Oral de Melhoria de Direito Das Sucessõe - Versão Final

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 4

Oral de melhoria de Direito das Sucessões

Natureza jurídica da substituição pupilar e a possibilidade de aplicação do regime das


indisponibilidades relativas ao progenitor que utiliza o instituto para testar a favor de
terceiro para o qual não pode testar a título pessoal
1. Introdução
A substituição pupilar é um instituto em que se permite ao progenitor, que exerça
responsabilidades parentais, instituir herdeiro ou nomear legatários em substituição dos filhos,
na condição de estes falecerem menores de idade e sem descendentes ou ascendentes, após o
falecimento do progenitor, podendo fazê-lo mediante testamento.
A grande questão é a discussão da natureza jurídica da substituição pupilar, discutindo-se se
opera uma substituição pelo lado ativo ou lado passivo.
Doutrina maioritária tem entendido de forma consolidada que a substituição opera pelo lado
ativo, sendo seguida pelos Professores Jorge Duarte Pinheiro, Carlos Pamplona Corte-Real,
Oliveira Ascensão, e indiretamente seguida por uma generalidade de autores que na exposição
do regime demonstram a pré-compreensão do mesmo como uma substituição pelo lado ativo.
São exceção os Professores Luiz Cunha Gonçalves, Guilherme de Oliveira e a Dra. Beatriz
Medina Vera-Cruz Pinto, que defendem a tese da substituição pelo lado passivo.
A discussão da natureza jurídica da substituição pupilar tem também grande interesse para
resolver a um problema: quando o progenitor, por via do instituto da substituição pupilar, testa a
favor de um terceiro, a quem a título pessoal não podia testar por existir uma situação de
indisponibilidade relativa, e que indiretamente beneficia das deixas que o progenitor faz por via
deste instituto e que tem por objeto bens que fazem do seu património, que beneficiam este
terceiro tendo o património do menor/incapaz como património intermédio desta relação. Sendo
uma situação que é atentatória da lógica do sistema, constituindo uma solução fraudulenta do
espirito da lei e que não é resolvida pela teoria da substituição pelo lado ativo.
2. Tese da substituição pelo lado ativo- fundamentos
Esta tese entende o instituto como estando vocacionado para suprimento de incapacidade, já
que tem como substituídos os menores ou maiores acompanhados incapazes de testar, daqui
partem para que se entenda que exista uma representação por parte do progenitor com
responsabilidades parentais.
Beatriz Medina Vera-Cruz pinto- resposta- instituto não está vocacionado apenas para o
suprimento de uma possível incapacidade, mas também para o facto de ao menor não
sobreviverem herdeiros legitimários, sendo ambas condições suspensivas para o funcionamento
do instituto, tirando a tónica do mesmo exclusivamente centrada na incapacidade, levando a que
se entenda o mesmo como uma resolução para uma situação de incapacidade e, por isso, de um
fenómeno de representação.
Ligado a este aspeto, é também relevante o facto do sujeito com legitimidade ativa ser o
progenitor ou o acompanhante, e, por isso, o representante legal do menor ou maior
acompanhado, que detém o exercício das responsabilidades parentais, o que aparentemente
não se compatibiliza com uma substituição pelo lado passivo, já que tal exigência não faria
sentido se este estivesse a decidir sobre a sua sucessão e não sobre a do filho.
Na mesma linha de vocacionar o instituto para a resolução de um problema de incapacidade, o
Senhor Professor aponta para o facto de a substituição caducar se o menor ou maior
acompanhado adquirir a capacidade testamentária ativa, tal como dispõe o art.2298º/2.
Por último, a interpretação do art.2300º também é sustentada como um argumento a favor desta
tese, os bens abrangidos são os do menor, sendo que a sucessão em causa é a deste, tratando-se
de bens que o menor ou maior acompanhado já tem em sua propriedade, sendo que a atuação do
progenitor apenas faz sentido se for em representação do menor ou maior acompanhado, pois de
outra forma não poderia estar a dispor de bens do menor.
Relativamente a este artigo, o Professor Oliveira Ascensão levanta uma outra questão, que é a
do art.2300º ser referente a bens do menor ou maior acompanhado, adquiridos a título da
legítima, na qualidade deste como herdeiro legitimário. Assim, a tese da substituição pelo lado
passivo, considerando que o progenitor é o autor da sucessão, levaria a entender que este regime
permitiria que ele estivesse a dispor de bens da sua quota indisponível, violando o princípio da
intangibilidade da legítima (art.2163º), ocorrendo uma disposição de bens indisponíveis.
Luiz Cunha Gonçalves- afasta este problema, entendendo que o testador não o priva o menor da
sua legitima, impedindo apenas que os bens que integrem a legitima pertençam a pessoas que o
testador não quer beneficiar.
Esta tese consagra a figura da substituição pupilar como uma exceção ao princípio da
pessoalidade do testamento (art.2182º/1), apesar de tal não constar na enumeração das exceções
a este princípio, previstas no nº2 do art.2182 e 2183º.
Assim, sendo uma substituição pelo lado ativo, há que considerar que a expressão "substitutos"
é usada em sentido impróprio, não se devendo considerar que são substitutos do filho que
sucedem ao progenitor, mas que o verdadeiro substituto é o progenitor e que os terceiros
sucedem ao filho.
3. Tese da substituição pelo lado passivo- fundamentos
A tese da substituição pelo lado passivo é seguida pelos Professores Cunha Gonçalves,
Guilherme de Oliveira e pela Dra. Beatriz Medina Vera-Cruz Pinto.
Sendo uma substituição pelo lado passivo, o progenitor não age em representação do filho, mas
a título pessoal, utilizando este instituto para designar sucessíveis que irão substituir o filho na
sucessão, sujeita à verificação das condições já referidas e previstas no art.2297º, sucedendo-se
duas vocações, relativas ao mesmo de cujus, que segundo esta orientação é o progenitor, como
verdadeiro autor da sucessão.
Esta tese critica os pressupostos da tese da substituição pelo lado passivo, nomeadamente de se
estar perante uma exceção ao princípio da pessoalidade. A Dra. Beatriz Medina Vera-Cruz Pinto
entende que o funcionamento do instituto da substituição pupilar, em que o progenitor atua sem
qualquer participação do seu autor, é incompatível com o tipo de exceções expressamente
previstas relativamente ao princípio da pessoalidade, onde existe a interferência de um terceiro,
cuja intervenção é pré-delimitada pelo de cujus, diferente do que acontece na substituição
pupilar, onde o progenitor pode decidir sobre todos os aspetos, essenciais ou não essenciais.
Este tese critica a compreensão do instituto como estando vocacionado para o suprimento da
incapacidade do menor, entendendo que o mesmo não se centra apenas nisto, mas também no
facto de o menor ou maior acompanhado falecer sem que lhe sobrevivam herdeiros legitimários,
tal como exigido no art.2297º/2. Penso que tal critica não tem grande sentido, sendo claro que o
regime legal positivado dá possíveis sinais da sua vocação para o suprimento da incapacidade,
desde logo pelo facto de se aplicar apenas em situação em que os filhos são incapazes de testar,
sendo razoável que tal influencia a pré-compreensão da vocação do instituto.
A tese da substituição pelo lado passivo baseia-se na compreensão do instituto como tendo a
finalidade de garantir, que em caso de morte do filho incapaz, sem ascendentes e descendentes,
existe a proteção de um interesse reflexo do progenitor quantos aos bens que deixa ao filho,
identificando que para além do interesse imediato de que os bens passem para a titularidade do
filho, existe também um interesse de que por morte do filho estes bens passem para a
titularidade dos membros da família próxima ou das pessoas indicadas pelo menor, sendo que a
primeira pode ser posto em causa por não sobreviverem ascendentes e descendentes e a segunda
não é possível por ele ser incapaz. Assim, por se frustrar esta expectativa, a lei garante a
proteção deste interesse reflexo do progenitor, permitindo-lhe que afaste a sucessão dos bens
para pessoas por si indesejadas.
Relacionado com isto, os autores desta tese explicam de uma outra forma a exigência do
progenitor no exercício das responsabilidades parentais, que fundamenta que se entenda existir
representação. Assim, esta exigência não se justifica por ocorrer um exercício de representação,
mas porque se entende que apenas o progenitor que se encontra nessas condições é que é capaz
de ter uma expectativa reflexa de que os bens que deixa ao filho se mantenham na titularidade
de familiares próximos da família, pois só este é capaz de ponderar tal preocupação e de a
respeitar. Face a um progenitor que não se encontre nesta situação, a presunção da existência de
um interesse reflexo seria facilmente ilidida. Isto porque entendem que dos arts.1913º e 1915º
resulta que a inibição das responsabilidades parentais é a consequência a aplicar para quando os
progenitores adotaram condutas lesivas do bom desenvolvimento do menor, revelando-se
incapazes para ponderares interesses necessários a este desenvolvimento.
Por último, esta tese fundamenta-se principalmente em duas ordens de argumentos, um
argumento literal e um argumento sistemático.
Relativamente ao primeiro, é indiscutível que a letra da lei favorece esta tese, o que fica claro
em várias situações.

 Começando pelo art.2297º/1, quando diz "de substituir aos filhos os herdeiros ou
legatários", que é claramente diferente de dizer que substitui os filhos, sendo plausível
daqui retirar que o terceiro substitui o filho, sendo então uma substituição pelo lado
passivo, já que o filho não é substituído pelo pai.
 Em segundo lugar, há que atender aos arts.2297º/2 e 2300º, quando diz "substituído ",
sendo que daqui nenhuma tese consegue retirar um grande argumento, porque
interpretado isoladamente, o mesmo é neutro. Mas segundo a tese da substituição pelo
lado passivo, exigindo-se uma interpretação que atente ao conteúdo de todo o artigo, é
coerente com o nº1 do art.2297º, que se entenda que é "substituído" pelo progenitor.
 Relativamente ao art.2300º, quando diz "bens que substituído haja adquirido por via do
testador", é feita uma distinção entre a pessoa do substituído (o filho) e a pessoa do
testador (que corresponde ao progenitor, pois é deste que o filho recebe bens por via
sucessória), o que para esta doutrina leva a concluir que a lei identifica o progenitor
como o testador e autor da sucessão, por isso, abandonando-se a ideia de representação,
pois se houvesse efetivamente um fenómeno de representação, a lei referia-se ao filho
como sendo o testador.
 Por último, ainda no art.2300º, esta doutrina entende que o mesmo sugere que a
sucessão em causa é a do progenitor, uma vez que, fica dependente de os bens terem
sido adquiridos pelo filho por via do testador, sendo relação entre património
anteriormente pertencente ao progenitor e os bens objeto do regime, parecem abonar a
um entendimento que veja o pai como o verdadeiro autor da sucessão.
Relativamente ao argumento sistemático, a doutrina da substituição pelo lado passivo, entende
que a localização do instituto na Secção das substituições, antes da substituição direta e
fideicomissária, que são substituições pelo lado passivo, acaba por fortalecer o entendimento de
que também a substituição pupilar é uma substituição pelo lado passivo, sendo
inclusivamente entendida como uma modalidade de fideicomisso.
Rita Medina Vera-Cruz Pinto- configura como um fideicomisso irregular e condicional

 Irregular: porque não consubstancia um dever de conserva dos bens por parte do
substituído, cabendo na previsão do art.2295º/1/b.
 Condicional: estando sujeita à verificação de certos requisitos, nomeadamente do
testador estar no exercício das responsabilidades parentais do filho, deste morrer com
incapacidade e sem descendentes e ascendentes.
4. Consequências práticas da aplicação das duas teses
A relevância prática desta discussão, revela-se aquando da verificação do pressuposto da
capacidade sucessória, que nos termos do art.2032º tal verificação é feita relativamente ao autor
da sucessão.
No seguimento da tese da substituição pelo lado ativo, somos levados a concluir que a
capacidade terá de ser verificada face ao menor ou maior acompanhado.
Já segundo a tese da substituição pelo lado passivo, a capacidade tem de ser verificada face ao
progenitor, que é entendido como o verdadeiro autor da sucessão.
5. O problema do progenitor que utiliza o instituto para testar a favor de terceiro para o
qual não pode testar a título pessoal aos olhos das duas teses
Com a exposição da relevância prática da discussão da natureza jurídica do instituto, fica
também patente o interesse da mesma para a questão que nos preocupa, já que ambas as teses
dão resultados completamente opostos.
Sendo a tese da substituição pelo lado passivo aquela que impede que o progenitor, por via do
instituto, consiga fazer o que sem ele não conseguiria, já que a indisponibilidade relativa
continuaria a existir, ficando assim impedido de a contornar.
Solução que a tese da substituição pelo lado passivo já não oferece, porque não sendo o
progenitor o verdadeiro autor, não há porque garantir a capacidade sucessória do terceiro face a
este.
6. Conclusão
Perante a exposição feita fica claro que ambas as teses têm pelo menos a sua pré-compreensão
do instituto bem justificada face ao regime legal. Contudo, na interpretação do regime, a tese da
substituição pelo lado ativo enfrenta entraves que a substituição pelo lado ativo não enfrenta,
dificultando que me posicione do lado da tese da substituição pelo lado ativo.
Entendo que é de seguir o entendimento da Dra. Beatriz Medina Vera-Cruz Pinto, baseado nas
construções dos Professores Cunha Gonçalves e Guilherme de Oliveira, sendo de aplicar a tese
da substituição pelo lado passivo.

Você também pode gostar