A Santidade No Portugal Medieval - Maria de Lurdes Rosa (2001-2002)
A Santidade No Portugal Medieval - Maria de Lurdes Rosa (2001-2002)
A Santidade No Portugal Medieval - Maria de Lurdes Rosa (2001-2002)
Coimbra do século XI ao século XX, pp. 85-117, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 1984.
Deve agora ser utilizada a edição e tradução de Aires A. Nascimento, in Hagiografia de
Santa Cruz de Coimbra, pp. 138-222, Lisboa, Colibri, 1998, que oferece perspectivas
completamente novas e resulta de um apurado trabalho de contextualização histórica e
textual, que contou com a colaboração de Agostinho Frias.
3
Thomas J. Heffernan, Sacred biography. Saints and their biographers in the
Middle Ages, p. 16, p. 94, Nova Iorque/Oxford, Oxford Univ. Press, 1988.
4
Vita Theotonii, ed. e trad. de Aires A. do Nascimento, cit., pp. 186-87.
5
Vita Theotonni, ed. Aires A. Nascimento, cit., pp.196-197; Mª Helena R. Pereira,
Vida de S.Teotónio, cit., p. 45, nt. 45, já chamara a atenção para o carácter alegórico deste
trecho, remetendo para Mário Martins, Alegorias, símbolos e exemplos morais, que evoca
o episódio, inserindo-o na tradição das “visões-parábolas” hagiográficas (2ª ed, Lisboa,
Brotéria, 1980, pp. 29-30).
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6
Alain Boureau, L’événement sans fin. Récit et christianisme au Moyen Âge, p.
10. Paris, Les Belles Lettres, 1993.
7
Th. Heffernan, op. cit, pp. 95-97.
8
R. Howard Bloch, Étymologie et généalogie. Une anthropologie littéraire du
Moyen Age français, pp. 46-80, Paris, du Seuil, 1989.
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9
Th. Heffernan, op. cit., pp. 115-122, considera essencial às vitae o uso desta téc-
nica de construção literária herdada da retórica clássica, que consistia na inserção de refe-
rências de outros textos cujo reconhecimento pela audiência criava uma associação ime-
diata e amplificava os elementos caracterizados.
10
G. Frachet, cit. in J. Gallego Salvatores, “S. Fr. Gil de Santarém: história e
lenda”, pp. 34-35, in Colóquio comemorativo de S. Frei Gil de Santarém, pp. 25-45,
Lisboa, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1991.
11
Alain Boureau, op. cit., p. 45.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 373
12
Na tradução de Aires Nascimento à edição deste texto, em Hagiografia de Santa
Cruz de Coimbra, cit., p. 241.
13
J. Geraldes Freire, “Problemas literários…”, cit.; Mª Helena da Rocha Pereira
(ed.,...) Vida de S. Teotónio; E. Austin O’Malley, Tello and Theotonio, the twelfth-cen-
tury founders of the monastery of Santa Cruz de Coimbra, Washington, The Catholic
Univ. Press, 1954; sobretudo, Aires A. Nascimento, Hagiografia de Santa Cruz de
374 MARIA DE LURDES ROSA
Coimbra, cit., pp. 203-209, e Agostinho F. Frias, “Fontes de cultura portuguesa na Vita
Theotonii”, Actas do 2º Congresso Histórico de Guimarães, vol. 4, pp. 143-149,
Guimarães, Câmara Muncipal/ Universidade do Minho, 1997.
14
J. Geraldes Freires foi pioneiro na identificação de intertextualidades da Vita
Theotonii; no entanto, a sua análise esta perspassada da convicção de aquelas resultam de
“convencionalismos”, “estereótipos”, citações “sem aviso!” (“Problemas literários...”,
cit., p. 97).
15
O Autor remete por vezes para as suas fontes, como S. Gregório e S. Jerónimo
(p.e., pp. 146-147 e pp. 168-169), o Novo Testamento ou as Cartas dos Apóstolos, (ed. cit.,
pp. 160-161, pp.170-171). Porém, como se torna claro através do enorme trabalho de iden-
tificação textual patente nas notas críticas da ed. de Aires A. Nascimento, a larguíssima
maioria das citações é implícita.
16
Th. Heffernan, op. cit., pp. 38 ss, pp. 100-122; François Dolbeau, “Les hagio-
graphes au travail: collecte et traitement des documents écrits (IXe.-XIIe. siècles)”, pp.
55-56, in Martin Heinzelmann (ed.), Manuscrits hagiographiques et travail des hagio-
graphes, pp. 49-75, Sigmarigen, Jan Thorbecke Verlarg, 1992; Pierre-André Sigal, “Le
travail des hagiographes aux XIe. et XIIe. siècles: sources d’information et méthodes de
rédaction”, Francia, vol. 15 (1987), 149-182. A explicação deste procedimento em termos
de convenção do género literário, se bem que tenha uma primeira função de relevo – pre-
cisamente a identificação das convenções – não pode ficar por aí. Empobreceria a análise,
reduziria ao campo literário a função dos “empréstimos”, esquecendo a sua função teoló-
gica e cultual, ou seja, a construção de uma santidade intertextual que tem o ponto de par-
tida precisamente no relato da vida de Cristo que são os Evangelhos. Uma análise das apo-
rias a que levou a classificação da hagiografia entre os “géneros literários” pode
encontar-se em Marc Van Uytfanghe, “L’ hagiographie: un “genre” chrétien ou antique tar-
dif?”, Analecta Bollandiana, t.111 (1993), fasc. 1-2, 135-188, onde se propõe o uso alter-
nativo do conceito de “discurso hagiográfico” (M. de Certeau), com alterações; sobre
hagiografia e géneros literários cfr. ainda F. Banos Vallejo, La hagiografia como genero
literario en la Edad Media: tipologia de doce vidas individuales castellanas, Oviedo,
Dep. de Filologia Española de la Universidad de Oviedo, 1989; Felice Lifshitz, “Beyond
positivism and genre. «Hagiographical» texts and historical narrative”, Viator, XXV
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 375
de Teotónio (identificação: ed. cit., nts. 25, 27, 42, 52, 92, 117, 149, 179, 183, 192, 193,
195, 186), e para reproduzir orações que fez e exortações, conselhos ou admoestações que
dirigia aos seus (nts. 90; 128, 130, 132-133, 135, 137-143, 167, 168, 171-174, 178-179,
183, 192, 193, 195-198, 201-203, 217). Destas últimas, uma boa parte são colocadas na
sua boca em discurso directo (cfr. nt seguinte).
23
Como faz de resto Agostinho Frias para os textos da tradição cristã, no seu artigo
“Fontes de cultura portuguesa...”, cit. (cfr. infra).
24
Respectivamente, ed. cit., notas 137 a 143, e 195-198.
25
Ed. cit., nts. 193 e 195; nt. 79 da tradução, chamando a atenção para o uso da lin-
guagem bíblica.
26
Ed. cit., nt. 80 da tradução.
27
Ed. cit., nt. 84 da tradução.
28
Teotónio e José do Egipto: pp. 153-153 da ed. cit. (refer. por Mª Helena da Rocha
Pereira, Vida de S. Teotónio, nt. 12; J. Geraldes Freire, “Problemas literários...”, cit., pp.
97-98; Mário Martins, Alegorias..., cit., p. 29); escada de Jacob: pp. 198-199 da ed. cit.
(refer. por Mª Helena da Rocha Pereira, id., nt. 45; Mário Martins, id., p.30, com parale-
los em “A escada celestial, em medievo-português”, Brotéria, 72 (1961), pp. 402-415).
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 377
29
Na ed. de Aires A. Nascimento, pp.138-139; identificações em p. 203 e comen-
tário à citação implícita em p. 211, nt. 5 (seguindo neste particular J. Geraldes Freire,
“Problemas literários da «Vita Sancti Theotonii»”, 97). Para análise de importantes
intertextualidades na hagiografia com S. Jerónimo, cfr. Th. Heffernan, op. cit., p. 68 e
p. 133.
30
S. Jerónimo: ed. cit., pp. 168-169: “(...) sinto-me agradecido por merecermos ter
tido nos nossos dias um pai assim, ou antes, por o termos; com efeito, para Deus todos os
seres estão vivos, e, como diz S. Jerónimo, tudo o que é transferido para Deus fica a ser
contado no número de família”; S. Gregório: ed. cit., pp. 146-147 (depois de referir as
qualidade de Teotónio, o Autor refere: “Têm, na realidade, como diz S. Gregório, os san-
tos isto de específico, que para estarem sempre longe das coisas ilícitas cortam muitas
vezes mesmo com as coisas lícitas”).
31
Remetemos evidentemente para estes autores, nos quais se baseiam as linhas que
seguem. Aqui procuramos apenas reunir alguns dos exemplos e ideais por eles oferecidos,
de modo a ilustrar a noção de “biografia dagrada” como “texto entretecido”. A este res-
peito, cfr. as interessantes observações de Aires Nascimento, na sua introdução à edição
das fontes crúzias, em que refere a tensão, patente no texto, entre as recordações pessoais
do Autor e o uso muito vasto de autoridades (p. 11).
32
“Fontes da cultura portuguesa...”, p. 147; e ainda as observações de Aires do
Nascimento, ed. cit., nts. 39, 42 e 43 da tradução.
378 MARIA DE LURDES ROSA
33
A. Frias, idem, p. 148.
34
Ibidem. A partir do elenco em Aires A. Nascimento, ed. cit, contámos 18 inter-
textualidades com S. Gregório.
35
S. Boesch Gajano, “Demoni e miracoli nei “Dialogi” di Gregorio Magno”, in
Hagiographies, cultures et sociétés, IVe.-XIIe. siècles. Actes du Colloque organisé à
Nanterre et à Paris (2-5 mai 1979), pp. 263-281, Paris, Études Augustiniennes, 1981; José
Mattoso, “A cultura monástica...”, cit., pp. 387-88; McCready, William, Signs of sanctity:
miracles in the thought of Gregory the Great, Toronto, Pontifical Institute of Medieval
Studies, 1989.
36
J. Geraldes Freire, “Problemas literários da «Vita Sancti Theotonii»”, cit., p. 101.
37
Aires A. Nascimento, ed. cit, pp. 144-145, com identif. do passo na nt. 38 (p.
204); identificação, sem este sentido, em A. O’Malley, Telo and Teotonio, pp. 21-22; sobre
a importância cultural de S.Rufo: António Cruz, Santa Cruz de Coimbra na cultura por-
tuguesa da Idade Média, pp. 151 ss, Porto, 1964; reavaliação da influência de S. Rufo nos
trabalhos recentes de Armando Martins, O mosteiro de Santa Cruz de Coimbra nos sécu-
los XII a XV, vol. I, pp. 26-30, Lisboa, diss. de doutoramento apres. à FL da UL, 1996
(polic.) e “O programa dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho no séc. XII: tradição
e novidade”, in: Actas do 2º Congresso Histórico de Guimarães, cit., vol. 4, pp. 128-141;
para a identificação e análise das intertextualidades com S. Rufo, é imprescindível A.
Frias, op. cit...
38
Aires A. Nascimento, ed. cit., pp. 198-199; identificações nas nts. 87 e 88 da
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 379
42
Ambas com 15 intertextualidades.
43
Agostinho Frias, op. cit., p. 149; Aires A. Nascimento, ed. cit., nts. 17 e 18 da
tradução (outros usos comentados em nts. 26, 30 e 31 de idem).
44
Agostinho Frias, op. cit., p. 147: “(...) representa o modelo «moderno» teórico da
formação sacerdotal, desde o grau de «ostiário» (porteiro) ao de presbítero, é colhido no
De sacramentis de Hugo de S. Victor, obra elaborada a partir de Amalário e do Liber
Quare mas que atesta, documentalmente, neste contexto, a ligação cultural precoce dos
crúzios aos vitorinos e uma concepção da vita apostolica característica do ordo antiquus
proveniente de S. Rufo de Avinhão”.
45
Aires A. Nascimento, ed. cit., nts. 26, 41, 43, 47 e 144 do texto latino (quase
todas dizem respeito à caracterização das qualidades presbiteriais de Teotónio)
46
Cfr. infra, pp. ***.
47
Aires A. Nascimento, ed. cit., nts. 54 e 146 do texto latino.
48
Agostinho Frias, op. cit., p. 147; para os restantes, cfr. infra, pp. **.
49
Th. Heffernan, Sacred biography, cit., pp. 118-120.
50
J. Geraldes Freire, “Problemas literários da Vita Sancti Theotonii”, p. 99, p. 101
e p. 115.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 381
51
Henri de Lubac, Éxègese médiévale. Les quatre sens de l’Écriture, 1e.partie, pp.
23-29, Paris, Aubier, 1959; sobre algumas alegorias desta Vita, Mário Martins Alego-
rias..., cit., pp. 29-30.
52
Mª H. da Rocha Pereira, Vida de S. Teotónio, cit., p. 13.
53
I, 81-123: Mª H. da Rocha Pereira, Vida de S. Teotónio, cit., p. 1; Mário Martins,
Peregrinações e livros de milagres na nossa Idade Média, 2ª ed., p. 148, Lisboa, Brotéria,
1957.
54
Aires A. Nascimento, ed. cit., pp. 138-139.
55
Identificação em A. Frias, op. cit., p. 147; e em Aires A. Nascimento, ed. cit., nt.
1 do texto latino e 2 da tradução. J. Geraldes Freire “Problemas literários da Vita Sancti
Theotonii”, p. 98, não conseguira identificar o passo, e indica a possibilidade de se poder
tratar também de Séneca, Platão ou Cícero (p. 98); no mesmo sentido, Mª H. da Rocha
Pereira, Vida de S. Teotónio, cit., p. 44, nt. 1.
382 MARIA DE LURDES ROSA
56
A conquista de Lisboa aos Mouros. Relato de um cruzado, ed. Aires A.
Nascimento, p. 114 (com observ. e bibliografia sobre o tema: p. 166), Lisboa, Vega, 2001
(sobre o texto cfr., para além da introdução da obra, a cargo de Mª João Branco, a tese
recente de João Paulo Mota, A tomada de Lisboa em textos dos séculos XII a XV, Lisboa,
diss. mestr. apres. à FL da UL, 2001); Miguel de Oliveira, Lenda e História. Estudos
hagiográficos, pp. 99-101, Lisboa, União Gráfica, 1964; Carmen García-Rodriguez, El
culto de los santos en la Espana visigotica, pp. 346-51, Madrid, C.S.I.C., 1966; José
Mattoso, “Santos portugueses de origem desconhecida”, pp. 32-34, in Piedade popular.
Sociabilidades – Representações – Espiritualidades, pp. 27-42, Lisboa, Terramar, 1999;
para a análise da construção de uma “santidade territorial” por meio destes textos, Mª de
Lurdes Rosa, “Hagiografia e santidade”, p. 335, in Dicionário de História Religiosa de
Portugal, vol. II, pp. 326-361.
57
A conquista de Lisboa, cit., p. 95; já tinham aliás sido invocados na descrição que
o Cruzado faz de Lisboa, referindo o seu santuário de “Campolide” (ed. cit., p. 79). Sobre
o culto medieval a estes mártires cfr. as pp. 164 e 167 desta obra; cfr, por todos, a recente
revisão de Cristina Sobral, na sua tese de doutoramento, Adições portuguesas no Flos
Sanctorum de 1513. Estudo e edição crítica, pp. 142-164, Lisboa, tese de dout. apres. à
FL da UL, 2000, dact. (agradecemos à Autora a oferta de um exempl. dactil. da sua tese,
a leitura da primitiva versão deste texto e todas as informações prestadas); aguarda-se a
publicação de um estudo sobre o mesmo culto, de Odília Gameiro, nas actas do colóquio
“Nova Lisboa medieval”, realizado na FCSH da UNL em Janeiro de 2002.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 383
58
Mas não só: poderia ser uma actividade muito anterior. A hipótese extremamente
interessante de Cristina Sobral sobre o Autor da primitiva (e perdida) lenda de S. Iria de
Tomar propõe um eventual hagiógrafo do séc. XIII, talvez membro da Colegiada de Santa
Iria de Santarém, a recuperar tradições muito antigas, talvez ligadas a uma divindade
aquática, cujo culto se teria fundido com uma mártir histórica, eventualmente visigótica
(Adições portuguesas..., cit., pp. 289-295 e pp. 315-316).
59
Libri quatuor de antiquatibus lusitaniae, Évora, Martim de Burgos, 1593; sobre
as “operações” hagiográficas de André de Resende, Baudouin de Gaiffier, “Le Bréviaire
d’Évora de 1548 et l’hagiographie ibérique”, Analecta Bollandiana, 60 (1942), pp. 131-
-138, e Mª de Lurdes Rosa, “Hagiografia e santidade”, cit., p. 338.
60
Gaspar Estaço, Várias antiguidades de Portugal, Lisboa, Pedro Craesbeck, 1625.
61
Agiologio lusitano, dos sanctos, e varoens illustres em virtudes do reino de
Portugal, e suas conquistas, ts. I-III, Lisboa, Off. Craesbeekiana, 1652, 1657, 1666 (que
aliás tece extensas reflexões sobre as lógicas de pertença dos santos às comunidades, e
propõe os critérios de selecção dos santos do reino de Portugal e suas conquistas, t. I, pp.
7-41: Mª de Lurdes Rosa, “Hagiografia e santidade”, cit., pp. 339-340. Sobre este autor
surgiram entretanto os estudos essenciais de Mª de Lurdes Correia Fernandes, “História,
hagiografia e identidade. O Agiológio Lusitano de Jorge Cardoso e o seu contexto”, Via
Spiritus, 3 (1996), pp. 25-68; “A biblioteca perdida de de Jorge Cardoso († 1669) e a biblio-
teca do Agiológio Lusitano. Livros de gosto e de uso”, Via Spiritus, 4 (1997), pp. 105-
-132; A biblioteca de Jorge Cardoso († 1669), autor do «Agiológio Lusitano». Cultura,
erudição e sentimento religioso no Portugal moderno, Porto, FLUP, 2000; e de José
Mattoso, “Santos portugueses de origem desconhecida”, cit.
62
João de Barros, Geographia d’Entre Douro e Minho e Trás-os-Montes, Porto,
Tip. Progresso, [1919], p. 72; Mário J. Barroca, Manuel L. Real, “As caixas-relicário de
S.Torcato, Guimarães (séculos X-XIII)”, pp. 135-166, Arqueologia medieval, 1 (1992),
135-168; A. Santos Silva, “S. Torcato, 1805: o povo, a religião e o poder. (Análise de um
motim de província)”, Estudos contemporâneos, nº 0 (1979), 15-82; id., Tempos cruzados:
um estudo interpretativo da cultura popular, Lisboa, polic., 1991. Sobre o papel das des-
crições geográficas na construção de uma “santidade territorial portuguesa”, Mª de Lurdes
Rosa, “Hagiografia e santidade”, cit., pp. 337-338.
63
Sobre este tipo de santidade, Michel Sot, “La fonction du couple saint évêque/
384 MARIA DE LURDES ROSA
saint moine dans la mémoire de l’Église de Reims au Xe. siècle”, in La fonction des saints,
cit., pp. 225-240; e ainda as interessantes observações sobre a contaminação do “bispo
cristão” pelo “mágico pagão”, em Valerie Flint, The rise of magic in early medieval
Europe, pp. 386-392, Oxford, Clarendon Press, 1991
64
José Mattoso, História de Portugal, vol. 1, pp. 340-42, Lisboa, Círculo de
Leitores, 1993.
65
Miguel de Oliveira, op. cit., p. 67 e p. 76.
66
C. García Rodriguez, El culto de los santos..., cit., p. 345.
67
Miguel de Oliveira, op. cit., p. 70. Muito recentemente, Aires A. Nascimento
analisou liturgia sobre Martinho e outros textos, para os quais propôs a interesante identi-
dade de produção hagiográfica bracarense, a par da crúzia de Coimbra, em “Um traço sin-
gular em textos hagiográficos bracarenses medievais: a 1ª pessoa verbal”, Theologica, 2ª
s., vol XXXV, fasc. 2 (2000), pp. 589-98.
68
António Cruz, “D. Teotónio, prior de Santa Cruz. O primeiro cruzado e o pri-
meiro santo de Portugal”, p. 49, in Santa Cruz de Coimbra, cit., pp. 21-58; Avelino de J.
da Costa, “D. João Peculiar, co-fundador do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, bispo do
Porto e arcebispo de Braga”, pp. 72-76, in id., pp. 59-83.
69
Mário Martins, Peregrinações..., cit., p. 59. Sobre o culto litúrgico a S. Martinho
de Dume, em Braga, cfr. ainda Manuel Pedro Ferreira, “São Geraldo de Braga e o seu
culto litúrgico” (em vias de publicação) (agradecemos ao autor a consulta do manuscrito).
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 385
70
M. C. Diaz y Diaz (estudio y edición critica), La vida de San Frutuoso de Braga,
Braga, s.n., 1974; recentemente, sobre a vida, o culto e a hagiografia de S. Frutuoso, até ao
Flos Sanctorum de 1513, cfr. Cristina Sobral, Adições portuguesas..., cit., pp. 231-262).
386 MARIA DE LURDES ROSA
71
C. Keyes, “Charisma: from social life to sacred biography”, Journal of the
American Academy of Religion, Thematic Studies XLVIII – 3-4, (1982), pp.1-22; Michael
A Williams, “The «Life of Antony» and the domestication of charismatic wisdom”, in
Charisma and sacred biography – Journal of The American Academy of Religion,
Thematic Studies XLVIII – 3-4, (1982), pp. 23-45; Ph. Walter (ed.), Saint Antoine entre
mythe et légende, Grenoble, ELLUG, 1996.
72
M.C. Diaz y Diaz, La vida de S. Frutuoso, cit., pp. 14-15.
73
José Otero, “Las reliquias de San Frutuoso y su culto en Compostela”, Bracara
Augusta, XXII, nº51-54 (63-66), 1968, pp. 103-108.
74
M.C. Diaz y Diaz, La vida de S. Frutuoso, cit., pp. 130-140; Manuel Pedro
Ferreira, “São Geraldo de Braga e o seu culto litúrgico”, cit.
75
João de Barros, op. cit.; Luciano Cordeiro, “Uma descrição de Entre Douro e Minho
por Mestre André”, Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto, vol. 22, fasc. 3-4 (Set.-
-Dez. 1959), pp. 441-460; Mª de Lurdes Rosa, “Hagiografia e santidade”, cit., pp. 337-338.
76
José Mattoso, Religião e cultura, cit., pp. 52-53.
77
Sobre este tipo de santidade, Alessandro Barbero, Un santo in famiglia.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 387
80
J. Mattoso, Religião e cultura..., pp. 454-65, e pp. 471-72; idem, “Le Portugal de
950 à 1550”, pp. 87-88, in Histoire internationale de la littérature hagiographique latine
et vernaculaire en Occidente des origines à 1550, dir. Guy Philippart, vol. II, pp. 83-102,
Brepols, Turnhout, 1996; M. C. Diaz y Diaz (et al.), Ordono de Celanova: vida y milagros
de San Rosendo, La Coruna, Fundación Pedro Barrié de la Maza, 1990.
81
M. C. Diaz y Diaz, “El testamento monástico de San Rosendo”, Historia. Insti-
tuciones. Documentos, 16 (1989), pp. 47-102; id., Ordoño de Celanova, cit., pp. 52-53;
id., “Vita Rudesindi”, in Giulia Lanciani, Giuseppe Tavani (org.e coord.), Dicionário da
literatura medieval galega e portuguesa, p. 682, Lisboa, Caminho, 1993; id., “Sobre la
vida y milagros de S. Rosendo”, in Álvaro de Brito Moreira (coord.), Actas do 1º Ciclo de
Conferências “S. Rosendo e o séc. X” – 1992, pp. 35-44, Sto. Tirso, Câmara Municipal de
Sto. Tirso, 1994; José Geraldes Freire, “Os quatro livros de milagres da Vita Sancti
Rudesindi”, in idem, pp. 167-177.
82
Mª Helena da Rocha Pereira, Vida e milagres de S. Rosendo, cit., pp. 15-23.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 389
83
A “santa companha” é o cortejo dos mortos, uma crença de amplas ramificações.
Sobre ela ver, para início de estudo, em Portugal: F. Adolfo Coelho, “De algumas tradi-
ções de Hespanha e Portugal. A propósito de Estantigua”, Revue Hispanique, 7 (1909),
390-453; tratámos da incidência do tema no Portugal medieval em “Salem em Guimarães.
Almas penadas e entreabertos” (no prelo); na Península Ibérica: A. Redondo, “La «Mesnie
Hellequin» et «Estantigua»: les traditions de la chasse sauvage et leur résurgence dans le
Don Quichote”, in Traditions populaires et diffusion de la culture en Espagne (XVIe.-XVII
siècles), pp. 1-27, Bordéus, Public. de l’Institut d’Études Ibériques, 1982 e François
Delpech, “Le chevalier-fantôme et le maure réconnaissant. Remarques sur la légende de
Muño Sancho de Finojosa”, in Philippe Walter (ed.), Le mythe de la chasse sauvage dans
l’Europe médiévale, pp. 73-123, Paris, Honoré Champion, 1997.
84
Mª Helena da Rocha Pereira, Vida e milagres de S. Rosendo, cit., pp. 73-79.Sobre
este milagre e os outros em que Afonso Henriques é castigado, existe numerosa biblio-
grafia; cfr. idem, p.10.
85
Mª Helena da Rocha Pereira, Vida e milagres de S. Rosendo, cit., p. 57.
86
Idem, p. 57 e p. 103.
87
Esta prática da coerção dos santos foi estudada por Patrick Geary, “La coercition
des saints dans la pratique religieuse médiévale”, in P. Boglioni (ed.), La culture populaire
390 MARIA DE LURDES ROSA
au Moyen Âge, pp. 145-161, Québec, L’Aurore, 1979 e, recentemente, por Éric Palazzo,
Liturgie et société, pp. 184-186, Paris, Aubier, 2000; entre nós por José Mattoso, “Liturgia
monástica e religiosidade popular na Idade Média”, Estudos contemporâneos, 6 (1984),
pp. 11-20. M. C. Diaz y Diaz et al., Ordoño de Celanova, cit., p. 189.
88
Mª Helena da Rocha Pereira, Vida y milagres, cit., p. 63. Sobre o contexto polí-
tico dos milagres envolvendo Afonso Henriques, Odília Gameiro, op. cit., pp. 104-105.
89
Estas datas alteram substancialmente a datação tradicional, que apontava os anos
de 1108 a 1112, e são proposta de Cristina Sobral, no texto edit. nesta revista, p. ***(cfr.
ainda, sobre a hagiografia e o culto ao santo, desta Autora, Adições portuguesas.., cit., pp.
192-230). Será fundamental em toda a análise desta Vita o trabalho, há muito aguardado,
de Aires Nascimento (cfr. algumas indicações em “Um traço singular…”, cit.).
90
Síntese biográfica em Manuel Pedro Ferreira, “S. Geraldo de Braga...”, cit., a
partir dos dados revistos por Avelino Jesus da Costa e José Mattoso.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 391
91
J. Mattoso, Religião e cultura, cit., pp. 101-121 e pp. 197-223; id., História de
Portugal, cit., vol. II, 183-84).
92
José Mattoso, “Le Portugal de 950 à 1550”, cit., p. 85. Não nos sendo possível
desenvolver este assunto no âmbito do presente trabalho, anotamos aqui que a Vita
Geraldi deve também ser estudada no conjunto da restante produção hagiográfica clunia-
cence, fora de Portugal. A este respeito é fundamental Dominique Iogna-Prat, “Panorama
de l’hagiographie abbatiale clunisienne (v.940-v.1140)”, in Martin Heinzelmann (ed.),
Manuscrits hagiographiques et travail des hagiographes, pp. 77-118, Sigmarigen, Jan
Thorbecke Verlarg, 1992.
93
José Cardoso (trad., nts. e posfácio), Vida de S. Geraldo, pp. 5-7, Braga, Livr.
Cruz, 1959; José Mattoso “Géraud de Braga, saint”, in Dictionaire d’Histoire et
Géographie Écclésiastique, t. XX, Paris, Letouzey et Ané, 1984; e id., “Le Portugal de
950 à 1550”, cit., pp. 83-85.
392 MARIA DE LURDES ROSA
94
José Cardoso, ed. cit., pp. 9-10.
95
Idem, p. 10.
96
Idem, p. 10, p.14.
97
Idem, pp. 10-12.
98
José Mattoso, Religião e cultura, cit., p. 206; José Cardoso, ed. cit., pp. 15-20.
99
José Cardoso, idem, pp. 21-22, pp. 27-28; José Mattoso, idem, p. 206.
100
José Cardoso, idem, pp. 33-34.
101
José Cardoso, idem, pp. 33-43.
102
Manuel Pedro Ferreira, op. cit.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 393
103
Rodrigo da Cunha, História Ecclesiastica dos arcebispos de Braga, e dos santos,
e varoens ilustres, que florescerão neste Arcebispado, 2ª p., p. 235, Braga, Manuel
Manescal, 1635; Jorge Cardoso, op. cit., t. II, p. 392; José Marques, A arquidiocese de
Braga no século XV, pp. 146-147, Lisboa, INCM, 1988; Mário Martins, Peregrinações...,
cit., p. 39, pp. 66-70.
104
Manuel Pedro Ferreira, op. cit.
105
Odília Gameiro, A construção das memórias..., cit.; para os três testemunhos
existentes do texto, suas edições, e um quarto que se conhece a partir da referência a Jorge
Cardoso, cfr. idem, pp. 85-94. Já José Mattoso aventara esta ideia, a partir de traços da
espiritualidade proposta nesta vita (“A cultura monástica..”, cit., p. 375, nt. 42).
394 MARIA DE LURDES ROSA
106
Odília Gameiro, op. cit., pp. 104-105; pp. 111-112; pp. 107 e 109.
107
Idem, pp. 110-111, e toda a sua análise da Vita, 112-117.
108
Idem, p. 133.
109
“Vida da bem-aventurada Virgem Santa Senhorinha”, pp. 115-116 e 125, ed. e tra-
dução de Mª Helena da Rocha Pereira, “Apêndice” a Vida de S. Rosendo, ed. cit., pp. 111-
-147; José Mattoso, “A cultura monástica...”, cit., p. 375; Odília Gameiro, op. cit., p. 110.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 395
110
Recorrente em várias hagiografias de “virgens”, como seja Santa Iria (Cristina
Sobral, “Santa Iria, virgem e trágica”, p. 143, Colóquio. Letras, nº 142 (Outº-Dezº 1996),
pp. 137-146 (embora na versão portuguesa do Flos Sanctorum de 1513, que a Autora aqui
analisa, o tratamento do pretendente revista outras formas). Ver também uma importante
contribuição em Jane Tibbets Schulenberg, Forgetfull of their sex. Fenale sanctity and
society, c. 500-1100, pp. 127-176, Chicago, Chicago U.P., 1998.
111
Identificações em José Mattoso, “A cultura monástica...”, cit., pp. 387-388. A uti-
lização da Vita Martini e do Liber Dialogorum faz do redactor da Vita um bom conhece-
dor da literatura hagiográfica típica (Jacques Fontaine, “Alle fonti dell’agiografia euro-
pea: storia e leggenda nella vita di san Martino di Tours”, Rivista di Storia e Letteratura
Religiosa, ano II, nº 2 (1966); e S. Boesch Gajano, “La tipologia dei miracoli nell’agio-
grafia altomedievale. Qualche riflessione”, 304-305, in Schede medievali, nº 5, Jul.-Dez.
1983, 303-312; sobre S. Gregório, neste contexto, cfr. bib. cit. nt ***.
112
Identificações em Mª Helena da Rocha Pereira, ed. cit. (porventura de uma
pequena parte).
113
Vita Sanctae Senorinae, ed. cit., p. 135.
396 MARIA DE LURDES ROSA
114
“A cultura monástica...”, cit., p. 375.
115
Vita Sanctae Senorinae, ed. cit., p. 119; Odília Gameiro, op. cit., p. 113.
116
Tudo em Vita Sanctae Senorinae, ed. cit., pp. 119-121.
117
Mª de Lurdes Rosa, “Dons aos santos...”, cit., e bibliografia aí citada.
118
Idem.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 397
Mumadona e aquele santo, seu parente também 119 – mas seria já bem mal
compreendida no período da “refundição” beneditina, dando azo ao mila-
gre do castigo dos maldizentes 120.
Por fim, algo nos parece relevar da forma como Santa Senhorinha
aparece inserida no mundo rural. A análise atenta feita por Odília Gameiro
aos conjuntos de milagres post-mortem da santa evidencia uma figura
demasiado próxima, a nosso ver, de um domínio mágico da natureza, para
poder ser uma simples “abadessa administradora” 121. Neles, Santa Senho-
rinha surge-nos antes como uma santa do pequeno mosteiro rural, onde
tem servas e monjas, e ao qual preside como a propiciadora da natureza.
E onde assume, ainda, uma outra dimensão menos consentânea com uma
acabada figura de “abadessa beneditina” – a de protectora dos parentes,
do fabuloso irmão Gervásio ao real parente Gonçalo Mendes de Sousa.
Num e noutro milagre, Senhorinha não é diplomática, mas poderosa e
destemida 122...
119
Idem.
120
“Outra Vida de Sancta Senhorinha dos «Acta Sanctorum», ed. cit., p. 155.
121
Odília Gameiro, op. cit., pp. 116-119, também parece ir neste sentido, sem con-
tudo tirar as mesmas conclusões.
122
Para as circunstâncias dos milagres, e salientando também a função de protectora
parental, Odília Gameiro, op. cit., pp. 132-133.
123
O estudo do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra tem progredido nos últimos
anos graças a um importante conjunto de estudos, que versam inclusivamente a sua pro-
dução hagiográfica. Remetemos para a primeira parte deste trabalho, relativa à Vita
Theotonii, onde tal bibliografia foi referenciada.
398 MARIA DE LURDES ROSA
124
A análise da fundação foi recentemente revista por Aires A. Nascimento, “Santa
Cruz de Coimbra: as motivações de uma fundação regular”, in Actas do 2º Congresso
Histórico de Guimarães, cit., vol. 4, pp. 116-127 (reed. em Hagiografia de Santa Cruz,
cit., pp. 19-30).
125
“Vida de D. Tello”, p. 276, ed. por Elisa M. B. Silva, in Aires A. Nascimento,
Hagiografia de Santa Cruz..., cit., pp. 273-286.
126
Vita Theotonii, ed. cit., pp. 164 e 165 (cfr. observ. de Aires Nascimento, nt. 48 da
tradução).
127
José Mattoso, “A nobreza medieval portuguesa. As correntes monásticas dos
séculos XI e XII”, pp. 111-112, in Portugal medieval. Novas interpretações, pp. 197-223,
Lisboa, INCM, 1984; cfr. nt. 123.
128
José Mattoso, idem, pp. 201-203.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 399
129
Idem, p. 212; Leontina Ventura, “Introdução”, pp. 9-20, in Livro Santo de Santa
Cruz. Cartulário do séc. XII, ed. L. Ventura, Ana S. Faria, pp. 9-44, Coimbra, INIC, 1990;
esta autora continuou a sua identificação sociológica dos “cavaleiros”, em Leontina
Ventura e João Cunha Matos, “Cavaleiros da Estremadura (Coimbra, Viseu, Seia) ao
tempo de D. Afonso Henriques”, in Actas do 2º Congresso Histórico de Guimarães, cit.,
vol. 2, pp. 95-107; para as concepções de Afonso Henriques, como rei e como cavaleiro,
nestes contextos plurais, J. Mattoso, “As três faces de Afonso Henriques”, Penélope, 8
(1992), pp. 25-49.
130
Barbara Rosenwein, “Feudal war and monastic peace: cluniac liturgy as ritual
aggression”, Viator, 2 (1971), pp. 129-157; Karl Bosl, “Il santo nobile”, reed. e trad. em Sofia
Boesch Gajano (ed.), Agiografia altomedioevale, Bolonha, Il Mulino, 1976; Étienne
Delaruelle, “Les saints militaires dans la région de Toulouse”, reed. em E. Delaruelle, L’ idée
de croisade au moyen âge, Turim, La Bottega d’Erasmo, 1980; Philippe George, “Noble, che-
valier, pénitent, martyr. L’idéal de sainteté d’après une Vita mosane du XIIe. siècle”, Le
Moyen Âge, t. 89 (1983), pp. 357-80; Alessando Barbero, L’aristocrazia nella società fran-
cesa del Medioevo. Analisi delle fonti literarie (secoli X-XIII), pp. 166-239, Bolonha, Capelli,
1987; Marcus Bull, Knightly piety and the lay response to the First Crusade. The Limousin
and Gascony, c.970-c.1130, Oxford, Clarendon Press, 1993; Giuseppe Sergi, L’aristocrazia
della preghiera. Politica e scelte religiose nel medioevo, Roma, Donzelli, 1994.
400 MARIA DE LURDES ROSA
131
Retomámos e desenvolvemos algumas destas ideias em “O «guerreiro dos crú-
zios» e o «guerreiro dos guerreiros»: a construção do leigo pelos textos crúzios e a sua
recepção”, in História Religiosa de Portugal, cit., vol. I, pp. 445-452. Uma análise apro-
fundada da relação entre os textos crúzios e as ideias de “guerra santa” encontra-se em
Armando Pereira, Representações da guerra na cultura letrada dos séculos XI-XIII. A
fronteira hispânica ocidental, pp. 37 ss, Lisboa, diss. de mestrado apres. à FCSH da UNL,
2000, dact. (agradecemos ao Autor a oferta de um ex. dact.).
132
Vita Theotonii, ed. cit, pp. 166-167.
133
Vita Tellonis, pp. 64-65, ed., trad. e notas de Aires Nascimento, Hagiografia de
Santa Cruz..., cit, pp. 54-137.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 401
134
De expugnatione Scalabis (trad. de Albino de Faria), p. 341, in A. Magalhães
Basto (ed.actual.), Fr. António Brandão, Crónica de D. Afonso Henriques, pp. 341-345,
Porto, Livr. Civilização, 1945.
135
Cfr. texto e notas supra.
136
Para a edição do texto, cfr. nota anterior; para a sua tradição, edições, e análise,
Armando Pereira, “A conquista de Santarém na tradição historiográfica portuguesa”, in
Actas do 2º Congresso Histórico de Guimarães, cit., vol. 5, pp. 27-323.
137
Esta Vita foi recentemente objecto de excelente edição crítica, trad. e anotações
por Aires A. Nascimento, Hagiografia de Santa Cruz..., cit., pp. 224-249, o que abre
novas possibilidades ao seu estudo; entre os estudos de que já foi objecto, cfr., ultima-
mente, com síntese da historiografia, Armando Pereira, Representações da guerra.., cit.,
pp. 52-60.
402 MARIA DE LURDES ROSA
Vlixbone). O texto foi alvo de uma edição crítica recente 138, bem como de
estudos já concluídos 139 e em curso 140, no que diz respeito a uma das suas
personagens principais, o “cavaleiro Henrique”. Será portanto necessário
aguardar, para se perceber completamente o contexto da sua produção, as
intencionalidades da narrativa, e as tradições subjacentes. Refira-se no
entanto que se filia claramente nos textos que reclamam para os mostei-
ros a “fundação régia”, sinal de prestígio e supremacia sobre as restantes
instituições eclesiásticas 141. Por outro lado, a sua figura central é a de um
“santo mártir”, Henrique de Bona, que seria alvo da veneração do próprio
D. Afonso Henriques. O acentuar destas características prende-se sem
dúvida com as mutações político-religiosas que ameaçavam a supremacia
dos Crúzios, nos anos em que se assistiu à estabilização da “sociedade
guerreira” que eles tão bem tinham enquadrado, do ponto de vista da espi-
ritualidade e legitimação religiosa. Com efeito, a Lisboa do Indiculum é
já uma de pluralidade religiosa, em que vários grupos de eclesiásticos dis-
putam o espaço e os favores do rei, e em que este a todos precisa de con-
tentar, mesmo que isso passe pela subalternização dos seus adjuvantes crú-
zios. Alguns anos mais tarde, a cidade que nos revela o texto de Mestre
Estêvão, chantre da Sé de Lisboa 142, aponta mesmo para um desfecho
menos feliz da situação, no que toca à supremacia crúzia: os cónegos do
mosteiro de S. Vicente não conseguem assegurar a posse do recém-che-
gado corpo de S. Vicente, apesar de a terem reclamado violentamente, con-
trastando em tal com a ponderação dos partidários da deposição na Sé 143.
138
Com tradução e notas, por Aires A. do Nascimento, A conquista de Lisboa aos
mouros, cit., pp. 178-201. A data proposta no texto é a deste Autor.
139
Armando Pereira, Representações da guerra..., cit., pp. 90-97, recenseando ainda
a última historiografia. O Autor do texto não será aliás de origem portuguesa, mas sim um
monge teutónico (segundo Armando Pereira, op. cit., p. 89), o que necessariamente matiza
a sua inserção nas narrativas crúzias anteriores.
140
Aguarda-se a publicação do trabalho de Armando Pereira sobre o “cavaleiro
Henrique” nas actas do colóquio “Nova Lisboa medieval”, realizado na FCSH da UNL em
Janeiro de 2002.
141
Amy Remensnyder, Remembering kings’past: monastic foundation legends in
medieval southern France, Ithaca, Londres, Cornell University Press, cop. 1995.
142
Referimo-nos ao texto dos Miracula S. Vicentii, datável do período entre 1173 e
1185 (ed. crítica, com tradução e notas, em Aires A. Nascimento e Saúl António Gomes,
S. Vicente de Lisboa e os seus milagres medievais, pp. 28-68). Sobre o texto e o contexto,
cfr., para além desta obra, a síntese recente de Cristina Sobral, Adições portugesas..., cit.,
pp. 548-552; sobre a evolução das narrativas, Maria de Lurdes Rosa, “O «guerreiro dos
crúzios»...”, cit., p. 447.
143
Miracula S. Vicentii, ed. cit., pp. 34-35. Sobre a crucial importância do culto de
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 403
S. Vicente, que justificava toda a disputa, cfr., além da introdução dos Autores à ed. dos
Miracula, cit., Lídia Fernandes, “O culto vicentino na formação do reino português”,
Arqueologia medieval, 3 (1993), pp. 221-231; Luís Krus, “S. Vicente e o mar: das relí-
quias à moeda”, in Passado, memória e poder na sociedade medieval portuguesa.
Estudos, pp. 143-148, Redondo, Patrimonia, 1994; e Cristina Sobral, Adições portugue-
sas.., cit., pp. 548-551.
144
José Mattoso, Fragmentos de uma composição medieval, p. 222, Lisboa,
Estampa, 1987.
145
Joaquim O. Bragança, Ritual de Santa Cruz de Coimbra, Lisboa, Ed. Autor,
1976.
146
José Mattoso, Fragmentos..., p. 222.
147
J. Bragança, op. cit., p. 202.
404 MARIA DE LURDES ROSA
148
Tentámos entretanto algo neste sentido, em Maria de Lurdes Rosa, “O corpo do
chefe guerreiro, as chagas de Cristo e a quebra dos escudos: caminhos da mitificação de
Afonso Henriques na Baixa Idade Média”, Actas do 2º Congresso Histórico de Guima-
rães, cit., vol. 4, pp. 83-123. Aguarda-se a publicação das actas do 3º Congresso Histórico
de Guimarães, realizado em Novembro de 2001 e dedicado à figura de D. Manuel, no qual
foram apresentadas importantes comunicações neste âmbito, entre as quais se destaca a de
Ana Cristina Araújo.
149
Surge logo na Vita Prima, ou Assidua, e repete-se nas restantes versões de forma
quase imutável. Consultámos as diferentes “vidas” na colectânea que delas apresenta, para
o ingresso de Fernando Martins na ordem franciscana, A. D. Sousa Costa, S. Antonio
canonico regolare di S. Agostino e la sua vocazione francescana. Rilievi storico-storio-
grafici, pp. 166-173, Braga, Ed. Franciscana, 1982 (para a citação do texto, p. 167).
150
Segundo algumas fontes, a sua saída de Santa Cruz não fora pacífica, tanto para
os seus superiores eclesiásticos, como para os parentes de sangue. Quanto ao desagrado
dos cónegos regrantes, pode pressupor-se da dificuldade em obter a licença do Prior, que
surge mencionada logo na Assidua, (ed. cit., p. 167) e que se repete nas “vitae”posteriores
(ed. cit., 169-173). Como veremos de seguida, a repetição de casos de abandono das
ordens tradicionais em favor das mendicantes, foi de modo a causar alguma tensão, agra-
vada por todas as posteriores rivalidades jurisdicionais e religiosas. Quanto à provável
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 405
perseguição dos parentes, que o teria levado a mudar de nome, é também referida na
Assidua (ed. cit., p. 169) e em algumas das posteriores (Vita secunda e Dialogus, ed. cit.,
p. 168 e 169); outras preferem a explicação “etimológica” para a mudança de nome, já
presente na Assidua, que jogava com as palavras “alte tonans”, profetizando os dons ora-
tórios de António. Alessandro Barbero, Un santo in famiglia, cit., p. 247, enquadra esta
mudança de nome por possível perseguição parental no tema das resistências familiares,
comuns a muitas hagiografias.
151
Legenda prima, ed. cit., p. 167.
152
Apesar de antigo, continua fundamental Léon de Kerval, L’évolution et le déve-
loppement du merveilleux dans les légendes de St. Antoine de Padoue, p. 228, Paris, Lib.
Fischbacher, 1906.
153
Para os santos e beatos portugueses dos séculos XIII a XV não existe uma série de
406 MARIA DE LURDES ROSA
textos hagiográficos tão completa como anteriormente, desde logo em função das alterações
históricas: os frades menores e os dominicanos organizam as suas hagiografias ao nível
das respectivas cúrias, inaugurando um registo hagiográfico de características muito dife-
rentes do anterior, como salienta p.e. Alain Boureau, L’évenement sans fin, cit., pp. 53-80
(cfr. também A. Vauchez, “Saints admirables et saints imitables: les fonctions de l’hagio-
graphie ont-elles changé aux derniers siècles du Moyen Âge?”, p. 170, in La fonction des
saints, cit., pp. 160-172 e Peter Dinzelbacher, “Nascita e funzione della santità mistica alla
fine del medioevo centrale”, pp. 496-497, in idem, pp. 489-506). Por outro lado, não se
encontram disponíveis ou perderam-se as versões mais antigas de vidas importantes, como
a de S. Gonçalo de Lagos ou a de S. Gonçalo de Amarante (cfr. infra, nestes santos). Por
fim, temos importantes notícias biográficas que, ainda que participando no género hagio-
gráfico, se afastam dele: é o caso da Crónica do Condestrabre ou da obra de Fr. João
Álvares sobre o Infante Santo (cfr. infra). Não deixaremos porém de utilizar os textos
“mais” hagiográficos, se existentes – é o caso da Rainha Santa Isabel ou da Infanta Santa
Joana – com os devidos reparos, que acompanharão o texto.
154
La sainteté en Occident aux derniers siècles du Moyen Âge, d’après les procès de
canonisation et les documents hagiographiques, pp. 475 ss, Roma, École Française de
Rome, 1981; G. Klaniczay, The uses of supernatural power. The transformation of popular
religion in medieval and early-modern Europe, pp. 76-77, Cambridge, Polity Press, 1990.
155
Cuja santidade é de resto muito posterior (a primeira abertura do túmulo, com vista
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 407
170
Nicole Bériou “Saint François, premier prophète de son ordre dans les sermons
du XIIIe. siècle”, in André Vauchez (ed.), Les textes prophétiques et la prophétie en
Occident (XIIe.-XVIe. siècle), pp. 245-266, Roma, École Française de Rome, 1990. Sobre
a evolução agitada da hagiografia franciscana e as modificações internas à Ordem, que ela
reflecte, são agora essenciais algumas obras de renovação: Chiara Frugoni, Francesco e
l’invenzione delle stigmate: una storia per parole e per immagini fino a Bonaventura e
Giotto, Turim, Einaudi, 1993; a sua revisão, com muitos outros elementos, por Eamon
Duffy “Finding St. Francis: early images, early lives”, in P. Biller (et al.), Medieval theo-
logy and the natural body, pp. 193-236, York, York Medieval Press, 1997; Jq. Dalarun, La
malaventura di Francesco d’Assisi, Milão, Ed. Biblioteca Francescana, 1996 (depois
debatido no vol. de 1998 da Rivista di Storia e letteratura religiosa).
171
António D. de Sousa Costa, S.Antonio Canonico..., cit., pp. 174-176.
172
Fernando F. Lopes, “Notas antonianas”, pp. 12-24, Colectânea de estudos, nº 2
(1947), 13-29; Antonio Rigon, “Antonio di Padova e il minoritismo padano”, pp. 173-178,
in Società Internazionale di Studi Francescani (ed.), I Compagni di Francesco e la prima
generazione minoritica. Atti del XIX convegno internazionale, pp. 169-199, Espoleto,
Centro Italiano di Studi sull’Alto Medioevo, 1992.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 411
173
Antonio Rigon, “S. Antonio e la cultura universitaria nell’Ordine francescano
delle origini”, in Società Internazionale di Studi Francescani (ed.), Francescanismo e cul-
tura universitaria. Atti del XVI convegno Internazionale, pp. 69-92, Perugia, Univ. degli
Studi di Perugia/Centro di Studi Francescani, 1990.
174
Alain Boureau, L’évenement sans fin..., cit., pp. 53-80; caracterização da santi-
dade dominica em Michael Goodich, ‘Vita perfecta’, cit., pp. 146-155.
175
Principais estudos bio-bibliográficos: Mário Martins, “O sermonário de Fr. Paio
de Coimbra do Cód.Alc. 5/ CXXX”, Didaskalia, III (1973), pp. 337-36; John G. Tuthill,
“Fr. Paio’s sermons on the Virgin Mary”, Congresso Histórico de Guimarães e sua cole-
giada, vol. II, pp. 193-203, Guimarães, Comissão Organizadora, 1981 e “Fr. Paio and his
406 sermons”, Actas do II Encontro sobre História Dominicana, I, pp. 347-363, Porto,
Arquivo Histórico Dominicano, 1984; Aires Nascimento, “Paio de Coimbra, frei”, in
Dicionário de Literatura, cit., pp. 504-506; Michael Goodich, ‘Vita perfecta’, cit., p. 235.
412 MARIA DE LURDES ROSA
176
Aires Nascimento, “Fr. Paio...”, cit., p. 506.
177
Mário Martins, “O sermonário...”, cit., pp. 353-354.
178
Gérard de Frachet, As vidas dos Irmãos, trad. port. de Alberto Mª Vieira, pp. 306-
-308, Fátima, Secretariado Provincial Dominicano, 1990.
179
Pietro Lippini (trad. e notas), Storia e leggende medievali. Le ‘Vitae Fratrum’ di
Geraldo di Frachet o.p., Bolonha, Ed. Studio Domenicano, 1988.
180
André Vauchez, “Saints admirables et saints imitables: les fonctions de l’hagio-
graphie ont-elles changé aux derniers siècles du Moyen Âge?”, pp. 165-172, in La fonc-
tion des saints, cit., pp. 160-172.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 413
181
Pedro Álvares Nogueira, Livro das vidas dos bispos da Sé de Coimbra, pp. 71-
-72, ed. A. G. da R. Madahil, Coimbra, Publicações Arquivo e Museu de Arte da
Universidade, 1942.
182
A vida do Bem-aventurado Gil de Santarém, por Fr. Baltazar de S. João, ed. A.
A. Nascimento, Lisboa, s.n., 1982.
183
Tudo segundo Aires Nascimento, A vida do Bem-aventurado, e “Gil de Santarém,
frei”, in Dicionário de Literatura, cit., pp. 294-295.
414 MARIA DE LURDES ROSA
184
Aires Nascimento, A vida do bem-aventurado..., cit., p. 12 e pp. 16-18; Luciano
C. Cristino, “Presença dominicana na região de Leiria antes de Sta. Mª da Vitória (sécs.
XIII-XIV)”, Actas do II Encontro sobre História Dominicana, t. II, pp. 81-94, Porto,
Dominicanos, 1986.
185
G. Frachet, Vitae fratrum, ed. cit., pp. 146-147 e pp. 266-267.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 415
Paris, Espanha, Itália e Portugal, Gil encarna bem o tipo do novo religioso
idealizado por Domingos de Osma para a renovação da Igreja. Em termos
de santidade, por acréscimo, podemos reunir alguns indícios que apontam
para precoces tentativas de canonização, decerto popular mas talvez tam-
bém envolvendo os dominicanos. É assim que a primeira vida quinhen-
tista relata uma rápida veneração do túmulo pelo povo, que acaba por for-
çar o Prior do Convento de Coimbra a trasladar o corpo santo para uma
sepultura mais ilustre. Durante a trasladação sente-se a inevitável fra-
grância e realizam-se várias curas. O autor regista depois uma longa série
de milagres, enquadrados por referências humanas e geográficas concre-
tas, que apresenta como uma resenha dos mais coerentes, prosseguindo
até ao presente. Não é impossível aliás que a Vita do séc. XIII, embora
tivesse talvez um cunho mais memorialista que hagiográfico, se inserisse
num incipiente processo de canonização, que teria sido acompanhado
pela recolha de milagres (os mais antigos que figuram na obra de Baltasar
de S. João); pelo menos, ela é solicitada como peça para o processo de
canonização intentado em 1627 pelo bispo de Viseu, D. Frei João de
Portugal. Nesta época existia de resto um culto conventual de Fr. Gil, cir-
cunscrito aos cenóbios onde havia relíquias suas 186.
O reverso da medalha na história de Fr. Gil reside no episódio da gruta
de Toledo. Sucintamente, e tal como nos chega na fonte mais antiga
(Baltasar de S. João), consiste na história da atracção fatal do jovem estu-
dante em viagem para Paris, por uma gruta na região de Toledo onde os
nigromantes praticavam as suas artes. É conduzido aí pelo próprio demónio,
e acabará por lá ficar sete anos, completando um período ritual de aprendi-
zagem. Ao fim do primeiro ano, e a instâncias dos demónios seus professo-
res, faz um pacto com eles, entregando-lhes a alma, o que comprova através
de um documento escrito com o próprio sangue. Acabada a aprendizagem,
dirige-se a Paris, onde exerce medicina com dotes sobrenaturais. Um sonho
que lhe anuncia a morte próxima, caso não mude de vida, abre o processo
da conversão, alcançado por fim junto dos Pregadores. Várias vezes resis-
tindo a diferentes tentações, acaba por obter a anulação do documento infer-
nal que assinara, graças a uma ardente devoção à Virgem Maria 187.
Ausente nas fontes dominicanas do séc. XIII, esta lenda ter-se-à formado
nas duas centúrias seguintes. Às explicações anteriores para a presença
186
Sobre estes últimos dados, Aires Nascimento, Vida do bem-aventurado, ed. cit.,
p. 8.
187
Baltasar de S. João, ed. cit., pp. 28-54.
416 MARIA DE LURDES ROSA
deste estranho episódio na vida de Gil tem-se vindo a impor uma outra,
que parte da própria natureza do textos. Existe, antes de mais, uma incor-
poração de elementos mais antigos e de larga circulação, num processo
típico do discurso hagiográfico, que procurava ilustrar uma conversão
implicando radical mudança de vida, resgate e redenção. O tema do pacto
com o Demónio para aquisição de saberes profanos e ocultos, e inclusi-
vamente a ligação à medicina árabe de Espanha, surgem noutras vidas de
santos ou relatos edificantes: “Vida do Papa Silvestre II”, milagre ma-
riano de Teófilo, “exemplum” de Estêvão de Bourbon sobre o fidalgo
arruinado, etc. 188.
No âmbito do nosso texto, interessa-nos sobretudo averiguar se exis-
tirá alguma especificidade ligada à espiritualidade mendicante, por detrás
desta osmose. De facto, pela negativa, a aventura de Gil é uma fonte de
ensinamentos, e parece-nos poder afirmar-se que a incorporação do epi-
sódio do pacto tem duas funções principais. Em primeiro lugar é um
directo aviso contra o excessivo zelo e entusiasmo pela vida moderna e
mundana em que viviam e se movimentavam os irmãos pregadores. Em
segundo lugar, e ainda mais especificamente, alerta contra os perigos do
mundo universitário, onde a ascensão na escala docente provoca a ambi-
ção, e o saber corre o risco de valer em função de outros objectivos que
não os religiosos ou devocionais. Os poucos indícios que existem acerca
da difusão desta lenda corroboram as hipóteses expostas: não figura no
Flos Sanctorum de 1513, destinado à grande divulgação, e é sempre refe-
rida pelo exemplar existente em S. Domingos de Santarém. Terá assim
ficado circunscrito aos ambientes dominicanos, onde se destinaria sobre-
tudo à actuação da Ordem junto de camadas universitárias 189.
Deixámos para o final Gonçalo de Amarante (m. 1259) 190, pelas carac-
terísticas mais heterogéneas do seu percurso de vida e tipo de santidade.
188
Aires Nascimento (ed.), Vida do bem-aventurado..., pp. 13-14 e “Gil de
Santarém”, cit., p. 294.
189
Aires Nascimento, “Gil de Santarém”, cit., pp. 294-295. As linhas supra são lar-
gamente tributárias das obras de Aires Nascimento que temos vindo a citar, onde, como
referimos, se re-equaciona toda a lenda de Fr. Gil. Veja-se ainda, do mesmo autor, “Frei
Gil de Santarém, o Fausto português”, Actas do colóquio comemorativo de S. Frei Gil de
Santarém, pp. 351-364, Lisboa, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1992 e “O
pacto com o demónio nas fontes medievais portuguesas: Teófilo e Fr. Gil de Santarém”,
Actas del III Congreso de la Asociación Hispanica de Literatura Medieval, t. IIII, pp. 737-
-745, Salamanca, 1994. Tentámos enquadrar as informações constantes nestas obras nas
linhas interpretativas do conjunto da presente análise.
190
M. Goodich, Vita perfecta, cit., p. 227; Arlindo de Magalhães R. da Cunha, S.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 417
Existem referências esparsas ao seu culto desde 1279, no que seriam uns
escassos vinte anos após o seu falecimento; do século XV datam as pri-
meiras menções à sua comemoração litúrgica 191. Cristina Sobral crê que
a “igreja de S. Gonçalo de Amarante” referida em 1279, 1338 e com
maior frequência durante o século XV, seria o oratório referido no texto
hagiográfico quinhentista e noutras fontes, construído sobre a sepultura
do santo, e que tinha também funções de santuário. Quanto à área de difu-
são do culto, ela sofre ao longo dos séculos XIV e XV uma progressiva
expansão, de Amarante e Guimarães, até Chaves e Braga 192.
Em termos hagiográficos, porém, nada subsiste anterior à “Vida”
inserta no Flos Sanctorum impresso em 1513 193. Certamente baseado em
tradições e escritos mais antigos 194, talvez depositados em Amarante, o texto
apresenta uma estranha figura de santo pároco, eremita-peregrino e por fim
dominicano, que aplica os seus dons milagrosos ao domínio das forças natu-
rais, em benefício da população. Os dados acrescentados pelos hagiógrafos
posteriores, entre os quais podemos citar como exemplar Fr. Luís de Sousa,
acusam uma grande fragilidade documental quando tentam discutir anti-
guidades, reflectindo ainda os conflitos – e invenções – dos autores de
diferentes famílias eclesiásticas que reivindicam o santo (dominicanos,
beneditinos e cónegos de N. Sra. da Oliveira, de Guimarães) 195. O que nos
interessa porém salientar é que em inícios do século XVI, no primeiro
escrito hagiográfico que nos chega, S.Gonçalo é um santo dominicano, que
aliás terá desde meados desse século culto autorizado nos conventos da
Ordem em Portugal e, no seguinte, no estrangeiro 196.
197
Ed. cit., p. 609.
198
Idem.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 419
199
Fr. Luís de Sousa, op. cit., vol. 2, pp. 179-180.
200
A. Vauchez, La sainteté..., cit., pp. 381-84. Estudos recentes demonstram a liga-
ção entre o eremitismo e a errância cavaleiresca (aliás os eremitas que depois se revelam
“parentes” dos cavaleiros, são figuras correntes da literatura cavaleiresca); embora anterio-
res, os modelos porventura continuam influentes: E. Susi, L’ermita cortese. San Galgano
fra mito e storia nell’agiografia toscana del secolo XII, Spoletto, Centro It. di Studi
sull’Alto Medioevo, 1993; a sedução que o ermo exerceu, já no final da Idade Média, em
certos sectores da aristocracia cortesã, aficcionada aos valores da cavalaria, foi por nós
estudada em “Entre a corte e o ermo: reformismo e radicalismo religioso (fins do século
XIV – século XV)”, História Religiosa de Portugal, cit., vol. I, pp. 492-495 e “D. Jaime,
duque de Bragança: entre a cortina e a vidraça”, pp. 325-329, in Diogo Ramada Curto
(ed.), O Tempo de Vasco da Gama, pp. 319-332, Lisboa, Difel, 1998. Sobre o eremitismo
aguarda-se a diss. de doutoramento de João Luís Fontes (FCSH da UNL).
420 MARIA DE LURDES ROSA
longo de toda a Idade Média, nem por isso entusiasmou a Igreja institu-
cional, e o culto grande parte dos santos eremitas ficou ao nível local. Ou,
e aqui entra o que chamámos “refundição dominicana”, estes homens
milagrosos, carismáticos, são integrados no tipo de santidade e espiritua-
lidade mendicante, tornando-se possível uma sua aceitação menos caute-
losa. É exemplar a figura de S. Nicolau de Tolentino, tal como a transmite
o processo de canonização de 1325: eremita, acaba por se acolher à
influência do convento local de mendicantes, continuando embora a viver
solitário e a exercer com infatigável zelo a sua pastoral errante 201. Ora,
como relembra Cristina Sobral, já Frei Luís de Sousa notara as seme-
lhanças entre a hagiografia de S. Nicolau e a do santo amarantino 202.
Para que esta integração da “santidade de franja” se realizasse har-
moniosamente, havia porém que manter, mesmo reinterpretando-as no
global, sinais e devoções que lhe eram próprias. Assim se explica,
segundo nos parece, que seja a sua antiga devoção mariana, que Gonçalo
vivia de modo ardente, a indicar-lhe a Ordem Dominicana, mas sob a
forma de “enigma”, de busca, quase ao tipo do conto popular 203. Neste
último universo, por fim, talvez se encontrem algumas explicações para
outras características menos comuns desta hagiografia. Alguns aspectos
da ingratidão do sobrinho, o regresso incógnito de Gonçalo, a construção
de uma ponte, são traços que daí proviriam. De resto, parece-nos mesmo
encontrar sinais de uma estrutura narrativa de tipo tradicional, como
sejam os ditados e máximas (“se queres edificar ponte, edificarás antre
mõte e mõte” 204, e “sentença de excomunhõ nõ quebrava os ossos, ne~
danpnava a alma” 205), e os traços de rima, remetendo para uma leitura
oral e cadenciada (“E Gonçalo nom esquecido, novo sacerdote e novo
201
A. Vauchez, La sainteté..., cit., pp. 387-388.
202
Adições portuguesas..., cit., p. 185.
203
Como referimos supra, p. ***.
204
Ed. cit., p. 610.
205
Ed. cit.,. p. 611. Esta alocução tem um uso mais repandido, sendo por exemplo
reportada como de uso frequente, mesmo pelos eclesiásticos, na Montaillou de Jacques
Fournier (Emmanuel Le Roy Ladurie, Montaillou. Cathars and Catholics in a French vil-
lage, 1294-1324, 3ª ed., p. 335, Londres, Penguin Books, 1990); entre nós surge, sob dife-
rentes formas, em queixas dos eclesiásticos ao rei, nos séculos XIII e XIV (1250: na Cúria
de Guimarães, o clero reporta que os meirinhos régios afirmam “quod non darent pro
excommunicatione paleam unam”; 1361: nas cortes de Elvas, queixam-se dos oficiais de
justiça do rei declararem “que escõmunhom nom brita osso, e que o vinho nom amarga ao
escõmungado” (cit. em Nuno E. Gomes da Silva, História do direito português, 3ª ed., p.
245, Lisboa, F. C. Gulbenkian, 2000).
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 421
prelado, do preceito sagrado do seu prelado, que sob tanta discriçom lhe
era emposto e mandado...”) 206.
206
Ed. cit., p. 607.
207
Para além da bibliografia citada de seguida a propósito de pontos concretos, cfr.
estados da questão e sínteses em obras como Angela Muñoz Fernandez (ed.), Las mujeres
en el cristianismo medieval. Imágenes teóricas y cauces de actuación religiosa, Madrid,
Associación Cultural Al-Mudayna, 1989; Angela Muñoz Fernandez, Mª del Mar Graña
(ed.), Religiosidad femenina: expectativas y realidades (secs. VIII-XVIII), Madrid,
Associación Cultural Al-Mudayna, 1991; Lucetta Scarafia, Gabriella Zarri (ed.), Donne e
fede. Santità e vita religiosa in Italia, Bari. Laterza, 1994; Angela Muñoz Fernandez,
Beatas y santas neocastellanas: ambivalencia de la religión y politicas correctoras del
poder, Madrid, Comunidade de Madrid, 1994; uma recentíssima nota bibliográfica sobre
a hagiografia confirma a importância deste campo de estudo: M. Lauwers, “Récits hagio-
graphiques, pouvoir et institutions dans l’Occident médiéval”, in Révue d’Histoire ecclé-
siastique, vol. 95/3 (Jul-Set. 2000), pp. 71-96 (nº especial: “Deux mille ans d’histoire de
l’Église. Bilans et perspectives historiographiques”).
208
A. Vauchez, Les laïcs au Moyen Age. Pratiques et expériences religieuses, p.
190, Paris, Du Cerf, 1987.
422 MARIA DE LURDES ROSA
209
Idem, pp. 265-271.
210
Anna Benvenuti Papi, “Devozioni private e guida di coscienze femminili”, Ricer-
che storiche, ano XVI, nº 3 (Set.-Dez. 1986); Blanca Garí, “El confesor de mujeres, media-
dor de la palabra femenina en la Baja Edad Media?”, Mediaevalia, 11 (1994), pp. 131-142.
211
Gabriella Zarri, Le sante vive. Profezie di corte e devozione femminile tra ‘400 e
‘500, Turim, Rosenberg & Sellier, 1990.
212
A. Vauchez, La sainteté..., cit., pp. 426-427.
213
A. Vauchez, Les laïcs..., cit., pp. 259-264.
214
Abundante bibliografia, da qual ver, em especial, Caroline Bynum, Holy fast
and holy food. The religious significance of food to medieval women, Berkeley/Londres,
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 423
Univ. of California Press, 1987; id., The ressurection of the body in Western Christianity,
200-1336, pp. 329-340, N. Iorque, Columbia U.P., 1995; R. M. Bell, La santa anoressia.
Digiuno e misticismo del Medioevo ad oggi, Roma/Bari, Laterza, 1987; Luisa Accati, “Tre
manuali di storia del corpo”, Studi medievali, ser. 3, 31:2 (1990), 805-836; A. Barbero, Un
santo in famiglia, cit., pp. 269-264; U. Wiethaus (ed.), Maps of flesh and light. The reli-
gious experience of medieval women mystics, N. Iorque, Syracuse U.P., 1993; para a for-
mação dos tópicos, Peter Brown, The body and society. Men, women and sexual renun-
ciation in Early Christianity, N. Iorque, Columbia U.P., 1988; para as fontes devocionais,
A. A. MacDonald (et al.) (eds.), The broken body. Passion devotion in late-medieval cul-
ture, Groningen, Egbert Forsten, 1998; vários estudos recentes em Medieval theology and
the natural body, cit.
215
Coakley, John, “Gender and authority of the friars: the significance of holy
women for thirteenth century franciscans and dominicans”, Church History, ano 60º, nº 4
(Dez. 1991), pp. 445-460.
216
A. Vauchez, Les laïcs..., cit., pp. 261-63; Rudolph Bell, La santa anoressia, cit.;
Caroline W. Bynum, Holy fast, cit.
217
M. Goodich, Vita perfecta, cit., pp. 179-184.
424 MARIA DE LURDES ROSA
218
A. Vauchez, La sainteté, cit., pp. 590-615.
219
G. Klaniczay, The uses of supernatural..., cit., pp. 95-110.
220
Aviad Kleinberg, Prophets in their own country. Living saints and the making of
sainthood in the late Middle Ages, pp. 30-39, Chicago-Londres, Univ. of Chicago Press,
1992.
221
Ed. J. J. Nunes, Vida e milagres de Dona Isabel, Rainha de Portugal, Coimbra,
Imprensa da Universidade, 1921. Utilizámos parcialmente o texto que se segue em
“Mendicantes e redes de piedade feminina (1278-1336): três donas em busca de religiosi-
dade própria e uma Ordem que descobre a sua «santa»”, História Religiosa de Portugal,
cit., vol. I, pp. 470-480.
222
Estudos principais: A. Garcia Ribeiro de Vasconcellos, Evolução do culto de
Dona Isabel de Aragão, esposa do Rei Lavrador D. Dinis de Portugal (a Rainha Santa),
t. 1, Coimbra, Impr. Univ., 1894; Angela Munoz Fernandez, Mujer y experiencia religiosa
en el marco de la santidad medieval, Madrid, Associación Cultural Al-Mudayna, 1988;
id., “Santa Isabel Reina de Portugal: una infanta aragonesa paradigma de religiosidad y
comportamiento femenino en el Portugal bajomedieval”, Actas das II Jornadas Luso-
-Espanholas de História medieval, vol. III, pp. 1127-1143, Porto, I.N.I.C, 1989; Robert
Folz, Les saintes reines du Moyen Âge en Occident: VIe.-XIIe. siècles, Bruxelles, Société
des Bollandistes, 1992; Ana M.Machado, “Livro que fala da boa vida que fez a Rainha de
Portugal, D. Isabel”, in Dicionário de Literatura..., cit., pp. 417-418.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 425
223
A. Vauchez, Religion et société..., cit., pp. 19-56, e “Influences franciscaines et
réseaux aristocratiques dans le Val de Loire: autour de la bienheureuse Jeanne-Marie de
Maillé (1331-1414)”, in Mouvements franciscains et société française, XIIe.-XXe. siècles,
pp. 95-105, ed. A.Vauchez, Paris, Beauchesne, 1984.
224
Alessandro Barbero, Un santo in famiglia, cit., p. 285.
225
A. Vauchez, Les laïcs..., cit., p. 212.
226
Idem, pp. 203-209.
426 MARIA DE LURDES ROSA
227
Quadro genealógico em G. Klaniczay, The uses of supernatural power, cit., p.
100; José A. de Freitas de Carvalho, “Conquistar e profetizar em Portugal dos fins do
século XVI aos meados do século XVI. Introdução a um projecto”, pp. 71-72, Revista de
História, vol. 11 (1991), pp. 65-93.
228
Vida e milagres de Dona Isabel, ed. cit., p. 52.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 427
229
Vida e milagres de Dona Isabel, ed. cit., pp. 18-19; R. Folz, Les saintes reines,
cit., pp. 147-149.
230
Vida e milagres de Dona Isabel, ed. cit., p. 41; Angela Muñoz Fernandez, “Santa
Isabel Reina de Portugal”, cit., pp. 1132-1136; enquadramento destas práticas na devoção
das grandes senhoras nobres suas coevas e próximas, em Mª Lurdes Rosa, “Mendicantes
e redes de piedade...”, cit. Para o estudo da intervenção da Rainha na fundação do mos-
teiro de Santa Clara de Coimbra, importante foco das vivências religiosas femininas, Ana
Paula Santos, A fundação do mosteiro de Santa Clara de Coimbra: da instituição por D.
Mor Dias à intervenção da rainha Santa Isabel, Coimbra, diss. de mestrado apres. à FL
da UC, 2000, dact.
231
Angela Muñoz Fernandez, “Santa Isabel Reina de Portugal”, cit., pp. 1142-1143.
428 MARIA DE LURDES ROSA
232
Pontos da situação em Patrick Corbet, Les saints ottoniens. Sainteté dynastique,
sainteté royale et sainteté féminine autour de l’an Mil, Sigmaringen, Jan Thorbecke
Verlag, 1986; Michel Lauwers “Sainteté royale et sainteté féminine dans l’Occident
médiéval. A propos de deux ouvrages récents”, Révue d’Histoire Écclésiastique, vol. 83,
nº 1, 1988, pp. 58-69; G. Klaniczay “Sainteté royale et sainteté dynastique au Moyen Âge.
Traditions, metamorphoses et discontinuités”, Cahiers du Centre de Recherches Histo-
riques, Abril 1989, nº 3, pp. 69-80; Valerie Flint, The rise of magic, cit., pp. 386-90 (cris-
tianização da “realeza sagrada” dinástica e linhagística).
233
Vida e milagres de Dona Isabel, ed. cit., p. 20 e pp. 64-66.
234
Idem, pp. 26-28. Eventualmente, um topos tirada da vida de Sta. Isabel de
Hungria, que, numa das suas versões mais tardias, apresenta um milagre com algumas
semelhanças (C. Sobral, Adições portuguesas..., cit., p. 116).
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 429
235
In A. Garcia Ribeiro de Vasconcellos, Evolução do culto, cit., vol. 1, pp. 273-74.
236
A. Vauchez, La sainteté, cit., pp. 457ss; G. Klaniczay, The uses of supernatural
power, cit., pp. 76-77; G. Zarri, Le sante vive, cit., pp. 87-89.
430 MARIA DE LURDES ROSA
237
Carlos Alonso, “Vida del Beato Gonzalo de Lagos, por Alejo de Meneses, OSA,
arzobispo de Goa”, Archivo Agustiniano, LXXII, nº 190 (1988), 275-298. Aguarda-se um
trabalho de Ana Maria Rodrigues sobre a personagem real de Fr. Gonçalo.
238
Alberto Iria (ed. e coment.), Treslado da portentosa vida de S. Gonçalo de Lagos
por Frei Aleixo de Menezes, pp. 39-41, Lagos, Câmara Municipal de Lagos, 1964.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 431
239
Aleixo de Meneses, Portentosa vida de S. Gonçalo de Lagos, ed. cit., pp. 13-14,
p. 17.
240
Carlos de Azevedo, “Figuras e mosteiros dos Eremitas de Santo Agostinho na
segunda metade do século XV”, Actas do Congresso Internacional Bartolomeu Dias...,
cit., vol. 5, pp. 393-409.
241
M. Goodich, Vita perfecta, cit., pp. 168-170; Benigno Van Luijk, “Hagiografia
agustiniana”, Archivo Agustiniano, 53 (1959), pp. 17-41.
242
Antero Nobre, O túmulo de S. Gonçalo de Lagos descoberto em Torres Vedras,
Faro, s.n., 1961.
432 MARIA DE LURDES ROSA
243
Aleixo de Meneses, Portentosa vida de S. Gonçalo de Lagos, ed. cit., pp. 37-38.
244
Dados sobre as várias tentativas de canonização, J. P. Oliveira Martins,
“Canonisação do Condestável” in A vida de Nun’Álvares, 3ª ed., pp. 470-474, Lisboa,
Parceria António Mª Pereira, 1917; Sérgio Campos de Matos, História, mitologia, imagi-
nário nacional. A História no curso dos liceus (1895-1939), pp. 137-142, Lisboa, Hori-
zonte, 1990; Sérgio C. Lima, Cruzada nacional D. Nuno Álvares Pereira: estudo de uma
organização política, Lisboa, polic., 1993; desenvolvi o tema em “Hagiografia e santi-
dade”, cit., pp. 341-42.
245
M. Goodich, Vita perfecta, cit., p. 170.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 433
provável que tivesse sido por esta via o conhecimento e frequência assí-
dua do Carmo de Moura, por Nuno Álvares, desde jovem 246.
No sul se situavam de resto importantes pólos da vivência religiosa
das ordens militares, entre os quais destacaremos o santuário da Vera
Cruz do Marmelar e Santa Maria de Tavira. O primeiro pertencia ao pró-
prio pai do Condestável, enquanto prior do S. João do Hospital; será ele
a levar a relíquia da Vera Cruz na batalha do Salado, proclamando a sua
eficácia e incutindo a confiança aos guerreiros 247. Santa Maria de Tavira,
por seu lado, encerrava os corpos de cinco cavaleiros e um comendador
de Santiago mortos à traição pelos Mouros, juntamente com um mercador
que os auxiliava 248. Em torno deste episódio rapidamente se forma uma
lenda de martírio, difundida talvez pela crónicas da Ordem de Santiago 249.
No séc. XV Rui de Pina recolhe uma tradição escrita, que mostra estes
Sete Cavaleyros Martyres como defensores de Tavira contra os invasores,
que eram no episódio em causa as tropas do rei de Castela, Afonso IV.
Aparecem sobre a igreja de Santa Maria sete gigantes vestidos de branco,
empunhando as bandeiras de Santiago. O velho guardião do templo
explica ao rei castelhano quem são eles, e os milagres que realizam.
Ainda segundo a mesma fonte, já o famoso Mestre Paio Peres Correia se
246
Arie G. Kallenberg, “O Santo Condestável e os primeiros Carmelitas em
Portugal”, p. 260, Actas do Congresso Internacional de história: Missionação portuguesa
e encontro de culturas, vol. 1, pp. 261-265, Braga, U.C.P., 1993.
247
Mário Martins, Peregrinações..., cit., p. 141; Bernardo Vasconcelos e Sousa, “O
sangue, a cruz e a coroa. A memória do Salado em Portugal”, Penélope. Fazer e desfazer
história, 2, Fev. 1989, pp. 27-48.
248
Mário Martins, Peregrinações..., cit., pp. 23-24.
249
A actividade cronística das ordens religiosas militares é mal conhecida; a
Crónica da Conquista do Algarve, onde este episódio se insere, pode encerrar parte da
perdida Crónica do Mestre Paio Peres Correia, que exalta os feitos do Mestre e seus com-
panheiros na reconquista do Algarve, subalternizando o papel régio (Luís Krus “Crónica
da conquista do Algarve”, in Dicionário de Literatura, p. 176). Assim sendo, o relato da
morte dos sete combatentes e a sua transformação em mártires e protectores das conquis-
tas da Ordem, reforçaria pela via sobrenatural as façanhas dos Cavaleiros de Santiago.
Recentemente, Bernardo Vasconcelos e Sousa explorou uma outra fonte que não a cronís-
tica da Ordem – a lápide funerária de Estêvão Vasques Pimentel –, para alcançar interes-
santes conclusões sobre a construção da figura daquele Hospitalário famoso, pelo mentor
da obra, precisamente o pai de Nuno Álvares, o prior Álvaro Gonçalves Pereira (Os
Pimentéis. Percursos de uma linhagem da nobreza medieval portuguesa (séculos XIII-
XIV), pp. 167-170, Lisboa, INCM, 2000); segundo a nova proposta de Odília Gameiro
sobre o culto quatrocentista aos Ss. Veríssimo, Máxima e Júlia, a Ordem de Santiago tam-
bém aí teria interesses, através das Donas de Santos (cfr. supra, nt. ****).
434 MARIA DE LURDES ROSA
250
Rui de Pina, “Crónica d’el-rei D. Affonso IV”, p. 408, in Crónicas de Rui de
Pina, Porto, Lello & Irmãos, 1977; o relato mais antigo foi recentemente estudado por
António Branco, “Verdade factual e verdade simbólica na «Crónica da Conquista do
Algarve»”, Colóquio. Letras, nº 142 (Out.-Dez. 1996), pp. 111-120; aguarda-se um estudo
de Pedro Picoito sobre o tema.
251
Estoria de Dom Nuno Alvarez Pereyra. Edição crítica da «Coronica do
Condestabre», com introd., notas e glossário de Adelino de Almeida Calado, p. 8,
Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1991.
252
Idem, p. 198.
253
Idem, p. 199.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 435
a chamar-se só “Nuno”; por fim, “ir fora da terra e acabar lá, que nom
soubessem dele parte” 254. Dissuadido de tal por D. Duarte, acaba por acei-
tar a via conciliatória da reclusão no Carmo de Lisboa, e receber ainda do
príncipe uma tença confortável que lhe permitiu assegurar os que com ele
haviam ficado, apesar de se ter desfeito de todos os bens.
O Condestável deve ter sido uma das figuras em torno da qual mais
rápida e solidamente tomou forma um culto de variadas irradiações.
Existe um livro de milagres seus, que é mesmo “a mais vasta compilação
[de milagres] que nos legou o século XV” 255. É legítimo supor que seria
uma recolha realizada tendo em vista a abertura de um processo de cano-
nização. O Infante D. Duarte e os seus irmãos tentam de várias formas
promover o culto: para além de patrocinarem a compilação dos milagres,
o Infante D. Pedro compõe uma oração litúrgica em honra do Condes-
tável, D. Duarte elabora um extenso sumário para um sermão em honra
deste, e finalmente escreve para o Abade D. Gomes para que este tente
abrir o processo de canonização na cúria, em 1437 256. Nesse mesmo ano,
nas vésperas da partida para Tânger, o convento do Carmo é palco de uma
significativa encenação, na qual a figura do Condestável é alvo de um tra-
tamento que elucida bem sobre a funcionalidade da sua santificação. Na
Igreja lê-se solenemente a bula da Santa Cruzada; dela sai a procissão
para a Sé, com um andor onde se coloca o pergaminho papal, uma relí-
quia do Santo Lenho e uma “bandeira do Santo Conde, que com ela já
fora em alguns bons feitos” 257. A mesma utilização sacro-bélica está pre-
sente na ida do Infante D. Henrique de Ceuta até Tânger, onde o cortejo
de bandeiras e relíquias é ainda mais curioso: a bandeira real, a da Ordem de
254
Idem, p. 206.
255
Mário Martins, Peregrinações..., cit., p. 181; Carlos da Silva Tarouca, “Onde
está o Rol dos Milagres do Bº Nuno Álvares Pereira, escrito por Gomes Eanes de
Azurara?”, Brotéria, vol. XLVII, fasc. 2-3 (Ag-.Set. 1948), pp. 155-163; aguarda-se a tese
de mestrado de Gilberto Moiteiro sobre o tema (FCSH da UNL). Agradecemos a este autor
várias sugestões e correcções.
256
Domingos M. Gomes dos Santos, “Para a história do culto do B. Nun’Álvares.
Um documento inédito”, Brotéria, vol. VII, (1928), pp. 393-399; “O “Santo Condestável”
pode ser canonizado?”, Brotéria, vol. XLIX, fasc. 2-3 (Ag-.Set. 1949), pp. 129-140.
257
Segundo a descrição de D. Duarte, na carta em que relata a cerimónia a D.
Gomes, abade de Florença, publ. por Domingos Maurício Gomes dos Santos, D. Duarte e
as responsabilidades de Tânger (1433-1438), Lisboa, 1960 (cit. in Jaime Cortesão, Jaime
CORTESÃO, Os descobrimentos portugueses, 2ª ed., vol. 2, p. 384, Lisboa, Horizonte,
1975).
436 MARIA DE LURDES ROSA
258
Rui de Pina, Crónica de D. Duarte, cit., in Jaime Cortesão, op. cit., pp. 384-385.
259
António Branco, Emergência de um herói (estudo da «Crónica do Condes-
tável»), pp. 49-61 e p. 363, Faro, diss. de doutoramento apres. à Univ. do Algarve, 1998.
260
Idem, pp. 366-68. Distancia-se portanto de João Gouveia Monteiro, “Fernão
Lopes e os cronistas coevos: o caso da Crónica do Condestabre”, pp. 48-52, Revista de
História das Ideias, 11 (1989), 37-61, que defende ser aí o Condestável representado em
claros traços hagiográficos, distinguindo-se nisso da forma mais sóbria e realista como é
tratado Nuno Álvares Pereira nas crónicas de Fernão Lopes.
261
Idem, p. 387.
262
Idem, p. 50.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 437
263
IAN/ TT, Ministério das Finanças, Inventário do Senhor Duque D. Teodósio, 2
vols. dactilografados (para a circunstâncias da existência desta cópia, remetemos para a
diss. de doutoramento que temos em curso de preparação).
264
Idem, vol. 1, fl. 262.
265
Idem, fls. 428-29.
266
“Tres arquas de pinho de frandes das que se fiserão pera os panos da Historia de
Nuno Alueres” (idem, fl. 504).
267
A referência é difícil de interpretar: “Hua chronica do conde Nuno Alueres em
purgaminho empresa em purgaminho” (idem, fl. 263).
268
Idem, fl. 685.
269
Idem, fl. 160.
270
Luís de Matos, A corte literária dos Duques de Bragança no Renascimento,
Lisboa, Fundação Casa Bragança, 1959, p. 18 e p. 24.
438 MARIA DE LURDES ROSA
271
As linhas que se seguem foram escritas antes da elaboração da tese de mestrado
de João Luís Fontes sobre Fr. João Álvares (defendida em 1998 e agora publicada:
Percursos e memória: Do Infante D. Fernando ao Infante Santo, Cascais, Patrimonia,
2000). Cremos que no essencial não desmentem a análise que o Autor fez da santidade fer-
nandina, e mantivémo-las sem alteração de monta. Remetemos, evidentemente, para este
trabalho, análise cuidada e muito mais completa do assunto. Foi entretanto defendida uma
tese de doutoramento na Universidade de Coimbra (Dezembro de 2001), da autoria de
António Rebelo, sobre o texto latino Martyrium et Gesta Infantis Domini Fernandi, que
traz novos e importantes contributos ao tema (remetemos para o texto que amavelmente o
Autor da tese acedeu a publicar nesta revista).
272
Fr. João Álvares, Trautado da vida e feitos do muito vertuoso S.or Infante D.
Fernando, ed. Adelino de Almeida Calado, Coimbra, Por Ordem Universidade, 1960.
273
Idem, p. 7.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 439
274
Idem, pp. 8-11.
275
Ed. in Domingos M. Gomes dos Santos, “O Infante Santo e a Cúria Pontifícia”,
Brotéria, vol. X, fasc. 1 (Jan. 1930), pp. 20-28.
276
Idem.
440 MARIA DE LURDES ROSA
277
Ricard, Robert, “Les lectures spirituelles de l’Infant Ferdinand du Portugal”,
Études sur l’histoire morale et religieuse du Portugal, pp. 53-61, Paris, Centro Cultural
Português, 1970.
278
Cfr., por todos, Saúl A. Gomes, “Retábulo do Infante Santo D. Fernando”, in Frei
Bartolomeu dos Mártires, Mestre Teólogo em Santa Maria da Batalha (1538 a 1552), pp.
65-67, Batalha, Câmara Municipal da Batalha/ Museu do Mosteiro de Santa Maria da
Vitória, 1992.
279
Domingos M. Gomes dos Santos, “O Infante Santo e a possibilidade do seu culto
canónico”, Brotéria, vol. IV, fasc. 1 (Jan. 1927), pp. 134-142 e pp. 197-206.
280
Crónica do Condestabre, ed. cit., p. 261.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 441
praticar. Tinha ainda o hábito de se consultar com um eremita que dava pelo
nome de “João o pobre”, e que algumas tradições querem de origem catalã,
aparentado aos Condes de Urgel 281. Teria ele tido particular influência na
direcção espiritual da Duquesa. Enviuvando, esta vai recolher-se aos seus
paços de Guimarães e professar na Ordem Terceira de S. Francisco. Embora
se mantenha ligada aos Franciscanos da cidade, cuja igreja frequentava,
nunca ingressará num convento, antes praticando esmolas e curas pela vila
e transformando a sua casa em “hospital de penitentes” 282.
A independência e a insistência em opções pessoais que o percurso da
Duquesa até aqui demonstra – em especial a ligação ao eremita e o tipo
de relação que estabelece com os Frades Menores – é reforçado pelas
características muito especiais dos seus dons de cura. Com efeito, a
Duquesa curava muitos doentes, pelos seus dotes de santidade, segundo
Fr. Manuel da Esperança, o cronista franciscano que temos vindo a seguir,
e cuja obra é uma das poucas fontes da sua vida. Mas por humildade e
para disfarçar, tratava-os sempre com uma mezinha por ela feita, com
uma erva que crescia no terreiro do seu paço, ainda no século XVII cha-
mada “erva da Duqueza Santa”. Além disso, usava ainda um globo de
cristal para sanar outras enfermidades, a “pedra do fastio” que na época
do Cronista ainda era levada pelos Franciscanos aos doentes que a reque-
riam 283. Depois da sua morte, os milagres sucederam-se junto da sua
sepultura, cuja terra milagrosa era colocada em saquinhos e colocada ao
pescoço dos fiéis. No ano de 1488, os prodígios eram suficientemente
numerosos para se proceder a uma inquirição por testemunhas, da qual Fr.
Manuel da Esperança ainda transcreve sete milagres circunstanciados 284.
Os fiéis respondiam com ex-votos, que segundo o notário da mesma
inquirição rodeavam completamente o sepulcro.
Uma mezinha de ervas e um globo de cristal, uma viúva que viveu
autónoma praticando em sua casa curas aos enfermos, e que recebera
direcção espiritual de um eremita. Mesmo a escassez das fontes e as
281
Jorge Cardoso, Agiológio, cit., vol. I, pp. 117-118, p. 124; Rodrigo da Cunha,
História Ecclesiastica dos arcebispos de Braga, ed. cit., t. 2, p. 245.
282
Manuel da Esperança, Fr., História Seráfica, t. 1, pp. 179-180, Lisboa, Off.
Craesbeckiana, 1656; Mário Martins, Peregrinações..., cit., p. 168.
283
Manuel da Esperança, Fr., História Seráfica, cit., t. 1, p. 180 e p. 183.
284
Idem, p. 182. É muito curioso que trabalhos de restauro em curso neste convento
tenham posto a descoberto uma tábua pintada com uma figura feminina, que os estudio-
sos pensam ser identificável com Constança de Noronha. O seu culto teria assim chegado
à fase da representação retabular (notícia, com hipótese de identificação, em jornal
Público de 13.02.01).
442 MARIA DE LURDES ROSA
285
Jean Wirth, “Sainte Anne est une sorcière”, Bibliothèque d’Humanisme et
Renaissance, t. XL, nº 3 (1978), 449-480.
286
Gábor Klaniczay, “Miraculum y maleficium. Algumas reflexiones sobre las
mujeres santas de la Edad Media en Europa central”, Mediaevalia, 11 (1994), 39-62;
Richard Kieckhefer, “The holy and the unholy: sainthood, witchcraft and magic in late
medieval Europe”, Journal of Medieval and Renaissance Studies, XXIV (1994), pp. 355-
-385; desenvolvemos o tema das santidades femininas alternativas em “A fundação do
convento de Beja pela Duquesa D. Beatriz”, pp. 266-269, em Diogo Ramada Curto (dir.),
O tempo de Vasco da Gama, cit., pp. 265-270.
287
Domingos M. Gomes dos Santos, O mosteiro de Jesus de Aveiro, vol. II/2, p. 189,
Lisboa, Diamang, 1967.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 443
288
Idem, p. 191.
289
Alessandro Barbero, Un santo in famiglia, cit., pp. 285 ss.
290
A obra de referência, em termos de fontes documentais e análise monográfica, é
Domingos M.Gomes dos Santos, O mosteiro de Jesus de Aveiro, cit.. O estudo que se
segue, de Santa Joana, já foi por nós parcialmente publicado, em “Da corte ao ermo...”,
cit.
291
Retomamos este tema no âmbito da dissertação de doutoramento em que estamos
a trabalhar.
292
Ed. in D. M. Gomes dos Santos, O mosteiro de Jesus de Aveiro, cit., vol. II/2, pp.
225-301; cfr. Mário Martins, Alegorias..., cit., pp. 295-298, e Mª João V. B. M. da Silva,
“Crónica da fundação do mosteiro de Jesus de Aveiro”, in Dicionário de Literatura, cit.,
pp. 176-177 e idem, “Vida da Infanta Santa Joana”, in idem, pp. 660-661.
293
André Vauchez, Les laïcs, cit., pp. 245-249 e pp. 265-275.
444 MARIA DE LURDES ROSA
memorializa, fixa e louva, todo este processo; vem de, e redige para, um
ambiente específico, um convento de mulheres que preconizou experiên-
cias religiosas novas, no século do grande desenvolvimento da mística
feminina. Testemunho de uma vivência religiosa específica, libelo da sua
defesa, texto devocional para gerar exemplos... 294 Todos estes factores
nos obrigam a falar de “devolver” a este texto a funcionalidade e actuali-
dade que teve, e a afirmar estarmos perante um caso especialmente feliz,
em termos de fontes históricas. Não nos parece que retrate a Infanta de
modo estereotipado; o recurso a imagens, tópicos, afirmações reiteradas
de veracidade, deve encarar-se como temos vindo a sugerir, para este tipo
de obras. Temos a sorte adicional de nos encontrarmos face a um teste-
munho tocado pela própria experiência de santidade que narra, que foi
forte e arrojada a ponto de marcar uma das suas testemunhas de modo
indelével, e reflectir-se na obra escrita, de modo a quase com ela se fun-
dir. A própria afectividade e a força posta na transmissão das devoções e
experiências vividas da Infanta, tornam novo este texto, um dos primei-
ros testemunhos, ainda que indirecto, de uma vivência mística.
A Infanta Santa do Memorial é a figura de grande lutadora pela liber-
dade de prosseguir uma experiência religiosa pessoal, de cariz afectivo e
místico, que não contemporizava com razões de Estado ou com vivências
religiosas impostas: “a não vencida donzela e forte batalhadora de Cristo
mais que mártir” 295. Toda a espiritualidade que experimenta desde
pequena desenvolve-se em torno de traços típicos, dos quais destacare-
mos três: i)seguimento pessoal da paixão de Cristo; ii) consciência aguda
do pecado e empenhamento existencial, físico, na redenção dos pecado-
res; iii) relação directa com Deus.
Assim, a Infanta seguia passo a passo a liturgia da Paixão, identifi-
cando-se ao Cristo sofredor através de gestos físicos de flagelação e dor 296;
prepara-se para a morte recriando de diferentes formas a agonia de Cristo 297;
294
Sobre estes textos, G. Zarri, Le sante vive, cit., pp. 21-50; Marilena Modica Vasta
(ed.), Esperienza religiosa e scritture femminili tra medievo ed età moderna, Palermo,
Bonanno, 1992; Jane Chance, “Speaking in propria persona. Authorizing the subject as a
political act in late meideval feminine spirituality”, in Juliette Ddor (et al.) (eds.), New
trends in feminine spirituality: the Holy Women of Liège and their impact, pp. 269-294,
Turnhout, Brepols, 1999; Rosalyn Voaden, God’s words, women’s voices: the discernment
of spirits in the writing of late-medieval women visionaries, Woodbridge/N. Iorque, York
Medieval Press/ Boydell & Brewer 1999.
295
Margarida Pinheira, Memorial, ed. cit., p. 264.
296
Idem, p. 244, p. 269, p. 276, e p. 286.
297
Idem, p. 275, p. 280, pp. 286-287.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 445
298
Sobre a importância devocional das lágrimas, cfr. José Mattoso, “A mística das
emoções: o dom das lágrimas”, in Naquele tempo. Ensaios de história medieval, pp. 79-
-92, Lisboa, Círculo de Leitores, 2000; para as bases teológicas, com uma interessante
análise de antropologia religiosa: Piroska Nagy, Le don des larmes au Moyen-Âge. Un ins-
trument spirituel en quête d’institution (Ve.-XIIIe. siècle), Paris, Albin Michel, 2000.
299
Margarida Pinheira, Memorial, ed. cit., p. 244.
300
Idem, p. 295.
301
A. Kleinberg, Prophets in their own country, cit., pp. 30-39.
302
A. Vauchez, Les laïcs, cit., pp. 272-275.
303
Margarida Pinheira, Memorial, ed. cit., p. 259, p. 268, p. 271, p. 284, pp. 255-
-256.
446 MARIA DE LURDES ROSA
304
Tudo em idem, p. 264.
305
Tudo em idem, p. 277, pp. 284-285 e p. 280.
306
Idem, pp. 242-243 e p. 249, p. 288 e p. 295.
307
Idem, p. 240, p. 245.
308
Idem, p. 269.
309
Idem, p. 262, p. 271, p. 273, e pp. 285-86.
310
Idem, p. 297.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 447
neles. Se bem que algumas vezes se possa ter estas afirmações na conta
de topos, o mesmo não sucede para o longo excurso que faz sobre revela-
ções e visões divinas, antes de relatar as diferentes experiências visioná-
rias que as monjas tiveram depois da morte da Infanta. Remetendo o
tempo das visões para um passado mais afortunado, crê contudo que Deus
dá a mortos muito especiais o poder de consolar os vivos. É neste con-
texto que a Infanta Santa aparece às suas monjas. E a Autora redobra de
cuidados, nesta altura: atrever-se-à a falar disso, mas através de passos
das Escrituras e exemplos de santos. E, sobretudo, afirma a sua ortodoxia:
“Não digo isto porque contra a santa fé católica aja de afirmar o que ela
nega, defende e manda: não avermos de crer em sonhos; mas porque
levemente leia e ouça o que aqui disser com boa e sã consciência, para
nisso receber alguma consolação” 311. A extensão e meandros deste texto
só nos parecem explicáveis face a contextos de crítica e suspeita em rela-
ção a este tipo de experiências, deste modo justificados directamente atra-
vés da santidade de Joana.
Beatriz da Silva (m. 1492) e o seu irmão João, mais conhecido por
Amadeu (m.1482), viveram fora de Portugal as suas experiências reli-
giosas: a primeira, residindo em Toledo durante quase três décadas no
convento de dominicanas, funda pouco antes de morrer a Ordem da
Imaculada ou da Conceição de Maria (1489); o segundo, depois de viver
alguns anos entre os eremitas jerónimos, no santuário de Guadalupe, irá
criar e espalhar em Itália a congregação dos Amadeítas. A ausência de
estudos que temos referido para vários dos personagens em estudo, é mais
grave para estas duas grandes figuras da espiritualidade quatrocentista.
Envolvidos por alguma historiografia numa aura romanesca que ligava as
suas vocações com desgostos de amor palacianos, ou que, quanto ao
Beato Amadeu em particular, lhe conferiu fama de herético pela atribuída
obra Apocalipsys Nova, apenas recentemente se têm vindo a renovar os
estudos a seu respeito 312. Assim sendo, e porque nos pareceu incorrecto
311
Idem, p. 296.
312
Mário Martins, “O ciclo franciscano da nossa espiritualidade medieval”, Biblos,
27 (1951), pp. 141-247; António D. de Sousa Costa, “Beato Amadeu”, in Hernâni Cidade
(dir.), Os grandes Portugueses, vol. 1, pp. 189-205, Lisboa, Arcádia, s.d.; id., “Studio cri-
tico e documenti inediti sulla vita del Beato Amadeo da Silva nel quinto centenario della
morte”, Noscere Sancta. Miscellanea in memoria di Agostino Amore, I, pp. 169-196,
Roma, Ed. Antonianum, 1985; id., “Alcaides-mores de Portalegre no século XV”, in Actas
do 1º Encontro de História regional e local do distrito de Portalegre, pp. 233-248,
Portalegre, Escola Superior de Educação, 1987; id., “Aproximação da espiritualidade de
448 MARIA DE LURDES ROSA
Santa Beatriz da Silva e seu irmão Beato Amadeu com os Frades do Santo Evangelho e
Capuchos, evangelizadores da África, América e India”, Actas do Congresso Interna-
cional Bartolomeu Dias.., cit., vol. 5, pp. 159-341; algumas observações em José A. de
Freitas de Carvalho, “Conquistar e profetizar...”, cit..; id., “Joachim de Flore au Portugal:
XIIIème-XVIème siècles: un itinéraire possible”, in Gianluca Potestá (ed.), Il profetismo
gioachimita tra Quattrocento e Cinquecento: Atti del 3º Congresso Internazionale di Studi
Gioachimiti, pp. 415-432, Génova, Marietti, 1991.
313
Iremos abordar estas duas figuras e os temas referidos na tese de doutoramento
que temos em preparação. Já desenvolvemos alguns tópicos em “Da corte ao ermo...”, cit.;
“A fundação do convento de Beja...”, cit.; e em “D. Jaime, duque de Bragança...”, cit.
(onde defendemos que Amadeu da Silva é alvo de um tratamento semelhante ao de D.
Jaime, pela “psicologia histórica” de finais do século XIX, o que muito contribui para a
incompreensão do percurso religioso destes personagens).
314
Cit. in Mário Martins, O ciclo fanciscano, cit., p. 289.
315
A. D. Sousa Costa, “Aproximação da espiritualidade”, cit., p. 163.
316
Fortunato de Almeida, op. cit., vol. I, p. 331; Maria Ângela Beirante, “Eremi-
térios da pobre vida no Alentejo dos séculos XIV-XV”, p. 262, in 1383-1385 e a crise
geral dos séculos XIV-XV. Jornadas de História Medieval. Actas, pp. 257-265, Lisboa,
História & Crítica, 1985.
A SANTIDADE NO PORTUGAL MEDIEVAL 449
317
A. D. Sousa Costa, “Aproximação da espiritualidade”, cit., pp. 160-161; Enrique
Gutiérrez, “La Beata Beatriz y la Inmaculada – influencia de los Franciscanos en ella”,
Archivo Ibero Americano, 2ª época, vol. XV (1955), pp. 1077-1102.
318
Mário Martins, O ciclo franciscano, cit., pp. 239-240.
319
A. D. Sousa Costa, “Aproximação à espiritualidade”, cit., pp. 181-182.
320
Idem, p. 163, p. 166.
321
Idem, p. 162.
322
Idem, p. 163; José A. de Freitas de Carvalho, “Conquistar e profetizar”, cit., p. 88.
323
Mário Martins, O ciclo franciscano, cit., pp. 240-242; Cesare Vasoli, “Dall’«Apo-
calypsis Nova» all «De Harmonia Mundi». Linee per una ricerca”, in Società Interna-
zionale di Studi Francescani (ed.), I Frati Minori tra ‘400 e ‘500. Atti del XII convegno
internazionale, pp. 257-291, Assis, Univ. di Perugia/ Centro di Studi Francescani, 1986.
324
Mário Martins, O ciclo franciscano, cit., pp. 241; sobre a difusão: José A. de
Freitas de Carvalho, “Conquistar e profetizar”, cit., pp. 89-91.
450 MARIA DE LURDES ROSA
325
Enrique Gutiérrez, Vida de la Beata Beatriz da Silva y origenes de la Orden de
la Inmaculada Concepción, Valladolid, Franciscanos, 1967; I. Omaechevarria, “Santa
Beatriz da Silva”, Theologica, 11 (1976), pp. 457-460 [é importante confrontar estas obras
com os dados mais recentes e críticos de A. D. Sousa Costa, na bibliografia cit.. na nt. 312;
Actas del I Congreso Internacional “La Orden Concepcionista”, Léon, Universidad de
Leon, 1990.
326
A. D. Sousa Costa, “Aproximação à espiritualidade”, cit., pp. 163-165.
327
Idem, p. 166; A devoção à Imaculada Conceição estava, significativamente, pre-
sente em círculos tão próximos quanto a corte de Beja de D. Beatriz (cfr. o nosso “A fun-
dação do convento da Conceição...”, cit., p. 269).
328
Maria del Mar Graña/ Angela Muñoz Fernandez, “La Orden Concepcionista: for-
mulación de un modelo religioso femenino y su contestación social en Andalucia”, in Las
mujeres en la Historia de Andalucia. Actas del II Congresso de Historia de Andalucia,
Cordoba 1991, pp. 279-298, Córdova, Publ. de la Consejeria de Cultura y Medio
Ambiente de la Junta de Andalucia y Obra Social y Cultural Cajasur, 1994.