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Resumo
Résumé
1
Professor de História Medieval da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. E-mail para contato:
[email protected]. O artigo faz parte de uma pesquisa que envolve o ensino de História Medieval e
sua relação com uma literatura mais contemporânea, em que buscamos traços de medievalidade.
2
"Enquanto a mulher for para o parto e as crianças, ela é diferente do homem como o
corpo o é da alma. Mas quando ela anseia servir a Cristo, mais do que o mundo, então
deixará de ser mulher e será chamada homem".(Grifos nosso)
São Jerônimo
Introdução
2
Naturalismo é uma estética artística-literária criada na França, com o intuito de retratar a realidade social
através de obras de artes plásticas, peças teatrais ou textos literários. Com o propósito de ser uma
ferramenta de denúncia, foi uma das escolas literárias que mais provocaram o choque na, até então
denominada, classe nobre. Foi no final do século XIX que o Naturalismo começou a marcar sua presença
na literatura brasileira. Na época, grandes mudanças e revoluções aconteciam no Brasil, como a abolição
da escravatura e a Proclamação da República. E foi influenciado por essas lutas e por Émile Zola e Eça de
Queiroz, que o maior representante dessa escola no país, o maranhense Aluísio Azevedo, criou o romance
“O Mulato” (1881), marco inicial do Naturalismo brasileiro, e a conhecida obra “O Cortiço” (1890).
3
LE GOFF, Jacques. Para uma outra Idade Média. Tempo, trabalho e cultura no Ocidente. Petrópolis:
Vozes, 2013. P. 168
3
4
Utopia medieval elaborada entre os séculos XIII e XV, com várias versões espalhadas por vários
lugares, como França e Itália por exemplo.Caracteriza-se por ser uma terra de fartura, ociosidade,
juventude e liberdade. Fez parte do imaginário de amplas camadas da população da Europa Medieval,
tendo inclusive cruzado o Atlântico e ganhado terras do Nordeste, através do Cordel que trata de São
Saruê.
5
SILVA, Leila Rodrigues da. Monges e literatura hagiográfica no início da Idade Média. In: SILVA,
Andréia C.L. Frazão da. SILVA, Leila Rodrigues da. (orgs.) Mártires, confessores e virgens. O culto aos
santos no Ocidente Medieval. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016, p. 55
6
A obra hagiográfica de maior repercussão no período medieval foi a Legenda Áurea, escrita em meados
do século XIII pelo mendicante Jacopo, nascido em 1226 na cidade de Varazze, próxima a Gênova.
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BASTOS, Mário Jorge da Motta; DUARTE, Elisa Tavares. A emergência dos santos da Legenda Áurea
e o sentido da pregação. In: VI Encontro internacional de Estudos Medievais. Medievalismo: leituras
contemporâneas. Anais. Vol. II. 06 a 08 de julho de 2005. Universidade Estadual de Londrina. P. 177
8
FORTES, Carolina Coelho. "Deixará de ser mulher e será chamada homem": o topos da virago na
Legenda Áurea. In: VI Encontro Internacional de Estudos Medievais Medievalismo: leituras
contemporâneas. Anais Vol. III - 06 a 08 de julho/2005. Universidade Estadual de Londrina. P. 476
4
Conviver com mulheres no seio da Igreja sempre foi motivo de desconfiança por
parte dos homens do clero. Encontrar o limiar que separava a representação da imagem
de Eva pecadora da imagem imaculada de Maria, foi uma tarefa teológica a que se
dedicaram muitos membros eminentes daquela instituição eclesiástica. Assim, era
possível conviver com as mulheres, desde que elas fossem basicamente enquadradas
num campo teórico e prático, e fossem imunizadas contra as influências do diabo em
suas vidas, já que as mulheres, na visão mais tradicional da Igreja Católica, eram fracas
e susceptíveis de serem tentadas muito mais do que os homens.
9
OLÍMPIO, Domingos. Luzia-Homem. Fortaleza: ABC Editora, 2001. p. 10-11.
10
FORTES, Carolina Coelho. Op. cit. p. 476
11
OLÍMPIO, Domingos.Op. Cit. p.20-21
5
Entretanto, ela, que nunca havia feito mal a ninguém, que não
abandonara os pais (...), ela que tudo sacrificara, aspirações de moça e
prazeres, que resistira aos instintos de mulher, para manter, em meio
ao paul, a sua pureza imaculada (...)13
12
FORTES, Carolina Coelho. Op. cit. p. 477
13
OLÍMPIO, Domingos.Op. Cit. p.80
14
Idem, p. 185
6
Capriúna15, seu perseguidor e algoz, ela jamais perde o tom sereno de agir e falar. Não
há desespero em suas atitudes, não há desfavor; tudo converge para que aflore em sua
vida características de santidade, de exemplaridade que marcarão sua existência até o
epílogo da narrativa. Nesse sentido constatamos:
15
Capriúna, um soldado que constantemente assedia Luzia e funciona na trama como o "tentador",
representando a figura emblemática do mal.
16
OLÍMPIO, Domingos.Op. Cit. p. 118
7
17
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. São Paulo: Editora Forense, 2000. p. 266
18
Todos os 184 municípios cearenses possuem padroeiros. O padroeiro do Ceará é São José, daí porque o
seu dia, no calendário religioso, - 19 de março - é feriado estadual. Segundo a tradição popular cearense e
os Profetas da chuva, essa data tem grande significado, pois, se até esse dia houver chuva, o "inverno"
(estação chuvosa que na verdade é o verão, devido à latitude) estará garantido. Do contrário, a seca estará
inegavelmente caracterizada. Essa data curiosamente coincide com o equinócio. Dos muitos templos
católicos espalhadas por todo o Estado, alguns de destaque são: A Igreja de Nossa Senhora da Conceição
em Sobral, um dos mais belos templos católicos do Estado; Igreja de Nossa Senhora da Conceição de
Almofala que passou quase 50 anos soterrada por dunas e é um dos únicos exemplares de
arquitetura barroca no Ceará; Igreja de Nossa Senhora do Líbano a única Igreja Greco-Católica
Melquita no Nordeste; e o Seminário da Prainha, mais antigo seminário do Ceará. A fé sertaneja, muitas
vezes associada ao messianismo e marcada por profunda relação com os santos, rituais e datas religiosas,
foi e continua sendo bastante influente na história cearense e nos costumes e festejos cearenses. A cidade
de Juazeiro do Norte surgiu de um assentamento que, sob orientação do Padre Cícero, considerado pela fé
popular um santo, tornou-se um local de peregrinação religiosa e, nos últimos anos, atrai milhares de
crentes de vários locais do Nordeste. Outro local de grande peregrinação religiosa no Ceará é a cidade
de Canindé que abriga um santuário importante é o de Canindé, em devoção a São Francisco, considerado
o maior das Américas. O Santuário Nossa Senhora Imaculada Rainha do Sertão, em Quixadá, tem se
tornado outro centro de peregrinação católica. Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%B5es_no_Cear%C3%A1. Acesso em 10 de junho de 2021, às
15:35h.
8
enfatizando que "- Aquilo nem parece mulher fêmea (...). Reparem que ela tem cabelos
nos braços e um buço que parece bigode de homem..."19, ainda assim, a sua posição
discreta assegurava certo respeito. Do mesmo modo alguns personagens masculinos
desprezados se colocavam com desconfiança diante dela, argumentando que "- A modos
que despreza de falar com a gente (...), murmuravam os rapazes remordidos pelo
despeito da invencível recusa, impassível às suas insinuações galantes"20. A personagem
Luzia é construída como alguém de "invencível recusa", mulher impassível, que não se
dobra aos assédios masculinos, o que lhe permite salvaguardar seu corpo, manter sua
virgindade, questão fundamental para a santidade, uma vez que , "Da perspectiva da
mártir , a virgindade é um valor absoluto. Já para seus perseguidores, elas se tornam
ainda mais desejáveis porque, além de belas, são nobres donzelas"21.
Capriúna tinha fama de valente, de sedutor, por isso era sempre "recrutado por
audácias sensuais", sempre “ébrio de luxúria”, como escreve Domingos Olímpio, e
quando se encontrava com Luzia, "dirigia-lhe com saudações reverentes, palavras de
ternura e erotismo incontinentes, olhares e gestos de desejos mal sofreados"23. Capriúna
utilizava ainda sua posição de homem de autoridade, por isso fazia questão de sempre se
apresentar com a farda impecável, utilizando o seu simbolismo para obter favores e ao
19
OLÍMPIO, Domingos.Op. Cit. p. 11
20
Idem. p.11
21
FORTES, Carolina Coelho. Op. cit. p. 481
22
OLÍMPIO, Domingos.Op. Cit. p. 13
23
Idem. p. 13
9
A defesa intransigente da honra por parte de Luzia, que tem uma relação direta
com sua sexualidade, sua pureza viriginal, é sua grande batalha. Por isso, ao mesmo
tempo em que é fustigada por alguns personagens femininas do romance, como
Romana, mas é considerada em alta conta por outras, caso de Teresinha. A vida de
sofrimento de Luzia, sua dedicação profunda à mãe doente, sua moralidade e firmeza de
caráter, podem ser consideradas formas de martírio, ou seja, um tormento que se torna
parte da vida em consequência de certa adesão a uma causa, a uma forma de vida.
Fonte: https://sobralagora.com.br
10
24
FORTES, Carolina Coelho. Op. cit. p. 482
25
A figura de Luzia-Homem encontra-se de pé, semi-desnuda por ter parte de suas vestes rasgadas e
arrancadas pelo soldado Capriuna, que se encontra ajoelhado a seus pés, representando o momento em
que a moça arranca, com as unhas, um dos olhos do seu agressor e o empurra penhasco abaixo, recebendo
no mesmo instante a sua facada fatal. Como o braço direito do soldado, na escultura, foi arrancado, há de
se buscar descobrir se trazia nesta mão a faca do crime. DESCRICAO DA BASE: A base é em alvenaria
de tijolo, recoberta de pedras irregulares, dispostas de modo aleatório, contendo placa comemorativa de
sua instalação: “Sob os músculos poderosos de Luzia Homem estava a mulher tímida e frágil, afogada no
sofrimento que não transbordava em pranto e só irradiava, em chispas fulvas, nos grandes olhos de
luminosa treva” Do romance de Luzia-Homem, de Domingos Olímpio. Sugestão; Câmara Junior de
Sobral. Realização: Prefeito Joaquim Barreto Lima. 12 01- 1973. Fonte: Orlando Ramos Filho.
Conservador/restaurador de bens móveis integrados aos monumentos. Projeto de restauração, 2018.
26
OLÍMPIO, Domingos.Op. Cit. p. 191-192
11
defesa tenaz que Luzia faz de sua pureza e reputação diante das investidas de Capriúna,
como já frisamos, características que demonstram que o romance de certa forma dialoga
com características hagiográficas medievais, na medida em que
Bibliografia
BASTOS, Mário Jorge da Motta; DUARTE, Elisa Tavares. A emergência dos santos
da Legenda Áurea e o sentido da pregação. In: VI Encontro internacional de Estudos
Medievais. Medievalismo: leituras contemporâneas. Anais. Vol. II. 06 a 08 de julho de
2005. Universidade Estadual de Londrina.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. São Paulo: Editora Forense, 2000
27
FORTES, Carolina Coelho. Op. cit. p. 4481
28
GAJANO, Sofia Boesch. Santidade. In: LE GOFF, Jacques et SCHMITT, Jean-Claude (Orgs.).
Dicionário Temático Medieval. São Paulo/Bauru: Imprensa Oficial do Estado/EDUSC, 2002. p. 449
12
LE GOFF, Jacques. Para uma outra Idade Média. Tempo, trabalho e cultura no
Ocidente. Petrópolis: Vozes, 2013.
OLÍMPIO, Domingos. Luzia-Homem. Fortaleza: ABC Editora, 2001
SILVA, Leila Rodrigues da. Monges e literatura hagiográfica no início da Idade
Média. In: SILVA, Andréia C.L. Frazão da. SILVA, Leila Rodrigues da. (orgs.)
Mártires, confessores e virgens. O culto aos santos no Ocidente Medieval. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2016