasil é posterior à década de 1980. Assim, antes de estudar as concepções de
infância e juventude atuais e os direitos e deveres que incidem neste grupo, cuja tutela é
tão específica e necessária, realizaremos um apanhado histórico sobre a infância no
Brasil.

i. Escorço histórico da infância no Brasil


No Brasil, a infância passou a ser identificada no tecido social somente em
fins do século XVII e inícios do XVIII. Entretanto, é no século XX que a chamada
doutrina menorista inaugura o período no qual os olhos do legislador se voltam para a
criança, até então considerada objeto de direito, invisível à sociedade. Assim, com a
promulgação do Código de Menores110, em 1927, as crianças passaram a ter alguns
direitos e deveres legislados, como a proibição do trabalho111 para os menores de 12
anos, bem como a adoção de medidas assistencialistas e protecionistas ao “menor”
abandonado ou delinquente112.

110
Decreto nº 17.943-A de 12 de outubro de 1927.
111
Art. 101. é prohibido em todo o territorio da Republica o trabalho nos menores de 12 annos.
Art. 102. Igualmente não se póde ocupar a maiores dessa idade que contem menos de 14 annos. e que não
tenham completando sua instrucção primaria. Todavia, a autoridade competente poderá autorizar o
trabalho destes, quando o considere indispensavel para a subsistencia dos mesmos ou de seus paes ou
irmãos, comtanto que recebam a instrucção escolar, que lhes seja possível.
112
A utilização dos termos “menor infrator” e “menor delinquente” acaba por adjetivar e estigmatizar o
indivíduo em conflito com a lei, autor de infração ou crime. Assim, a criminologia crítica atual busca
compreender a infração como um fenômeno transitório na vida do indivíduo, tirando o estigma do
“delinquente”. Como a bibliografia internacional especializada utiliza o termo “delinquência juvenil”
(juvenile delinquency) esta pode vir a ser utilizada ao longo do trabalho em transcrições de textos
internacionais. Porém, considero importante marcar minha posição de que a fala nunca é neutra, e por me

53
Depois da Primeira Guerra, vários tratados internacionais
estabeleceram novas regras de convivência entre os países
membros da Sociedade das Nações, e um dos resultados desses
tratados foi a aprovação de uma Declaração dos Direitos da
Criança, na Conferência de Genebra, em 1921. No Brasil, o que
se decretou foi um Código de Menores, em 1927, do qual
constava a proibição do trabalho de crianças de até 12 anos e
sua impunidade até os 14 anos. Dos 14 aos 18, as crianças
poderiam ser internadas em “estabelecimentos especiais”e dos
18 anos em diante seriam puníveis pelos crimes cometidos. As
crianças da categoria dos 14 aos 18 anos, desde então numa
espécie de limbo legal, serão transformadas em menores, e os
estabelecimentos especiais destinados a elas, bem como os
agentes sociais que delas deveriam se encarregar, passam a ser
objeto da atenção de médicos e juristas, de psicólogos e
pedagogos. E, ainda que houvesse algumas divergências a
respeito do modo como deveriam se distribuir o peso desse
cuidado, ora com ênfase no Estado, ora na sociedade, ora na
Igreja, conforme a inserção dos vários agentes envolvidos no
debate, em dois pontos cruciais parece ter havido concordância
entre eles: primeiro, a questão do menor abandonado era
também uma questão de sua institucionalização, e, em segundo
lugar, os agentes preferenciais nesse cuidado institucional
seriam mulheres.113

Conforme percebemos, as crianças passam assim, a ser objeto da atenção de


médicos, psicólogos e juristas que institucionalizaram a figura do menor abandonado,
através de casas públicas de custódia, nas quais era aplicado o modelo compaixão-
repressão dominante na doutrina da situação irregular.
O Código de Menores deu suporte à chamada “escola menorista”, que via da
mesma forma a criança pobre e desvalida e a criança autora de infração ou crime. Esta
clara confusão conceitual, de forte influência positivista e determinista, acabou por
permitir sérias violações aos direitos fundamentais tanto de crianças carentes quanto
daquelas tidas como delinquentes; de modo que o, historicamente construído, binômio
criança carente/delinquente, ou infância desviante, acabou por marcar o Estado, o
Direito e todas as instâncias criadas para aplicação desta doutrina menorista, doutrina da
situação irregular114.
O termo “menor” é, assim, repleto da carga ideológica discriminatória desta
doutrina, e

alinhar às correntes de criminologia críticas, o uso de tais termos é equivocado e carregado de


preconceito.
113
CORRÊA, Mariza. “A cidade de menores: uma utopia dos anos 30”. In: FREITAS, Marcos Cezar de
(org.). História social da Infância no Brasil. 5ª.ed. - São Paulo: Cortez, 2003. p. 83-84.
114
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003.p. 29.

54
assim historicamente se construiu a categoria criança não
escola, não família, criança desviante, criança em situação
irregular, enfim, carente/delinquente, que passa a receber um
mesmo tratamento – e a se distinguir de nossos filhos, que
sempre foram vistos simplesmente como crianças e jovens –,
compondo um nova categoria, os menores.115

Esta ideologia discriminatória que considerava a criança desvalida enquanto


potencial autora de crime pode ser vista na legislação brasileira produzida sob o manto
da doutrina menorista, a exemplo do Decreto Estadual Paulista nº 3.828, de 25/03/25
(em seus artigos 1º ao 6º), no Decreto Federal nº 17.943-A (Código Mello Matos), de
12/10/27 (em seus artigos 1º, 26, 27, 28, 29 e 69), além do conhecido Código de
Menores 1979 que ao tratar da situação irregular preceituava que:

Art. 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação


irregular o menor:

I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e


instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:

a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;

b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para


provê-las;

II - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos


pelos pais ou responsável;

III - em perigo moral, devido a:

a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos


bons costumes;

b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;

IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta


eventual dos pais ou responsável;

V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação


familiar ou comunitária;

VI - autor de infração penal.

Expressa-se aqui a Doutrina da situação irregular, na qual havia clara


diferenciação entre os menores regulares, ou seja, aqueles nascidos em famílias com
posses, podendo usufruir de educação, saúde e todo tipo de direito; e os irregulares,
provenientes de famílias pobres, órfãos, ou que haviam cometido algum tipo de delito.

115
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 33.

55
Este segundo “tipo de menor” recebia tratamento jurídico diferenciado, podendo ser
retirados arbitrariamente do convívio familiar, sendo levados a unidades de internação
tanto órfãos ou crianças abandonadas quanto as que cometiam crimes.
A jurista e procuradora de justiça Martha de Toledo Machado afirma que tal
confusão conceitual entre carência/delinquência acabou por criar um direito triplamente
iníquo:

[...] porque se criou a cisão entre as crianças e os jovens em


situação regular – que mereciam uma legislação própria e
razoavelmente dotada das garantias iluministas, embora ainda
não reconhecidos plenamente como sujeitos de direito, e
aplicada por uma instância judicial revestida das garantias
processuais – e aquelas em situação irregular, não merecedoras
desse direito material e processual mais civilizado. [...] porque
se possibilitou a implementação de medida de privação de
liberdade (já que segredados nos reformatórios) de enorme
massa de crianças e jovens desassistidos socialmente – que
nunca foram autores de fato definido como crime –, cuja única
falta teria sido o nascimento em famílias marginalizadas da
fruição de riquezas coletivamente produzidas, tratando-se a
problemática social como questão de polícia.116

Tal corte no ordenamento jurídico provinha de uma teoria positivista


fortemente influenciada pelo determinismo lombrosiano117, que via uma
predeterminação ao crime na criança pobre, desprovida de direitos fundamentais,
abandonada e/ou marginalizada. Tal ideologia justifica o tratamento totalitário àquelas
crianças tidas como irregulares, punindo-as com rigor muito maior que o adulto.
Neste quadro, tudo se encaixava no vago termo “desvio de conduta”, como
a perambulação (caminhar pelas ruas sem destino), a ofensa a membro da família,
enfim, tudo era passível de internação. Sendo o juiz a típica figura do “pai de família”
que tinha poderes ilimitados para destituir a guarda de uma mãe sem sequer relatar o
caso, ou deliberar sobre uma internação compulsória em casa de custódia.
Foi a doutrina da proteção integral, sedimentada pela Convenção
Internacional dos Direitos da Criança da ONU de 1989, que rompeu com a doutrina

116
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 47.
117
“Lombroso parte da ideia da completa desigualdade fundamental dos homens honestos e criminosos.
Preocupado em encontrar no organismo humano traços diferenciais que separassem e singularizassem o
criminoso, Lombroso vai extrair da autópsia de delinquentes uma “grande série de anomalias atávicas,
sobretudo uma enorme fosseta occipital média e uma hipertrofia do lóbulo cerebeloso mediano (vermis)
análoga a que se encontra nos seres inferiores”.” MOTA, Mauricio Jorge Pereira da. O crime segundo
Lombroso. 20 de agosto de 2007. Disponível em: http://criminologiafla.files.wordpress.com/2007/08/o-
crime-segundo-lombroso-texto-complementar.doc Acesso em 06.02.2012.

56
menorista, passando os então “menores” a serem vistos como crianças e adolescentes
sujeitos de direitos.

[...] Crianças e adolescentes merecem, e receberam, do


ordenamento brasileiro esse tratamento mais abrangente e
efetivo porque, à sua condição de seres diversos dos adultos,
soma-se a maior vulnerabilidade deles em relação aos seres
humanos adultos.

É esta vulnerabilidade que é a noção distintiva fundamental, sob


a ótica do estabelecimento de um sistema especial de proteção,
eis o que distingue crianças e adolescentes de outros grupos de
seres humanos simplesmente diversos da noção do homo
médio.118

Este sistema especial de proteção acaba por autorizar uma aparente quebra
do princípio da igualdade, possibilitando uma diferenciação positiva feita às crianças e
adolescentes vendo estes enquanto “portadores de uma desigualdade de fato” e
permitindo-lhes atingir uma “igualdade jurídica material e não meramente formal”119.
A Organização das Nações Unidas – através de diversos tratados e
convenções entre os quais pode-se mencionar as Regras Mínimas das Nações Unidas
para a Administração da Justiça da infância e da Juventude (Regras de Beijing), as
Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Diretrizes de
Riad), as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção de jovens Privados de
Liberdade, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças – acabou por
formar e fortificar a Doutrina da Proteção Integral recepcionada pela Constituição
Federal do Brasil em seu art. 227, e regulada pela Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e
do Adolescente).

No plano externo, vinculando-nos às Regras Mínimas das


Nações Unidas para a Administração da justiça da Infância e da
juventude, Regras de Beijing (Resolução nº 40/33 da
Assembleia Geral, de 29.11.85); às Diretrizes das Nações
Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil, Diretrizes de
Riad (Assembleia Geral da ONU, novembro de 1990), enquanto
que, no plano interno, a legislação brasileira é a primeira
legislação latino-americana a ter incorporado em seu texto tanto
as regras de proteção e garantia dos direitos do menor infrator
como as de proteção da criança vítima de abandono ou outra
violência, como se pode ver nos arts. 227 e 228 da Constituição
Federal, no Decreto legislativo nº 28, de 14.9.90, e no Decreto

118
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 119.
119
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 119.

57
nº 99.710, de 21.11.90, que aprovaram e promulgaram a
Convenção da Assembleia Geral da ONU sobre o Direito da
Criança e do Adolescente, e na Lei nº 8.069, de 13.7.90.120

A Constituição Federal do Brasil e o Estatuto da Criança e do Adolescente


vêm, assim, romper com a antiga doutrina da situação irregular e sua nefasta tradição
autoritária e excludente, que tinha na confusão conceitual entre “infância carente e
infância delinquente” um instrumento jurídico extremamente poderoso à “manutenção
do status quo e das desigualdades sociais”121.

ii. Definição de Criança e Adolescente


A definição de infância e juventude122 é uma construção social, sendo
diferente em diversas épocas e países a idade cronológica com a qual um indivíduo
deixa de ser considerado criança ou adolescente bem como os direitos e obrigações que
esta divisão lhe possibilita e impõe. A concepção da infância, apesar de encontrar
diferenciação histórica e geográfica, sempre esteve ligada à ideia da incapacidade e
vulnerabilidade123, e em muitas vezes, da negação de direitos, principalmente quando
comparada com adultos.
Interessante a análise feita por LAJOLO sobre o termo infância e infante
enquanto aquele que não fala, à que é negada124 a opinião, o dizer.

Enquanto objeto de estudo, a infância é sempre um outro em


relação àquele que a nomeia e a estuda. As palavras infante,
infância e demais cognatos, em sua origem latina e nas línguas
daí derivadas, recobrem um campo semântico estreitamente
ligado à ideia de ausência de fala. Esta noção de infância como
qualidade ou estado do infante, isto é, d’aquele que não fala,
constrói-se a partir dos prefixos e radicais linguísticos que
compõem a palavra: in = prefixo que indica negação; fante =
particípio presente do verbo latino fari, que significa falar,
dizer.

120
BULHÕES, Antônio Nabor Areias. “Depoimento na audiência pública sobre redução da maioridade
penal de 18 para 16 anos, realizada em 10/11/1999”. In: A razão da idade: mitos e verdades. 1ª Edição.
Coleção Garantias de Direitos. Série Subsídios Tomo VII. Brasília: MJ/SEDH/DCA, 2001.p. 21.
121
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003.p. 54.
122122
O parâmetro adotado para conceituar juventude no Brasil é originário da Organização das Nações
Unidas (ONU) estabelecido em 1985, Ano Internacional da Juventude, que circunscreve a faixa etária
entre 15 e os 24 anos.
123
O conceito de vulnerabilidade remete à ideia de dependência e fragilidade, sendo que o índice de
“vulnerabilidade juvenil” é utilizado pelo SEADE, para o direcionamento de políticas
públicas/intervenções.
124
Negação que esteve presente durante todo o período que vigorou a Doutrina Menorista, a ainda se
encontra presente àqueles infantes pertencentes a grupos vulneráveis, pobres, periféricos, e de etnia negra.

58
Não se estranha, portanto, que esse silêncio que se infiltra na
noção de infância continue marcando-a quando ela se
transforma em matéria de estudo ou de legislação.125

A noção de infância, tal como compreendida por Lajolo, acaba por marcar a
doutrina, a legislação e a jurisprudência que a circunda, muitas vezes omissa em relação
aos seus direitos e à proteção especial que lhes deve ser dispensada. Estas crianças eram
duplamente mudas, pois além de não serem um foco de atenção especial, também não
eram percebidas, ouvidas, não tinham direito à fala, nem delas se falava126.
Interessante observar na literatura – em relatos, testemunhos históricos e
produção normativa – as diferentes concepções, percepções e distinções da infância;
como ela aparece em função não apenas da idade, mas também do desempenho
econômico. LEITE, ao buscar, ao buscar as referências feitas a crianças e adolescentes
em memórias e livros de viagem do Brasil do séc. XIX, nos mostra que “uma
caracterização nítida é a do período de 0 a 3 anos, em que, como ainda não andam, os
pequenos são carregados pelas mães, pelos irmãos ou pelas escravas”127 sendo
designados em alguns escritos, pela expressão “desvalidos de pé”.
No mesmo texto, a autora nos mostra o quanto a definição da infância é uma
construção cultural e histórica, de modo que as variações e abstrações numéricas
referentes à idade da maioridade eram divergentes conforme o órgão que a determinava,
pois enquanto para o Código Filipino128 a maioridade “se verificava aos 12 anos para as
meninas e aos 14 para os meninos”129, para a Igreja Católica esta ocorria a partir dos 7
anos.
A necessidade de classificação e afinação nos conceitos de infância leva
teóricos a buscarem na psicologia a definição mais adequada e científica, como fez
HOLLANDA ao definir o verbete infância:

125
LAJOLO, Marisa. “Infância de papel e tinta”. In: FREITAS, Marcos Cezar de (org.). História social
da Infância no Brasil. 5ª.ed. - São Paulo: Cortez, 2003. p. 229-230.
126
MATTOSO, Katia de Queirós Mattoso apud LEITE, Miriam L. Moreira. “A infância no século XIX
segundo memórias e livros de viagem”. In: FREITAS, Marcos Cezar de (org.). História social da
Infância no Brasil. 5ª.ed. - São Paulo: Cortez, 2003. p. 21.
127
LEITE, Miriam L. Moreira. “A infância no século XIX segundo memórias e livros de viagem”. In:
FREITAS, Marcos Cezar de (org.). História social da Infância no Brasil. 5ª.ed. - São Paulo: Cortez,
2003. p. 21.
128
As Ordenações Filipinas, ou Código Filipino, é a compilação jurídica resultante da reforma do código
manuelino, por Filipe II de Espanha, durante o domínio castelhano.
129
LEITE, Miriam L. Moreira. “A infância no século XIX segundo memórias e livros de viagem”. In:
FREITAS, Marcos Cezar de (org.). História social da Infância no Brasil. 5ª.ed. - São Paulo: Cortez,
2003. p. 21.

59
Período de vida que vai do nascimento à adolescência,
extremamente dinâmico e rico, no qual o crescimento se faz,
concomitantemente, em todos os domínios, e que, segundo os
caracteres anatômicos, fisiológicos e psíquicos, se divide em
três estágios: a primeira infância, de zero a três anos; segunda
infância, de três a sete anos; e terceira infância, de sete anos até
a puberdade.130

Independentemente do critério utilizado, se biológico, psicológico ou


biopsicológico, o fato é que a infância e a adolescência são perceptíveis e identificáveis
pela simples observação do indivíduo, enquanto seus direitos e deveres mudam de
acordo com a época, o lugar e a cultura que o circunda. Tanto que LAJOLO é clara ao
dizer que as infâncias são tantas quantas forem as ideias, práticas e discursos em torno
dela.

Mas enquanto a oscilação conceitual ensina que a vida muda, a


duração do esforço conceitual ensina que a vida continua, não
obstante conceitos tão diferentes sejam formulados e vigorem
em nome dos mesmos primeiros tempos da cria humana,
infância chamada [...]

[...] que, por isso mesmo, percebe-se, não é a mesma coisa, aqui
e lá, ontem e hoje, sendo tantas infâncias quantas forem ideias,
práticas e discursos que em torno dela e sobre ela se
organizem.131

Em que pese a diferenciação que se faz entre crianças, adolescentes e


adultos ao longo das épocas, esta classificação é necessária para critérios legislativos, de
tipificação penal, e até de proteção diferenciada. Assim, nosso constituinte ao classificar
crianças e adolescentes utiliza o critério biológico, considerando criança todo aquele
indivíduo que nasce com vida, até os doze anos de idade incompletos, enquanto
adolescente é aquele que tem doze anos completos até os dezoito anos (Art. 2º –
ECA132)133.
Tal critério biológico soma-se a princípios que precedem o dito Estado
Democrático de Direito, tal qual a dignidade da pessoa humana, reconhecendo, assim as

130
HOLLANDA, Aurélio Buarque. Novo Dicionário. 1. ed. (5.reimpressão). Rio de janeiro, Nova
Fronteira, s/d. p. 763.
131
LAJOLO, Marisa. “Infância de papel e tinta”. In: FREITAS, Marcos Cezar de (org.). História social
da Infância no Brasil. 5ª.ed. São Paulo: Cortez, 2003. p. 231.
132
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e
adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre 18
e 21 anos de idade.
133
A EC nº 65/2010 resgatou o conceito de “jovem”, que diferentemente da criança e do adolescente, é
aquele indivíduo entre os 18 anos completos e os 21 anos incompletos.

60
crianças e adolescentes enquanto seres humanos que merecem proteção integral, por se
encontrarem em uma fase especial de desenvolvimento. Daí o corte etário que irá
priorizar políticas públicas, isentá-los de determinadas subsunções penais, e protegê-los
integralmente para que se desenvolvam e se preparem para a vida adulta.

Não se pode falar na adoção, pelo Constituinte, de um critério


puramente biológico. A decisão foi no sentido de valorização da
dignidade humana de todas as pessoas menores de dezoito anos,
de acordo com a tendência internacional de reconhecimento
jurídico da doutrina da proteção integral, que acabou
consubstanciada na Convenção Internacional dos Direitos da
Criança. Em outras palavras, sendo o estado Democrático de
Direito presidido, entre outros, pelo princípio da dignidade da
pessoa humana, a fixação da imputabilidade penal aos dezoito
anos representa o seu compromisso com a valorização da
adolescência, por reconhecer tratar-se de uma fase especial do
desenvolvimento do ser humano.134

A eleição deste critério se dá como uma forma de valorização da dignidade


da pessoa humana de todos aqueles que têm idade inferior a dezoito anos, sendo este
critério adotado internacionalmente, devido à utilização e ao reconhecimento da
doutrina da proteção integral – que será esmiuçada posteriormente – cujo início é
marcado na Convenção Internacional dos Direitos da Criança.
Importante esclarecermos que, diferentemente da nossa Carta Constitucional
de 1988, a Convenção sobre os Direitos da Criança (e do Adolescente), aprovada pela
Organização das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em
24 de setembro de 1990, não diferencia criança e adolescente, determinando que “se
trate como criança, como um ser humano com características especiais, toda pessoa com
idade inferior a 18 anos”135 conforme verificamos em seu artigo 1:

Artigo 1

Nos termos da presente Convenção, criança é todo o ser


humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe
for aplicável, atingir a maioridade mais cedo. (grifamos)

134
TERRA, Eugênio Couto. “A idade penal mínima como cláusula pétrea”. In: A razão da idade: mitos e
verdades. 1ª Edição. Coleção Garantias de Direitos. Série Subsídios Tomo VII. Brasília: MJ/SEDH/DCA,
2001. p. 53.
135
DALLARI, Dalmo de Abreu. “A razão para manter a maioridade penal aos 18 anos”. In: A razão da
idade: mitos e verdades. 1ª Edição. Coleção Garantias de Direitos. Série Subsídios Tomo VII. Brasília:
MJ/SEDH/DCA, 2001. p. 26-27.

61
Nessa Convenção reiterou-se o disposto no princípio 4º da Declaração dos
Direitos da Criança, de 1959, que prevê proteção e cuidados especiais à criança desde o
seu nascimento.

4º Princípio – A criança tem direito a crescer e criar-se com


saúde, alimentação, habitação, recreação e assistência médica
adequadas, e à mãe devem ser proporcionados cuidados e
proteção especiais, incluindo cuidados médicos antes e depois
do parto.

Tal proteção especial e tratamento diferenciado se fazem a partir da


consideração de que crianças e adolescentes são seres vulneráveis e em formação,
necessitando deste tratamento especial, deste “plus” distintivo que o legislador lhes
reserva ao discutir direitos da infância e juventude.

Ao mesmo tempo em que se reiterando a afirmação de que a


pessoa com menos de 18 anos tem os mesmos direitos
fundamentais reconhecidos a todos os seres humanos, há
também uma reiteração no reconhecimento de que a pessoa com
menos de 18 anos é um ser que ainda não completou sua
formação e por isso é merecedor de tratamento especial
adequado.136

O legislador entendeu ser a infância e a adolescência estágios de


desenvolvimento no qual deve ser garantido o “desenvolvimento de uma identidade
social positiva”. Assim, mais do que o fator biológico, o legislador levou em conta o
fato de os conceitos de criança e adolescente serem uma criação social e histórica.

A categoria criança é de algum modo uma criação social e


histórica e não apenas um fato biológico. Não é o que apenas é,
parafraseando Hegel, mas o que ela se torna em sua vida,
realizando-se valorativamente, a partir das contradições que a
constituem inicialmente.137

Neste sentido, são interessantes os comentários de SOUSA ao analisar


estudos de Emilio García Méndez (respeitado oficial de projetos do Unicef e
reconhecido criminólogo), em confrontação com as análises históricas de Philippe Ariès
e a percepção da infância na sociedade.

136
DALLARI, Dalmo de Abreu. “A razão para manter a maioridade penal aos 18 anos”. In: A razão da
idade: mitos e verdades. 1ª Edição. Coleção Garantias de Direitos. Série Subsídios Tomo VII. Brasília:
MJ/SEDH/DCA, 2001. p. 26-27.
137
SOUSA Jr., José Geraldo de. “A construção social e teórica da criança no imaginário jurídico”. In: A
razão da idade: mitos e verdades. 1ª Edição. Coleção Garantias de Direitos. Série Subsídios Tomo VII.
Brasília: MJ/SEDH/DCA, 2001. p. 107-108.

62
Para ele que confronta seus estudos analíticos com percepções
que incluem análises históricas como as de Philippe Ariès, a
partir do exame de pinturas (retratos de famílias que captam o
universo de sistemas sociais e os lugares dos indivíduos nesses
sistemas, uma tese plenamente reconhecida é a de que na
sociedade tradicional, e até já bem entrado o século XVI, a
infância tal como ela é entendida hoje, não existia: refutando
las tesis de la psicología positivista que vinculan la categoría
niñez a determinadas características de la evolución biológica,
El enfoque histórico la presenta como El resultado de una
compleja construcción social que responde, tanto a
condicionamientos de carácter estructural cuanto a sucesivas
revoluciones en El plano de los sentimientos.138 (grifamos)

Concluímos assim que existem diferentes critérios a serem utilizados para a


determinação dos marcos que dividem infância, adolescência e vida adulta (biológico,
psicológico ou misto); diferentes valores e princípios a serem considerados
(vulnerabilidade, fase de desenvolvimento, proteção, etc.); além das diferentes
percepções que o homem tem da infância e da juventude; são determinadas socialmente
(pela época, lugar, cultura) e influenciarão o legislador ao estabelecer os marcos etários
que protegem ou criminalizam.

b. Sistema Constitucional especial de proteção aos direitos


fundamentais da criança e do adolescente

O Sistema Constitucional especial de proteção aos direitos fundamentais da


criança e do adolescente instituído pela Constituição Federal de 1988 é expressamente
referido no parágrafo 3º do artigo 227139. Ao justificar o estabelecimento do Sistema
Especial de Proteção, MACHADO enfatiza a distinção das crianças e adolescentes dos
outros grupos e o tratamento mais abrangente que lhes é dado (autorizado e operado
pelo ordenamento), os quais buscam atingir a igualdade jurídica material equilibrando a
desigualdade de fato.

Sob a ótica desta função organizadora e reguladora estática das


relações sociais que o ordenamento cumpre, é esta
vulnerabilidade peculiar que é a noção distintiva fundamental e

138
SOUSA Jr., José Geraldo de. “A construção social e teórica da criança no imaginário jurídico”. In: A
razão da idade: mitos e verdades. 1ª Edição. Coleção Garantias de Direitos. Série Subsídios Tomo VII.
Brasília: MJ/SEDH/DCA, 2001. p. 107-108.
139
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão.

63
fundante para o estabelecimento de um sistema especial de
proteção, porque: a) distingue crianças e adolescentes de outros
grupos de seres humanos simplesmente diversos da noção do
homo médio; b) autoriza e opera a aparente quebra do princípio
da igualdade – porque são portadores de uma desigualdade
inerente, intrínseca, o ordenamento confere-lhes tratamento
mais abrangente como forma de equilibrar a desigualdade de
fato e atingir a igualdade jurídica material e não meramente
formal –, mediante ‘processo de especialização do genérico, no
qual se realiza o respeito à máxima suum cuique tribuere’,
como referiu Bobbio140.

O sistema constitucional especial de proteção deriva do disposto nos artigos


226, 227, 228 e 229 da Constituição Federal, sendo a prioridade absoluta, a tutela
diferenciada (em razão da vulnerabilidade externa do sujeito) e a igualdade entre
crianças e adolescentes, princípios constitucionalmente previstos. O texto
Constitucional ao tratar do dever da família, da comunidade, da sociedade e do poder
público em assegurar este sistema especial de proteção aos direitos fundamentais da
criança e do adolescente, é claro e redundante, por entender que se trata de seres
humanos em processo de desenvolvimento.

Desnecessário dizer que a responsabilização especial foi


insculpida na legislação pátria, através de novo ramo do direito
brasileiro, que é o Direito da Criança e do Adolescente, criado
pela Lei 8.069/90, que tem como fontes formais a Doutrina da
proteção Integral, Consubstanciada no Direito Internacional –
Convenção das Nações Unidas, Regras de Riad, Regras de
Beijing, e, no Direito Pátrio, como fonte a própria Constituição
Federal em seus artigos 227, 228, 204, II e §2º do art.5º141.

Crianças e adolescentes se diferenciam dos adultos por se constituírem


como seres em desenvolvimento e não simplesmente por sua maior vulnerabilidade na
fruição, reivindicação e defesa de direitos.

Sob esse enfoque estrito, mas não menos relevante, as razões


fundantes da diferenciação não estão ligadas ao aspecto de
“fraqueza” dos sujeitos do direito; mas sim à força potencial
que a infância e a juventude representam para a nação, força
que, num primeiro momento, poderia vir reduzida àquele
truísmo do senso comum: a infância é o futuro da nação.142

140
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003.
141
NETO, Gercino Gerson Gomes. “A inimputabilidade penal como cláusula pétrea”. In: A razão da
idade: mitos e verdades. 1ª Edição. Coleção Garantias de Direitos. Série Subsídios Tomo VII. Brasília:
MJ/SEDH/DCA, 2001. p. 88-89.
142
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 132.

64
A Fundação Sistema Estadual de Análises de Dados (SEADE) utiliza o
termo “vulnerabilidade juvenil” em vez de “adolescentes em situação de risco” ou
“adolescentes em situação de exclusão social” por entender que a problemática na qual
os adolescentes estão envolvidos é grave e complexa, não se limitando aos adolescentes
pobres e desassistidos. Neste sentido, ela se utiliza de um índice de vulnerabilidade
juvenil (IVJ) para “auxiliar na escolha de áreas de intervenção”143 e desenvolvimento de
políticas públicas especificas aos jovens.
A rede para a manutenção e promoção do sistema especial de proteção aos
direitos fundamentais das crianças é imensa, sendo a Política Nacional dos Direitos
Humanos de Crianças e Adolescentes e o Plano Decenal dos Direitos Humanos de
Crianças e Adolescentes construídos conjuntamente pelo Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), e a Secretaria de Direitos Humanos
(SDH), da Presidência da República.

O Conanda – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do


Adolescente –, por meio de suas resoluções e diretrizes para o
final do século passado e início do século XXI, norteou suas
políticas públicas em construir propostas estratégicas,
descentralizadas para o Brasil, não só para educação, saúde,
lazer, cultura, profissionalização etc. além de planos nacionais
de erradicação do trabalho infantil e combate radical à
exploração sexual infanto-juvenil, bem como a implantação do
Sipia – Sistema de Informações para a Infância e a
Adolescência – em todo o território nacional.144

Concluímos que, a Constituição Federal, ao priorizar a efetivação dos


direitos fundamentais das crianças e adolescentes, fez mais do fixar os direitos
individuais e sociais, pois para serem efetivados o Estado deve se organizar no facere e
praestare, e os órgãos públicos, privados e entidades da sociedade civil devem ter uma
postura ativa e comprometida socialmente.

c. Doutrina do respeito à peculiar condição de pessoa em


desenvolvimento

143
http://www.seade.gov.br/produtos/ivj – Acesso em 04.02.2012.
144
GRACIANI, Maria Stela Santos. “Os desafios da implantação das medidas socioeducativas no Brasil”.
In: A razão da idade: mitos e verdades. 1ª Edição. Coleção Garantias de Direitos. Série Subsídios Tomo
VII. Brasília: MJ/SEDH/DCA, 2001. p. 160.

65
A peculiar condição de pessoa em desenvolvimento é tida como central no
sistema especial de proteção dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes que
permeia toda a legislação constitucional brasileira.

Esse sistema especial de proteção vem expressamente referido


no parágrafo 3º do artigo 227 – embora não se reduza às
garantias ali posicionadas. De fato, ele permeia todo o artigo
227 e o artigo 228, e manifesta-se, ainda que subsidiariamente,
também no disposto nos artigos 226, caput e §§ 3º, 4º, 5º e 8º e
229, primeira parte, todos da Constituição Federal. Mas diz,
também diretamente, com outros dispositivos da Constituição,
como os incisos XXXIII e XXX do artigo 7º e o §3º do artigo
208.145

O chamado princípio do respeito à peculiar condição de pessoa em


desenvolvimento tem como pressuposto o reconhecimento de que a personalidade
infanto-juvenil é distinta da adulta, necessitando diferenciação de tratamento146. Para
MACHADO, a peculiar condição das crianças e adolescentes de seres humanos em
processo de desenvolvimento é o núcleo duro, “noção fundamental e fundante”147 do
sistema especial de proteção aos direitos de crianças e adolescentes, independente de
tratarmos a partir do interesse individual ou do social.
Por se encontrar em processo formação (física, psíquica, moral, etc.) – na
peculiar condição de pessoas humanas em desenvolvimento – a criança e o adolescente
demandam proteção jurídica especial, o reconhecimento de direitos especiais,
permitindo-lhes construir suas potencialidades e desenvolver sua personalidade para a
vida adulta.

Crianças e adolescentes são pessoas que ainda não


desenvolveram completamente sua personalidade.

Essa característica é inerente à sua condição de seres humanos


ainda em processo de formação, sob todos os aspectos, v.g.,
físico (nas suas facetas constitutiva, motora, endócrina, da
própria saúde, como situação dinâmica), psíquico, intelectual
(cognitivo), moral, social etc.148

145
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 105.
146
MACHADO, Martha de Toledo. “Direito da Infância e Juventude”. In: NUNES Jr., Vidal Serrano
(Coord). Manual de Direitos Difusos. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. p. 152.
147
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 135.
148
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003.p. 109.

66
Como seres humanos em situação fática peculiar de desenvolvimento, os
direitos fundamentais de crianças e adolescentes são compreendidos de maneira
especial, sendo necessários, essenciais, especiais e de estruturação diversa. Esse direito
peculiar de se formar, de se desenvolver está diretamente ligado a personalidade,
conforme ensinamento de CUPIS.

Todos os direitos, na medida em que destinados a dar conteúdo


à personalidade, poderiam chamar-se ‘direitos da
personalidade’. No entanto, na linguagem jurídica corrente esta
designação é reservada àqueles direitos subjectivos cuja função,
relativamente à personalidade, é especial, constituindo o
‘mininum’ necessário e imprescindível a seu conteúdo. Por
outras palavras, existem certos direitos sem os quais a
personalidade restaria uma susceptibilidade completamente
irrealizada, privada de todo o valor concreto: direitos sem os
quais todos os outros direitos subjetivos perderiam todo o
interesse para o indivíduo – o que equivale a dizer que, se eles
não existirem, a pessoa não existiria como tal. São esses os
chamados ‘direitos essenciais’, com os quais se identificam
precisamente os direitos da personalidade. Que a denominação
da personalidade seja reservada aos direitos essenciais justifica-
se plenamente pela razão de que eles constituem a medula da
personalidade. 149

Tendo como princípio o respeito à peculiar condição de pessoa em


desenvolvimento, o Estado, a sociedade e a família devem buscar desenvolver as
potencialidades das crianças e adolescentes, estimulando seu exercício de direitos e
visando seu desenvolvimento integral.

d. Doutrina da prioridade absoluta

O princípio da prioridade absoluta é assim chamado por obrigar, conforme


dispõe o artigo 227 da Constituição Federal, que Estado, sociedade e família assegurem
“o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” das
crianças e adolescentes, com prioridade absoluta; estando estes interesses infanto-
juvenis num plano superior ao dos adultos.

Quis o constituinte separar os direitos e garantias das crianças e


adolescentes das disposições relativas ao conjunto da cidadania,
visando sua maior implementação e defesa. Elegeu tais direitos,
colocando-os em artigo próprio, com um princípio intitulado de
prioridade absoluta, que faz com que a criança tenha prioridade
149
CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade, Lisboa, Morais, 1961, p. 17-18.

67
na implementação de políticas públicas, por exemplo, e desta
forma, inclusive por questão de coerência jurídico-
constitucional, não iria deixar ao desabrigo do artigo 60, §4º,
IV, os direitos e garantias individuais de crianças e
adolescentes, quando, foi justamente o contrário que desejou e o
fez.150

O princípio da prioridade absoluta obriga, assim, que a família, o Estado e a


sociedade garantam à criança e ao adolescente um desenvolvimento pleno e sadio nos
termos do artigo 227.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado


assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão. (grifamos)

Vemos que a expressão “absoluta prioridade” tem no plano Constitucional o


sentido de ‘prioridade primeira’ buscando salvaguardar crianças e adolescentes – seres
em desenvolvimento e em situação especial de maior vulnerabilidade – e permitir-lhes
desenvolver plenamente suas potencialidades. Colocando “interesses de crianças e
adolescentes num plano superior aos interesses dos adultos”; “como meio de equilibrar
a desigualdade fática”151 que experimentam por sua peculiar condição.

e. Doutrina da proteção integral

A Constituição Federal de 1988 inseriu o paradigma de proteção integral


dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes por considerar haver tanto a
necessidade de uma autonomia progressiva do ser humano em desenvolvimento, quanto
de uma proteção integral.
Conforme vimos no rápido escorço histórico feito, crianças e adolescentes
eram tidos pelo ordenamento jurídico como objetos de direito, sujeitos às intervenções
do mundo adulto. Somente com a Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do
Adolescente de 1990, e a concepção doutrinária da Proteção Integral neles incorporada,
é que passaram à condição de sujeitos de direitos.
150
NETO, Gercino Gerson Gomes. “A inimputabilidade penal como cláusula pétrea”. In: A razão da
idade: mitos e verdades. 1ª Edição. Coleção Garantias de Direitos. Série Subsídios Tomo VII. Brasília:
MJ/SEDH/DCA, 2001. p. 83.
151
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 392.

68
A criança e o adolescente passam, assim, a ter mais direitos fundamentais
que os adultos, já que por se encontrarem neste período especial necessitam de um
“plus” de direitos, tal qual o direito ao não trabalho até os 14 anos, o direito ao trabalho
protegido dos 14 aos 16 anos, o direito de brincar, o direito a imputabilidade penal, à
excepcionalidade e brevidade da privação de liberdade.

[...] Sem a menor dúvida, pode-se afirmar que a proteção


normativa outorgada à infância e juventude é uma explicitação
do princípio da dignidade humana. Mas o Constituinte
acrescentou um plus, tornou a consecução plena de tal princípio
prioritária em relação à criança e ao adolescente, E esse
acréscimo – mesmo tendo ocorrido fora das disposições do
Título I – erige a total preferência estabelecida como um
princípio fundamental, integrativo do núcleo essencial da
Constituição.152

O artigo 227 da Constituição Federal veicula, assim, a síntese da doutrina da


proteção integral; proteção que também é vista na Convenção Internacional dos Direitos
da Criança, aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em
20.11.1989, tal qual vemos em seu artigo 3.

Artigo 3

1. Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por


instituições públicas ou privadas de protecção social, por
tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos,
terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.

2. Os Estados Partes comprometem-se a garantir à criança a


protecção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, tendo em
conta os direitos e deveres dos pais, representantes legais ou
outras pessoas que a tenham legalmente a seu cargo e, para este
efeito, tomam todas as medidas legislativas e administrativas
adequadas.

No Brasil, por se integrar no rol de direitos e garantias fundamentais, o


tratamento jurídico diferenciado não pode ser objeto de deliberação proposta de emenda
constitucional tendente a aboli-los, pois tal atitude vai contra o artigo 60, §4º, da
Constituição que trata das cláusulas pétreas153.

152
TERRA, Eugênio Couto. “A idade penal mínima como cláusula pétrea”. In: A razão da idade: mitos e
verdades. 1ª Edição. Coleção Garantias de Direitos. Série Subsídios Tomo VII. Brasília: MJ/SEDH/DCA,
2001. p. 39.
153
DALLARI, Dalmo de Abreu. “A razão para manter a maioridade penal aos 18 anos”. In: A razão da
idade: mitos e verdades. 1ª Edição. Coleção Garantias de Direitos. Série Subsídios Tomo VII. Brasília:
MJ/SEDH/DCA, 2001. p. 25.

69
Vemos assim, a importância que a Constituição brasileira de 1988 dá aos
direitos fundamentais de crianças e adolescentes, concepção de direitos humanos, que
nas palavras de MACHADO é unitária.

[...] em relação aos direitos fundamentais de crianças e


adolescentes a Constituição brasileira de 1988 abraçou explícita
e cristalinamente a concepção unitária dos direitos humanos,
digamos assim, reconhecendo a inafastável interdependência
entre os chamados ‘direitos civis’, ou ‘direitos da liberdade’ e
os chamados ‘direitos sociais’, ou ‘direitos da igualdade’: na
essência da problemática, apenas se alcança efetividade plena
para qualquer destas ‘classes’ de direitos quando todos estão
suficientemente satisfeitos.

Penso, outrossim, que aqui reside o centro da ideia de proteção


integral aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.
Esse núcleo é a noção de que sem a efetivação dos chamados
‘direitos sociais’ de crianças e adolescentes – especialmente
educação, saúde, profissionalização, direito ao não trabalho no
seu particular imbricamento com o direito à alimentação – não
se logrará material proteção a seus direitos fundamentais.154

Partindo desta concepção ‘unitária’ de direitos humanos, na qual a proteção


aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes depende da garantia de toda uma
rede de proteção e de direitos individuais e sociais, buscaremos analisá-los, em especial
o direito à educação.

f. Direitos fundamentais especiais de criança e adolescente


A conformação estrutural especial dos direitos fundamentais de crianças e
adolescentes busca superar a dicotomia entre os direitos constitucionalmente elencados
e sua efetivação, afinal, conforme já exposto, o tratamento de seres considerados
diferentes, deve ser necessariamente diferente.
O nosso Estado Democrático Social de Direito destina-se a assegurar o
exercício de direitos fundamentais – sociais e individuais –, principalmente no que se
refere aos da criança e adolescente (devido sua peculiar condição de pessoa em
desenvolvimento).

[...] norteou-se a Constituição pela força potencial que a


efetivação dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes
tem na obtenção do patamar mínimo de igualdade, necessário à
dignidade humana, para – no arco entre os polos de prestação
eminentemente negativa e prestação eminentemente positiva
154
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 136.

70
que a positivação de qualquer direito fundamental teoricamente
comporta – situar todos os direitos fundamentais de crianças e
adolescentes nesse segundo extremo, como forma de assegurar
maior efetividade a seus direitos fundamentais.155

A Constituição, assim, não distingue os direitos fundamentais da criança e


adolescente em classes, estando todos nos rol de direitos do artigo 227, devendo o
Estado adotar uma postura ativa (prestacional e não de abstenção) em relação a esses
direitos. Tais direitos fundamentais são especiais, e se diferenciam do direito dos
adultos conforme tratado no capítulo I.
Dentre os direitos fundamentais especiais de crianças e adolescentes
podemos citar o direito à convivência familiar, ao não trabalho, à profissionalização,
entre outros. O escopo da presente pesquisa se atém ao direito fundamental à educação
na privação de liberdade. Neste sentido, nos deteremos em esmiuçar os direitos à
educação e à liberdade.
O primeiro já fora tratado em capítulo próprio, cabendo-nos realizar breves
comentários sobre o tão precioso direito à liberdade. Este também encontra tutela
especial dentro do sistema de proteção aos direitos fundamentais da criança e
adolescente, pois em que pese a imaturidade e vulnerabilidade deste grupo, o seu direito
à liberdade é inafastável, possuindo especificidades em razão da idade.

É que a liberdade da pessoa física em fase de desenvolvimento


tem suas especificidades156, ligadas à questão da imaturidade de
crianças e adolescentes, que impede que estas se protejam de
agressões do meio social e limita, juridicamente, o próprio
reconhecimento da validade da vontade de crianças e
adolescentes, ínsito no exercício da liberdade da pessoa física,
exatamente em razão da imaturidade e da vulnerabilidade que
aquela traz em si.157

Nas lições de SILVA:

A questão da liberdade da criança e do adolescente envolve uma


problemática muito complexa, dadas sua posição jurídica no
seio da família e da escola e a sua condição peculiar de pessoa
em desenvolvimento. Lembra Neill que a‘liberdade é necessária

155
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 385.
156
CURY, Munir (Org). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. Malheiros Editores, 2008. p.
63-71.
157
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 208.

71
para a criança porque apenas sob liberdade ela pode crescer de
sua maneira natural – a boa maneira.158

O direito à liberdade da criança e do adolescente é especificado artigo 16 do


Estatuto da Criança e do Adolescente, nos seguintes termos:

Art. 16. Direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:

I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços


comunitários, ressalvadas as restrições legais;

II - opinião e de expressão;

III - crença e culto religioso;

IV - brincar praticar esportes e divertir-se;

V - participar da vida familiar e comunitária, sem


discriminações;

VI - participar da vida política na forma da lei;

Entretanto, o direito à liberdade é passível de restrição em detrimento da


busca pela proteção integral, prioridade absoluta, e do respeito à peculiar condição de
desenvolvimento, isto é, ele pode ser limitado quando se busca garantir a proteção e o
desenvolvimento integral da criança e do adolescente, longe de violações a outros
direitos, violência e privações. Exemplo de limitação são as chamadas medidas de
proteção, adotadas em razão da situação de risco (artigo 98159 do ECA), que buscam a
preservação/recomposição dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, tanto
que o artigo 101160, em seu parágrafo único, é claro ao dispor que o abrigo não pode
consubstanciar privação de liberdade, cárcere, prisão.

158
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 9ª edição. São Paulo: Malheiros, 1992,
p. 71
159
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos
reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III - em razão de sua conduta.
160
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá
determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e
toxicômanos;
VII - abrigo em entidade;
VIII - colocação em família substituta.

72
Quando falamos de liberdade dentro do Direito positivo, tratamos da sua
espécie objetiva; por sua se utilizarmos o termo liberdades este melhor representa as
diversas formas, expressões externas da liberdade, divididas por SILVA em cinco
grandes grupos:

(1) liberdade da pessoa física (liberdade de locomoção, de


circulação);

(2) liberdade de pensamento, com todas as suas liberdades


(opinião, religião, informação, artística, comunicação do
conhecimento);

(3) liberdade de expressão coletiva em suas várias formas (de


reunião, de associação);

(4) liberdade de ação profissional (livre escolha e de exercício


de trabalho, ofício e profissão);

(5) liberdade de conteúdo econômico e social (liberdade


econômica, livre iniciativa, liberdade de comércio, liberdade ou
autonomia contratual, liberdade de ensino e liberdade de
trabalho), de que trataremos entre os direitos econômicos e
sociais, porque não integram o campo dos direitos individuais,
mas o daqueles. 161

Com relação ao adolescente em conflito com a lei, a liberdade da qual ele é


privado é a liberdade individual, da pessoa física. Afinal, quando um adolescente realiza
conduta criminalizada socialmente, ele será sancionado pelo aparelho estatal, podendo
ter a sua liberdade subtraída para aplicação de medida de semiliberdade ou de privação
de liberdade, as quais devem ser excepcionais e breves. Trataremos, assim, das crianças
e adolescentes em conflito com a lei e das sanções a eles aplicadas, principalmente as
restritivas de liberdade.

2. A criança e o adolescente em conflito com a lei


O debate sobre a redução da maioridade penal e o sistema de justiça juvenil,
muitas vezes é inflamada por ardorosos defensores do direito penal máximo, do direito
penal do inimigo162, da putabilidade de crianças e adolescentes163 e da possibilidade de

Parágrafo único. O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a
colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade.
161
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30ª edição, revista e atualizada. São
Paulo: Malheiros, 2008. p. 235.
162
“Em lugar de uma pessoa competente, que é contraditada com a pena, portanto, coloca-se o indivíduo
perigoso [3], contra quem – aqui: com uma medida preventiva, não com uma pena – é procedido de modo
fisicamente efetivo: combate ao perigo, em lugar de comunicação, Direito penal do inimigo (...), em vez
de Direito Penal do cidadão...”. JAKOBS, Bürgerstrafrecht und Feindstrafrecht, 2004, Caderno 3, p. 89 s.

73
prisão junto a adultos para aqueles acusados de cometer infrações e/ou crimes. Tal
discurso misturado ao senso comum e às reduções da fala do crime 164 acaba por afirmar
posturas discriminatórias através de um discurso ambíguo que distorce o disposto no
Sistema Constitucional especial de proteção aos direitos fundamentais da criança e do
adolescente, confundindo imputabilidade penal com impunidade.
Proteção e imputabilidade não é impunidade, de modo que o adolescente
que comete ato considerado crime responde por ele, sendo previstas, no Estatuto da
Criança e do Adolescente, diversas medidas socioeducativas, havendo até a previsão de
internação em estabelecimentos prisionais.
Tanto que MACHADO é clara ao afirmar a continuidade das limitações
gerais impostas ao Estado quando sua atuação concerne a preservação da paz social:

Para que se atinja efetiva proteção aos direitos fundamentais


desses sujeitos especiais, o que cumpre, e a Constituição o fez,
é ampliar tal sistema de garantias, dadas as peculiaridades do
sujeito dos direitos e garantias; mas não abandonar, ou
abrandar, as limitações gerais impostas ao Estado quando
exerce a função de preservação da paz social.165

O artigo 228166 dispõe, em sua segunda parte, que em que pese o


adolescente ser inimputável penalmente, este responde na forma disposta em legislação
especial, havendo assim a garantia social de responsabilização do adolescente, a qual
ocorrerá na forma de uma legislação especial, em virtude de seu direito individual167.
Afinal, o fato tipificado, punível e culpável168 é sancionado pelo Estado dentro dos
limites estabelecidos pela legislação protetiva da criança e do adolescente,
comportando, tal qual as sanções previstas aos adultos, a privação da liberdade.

163
Utilizaremos os termos adolescência e juventude enquanto sinônimos, acreditando na ideia de
sobreposição etária de tais conceitos e procurando rechaçar a tendência de reservar o termo adolescente
para os autores de atos infracionais e o termo juventude para aqueles que não cometeram atos
infracionais, em um claro resgate a dicotomia criança/menor paradigma da Doutrina da Situação
Irregular. Tendência apontada por SILVA em seu livro Pedagogia Social (Roberto da Silva, João C. de
Souza Neto, Rogério A. de Moura (org.). São Paulo: Expressão e Arte Editora, v.1. 2ª edição, 2011.).
164
A pesquisadora Teresa Pires do Rio Caldeira, em seu livro “Cidade de muros” nos mostra o quanto a
“fala do crime” lida com categorias simplistas, imagens essencializadas e repetição de estereótipos, de
modo a elaborar preconceitos.
165
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 238.
166
Art. 228. “[...] são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da
legislação especial”.
167
NETO, Gercino Gerson Gomes. “A inimputabilidade penal como cláusula pétrea”. In: A razão da
idade: mitos e verdades. 1ª Edição. Coleção Garantias de Direitos. Série Subsídios Tomo VII. Brasília:
MJ/SEDH/DCA, 2001. p. 86.
168
Conceito de crime dentro da teoria tripartida,

74
O fato que está na base da intervenção do Estado quando
segrega o adolescente é o mesmo que leva à segregação do
adulto: O CRIME.

Mais. É em face da prática do crime que se aplica uma sanção,


mesmo que essa sanção, quando se trata do inimputável em
razão da idade, seja diversa da pena criminal.169

No direito penal juvenil, a conduta análoga a crime ou contravenção penal


praticada por adolescente é chamada ato infracional. Esta permite que o adolescente
infrator seja sujeito de medida socioeducativa prevista nos artigos 103, 104 e 212 do
Estatuto da Criança e do Adolescente.

Em primeiro lugar é preciso saber que há um sistema de


responsabilização destinado ao adolescente em conflito com a
lei. O ECA prevê ao jovem seis tipos de sanções, que vão da
advertência à aplicação de medidas socioeducativas, no caso, a
obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à
comunidade, a liberdade assistida, a semiliberdade e a
internação, sendo que nessa última a privação de liberdade pode
chegar a três anos e no fim desse período ainda é possível
encaminhar o mesmo adolescente a um regime de semiliberdade
ou liberdade assistida, onde pode ficar até completar 21 anos de
idade.170

Se a conduta é tida como imoral ou contra os bons costumes, mas esta


pessoa em desenvolvimento é menor de 12 anos; a conduta passa a ser classificada
como desvio, sendo a criança sujeita a medida específica de proteção. Abaixo podemos
analisar esquematicamente as principais diferenças entre ato infracional e desvio de
conduta, lembrando que quando vigorava a doutrina menorista, ao vago termo desvio de
conduta se lhe imputava todo e qualquer comportamento fora das regras estabelecidas,
além de caber-lhe pena.

169
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 235.
170
COSTA, José Haroldo Teixeira da. “Reduzir a idade penal não é a solução”. In: A razão da idade:
mitos e verdades. 1ª Edição. Coleção Garantias de Direitos. Série Subsídios Tomo VII. Brasília: MJ/
SEDH/DCA, 2001. p. 114.

75
Ato infracional171 Desvio de Conduta
Adolescente que comete conduta prevista Criança que pratica conduta prevista como
como crime ou contravenção crime e contravenção, ou, ainda, conduta
atentatória à sua formação.
Este último tipo de conduta não é tida, porém,
como crime ou contravenção pela legislação.
Medida socioeducativa – portanto (entre eles, Medida específica de proteção – portanto,
até medidas específicas de proteção, desde que MEP é tanto para criança quanto para
as previstas no art.101, incisos I a IV, ou seja, adolescente nas hipóteses alhures
não se aplicam as MEPs de acolhimento mencionadas.
institucional, familiar ou família substituta) –
art. 112, VII, do ECA).
MSE é somente para adolescentes.

As medidas, ditas protetivas, são justificadas não na proteção de interesses


da sociedade ou de instituições,172 como a Família e a Igreja, mas sim no interesse da
criança autora de crime, para a qual não há incidência de pena criminal.

Elas não se confundem nem podem se confundir com as


medidas socioeducativas, sob pena de violação ao princípio de
estrita legalidade que regula as sanções aplicadas pelo Estado
ao autor de fato definido como crime.173

Importante salientar que a criança, ou seja, o menor de 12 anos nunca será


passível de medidas socioeducativas, mas apenas de medidas de proteção (artigo 98 do
ECA174), aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos no ECA forem ameaçados ou
violados. Elas buscam excluí-los do sistema de sancionamento aplicado aos adultos175,
por estarem amparados pelo sistema especial de proteção devido sua peculiar condição
de pessoa em desenvolvimento. Assim, apesar da Convenção sobre os Direitos da
171
CERQUEIRA, Thales tácito Pontes Luz de Pádua. Manual do estatuto da criança e do adolescente
(teoria e prática). 2ª Ed. Niterói, RJ: Impetus, 2010. p. 309.
172
Definida por BERGER como um padrão de controle, uma programação de conduta individual imposta
pela sociedade, representada por papeis e experimentadas como algo dotado de realidade exterior, sendo
algo situado fora do indivíduo. [O que é uma instituição social? Peter L. Berger e Brigitte Berger]
173
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 232.
174
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos
reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III - em razão de sua conduta.
175
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 233.

76
Criança e do Adolescente176, considerar criança ‘toda pessoa com idade inferior a 18
anos’, no Brasil a classificação ocorre de maneira diversa. Aqui ainda há uma
diferenciação entre criança e adolescente; todos aqueles com 12 anos completos passam
a ser considerados adolescente e se tornam passíveis de aplicação de medida
socioeducativa. Focaremos o restante da pesquisa em dados referentes a esta faixa
etária, sua situação atual, trajetórias e perspectivas.

a. O perfil do adolescente autor de infração

A Projeção Populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


(IBGE) mostrou que, em 2007, os jovens brasileiros com idade entre 15 e 29 anos177
somavam 50,2 milhões de pessoas, ou seja, cerca de 26,4% da população total, sendo
projetados para 2010, cerca de 51,3 milhões, tal como pode se verificar na seguinte
tabela:

Tabela 1 - População projetada total e de 0 a 24 anos de idade, por sexo,


segundo os grupos de idade Brasil - 2000/2020

População projetada total e de 0 a 24 anos de idade


Grupos de Idade
2000 2005 2010 2020
Total

População total 167 716 538 179 556 501 190 977 109 210 727 174

0 a 17 anos 60 413 186 60 216 214 60 849 269 61 536 644

0 a 6 anos 23 225 510 23 968 407 24 268 186 23 728 275


Menos de 1 ano 3 416 614 3 500 482 3 477 962 3 417 598
1 a 4 anos 13 290 303 13 747 930 13 874 497 13 540 236
5 e 6 anos 6 518 593 6 719 995 6 915 727 6 770 441
7 a 14 anos 26 806 941 26 101 020 26 845 087 27 487 699
7 a 9 anos 9 707 395 9 894 530 10 248 541 10 236 345
10 e 11 anos 6 730 975 6 509 941 6 711 852 6 883 484
12 anos 3 440 374 3 246 565 3 317 516 3 452 358
13 e 14 anos 6 928 197 6 449 984 6 567 178 6 915 512
15 a 17 anos 10 380 735 10 146 787 9 735 996 10 320 670
15 anos 3 464 330 3 326 181 3 255 298 3 454 343
16 anos 3 459 127 3 391 720 3 243 696 3 442 378
17 anos 3 457 278 3 428 886 3 237 002 3 423 949
18 anos 3 458 044 3 446 111 3 235 873 3 402 586
19 anos 3 455 463 3 449 101 3 186 822 3 378 432
20 a 24 anos 16 478 360 17 153 730 16 918 261 16 453 200

Homens

176
Aprovada pela Organização das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil
em 24 de setembro de 1990.
177
Tal recorte etário é utilizado pela Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) e pelo Conselho Nacional de
Juventude (Conjuve), e é adotado na proposta de Estatuto da Juventude.

77
População total 82 384 860 87 995 438 93 393 810 102 636 115

0 a 17 anos 30 629 192 30 521 942 30 850 248 31 200 907

0 a 6 anos 11 784 780 12 161 454 12 313 984 12 041 423


Menos de 1 ano 1 735 535 1 778 020 1 766 592 1 736 072
1 a 4 anos 6 742 686 6 974 959 7 039 528 6 870 790
5 e 6 anos 3 306 559 3 408 475 3 507 864 3 434 561
7 a 14 anos 13 589 738 13 223 562 13 608 684 13 935 478
7 a 9 anos 4 914 363 5 017 642 5 197 056 5 191 459
10 e 11 anos 3 411 532 3 300 498 3 402 571 3 489 880
12 anos 1 746 648 1 645 668 1 681 407 1 749 862
13 e 14 anos 3 517 195 3 259 754 3 327 650 3 504 277
15 a 17 anos 5 254 674 5 136 926 4 927 580 5 224 006
15 anos 1 756 525 1 682 517 1 648 698 1 749 568
16 anos 1 751 073 1 717 584 1 641 708 1 742 438
17 anos 1 747 076 1 736 825 1 637 174 1 732 000
18 anos 1 744 235 1 744 719 1 635 710 1 720 079
19 anos 1 739 515 1 744 484 1 600 222 1 706 753
20 a 24 anos 8 216 247 8 626 419 8 525 747 8 290 042
Mulheres

População total 85 331 678 91 561 063 97 583 299 108 091 059

0 a 17 anos 29 783 994 29 694 272 29 999 021 30 335 737

0 a 6 anos 11 440 730 11 806 953 11 954 202 11 686 852


Menos de 1 ano 1 681 079 1 722 462 1 711 370 1 681 526
1 a 4 anos 6 547 617 6 772 971 6 834 969 6 669 446
5 e 6 anos 3 212 034 3 311 520 3 407 863 3 335 880
7 a 14 anos 13 217 203 12 877 458 13 236 403 13 552 221
7 a 9 anos 4 793 032 4 876 888 5 051 485 5 044 886
10 e 11 anos 3 319 443 3 209 443 3 309 281 3 393 604
12 anos 1 693 726 1 600 897 1 636 109 1 702 496
13 e 14 anos 3 411 002 3 190 230 3 239 528 3 411 235
15 a 17 anos 5 126 061 5 009 861 4 808 416 5 096 664
15 anos 1 707 805 1 643 664 1 606 600 1 704 775
16 anos 1 708 054 1 674 136 1 601 988 1 699 940
17 anos 1 710 202 1 692 061 1 599 828 1 691 949
18 anos 1 713 809 1 701 392 1 600 163 1 682 507
19 anos 1 715 948 1 704 617 1 586 600 1 671 679
20 a 24 anos 8 262 113 8 527 311 8 392 514 8 163 158

Fonte: Projeto IBGE/Fundo de População das Nações Unidas - UNFPA/BRASIL (BRA/98/P08), Sistema
Integrado de Projeções e Estimativas Populacionais e Indicadores Sociodemográficos.

Vemos que a tendência de crescimento da população jovem deverá se


reverter, havendo uma redução progressiva no número absoluto de jovens no Brasil.
Com relação aos dados referentes à renda, gênero, etnia e localização regional, os dados
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada pelo IBGE nos
mostram que:

[...] 30,6% dos jovens podem ser considerados pobres, pois


vivem em famílias com renda domiciliar per capita de até meio
salário mínimo (SM). De outra parte, apenas 15,7% são

78
oriundos de famílias com renda domiciliar per capita superior a
dois SMs e aproximadamente 53,7% pertencem ao extrato
intermediário, com renda domiciliar per capita entre meio e
dois SMs. Embora haja equilíbrio na distribuição dos jovens
brasileiros por sexo – sendo 50% homens e 50% mulheres –, a
pobreza é ligeiramente superior entre as mulheres jovens (53%),
tal como se dá para a população como um todo.

Por outro lado, observa-se que os jovens de baixa renda estão


concentrados na região Nordeste (51,7% do total do país), com
destaque para o fato de que 19,3% da juventude nordestina é
constituída de jovens pobres que vivem em áreas rurais. Note-
se, ainda, que os jovens pobres são majoritariamente não
brancos (70,9%), enquanto os jovens brancos são 53,9% dos
não pobres – embora a distribuição dos jovens brasileiros entre
os grupos branco e não branco seja de 47,1% e 52,9%,
respectivamente.178

A pesquisa do IPEA ‘Juventude e políticas sociais no Brasil’ demonstra a


grande disparidade existente entre os jovens que vivem em áreas urbanas (84,8%) e
aqueles que habitam o campo (15,2%). Pois enquanto os primeiros convivem com altas
taxas de desemprego, violência, além da crescente segregação espacial e qualidade de
vida deteriorada, os jovens das áreas rurais lidam com questões específicas, como o
esforço físico exigido pela atividade agrícola, as dificuldades de acesso a terra,
expectativas relacionadas à reprodução da agricultura familiar e o celibato, além da falta
de acesso a equipamentos públicos e condições de vida precárias (29% dos jovens
pobres do país).

Do total de jovens urbanos, 48,7% vivem em moradias


inadequadas fisicamente. Como reflexo das restrições ao acesso
à habitação nas grandes cidades brasileiras, observa-se que
cerca de 2 milhões de jovens entre 15 e 29 anos vivem em
favelas, sendo que a maior parte desta população é negra
(66,9%), enquanto 30,2% vivem em famílias com renda
domiciliar per capita de até meio SM.179

O Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário


(DMF/CNJ180) através do “Programa Justiça ao Jovem”, ao elaborar diagnóstico sobre o
cumprimento das medidas socioeducativas de internação de jovens em conflito com a

178
CASTRO, Jorge Abrahão de; AQUINO, Luseni Maria C. de; e ANDRADE, Carla Coelho de (Org).
Juventude e políticas sociais no Brasil. Brasília: Ipea, 2009. p. 31-32.
179
CASTRO, Jorge Abrahão de; AQUINO, Luseni Maria C. de; e ANDRADE, Carla Coelho de (Org).
Juventude e políticas sociais no Brasil. Brasília: Ipea, 2009. p. 33.
180
O Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de
Medidas Socioeducativas (DMF) foi criado pela Lei n. 12.106, de 2 de dezembro de 2009.

79
lei, mapeou181 o funcionamento dos estabelecimentos de internação e das varas da
infância e juventude com atribuição de fiscalização destas unidades em todos os estados
e no Distrito Federal.
Neste diagnóstico buscou-se analisar o perfil dos adolescentes em
cumprimento de medida socioeducativa de internação; examinar a tramitação dos
processos de execução das medidas socioeducativas; avaliar o ordenamento territorial
dos estabelecimentos; e conhecer as instituições de internação a fim de analisar se aos
adolescentes sob custódia do Estado são garantidos os direitos abrigados no Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) e no Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE)
Ao traçar um perfil do adolescente em conflito com a lei vemos que esta
possui idade média de 16,7 anos, de modo que se considerado o período máximo de
internação, boa parte dos jovens internados alcança a maioridade civil e penal durante o
cumprimento da medida.

181
O mapeamento foi realizado por equipe composta por juízes, servidores de cartórios judiciais e
técnicos do Judiciário da área de assistência social, psicologia e pedagogia, que percorreu 320
estabelecimentos de internação no Brasil, durante o período de 19/7/2010 a 28/10/2011, a fim de analisar
as condições de internação de 17.502 adolescentes que cumpriam medida socioeducativa de restrição de
liberdade.

80
Fonte: DMF/CNJ - Elaboração: DPJ/CNJ

Segundo o diagnóstico, 47,5% dos adolescentes cometeu o primeiro ato


infracional entre 15 e 17 anos; 42,6% entre 12 e 14 anos; e 9% entre os 07 e 11 anos de
idade.

Fonte: DMF/CNJ - Elaboração: DPJ/CNJ

O relatório ainda nos mostra que os adolescentes cumprem medida de


internação por atos infracionais correspondentes a crimes contra o patrimônio (roubo,
furto, entre outros). Obtendo o roubo os mais altos percentuais (de 26% na Região Sul,
a 40% na Região Sudeste) dos delitos praticados. O crime de homicídio foi expressivo
em todas as regiões do país, com exceção do Sudeste 7%, sendo que nas regiões Sul,
Centro-Oeste, Nordeste e Norte, o percentual varia de 20% a 28%.

81
O tráfico de drogas se destacou nas regiões Sudeste e Sul (segundo ato
infracional mais praticado) representando 32% e 24%, respectivamente. Por sua vez,
estupro, furto, lesão corporal e roubo seguido de morte obtiveram menores proporções.

Fonte: DMF/CNJ - Elaboração: DPJ/CNJ

Fonte: DMF/CNJ - Elaboração: DPJ/CNJ

Mais especificamente em relação à reincidência, 43,3% dos adolescentes já


haviam sido internados ao menos uma outra vez. Na região Nordeste este índice registra
54%, enquanto na Centro-Oeste 45,7%. Nas demais regiões, ele varia entre 38,4% e
44,9%.

82
Fonte: DMF/CNJ - Elaboração: DPJ/CNJ

Com relação à escolaridade o diagnóstico do CNJ revela que 8% do


percentual de adolescentes entrevistados era de não alfabetizados.

Observa-se que este índice nacional comporta uma disparidade


entre as regiões, considerando que no Nordeste 20% dos
adolescentes entrevistados declararam-se analfabetos, enquanto
no Sul e no Centro-Oeste, 1%. Tais regiões destacam-se por
apresentar índice de 98% de adolescentes infratores
alfabetizados. No contexto nacional, entre todos os adolescentes
analfabetos, 44% destes encontram-se na Região Nordeste.182

O gráfico a seguir mostra a diferença entre a porcentagem de adolescentes


alfabetizados nas regiões Sul e Centro-Oeste em comparação com a região Nordeste,
que aparece com as maiores porcentagens:

Fonte: DMF/CNJ - Elaboração: DPJ/CNJ

182
CONSELHO NACIONAL DE JUVENTUDE, Panorama Nacional. A Execução das Medidas
Socioeducativas de Internação Programa Justiça ao Jovem. CNJ, 2012.

83
A maioria dos adolescentes internados apresenta um baixo grau de
escolaridade, não chegando ao ensino médio. Assim, a maioria declarou ter parado de
estudar entre 08 e 16 anos (média de 14 anos).

Fonte: DMF/CNJ - Elaboração: DPJ/CNJ

Muitos dos jovens que cumprem medida socioeducativa de internação


(57%) declararam não que não frequentavam mais a escola antes do ingresso na unidade
de internação. Sendo a última série cursada por 86% dos adolescentes o ensino
fundamental

84
Fonte: DMF/CNJ - Elaboração: DPJ/CNJ

Em relação às relações familiares, 43% foram criados apenas pela mãe, 4%


apenas pelo pai, 38% por ambos e 17% pelos avós, podendo estes jovens ter sido
criados por mais de um ente familiar. Já em relação ao uso de substâncias psicoativas,
75% dos adolescentes faziam uso de drogas ilícitas, principalmente na Região Centro-
Oeste (80,3%, sendo a maconha a substância mais citada)183.
Concluímos, assim, pela responsabilidade estrutural da sociedade, que
exclui social, cultural e economicamente estes adolescentes em situação de conflito. No
relatório apresentado pelo CNJ questões como famílias desestruturadas, defasagem
escolar e utilização de substâncias psicoativas são apontadas como causadoras do ato
infracional e envolvimento criminal. Ocorre que não apenas esses fatores podem ser
justificadores da prática de ato infracional, já que se observarmos que a maioria dos
delitos cometidos se refere a crimes contra o patrimônio podemos inferir o desejo de
inclusão em uma sociedade capitalista, na qual apenas o consumo/ a propriedade pode
ser a chave para o reconhecimento destes jovens tão privados de tudo.

b. Trajetória de vitimização do adolescente autor de infração

A Resolução 40/34 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 29 de


novembro de 1985, conceitua vítima como sendo a

183
Panorama Nacional. A Execução das Medidas Socioeducativas de Internação Programa Justiça ao
Jovem. CNJ, 2012.

85
pessoa que, individual ou coletivamente, tenha sofrido danos,
inclusive lesões físicas ou mentais, sofrimento emocional, perda
financeira ou diminuição substancial de seus direitos
fundamentais, como consequências de ações ou omissões que
violem a legislação penal vigente, nos Estados- Membros,
incluída a que prescreve o abuso de poder

Sendo a vitimização, o processo vitimizatório, ou seja, a ação ou efeito de


alguém vir a ser vítima de sua própria conduta ou da conduta de terceiro, ou fato da
natureza.
As crianças e os adolescentes representam 34% da população brasileira, ou
seja, um contingente de 57,1 milhões de pessoas em números absolutos.184
Aproximadamente metade das crianças e dos adolescentes do Brasil – 48,8% e 40%,
respectivamente – é considerada pobre ou miserável. Além da pobreza, estas são
expostas a diversos fatores que reforçam ainda mais a situação de vulnerabilidade em
que se encontram e as vitimizam:

A questão principal que consolida o argumento da vitimação é


seu caráter desencadeador da agressão física ou sexual contra
crianças, tendo em conta que a cronificação da pobreza da
família contribui para a precarização e deterioração de suas
relações afetivas e parentais. Nesse sentido, pequenos espaços,
pouca ou nenhuma privacidade, falta de alimentos e problemas
econômicos acabam gerando situações estressantes que, direta
ou indiretamente, acarretam danos ao desenvolvimento
infantil.185

Nos ensinamentos de VIOLANTE,

[...] as causas da marginalidade não podem ser procuradas no


mundo próximo do indivíduo, nos fatores pessoais e
psicológicos, mas na estrutura social. As variáveis causais
essenciais para a compreensão da marginalidade são os
processos econômicos [...] Considerar a marginalidade como
fenômeno psicológico individual e o indivíduo seu portador
constitui uma das condições para a sua reprodução. Isto porque,
na medida em que se toma a marginalidade por suas
manifestações, perdem-se de vista suas raízes, encontradas nas
condições estruturais da sociedade.186

184
SILVA. Enid Rocha Andrade da. “O perfil da criança e do adolescente nos abrigos pesquisados”. In.
SILVA. Enid Rocha Andrade da (Coord.). O Direito à Convivência Familiar e Comunitária: os abrigos
para crianças e adolescentes no Brasil. Brasília : IPEA/CONANDA, 2004.
185
GUERRA e AZEVEDO. Infância e violência doméstica: fronteiras do conhecimento. 2 ed. São Paulo:
Cortez, 1997. apud AMARO, Sarita. Crianças vítimas da violência: das sombras do sofrimento à
genealogia da resistência. Uma nova teoria científica. Porto Alegre: AGE/EDIPURS, 2003.
186
VIOLANTE, Maria Lúcia Vieira. O dilema do decente malandro. São Paulo, Cortez-Autores
Associados, 1982, p. 22.

86
Através de dados extraídos do banco de dados da Fundação CASA,
DT/NUPRIE, em 20 de abril de 2010, podemos observar o perfil dos adolescentes
atendidos pela Fundação: idade predominante entre 16 e 18 anos, com escolaridade
aquém de sua idade cronológica, envolvidos diretamente ou indiretamente com
drogas187.
Esta intensa relação com a violência continua com a internação, visto que há
ampla utilização da tortura psicológica nas unidades, conforme revela o Diagnóstico do
CNJ:

Dos dados, destaca-se o número de estabelecimentos que


registraram situações de abuso sexual sofrido pelos internos: em
34 estabelecimentos pelo menos um adolescente foi abusado
sexualmente nos últimos 12 meses. Em 19 estabelecimentos há
registros de mortes de adolescentes em cumprimento de
medidas socioeducativas.

Além disso, sete estabelecimentos informaram a ocorrência de


mortes por doenças preexistentes e dois registraram mortes por
suicídio nos últimos 12 meses. A violência sofrida por
adolescentes no interior dos estabelecimentos enseja mais
atenção do Estado, visto que é seu dever a proteção e a garantia
das condições básicas para o desenvolvimento das crianças e
dos adolescentes.

[...] Além desses crimes, outra situação preocupante é a


violência física sofrida pelos adolescentes. Dos jovens
entrevistados em conflito com a lei, 28% declararam ter sofrido
algum tipo de agressão física por parte dos funcionários, 10%
por parte da Polícia Militar dentro da unidade da internação e
19% declararam ter sofrido algum tipo de castigo físico dentro
do estabelecimento de internação.188

Por mais que se fale que a medida socioeducativa de internação não possua
caráter eminentemente punitivo, mas que busca responsabilizar o adolescente pelas
consequências lesivas do ato infracional – tendo como objetivo sua ressocialização e a
reparação do ato –, é perceptível a semelhança que a sanção imposta ao adolescente,
pela prática de fato definido como crime, guarda com a pena criminal. Tal perspectiva é
corroborada por MACHADO:

Vejo identidade da medida socioeducativa com a pena criminal


na medida em que ambas comportam privação de liberdade; ou

187
Dados retirados do sítio eletrônico: http://www.fundacaocasa.sp. gov.br/ Acesso em 12.07.2011.
188
Panorama Nacional. A Execução das Medidas Socioeducativas de Internação Programa Justiça ao
Jovem. CNJ, 2012.p. 127-128.

87
seja, comportam, na essência e em sentido genérico, reação
aflitiva à ofensa, nas palavras de Ferrajoli. E medida aflitiva
que se impõe ao autor do crime, de um lado, como forma de
lograr prevenção dos delitos; por outro, objetivando lograr a paz
social pelo mecanismo de resposta estatal ao crime, que busca
inibir a resposta individual do ofendido ou seus ‘apoiadores’ –
resposta não jurídica e não pública, portanto, violenta, ilimitada
e selvagem – contra o autor do fato penal típico, ou inibir a
‘resposta pública’ não limitada por um sistema constitucional
de garantias do cidadão.189

Afinal, é sabido que as consequências do cárcere são graves, para o adulto


privado de liberdade, imagine-se quando se trata de adolescentes ainda em processo
formativo.

Toda medida de efeito estigmatizante é mais grave para o


adolescente do que para o adulto, pois pode mais facilmente
afetar a autoestima da pessoa, levando-a a assumir uma conduta
desviante em função de sua autopercepção, provocada
iterativamente pela reação das pessoas que a rodeiam ou com as
quais trata190.

Insta salientar que o critério para se estabelecer a idade penal mínima é


político, não se relacionando à capacidade ou incapacidade de entendimento da criança
e do adolescente.191 As diversas formas de violência impingidas durante o cumprimento
da pena restritiva de liberdade acabam tornando a internação tal qual ESPINOZA define
a prisão:

[...] uma instituição de sequestros: sequestra-se não só a


liberdade ambulatória dos homens e mulheres que a ela são
submetidos como também a voz, a identidade, a dignidade, a
condição de sujeitos e cidadãos [...] As interações no cárcere,
mesmo feminino, se reproduzem pela regra do medo, ou seja, a
doutrina de prêmios e castigos é reconstruída na sua versão
mais perversa, visto que não se apela ao estímulo, mas à
coerção, para produzir alterações na conduta das pessoas. A
disciplina converte-se então em mecanismo justificado para o
incremento do sofrimento. [...].192

189
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 239.
190
ZAFFARONI, Raul, in CURY, Munir (Org). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado.
Malheiros Editores, 2008. p. 803.
191
TERRA, Eugênio Couto. “A idade penal mínima como cláusula pétrea”. In: A razão da idade: mitos e
verdades. 1ª Edição. Coleção Garantias de Direitos. Série Subsídios Tomo VII. Brasília: MJ/SEDH/DCA,
2001.p. 53.
192
ESPINOZA, Olga. A mulher encarcerada em face do poder punitivo. São Paulo: IBCCrim, 2004. p.
148.

88
Não se pode tolerar que o espaço simbolicamente reservado para a
reabilitação do indivíduo, e cujo tutor é o Estado, permita que os internados sofram
lesões físicas, mentais, Além da diminuição substancial de seus direitos fundamentais,
fato que se configura como flagrante violação da legislação penal juvenil vigente,
muitas vezes tornando estes adolescentes vítimas do cumprimento de medidas
socioeducativas.

89
III – A LEI, A INFRAÇÃO E A PUNIÇÃO

1. A medida socioeducativa. 2. O sistema de cumprimento de medidas


socioeducativas.

1. A medida socioeducativa

As medidas socioeducativas, decorrem estritamente da prática do fato


definido na lei penal como crime: é o que aflora insofismavelmente dos artigos 103 e
112, caput, do ECA, na medida em que o primeiro conceitua o ato infracional como ‘a
conduta descrita como crime ou contravenção penal’ e o segundo reza que as medidas
socioeducativas são aplicáveis ‘verificada a prática de ato infracional’. Esta medidas193
se dividem no binômio punir e educar. Há quem diga que elas visam “favorecer a
reintegração e reeducação do adolescente”194, mas tal discurso não é aceito na
criminologia crítica, já que o prefixo “re” tem conotação de repetição e muitos destes
adolescentes em conflito com a lei na maioria das vezes não foram anteriormente nem
integrados, nem educados (educação formal) antes de delinquir.
As medidas socioeducativas podem ser aplicadas isolada ou
cumulativamente. Sua aplicação é ainda repleta de lacunas e controvérsias, tanto que o
Estatuto da Criança e do Adolescente, até pouco tempo atrás, não possuía um sistema de
execução de MSEs, tal qual ocorre na Lei de Execução Penal. Esta demora se deu
devido à grande discussão sobre a localização do sistema de punição juvenil, se parte do
sistema penal, se parte do chamado sistema penal juvenil, se parte do sistema de

193
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente
as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e
a gravidade da infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e
especializado, em local adequado às suas condições.
194
CERQUEIRA, Thales tácito Pontes Luz de Pádua. Manual do estatuto da criança e do adolescente
(teoria e prática). 2ª Ed. Niterói, RJ: Impetus, 2010. p. 369.

90
proteção da criança e do adolescente, conforme crítica feita por PIOVESAN sobre o
tema:

Se o artigo 227, parágrafo 3º demanda, quando da aplicação de


medida privativa de liberdade, um regime especial pautado
pelos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, esse regime
195
não pode ser o do Código Penal.

Apenas recentemente – com a criação do Sistema Nacional de Atendimento


Socioeducativo (SINASE), pela lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012 – a execução das
medidas socioeducativas destinadas a adolescentes que pratiquem ato infracional,
passou a ser regulamentada. Esta regulamentação dispõe sobre os objetivos da MSE, as
competências de cada ente federado, os planos e programas de atendimento
socioeducativo, suas avaliações e acompanhamentos, bem como os procedimentos da
MSE e os direitos196 dos adolescentes que a cumprem.
Tal regulamentação é de extrema importância, visto que a lei ordinária
(ECA) ficou aquém do texto constitucional ao tecer considerações sobre a natureza da
sanção, sendo tímida quanto aos direitos-garantias de natureza penal. MACHADO
demonstra sua preocupação com a faceta educativa da MSE que se aplica ao autor do
fato definido como crime ser insuficientemente tratada na lei ordinária.

195
PIOVESAN, Flávia. “A inconstitucionalidade da redução da maioridade penal”. In: A razão da idade:
mitos e verdades. 1ª Edição. Coleção Garantias de Direitos. Série Subsídios Tomo VII. Brasília:
MJ/SEDH/DCA, 2001. p. 74-75.
196
CAPÍTULO III - DOS DIREITOS INDIVIDUAIS
Art. 49. São direitos do adolescente submetido ao cumprimento de medida socioeducativa, sem prejuízo
de outros previstos em lei:
I - ser acompanhado por seus pais ou responsável e por seu defensor, em qualquer fase do procedimento
administrativo ou judicial;
II - ser incluído em programa de meio aberto quando inexistir vaga para o cumprimento de medida de
privação da liberdade, exceto nos casos de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à
pessoa, quando o adolescente deverá ser internado em Unidade mais próxima de seu local de residência;
III - ser respeitado em sua personalidade, intimidade, liberdade de pensamento e religião e em todos os
direitos não expressamente limitados na sentença;
IV - peticionar, por escrito ou verbalmente, diretamente a qualquer autoridade ou órgão público, devendo,
obrigatoriamente, ser respondido em até 15 (quinze) dias;
V - ser informado, inclusive por escrito, das normas de organização e funcionamento do programa de
atendimento e também das previsões de natureza disciplinar;
VI - receber, sempre que solicitar, informações sobre a evolução de seu plano individual, participando,
obrigatoriamente, de sua elaboração e, se for o caso, reavaliação;
VII - receber assistência integral à sua saúde, conforme o disposto no art. 60 desta Lei; e
VIII - ter atendimento garantido em creche e pré-escola aos filhos de 0 (zero) a 5 (cinco) anos.
§ 1o As garantias processuais destinadas a adolescente autor de ato infracional previstas na Lei no 8.069,
de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), aplicam-se integralmente na execução das
medidas socioeducativas, inclusive no âmbito administrativo.
§ 2o A oferta irregular de programas de atendimento socioeducativo em meio aberto não poderá ser
invocada como motivo para aplicação ou manutenção de medida de privação da liberdade.

91
[...] porque o Estatuto não pormenorizou suficientemente o
conteúdo, e, portanto, o contorno jurídico, da medida
socioeducativa. Na pormenorização que fez, a lei ocupou-se
muito mais em ditar as limitações do poder restritivo do Estado
da liberdade do adolescente, consubstanciada na faceta
denominada ‘sócio’ da medida (v.g., art. 124, VI, VII, VIII, IX,
X, XI, XII, XIII, XIV E XV), do que em definir com precisão o
que seria a faceta educativa.

[...]

As referências a ela na lei ordinária quase se resumem a nomeá-


la: deu-se o nome socioeducativa às medidas, mas não se
pormenorizou minimamente em que consistiria a educação197.

Vemos assim, a importância do estabelecimento preciso de limites de


incidência entre as medidas de proteção e as medidas socioeducativas, principalmente
no que tange ao seu objetivo, procedimento, cumprimento e avaliação.

a. Definição

O ECA prevê a aplicação de medidas socioeducativas que se podem ser


desde advertência, prestação de serviço à comunidade até a privação de liberdade, sendo
o ECA considerado uma das legislações mais modernas com relação aos objetivos da
ressocialização e da educação dos adolescentes em conflito com a lei. Tanto que
TELLES e GRAU atribuem a este avanço, a participação da sociedade civil na
reeducação dos jovens e a necessidade desta relação estreita com o meio comunitário.

Experiências bem-sucedidas realizadas em diversos pontos do


país demonstram claramente que uma aplicação correta das
medidas socioeducativas, feita em conjunto com os familiares
do menor, com a comunidade e com organizações não
governamentais, resulta em redução significativa da
criminalidade juvenil. Tanto é assim que o índice de
reincidência dos adolescentes submetidos a medidas (incluindo-
se a internação em estabelecimentos como a Febem) perfaz
7,5% (sete e meio por cento), enquanto que, no sistema
carcerário, 47% (quarenta e sete por cento) de todos os egressos
voltam a delinquir. 198

197
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 248-249.
198
TELLES Jr., Goffredo da Silva; GRAU, Eros Roberto. “A desnecessária e inconstitucional redução da
maioridade penal”. In: A razão da idade: mitos e verdades. 1ª Edição. Coleção Garantias de Direitos.
Série Subsídios Tomo VII. Brasília: MJ/SEDH/DCA, 2001. p. 97-98.

92
O significado material da MSE está relacionado à sua essência, o “ser” de
seu objeto, sendo seus elementos informadores a unilateralidade e a obrigatoriedade199.
Isto porque o jovem em conflito com a lei que receberá a MSE está em posição de
subordinação perante o juiz que aplicará a medida, pois esta prescinde sua vontade, e o
exercício deste poder sancionatório e coercitivo é consequente do ato infracional. Nas
palavras de KONZEN:

A definição do significado material da medida socioeducativa


deve levar em conta o efeito produzido no individuo
destinatário de uma determinação unilateral e obrigatória, com
origem numa decisão de mérito sobre a conformação de
determinado comportamento à norma de vedação e que atinge,
como reação, a liberdade de autodeterminação do indivíduo
destinatário, restringindo-o em sua liberdade ou privando-o da
sua liberdade200.

Assim, como o ato infracional é, conforme o disposto no artigo 103201 do


ECA, sinônimo ao crime, o efeito a ser produzido pela MSE será idêntico ao da pena
criminal. Em que pese parte da doutrina e da magistratura não aceitar esta vinculação
das MSEs às penas, buscando crer no caráter “protetivo” e “tutelar” da medida, ela está
intimamente relacionada à punição, havendo a denominação Direito Penal Juvenil para
o direito responsável pela defesa e acompanhamento da aplicação, cumprimento e
manutenção da MSE.
Aqueles que negam o sentido aflitivo da MSE vendo apenas um caráter
tutelar e até pedagógico, ainda guardam muito da doutrina menorista da situação
irregular, esquecendo-se do novo paradigma da proteção integral, que busca
responsabilizar o jovem por seus atos.
Há ainda aqueles que tentam diferenciar a utilização dos vocábulos “pena” e
“sanção”, acreditando ser o primeiro relacionado à pena criminal destinada aos adultos,
enquanto o segundo compreenderia uma responsabilização; diferenciação inexistente no
sentido gramatical, bem como no jurídico. NUCCI demonstra a irrelevância jurídica de
tal distinção ao definir pena como “a sanção imposta pelo estado”202 baseando-se no
fato de seu sentido subjetivo (área do “dever ser”) ser o mesmo para ambos, qual seja:

199
KONZEN, Afonso Armando. Pertinência Socioeducativa. Reflexões sobre a natureza jurídica das
medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. p. 51-52.
200
KONZEN, Afonso Armando. Pertinência Socioeducativa. Reflexões sobre a natureza jurídica das
medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. p. 53.
201
Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.
202
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2008. p. 307.

93
“a compreensão das consequências do descumprimento de dever normatizado”203.
Ainda sobre esta discussão semântica, KONZEN afirma:

A medida socioeducativa, seja pena, seja sanção, significa, para


o seu destinatário, a reprovação pela conduta ilícita,
providências subsequente que carrega em si, seja a
consequência restritiva ou privativa de liberdade, ou até mesmo
modalidade de simples admoestação, o peso da aflição, porque
sinal de reprovação, sinônimo de sofrimento porque sinal de
reprovação, sinônimo de sofrimento porque segrega do
indivíduo um, de seus bens naturais mais valiosos, a plena
disposição e exercício da liberdade.204

Como definia FRAGOSO205:

A sanção característica da lei penal, ou seja, a pena, não


consiste na execução coativa do preceito jurídico violado, mas
na perda de um bem jurídico imposta ao autor do ilícito, ou
seja, num mal infligido ao réu, em virtude de seu
comportamento antijurídico. Daí seu caráter retributivo. A
denominação ‘Direito Penal’ surge justamente da sanção
jurídica desse ramo do direito.

Assim, reconhecendo este caráter sancionatório das MSEs, é preciso que


elas sejam aplicadas excepcionalmente (excepcionalidade), dentro da lei e da normativa
do sistema de proteção da criança e do adolescente (legalidade), bem como em curtos
espaços de tempo (brevidade).
O ECA possui um modelo de responsabilidade penal juvenil nas medidas
socioeducativas de modo a responsabilizar o adolescente autor de ato infracional e, ao
mesmo tempo, resguarda-lo dentro do sistema de proteção integral, pois sendo a
aplicação da MSE uma sanção, ela pode produzir efeitos no jovem que a cumpre,
devendo, por isso, carregar consigo, uma série de garantias instrumentais e materiais,
que a tornem menos prejudicial ao desenvolvimento do jovem. Nos dizeres de
FERRAJOLI, tais garantias e limites, mais do que indicar a punição devida à conduta
infracional, busca limitar a punição do Estado, mitigando seus poderes e vinculando-o:

Tenha-se em conta de que aqui não se trata de uma condição


suficiente, na presença da qual esteja permitido ou obrigatório
punir, mas sim de uma condição necessária, na ausência da qual

203
KONZEN, Afonso Armando. Pertinência Socioeducativa. Reflexões sobre a natureza jurídica das
medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. p. 63.
204
KONZEN, Afonso Armando. Pertinência Socioeducativa. Reflexões sobre a natureza jurídica das
medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. p. 63.
205
FRAGOSO, Heleno Cláudio. In: Lições de direito penal – a nova parte especial. Rio de Janeiro,
Forense, 11ª Ed., 1987, p. 1-2.

94
não está permitido ou está proibido punir [...] A função
específica das garantias do direito penal [...] na realidade não é
tanto permitir ou legitimar, senão muito mais condicionar ou
vincular e, portanto, deslegitimar o exercício absoluto da
potestade punitiva. Precisamente porque ‘delito’, ‘lei’,
‘necessidade’, ofensa’, ‘ação’ e ‘culpabilidade’ designam
requisitos ou condições penais, enquanto ‘juízo’, ‘acusação’,
‘prova’ e ‘defesa’ designam condições processuais, os
princípios que se exigem aos primeiros chamar-se-ão garantias
penais, e os exigidos para os segundos, garantias processuais.206

De igual entendimento são as afirmações de TERRA, pois ao considerar as


garantias instrumentais e materiais previstas na aplicação da MSE, enquanto garantias
individuais asseguradoras do direito de liberdade, demonstra o quanto estas estabelecem
limites do Estado, em seu proceder, na persecução penal.

Num enfoque do ponto de vista individual de todo cidadão


menor de dezoito anos, trata-se de garantia asseguradora, em
última análise, do direito de liberdade. É, em verdade, uma
explicitação do alcance que tem o direito de liberdade em
relação aos menores de dezoito anos. Exerce uma típica função
de defesa contra o estado, que fica proibido de proceder a
persecução penal.

Trata-se, portanto, de garantia individual, com caráter de


fundamentabilidade, pois diretamente ligada ao exercício do
direito de liberdade de todo cidadão menor de dezoito anos. E
não se pode olvidar que a liberdade sempre está vinculada ao
princípio fundamental da dignidade da pessoa humana,
especialmente em relação às crianças e adolescentes, pois foram
reconhecidos como merecedores de absoluta prioridade da
atenção da família, da sociedade e do Estado, em face da
peculiar condição de seres humanos em desenvolvimento.207

Quando analisamos o significado material da MSE, ou seja, o seu “ser”,


devemos ter em mente os efeitos que ela produz; já que estes são de ordem penal e
sancionatória, resultando para o jovem a mesma reprimenda comportamental que o
adulto vislumbra. Deste modo, a sanção penal do adulto e a MSE se equivalem,
exercendo a mesma função social.

Em sendo sujeito, nunca mais poderá ou deverá ser visto como


sujeito da tutela discricionária e subjetiva do Estado-juiz, mas
sujeito da sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento,

206
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do Garantismo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. p. 74.
207
TERRA, Eugênio Couto. “A idade penal mínima como cláusula pétrea”. In: A razão da idade: mitos e
verdades. 1ª Edição. Coleção Garantias de Direitos. Série Subsídios Tomo VII. Brasília: MJ/SEDH/DCA,
2001. p. 60-61.

95
com a incidência do instrumental garantista em defesa de uma
determinação potencialmente subjetiva e discricionária.208

Distinguem-se, entretanto, em relação ao seu sentido instrumental, ou seja,


seu “dever-ser”, sua finalidade209. Com relação à aplicação da MSE, o critério para
escolha da melhor medida não se assemelha ao critério da pena criminal, pois não se
relaciona com a culpa e sim com os resultados pretendidos com esta aplicação de MSE,
isto porque prevalece a instrumentalidade da pena e não sua retributividade.

Daí que este valor-orientador da diversidade da sanção há de ser


um aspecto educativo, que deve marcar a medida que se aplica
ao autor do fato penal típico, tornando-a mista, sob certo
ângulo, na operação concreta do ‘sopesar de valores
conflitantes’, entre os interesses do adolescente autor do fato
penal típico, de um lado, e da sociedade, de outro.210

É inegável a importância do potencial instrumentalizador de mudanças da


MSE, tanto que o seu tempo de cumprimento está diretamente relacionado ao seu
resultado e à sua ação pedagógica, afinal, ela pretende a

prevenção da recidiva e a reinserção social pela prática de


técnicas pedagógicas, confrontando o adolescente a sua
responsabilidade. [...] A finalidade da medida socioeducativa
pauta-se pela necessidade pedagógica do adolescente.

[...]

A finalidade da medida socioeducativa consiste em abrir


espaços para a obrigatória incidência de práticas pedagógicas. A
medida é o espaço instrumental não só para a prevenção da
delinquência, em resposta ao justo anseio de paz social, mas
também para a inserção familiar e comunitária do jovem
infrator.211

Vemos que apesar da substância da MSE ser penal, sua finalidade é


pedagógica. Pode-se, assim, considerar o principal destinatário desta instrumentalidade
da MSE tanto o executor quanto o aplicador, vinculados aos seus critérios, princípios e
garantias e finalidades, quais sejam: a capacidade de responder à sociedade e sua defesa,

208
KONZEN, Afonso Armando. Pertinência Socioeducativa. Reflexões sobre a natureza jurídica das
medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. p. 64.
209
O estudo da finalidade da pena apresenta-se por meio de diversas teorias que buscam discutir o seu
caráter, punitivo, retributivo, ou reparador; e teorias de justificação que concebem efeitos e finalidades da
pena.
210
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 241.
211
KONZEN, Afonso Armando. Pertinência Socioeducativa. Reflexões sobre a natureza jurídica das
medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. p. 77 e 89.

96
bem como de interferir no desenvolvimento do jovem em conflito com a lei, o
integrando, e o resignificando.
Assim, “a autoridade judiciária deve levar em conta obrigatoriamente as
necessidades pedagógicas, preferindo aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos
familiares e comunitários”.212 A MSE visa dar conta das necessidades pedagógicas do
adolescente, tanto que a autoridade judiciária deve “conformar o autor do ato infracional
com aquela consequência capaz de responder adequadamente às necessidades
pedagógicas reveladas pela infração e pelo estudo das condições pessoais do infrator.”
Devem ser criados e desenvolvidos programas de atendimento que em sua
metodologia educacional visem a inserção social e familiar do jovem em conflito com a
lei.

A finalidade da medida socioeducativa, porque comprometida


com a realização do interesse público na reinserção familiar e
social do autor de ato infracional, deve visar, pela adesão do
adolescente, a convivências pedagógicas, à superação das
causas e consequências da infração, não só pelo aprender a
conhecer e a fazer, mas também pelo aprender a ser e a
conviver. Por isso, a execução da medida socioeducativa
somente tem justificativa se comprometida com a realização do
seu ideal pedagógico.213

Pensando em uma perspectiva freireana – na qual o ser humano está em


constante transformação, podendo sempre “ser mais” –, o jovem é capaz de desenvolver
as suas competências pessoais, relacionais, produtivas e cognitivas, a partir de modelos
de aprendizagem. Neste sentido, cabe recuperar uma importante questão colocada por
KONZEN: “Como educar para o viver em liberdade em ambientes de restrição ou de
privação da liberdade?”214
A resposta pode ser dada a partir dos modelos e métodos pedagógicos215 a
serem utilizados na aplicação da MSE.

212
KONZEN, Afonso Armando. Pertinência Socioeducativa. Reflexões sobre a natureza jurídica das
medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. p. 79.
213
KONZEN, Afonso Armando. Pertinência Socioeducativa. Reflexões sobre a natureza jurídica das
medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. p. 136.
214
KONZEN, Afonso Armando. Pertinência Socioeducativa. Reflexões sobre a natureza jurídica das
medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. p. 81.
215
“Pedagógico é o respeitante à pedagogia. E a pedagogia pode ser entendida como um conjunto de
doutrinas, princípios e métodos de educação e instrução que tendem a um objetivo prático. Pedagogia é a
arte de educar, um conjunto de métodos e técnicas em busca do desenvolvimento pessoal e social. Cabe
ao pedagogo a tarefa de combinar a ação educativa em favor do desenvolvimento do conhecimento,
habilidades, valores e atitudes do educando.” (KONZEN, Afonso Armando. Pertinência Socioeducativa.
Reflexões sobre a natureza jurídica das medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. p. 80.)

97
A busca de uma pedagogia especificamente destinada ao
adolescente autor de ato infracional constitui-se em desafio
permanente dos operadores do sistema de atendimento proposto
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, operadores
responsáveis pela execução das medidas. Boas contribuições
podem ser encontradas em clássicos da pedagogia, cujos
princípios incidem integralmente na pedagogia socioeducativa,
como os métodos defendidos por Paulo Freire [...]216.

O projeto político-pedagógico a ser utilizado na aplicação das MSEs exige,


portanto, uma atuação junto aos adolescentes no sentido de fazê-los experimentar
respostas e construir novas alternativas, devendo estimular a flexibilidade, valorizar o
vivencial, respeitar o diferente.

b. Tipos de medidas socioeducativas

O artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente elenca as medidas


socioeducativas como a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de
serviços à comunidade, a liberdade assistida, a inserção em regime de semiliberdade, a
internação em estabelecimento educacional;e qualquer uma das previstas no Art. 101, I
a VI217.
As seções VI e VII são as que tratam mais especificamente da medida de
internação, possível tanto em regime de semiliberdade como de internação total. A
imposição destas medidas tem como pressuposto a existência de provas da autoria e da
materialidade da infração, tal qual ocorre no direito penal.
O regime de Semiliberdade é aquele no qual o adolescente irá se preparar
para cumprir sua pena em meio aberto; é considerado um regime de transição, pois
possibilita a realização de atividades externas.

Seção VI - Do Regime de Semiliberdade

Art. 120. O regime de semiliberdade pode ser determinado


desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto,

216
KONZEN, Afonso Armando. Pertinência Socioeducativa. Reflexões sobre a natureza jurídica das
medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. p. 81.
217
Com relação a isto existe um forte crítica da doutrina, de que ao inserir nas medidas socioeducativas as
medidas protetivas, volta-se à antiga doutrina da situação irregular, que não separa punição de proteção.
Sendo tal inciso considerado por muitos como inconstitucional. Tal é o posicionamento de MACHADO,
para quem “[...] o inciso VII do artigo 112 do ECA é inconstitucional, por permitir que medidas vagas
sejam impostas pelo Estado como sanção pela prática de fato definido na lei penal como crime. Ou, ao
menos, seria inconstitucional essa interpretação do dispositivo.” MACHADO, Martha de Toledo. A
proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos. São Paulo: Manole, 2003.p.
227.

98
possibilitada a realização de atividades externas,
independentemente de autorização judicial.

§ 1º São obrigatórias a escolarização e a profissionalização,


devendo, sempre que possível, ser utilizados os recursos
existentes na comunidade.

§ 2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se,


no que couber, as disposições relativas à internação.

Como definida no artigo 120, a semiliberdade também é considerada uma


medida privativa de liberdade. MACHADO que sustenta semelhante posição, afirma
que independentemente da precária conceituação da medida na lei, ela se assemelha ao
“regime aberto” da lei de execução penal.

Digo que ela é privativa de liberdade porque no aspecto de


constrição de liberdade assemelha-se bastante ao ‘regime
aberto’ da pena criminal privativa de liberdade. Mas o ECA não
reconhece expressamente que a semiliberdade é sanção
privativa de liberdade, o que leva alguns a classificá-la como
uma medida meramente restritiva de liberdade.218

Por sua vez a internação é a medida privativa de liberdade sujeita aos


princípios de brevidade, de excepcionalidade e de respeito à condição peculiar do
adolescente em conflito com a lei como pessoa em desenvolvimento.

Seção VII - Da Internação

Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade,


sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito
à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Neste modelo de regime é permitida a realização de atividades externas


(salvo expressa determinação judicial em contrário). A medida de internação também
não comporta prazo determinado, devendo, a cada seis meses, ser reavaliada a sua
manutenção.

O prazo máximo cominado em lei é de três anos, em relação a


todas essas três sanções. Em relação à internação e à
semiliberdade por norma expressa: artigo 121, §3º, quanto à
primeira, e esse dispositivo combinado ao parágrafo 2º do artigo
120, quanto à segunda. Já em relação à liberdade assistida, por
aplicação analógica do mesmo dispositivo, já que não há norma
específica e a CF, por força da reserva legal, impede a
existência de pena completamente indeterminada, para
considerar o mínimo do conteúdo da reserva legal, e a sanção
218
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 358.

99
socioeducativa não deixa de contemplar, em boa medida, esse
caráter de pena como já abordado.219

Importante frisar que este tipo de medida socioeducativa não poderá em


nenhuma hipótese ultrapassar o período de três anos, caso este limite seja atingido, o
adolescente será ser liberado e colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade
assistida.

No sistema do ECA, a internação, a semiliberdade e a


liberdade assistida não ‘comportam prazo determinado’, no
sentido de que o tempo de duração delas não é condicionada
pela imposição da sentença, nem quanto a limite temporal
mínimo, nem quanto ao máximo. Quanto às duas primeiras, a
lei expressamente assim o reconhece, como se vê dos artigos
121, §2º, e 120, §2º; quanto à liberdade assistida, assim também
decorre, na medida em que embora o parágrafo 2º do artigo 118
mencione o ‘prazo mínimo’ de seis meses, em seguida esclarece
que este pode ser prorrogado, sem indicação de quaisquer
parâmetros para tal prorrogação.220

O artigo 121, e §§s do ECA que dispõe sobre a possibilidade de realização


destas atividades (§ 1º); o fato de a medida não comportar prazo determinado, devendo
sua manutenção ser reavaliada a cada seis meses (§ 2º); a impossibilidade de a
internação exceder três anos (§ 3º); e a liberação compulsória aos vinte e um anos de
idade (§ 5º). A internação somente deverá ser aplicada em casos extremos tal como
disposto pelo art. 122 do ECA:

Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada


quando:

I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça


ou violência a pessoa;

II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida


anteriormente imposta.

§ 1o O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo


não poderá ser superior a 3 (três) meses, devendo ser decretada
judicialmente após o devido processo legal.

§ 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo


outra medida adequada.

219
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 353.
220
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 352.

100
A internação deve ocorrer em local específico, exclusivo para adolescentes,
devendo ser uma preocupação do estabelecimento a separação por critérios de idade, a
gravidade da infração, entre outras peculiaridades dos adolescentes.
Os artigos 123 e 124 dispõem sobre as condições de internação e os direitos
do adolescente em conflito com a lei em privação de liberdade:
Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui
motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio
poder poder familiar. (Expressão substituída pela Lei nº 12.010,
de 2009) Vigência

Parágrafo único. Não existindo outro motivo que por si só


autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será
mantido em sua família de origem, a qual deverá
obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio.

Art. 24. A perda e a suspensão do poder familiar serão


decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos
casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de
descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que
alude o art. 22

No que toca à garantia dos demais direitos do adolescente privado de


liberdade, deve-se observar o parágrafo único do artigo 123 que diz, expressamente, que
durante o período de internação, inclusive provisória, “serão obrigatórias atividades
pedagógicas”, de modo que a especificidade da privação de liberdade “não se restringe
aos direitos-garantias de brevidade e excepcionalidade dela, mas diz respeito também à
própria ‘essência’ da medida privativa de liberdade; a redação dada ao dispositivo
constitucional, que une o comendo final aos dois primeiros pela conjunção aditiva,
somente pode significar que a privação da liberdade, em si mesma, há de ter uma marca
distintiva em relação àquela aplicada aos adultos”.221
Tendo por base a especificidade da privação de liberdade dos adolescentes
em conflito com a lei, passaremos a analisar a sua eficácia, já que destinada a seres em
desenvolvimento e beneficiários de todo um sistema especial de proteção e prioridade.

221
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 242-243.

101
c. A eficácia das medidas socioeducativas

Muito se discute sobre a eficácia das medidas socioeducativas,


principalmente no que se refere a privação de liberdade. A pesquisadora VICENTIN222
ao realizar um estudo sobre o histórico de resistência empreendida pelos jovens internos
da Febem-SP, tratando das rebeliões da pobreza verificou a repetição da frase “não
nasci para semente”, que demonstrando a situação-limite em que vive o adolescente em
conflito com a lei e a infração enquanto uma “recusa de reconhecimento simbólico
desses jovens, ante o desprezo e indiferença a que estão submetidos (mais acentuadas
ainda ante as desigualdades sociais do cenário brasileiro)” sendo realizado um
deslocamento do adolescente para a busca por reconhecimento e autonomia223.
De igual posicionamento o estudo realizado por VIOLANTE, para quem o
“modo marginal de sobrevivência” do adolescente em conflito com a lei são construídos
ideologicamente de forma a significar e “dissimular as reais relações de força no modo
de produção capitalista”, tais comportamentos são “manifestações e não causa de sua
condição de vida marginal”, conforme transcrevemos:

São manifestações de revolta, de insubmissão às condições de


vida que lhe são socialmente impostas. Não podem ser
considerados comportamentos revolucionários porque se dão ao
nível individual, competitivo, de modo desorganizado,
demonstrando o limite possível da consciência desses
indivíduos e a presença de crenças e valores dominantes. Não
são, por isso, comportamentos transformadores de sua condição
de vida, senão mantenedores. Não são a causa da desordem
social, mas se constituem na sua denúncia.224

Estudos mostram que o ato infracional deriva de uma busca por inclusão e
reconhecimento, ou seja, dentro do dilema do decente malandro, no qual o “ser decente”
significa ser aceito socialmente, mas marcado uma vez que acomodado dentro de suas

222
VICENTIN, Maria Cristina G.onçalves. A vida em Rebelião. Jovens em conflito com a Lei. São Paulo:
Hucitec: Fapesp, 2005. p. 210.
223
Em seu estudo, VICENTIN recorre a Carmen de Oliveira, que enfatiza no ato infracional “sua
dimensão de resposta à omissão social em um país de ‘direitos virtuais’. Ele configura-se como recusa
recíproca de integração: a marginalização que a sociedade dirige à juventude de periferia se faz
acompanhar de recusa destes jovens aos parâmetros socialmente aceitos. O delito expressaria, então, essa
‘zona de vazio para a participação na vida pública’, onde os adolescentes são ‘fortemente convocados ao
palco principal do cenário contemporâneo’, mas ‘sem usufruir as prerrogativas da cidadania’(OLIVEIRA,
Carmen de. Sobrevivendo no inferno. A violência juvenil contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2001, p.
99; apud VICENTIN, Maria Cristina Gonçalves. A vida em Rebelião. Jovens em conflito com a Lei. São
Paulo: Hucitec: Fapesp, 2005. p. 200.)
224
VIOLANTE, Maria Lucia. O dilema do decente malandro. São Paulo: Cortez - Autores Associados,
1982, p. 186. apud VICENTIN, Maria Cristina Gonçalves. A vida em Rebelião. Jovens em conflito com a
Lei. São Paulo: Hucitec: Fapesp, 2005. p. 200.)

102
condições marginais de sobrevivência; “ser malandro” significa ser respeitado pelo
grupo, em razão de sua insubmissão às suas condições de existência.
Pesquisa de doutorado em serviço social realizada por GUARÁ nos mostra
que a situação de exclusão social de grande parcela dos jovens em conflito com a lei,
são conformadas por elementos históricos, culturais e sociais, sendo responsáveis pelas
contradições e instabilidades (pessoal, social e moral) destes indivíduos. Isto é, estes
adolescentes não vivenciam situações que promovam seu desenvolvimento, o qual já é
prejudicado em virtude das condições sociais que estes se encontram225.
Assim, se a MSE institucionaliza o adolescente, privando-o de desenvolver
interseções com o mundo exterior, este pode acabar criando mecanismos de resistência
para cumprir a MSE sem vivenciá-la em seu caráter pedagógico; estabelecendo laços
que o mantêm em “relação de subordinação e de dependência pelo resto da Vida”.226
Nas palavras de RASSIAL, um dos desafios da MSE é pensar como
mobilizar os jovens em conflito com a lei à uma “rebeldia ativa e como gerenciar novas
formas de lidar com a liberdade que não seja o modelo ‘fora-da-lei’.”227 Desafio que
pode ser viabilizado através da ação pedagógica, a qual também pode auxiliar a
minimizar para o jovem, o “grau de angústia e de sofrimento decorrente da perda ou da
restrição da liberdade.”228

2. O sistema de cumprimento de medidas socioeducativas.


No presente trabalho como trataremos da educação em estabelecimentos de
privação de liberdade, manteremos nossas atenções à medida de internação que retira o
adolescente em conflito com a lei do convívio com a sociedade, visando sua posterior
reinserção ao meio familiar e comunitário, bem como o seu aprimoramento profissional
e intelectivo.
O atendimento à criança e ao adolescente no Brasil mudou com o advento
do Estatuto da Criança e do Adolescente, que trouxe a Doutrina da Proteção Integral, no
lugar da Doutrina da Situação Irregular, que não reconhecia direitos às crianças e
adolescentes.
225
GUARÁ, Isa M. F. da Rosa (2000). “O crime não compensa, mas não admite falhas: padrões morais
de jovens autores de infração”. Doutorado em Serviço Social. São Paulo: PUC-SP. p. 224.
226
SILVA, Roberto da. Os filhos do governo. A formação da identidade criminosa em crianças órfãs e
abandonadas. São Paulo: Ática, 1997, p. 173.
227
RASSIAL, apud OLIVEIRA, Carmen Silveira de. Sobrevivendo no inferno. A violência juvenil
contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2001, p. 100.
228
KONZEN, Afonso Armando. Pertinência Socioeducativa. Reflexões sobre a natureza jurídica das
medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. p. 92.

103
Conforme já mencionado, apesar de o ECA possuir um sistema de execução
de MSEs, ele preocupou-se apenas elencar as medidas e as garantias com relação aos
adolescentes em conflito com a lei, mas não em esmiuçar a correspondência entre o
crime/delito praticado e a medida a ser imposta. No sistema do ECA o sistema trifásico
e a dosimetria da pena não são aplicados, não havendo delimitação legal quanto à
sanção imposta, à sua duração, e ao cumprimento.

O juiz deve simplesmente fixar qual sanção incide no caso


concreto, escolhendo, por exemplo, entre a liberdade assistida, a
semiliberdade ou a internação. Mas a lei não impõe que ele
concretize, delimite na sentença, a duração da sanção escolhida.
Ao contrário, a lei estabelece que esta sanção ‘não comporta
prazo determinado’.

Mas, em atenção aos comandos constitucionais da brevidade –


noção que, em alguma medida, veio especificada na lei
ordinária – e de determinabilidade da sanção ínsitos na reserva
legal, o que a lei faz é impor o prazo máximo de duração de
cada sanção cominada e impor a reavaliação da necessidade de
manutenção da sanção periodicamente.229

Com a criação do SINASE, o cumprimento da MSE passou a ser mais


delimitado. Entretanto, ainda são diversas as lacunas quanto ao fornecimento
educacional na privação de liberdade e ao acompanhamento do adolescente.

e. O espaço prisional destinado ao cumprimento de medidas


socioeducativas de internação

Como o escopo de nossa pesquisa se restringe ao trato do direito


fundamental à educação dos adolescentes que se encontram em privação de liberdade,
nossa preocupação é esmiuçar as medidas socioeducativas de semiliberdade e de
internação, bem como os espaços de cumprimento destas.
A função ordenadora do Direito a partir do preceito ‘dar a cada um o que lhe
é de devido’ exige, para observância do ordenamento jurídico do Estado Democrático
de Direito e do interesse social, que o desvio e a infração sejam sancionados. Porém
como a adolescência é um período na vida do indivíduo, no qual ele ainda está
formando sua personalidade, com possibilidade de autotransformação do próprio
comportamento, o legislador busca preservar o desenvolvimento adequado de sua

229
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos
humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 353.

104
personalidade (cuja maior vulnerabilidade deve ser observada) e afastá-lo das
consequências negativas da privação da liberdade, devendo a resposta estatal ao crime
praticado por adolescente, ainda que contemple a privação de liberdade, ser excepcional
e breve (direito à excepcionalidade e à brevidade da privação de liberdade).
A prisão, cadeia ou cárcere é o espaço institucional que simboliza o direito
de punição do Estado. Esta teve diferentes utilizações desde que foi implantada no
Brasil, servindo como alojamento de escravos e ex-escravos, abrigo para crianças e
adolescentes abandonados e/ou infratores, abrigo para doentes mentais, local de
encarceramento de inimigos políticos, infratores da lei penal, criminosos,
contraventores.
Segundo PEDROSO:

A análise da dinâmica da existência do preso e das prisões está


diretamente ligada à constituição do poder de Estado. O
criminoso ameaça as instituições legais com seu
comportamento anormal, infringindo regras estabelecidas para o
bom ordenamento social, tendo no castigo a sua forma de
punição. O Estado utiliza suas atribuições penais para
circunscrever, ou melhor, “desterritorializar” o criminoso do
convívio dos demais. O espaço da prisão é, por esta razão,
construído para esse fim: um território novo, com regras
novas.230

Em 1970, FOUCAULT já destacava que:

Publicam-se poucas informações sobre as prisões; é uma das


regiões escondidas de nosso sistema social, uma das caixas-
preta de nossa vida. Temos o direito de saber, nós queremos
saber [...]. Propomo-nos a fazer saber o que é uma prisão: quem
entra nela, como e por que se vai parar nela, o que se passa ali,
o que é a vida dos prisioneiros e, igualmente, a do pessoal de
vigilância, o que são os prédios, a alimentação, a higiene, como
funcionam o regulamento interno, o controle médico, os ateliês;
como se sai dela e o que é, em nossa sociedade, ser um daqueles
que dela saiu.231

Com o encarceramento, espera-se a punição e a reeducação do infrator


simultaneamente à proteção da sociedade, dentro da ideia de aprisionamento enquanto
prevenção. Em que pese a medida socioeducativa prevista no ECA e no SINASE ter
caráter educativo e não punitivo, o que poria por chão a ideia da “prevenção social”,

230
PEDROSO, Regina Célia. Os signos da Opressão. História e Violência nas prisões brasileiras.
Coleção Teses e Monografias vol. 05. Arquivo do Estado Imprensa Oficial do Estado – São Paulo, 2003.
231
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. História da violência nas prisões. 35ª.
edição, tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. p. 2.

105
vemos na aplicação da MSE a forte relação entre o tempo de encarceramento do jovem
e a gravidade da infração por ele cometida. Para SÁ:

Ao ser atingido em sua liberdade, pela condenação, o


sentenciado está sendo privado de certa quantidade de um
definido bem jurídico, a liberdade, correspondente a dias, meses
ou anos de prisão. O tempo de privação de liberdade ou estada
na prisão é proporcional ao mal produzido pela ação ou omissão
criminosa.232

Analisando a privação de liberdade a partir da prisão e sua evolução ao


longo da história, vemos que o sistema punitivo-repressivo sofreu diversas modificações
a partir do século XVIII. As práticas de tratamento do réu como a condenação à morte
na fogueira e os castigos físicos foram substituídos pela pena privativa de liberdade,
surgindo ai o esboço do sistema penitenciário tal como o conhecemos atualmente.
No Brasil, a pena da prisão foi regulamentada pela Constituição do Império
do Brasil de 1824, sofrendo o acréscimo de diversas leis, decretos e códigos. Sob forte
influência europeia, a Constituição de 1824 regulamentou os direitos do encarcerado
trazendo alterações referentes às práticas punitivas e às discussões sobre penalogia
brasileira.
As principais mudanças ocorridas no sistema prisional brasileiro se referem
ao direito reservado para a defesa do acusado, à conduta policial relativa ao
aprisionamento do réu e aos direitos elementares que impediriam, ao menos
teoricamente, os excessos da lei. Interessante notar que mesmo com estas mudanças,
cujo objetivo era reduzir os excessos das penas, o Código Criminal promulgado em
1830 possuía a pena de morte entre suas penalidades corporais, sendo esta abolida
somente pelo Código Penal de 1890.
Com o passar dos anos, a pena restritiva de liberdade tornou-se a regra
geral, sendo, primeiro, forma de punição, e, posteriormente, forma de regeneração do
indivíduo condenado pela Lei. O universo carcerário, igualmente, passou por diversas
formas de punição aplicadas a diversos tipos de crimes e contravenções todas com
justificativas adequadas a interesses políticos e sociais.
PEDROSO é enfática ao afirmar a existência da institucionalização de
mecanismos repressivos:

232
SÁ, Geraldo Ribeiro de. A prisão dos Excluídos. Origens e Reflexões sobre a Pena Privativa de
Liberdade. Rio de Janeiro: Diadorim Editora Ltda.,1996. p. 111.

106
A institucionalização de mecanismos repressivos sobre as
camadas excluídas também é de longa data no Brasil. Prisões
arbitrárias, torturas, raptos, maus tratos, descasos, perseguições,
ou simplesmente a opressão detectada na prisão, representavam
nitidamente o poder do Estado sobre a população
marginalizada.233

Cumpre transcrever rapidamente o histórico que ela faz da prisão no Brasil:

A primeira menção à prisão no Brasil é dada no Livro V das


Ordenações Filipinas do Reino, que decreta a Colônia como
presídio de degredados. A pena era aplicada aos alcoviteiros,
culpados de ferimentos por arma de fogo, duelo, entrada
violenta ou tentativa de entrada em casa alheia, resistência a
ordens judiciais, falsificação de documentos e contrabando de
pedras e metais preciosos.

A utilização do território colonial como local de cumprimento


das penas se estende até 1808, ano marcado por mudanças
significativas rumo à autonomia legal e aos anseios de
modernidade, tão em voga naqueles tempos.

A instalação da primeira prisão brasileira é mencionada na


Carta Régia de 1769, que manda estabelecer uma casa de
correção no Rio de Janeiro.

Segundo os rumos da jurisprudência em todo o mundo, a


implantação de um sistema prisional se fazia necessária no
Brasil. A assimilação da nova modalidade penal se fez pela
Constituição de 1824, que estipulou as prisões adaptadas ao
trabalho e separação dos réus: pelo Código Criminal de 1830,
que regularizou a pena de trabalho e a de prisão simples e pelo
Ato Adicional, de 12 de agosto de 1834, de importância
fundamental, que deu às Assembleias Legislativas provinciais o
direito sobre a construção de casas de prisão, trabalho, correção
e seus respectivos regimes.234

Vemos que desde o estabelecimento da primeira prisão brasileira (uma casa


de detenção), mencionada na Carta Magna de 1769, muitos anos se passaram para que
se começasse a mencionar a necessidade de adaptações e da regularização do trabalho.
A privação da liberdade com obrigação de trabalho foi recomendada como o melhor
meio de reabilitação de criminosos, tanto que o Código Criminal do Império acolheu
duas espécies de penas: a prisão simples e a prisão com trabalho, variando a duração de

233
PEDROSO, Regina Célia. Os signos da Opressão. História e Violência nas prisões brasileiras.
Coleção Teses e Monografias vol. 05. Arquivo do Estado Imprensa Oficial do Estado – São Paulo, 2003.
p. 43.
234
PEDROSO, Regina Célia. Os signos da Opressão. História e Violência nas prisões brasileiras.
Coleção Teses e Monografias vol. 05. Arquivo do Estado Imprensa Oficial do Estado – São Paulo, 2003.
p. 61

107
ambas conforme a penalidade aplicada, desde a prisão perpétua até a reclusão de alguns
dias. Isto porque, a prisão, sob uma visão utópica, tinha como suas principais metas:

Modificar a índole dos detidos através da recuperação dos


prisioneiros; reduzir o crime, a pobreza e a insanidade social;
dirigir suas finalidades para a cura e a prevenção do crime; e
235
reforçar a segurança e a glória do Estado.

Em que pese à existência de objetivos tão nobres, os órgãos públicos pouco


se interessavam pela administração penitenciária, segundo estudos realizados por
PEDROSO236 que nos mostra que “[...] o mau gerenciamento foi uma das causas que
desde a implantação dos cárceres em território brasileiro, impediu que os objetivos
fossem atingidos, ou seja, o de transformar o condenado em uma “nova pessoa”.
Com advento da República surgiu um novo estatuto regulador, a
Constituição, a qual alterou o sistema de penalidades anteriormente estabelecido,
abolindo as penas de morte, de desterro e de galés e adotando a prisão celular como
base do novo regime político, mais condizente com os objetivos republicanos do
governo. Ocorre que mesmo com estas modificações paradigmáticas das penas, os
estabelecimentos prisionais ainda estão muito aquém dos objetivos da pena e do Estado
Democrático de Direito que o Brasil se propõe a ser.
No final do século XIX e início do século XX já havia casas públicas de
custódia para crianças e adolescentes. A criação da Funabem e das Febens estaduais,
por volta da década de 1960, fez com que o Poder Público interferisse no acolhimento
de crianças e adolescentes abandonados ou em conflito com a lei 237, ampliando o
atendimento e, consequentemente, a institucionalização de crianças e adolescentes
carentes.

235
PEDROSO, Regina Célia. Os signos da Opressão. História e Violência nas prisões brasileiras.
Coleção Teses e Monografias vol. 05. Arquivo do Estado Imprensa Oficial do Estado – São Paulo, 2003.
p. 74.
236
PEDROSO, Regina Célia. Os signos da Opressão. História e Violência nas prisões brasileiras. Coleção
Teses e Monografias vol. 05. Arquivo do Estado Imprensa Oficial do Estado – São Paulo, 2003. p. 74.
237
“É que o sistema jurídico anterior, pré-constituição de 1988, além de figurar crianças e adolescentes
como objeto das relações jurídicas do cidadão pai-patrão, na expressão de Ferrajoli, e não como sujeito de
direitos especiais em face do mundo adulto, orientava-se, simultaneamente, pela cisão entre duas
categorias distintas de crianças e adolescentes: a infância normal (infância família, infância escola,
infância protegida e fruindo os bens materiais e culturais socialmente produzidos) e a infância desviante
(infância não família, não escola, infância desassistida, não fruindo desses bens, e fundida num conceito
jurídico de carência-delinquência); ao primeiro grupo aplicava-se um conjunto de regras, o até chamado
direito de família, e ao segundo outro conjunto de regras, o chamado direito do menor, que se apropriava
de algumas noções daquele, mas que configurava um corpo próprio de normas e se aplicava
exclusivamente ao segundo grupo.” (MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de
crianças e adolescentes e os direitos humanos. São Paulo: Manole, 2003. p. 146)

108
Analisando o sistema de atendimento a crianças e adolescentes, nos
deparamos com um histórico de omissões estatais no que diz respeito à implantação de
políticas públicas relacionadas aos internos e suas peculiaridades. As omissões foram
tantas que relatório da ONU para a Tortura, feito por Nigel Rodley, em sua missão
oficial ao Brasil no ano de 2000, revelou diversos casos de tortura e omissões relativas a
direitos fundamentais principalmente no que se refere a estabelecimentos prisionais:

Como observou Nigel Rodley, relator especial da ONU sobre o


tema tortura, em visita oficial ao Brasil, não é razoável tratar os
adolescentes como animais, para posteriormente devolvê-los à
sociedade com a pretensão de terem se tornado “pessoas
reintegradas e civilizadas”. Tal sistemática não constitui uma
medida de combate à criminalidade, mas, ao revés, constitui
medida de estímulo à criminalidade.238

O sistema penal juvenil representa uma instituição que não cumpre suas
funções manifestas e se caracteriza totalizante e despersonalizadora, tornando a
violência um instrumento de troca.
Apesar de a Constituição Federal impor ao Estado, responsável pela
manutenção da unidade prisional, o dever de conferir aos internos condições mínimas
de existência digna, e do ECA prever, expressamente, em seu artigo 125239 que é dever
do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, este ainda se mostra
omisso em muitas de suas necessidades fundamentais, sendo a dignidade apenas uma
expectativa distante para a maioria deles.
Os jovens em conflito com a lei no Brasil são submetidos a uma condição
de invisibilidade, que, ao mesmo tempo em que é sintomática, legitima e intensifica as
marcas de desigualdades econômicas, raciais e de gênero aos quais diversas pessoas são
submetidas na sociedade brasileira.
Para que se compreenda as razões desse permanente descumprimento das
disposições legais, em especial, por parte das instituições responsáveis justamente por
sua aplicação, deve-se ter em conta a cultura predominante no país de desrespeito à
estrutura legal vigente, sobretudo quando ela se refere à atribuição de direitos a
segmentos populacionais menos favorecidos. Fato que não deixa de representar uma
contundente negativa do Estado brasileiro em reconhecer os direitos civis dessas

238
PIOVESAN, Flávia. “A inconstitucionalidade da redução da maioridade penal”. In: A razão da idade:
mitos e verdades. 1ª Edição. Coleção Garantias de Direitos. Série Subsídios Tomo VII. Brasília:
MJ/SEDH/DCA, 2001. p. 73-74.
239
Art. 125. É dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as
medidas adequadas de contenção e segurança.

109
populações num fenômeno característico da organização social e política brasileira
denominada, por CALDEIRA,240 democracia disjuntiva241.
A invisibilidade permanece mesmo com o crescente número de indivíduos
que se encontram no sistema prisional. Conforme dados da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, em 5 de setembro de 2000, o Centro pela Justiça e o Direito
Internacional – CEJIL, apresentou à CIDH petição242 contra a República Federativa do
Brasil na qual denunciou violação dos artigos 4, 5, 19, 8 e 25 da Convenção Americana
no que toca ao direito à vida, à integridade física, à proteção especial à infância, às
garantias judiciais e à recurso judicial, bem como a violação do artigo 13 do Protocolo
de San Salvador, que versa sobre o direito à educação, em prejuízo dos
adolescentes acusados de cometerem infrações penais, custodiados nas unidades da
Fundação do Bem Estar do Menor (FEBEM), no Estado de São Paulo.
Dados que revelam o quão necessário se faz voltarmos nossa atenção à
população jovem, principalmente com relação aqueles que se encontram em privação de
liberdade, uma vez que o Estado brasileiro ainda não tem garantido condições
adequadas para o cumprimento de pena de privação de liberdade nas instituições
fechadas no país.
Concluímos que a questão prisional, problema político que é, exige que toda
a sociedade civil se posicione, principalmente partidos políticos, imprensa, entidades
religiosas, sindicatos e movimentos sociais.

f. O sistema de cumprimento de medida socioeducativa de internação

A lei nº. 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que institui o Sistema Nacional


de Atendimento Socioeducativo (SINASE), possui conteúdo considerado garantista243;
ela é a responsável pela regulamentação da execução das medidas destinadas a
adolescentes que pratiquem ato infracional. Ele consagra o conjunto ordenado de
princípios, regras e critérios que envolvem a execução de MSEs, os sistemas estaduais,

240
CALDEIRA, Teresa P. do Rio. Cidade de Muros: Crime, Segregação e Cidadania em São Paulo. São
Paulo: Editora 34/Edusp, 2000.
241
Para Caldeira a expansão da cidadania política, através do processo de transição democrática, se
desenvolveu junto com a deslegitimação da cidadania civil e a emergência de um espaço público
fragmentado e segregado, por isso o caráter disjuntivo desse processo de democratização.
242
http://www.cidh.oas.org/annualrep/2002port/brasil12328.htm - Acesso em 10.10.2012.
243
Garantismo Penal – [...] Modelo normativo de direito que obedece a estrita legalidade, típico do Estado
Democrático de Direito, voltado a minimizar a violência e maximizar a liberdade, impondo limites à
função punitiva do Estado.[...] (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008).

110
distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de
atendimento a adolescente em conflito com a lei.

Fonte: SINASE/ Secretaria Especial dos Direitos Humanos – Brasília-DF: CONANDA, 2006.

O SINASE também elenca um extenso rol de direitos e consoantes com as


principais recomendações internacionais na área. Dispondo sobre os direitos como
saúde, educação, assistência social, exercício do trabalho e de atividades intelectuais,
ele trata também da obrigação do Estado em oferecer condições materiais à execução
desses direitos.

Fonte: SINASE/ Secretaria Especial dos Direitos Humanos – Brasília-DF: CONANDA, 2006.

Conforme já mencionamos, o cumprimento da medida, tal como disposto no


art. 123 do ECA, será em entidade exclusiva para adolescentes, local distinto daquele

111
destinado ao abrigo244, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição
física e gravidade da infração. Sendo obrigatórias as atividades pedagógicas.
O sistema reafirma a diretriz do Estatuto sobre a natureza pedagógica da
medida socioeducativa, assim, a execução das MSEs é regida por princípios como
legalidade, excepcionalidade da intervenção judicial (preferência pela autocomposição
de conflitos); prioridade a práticas restaurativas; proporcionalidade; brevidade da
medida; individualização (conforme idade, capacidades e circunstâncias pessoais do
jovem); fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo
socioeducativo, entre outros.

A implementação do SINASE objetiva primordialmente o


desenvolvimento de uma ação socioeducativa sustentada nos
princípios dos direitos humanos. Defende, ainda, a ideia dos
alinhamentos conceitual, estratégico e operacional, estruturada,
principalmente, em bases éticas e pedagógicas.245

O processo socioeducativo é composto por instrumentos que se completam


para auxiliarem a resignificação do adolescente em conflito com a lei.
O SINASE busca concretizar essa comunidade socioeducativa através da
gestão participativa (com a participação de todos nas deliberações); realização de
diagnóstico situacional dinâmico e permanente (da situação do programa de
atendimento); realização de assembleias (com a participação dos adolescentes e das
famílias – quando necessário); criação de comissões temáticas ou grupos de trabalho
(buscando solucionar questões levantadas no diagnóstico); realização de avaliação
participativa; criação de rede interna institucional (funcionamento articulado dos
diferentes setores do programa); criação de rede externa (articulação com parceiros
envolvidos na promoção do adolescente); existência de equipes técnicas
multidisciplinares (agentes de diferentes áreas do conhecimento e especialidades);

244
Tão nítida essa clivagem básica que a lei buscou introduzir, e que está intimamente presa à estrita
observância da reserva legal, que o sistema preocupou-se em dispor expressamente no parágrafo único do
artigo 101 que o abrigo não pode consubstanciar privação de liberdade, expressão utilizada na sua
acepção estrita de cárcere, de prisão, eis que senão restaria o dispositivo desprovido de qualquer conteúdo
e a lei, como é basilar, não contém expressões ou disposições inúteis.” (MACHADO, Martha de Toledo.
A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos. São Paulo: Manole, 2003. p.
212-213)
245
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE/ Secretaria Especial dos Direitos
Humanos – Brasília-DF: CONANDA, 2006.p. 16.

112
criação de um projeto pedagógico e de uma rotina da unidade e/ou programa de
atendimento246.
Assim, a ação socioeducativa deverá respeitar as fases de desenvolvimento
do adolescente – considerando suas potencialidades, sua subjetividade, suas capacidades
e suas limitações – buscando garantir a particularização de seu acompanhamento. Para
isto será criado o Plano Individual de Atendimento (PIA) previsto no SINASE como um
instrumento pedagógico que garante a imparcialidade e a equidade no processo
socioeducativo, uma vez que o desenvolvimento institucional do adolescente internado
está diretamente ligado às conquistas das metas por ele estabelecidas.
A elaboração do PIA – importante ferramenta no acompanhamento da
evolução pessoal e social do adolescente – se inicia na acolhida do adolescente no
programa de atendimento com a realização de um diagnóstico polidimensional nas áreas
jurídica, de saúde, psicológica, social e pedagógica. Então é realizado pelos técnicos o
plano individual de atendimento, estabelecendo metas e compromissos247, os quais
devem ser constantemente pactuados com o adolescente e sua família durante o
cumprimento da MSE.
Os parâmetros da ação socioeducativa estão organizados em 8 eixos
estratégicos: (1) suporte institucional e pedagógico; (2) diversidade étnico-racial, de
gênero e de orientação sexual; (3) cultura, esporte e lazer; (4) saúde; (5) escola; (6)
profissionalização/trabalho/previdência; (7) família e (8) comunidade e segurança.
Com relação ao eixo educacional do PIA, o SINASE estabelece como
obrigação comum, a todas às entidades e programas que executam a internação
provisória e as MSEs, a garantia do fornecimento educacional (acesso à educação)
através de parcerias com órgãos do Executivo, da criação de estrutura e organização
escolar. Vejamos:

1) consolidar parcerias com Órgãos executivos do Sistema de


Ensino visando o cumprimento do capítulo IV (em especial os
artigos 53, 54, 56, e 57) do ECA e, sobretudo, a garantia de
regresso, sucesso e permanência dos adolescentes na rede
formal de ensino;

2) redirecionar a estrutura e organização da escola (espaço,


tempo, currículo) de modo que favoreça a dinamização das
246
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE/ Secretaria Especial dos Direitos
Humanos – Brasília-DF: CONANDA, 2006.p. 41-42.
247
As metas são relativas à escolarização, profissionalização, cultura, lazer e esporte, oficinas e
autocuidado, devendo enfocar interesses, potencialidades, dificuldades, necessidades, avanços e
retrocessos.

113
ações pedagógicas, o convívio em equipes de discussões e
reflexões e que estimulem o aprendizado e as trocas de
informações, rompendo, assim, com a repetição, rotina e
burocracia;

3) propiciar condições adequadas aos adolescentes para a


apropriação e produção do conhecimento;

4) garantir o acesso a todos os níveis de educação formal aos


adolescentes inseridos no atendimento socioeducativo de
acordo com sua necessidade;

5) estreitar relações com as escolas para que conheçam a


proposta pedagógica das entidades e/ou programas que
executam o atendimento socioeducativo e sua metodologia de
acompanhamento aos adolescentes;

6) desenvolver os conteúdos escolares, artísticos, culturais e


ocupacionais de maneira interdisciplinar no atendimento
socioeducativo; e

7) permitir o acesso à educação escolar considerando as


particularidades do adolescente com deficiência, equiparando as
oportunidades em todas as áreas (transporte, materiais didáticos
e pedagógicos, equipamento e currículo, acompanhamento
especial escolar, currículo, capacitação de professores,
instrutores e profissionais especializados, entre outros) de
acordo com o Decreto nº 3.298/99.”248

A importância do SINASE e de seus instrumentos (a exemplo do PIA) para


a aplicação de MSE é bastante clara. Um diagnóstico do Departamento de
Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (DMF/CNJ249), através do
“Programa Justiça ao Jovem”, nos mostra, em seu Gráfico 24, o percentual de aplicação
do PIA nos processos por ele analisados.

248
Sistema Nacional De Atendimento Socioeducativo -SINASE/ Secretaria Especial dos Direitos
Humanos – Brasília-DF: CONANDA, 2006.p. 59.
249
O Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de
Medidas Socioeducativas (DMF) foi criado pela Lei n. 12.106, de 2 de dezembro de 2009.

114
Fonte: DMF/CNJ - Elaboração: DPJ/CNJ

Podemos observar que apenas 5% dos processos analisados tem informação


quanto à aplicação do PIA para os adolescentes, de modo que em 77% dos processos o
plano não é aplicado. O PIA é mais utilizado na Região Sul (33% de aplicação),
enquanto nas demais regiões o índice mais alto é de 4%, na Região Norte.
Verifica-se, que, na prática, o PIA ainda não é aplicado aos processos de
internação dos adolescentes em conflito com a lei, conforme prevê o SINASE, sendo
uma significativa perda para o cumprimento da MSE e obtenção de seus objetivos.

g. O Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente –


Fundação CASA-SP

Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA) é o novo


nome que se dá à conhecida Fundação de Bem Estar do Menor (FEBEM). A Fundação
CASA tenta romper com o histórico de violações que estava relacionado à FEBEM,
cujas rebeliões e noticias de violência estiveram muito presentes na mídia no final dos
anos 90 e início de 2000.
A Fundação CASA é uma instituição vinculada à Secretaria de Estado da
Justiça e da Defesa da Cidadania, criada por meio de lei sancionada em 22 de dezembro
de 2006 pelo então governador Cláudio Lembo. Sua missão primordial é a aplicação de
medidas socioeducativas, conforme as diretrizes e normas previstas no ECA e no
SINASE. Ela presta assistência a jovens de 12 a 21 anos incompletos em todo o Estado

115
de São Paulo inseridos em medidas socioeducativas de privação de liberdade
(internação) e semiliberdade aplicadas de acordo com o tipo de ato infracional e a idade
dos adolescentes.
O Estado de São Paulo possui 141 unidades da Fundação CASA com uma
população de mais de 8.333 internos. Destes 59 estão em atendimento inicial, 2.337 em
internação provisória, 5.3579 em internação e 560 em semiliberdade250. Os internos se
encontram distribuídos nos seguintes tipos de estabelecimentos:
 CASA – Centros de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente:
unidades construídas para abrigar os jovens que cumprem medidas
socioeducativas de privação de liberdade (internação) e
semiliberdade.

 CAI – Centros de Atendimento Inicial: criados para receber


adolescentes para internação inicial, enquanto corre o prazo de cinco
dias para indicar a unidade para onde serão destinados os jovens.

 NAI – Núcleos de Atendimento Integrado: núcleo gerenciado pela


Fundação CASA em parceria com os municípios. Criado nos moldes
do artigo 88, inciso V do ECA, para prestar o atendimento inicial e
provisório aos adolescentes, possui um serviço integrado que reúne
representantes do Judiciário, Ministério Público, Polícia Militar e
Conselho Tutelar, visando promover atuação em rede junto ao
jovem. O NAI acolhe e recebe adolescentes encaminhados pela
Polícia, evitando a sua permanência em delegacias ou Unidades
distantes da sua família, além de realizar encaminhamentos
necessários à Rede Municipal de Serviços. O NAI possui também
uma Unidade de Atendimento Inicial (UAI) para adolescentes em
regime de Internação e uma Unidade de Internação Provisória (UIP),
onde o adolescente pode ficar por até 45 dias.

 CAIP – Centros de Atendimento Inicial e Provisório: Local no


qual os jovens que cometeram ato infracional podem permanecer por
um prazo de até 40 dias, enquanto esperam decisão sobre as medidas
socioeducativas determinadas pela Justiça. Durante o período que

250
Dados retirados do sítio eletrônico: http://www.fundacaocasa.sp. gov.br/ Acesso em 12.11.2012.

116
estão no CAIP, é prestada assistência ao jovem, como, por exemplo,
o acompanhamento de psicólogos e assistentes sociais.

O Estado de São Paulo possui 11 divisões regionais, criadas pela Fundação


CASA, para descentralizar251 o atendimento socioeducativo ao adolescente, buscando
aprimorar a qualidade do atendimento e assim tornar a gestão mais eficiente. O objetivo
é fazer com que os adolescentes sejam atendidos próximos de sua família e dentro de
sua comunidade, facilitando a reinserção social. Tanto que jovens em medidas
socioeducativas em meio aberto (liberdade assistida e prestação de serviços à
comunidade) têm seu atendimento supervisionado pela Secretaria de Estado da
Assistência e Desenvolvimento Social (municipalização do atendimento). As divisões
regionais existentes são:
 DRM I – DIV. REGIONAL METROPOLITANA I (Franco da
Rocha)252 – Com 15 unidades;
 DRM II – DIV. REGIONAL METROP. II Leste 1 (Tatuapé)253 –
Com 16 unidades;
 DRM III – DIV. REGIONAL METROP. III Leste 2254 – Com 9
unidades;
 DRM IV – DIV. REGIONAL METROP. IV OESTE (Raposo
Tavares)255 – Com 17 unidades;

251
Esta descentralização político-administrativa mediante a criação e a manutenção de programas
específicos é prevista nos artigos 204, inc. I, da Constituição Federal e 88, inc. II, do ECA.
252
(1) CASA Atibaia; (2) CASA Bragança Paulista; (3) CASA Dom Gabriel Paulino Bueno Couto –
Jundiaí; (4) CASA Sorocaba I; (5) CASA Sorocaba II; (6) CASA Sorocaba III; (7) CASA Sorocaba IV;
(8) CASA Franco da Rocha, (9) CASA Novo Tempo; (10) CASA Franco da Rocha; (11) CASA
Jacarandá, (12) CASA Rio Negro, (13) CASA Tapajós, (14) CASA Semiliberdade Jundiaí, (15) CASA
Semiliberdade Sorocaba.
253
(1) CASA Ferraz de Vasconcelos I; (2) CASA Ferraz de Vasconcelos II; (3) CASA Novo Horizonte –
Guaianazes I; (4) CASA Guaianazes II; (5) CASA Encosta Norte; (6) CASA Fazenda do Carmo; (7)
CASA Vila Conceição; (8) CASA Chiquinha Gonzaga; (9) CASA Itaquera; (10) CASA Semiliberdade
Azaléia – Zona Leste; (11) CASA Semiliberdade Fênix – Zona Leste; (12) CASA Semiliberdade Prof.
Paulo Freire – Zona Leste; (13) CASA Semiliberdade Sabará – Zona Leste; (14) CASA Semiliberdade
Umbó – Zona Leste; (15) CASA Semiliberdade Uraí – Zona Leste; (16) CASA Semiliberdade São
Mateus–Zona Leste
254
(1) CAI Gaivota; (2) CASA Itaparica; (3) CASA Rio Paraná; (4) CASA Rio Turiassú; (5) CASA Rio
Nilo; (6) CASA Rio Tocantins; (7) CASA Topázio; (8) CASA Juquiá; (9) CASA Rio Tâmisa.
255
(1) CASA Osasco I; (2) CASA Osasco II; (3) CASA Pirituba; (4) CASA Nova Aroeira; (5) CASA
Cedro; (6) CASA Ipê; (7) CASA Jatobá; (8) CASA Nogueira; (9) CASA Vila Leopoldina; (10) CASA
Jardim São Luiz I; (11) CASA Jardim São Luiz II; (12) CASA Feminina Parada de Taipas; (13) CASA
Semiliberdade Guararema; (14) CASA Semiliberdade Jacirendi; (15) CASA Semiliberdade Araré; (16)
CASA Semiliberdade Nundiaú; (17) CASA Semiliberdade Ibituruna.

117
 DRM V – DIV. REGIONAL METROP. V NORTE (Vila Maria)256
– Com 14 unidades;
 DRMC – DIV. REGIONAL METROPOLITANA CAMPINAS
(Campinas)257 – Com 10 unidades;
 DRVP – DIV. REGIONAL VALE DO PARAIBA (Jacarei) 258 –
Com 9 unidades;
 DRN – DIVISÃO REGIONAL NORTE (Ribeirão Preto)259 – Com
16 unidades;
 DRL – DIVISÃO REGIONAL LITORAL (Praia Grande)260 – Com
13 unidades;
 DRO – DIVISÃO REGIONAL OESTE (Marilia)261 – Com 13
unidades;
 DRS – DIVISÃO REGIONAL SUDOESTE –262 Com 11 unidades.
Cabe a cada Centro de Atendimento apresentar, anualmente, o Plano
Político Pedagógico que englobará todos os aspectos do trabalho a ser desenvolvido na
execução da medida socioeducativa, de âmbito técnico e administrativo, a partir do
levantamento das necessidades do adolescente e de sua família, das especificidades

256
(1) CASA Itaqua I; (2) CASA Itaqua II; (3) CASA Vila Guilherme; (4) CASA Bela Vista; (5) CASA
Bom Retiro; (6) CASA Nova Vida; (7) CASA Paulista; (8) CASA Ouro Preto; (9) CASA João do Pulo;
(10) CASA São Paulo; (11) CASA Belém; (12) CASA Semiliberdade Alvorada; (13) CASA
Semiliberdade Caetanos; (14) CASA Semiliberdade Ícaro – Zona Norte.
257
(1) CASA Maestro Carlos Gomes; (2) CASA Campinas; (3) CASA Mogi Mirim; (4) CASA
Laranjeiras; (5) CASA Rio Piracicaba; (6) CASA Escola Rio Claro; (7) CASA Jequitibá; (8) CASA Rio
Amazonas; (9) NAI Americana; (10) CASA Semiliberdade Mogi Mirim.
258
(1) CASA Arujá; (2) CASA Jacarei; (3) CASA Taubaté; (4) CASA Tamoios; (5) CASA
Caraguatatuba; (6) CASA Guarulhos I; (7) CASA Guarulhos II; (8) CASA Guarulhos Feminino; (9)
CASA Lorena
259
(1) CASA Arcebispo D.Hélder Câmara – CASA Franca; (2) CASA Taquaritinga; (3) CASA São
Carlos; (4) CASA Batatais; (5) CASA Araraquara; (6) CASA Ouro Verde; (7) CASA Ribeirão Preto; (8)
CASA Rio Pardo; (9) CASA Sertãozinho; (10) NAI Ribeirão Preto; (11) NAI São Carlos; (12) CASA
Semiliberdade Araraquara; (13) CASA Semiliberdade Barretos; (14) CASA Semiliberdade Batatais; (15)
CASA Semiliberdade Ribeirão Preto; (16) CAIP Arcebispo D. Hélder Câmara – CAIP Franca
260
(1) CASA Peruibe; (2) CASA Mauá; (3) CASA Itanhaém; (4) CASA Mongaguá; (5) CASA Praia
Grande I; (6) CASA Praia Grande II; (7) CASA São Bernardo I; (8) CASA São Bernardo II; (9) CASA
Guarujá; (10) CASA V São Vicente; (11) NAI Santos; (12) CASA Semiliberdade Diadema; (13) CAIP
Guarujá.
261
(1) CASA Araçatuba; (2) CASA Irapuru I; (3) CASA Irapuru II; (4) CASA Mirassol; (5) CASA São
José Rio Preto; (6) CASA Araçá; (7) CASA Marília; (8) CASA Tanabi; (9) CASA Rio Dourado – Lins;
(10) CASA Vitória Régia – Lins; (11) CASA Semiliberdade Fernandópolis; (12) CASA Semiliberdade
São Jose Rio Preto; (13) CASA Semiliberdade Marília
262
(1) CASA Botucatu; (2) CASA Feminino Cerqueira Cesar I; (3) CASA Feminino Cerqueira Cesar II;
(4) CASA Cerq Cesar III; (5) CASA Esperança; (6) CASA Madre Teresa de Calcutá I – Iáras; (7) CASA
Madre Teresa de Calcutá II – Iáras; (8) CASA Bauru; (9) CASA Rio Novo – Iáras; (10) CASA Três Rios
– Iáras; (11) CASA Semiliberdade Bauru

118
regionais e das características definidas para atendimento (Artigo 10 do Regimento
Interno da Fundação CASA).

h. O fornecimento educacional na Fundação CASA: O Projeto


Educação e Cidadania e outros projetos.

A escolarização dentro da Fundação CASA se dá através de diversos


projetos conforme o tipo de MSE de privação de liberdade que o jovem cumpre
(internação provisória, internação, semiliberdade)
Os adolescentes em internação provisória (cuja permanência é de até 45
dias) integram o Projeto Educação e Cidadania (PEC) que é baseado na Pedagogia de
Projetos, criada e desenvolvida pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação,
Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). O PEC (Resolução/SEE 109/2003) consiste em
uma proposta de escolarização não seriada (ou disseriada) e com currículo diferenciado,
visando atender o caráter transitório de permanência do aluno na unidade de internação.
Os conteúdos multisseriados possibilitam o agrupamento dos alunos independente do
seu nível de escolaridade e do seu domínio da escrita, usualmente abordando assuntos
referentes ao mundo contemporâneo.

Os conteúdos do currículo tradicional são abordados através de


temas transversais, em módulos e oficinas independentes e tem
como eixos norteadores: Cidadania, Ética e Identidade. Os
conteúdos são: Educação – ponte para o mundo; Justiça e
Cidadania; Família e relações sociais; Saúde – uma questão de
cidadania e o Trabalho em nossas vidas.263

Aos adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação


adotam-se as Propostas Curriculares dos Cursos de Ensino Fundamental e Médio
regulares da Rede de Ensino Estadual com a diferença de que a realização destas se dá
dentro das especificidades da medida.
Como grande parte dos adolescentes que cumprem a medida socioeducativa
de internação tem defasagem escolar em relação à idade, durante o período de
internação eles são inseridos no Projeto Revitalizando a Trajetória Escolar (PRTE), que
busca o “desenvolvimento de habilidades e competências por meio da contextualização

263
Dados retirados do sítio eletrônico: http://www.fundacaocasa.sp. gov.br/ Acesso em 12.07.2011.

119
do ensino, em que o aluno é incentivado a analisar, comparar, confrontar e sintetizar o
conhecimento”264.

As salas de aula nos centros são dividas por níveis

Nível 1 da 1ª a 4ª série ou 5º ano

Nível 2 da 5ª a 8ª série ou 9º ano

Nível 3 da 1ª a 3ª série do ensino médio

O maior desafio em relação aos adolescentes privados de liberdade é


garantir acesso a uma educação de qualidade que não se limite ao ensino de habilidades
e de conteúdos da herança cultural da humanidade, mas que exercite no jovem
curiosidade e o instrumentalize para além do domínio de conteúdos, e contribua para
que desenvolva postura protagonista e autônoma. Outro grande desafio está na execução
de ações complementares à educação escolar formal (escolarização), como a educação
profissional, educação para os esportes e a cultura.
Os adolescentes atendidos em centros socioeducativos de São Paulo devem
ter acesso obrigatório ao ensino formal ou educação escolar, sendo este trabalho
coordenado pela Gerência de Educação Escolar da Superintendência Pedagógica,
através de parceria realizada com a Secretaria de Estado da Educação.
A proposta educacional deve considerar a heterogeneidade de idade, de
aprendizagem e de escolaridade, o histórico de vida do adolescente, o fato de haver
grande rotatividade no cumprimento da MSE, além de fatores psicológicos sensíveis à
educação como a instabilidade emocional e o afastamento do convívio familiar.
As turmas e classes escolares instaladas nas unidades da Fundação CASA
pertencem administrativamente às escolas da Rede Estadual de Ensino, de modo que a
emissão e expedição da documentação escolar são de responsabilidade da Secretaria de
Estado da Educação e das escolas a ela vinculadas.
Cumpre mencionar que a ação pedagógica da Fundação CASA não deve se
restringir ao ensino formal, havendo atividades distribuídas e coordenadas por quatro
gerências, quais sejam: Escolar, Educação Profissional, Arte e Cultura e Esportes.

264
Dados retirados do sítio eletrônico: http://www.fundacaocasa.sp. gov.br/ Acesso em 15.10.2012.

120
IV – DIREITO À EDUCAÇÃO DO ADOLESCENTE EM SITUAÇÃO
DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

1. Fontes do direito à educação em situações de privação de liberdade. 2. O


fornecimento educacional do adolescente em conflito com a lei e a visão do Judiciário

3. Fontes do direito à educação nas prisões


a. Legislação Nacional
i. Programa Nacional de Direitos Humanos

O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) é um programa do


Governo Federal do Brasil, criado para ser um marco de referência e um compromisso
do país com “a proteção de mulheres e homens, crianças e idosos, das minorias e dos
excluídos” (PNDH-I). Elaborado a partir de ampla consulta à sociedade, na qual
entidades e civis participaram de debates e seminários, formulando sugestões e críticas.
São três as versões do PNDH, sendo que as versões I (Decreto n° 1.904, de
13 de maio de 1996) e II (Decreto nº 4.229, de 13 de maio de 2002) foram publicadas
durante o governo FHC, e o PNDH III, durante o governo Lula (Decreto nº 7.177, de 12
de maio de 2010).
O PNDH busca, assim, “consolidar os alicerces da democracia”, elencados
pelo ex-presidente Lula como sendo

o diálogo permanente entre Estado e sociedade civil;


transparência em todas as esferas de governo; primazia dos
Direitos Humanos nas políticas internas e nas relações
internacionais; caráter laico do Estado; fortalecimento do pacto
federativo; universalidade, indivisibilidade e interdependência
dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e
ambientais; opção clara pelo desenvolvimento sustentável;
respeito à diversidade; combate às desigualdades; erradicação
da fome e da extrema pobreza.265 (PNDH-III).

O PNDH-III incorpora as resoluções da 11ª Conferência Nacional de


Direitos Humanos e propostas aprovadas nas mais de 50 conferências nacionais
temáticas (segurança alimentar, igualdade racial, educação, habitação, saúde, direitos da
mulher, juventude, crianças e adolescentes, pessoas com deficiência, idosos, meio

265
Programa Nacional de Direitos Humanos III. Decreto nº 7.037, de 21 de Dezembro de 2009.
Disponível em http://portal.mj.gov.br/sedh/pndh3/pndh3.pdf Acesso em 23.11.2012.

121
ambiente, entre outros temas de direitos humanos). Concebendo a proteção aos direitos
humanos como uma ação integrada de governo, uma política de Estado.
Durante a elaboração do plano, na 8ª Conferência Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente, foi discutida a elaboração de um plano decenal para esse
segmento e avaliada a implantação do SINASE.
O PNDH-I colocava a Educação dentre as “Propostas de Ações
Governamentais” de três diferentes maneiras. A primeira trata da educação como meio
de capacitação dos profissionais da área da segurança e lideranças populares, no item
“Conscientização e mobilização pelos direitos humanos. Educação e Cidadania. Bases
para uma cultura de Direitos Humanos”, entre as ações de “Curto prazo”:

Apoiar programas de informação, educação e treinamento de


direitos humanos para profissionais de direito, policiais, agentes
penitenciários e lideranças sindicais, associativas e
comunitárias, para aumentar a capacidade de proteção e
promoção dos direitos humanos na sociedade brasileira.266
(PNDH – I).

A segunda, como instrumento de desenvolvimento social, no item


“Produção e distribuição de informações e conhecimento. Educação e Cidadania. Bases
para uma cultura de Direitos Humanos”, entre as ações de “Curto prazo”:

Criar e fortalecer programas de educação para o respeito aos


direitos humanos nas escolas de primeiro, segundo e terceiro
grau, através do sistema de ’temas transversais’ nas disciplinas
curriculares, atualmente adotado pelo Ministério da Educação e
do Desporto, e através da criação de uma disciplina sobre
direitos humanos. (PNDH – I).

Por fim, a educação aparece como meio de ressocialização, no item “Penas


privativas de liberdade”, em meio às ações de “Médio prazo”:

Promover programas de educação, treinamento profissional e


trabalho para facilitar a reeducação e recuperação do preso
(PNDH – I).

Já o PNDH-III trata da educação em seu Eixo Orientador III (Universalizar


Direitos em um Contexto de Desigualdades) tratando da necessidade do acesso à
educação de qualidade e garantia de permanência na escola como forma de alcançar à
diretriz sete do plano: Garantia dos Direitos Humanos de forma universal, indivisível e

266
Programa Nacional de Direitos Humanos I. Decreto nº 1.904, de 13 de maio de 1996. Disponível em
<http://www.dhnet.org.br/dados/pp/pndh/textointegral.html> Acesso em 23.11.2012.

122
interdependente, assegurando a cidadania plena; e em seu Eixo Orientador V (Educação
e Cultura em Direitos Humanos) buscando alcançar as diretrizes 18 (Efetivação das
diretrizes e dos princípios da política nacional de educação em Direitos Humanos para
fortalecer cultura de direitos), 19 (Fortalecimento dos princípios da democracia e dos
Direitos Humanos nos sistemas de educação básica, nas instituições de ensino superior e
nas instituições formadoras, 20 (Reconhecimento da educação não formal como espaço
de defesa e promoção dos Direitos Humanos) e 21 (Promoção da Educação em Direitos
Humanos no serviço público).
Dentre as ações programáticas da diretriz 20, a ação “g” trata da educação
dos jovens em privação de liberdade:

g) Fortalecer experiências alternativas de educação para os


adolescentes, bem como para monitores e profissionais do
sistema de execução de medidas socioeducativas.

Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da


Presidência da República; Ministério da Educação; Ministério
da Justiça.

Com relação às crianças e adolescentes o PNDH-III tem metas a curto prazo


como: Apoiar o funcionamento do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CONANDA) (meta 92) e incentivar a criação de estruturas para o
desenvolvimento de programas socioeducativos para o atendimento de adolescentes
infratores (meta 97); metas a médio prazo como investir na formação e capacitação de
profissionais e encarregados da implementação da política de direitos da criança e do
adolescente nos Governos estaduais e municipais e nas organizações não
governamentais (meta 111).
Tem, ainda metas a longo prazo diretamente relacionadas aos adolescentes
em conflito como a lei como a de incentivar o reordenamento das instituições privativas
de liberdade para menores infratores, reduzindo o número de adolescentes autores de
ato infracional por unidade de atendimento, com prioridade na implementação das
demais medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente
(meta 113) e apoiar a criação, pelo Poder Judiciário, Ministério Público e pelos
Governos estaduais, de varas, promotorias e delegacias especializadas em infrações
penais envolvendo menores, como previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente
(meta 114).

123
O PNDH-III tem diversas propostas de ações governamentais – desde
assegurar a implantação e o funcionamento adequado dos órgãos que compõem o
Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes (proposta 129) e promover
a discussão do papel do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública
e do Poder Legislativo na implementação do ECA (proposta 130) – que visam a
proteção e garantia em rede dos direitos das crianças e adolescentes, até propostas
específicas aos adolescentes em conflito com a lei, e/ou que se encontram privados de
liberdade que são as propostas 155 a 159 que dispõem:

155. Priorizar as medidas socioeducativas em meio aberto para


o atendimento dos adolescentes em conflito com a lei.

156. Incentivar o reordenamento das instituições privativas de


liberdade para adolescentes em conflito com a lei, reduzindo o
número de internos por unidade de atendimento e conferindo
prioridade à implementação das demais medidas
socioeducativas previstas no ECA, em consonância com as
resoluções do CONANDA.

157. Incentivar o desenvolvimento, monitoramento e avaliação


de programas socioeducativos para o atendimento de
adolescentes autores de ato infracional, com a participação de
seus familiares.

158. Fortalecer a atuação do Poder Judiciário e do Ministério


Público na fiscalização e aplicação das medidas socioeducativas
a adolescentes em conflito com a lei.

159. Promover a integração operacional de órgãos do Poder


Judiciário, Ministério Público, Defensorias Públicas e
Secretarias de Segurança Pública com as delegacias
especializadas em investigação de atos infracionais praticados
por adolescentes e às entidades de atendimento, bem como
ações de sensibilização dos profissionais indicados para esses
órgãos quanto à aplicação do ECA.

O que nos mostra a necessidade de implementação da oferta educacional


para aqueles que se encontram cumprindo medida privativa de liberdade, como meta a
ser perseguida e como forma de instrumentalizar o interno para a vida extramuros, bem
como a necessidade de integração dos diversos órgãos governamentais como Poder
Judiciário, Ministério Público, Defensorias Públicas e Secretarias de Segurança Pública
com entidades da sociedade civil.

124
ii. Programa Estadual de Direitos Humanos do Estado de São
Paulo - PEDH-SP
O Programa Estadual de Direitos Humanos, instituído pelo decreto nº
42.209 de 15 de setembro de 1997, cria a Comissão Especial de acompanhamento da
execução desse programa além de instituir propostas de ações governamentais para a
garantia e proteção dos direitos humanos no estado de São Paulo. Elaborado e discutido
com a participação da sociedade civil o PEDH-SP tem como proposta a (1) construção
da Democracia e promoção dos Direitos Humanos, em que os principais objetivos são a
educação para a Democracia e os Direitos Humanos e a participação política; (2) a
proteção de direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, que envolve desde o
direito ao desenvolvimento humano e o emprego e geração de renda até a garantia do
direito à educação; e (3) a proteção de direitos civis e políticos, como o acesso à justiça
e luta contra a impunidade, segurança e medidas contra a violência e sistema prisional e
ressocialização, medidas contra a discriminação, e a proteção de grupos como crianças e
adolescentes, mulheres, população negra, povos indígenas, refugiados e migrantes,
terceira idade, pessoas portadoras de deficiência e homossexuais e transexuais.
A proteção de crianças e adolescentes no PEDH-SP vai desde a
implementação de campanhas para proteção e promoção dos seus direitos; como a
melhora da infraestrutura para o adequado funcionamento do Conselho Estadual dos
Direitos da Criança e do Adolescente, incentivo a criação e funcionamento de
Conselhos Municipais de Direitos, Conselhos Tutelares e Fundos dos Direitos da
Criança e do Adolescente.
A orientação e assistência jurídica nos processos envolvendo crianças ou
adolescentes e o apoio à criação e funcionamento de varas, promotorias e delegacias
especializadas em infrações penais envolvendo crianças e adolescentes também são
objetivos do plano, como:

5.16. Reorganizar e regionalizar os estabelecimentos destinados


à internação de adolescentes autores de ato infracional, de
acordo com as regras previstas no Estatuto da Criança e do
Adolescente, com participação da comunidade.

5.17. Desenvolver ação integrada do Poder Executivo com o


Poder Judiciário e Ministério Público, aperfeiçoando o sistema
de aplicação de medidas socioeducativas aos adolescentes
autores de ato infracional.

125
5.18. Priorizar programas que privilegiem a aplicação de
medidas socioeducativas não privativas da liberdade para
adolescentes autores de ato infracional.

5.19. Estabelecer um sistema estadual de monitoramento da


situação da criança e do adolescente, com atenção particular
para a identificação e localização de crianças, adolescentes e
familiares desaparecidos, combate à violência contra a criança e
o adolescente, e atendimento aos autores de ato infracional.

Assim, considerando que a melhoria do ensino público e a garantia de


acesso, reingresso e permanência nos ensinos fundamental e médio também são
objetivos do plano, este não distingue crianças e adolescentes em conflito com a lei dos
demais, devendo a educação de todos ser garantida e promovida.
Para alcançar todos estes objetivos que elencamos o PEDH-SP também
dispõe da implementação e do monitoramento das políticas de direitos humanos como a
criação de núcleos, o acompanhamento e apoio as prefeituras municipais no
cumprimento das obrigações mínimas de proteção e promoção dos direitos humanos.
Além do apoio à criação e ao funcionamento de conselhos municipais de defesa dos
direitos humanos e de defesa da cidadania, de comissões de direitos humanos nas
câmaras municipais, da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa,
entre iniciativas de outros órgãos.

iii. Estatuto da Criança e do Adolescente


O Estatuto da Criança e do Adolescente é expressão de vitórias
institucionais em vários sentidos que demonstram que apesar da realidade de
desigualdade que vivemos, ainda existe um movimento por saneamento das injustiças
sociais, articulado por parcela da sociedade mais conscientizada, voltada às ações
humanizadoras e dotada de visão planetária. Isto porque o Estatuto que traz a já
mencionada Doutrina da Proteção Integral e da Prioridade Absoluta, ao plexo legislativo
referente à proteção da criança e ao adolescente.
Grande parte dos juristas afirma ser de difícil aplicação o disposto no ECA,
devido seu caráter extremamente principiológico e programático, o qual requer
planejamento e adaptações da máquina pública, fato que por si só não desonera o Estado
de sua responsabilidade em dar cumprimento ao disposto no estatuto.
A educação da criança e do adolescente é tratada no capítulo IV, artigo 53 e
seguintes, que a coloca enquanto direito, que deve visar o pleno desenvolvimento e o
preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho:

126
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação,
visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para
o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho,
assegurando-lhes:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na


escola;

II - direito de ser respeitado por seus educadores;

III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer


às instâncias escolares superiores;

IV - direito de organização e participação em entidades


estudantis;

V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência


do processo pedagógico, bem como participar da definição das
propostas educacionais.

Por sua vez, o artigo 54 acaba por reproduzir o disposto no art. 208 da
Constituição Federal, referente aos deveres do Estado no que concerne à educação. O
Estatuto busca, assim, assegurar à criança e ao adolescente igualdade de condições para
o acesso e permanência na escola, obrigação do estado, da família e da sociedade, nos
moldes do art. 205 da Constituição Federal.
É notório o posto ocupado pela educação no Estatuto da Criança e do
Adolescente, de modo que mesmo quando a criança e o adolescente se encontrarem
cumprindo medida socioeducativa pela prática de ato infracional267, o direito à educação
não pode lhes ser negado.
Isto porque, a medida socioeducativa é tida como a “manifestação do
estado, em resposta ao ato infracional (crime ou contravenção penal), praticado por
menores de 18 anos, de natureza jurídica impositiva, sancionatória e retributiva, cuja
aplicação objetiva inibir a reincidência”268 esta não pode ultrapassar outros direitos além
da liberdade.
Previsto no ECA, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CONANDA) foi criado em 1991, pela Lei nº 8.242, e é tido como o
principal órgão do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente. Ele se

267
O Estatuto diferencia criança (menores de 12 anos) de adolescente (de 12 a 18 anos), prevendo que
enquanto para as primeiras se aplicam medidas de proteção (art. 101), aos adolescentes se aplicam as
medidas sócio-educativas constantes no art. 112.
268
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao estatuto da Criança e do Adolescente. 11ª ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2010. p. 122.

127
desenvolve através da gestão compartilhada entre governo e sociedade civil, as ações
executadas pelo poder público e gere o Fundo Nacional da Criança e do Adolescente
(FNCA) e fiscalizar as ações de promoção dos direitos da infância e adolescência
executadas por organismos governamentais e não governamentais.

iv. Resolução nº 46 de 1996, do Conselho Nacional dos Direitos


da Criança e do Adolescente
O CONANDA, ao criar a Resolução nº 46, que regulamenta a execução da
medida socioeducativa de internação prevista no ECA (Lei nº 8069/90), considera não
somente as diretrizes contidas no art. 88, V, do estatuto, e no art. 2º da Lei nº 8.242, de
12 de outubro de 1991, mas principalmente que as medidas socioeducativas elencadas
no art. 112, devem “assegurar a reinserção social e o resgate da cidadania dos
adolescentes em conflito com a lei”.
A resolução busca, assim, regulamentar o número de adolescentes a ser
atendido por unidade de internação (art. 1º), a distribuição destas unidades de maneira
regionalizada (art.2º), além da necessidade de integração de serviços setoriais de
atendimento, como a educação, a saúde, o esporte e lazer, a assistência social, a
profissionalização, a cultura e a segurança (art.3º).
Com relação ao fornecimento educacional, a Resolução é clara ao dispor em
seu art. 4º que o interno deverá contar com orientação sociopedagógica,
complementando em seu art. 6º que o projeto sociopedagógico deverá prever a
participação da família e da comunidade (dimensão essencial da proteção integral).
Cumpre mencionar que o descumprimento da Resolução implica o
encaminhamento de representação ao Ministério Público para os procedimentos legais,
de modo a garantir a efetivação da resolução e dos direitos do adolescente que cumpre
MSE.

v. Resolução nº 02 de 2010, do Conselho Nacional de Educação -


CNE
As Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em
situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais considera
responsabilidades do Estado e da sociedade na garantia do direito à educação para
jovens e adultos nos estabelecimentos penais. Estabelecidas pelo MEC, CNE e pela
Câmara de Educação Básica, a Resolução nº 2 de 19 de maio de 2010 as diretrizes

128
utilizam dentre as suas considerações iniciais, questões que foram aprovadas pelas
Conferências Internacionais de Educação de Adultos (V e VI CONFINTEA) a Diretriz
menciona sua “preocupação de estimular oportunidades de aprendizagem a todos, em
particular, os marginalizados e excluídos”, buscando garantir o reconhecimento do
direito à aprendizagem de todas as pessoas encarceradas269, proporcionando-lhes
informações e acesso aos diferentes níveis de ensino e formação.
As Diretrizes estabelecem em seu artigo 2º que a legislação educacional
deve se estender aos estabelecimentos prisionais, enquanto seu artigo 3º a coloca como
responsabilidade das Secretarias de Educação Estaduais (no caso dos estabelecimentos
estaduais e do Distrito Federal) e do Ministério da Educação e Ministério da Justiça
(nos estabelecimentos federais).
Estabelece também que as verbas do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(FUNDEB), destinadas à modalidade de Educação de Jovens e Adultos, devem
abranger a educação nas prisões. As orientações para a oferta educacional dispõe desde
os órgãos responsáveis pelo fornecimento educacional, as fontes de financiamento, à
sua forma de funcionamento e articulações a serem realizadas.

Art. 3º A oferta de educação para jovens e adultos em


estabelecimentos penais obedecerá às seguintes orientações:

I – é atribuição do órgão responsável pela educação nos Estados


e no Distrito Federal (Secretaria de Educação ou órgão
equivalente) e deverá ser realizada em articulação com os
órgãos responsáveis pela sua administração penitenciária,
exceto nas penitenciárias federais, cujos programas
educacionais estarão sob a responsabilidade do Ministério da
Educação em articulação com o Ministério da Justiça, que
poderá celebrar convênios com Estados, Distrito Federal e
Municípios;

II – será financiada com as fontes de recursos públicos


vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino, entre as
quais o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(FUNDEB), destinados à modalidade de Educação de Jovens e
Adultos e, de forma complementar, com outras fontes estaduais
e federais;

III – estará associada às ações complementares de cultura,


esporte, inclusão digital, educação profissional, fomento à
leitura e a programas de implantação, recuperação e
269
As Diretrizes dispõe que as ações de educação são extensivas aos presos provisórios, condenados,
egressos do sistema prisional e àqueles que cumprem medidas de segurança.

129
manutenção de bibliotecas destinadas ao atendimento à
população privada de liberdade, inclusive as ações de
valorização dos profissionais que trabalham nesses espaços;

IV – promoverá o envolvimento da comunidade e dos


familiares dos indivíduos em situação de privação de liberdade
e preverá atendimento diferenciado de acordo com as
especificidades de cada medida e/ou regime prisional,
considerando as necessidades de inclusão e acessibilidade, bem
como as peculiaridades de gênero, raça e etnia, credo, idade e
condição social da população atendida;

V – poderá ser realizada mediante vinculação a unidades


educacionais e a programas que funcionam fora dos
estabelecimentos penais;

VI – desenvolverá políticas de elevação de escolaridade


associada à qualificação profissional, articulando-as, também,
de maneira intersetorial, a políticas e programas destinados a
jovens e adultos;

VII – contemplará o atendimento em todos os turnos;

VIII – será organizada de modo a atender às peculiaridades de


tempo, espaço e rotatividade da população carcerária levando
em consideração a flexibilidade prevista no art. 23 da Lei nº
9.394/96 (LDB).

Interessante notar o disposto no artigo 4º das Diretrizes que ao tratar das


diferentes formas de oferta educacional a serem oferecidas em espaços de privação de
liberdade, trazem a possibilidade de educação a distancia (EAD).

Art. 5º Os Estados, o Distrito Federal e a União, levando em


consideração as especificidades da educação em espaços de
privação de liberdade, deverão incentivar a promoção de novas
estratégias pedagógicas, produção de materiais didáticos e a
implementação de novas metodologias e tecnologias
educacionais, assim como de programas educativos na
modalidade Educação a Distância (EAD), a serem empregados
no âmbito das escolas do sistema prisional.

As Diretrizes tratam de orientações a serem obedecidas na oferta de


educação para jovens e adultos em estabelecimentos penais, tal qual a atribuição do
órgão responsável pela educação nos Estados e no Distrito Federal (Secretaria de
Educação ou órgão equivalente) e a necessidade de ações complementares de cultura,
esporte, inclusão digital, educação profissional, fomento à leitura e a programas de
implantação, recuperação e manutenção de bibliotecas destinadas ao atendimento à
população privada de liberdade, bem como a existência de espaços físicos adequados às

130
atividades educacionais, esportivas, culturais, de formação profissional e de lazer,
integrando-as às rotinas dos estabelecimentos penais.
As Diretrizes também preveem o atendimento diferenciado de acordo com
as especificidades de cada medida e/ou regime prisional, como as necessidades de
inclusão e acessibilidade, as peculiaridades de gênero, raça e etnia, credo, idade, e as
peculiaridades de tempo, espaço e rotatividade da população carcerária levando em
consideração a flexibilidade prevista no art. 23 da Lei nº. 9.394/96 (LDB).
Soma-se o fato de que em diversas passagens do documento, a necessidade
de articulações, convênios, e parcerias com diferentes esferas e áreas de governo,
universidades, instituições de Educação Profissional e organizações da sociedade civil, é
ressaltada, o que nos mostra a necessidade de lidar com a educação nos
estabelecimentos de privação de liberdade como um problema só sanado com o desenho
de políticas públicas bem estruturadas.

Art. 6º A gestão da educação no contexto prisional deverá


promover parcerias com diferentes esferas e áreas de governo,
bem como com universidades, instituições de Educação
Profissional e organizações da sociedade civil, com vistas à
formulação, execução, monitoramento e avaliação de políticas
públicas de Educação de Jovens e Adultos em situação de
privação de liberdade.

Parágrafo Único. As parcerias a que se refere o caput deste


artigo dar-se-ão em perspectiva complementar à política
educacional implementada pelos órgãos responsáveis pela
educação da União, dos Estados e do Distrito Federal.

A educação, assim, será organizada de modo a atender às peculiaridades de


tempo, espaço e rotatividade da população carcerária, e contemplará o atendimento em
todos os turnos; as autoridades responsáveis deverão propiciar espaços físicos
adequados às atividades educacionais, esportivas, culturais, de formação profissional e
de lazer (art.7º), bem como prover materiais didáticos e escolares, apoio pedagógico,
alimentação e saúde dos estudantes (art. 8º).
A oferta de Educação Profissional nos estabelecimentos penais deverá
seguir as Diretrizes Curriculares Nacionais definidas pelo Conselho Nacional de
Educação (art. 9º), e as atividades laborais e artístico-culturais são reconhecidas e
valorizadas como elementos formativos integrados à oferta de educação, podendo
constar no projeto político-pedagógico como atividades curriculares. Esta previsão pode
parecer uma forma de dissimular atividades laborais ou oficinas artístico-culturais por

131
pedagógicas culturais. Porém, como o artigo 12 dispõe que o planejamento das ações de
educação poderá contemplar, além das atividades de educação formal, propostas de
educação não-formal, queremos crer que a educação formal é obrigatória.
Os educadores nos estabelecimentos penais deverão levar em consideração
as especificidades da política de execução penal (Art. 11). Porém, uma importante
diretriz está no parágrafo primeiro do mesmo artigo, ao prever que docentes que atuam
nestes espaços deverão ser profissionais do magistério devidamente habilitados e com
remuneração condizente com as especificidades da função. Acabando com a tradição até
então existente de precarização do fornecimento educacional inframuros ou mesmo com
a utilização de profissionais sem titulação270 adequada para educar.
A implementação e fiscalização destas Diretrizes será obrigação dos
Conselhos de Educação dos Estados e do Distrito Federal, que para isso, deverão
articular-se com os Conselhos Penitenciários Estaduais e do Distrito Federal ou seus
congêneres (Art. 14).
As Diretrizes vêm, assim, atender as demandas educacionais de material,
equipe especializada e verbas, tão reclamadas pelos grupos e organizações que
atualmente defendem os direitos dos presos.

b. Legislação Internacional
i. A Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e
a Cultura e seus desafios e estratégias para a educação

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura,


criada em 16 de novembro de 1945, tem como missão contribuir para a construção de
uma cultura paz, para a erradicação da pobreza, para o desenvolvimento sustentável e
para o diálogo intercultural, por meio da educação.
A UNESCO busca promover o engajamento dos jovens como meio de
empoderamento e de prevenção da violência. Para isso ela se utiliza de uma abordagem
transversal focalizada na construção de competências que facilitem a transição bem-
sucedida para a idade adulta. Procurar, assim, integrar as “preocupações e dos

270
Apesar do § 2º do mesmo artigo 11 prever que a pessoa privada de liberdade ou internada que possua
perfil adequado e receba preparação especial, pode atuar em apoio ao profissional da educação, esta
atuação será um auxilio ao educador, não sua substituição.

132
problemas dos jovens nas agendas da vida política dos Estados-membros, no que tange
à educação, às ciências, à cultura e à comunicação.”271

Criado em 1999, o Fórum dos Jovens da Conferência-geral da


UNESCO, cujas sessões são bianuais, é uma atividade única em
seu gênero no sistema das Nações Unidas, pelo fato de
institucionalizar a participação dos jovens no órgão de tomada
de decisões mais importante da UNESCO.

Outra preocupação é promover a alfabetização e uma educação de qualidade


para todos, ao longo da vida, insistindo com particular ênfase na igualdade de gênero,
nos jovens, assim como nos grupos mais vulneráveis e marginalizados da sociedade,
incluindo os povos indígenas. A UNESCO se dedica mobilizar a vontade política e a
coordenar o empenho de todas as partes interessadas (parceiros, governos, ONGs e
sociedade civil), ela coopera em todos os níveis de ensino, buscando promover o acesso,
a igualdade, qualidade e a inovação. Para isto, ela tem como estratégia:

1.Ajudar os países a formular e a implementar políticas


educacionais;

2. Prestar atenção particular à África e a países menos


desenvolvidos e aos nove mais populosos (Bangladesh, Brasil,
China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão).

3. Desenvolver e divulgar boas práticas, compêndios escolares,


kits de formação;

4, Promover resposta global ao HIV/Aids, no Setor da


Educação;

5. Incentivar a adoção de medidas especiais, buscando garantir


a educação em zonas de conflito e situações de crise;

6. Apoiar o desenvolvimento de programas de ensino e


formação (tecnológica e profissionalizante);

7. Definir normas de qualidade para o reconhecimento das


qualificações no ensino superior;

8. Negociar parcerias entre atores públicos, privados e não


governamentais.

A UNESCO é a agência que comandou a Década das Nações Unidas para a


Alfabetização (2003-2012) e a Década das Nações Unidas da Educação para o
Desenvolvimento Sustentável (2005-2014). No Brasil, a agenda política prioriza a

271
Sitio eletrônico da UNESCO Brasil - http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/special-
themes/preventing-youth-violence/ - consultado em 12.10.2012.

133
alfabetização de jovens e adultos, para a qual tem o apoio da UNESCO no compromisso
com os objetivos da Educação para Todos (EPT). Assim, ela tem entre seus objetivos
estratégicos referentes à política educacional o Objetivo 03, que estipulou o prazo de 03
anos para que houvesse equidade nas condições de acesso à educação e nos resultados
no sistema educacional brasileiro.
Para o Biênio 2008-2009, buscou-se a qualificação de políticas e programas
de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos, para a qual foram realizados diversos
seminários como o Seminário Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos na
América Latina: Direito e Desafio realizado; oficinas de qualificação para gestores dos
países que compõem a Estratégia Life; a audiência pública na Câmara dos Deputados
para apresentação e debate do relatório da RNDHE sobre educação em prisões, dentre
outros significativos eventos. Por sua vez o biênio 2010-2011 no que se refere à
educação teve como prioridade contribuir ao exito do programa Educação para Todos
(EPT) e exercer uma lideraça mundial e regional em matéria de educação,
principalmente mediante a aplicação das recomendações das grandes convenções
internacionais sobre educação.
O atual biênio 2012-2013 tem como meta a promoção de uma educação
mais equitativa e de melhor qualidade ao serviço da aprendizagem ao longo de toda a
vida e o desenvolvimento sustentável, bem como mantêm a prioridade de fortalecer sua
liderança mundial no âmbito da educação.

ii. Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das


Crianças
Adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de
1989, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças foi aprovada pelo
Decreto Legislativo nº 28, de 14 de setembro de 1990 e promulgada pelo Decreto
99.710 de 21 de novembro de 1990. A Convenção proclama a necessidade de se
proporcionar à criança a proteção especial enunciada por diversos tratados
internacionais272. Cumprindo mencionar que a convenção considera como criança todo
ser humano com menos de dezoito anos de idade, havendo a ressalva de quando
legislação específica define outra idade para a maioridade.

272
Como na Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança e na Declaração dos Direitos da
Criança, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos, no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

134
Na parte I da Convenção, o artigo 28.1 da Convenção dispõe sobre o direito
da criança à educação como meio de se exercer progressivamente e em igualdade de
condições esse direito, devendo os Estados Partes signatários da Convenção tornar o
ensino primário obrigatório e disponível para todos; estimular o desenvolvimento do
ensino secundário, ambos gratuitos. Os Estados devem também promover e estimular a
cooperação internacional em questões educacionais, facilitando o acesso aos
conhecimentos científicos e técnicos; devendo a educação ser orientada no sentido de
desenvolver a personalidade, as aptidões e a capacidade mental e física da criança,
desenvolver o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, preparar a
criança para assumir uma vida responsável.
Mais especificamente no que se refere à privação de liberdade, o artigo 37
traz o obrigação dos Estados Partes em zelar para que nenhuma criança seja privada de
sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária. Devendo a detenção, a reclusão ou a prisão
apenas ocorrer como último recurso, e durante o mais breve período de tempo, sendo
direito de toda criança, a quem se alegue ter infringido as leis penais ou a quem se acuse
ou declare culpada de ter infringido as leis penais, ser tratada de modo a promover e
estimular seu sentido de dignidade e de valor.
A convenção considera direito e garantia de toda criança de quem se alegue
ter infringido as leis penais ou a quem se acuse de ter infringido essas leis, de ter
plenamente respeitada sua vida privada, bem como serem tratadas de modo apropriado
ao seu bem-estar e de forma proporcional às circunstâncias e ao tipo de delito.
A parte II da Convenção trata do compromisso dos Estados Partes em dar
aos adultos e às crianças amplo conhecimento dos princípios e disposições da
Convenção; do estabelecimento de comissões compostas por especialistas para que
realizem estudos especiais sobre assuntos relacionados aos direitos das crianças; de
formas de fomento da implantação efetiva da Convenção; e de formas encorajar a
cooperação internacional. Por sua vez a parte III trata da ratificação da Convenção pelos
Estados (aberta à assinatura e adesão de qualquer Estado).
A convenção busca, assim, elencar direitos e garantias mínimas da criança,
devendo ser a educação um direito fundamental a ser garantido, enquanto a punição,
além de breve e excepcional, deve respeitar a dignidade e o processo de
desenvolvimento da criança. Deste modo, compreende-se que a primeira não pode ser
negada ou inviabilizada pela segunda.

135
iii. Convenção Relativa à Luta contra a Discriminação no
Campo do Ensino
Soma-se à extensa produção legislativa referente à educação nas prisões, a
Convenção Relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino, aprovada em
14 de dezembro de 1960, pela Conferência Geral da UNESCO, em sua 11ª sessão,
reunida em Paris de 14 de novembro à 15 de dezembro de 1960, ratificada pelo Brasil,
e aprovada pelo Congresso Nacional pelo decreto legislativo n. 40, de 1967 que resultou
no Decreto nº 63.223 - de 6 de setembro de 1968. A Convenção dispõe em seu artigo I:

Para os fins da presente Convenção, o termo “discriminação”


abarca qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência
que, por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião
pública ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social,
condição econômica ou nascimento, tendo por objetivo ou
efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria
de ensino, e, principalmente:

a) privar qualquer pessoa ou grupo de pessoas do acesso aos


diversos tipos ou graus de ensino;

b) limitar a nível inferior à educação de qualquer pessoa ou


grupo;

c) sob reserva do disposto no artigo 2 da presente Convenção,


instituir ou manter sistemas ou estabelecimentos de ensino
separados para pessoas ou grupos de pessoas; ou

d) de impor a qualquer pessoa ou grupo de pessoas condições


incompatíveis com a dignidade do homem.

O artigo acima transcrito nos mostra que, sendo a discriminação a privação


de qualquer pessoa ou grupo de pessoas do acesso aos diversos tipos ou graus de ensino,
devemos nos opor à manutenção de sistemas que imponham a qualquer pessoa
condições incompatíveis com a dignidade do homem. Cumpre ao poder público
observar as normas existentes não só no âmbito internacional, mas no nacional, quando
for desenvolver políticas públicas.
A Convenção define como “ensino” os diversos tipos e graus de ensino,
compreendendo o acesso ao ensino, seu nível e qualidade e as condições em que é
subministrado. Os Estados parte se comprometem, assim, a fazer cessar quaisquer
práticas administrativas que envolvam discriminação; a tomar medidas, inclusive
legislativas, para não haver discriminação na admissão de alunos nos estabelecimentos

136
de ensino; a não admitir nenhuma preferência ou restrição baseadas unicamente no fato
de que os alunos pertençam a determinado grupo (Artigo III).
Para isso, os Estados parte se comprometem a formular, desenvolver e
aplicar política nacional que vise a promover a igualdade de oportunidades e tratamento
em matéria de ensino (Artigo IV), de modo a tornar o ensino primário obrigatório e
gratuito, ampliar o acesso ao ensino secundário, e assegurar a qualidade do ensino
fornecido.
A Convenção também dispõe sobre a necessidade da educação visar ao
pleno desenvolvimento da personalidade humana e ao fortalecimento do respeito aos
direitos humanos e das liberdades fundamentais, favorecendo a compreensão, a
tolerância e a amizade entre todas as nações.
Em que pese a Convenção da UNESCO contra a discriminação na educação
ser uma das mais antigas normas de direito internacional referentes ao direito à
educação, ela ainda está muito longe de ser plenamente efetivada. Quando tratamos do
fornecimento de educação de qualidade a todos de maneira equânime e não
discriminatória, vemos que ainda há um longo caminho a ser percorrido, principalmente
quando tratamos do direito à educação daqueles que se encontram sob a tutela do
Estado, isto é, de jovens que se encontram cumprindo medidas socioeducativas de
privação de liberdade.

iv. Resolução nº 40/33 da Assembleia Geral, de 29.11.85 -


Regras de Beijing
A elaboração das Regras Mínimas para a Administração da Justiça de
Menores foi possível pelo trabalho realizado pelo Comitê para a Prevenção do Crime e a
Luta contra a Delinquência, pelo Secretário-Geral da ONU, pelo Instituto das Nações
Unidas para a Ásia e o Extremo Oriente e por outros institutos das Nações Unidas,
sendo recomendadas pelo Sétimo Congresso das Nações Unidas.
As Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de
Menores tem como princípios gerais a intenção de promover o bem-estar do menor e da
sua família, criar condições que assegurem ao menor uma vida útil na comunidade
fomentando, durante o período de vida em que o menor se encontre mais exposto a um
comportamento desviante, um processo de desenvolvimento pessoal e de educação
afastado tanto quanto possível de qualquer contato com a criminalidade e a
delinquência, além da busca por medidas positivas que assegurem a mobilização de

137
todos os recursos (família, voluntários e outros grupos comunitários, escolas e outras
instituições comunitárias) a fim de promover o bem-estar do menor e reduzir a
necessidade de intervenção da lei, bem como tratar de forma eficaz, equitativa e
humanitária o jovem em conflito com a lei. Para isso, a Justiça de menores deve ser
concebida como parte integrante do processo de desenvolvimento nacional de cada país
(regra 1.4), de modo a garantir a proteção dos jovens e a manutenção da paz e da ordem
na sociedade. As medidas de proteção social dos jovens, também deve ser priorizada, de
modo a prevenir o crime e a delinquência juvenil.
As Regras Mínimas foram formuladas de forma a serem aplicadas em
sistemas jurídicos diferentes, fixando normas mínimas para o tratamento dos
delinquentes juvenis, para tanto define os termos “menor” e “delito” em sua regra 2.2.
Mesmo com esta flexibilidade, as regras reconhecem que a responsabilidade penal não
deve ser fixada a um nível demasiadamente baixo, tendo em conta problemas de
maturidade afetiva, psicológica e intelectual (regra 4).
O “princípio da proporcionalidade” é objetivo a ser buscado pela Justiça de
menores, de modo que a imposição de sansões deve ser proporcional tanto às
circunstâncias especiais dos jovens em conflito com a lei, quanto do delito. Tanto que o
poder discricionário deve ser exercido de um modo responsável, em todas as fases do
processo e a todos os níveis, afinal os jovens devem ter preservadas suas garantias
fundamentais processuais, como a presunção de inocência, o direito de ser notificado
das acusações, o direito de não responder, o direito à assistência judiciária, o direito à
presença dos pais ou tutor, o direito de interrogar e confrontar as testemunhas e o direito
ao recurso.
As regras têm na prisão preventiva uma medida de último recurso, devendo
sua duração ser o mais breve possível e quando possível, esta deve ser substituída por
outras medidas, tais como uma vigilância apertada, uma assistência muito atenta ou
colocação em família, em estabelecimentos ou em lar educativo. Para as regras, a
colocação de um menor em instituição, é sempre uma medida de último recurso (regra
19).
As regras também prezam pela necessidade de profissionalização e de
formação, de modo que a formação profissional, a formação permanente, os cursos de
reciclagem e outros tipos de formação devem ser oferecidos.
A quarta parte das regras trata do tratamento em meio aberto enquanto a
quinta do tratamento em instituição, nosso foco de pesquisa, tem objetivo assegurar aos

138
jovens em conflito com a lei, que se encontram em privação de liberdade, assistência,
proteção, educação e formação profissional. Eles devem ser colocados em instituições
ou locais diferentes (separados) dos adultos, devendo ser beneficiados por uma atenção
especial no que diz respeito às suas necessidades e problemas próprios.
Por fim, a sexta parte ao tratar da investigação, planificação e formulação de
políticas e avaliação mostra a necessidade de formulação de planos e de políticas
eficazes, bem como de avaliações periódicas das tendências, problemas e as causas da
delinquência e da criminalidade juvenis.

v. Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de


Medidas não Privativas de Liberdade - Regras de Tóquio

As Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não


Privativas de Liberdade foram adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na
sua resolução 45/110, de 14 de Dezembro de 1990.
Nelas a Assembleia se declara convicta de que as penas substitutivas da
prisão constituem um meio eficaz de tratar os delinquentes no seio da coletividade
(tanto para o delinquente quanto para a sociedade) e que o objetivo último da justiça
penal é a reinserção social do delinquente.
Apesar de as regras serem específicas de penas não privativas de liberdade,
interessante perceber os princípios ali elencados e determinadas convenções
internacionais. As Regras Mínimas enunciam princípios básicos que visam favorecer o
recurso a medidas não privativas de liberdade, assim como garantias mínimas para as
pessoas submetidas a medidas substitutivas da prisão (regra 1.1), as quais devem ser
privilegiadas a fim de reduzir o recurso às penas de prisão e racionalizar as políticas de
justiça penal.
As medidas não privativas de liberdade devem ser aplicadas de acordo com
o princípio da intervenção mínima (regra 2.6), devendo a escolha da medida ser fundada
em critérios estabelecidos relativos tanto à natureza e gravidade da infração (regra 3.2),
sua aplicação se faz no respeito pelo direito do delinquente e da sua família à vida
privada (regra 3.11). A pena tem que ter em conta a necessidade de reinserção do
delinquente, a proteção da sociedade e do interesse da vítima (regra 8), devendo sua
aplicação diminuir os casos de reincidência e facilitar a reinserção do delinquente na
sociedade. Os delinquentes devem receber uma assistência psicológica, social e

139
material, devendo ser tomadas disposições para reforçar os seus laços com a
comunidade e facilitar a sua reinserção na sociedade (regra 10.4).
Para isso, as condições das medidas não privativas de liberdade devem ser
práticas e precisas e as pessoas que irão aplicar as medidas devem ser qualificadas e ter
uma formação especializada apropriada e experiência prática (regra 16.1). A
participação da coletividade também deve ser encorajada, pois constitui um importante
meio de reforçar laços entre os delinquentes submetidos a medidas não privativas de
liberdade e as suas famílias e a comunidade (regra 17.1).
Por fim, a investigação e planificação são necessárias, devendo ser
integrados no sistema de justiça penal para recolher e analisar os dados estatísticos
pertinentes sobre a aplicação do tratamento de delinquentes em meio aberto.

vi. Regras mínimas para o tratamento de prisioneiros

No âmbito internacional, a educação dos adultos encarcerados, é prevista no


documento “Regras mínimas para o tratamento de prisioneiros”, elaborado no 1º
Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento de
Delinquentes, realizado em Genebra, em 1955, aprovado pelo Conselho Econômico e
Social da ONU por meio da sua resolução 663 C I (XXIV), de 31 de julho de 1957, e
aditada pela resolução 2076 (LXII) de 13 de maio de 1977.
Tais regras buscam estabelecer princípios e normas de uma boa organização
penitenciária e da prática relativa ao tratamento de prisioneiros. Eles tratam de matérias
relativas à administração geral dos estabelecimentos penitenciários, sendo aplicável a
todas as categorias de prisioneiros, criminais ou civis, em regime de prisão preventiva
ou já condenados, incluindo aqueles que tenham sido objeto de medida de segurança ou
de medida de reeducação ordenada por um juiz. Em que pese estas regras não estarem
destinadas a determinar a organização de estabelecimentos para delinquentes juvenis
(como estabelecimentos Borstal, instituições de reeducação, etc.), pode-se, de um modo
geral, considerar que a primeira parte destas regras mínimas também é aplicável a esses
estabelecimentos, por isso a importância destas para a presente pesquisa.
Insta frisar que as próprias regras dispõem que delinquentes juvenis não
deveriam ser condenados a penas de prisão.
Como princípios fundamentais as regras devem ser aplicadas
imparcialmente, não podendo haver discriminação alguma baseada em raça, cor, sexo,

140
língua, religião, opinião política ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social,
fortuna, nascimento ou em qualquer outra situação. Outra necessidade que as regras
impõe está na separação de categorias (Regra 8) já que as diferentes categorias de
presos deverão ser mantidas em estabelecimentos prisionais separados ou em diferentes
zonas de um mesmo estabelecimento prisional, levando-se em consideração seu sexo e
idade, seus antecedentes, as razões da detenção e o tratamento que lhes deve ser
aplicado. Tal regra nos remete a prevista no ECA e no SINASE no que concerne a
fixação e aplicação da pena de privação de liberdade.
As regras tratam especificamente de diversas questões sensíveis a privação
de liberdade, como o local destinado aos presos (Regra 9-14), a higiene pessoal (Regra
15-16), as roupas de vestir, camas e roupas de cama (Regra 17-19), a alimentação
(Regra 20), a prática de exercícios físicos (Regra 21), o fornecimento de serviços
médicos (Regra 22-26), as disciplina e sanções (Regra 27-32), os instrumentos de
coação (Regra 33-34), a informação e direito de queixa dos presos (Regra 35 -36), a
possibilidade de contato com o mundo exterior (Regra 37-39), a existência de biblioteca
(Regra 40), a prática de religião (Regra 41-42), o depósito de objetos pertencentes aos
presos (Regra 43), a notificação de morte, doenças e transferências (Regra 44), a
transferência de presos (Regra 45), o pessoal penitenciário (Regra 46-54), e a inspeção
(Regra 55).
A parte II, ao tratar das regras aplicáveis a categorias especiais, dispõe em
seu item 77, denominado “Educação e recreio”, que:

1. Serão tomadas medidas para melhorar a educação de todos os


presos em condições de aproveitá-la, incluindo instrução
religiosa nos países em que isso for possível. A educação de
analfabetos e presos jovens será obrigatória, prestando-lhe a
administração especial atenção. 2.Tanto quanto possível, a
educação dos presos estará integrada ao sistema educacional do
país, para que depois da sua libertação possam continuar, sem
dificuldades, a sua educação.

Tal previsão, acaba por mencionar dentro da educação intramuros, do


indicativo de qualidade, tão tratado no sistema educacional nacional.

2. O fornecimento educacional do adolescente em conflito com a lei e a visão do


Judiciário

141
Conforme já mencionamos, apesar das Constituições Liberais procurarem a
“inação” estatal, a Revolução Industrial e o “movimento das coisas”273 passou a exigir
mais ação estatal, sendo necessário um planejamento estratégico, no qual devem ser
escolhidos fins e objetivos comuns, além dos instrumentos e meios para alcançá-los.
O Estado Contemporâneo, assim, passou a ter legitimidade e capacidade
para realizar objetivos predeterminados, de modo que a reorganização da atividade
estatal em função de finalidades coletivas torna-se indispensável, sendo atribuição dos
Poderes Públicos propiciar condições básicas ao alcance da igualdade social. Esta
passagem de modelos estatais, e necessidade de reorganização da atuação estatal em
vista de da realização de finalidades coletivas, as quais devem ser concretizadas
programadamente através de políticas públicas ou programas de ação governamental, de
maneira coletiva, que englobe todos os Poderes/Funções estatais.
Assim, seguindo este novo modelo de Estado as Constituições do Estado
Dirigente impõem objetivos ao corpo político, os quais devem orientar todo o
funcionamento do Estado e organização da sociedade, tais quais os objetivos do art. 3º
da Carta Magna de 1988; Objetivos, estes, juridicamente vinculantes para todos os
órgãos estatais, o que vem por quebrar o dogma do Estado Liberal da atividade
legislativa preponderante sobre os demais poderes e o dogma da atividade jurisdicional
“prestada por um juiz que representava apenas la bouche de la loi”274.
A professora GRINOVER relembra que “no Brasil, durante muito tempo os
tribunais auto-limitaram-se, entendendo não poder adentrar o mérito do ato
administrativo”275. Tendo a Lei da Ação Popular aberto ao Judiciário a possibilidade de
apreciação do mérito do ato administrativo nos casos dos artigos 4º, II, b, e V, b, da Lei
n.4.717/65. A Constituição de 1988 acabou por ampliar o instituto, quando em seu
artigo 5º, inciso LXXIII previu que

qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que


vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de
que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor,
salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência.

273
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas, in
Revista dos Tribunais, Ano 86, V. 35, 1997, p. 16.
274
GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário. O processo:
estudos e pareceres. 2ª edição revisada e ampliada. São Paulo: DPJ Editora, 2009. p. 38.
275
GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário. O processo:
estudos e pareceres. 2ª edição revisada e ampliada. São Paulo: DPJ Editora, 2009. p. 37.

142
Por sua vez, Cândido Dinamarco entende que foi a ação popular que abriu
caminho ao Judiciário para o controle de mérito do ato discricionário do poder publico a
partir do momento em que ela desmistificou o dogma da “substancial incensurabilidade
do ato administrativo”276.
Como já mencionado anteriormente, a Constituição de 1988 fez mais ao
fixar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil em seu artigo 3º, pois
para atingir tais objetivos (acrescendo-se a eles o princípio da prevalência dos direitos
humanos, previsto no artigo 4º, II da CF) o Estado deve se organizar no facere e
praestare, modificando a realidade social. Tanto que para Oswaldo Canela Jr. “cabe ao
Poder Judiciário investigar o fundamentos de todos os atos estatais a partir dos objetivos
fundamentais inseridos na Constituição (art. 3º da CF brasileira)”277 havendo, portanto,
a necessidade de uma postura do Judiciário mais ativa e comprometida socialmente.
Tanto que atualmente com os julgamentos do STF de casos complexos
como o Raposa Serra do Sol e mesmo o Mensalão, vemos o Poder Judiciário cada vez
mais na mídia, e a importância da considerável influência que este exerce sobre as
políticas governamentais. Nessa direção confluem as conclusões de RAMOS:

O controle jurisdicional sobre os atos do Poder Público que


apresentem consequências jurídicas realça, modernamente, a
importância do Poder Judiciário, que , ao contrário do Poder
‘invisível e nulo’ imaginado por Montesquieu, exerce
considerável influencia sobre as políticas governamentais, ao
exigir que a sua execução respeite a legalidade vigente. Isso se
torna ainda mais nítido quando se trata de verificar a
conformidade de atos legislativos, ou normativos em geral, à
Constituição.278

Vemos assim, que as políticas governamentais são judiciáveis, tendo o juízo


de constitucionalidade o objetivo de confrontar as políticas governamentais, seus
objetivos constitucionalmente vinculantes e as regras que estruturam seu
desenvolvimento. Ada Pellegrini afirma ainda que “o controle de constitucionalidade
das políticas públicas pelo Poder Judiciário, assim, não se faz sob o prisma da

276
GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário. O processo:
estudos e pareceres. 2ª edição revisada e ampliada. São Paulo: DPJ Editora, 2009. p. 38.
277
CANELA, Oswaldo. Jr. In. GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder
Judiciário. O processo: estudos e pareceres. 2ª edição revisada e ampliada. São Paulo: DPJ Editora, 2009.
p. 39.
278
RAMOS, Elival da Silva. Controle de constitucionalidade no Brasil: perspectivas de evolução. São
Paulo: Saraiva, 2010. p. 438-439.

143
infringência frontal à Constituição pelos atos do Poder Público, mas também por
intermédio do cotejo desses atos com os fins do Estado”279.
A inconstitucionalidade de uma política pública pode ocorrer em razão de
sua finalidade ou em razão dos instrumentos escolhidos para a sua concretização. Ela
pode ser tanto comissiva quanto omissiva, sendo os efeitos jurídicos de uma decisão que
fulmina de inconstitucionalidade uma política pública atingiria todas as leis e atos
normativos executórios (efeito ex nunc), sendo desejável que esta tivesse além deste
efeito desconstitutivo, a natureza injuntiva ou mandamental.
Em relação ao controle de políticas públicas pelo Judiciário não podemos
esquecer a advertência de DWORKIN de que o princípio democrático é igualmente,
limitador das decisões políticas dos magistrados, de forma que ao passo em que
contribuem para a realização da democracia, os juízes estão igualmente limitados por
ela280.

Conforme demonstram Ronald Dworkin e Jürgen Habermas, a


jurisdição constitucional não atua, simplesmente, mediante
critérios valorativos e sim, mediante critérios normativos,
pautados pela Constituição, e que, na justa medida de sua
origem democrática, refletem os valores dominantes na
sociedade.”281

De igual posicionamento RAMOS, para quem “em face da textura aberta


das normas-parâmetro utilizadas na avaliação da regularidade dos atos controlados, não
pode o juiz constitucional perder de vista a liberdade de conformação que, nos limites
admitidos pela própria Constituição, deve ser assegurada ao legislador”282.
Ele também nos recorda o quanto a dinâmica do processo político
democrático está mais aberta à participação popular (através de consultas e audiências
públicas, plebiscitos, etc.) vindo a afirmar que o Poder Legislativo tem, assim,
asseguradas “melhores condições do que a qualquer órgão do Poder Judiciário no

279
GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário. O processo:
estudos e pareceres. 2ª edição revisada e ampliada. São Paulo: DPJ Editora, 2009. p. 37.
280
CANELA. Oswaldo Jr. O controle Judicial de Políticas Públicas. 1ª. Edição. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 91.
281
RAMOS, Elival da Silva. Controle de constitucionalidade no Brasil: perspectivas de evolução. São
Paulo: Saraiva, 2010. p. 464.
282
RAMOS, Elival da Silva. Controle de constitucionalidade no Brasil: perspectivas de evolução. São
Paulo: Saraiva, 2010. p. 440-441.

144
responder às necessidades sociais, acompanhando os ágeis e raramente uniformes
movimentos pelos quais se expressam.”283.

Cumpre também lembrarmos de que o âmbito da independência do Poder


Judiciário, o princípio da inafastabilidade, afinal, “se toda e qualquer lesão, ou ameaça
de lesão, a direito viabiliza o exercício do direito de ação (CF, art.5º, XXXV), não
poderá o Poder Judiciário restringir o acesso das partes ao processo por fundamentos
externos ao sistema do Direito Processual. Em sendo, independente, o Poder Judiciário
vincula-se tão somente aos objetivos do Estado (CF, art.3º), de tal forma que não poderá
paralisar sua atividade por invocação do fator econômico”284.
Partindo do pressuposto de que a Constituição é sistêmica e seu conteúdo
integrado, sempre que nos deparamos com tal alegação, devemos também nos recordar
de outros princípios como a prevalência dos direitos humanos (art.4º II, da CF), a
igualdade (5º, da CF), a legalidade (5º, II, da CF), entre outros, como os princípios
setoriais da administração pública (art. 37, da CF), os quais acabam por mitigar
qualquer aplicação rigorosa da Separação dos Poderes. Podemos, assim, dizer que a
constante afirmação de que o Poder Judiciário não tem competência para julgar questões
políticas, devido à divisão de Poderes, deve ser desde já rechaçada. Quanto às criticas
feitas à Jurisdição Constitucional brasileira de que lhe são outorgados poderes, amplos e
discricionários (a exemplo da manipulação dos efeitos da declaração de
inconstitucionalidade e o efeito vinculante das decisões), da ingerência em relação aos
limites postos a sua atuação, e a alegação da falta de legitimidade democrática do Poder
Judiciário, visto a composição dos quadros de juízes, magistrados e Ministros, não ser
eleita pelo povo, tal qual ocorre nos demais Poderes, tais criticas devem ser rechaçadas.
Em relação às alegações de discricionariedade e demasiado poder, o
processo judicial em si, coloca diversas barreiras e métodos de controle para a
decisão/sentença jurídica, tal qual a necessidade de fundamentação da sentença
(exigência do art.93, IX da CF), o debate processual marcado pelo contraditório (que faz
com que os mais diversos argumentos sejam apreciados em juízo), além do fato do
Poder Judiciário ser contra majoritário, o que leva ao debate público direitos de

283
RAMOS, Elival da Silva. Controle de constitucionalidade no Brasil: perspectivas de evolução. São
Paulo: Saraiva, 2010. p. 440-441.
284
CANELA. Oswaldo Jr. O controle Judicial de Políticas Públicas. 1ª. Edição. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 92.

145
minorias que na maioria das vezes não tem espaço nos processos políticos
convencionais285.
Já, com relação à alegação da falta de legitimidade político-democrática do
Supremo Tribunal Federal, alegação estendida a órgãos menores do Judiciário, tal
alegação mostra-se um tanto equivocada, não só devido à existência daquilo que
chamamos legitimidade reflexa, visto a indicação dos Ministros ser realizada pelo
Presidente da República e passar por aprovação no Senado. Cumpre transcrever o
entendimento de Willian L. Reynolds que ao refutar o argumento majoritário para
criticar a posição ativista do judiciário, diz:

o juiz não decida de acordo com a sua vontade, mas sim,


conforme determinam as fontes de direito. Neste diapasão, o
campo de atuação judicial seria muito mais restrito do que o do
legislador. Ademais, os juízes não precisam agradar ninguém
para obter o seu poder, que vem da imperatividade das decisões,
sendo que o mesmo não ocorre com o legislativo.286

Concluímos, assim, pela legitimidade constitucional do Poder Judiciário, no


que se refere à conformação ou aplicação de políticas públicas, sendo necessária a
análise do atual posicionamento do Judiciário brasileiro e como este tem se posicionado
no que se refere ao direito à educação dos jovens nos estabelecimentos de privação de
liberdade e a oferta educacional a este grupo tão específico.
Realizada pesquisa jurisprudencial das demandas educacionais referentes ao
espaço de privação de liberdade se dará a partir da vigência do Estatuto da Criança e do
Adolescente, ano de 1991287, até o ano de 2011. Tal corte temporal, que abarca os 20
anos de vigência do ECA, se faz por o considerarmos um importante ordenador jurídico
para a garantia e defesa dos direitos da infância e juventude. Insta salientar que tal
delimitação temporal é necessária, pois abrange não só o tempo suficiente para a criação
do aparato jurídico-educacional do sistema de proteção à criança e ao adolescente, mas
também à mudança ocorrida com os 06 anos de implantação da Fundação CASA e seu
novo modelo de intervenção em substituição ao antigo modelo vigente na FEBEM.

285
SABINO. Marco Antonio da Costa. Quando o Judiciário Ultrapassa seus Limites Constitucionais e
Institucionais – O Caso da Saúde. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. O controle
jurisdicional das políticas públicas. São Paulo: Forense, 2011, p. 353-386.
286
REYNOLDS. Willian L. Judicial Process in a Nutshell. 2nd edition. Maryland: West Group, 1991, pp.
143-154.
287
Promulgado em julho de 1990, e publicado D.O.U. 16.7.1990 e retificado no D.O.U de 27.9.1990,
entrando em vigor 90 (noventa) dias após sua publicação (art. 266 da Lei 8.069/90).

146
A primeira etapa de pesquisa jurisprudencial, etapa formal, buscou coletar e
sistematizar as decisões dentro dos seguintes tópicos: 1. Número do processo; 2.
Natureza do recurso; 3. Data do julgamento; 4. Categorias; 5. Temas; 6. Origem:
Comarca originária do processo; 7. Apelante/Recorrente: os nomes dos autores que
recorreram da decisão anterior; 8. Apelados/Recorridos: os nomes dos autores que
foram apelados ou recorridos para a solução do litígio; 9. Câmara: Sessão onde ocorreu
o julgamento; 10. Votação: se unânime ou maioria dos votos; 11. Resultado: se o
recurso foi provido, não provido, parcialmente provido, recurso extinto; 12. Relator:
nome do desembargador relator da decisão; e 13. Localização da ementa e do acórdão:
indicando a origem do acesso do material.
A análise se deu a partir da coleta de decisões nos sítios eletrônicos do STJ e
STF, através do banco de dados “Pesquisa – Jurisprudência do STJ” e “Pesquisa de
Jurisprudência” do STF, utilizando como descritores: “direito à educação”, “educação”,
“privação de liberdade”, “jovem”, “socioeducativa”, e “internação”. No sítio eletrônico
do STJ foram selecionados registros referentes à “educação, privação de liberdade, e
socioeducativa”, totalizando 04 decisões monocráticas, sendo três habeas corpus
referentes a mudança de medida socioeducativa de internação para aberta e/ou
semiliberdade, e um recurso especial para o mesmo fim, sendo os primeiros concedidos
e o recurso negado.
Já no sítio eletrônico do STF não foram selecionados registros com base nos
descritivos mencionados, de modo que inexistem decisões referentes ao fornecimento
educacional nas prisões, apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal.
O Tribunal de Justiça do estado de São Paulo, através do banco de dados
“Magistrado”, “Consulta Jurisprudência”, utilizando como descritores: “direito à
educação”, “educação”, “privação de liberdade”, “jovem”, “socioeducativa”, e
“internação”. No sítio eletrônico do TJ-SP foram selecionados registros referentes à
“educação”, “privação de liberdade” e “jovem”, totalizando 02 decisões monocráticas,
aparecendo a mensagem de que haviam mais decisões, porem, estas se encontravam em
segredo de justiça. Por sua vez utilizando os descritores “educação”, “privação de
liberdade” e “socioeducativa” não foi localizada nenhuma decisão.
Os registros encontrados não se referem direitamente a garantia do direito à
educação na prisão, nem ao fornecimento educacional, mas sim a processos de execução
da MSE, pedidos de modificação de MSE ou contra a inserção do adolescente em MSE
de internação, como no caso dos pedidos de habeas corpus encontrados.

147
Após a sistematização da jurisprudência (presente na parte anexos), a
segunda etapa de análise (análise material), se dará através do roteiro de pesquisa
apresentado nos objetivos da pesquisa. Sendo escolhida a decisão monocrática do
habeas corpus nº 224.583 – origem SP (2011/0269500-4) proferida em 30 de
novembro de 2011, pelo relator do caso, o Ministro Sebastião Reis Júnior, cuja decisão
concedeu a ordem de habeas corpus a fim de inserir adolescente em medida
socioeducativa de liberdade assistida associada ao acompanhamento ambulatorial
psiquiátrico, psicopedagógico e familiar.

STJ: Decisão monocrática do habeas corpus nº 224.583 – SP (2011/0269500-4)

a. Contexto
A decisão analisada é referente habeas corpus impetrado em benefício de
adolescente (S. D. A.), e aponta como autoridade coatora a Câmara Especial do
Tribunal de Justiça de São Paulo, que denegou o pedido de Habeas Corpus, indeferindo
a modificação da medida socioeducativa aplicada à adolescente, e mantendo-a na MSE
de internação, não levando em conta relatório técnico que sugeria a progressão da
medida e afirmando que tal relatório não o vinculava. A decisão do Magistrado de
primeiro grau acaba por fundamentar-se, apenas, na existência de faltas disciplinares
cometidas pela adolescente.
A adolescente já se encontrava internada há mais de 02 anos “em
decorrência de sentença judicial que determinou sua internação, em razão da prática de
ato infracional equiparado ao crime de tráfico de drogas”, e apresentava distúrbio de
conduta, com sintomas de autoflagelação, agressividade, alucinações visuais e auditivas,
irritabilidade excessiva, dentre outros, que estavam se agravado em razão das condições
ambientais (encarceramento), nas quais a adolescente estava inserida.
O HC pleiteou, ainda, que a adolescente fosse encaminhada “a um
atendimento individual e especializado, compatível com sua limitação mental”,
suscitado o § 3º, do art. 112 do ECA e a colocação da jovem em liberdade, em medida
proteção, sendo necessário o tratamento ambulatorial, psiquiátrico, psicopedagógico e
familiar.
Os principais problemas suscitados são a finalidade da MSE de privação de
liberdade, sua ineficácia, no caso da jovem, já que a privação de liberdade e falta de
contato com a família estavam visivelmente definhando a jovem e lhe causando sérios

148
problemas de ordem psicológica e afetiva. Tanto que o relator é claro ao dizer que o
“intuito da medida socioeducativa, em qualquer de suas modalidades, é o de educação e
ressocialização do menor infrator. Sua aplicação é realizada de acordo com o caso que
se apresenta, sendo consideradas as circunstâncias da prática do ato infracional
(objetivas) e as condições pessoais do menor infrator (subjetivas)”. Ele ainda aventa que
as reavaliações periódicas servem para que a efetividade da MSE imposta seja
verificada.
A presença da família da jovem no acompanhamento da medida também é
um problema (no caso solução) do qual a decisão trata. Isto porque no caso analisado, a
mãe da jovem (Sra. A) participa de forma ativa nas ações propostas pela equipe de
técnicos para reorganização pessoal de sua filha288. Tal participação só é possível dada a
descentralização do sistema de atendimento e de cumprimento de medida
socioeducativa, que é estadual, mas busca estabelecer convênios municipais para
aproximar o adolescente da comunidade e auxiliá-lo no cumprimento da pena. Ocorre
que o SINASE ainda é muito recente e ainda não é aplicado de forma integral, sendo um
sério problema político-social.
Outro sério problema que podemos notar na decisão em questão é o fato da
MSE não ter prazo definido, apenas a previsão de ser breve e não ultrapassar 03 anos.
Tal falta de correspondência entre o ato infracional considerado crime e a quantidade de
meses/anos para o cumprimento da medida (tal qual ocorre na execução penal do
adulto), acaba por ampliar o poder discricionário do juiz que determina a MSE, que
acaba infringindo aos adolescentes medidas muito mais duras do que aos adultos
(resguardados pela legislação penal garantista). No presente caso a jovem está
submetida a medida de internação há mais de 2 anos.
A utilização de terapia medicamentosa na MSE aparece no laudo que o
magistrado transcreve, sendo uma preocupação a utilização de medicamentos no curso
da internação, como forma de conter e/ou acalmar o jovem. Tanto que o tratamento
médico não pode ser ministrado por funcionários que não possuam titulação e aptidão
técnica para tal.
Por fim, o principal problema que visualizamos está no fato da própria
medida socioeducativa proposta à adolescente, ser a de internação, esta, que deveria ser

288
“Nesse sentido, participa das consultas psiquiátricas de S. realizadas na rede de saúde de Tatuí/SP para
aumentar sua percepção e responsabilidade sobre as vivências de sua e filha e sobre as perspectivas que
visualizam para quando for encerrado o período de privação de liberdade” (habeas corpus nº 224.583 - SP
(2011/0269500-4).

149
a ultima ratio, e que no presente caso, está claramente acentuando uma espécie de
desgaste psíquico no contexto familiar e distanciando a jovem de pessoas afetivas e
próximas de sua convivência, gerando sérios prejuízos a resignificação da adolescente e
a organização da vida familiar.
A decisão ocorreu em novembro de 2011, ou seja, dentro de um contexto de
ampliação dos direitos sociais, no qual além da Constituição de 88 (conhecida por
Constituição Cidadã) prever e garantir direitos à todas as crianças e adolescentes, a
legislação infraconstitucional como o ECA de 1990, as resoluções do CONAMA e os
tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, são fonte extensa e robusta de
legislação constitucional e ordinária, na defesa da proteção de crianças e adolescente.
Porém da data da sentença, ainda não existia o SINASE, que esmiúça de modo mais
claro o cumprimento da medida socioeducativa.

b. Texto e significado da norma


Os sentidos interpretativos que podem ser atribuídos ao enunciado são
aqueles ligados a doutrina de proteção integral e prioridade absoluta da criança e do
adolescente que vê a legislação de forma sistêmica e busca considerar o conjunto de
normas como um todo.

c. Controvérsias constitucionais
As principais controvérsias suscitadas pela normatização estão no binômio
punir educar da pena no direito penal juvenil, já que apesar da extensa legislação
protetiva dos direitos da criança e do adolescente, o ato infracional ou conduta
considerada crime, deve ser punido pelo Estado.

d. Argumentação das partes e dos envolvidos, se houver


Infelizmente no presente caso, já em grau de recurso, não temos acesso as
argumentações das partes envolvidas em primeiro grau, restando-nos apenas a decisão
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sob a qual foi impetrado o habeas
corpus. Também não temos acesso ao parecer do Ministério Público Federal, que se
posicionou a favor da concessão do HC.

e. Argumentação do Tribunal

150
A principal razão exposta na tese aplicada, já que por tratar-se de decisão
monocrática, não temos votos dissidentes e outros posicionamentos além do relator,
Ministro Sebastião Reis Júnior; é a de que nos termos do § 1º do art. 112 do ECA, a
imposição de medida socioeducativa deve considerar a capacidade de seu cumprimento
pelo adolescente, no caso concreto e no caso em questão, a adolescente não possui
capacidade mental para assimilar a medida socioeducativa, que, acaba revestindo-se de
caráter retributivo e não ressocializador, sendo incompatível com os objetivos do ECA.

f. Decisão do Tribunal
A norma da decisão vai no sentido de conceder a ordem (HC) para
“confirmar a liminar já deferida, inserindo a paciente na medida socioeducativa de
liberdade assistida associada ao acompanhamento ambulatorial psiquiátrico,
psicopedagógico e familiar”.
Sendo esta motivada pelo fato de que os fundamentos contidos nas decisões
impugnadas não afastam a conclusão do laudo técnico, no sentido de que a medida de
internação, que já perdura por mais de 2 anos, não trazendo progresso à jovem, que não
mais assimila os benefícios da medida aplicada, necessitando de tratamento
ambulatorial, bem como o estreitamento dos seus vínculos familiares. Para isso, o
relator se utiliza do ECA e a da Constituição Federal brasileira, no que concerne ao
direito da criança e do adolescente e a aplicação de medida socioeducativa.
O resultado da decisão não é facilmente aceito na sociedade, devido o
movimento que se faz para a mitigação de direitos humanos, principalmente quando
tratamos dos jovens em conflito com a lei (que são na maioria das vezes pobres e
periféricos). O atual estado de democracia disjuntiva, já mencionado em capítulos
anteriores nos mostra o quanto o senso comum e o cidadão médio é refratário a garantia
de direitos da juventude infracional.
O principal resultado final tem como benefícios sociais, não apenas a
consolidação da legislação referente à proteção da criança e do adolescente, mas
também a consolidação do estado Democrático de Direito.

151
CONSIDERAÇÕES FINAIS

1. O Estado Brasileiro é um Estado Democrático de Direito, conforme o


previsto no artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
definição que leva em conta o poder exercido no Estado, e o princípio da necessidade de
efetiva participação popular. O Estado, assim, se encontra diretamente associado aos
princípios: república (supremacia do bem comum sobre os interesses individuais) e
democracia (supremacia da vontade popular).
2. O Estado organizou-se para ser democrático, de modo que este e todas as
teorias que informam as Constituições (formas de Estado e de governo) encontram-se
elencadas nas cartas constitucionais que irão fundamentar e guiar as ações do Estado.
Nas experiências históricas do Estado de Direito, a Constituição passou de mera
fotografia do poder (modelo, em certa medida, do positivismo e do jusnaturalismo) para
reflexo do “dever ser”, sendo reconhecida sua força normativa, expandida sua jurisdição
e aprimorada a dogmática de interpretação constitucional.
3. Todo esse movimento trouxe a tona um novo modelo de Estado (Estado
Constitucional) que não é considerado como um fim em si mesmo, mas como um
instrumento de garantias de direitos. Tanto que o conceito contemporâneo de
Constituição reconhece o povo enquanto efetivo detentor do poder político, além de
estabelecer os procedimentos de legitimidade do exercício deste poder (representantes –
eleitos; e titulares – povo); condicionar o exercício do poder político à realização dos
direitos fundamentais; e ainda garantir a normatividade.
4. O Brasil, ao colocar os direitos do homem dentro do status de direitos
constitucionais, acabou por condicionar não apenas o exercício do poder político, mas a
própria realização desses direitos. Exercício que pode ser visto no disposto do artigo 5º
parágrafo 1º da Constituição Federal de 1988, ao estabelecer que as normas definidoras
dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata.
Tal disposição encontra-se relacionada à ideia contemporânea de direitos
humanos, enquanto universais, intransferíveis, imprescritíveis, indivisíveis, inalienáveis,
irrenunciáveis, interdependentes entre si, tendo como objetivo a garantia da dignidade
humana. Eles podem ser individuais, coletivos e difusos.
5. A garantia e efetivação dos direitos é condição necessária ao conceito de
Estado Democrático de Direito. Por sua vez, o direito fundamental à educação é

152
precursor dos demais direitos, uma vez que leva o individuo a desenvolver, com
autonomia, as suas potencialidades como ser humano, além de ser um dos meios mais
eficazes para se alcançar a dignidade da pessoa humana. De modo sintético, pode-se
dizer que a Democracia e educação sempre andam juntas. O direito à educação também
pode ser compreendido enquanto direito social, dimensão dos direitos fundamentais do
homem, consistentes em prestações positivas proporcionadas pelo Estado.
6. O direito à educação comporta os vocábulos educação e ensino, porém
apesar destes serem utilizados como equivalentes, possuem significados distintos, sendo
a educação mais ampla que ensino. Educação envolve processos culturais, sociais,
éticos, familiares, religiosos, ideológicos e políticos presentes ao longo da formação do
indivíduo; ao passo que o ensino é mais pontual, se relacionando a um processo de
aprendizado, direcionado e direto (formação elementar do indivíduo nas ciências,
práticas e saberes constituídos pela humanidade).
Em que pese a Constituição Federal de 1988, a LDB (Lei 9.394, de 20 de
dezembro de 1996) ou mesmo o ECA (Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990),
empregarem os vocábulos muitas vezes enquanto sinônimos, concluímos que o ensino é
“um capítulo da educação de uma pessoa”, mais ampla e por isso relacionada aos
diferentes processos socioculturais que formam o indivíduo.
7. A educação fortalece os liames éticos, dignifica o cidadão, amplia seus
horizontes e suas opções intelectuais, morais, sociais, cívicas e laborais. Ela alavanca o
cidadão para o desenvolvimento; motivos por si só suficientes para a criação de medidas
efetivas que permitam a todos o acesso e a manutenção à/da educação. No concernente
ao ensino público, este deve ser acessível a todos, de qualidade, e investir nos
professores, em programas suplementares (alimentação, material escolar e transporte).
Sendo a igualdade de oportunidades e a garantia de vagas para todos, condições de
realização do ensino público no Brasil.
8. A garantia de implementação e acesso à educação, mais do que um direito
fundamental, é uma obrigação estatal e questão de política pública, principalmente
quando tratamos da oferta educacional para aqueles que estão em fase de
desenvolvimento como as crianças e os adolescentes. Ela abrange tanto o atendimento a
crianças em idade escolar (2-18 anos) em creches, pré-escolas e ensino fundamental,
quanto àqueles que não tiveram acesso à educação na idade própria.
9. Dentre as fontes do Direito Educacional temos a Constituição da
República Federativa do Brasil (artigos 6º e 205 e seguintes da Constituição Federal),

153
que tem como objetivos o pleno desenvolvimento da pessoa; seu preparo para o
exercício da cidadania; e sua qualificação para o trabalho; a lei n. 9.394, de 20.12.96,
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que regulamenta as linhas traçadas
pela Constituição Federal, disciplina a educação escolar, define incumbências como
jurisdição e forma de relacionamento dos Sistemas de Ensino; o Plano Nacional de
Educação, que deve ser fruto de debate dos representantes dos diversos partidos
políticos, entidades e órgãos educacionais; bem como Conselho Nacional de Educação e
outros órgãos relacionados ao tema.
Por sua vez, no âmbito internacional, inúmeros tratados e declarações tratam
do direito à educação, sua promoção e garantia; sendo as principais a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (PIDESC), a Declaração de Hamburgo, a Declaração Mundial sobre
Educação para todos.
10. A garantia e efetivação de direitos sociais, ditos prestacionais, necessita
de programas de ação, planejamento e investimento, consolidados através de políticas
públicas, no presente estudo, políticas públicas educacionais. Política pública enquanto
programa de ação, quadro de ação governamental, que permite a adoção de medidas
articuladas no sentido de concretizar um direito. Tais medidas perpassam por todas as
funções do Estado: Legislativa, Executiva e Judiciária; uma vez que todas estão ligadas
aos fins do Estado (art. 3º da CF).
Destarte, a atuação do Poder Judiciário na efetivação de direitos
fundamentais, a partir do seu juízo de constitucionalidade de políticas públicas, é
cabível e em alguns casos necessária. Tanto que a jurisprudência ampla e na maioria das
vezes progressista, quando se trata do direito à educação; elevando-o ao patamar de
direito fundamental e entendendo ser de aplicabilidade imediata, principalmente por
envolver a garantia de um direito primordial, prestado especialmente às crianças e
adolescentes.
11. O direito da criança e do adolescente é recente, visto que a infância
apenas passou a ser identificada no tecido social brasileiro no final do século XVII e
início do século XVIII, tendo seu período de maior destaque no século XX com o
avanço do positivismo e da doutrina menorista.
Durante este período crianças e adolescentes pobres e desvalidos ou autores
de infração (binômio criança carente/delinquente) recebiam o mesmo tratamento do
Estado, passando a ser objeto da atenção de médicos, psicólogos e juristas,

154
institucionalizados em casas públicas de custódia, nas quais o modelo compaixão-
repressão era aplicado.
12. Esta realidade somente foi superada com a proteção especial trazida pela
Constituição Federal de 1988 e legislação infraconstitucional que alicerçaram os direitos
da criança e do adolescente, configurando o Sistema Constitucional Especial de
Proteção. Sistema que deriva do disposto nos artigos 226, 227, 228 e 229 da
Constituição Federal, tendo nos princípios da prioridade absoluta, da tutela diferenciada
e da igualdade seu alicerce principiológico.
Conforme vimos ao longo do trabalho, a proteção especial e o tratamento
diferenciado se dão a partir do pressuposto de que crianças e adolescentes são seres
vulneráveis e em formação, necessitando de tratamento especial por parte do legislador.
A Constituição não distingue, assim, os direitos fundamentais da criança e adolescente
em classes, estando todos no rol de direitos do seu artigo 227, devendo o Estado adotar
uma postura ativa em relação a esses direitos.
13. O tratamento diferenciado dispensado às crianças e adolescentes
engloba, assim, a Doutrina do Respeito à Peculiar Condição de Pessoa em
Desenvolvimento (uma vez que eles se encontram em processo formação física,
psíquica, moral, etc., demandando proteção jurídica especial e o reconhecimento de
direitos especiais, permitindo-lhes construir suas potencialidades e desenvolver sua
personalidade para a vida adulta); a Doutrina da Prioridade Absoluta (na qual Estado,
sociedade e família devem assegurar o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitária das crianças e adolescentes, com prioridade
absoluta); e a Doutrina da Proteção Integral (devendo os direitos fundamentais das
crianças e dos adolescentes receber proteção integral).
14. Concluímos que a Constituição Federal, ao priorizar a efetivação dos
direitos fundamentais das crianças e adolescentes, fez mais do que fixar os direitos
individuais e sociais, pois para serem efetivados o Estado e os órgãos públicos, privados
e entidades da sociedade civil devem ter uma postura ativa e comprometida
socialmente. De tal modo que a rede para a manutenção e promoção do sistema especial
de proteção aos direitos fundamentais das crianças é imensa, sendo a Política Nacional
dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes e o Plano Decenal dos Direitos
Humanos de Crianças e Adolescentes construídos conjuntamente pelo Conselho

155
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), e a Secretaria de Direitos
Humanos (SDH), da Presidência da República.
15. Quando tratamos da criança e do adolescente em conflito com a lei, a
legislação protetiva permanece, mas a justificação social de tal proteção torna-se
conflituosa, sendo muitas vezes proteção e imputabilidade confundidas por impunidade,
havendo grande clamor público por medidas punitivas mais duras, e a crença de que o
adolescente que comete ato considerado crime não responde por seus atos.
Tal discurso distorce o disposto no Sistema Constitucional especial de
proteção aos direitos fundamentais da criança e do adolescente, confundindo
imputabilidade penal com impunidade. Afinal, o adolescente que comete ato
considerado crime responde por ele, sendo previstas diversas medidas socioeducativas
(artigos 103, 104 e 212 do Estatuto da Criança e do Adolescente.), havendo até a
previsão de internação em estabelecimentos prisionais (privação da liberdade).
16. Enfatizamos que adolescente em conflito com a lei é punido através das
diversas medidas socioeducativas previstas no ECA, sendo a de internação em
estabelecimentos prisionais uma das mais duras. Aos adolescentes sob custódia do
Estado são garantidos os direitos abrigados no ECA e no SINASE, além de toda a
legislação protetiva prevista nacional e internacionalmente.
Quando analisamos o perfil do adolescente em conflito com a lei, este
possui idade média de 16,7 anos, cumprindo medida de internação por atos infracionais
correspondentes a crimes contra o patrimônio (roubo, furto, entre outros), possuem
elevada taxa de reincidência e baixa escolaridade.
Analisando dados do relatório apresentado pelo CNJ, em 2012, sobre a
internação na Fundação CASA de São Paulo, chegamos a um perfil de jovens cujas
famílias desestruturadas, a defasagem escolar e/ou a utilização de substâncias
psicoativas, somadas a uma latente exclusão social, cultural e econômica potencializam
a delinquência, sendo na maioria das vezes apontadas como causadoras do ato
infracional e/ou envolvimento criminal.
17. Concluímos pela responsabilidade estrutural da sociedade, que exclui
social, cultural e economicamente estes adolescentes em situação de conflito. O grande
número de crimes contra o patrimônio nos leva a inferir o desejo de inclusão em uma
sociedade capitalista, que exclui pelo consumo.
18. As medidas socioeducativas tem seu significado material relacionado à
sua essência, o “ser” de seu objeto, elementos informadores a unilateralidade e a

156
obrigatoriedade. Este, caráter sancionatório das MSEs faz com que elas sejam aplicadas
excepcionalmente (excepcionalidade), dentro da lei e da normativa do sistema de
proteção da criança e do adolescente (legalidade), bem como em curtos espaços de
tempo (brevidade).
A importância do potencial instrumentalizador de mudanças da MSE está na
sua finalidade pedagógica. Tanto executor quanto o aplicador estão vinculados aos seus
critérios, princípios e garantias e finalidades, devendo a autoridade judiciária levar em
conta obrigatoriamente as necessidades pedagógicas.
19. A busca de uma pedagogia especificamente destinada ao adolescente
autor de ato infracional constitui-se em desafio permanente dos operadores do sistema
de atendimento e operadores responsáveis pela execução das medidas. O projeto
político-pedagógico da MSEs deve visar fazê-los experimentar respostas e construir
novas alternativas, devendo estimular a flexibilidade, valorizar o vivencial, respeitar o
diferente.
Estudos nos mostram que muitas vezes o ato infracional deriva da busca por
inclusão e reconhecimento, já que estes jovens não vivenciam situações que promovam
seu desenvolvimento enquanto ser humano.
20. O sistema de cumprimento de medida socioeducativa de internação foi
recentemente regulamentado pela lei nº. 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que busca
concretizar a comunidade socioeducativa através da gestão participativa, realização de
diagnóstico situacional dinâmico e permanente do programa de atendimento, realização
de assembleias, criação de comissões temáticas ou grupos de trabalho, de rede externa,
de um projeto pedagógico e de uma rotina da unidade e/ou programa de atendimento.
A ação socioeducativa deve respeitar as fases de desenvolvimento do
adolescente através do Plano Individual de Atendimento (PIA) que é elaborado a partir
da acolhida do adolescente com a realização de um diagnóstico polidimensional nas
áreas jurídica, de saúde, psicológica, social e pedagógica, o qual irá embasar as metas e
compromissos do plano individual.
21. O plano socioedutavivo contará com a educação formal, escolarização
que se dá através de diversos projetos conforme o tipo de MSE de privação de liberdade
que o jovem cumpre; sendo multiseriada (ou disseriada) e com currículo diferenciado,
visto o caráter transitório de permanência de alguns alunos na unidade de internação.
Ainda assim, são adotadas as Propostas Curriculares dos Cursos de Ensino Fundamental
e Médio regulares da Rede de Ensino Estadual.

157
Contará igualmente com a educação socioeducativa que consiste em práticas
educativas orientadas para a cidadania, direitos humanos, valores, participação política e
protagonismo, que instrumentalize o indivíduo para mudar as estruturas sociais que o
vulnerabiliza. Para isto a educação deve ser vinculada à família, à comunidade, à
cultura, ou seja, a seu contexto social entendido de maneira ampla.
A educação deve ser, assim, global, social e se dar até o resto da vida,
capacitando o indivíduo a viver em sociedade e comunicar-se, necessitando para isso,
uma relação de abertura, reciprocidade e compromisso.
22. A educação dentro de estabelecimentos de privação de liberdade deve se
dar de maneira ampla e irrestrita, buscando resignificar o adolescente em conflito com a
lei. Em que pese a legislação infraconstitucional de proteção a criança e ao adolescente
ter mais de 22 anos, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ter 16 anos, o
SINASE, que regulamenta a o atendimento socioeducativo tem pouco mais de 1 ano.
Assim, a dado o fato das políticas governamentais serem judiciáveis, a partir
do juízo de constitucionalidade, a pesquisa jurisprudencial realizada buscou verificar
demandas educacionais referentes ao espaço de privação de liberdade. Para isso foram
consultados os sítios eletrônicos do STF – no qual não foram selecionados registros
jurisprudenciais, e do STJ, onde os registros encontrados não se referiam direitamente a
garantia do direito à educação em estabelecimentos de privação de liberdade.
Dentre as decisões encontradas pudemos perceber o quanto os tribunais de
primeira instância ainda não aplicam adequadamente os preceitos do ECA e da
legislação protetiva da criança e do adolescente, negando ordens de habeas corpus,
dificultando a inserção do adolescente em medida socioeducativa de liberdade assistida
associada a acompanhamento (ambulatorial psiquiátrico, psicopedagógico e familiar),
distanciam o jovem da família, além de não se utilizarem do laudo técnico e aplicarem
medidas muito mais penosas do que as regulamentadas no direito penal.
23. Tendo a Constituição como conjunto sistêmico de conteúdo integrado, e
acreditando que todas as funções/poderes do Estado encontram-se vinculados aos
objetivos fundamentais do Estado Brasileiro, constantes no artigo 3º, sendo o Judiciário
legitimado constitucionalmente na conformação ou aplicação de políticas públicas
educacionais. Como a pesquisa jurisprudencial realizada não obteve êxito em encontrar
decisões referentes ao tema, sendo poucas as decisões que tratavam da execução da
MSE, fomos levados a questionar se a demanda educacional nos ambientes de privação
de liberdade não aparece na jurisprudência nacional por não haver demanda, pelo fato

158
do fornecimento educacional estar se dando conforme os parâmetros legais; pela falta de
acesso desta população ao Judiciário ou porque as formas de controle judicial inicial
acabam impedindo que tais demandas cheguem aos Tribunais Superiores,
questionamentos estes, não abordados no presente trabalho, necessitando de pesquisas
posteriores que elucidem essas questões.
24. Diante dessas constatações, é forçoso concluir que, ante as finalidades
da MSE de resignificar o jovem em conflito com a lei e romper com a lógica de
violência e deslocamento social que este vivenciou e vivencia extramuros, e a realizada
dos jovens internados, ainda existe um grande abismo.
Mais do que escolarização, a educação dentro destes espaços deve ser
emancipadora, resignificadora e inclusiva, procurando fornecer a este jovem excluído
socialmente, instrumentos de luta, como capacidade de autodeterminação e de
argumentação, e senso crítico, que o permitam novamente realizar um deslocamento do
infracional, da violência, para o diálogo e a inclusão social. A educação deve também,
ser organizada de modo a atender às peculiaridades de tempo, espaço e rotatividade
deste grupo de indivíduos, buscando contemplar o atendimento em todos os turnos,
propiciando espaços físicos adequados às atividades educacionais, esportivas, culturais,
de formação profissional e de lazer.
25. A medida socioeducativa de internação só demonstrará esta eficácia,
quando deixar de se limitar ao seu caráter eminentemente punitivo, que busca
responsabilizar o adolescente pelas consequências lesivas do ato infracional (de
perceptível a semelhança com a pena criminal), e passar a ser verdadeiramente
educativa, visando processos internos e externos de aprendizagem e de resignificação,
mais do que resocialização.
Em conclusão, a lógica da educação não se coaduna à lógica da punição dos
estabelecimentos de privação de liberdade, de modo que se deve buscar fomentar a
discussão sobre o direito à educação e seu fornecimento nos espaços de privação de
liberdade, não apenas no meio acadêmico, mas principalmente entre aqueles que
aplicam a lei e acompanham a execução da medida socioeducativa.
26. A discussão sobre o fornecimento educacional dos estabelecimentos
prisionais ainda é muito incipiente, havendo inúmeros outros aspectos ainda a serem
abordados tais quais: como articular educação com ausência de liberdade; quais os
pontos de intersecção entre a educação formal e a não-formal, dentre as garantias
processuais asseguradas ao adolescente privado de liberdade, como implantá-las e

159
garanti-las efetivamente; quais os caminhos e práticas adequados para que a MSE de
internação se constitua exclusivamente como medida punitiva; qual o perfil e a
formação dos trabalhadores da área, qual o perfil do juiz executor de MSE na vara da
infância e juventude.
Espera-se que este estudo estimule futuras investigações no campo do
direito e demais áreas relacionadas ao tema.

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170
ANEXOS

171
TABELAS SOBRE A INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA NO BRASIL

Tabela 2 - Proporção de pessoas de 15 a 24 anos de idade, com menos de


4 anos de estudo, por Grandes Regiões e sexo, segundo os grupos de idade
Brasil e Grandes Regiões – 1997

Proporção de pessoas de 10 a 24 anos de idade,


com menos de 4 anos de estudo (%)

Centro-
Brasil (1) Norte (2) Nordeste Sudeste Sul
Oeste

Total
15 a 17 anos 20,2 20,5 39,2 10,6 8,3 14,4
18 anos 18,1 15,5 34,4 11,5 7,9 12,7
19 anos 17,6 16,0 34,6 9,9 8,3 13,0
20 a 24 anos 18,9 17,0 34,1 12,2 10,4 15,2

Homens
15 a 17 anos 24,2 24,8 47,2 12,5 9,3 17,1
18 anos 22,0 18,2 43,8 11,7 6,4 14,9
19 anos 20,3 17,3 43,0 10,5 8,8 14,0
20 a 24 anos 21,9 14,4 41,5 13,0 11,3 19,5

Mulheres
15 a 17 anos 16,2 16,3 31,0 8,6 7,3 11,6
18 anos 14,1 13,0 25,1 8,1 9,5 10,8
19 anos 14,9 14,7 26,3 9,7 7,7 12,1
20 a 24 anos 16,0 14,8 27,0 11,5 9,6 11,1

Fonte: Pesquisa nacional por amostra de domicílios 1997 [CD-ROM]. Microdados. Rio de Janeiro:
IBGE, 1998.
(1) Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (2) Exclusive a
população rural.

172
Tabela 3 - Média de anos de estudo das pessoas de 10 a 24 anos de idade,
por Grandes Regiões e situação do domicílio, segundo os grupos de idade
Brasil e Grandes Regiões – 1997

Média de anos de estudo das pessoas de 10 a 24 anos de idade

Centro-
Brasil (1) Norte (2) Nordeste Sudeste Sul
Oeste

Total

10 anos 3,0 2,7 2,3 3,4 3,5 3,3


11 anos 3,6 3,3 2,8 4,2 4,3 3,9
12 anos 4,4 4,0 3,4 4,9 5,1 4,6
13 anos 5,0 4,6 3,9 5,7 5,7 5,2
14 anos 5,6 5,0 4,4 6,4 6,6 5,9
15 anos 6,2 5,7 4,9 7,0 7,1 6,5
16 anos 6,7 6,3 5,3 7,5 7,7 7,0
17 anos 7,1 7,0 5,7 8,0 8,0 7,2
18 anos 7,4 7,3 5,9 8,3 8,2 7,9
19 anos 7,8 7,5 6,2 8,7 8,5 8,0
20 a 24 anos 7,9 8,0 6,5 8,7 8,4 8,0

Urbana

10 anos 3,2 2,7 2,6 3,4 3,6 3,4


11 anos 3,9 3,3 3,2 4,2 4,3 4,1
12 anos 4,7 4,0 3,8 5,0 5,2 4,8
13 anos 5,3 4,6 4,4 5,8 5,8 5,4
14 anos 6,0 5,0 5,0 6,5 6,7 6,1
15 anos 6,6 5,7 5,5 7,1 7,2 6,7
16 anos 7,1 6,3 6,0 7,7 7,9 7,2
17 anos 7,6 7,0 6,5 8,2 8,2 7,5
18 anos 8,0 7,3 6,8 8,6 8,4 8,2
19 anos 8,3 7,5 7,0 8,9 8,9 8,2
20 a 24 anos 8,5 8,0 7,4 9,0 8,8 8,4

Rural

10 anos 2,3 - 1,8 3,0 3,5 2,7


11 anos 2,9 - 2,2 3,7 4,2 3,2
12 anos 3,4 - 2,7 4,4 4,9 3,7
13 anos 3,9 - 3,0 4,9 5,5 4,4
14 anos 4,4 - 3,6 5,4 6,2 5,0
15 anos 4,9 - 3,9 5,9 6,7 5,3
16 anos 5,2 - 4,2 6,3 6,9 5,8
17 anos 5,2 - 4,2 6,1 7,0 5,9
18 anos 5,4 - 4,4 6,3 7,5 6,1
19 anos 5,5 - 4,5 6,7 7,1 6,3
20 a 24 anos 5,3 - 4,5 6,0 6,8 5,8

Fonte: Pesquisa nacional por amostra de domicílios 1997 [CD-ROM]. Microdados. Rio de Janeiro:
IBGE, 1998.
(1) Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (2) Exclusive a
população rural

173
Tabela 4 - Média de anos de estudo das pessoas de 10 a 24 anos de idade,
por grupos de idade e renda mensal familiar per capita, segundo as Grande Regiões
Brasil e Grandes Regiões – 1997

Média de anos de estudo das pessoas de 10 a 24 anos de idade,


por grupos de idade e renda mensal familiar per capita

10 a 11 anos 12 a 14 anos 15 a 17 anos 18 a 24 anos

Até 1/4 Mais Até 1/4 Mais Até 1/4 Mais Até 1/4 Mais
do de 2 do de 2 do de 2 do de 2
salário salários salário salários salário salários salário salários
mínimo mínimos mínimo mínimos mínimo mínimos mínimo mínimos

Brasil (1) 2,3 4,2 3,4 6,4 4,5 8,6 4,6 10,6

Norte (2) 2,3 4,0 3,5 5,9 5,1 8,1 5,7 10,3

Nordeste 2,0 4,0 3,0 6,1 4,0 8,3 4,2 10,6

Sudeste 3,0 4,2 4,5 6,5 5,5 8,6 5,6 10,6

Sul 3,1 4,5 4,7 6,7 5,5 9,0 5,5 10,7

Centro-Oeste 2,7 4,3 4,1 6,5 5,1 8,4 5,6 10,4

Fonte: Pesquisa nacional por amostra de domicílios 1997 [CD-ROM]. Microdados. Rio de Janeiro: IBGE,
1998.
(1) Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (2) Exclusive a
popu -lação rural.

174
Tabela 5 -Taxas de escolarização das pessoas de 4 a 24 anos de idade,
por grupos de idade e situação do domicílio, segundo as Grandes Regiões
Brasil e Grandes Regiões – 1997

Taxas de escolarização das pessoas de 4 a 24 anos de idade,


por grupos de idade e situação do domicílio

5e6 7a 15 a 17 18 e 19 20 a 24
4 anos
anos 14 anos anos anos anos

Total

Brasil (1) 36,4 66,6 93,0 73,3 45,8 21,9

Norte (2) 36,1 71,6 91,9 75,9 51,7 27,3

Nordeste 44,5 69,8 89,4 69,3 45,4 21,1

Sudeste 35,5 67,3 95,5 77,4 47,1 22,5

Sul 26,9 60,2 94,9 70,4 40,0 19,6

Centro-Oeste 25,1 59,2 93,2 71,1 46,4 22,1

Urbana

Brasil (1) 41,0 71,6 94,5 77,1 49,5 24,2

Norte (2) 36,1 71,6 91,9 75,9 51,7 27,3

Nordeste 55,7 77,3 91,7 75,1 52,7 25,2

Sudeste 38,9 71,8 96,2 79,8 49,3 23,7

Sul 30,9 65,0 95,5 73,9 43,2 22,4

Centro-Oeste 28,9 64,1 95,2 74,4 49,5 24,7

Rural

Brasil (1) 22,2 51,6 88,0 59,1 30,6 11,6

Norte (2) 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

Nordeste 28,9 59,1 85,8 59,3 32,5 12,9

Sudeste 15,1 41,1 91,2 60,0 28,2 11,6

Sul 13,3 44,7 92,7 58,1 28,6 8,4

Centro-Oeste 8,0 39,9 84,5 53,4 25,8 8,3

Fonte: Pesquisa nacional por amostra de domicílios 1997 [CD-ROM]. Microdados. Rio de Janeiro:
IBGE, 1998.
(1) Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (2) Exclusive a
população rural.

175
Tabela 7 - População residente total e de 0 a 24 anos de idade,
absoluta e relativa, por Grandes Regiões, segundo os grupos de idade
Brasil – 1997
(continua)

População residente total e de 0 a 24 anos de idade

Centro-
Brasil (1) Norte (2) Nordeste Sudeste Sul
Oeste

Números absolutos
156 128
População total 003 ###### ###### ###### ###### ######
6 916
0 a 6 anos 21 231 045 ###### 618 ###### ###### ######
1 123
Menos de 1 ano 2 931 013 188 407 929 311 247 466 983 213 206
1 169
1 ano 2 931 514 169 480 941 453 735 425 941 217 148
1 007 1 223
2 anos 3 092 860 165 833 981 639 466 560 219 860
1 167
3 anos 2 990 574 179 965 961 863 410 473 130 202 338
1 039 1 249
4 anos 3 172 197 178 686 222 791 478 332 214 867
1 037 1 167
5 anos 3 083 345 173 816 413 372 481 242 217 341
1 173
6 anos 3 029 542 169 266 999 375 841 468 846 209 790
1 460
7 a 14 anos 26 863 331 186 ###### ###### ###### ######
1 009 1 284
7 anos 3 190 255 166 217 152 083 485 858 237 281
1 081 1 275
8 anos 3 242 917 177 455 598 013 454 065 244 422
1 144 1 325
9 anos 3 381 862 173 320 756 560 486 304 243 556
1 148 1 337
10 anos 3 380 308 184 950 044 778 463 266 237 894
1 136 1 256
11 anos 3 332 069 190 689 266 545 498 464 244 798
1 141 1 380
12 anos 3 430 693 178 667 363 944 493 026 227 388
1 111 1 346
13 anos 3 352 675 190 993 622 938 462 527 234 254
1 177 1 424
14 anos 3 552 552 197 895 452 303 508 563 237 502
1 483
15 a 17 anos 10 399 484 566 329 ###### ###### 371 732 209
1 151 1 486
15 anos 3 617 469 203 219 237 564 510 759 259 783
1 122 1 412
16 anos 3 443 485 179 685 358 975 487 117 236 408
1 044 1 384
17 anos 3 338 530 183 425 150 181 485 495 236 018
1 022 1 333
18 anos 3 205 499 181 931 578 719 427 116 235 458
1 303
19 anos 2 975 400 165 102 878 516 702 407 893 216 353
3 924 5 800 1 960
20 a 24 anos 13 454 058 714 267 961 848 999 1 029 430

176
Tabela 7 - População residente total e de 0 a 24 anos de idade,
absoluta e relativa, por Grandes Regiões, segundo os grupos de idade
Brasil e Grandes Regiões – 1997
(conclusão)

População residente total e de 0 a 24 anos de idade (%)

Centro-
Brasil (1) Norte (2) Nordeste Sudeste Sul
Oeste

Números relativos (%)


População total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

0 a 6 anos 13,6 16,7 15,2 12,1 13,6 13,8

Menos de 1 ano 1,9 2,6 2,0 1,6 2,0 2,0

1 ano 1,9 2,3 2,1 1,7 1,8 2,0

2 anos 2,0 2,3 2,2 1,8 1,9 2,0

3 anos 1,9 2,4 2,1 1,7 2,0 1,9

4 anos 2,0 2,4 2,3 1,8 2,0 2,0

5 anos 2,0 2,4 2,3 1,7 2,0 2,0

6 anos 1,9 2,3 2,2 1,7 2,0 1,9

7 a 14 anos 17,2 19,8 19,7 15,6 16,1 17,6

7 anos 2,0 2,3 2,2 1,9 2,0 2,2

8 anos 2,1 2,4 2,4 1,9 1,9 2,3

9 anos 2,2 2,4 2,5 1,9 2,0 2,3

10 anos 2,2 2,5 2,5 2,0 1,9 2,2

11 anos 2,1 2,6 2,5 1,8 2,1 2,3

12 anos 2,2 2,4 2,5 2,0 2,1 2,1

13 anos 2,1 2,6 2,4 2,0 1,9 2,2

14 anos 2,3 2,7 2,6 2,1 2,1 2,2

15 a 17 anos 6,7 7,7 7,3 6,3 6,2 6,8

15 anos 2,3 2,8 2,5 2,2 2,1 2,4

16 anos 2,2 2,4 2,5 2,1 2,0 2,2

17 anos 2,1 2,5 2,3 2,0 2,0 2,2

18 anos 2,1 2,5 2,2 2,0 1,8 2,2

19 anos 1,9 2,2 1,9 1,9 1,7 2,0

20 a 24 anos 8,6 9,7 8,6 8,5 8,2 9,5

Fonte: Pesquisa nacional por amostra de domicílios 1997 [CD-ROM]. Microdados. Rio de Janeiro:
IBGE, 1998.
(1) Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (2) Exclusive a
população rural.

177
Tabela 8 - Proporção de pessoas com rendimento de até 1/2 salário mínimo, per capita,
por Grandes Regiões, segundo os grupos de idade
Brasil e Grandes Regiões – 1997

Proporção de pessoas com rendimento de até 1/2


salário mínimo, per capita (%)
Brasil Norte Centro-
Nordeste Sudeste Sul
(1) (2) Oeste

Total 25,0 30,1 47,5 13,1 16,2 19,4

0 a 6 anos 37,7 41,1 61,0 23,1 27,2 29,5

7 a 14 anos 35,4 39,3 60,0 19,6 23,6 27,2

15 a 17 anos 27,3 29,8 51,0 14,0 16,2 18,0

18 a 24 anos 21,6 24,6 43,1 10,6 12,3 14,8

Fonte: Pesquisa nacional por amostra de domicílios 1997 [CD-ROM]. Microdados. Rio de Janeiro: IBGE, 1998.
(1) Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (2)
Exclusive a população rural.

178
ORGANOGRAMA FUNDAÇÃO CASA

179
FUNDAÇÃO CASA-SP: NÚMERO DE INTERNOS POR REGIONAL
DRM I - DIV. REGIONAL METROPOLITANA I (Franco da Rocha)

Atendimento Internação
Internos Internação Semiliberdade
UNIDADE
Inicial Provisória

56
- 16 40 -
1 CASA Atibaia
adolescentes

CASA Bragança 56
2 - 16 40 -
Paulista adolescentes

CASA Dom

Gabriel Paulino 56
3 - 16 40 -
Bueno Couto – adolescentes

Jundiaí

CASA Sorocaba 56
4 - 16 40 -
I adolescentes

CASA Sorocaba 56
5 - 56 - -
II adolescentes

CASA Sorocaba 96
6 - - 96 -
III adolescentes

CASA Sorocaba 24
7 8 16 - -
IV adolescentes

CASA Franco da 40
8 - 40 - -
Rocha adolescentes

CASA Novo 56
9 - 56 - -
Tempo adolescentes

CASA 80
10 - 80 - -
Jacarandá, adolescentes

CASA Rio 80
11 - 80 - -
Negro adolescentes

80
12 CASA Tapajós - 80 - -
adolescentes

CASA 20
13 - - - 20
Semiliberdade adolescentes

180
Jundiaí

CASA
20
14 Semiliberdade - - - 20
adolescentes
Sorocaba.

DRM II - DIV. REGIONAL METROP. II Leste 1 (Tatuapé)

Atendimento Internação
Internos Internação Semiliberdade
UNIDADE
Inicial Provisória

56
CASA Ferraz de
- 16 40 -
1 Vasconcelos I
adolescentes

56
2 CASA Ferraz de - 16 40 -
Vasconcelos II adolescentes

44
3 CASA Novo Horizonte - - - 44 -
Guaianazes I adolescentes

44
4 - - 44 -
CASA Guaianazes II
adolescentes

40
5 CASA Encosta Norte - - 40 -
adolescentes

CASA Fazenda do 60
6 - - 60 -
Carmo adolescentes

60
7 CASA Vila Conceição - - 60 -
adolescentes

122
CASA Chiquinha
8 10 40 72 -
Gonzaga
adolescentes

152
9 CASA Itaquera - - 152 -
adolescentes

CASA Semiliberdade 20
10 - - - 20
Azaléia – Zona Leste adolescentes

CASA Semiliberdade 30
11 - - - 30
Fênix – Zona Leste adolescentes

CASA Semiliberdade 30
12 - - - 30
Prof.Paulo Freire- adolescentes

181
Z.Leste

CASA Semiliberdade 20
13 - - - 20
Sabará – Zona Leste adolescentes

CASA Semiliberdade 20
14 - - - 20
Umbó – Zona Leste adolescentes

CASA Semiliberdade 20
15 - - - 20
Uraí – Zona Leste; adolescentes

CASA Semiliberdade 20
16 - - - 20
São Mateus–Zona Leste adolescentes

DRM III - DIV. REGIONAL METROP. III Leste 2

Atendimento Internação
Internos Internação Semiliberdade
UNIDADE
Inicial Provisória

64
- 64 - -
1 CAI Gaivota
adolescentes

170
2 CASA Itaparica - 170 - -
adolescentes

CASA Rio 110


3 - 110 - -
Paraná adolescentes

CASA Rio 120


4 - 120 - -
Turiassú adolescentes

170
5 CASA Rio Nilo - 170 - -
adolescentes

CASA Rio 80
6 - 80 - -
Tocantins adolescentes

170
7 CASA Topázio - 170 - -
adolescentes

130
8 CASA Juquiá - - 130 -
adolescentes

CASA Rio 90
9 - - 90 -
Tâmisa. adolescentes

182
DRM IV - DIV. REGIONAL METROP. IV OESTE (Raposo Tavares)

Atendimento Internação
Internos Internação Semiliberdade
UNIDADE
Inicial Provisória

56
- 16 40 -
1 CASA Osasco I
adolescente

56
2 CASA Osasco II - - 56 -
adolescentes

72
3 CASA Pirituba - - 72 -
adolescentes

64
4 CASA Nova Aroeira - - 64 -
adolescentes

72
5 CASA Cedro - - 72 -
adolescentes

90
6 CASA Ipê - - 90 -
adolescentes

60
7 CASA Jatobá - -- 60 -
adolescentes

66
8 CASA Nogueira - - 66 -
adolescentes

CASA Vila 150


9 - - 150 -
Leopoldina adolescentes

CASA Jardim São 44


10 - - 44 -
Luiz I adolescentes

CASA Jardim São 44


11 - - 44 -
Luiz II adolescentes

CASA Feminina 60
12 - - 60 -
Parada de Taipas adolescentes

CASA Semiliberdade 20
13 - - - 20
Guararema adolescentes

CASA Semiliberdade 20
14 - - - 20
Jacirendi adolescentes

15 CASA Semiliberdade 20 - - - 20

183
Araré adolescentes

CASA Semiliberdade 20
16 - - - 20
Nundiaú adolescentes

CASA Semiliberdade 20
17 - - - 20
Ibituruna adolescentes

DRM V - DIV. REGIONAL METROP. V NORTE (Vila Maria)

Atendimento Internação
Internos Internação Semiliberdade
UNIDADE
Inicial Provisória

56
- 16 40 -
1 CASA Itaqua I
adolescentes

30
2 CASA Itaqua II - - 30 -
adolescentes

100
3 CASA Vila Guilherme - - 100 -
adolescentes

80
4 CASA Bela Vista - - 80 -
adolescentes

50
5 CASA Bom Retiro - - 50 -
adolescentes

45
6 CASA Nova Vida - - 45 -
adolescentes

45
7 CASA Paulista - - 45 -
adolescentes

45
8 CASA Ouro Preto - - 45 -
adolescentes

48
9 CASA João do Pulo - - 48 -
adolescentes

56
10 CASA São Paulo - - 56 -
adolescentes

56
11 CASA Belém - - 56 -
adolescentes

184
CASA Semiliberdade 20
12 - - - 20
Alvorada adolescentes

CASA Semiliberdade 20
13 - - - 20
Caetanos adolescentes

CASA Semiliberdade 20
14 - - - 20
Ícaro – Zona Norte adolescentes

DRMC - DIV. REGIONAL METROPOLITANA CAMPINAS (Campinas)

UNIDADE Internos Atendimento Internação Internação Semiliberdade

Inicial Provisória

1 CASA Maestro 56 - 16 40 -
Carlos Gomes
adolescentes

2 CASA Campinas 56 - - 56 -

adolescentes

3 CASA Mogi Mirim 56 - 16 40 -

adolescentes

4 CASA Laranjeiras 56 - - 56 -

adolescentes

5 CASA Rio 56 - 12 40 -

Piracicaba*(erro 4i) adolescentes

6 CASA Escola Rio 56 - 16 40 -

Claro adolescentes

7 CASA Jequitibá 72 - - 72 -

adolescentes

8 CASA Rio Amazonas 46 8 38 - -

adolescentes

9 NAI Americana 12 4 8 - -

adolescentes

10 CASA Semiliberdade 20 - - - 20

Mogi Mirim adolescentes

185
DRVP - DIV. REGIONALV. REGIONAL VALE DO PARAIBA (Jacarei)

UNIDADE Internos Atendimento Internação Internação Semiliberdade

Inicial Provisória

1 CASA Arujá 56 - 16 40 -

adolescentes

2 CASA Jacare 56 - 16 40 -

adolescentes

3 CASA Taubaté 56 - 16 40 -

adolescentes

4 CASA Tamoios 96 - 32 64 -

adolescentes

5 CASA Caraguatatuba 56 - 16 40 --

adolescentes

6 CASA Guarulhos I 56 - - 56 -

adolescentes

7 CASA Guarulhos II 56 - 40 16 -

adolescentes

8 CASA Guarulhos 56 - 16 40 -

Feminino adolescentes

9 CASA Lorena 56 - 16 40 -

adolescentes

DRN - DIVISÃO REGIONAL NORTE (Ribeirão Preto)

Atendimento Internação
Internos Internação Semiliberdade
UNIDADE
Inicial Provisória

82
CASA Arcebispo
10 16 40 -
1 D.Hélder Câmara
adolescentes
– CASA Franca
CASA 56
2 - 16 40 -
Taquaritinga adolescentes

56
3 CASA São Carlos - 16 40 -
adolescentes

186
56
4 CASA Batatais - 16 40 -
adolescentes

88
5 CASA Araraquara - 16 72 -
adolescentes

CASA Ouro 83
6 - 83 - -
Verde adolescentes

CASA Ribeirão 128


7 - - 128 -
Preto adolescentes

96 em internação e
112
8 CASA Rio Pardo - - 16 em -
adolescentes
internação/sanção

CASA 88
9 - - 88 -
Sertãozinho adolescentes

NAI Ribeirão 5
10 5 - - -
Preto adolescentes

2
11 NAI São Carlos 2 - - -
adolescentes

CASA
20
12 Semiliberdade 20
adolescentes
Araraquara

CASA
20
13 Semiliberdade 20
adolescentes
Barretos

CASA
56
14 Semiliberdade - 16 40 -
adolescentes
Batatais

CASA
20
15 Semiliberdade - - - 20
adolescentes
Ribeirão Preto

CAIP Arcebispo
20
16 D. Hélder Câmara 20 (república)
adolescentes
– CAIP Franca

187
DRL - DIVISÃO REGIONAL LITORAL (Praia Grande)

Atendimento Internação
Internos Internação Semiliberdade
UNIDADE
Inicial Provisória

56
- 16 40 -
1 CASA Peruibe
adolescentes

56
2 CASA Mauá - 16 40 -
adolescentes

56
3 CASA Itanhaém - 16 40 -
adolescentes

56
4 CASA Mongaguá - - 56 -
adolescentes

56
5 CASA Praia Grande I - 16 40 -
adolescentes

CASA Praia Grande 56


6 - 16 40 -
II adolescentes

CASA São Bernardo 56


7 - 16 40 -
I adolescentes

CASA São Bernardo 56


8 - - 56 -
II adolescentes

72
9 CASA Guarujá - 24 48 -
adolescentes

96
10 CASA V São Vicente - 24 72 -
adolescentes

12
11 NAI Santos 12 - - -
adolescentes

CASA Semiliberdade 20
12 - - - 20
Diadema adolescentes

13 CAIP Guarujá. - - - - -

188
DRO - DIVISÃO REGIONAL OESTE (Marilia)

Atendimento Internação
Internos Internação Semiliberdade
UNIDADE
Inicial Provisória

56
- - 56 -
1 CASA Araçatuba
adolescentes

56
2 CASA Irapuru I - 40 16 -
adolescentes

56
3 CASA Irapuru II - - 56 -
adolescentes

56
4 CASA Mirassol - - 56 -
adolescentes

CASA São José Rio 88


5 - 24 64 -
Preto adolescentes

84
6 CASA Araçá - 24 60 -
adolescentes

88
7 CASA Marilia - 24 64 -
adolescentes

56
8 CASA Tanabi - 40 16 -
adolescentes

CASA Rio Dourado – 120


9 - - 120 -
Lins adolescentes

CASA Vitória Régia – 72


10 - 24 48 -
Lins adolescentes

CASA Semiliberdade 20
11 - - - 20
Fernandópolis adolescentes

CASA Semiliberdade 20
12 - - - 20
São Jose Rio Preto adolescentes

CASA Semiliberdade 20
13 - - - 20
Marília adolescentes

189
DRS - DIVISÃO REGIONAL SUDOESTE

Atendimento Internação
Internos Internação Semiliberdade
UNIDADE
Inicial Provisória

56
- 16 40 -
1 CASA Botucatu
adolescentes

CASA Feminino 56
2 - 16 40 -
Cerqueira Cesar I adolescentes

CASA Feminino 56
3 - - 56 -
Cerqueira Cesar II adolescentes

56
4 CASA Cerq Cesar III - 16 40 -
adolescentes

56
5 CASA Esperança - 16 40 -
adolescentes

CASA Madre Teresa de 56


6 - - 56 -
Calcutá I – Iáras adolescentes

CASA Madre Teresa de 56


7 - - 56 -
Calcutá II – Iáras adolescentes

88
8 CASA Bauru - 16 72 -
adolescentes

CASA Rio Novo – 72


9 -- 24 48 -
Iáras adolescentes

CASA Três Rios – 120


10 - - 120 -
Iáras adolescentes

CASA Semiliberdade 20
11 - - - 20
Bauru adolescentes

Internos Atendimento Inicial Internação Provisória Internação Semiliberdade

8.333 adolescentes 59 2.337 5.357 560

Obs.: Pelos dados do site da Fundação CASA nas regionais DRMC Campinas (unidade CASA Rio
Piracicaba) faltam 04 internos e na unidade DRN Ribeirão (CASA Arcebispo D. Hélder Câmara – CASA
Franca) faltam 16 internos - apresentados no número geral de internos, mas não indicados quanto a
medida que cumprem. (faltando um total de 20 adolescentes).
JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

190
191
192
193
194
195
196
197
198
199
200
201
202
203
204
205
206
207
208
209
210
QUADRO SISTEMATIZADO DE JURISPRUDÊNCIA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Número do Data do Autor/Apelante/ Réu/Apelados/ Vara/Câmar Votação/


Natureza Origem Relator Ementa
processo julgamento Recorrente Recorridos a Resultado
V.C. (PROC. APELANTE Volney
APELADO NEGARAM
1 13988712000
Apelação/Reclu
23/10/2003
H4/98) ALESSANDRO
MINISTÉRIO
7º Câmara/
PROVIMENT
Correa 1
são Comarca de FERREIRA DA Americana Leite de
PUBLICO O. V.U.
Americana SILVA Moraes
Presidente
0005843- NEGARAM
2 86.2009.8.26.0
Reexame
25/07/2011
584386200982 7º Câmara/
PROVIMENT
Da Seção 2
Necessário 60597 Sertãozinho De Direito
597 O. V.U.
Privado
211

1
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação – Reclusão número 1398871/2, da Comarca de Americana - 2- V.C. (PROC. H4/98), EM QUE É: APELANTE
ALESSANDRO FERREIRA DA SILVA APELADO MINISTÉRIO PUBLICO ACORDAM, EM SÉTIMA CÂMARA DO TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL,
PROFERIR A SEGUINTE DECISÃO: NEGARAM PROVIMENTO. V.U. NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, EM ANEXO. PRESIDIU E PARTICIPOU DO
JULGAMENTO O SR.JUIZ SOUZA NERY (REVISOR), PARTICIPANDO AINDA, O SR. JUIZ SALVADOR D'ANDRÉA (3. JUIZ).
2
Ação civil pública. Reexame necessário. Instalação e manutenção de programa de acolhimento institucional destinado a crianças e adolescentes em situação de risco. Medida
de proteção que se insere na política de atendimento instituída pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e constitui prioridade social, de sorte a dar efetividade ao comando
da Constituição Federal (art. 227).
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Número Data do
Autor/Apelante/ Réu/Apelados/ Votação/
do Natureza julgament Origem Relator Ementa
Recorrente Recorridos Resultado
processo o
RS MINISTÉRIO PÚBLICO Ministro
Nº 09 de
1 1.319.70
RECURSO
outubro de
(2012/007266 W DE O DOS S (MENOR) DO ESTADO DO RIO Recurso especial SEBASTIÃ 3
ESPECIAL 0-6) REPR: A M DA C O GRANDE DO SUL improvido. O REIS
4 2012
JÚNIOR
CRISTINA SON - TRIBUNAL DE JUSTIÇA MINISTRO 4
30 de SP
Nº HABEAS DEFENSORA PÚBLICA E DO ESTADO DE SÃO SEBASTIÃ
2 novembro (2011/026950 HC concedido
224.583 CORPUS OUTRO - S. D. A. PAULO O REIS
de 2011 0-4)
(INTERNADO) JÚNIOR
DEFENSORIA PÚBLICA
DO DISTRITO FEDERAL
TRIBUNAL DE JUSTIÇA MINISTRO
23 de DF ADVOGADO: LUIS
Nº HABEAS DO DISTRITO OG
3 outubro de (2008/019549 CLÁUDIO VAREJÃO DE HC concedido
212 114.859 CORPUS FEDERAL E DOS FERNAND
2008 8-6) FREITAS - DEFENSOR
TERRITÓRIOS ES
PÚBLICO
PACIENTE: L B DE L
DEFENSORIA PÚBLICA
DO ESTADO DE MATO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA MINISTRO
GROSSO DO
MS DO ESTADO DE MATO ARNALDO
Nº HABEAS 10 de maio SUL E ADV: CACILDA
4 (2007/010514 GROSSO DO HC concedido ESTEVES
82.606 CORPUS de 2007 KIMIKO NAKASHIMA -
0-1) SUL LIMA
DEFENSORA PÚBLICA
PACIENTE: J C R DA S
PACIENTE: R R DE L

3
RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. LEI N. 8.069/1990. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MEDIDA SÓCIOEDUCATIVA DE
INTERNAÇÃO. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DE ESTUPRO. VIOLÊNCIA E GRAVE AMEAÇA À PESSOA. DECISÃO JUDICIAL
FUNDAMENTADA. ACÓRDÃO A QUO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL. SÚMULA 83/STJ.
4
HABEAS CORPUS. ECA. MEDIDA DE INTERNAÇÃO.
NECESSIDADE DE TRATAMENTO AMBULATORIAL. MEDIDA DE CARÁTER MERAMENTE RETRIBUTIVO. ILEGALIDADE. Ordem concedida para que a
paciente seja inserida na medida socioeducativa de liberdade assistida, associada ao acompanhamento ambulatorial psiquiátrico, psicopedagógico e familiar.

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