Apostila Mariologia - Pe. João Paulo Veloso

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PROVÍNCIA ECLESIÁSTICA DE PALMAS


ESCOLA DIACONAL SÃO LOURENÇO
PROFESSOR PADRE JOÃO PAULO VELOSO

MARIOLOGIA
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1. O LUGAR DA MARIOLOGIA NA TEOLOGIA

1. Cristologia: por causa do nascimento virginal de Jesus.


2. Soteriologia: Maria como Nova Eva.
3. Antropologia Teológica: destinação final do homem.
4. Eclesiologia: Maria é a figura da Igreja gloriosa. Essa posição foi adotada pelo Concílio
Vaticano II.

CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA LUMEN GENTIUM - CAPÍTULO VIII

A BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA MÃE DE DEUS NO MISTÉRIO DE CRISTO E DA IGREJA

I. PROÊMIO

A Virgem mãe de Cristo

52. Querendo Deus, na Sua infinita benignidade e sabedoria, levar a cabo a redenção do mundo,
«ao chegar a plenitude dos tempos, enviou Seu Filho, nascido de mulher,... a fim de recebermos
a filiação adoptiva» (Gál. 4, 4-5). «Por amor de nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos
céus e encarnou na Virgem Maria, por obra e graça do Espírito Santo» (171). Este divino mistério
da salvação é-nos relevado e continua na Igreja, instituída pelo Senhor como Seu corpo; nela, os
fiéis, aderindo à cabeça que é Cristo, e em comunhão com todos os santos, devem também
venerar a memória «em primeiro lugar da gloriosa sempre Virgem Maria Mãe do nosso Deus e
Senhor Jesus Cristo» (172).

A Virgem e a Igreja

53. Efetivamente, a Virgem Maria, que na anunciação do Anjo recebeu o Verbo no coração e no
seio, e deu ao mundo a Vida, é reconhecida e honrada como verdadeira Mãe de Deus Redentor.
Remida dum modo mais sublime, em atenção aos méritos de seu Filho, e unida a Ele por um
vínculo estreito e indissolúvel, foi enriquecida com a excelsa missão e dignidade de Mãe de Deus
Filho; é, por isso, filha predileta do Pai e templo do Espírito Santo, e, por este insigne dom da
graça, leva vantagem a todas as demais criaturas do céu e da terra. Está, porém, associada, na
descendência de Adão, a todos os homens necessitados de salvação; melhor, «é
verdadeiramente Mãe dos membros (de Cristo)..., porque cooperou com o seu amor para que
na Igreja nascessem os fiéis, membros daquela cabeça» (173). É, por esta razão, saudada como
membro eminente e inteiramente singular da Igreja, seu tipo e exemplar perfeitíssimo na fé e na
caridade; e a Igreja católica, ensinada pelo Espírito Santo, consagra-lhe, como a mãe
amantíssima, filial afeto de piedade.

Intenção do Concílio

54. Por isso, o sagrado Concílio, ao expor a doutrina acerca da Igreja, na qual o divino Redentor
realiza a salvação, pretende esclarecer cuidadosamente não só o papel da Virgem Santíssima no
mistério do Verbo encarnado e do Corpo místico, mas também os deveres dos homens
resgatados para com a Mãe de Deus, Mãe de Cristo e Mãe dos homens, sobretudo dos fiéis. Não
tem, contudo, intenção de propor toda a doutrina acerca de Maria, nem de dirimir as questões
ainda não totalmente esclarecidas pelos teólogos. Conservam, por isso, os seus direitos as
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opiniões que nas escolas católicas livremente se propõem acerca daquela que na santa Igreja
ocupa depois de Cristo o lugar mais elevado e também o mais próximo de nós (174).

II. A VIRGEM SANTÍSSIMA NA ECONOMIA DA SALVAÇÃO

A mãe do Redentor no Antigo Testamento

55. A Sagrada Escritura do Antigo e Novo Testamento e a venerável Tradição mostram de modo
progressivamente mais claro e como que nos põem diante dos olhos o papel da Mãe do Salvador
na economia da salvação. Os livros do Antigo Testamento descrevem a história da salvação na
qual se vai preparando lentamente a vinda de Cristo ao mundo. Esses antigos documentos, tais
como são lidos na Igreja e interpretados à luz da plena revelação ulterior, vão pondo cada vez
mais em evidência a figura duma mulher, a Mãe do Redentor. A esta luz, Maria encontra-se já
profeticamente delineada na promessa da vitória sobre a serpente (cfr. Gên. 3,15), feita aos
primeiros pais caídos no pecado. Ela é, igualmente, a Virgem que conceberá e dará à luz um Filho,
cujo nome será Emmanuel (cfr. Is. 7,14; cfr. Miq. 5, 2-3; Mt. 1, 22-23). É a primeira entre os
humildes e pobres do Senhor, que confiadamente esperam e recebem a salvação de Deus. Com
ela, enfim, excelsa Filha de Sião, passada a longa espera da promessa, se cumprem os tempos e
se inaugura a nova economia da salvação, quando o Filho de Deus dela recebeu a natureza
humana, para libertar o homem do pecado com os mistérios da Sua vida terrena.

Maria na Anunciação

56. Mas o Pai das misericórdias quis que a aceitação, por parte da que Ele predestinara para mãe,
precedesse a encarnação, para que, assim como uma mulher contribuiu para a morte, também
outra mulher contribuísse para a vida. É o que se verifica de modo sublime na Mãe de Jesus,
dando à luz do mundo a própria Vida, que tudo renova. Deus adornou-a com dons dignos de uma
tão grande missão; e, por isso, não é de admirar que os santos Padres chamem com frequência
à Mãe de Deus «toda santa» e «imune de toda a mancha de pecado», visto que o próprio Espírito
Santo a modelou e d'Ela fez uma nova criatura (175). Enriquecida, desde o primeiro instante da
sua conceição, com os esplendores duma santidade singular, a Virgem de Nazaré é saudada pelo
Anjo, da parte de Deus, como «cheia de graça» (cfr. Luc. 1,28); e responde ao mensageiro celeste:
«eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Luc. 1,38). Deste modo, Maria,
filha de Adão, dando o seu consentimento à palavra divina, tornou-se Mãe de Jesus e, não retida
por qualquer pecado, abraçou de todo o coração o desígnio salvador de Deus, consagrou-se
totalmente, como escrava do Senhor, à pessoa e à obra de seu Filho, subordinada a Ele e
juntamente com Ele, servindo pela graça de Deus omnipotente o mistério da Redenção. Por isso,
consideram com razão os santos Padres que Maria não foi utilizada por Deus como instrumento
meramente passivo, mas que cooperou livremente, pela sua fé e obediência, na salvação dos
homens. Como diz S. Irineu, «obedecendo, ela tornou-se causa de salvação, para si e para todo
o género humano» (176). Eis porque não poucos, Padres afirmam com ele, nas suas pregações,
que «o no da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria; e aquilo que a virgem
Eva atou, com a sua incredulidade, desatou-o a virgem Maria com a sua fé» (177); e, por
comparação com Eva, chamam Maria a «mãe dos vivos» (178) e afirmam muitas vezes: «a morte
veio por Eva, a vida veio por Maria» (179).

Maria na infância de Jesus


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57. Esta associação da mãe com o Filho na obra da salvação, manifesta-se desde a conceição
virginal de Cristo até à Sua morte. Primeiro, quando Maria, tendo partido solicitamente para
visitar Isabel, foi por ela chamada bem-aventurada, por causa da fé com que acreditara na
salvação prometida, e o precursor exultou no seio de sua mãe (cfr. Luc. 1, 41-45); depois, no
nascimento, quando a Mãe de Deus, cheia de alegria, apresentou aos pastores e aos magos o seu
Filho primogénito, o qual não só não lesou a sua integridade, mas antes a consagrou (180). E
quando O apresentou no templo ao Senhor, com a oferta dos pobres, ouviu Simeão profetizar
que o Filho viria a ser sinal de contradição e que uma espada trespassaria o coração da mãe, a
fim de se revelarem os pensamentos de muitos (cfr. Luc. 2, 34-35). Ao Menino Jesus, perdido e
buscado com aflição, encontraram-n'O os pais no templo, ocupado nas coisas de Seu Pai; e não
compreenderam o que lhes disse. Mas sua mãe conservava todas estas coisas no coração e nelas
meditava (cfr. Luc. 2, 41-51).

Maria na vida pública e na paixão de Cristo

58. Na vida pública de Jesus, Sua mãe aparece duma maneira bem marcada logo no princípio,
quando, nas bodas de Caná, movida de compaixão, levou Jesus Messias a dar início aos Seus
milagres. Durante a pregação de Seu Filho, acolheu as palavras com que Ele, pondo o reino acima
de todas as relações de parentesco, proclamou bem-aventurados todos os que ouvem a palavra
de Deus e a põem em prática (cfr. Mc. 3,35 e paral.; Luc. 11, 27-28); coisa que ela fazia fielmente
(cfr. Luc. 2, 19 e 51). Assim avançou a Virgem pelo caminho da fé, mantendo fielmente a união
com seu Filho até à cruz. Junto desta esteve, não sem desígnio de Deus (cfr. Jo.19,25), padecendo
acerbamente com o seu Filho único, e associando-se com coração de mãe ao Seu sacrifício,
consentindo com amor na imolação da vítima que d'Ela nascera; finalmente, Jesus Cristo,
agonizante na cruz, deu-a por mãe ao discípulo, com estas palavras: mulher, eis aí o teu filho (cfr.
Jo. 19, 26-27) (181).

Maria depois da Ascensão

59. Tendo sido do agrado de Deus não manifestar solenemente o mistério da salvação humana
antes que viesse o Espírito prometido por Cristo, vemos que, antes do dia de Pentecostes, os
Apóstolos «perseveravam unanimemente em oração, com as mulheres, Maria Mãe de Jesus e
Seus irmãos» (At. 1,14), implorando Maria, com as suas orações, o dom daquele Espírito, que já
sobre si descera na anunciação. Finalmente, a Virgem Imaculada, preservada imune de toda a
mancha da culpa original (198), terminado o curso da vida terrena, foi elevada ao céu em corpo
e alma (183) e exaltada por Deus como rainha, para assim se conformar mais plenamente com
seu Filho, Senhor dos senhores (cfr. Apoc. 19,16) e vencedor do pecado e da morte (184).

III. A VIRGEM SANTÍSSIMA E A IGREJA

O influxo salutar de Maria e a mediação de Cristo

60. O nosso mediador é só um, segundo a palavra do Apóstolo: «não há senão um Deus e um
mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo, que Se entregou a Si mesmo para
redenção de todos (1 Tim. 2, 5-6). Mas a função maternal de Maria em relação aos homens de
modo algum ofusca ou diminui esta única mediação de Cristo; manifesta antes a sua eficácia.
Com efeito, todo o influxo salvador da Virgem Santíssima sobre os homens se deve ao
beneplácito divino e não a qualquer necessidade; deriva da abundância dos méritos de Cristo,
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funda-se na Sua mediação e dela depende inteiramente, haurindo aí toda a sua eficácia; de modo
nenhum impede a união imediata dos fiéis com Cristo, antes a favorece.

A maternidade espiritual

61. A Virgem Santíssima, predestinada para Mãe de Deus desde toda a eternidade
simultaneamente com a encarnação do Verbo, por disposição da divina Providência foi na terra
a nobre Mãe do divino Redentor, a Sua mais generosa cooperadora e a escrava humilde do
Senhor. Concebendo, gerando e alimentando a Cristo, apresentando-O ao Pai no templo,
padecendo com Ele quando agonizava na cruz, cooperou de modo singular, com a sua fé,
esperança e ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar nas almas a vida sobrenatural.
É por esta razão nossa mãe na ordem da graça.

A natureza da sua mediação

62. Esta maternidade de Maria na economia da graça perdura sem interrupção, desde o
consentimento, que fielmente deu na anunciação e que manteve inabalável junto à cruz, até à
consumação eterna de todos os eleitos. De facto, depois de elevada ao céu, não abandonou esta
missão salvadora, mas, com a sua multiforme intercessão, continua a alcançar-nos os dons da
salvação eterna (185). Cuida, com amor materno, dos irmãos de seu Filho que, entre perigos e
angústias, caminham ainda na terra, até chegarem à pátria bem-aventurada. Por isso, a Virgem
é invocada na Igreja com os títulos de advogada, auxiliadora, socorro, medianeira (186). Mas isto
entende-se de maneira que nada tire nem acrescente à dignidade e eficácia do único mediador,
que é Cristo (187).

Efetivamente, nenhuma criatura se pode equiparar ao Verbo encarnado e Redentor; mas, assim
como o sacerdócio de Cristo é participado de diversos modos pelos ministros e pelo povo fiel, e
assim como a bondade de Deus, sendo uma só, se difunde variamente pelos seres criados, assim
também a mediação única do Redentor não exclui, antes suscita nas criaturas cooperações
diversas, que participam dessa única fonte.

Esta função subordinada de Maria, não hesita a Igreja em proclamá-la; sente-a constantemente
e inculca-a aos fiéis, para mais intimamente aderirem, com esta ajuda materna, ao seu mediador
e salvador.

Maria tipo da Igreja como Virgem e Mãe

63. Pelo dom e missão da maternidade divina, que a une a seu Filho Redentor, e pelas suas
singulares graças e funções, está também a Virgem intimamente ligada, à Igreja: a Mãe de Deus
é o tipo e a figura da Igreja, na ordem da fé, da caridade e da perfeita união com Cristo, como já
ensinava S. Ambrósio (188). Com efeito, no mistério da Igreja, a qual é também com razão
chamada mãe e virgem, a bem-aventurada Virgem Maria foi adiante, como modelo eminente e
único de virgem e de mãe (189). Porque, acreditando e obedecendo, gerou na terra, sem ter
conhecido varão, por obra e graça do Espírito Santo, o Filho do eterno Pai; nova Eva, que
acreditou sem a mais leve sombra de dúvida, não na serpente antiga, mas no mensageiro celeste.
E deu à luz um Filho, que Deus estabeleceu primogénito de muitos irmãos (Rom. 8,29), isto é,
dos fiéis, para cuja geração e educação Ela coopera com amor de mãe.

A fecundidade virginal da Igreja


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64. Por sua vez, a Igreja que contempla a sua santidade misteriosa e imita a sua caridade,
cumprindo fielmente a vontade do Pai, toma-se também, ela própria, mãe, pela fiel recepção da
palavra de Deus: efetivamente, pela pregação e pelo Baptismo, gera, para vida nova e imortal,
os filhos concebidos por ação do Espírito Santo e nascidos de Deus. E também ela é virgem, pois
guarda fidelidade total e pura ao seu Esposo e conserva virginalmente, à imitação da Mãe do seu
Senhor e por virtude do Espírito Santo, uma fé íntegra, uma sólida esperança e uma verdadeira
caridade (190).

Virtudes de Maria

65. Mas, ao passo que, na Santíssima Virgem, a Igreja alcançou já aquela perfeição sem mancha
nem ruga que lhe é própria (cfr. Ef. 5,27), os fiéis ainda têm de trabalhar por vencer o pecado e
crescer na santidade; e por isso levantam os olhos para Maria, que brilha como modelo de
virtudes sobre toda a família dos eleitos. A Igreja, meditando piedosamente na Virgem, e
contemplando-a à luz do Verbo feito homem, penetra mais profundamente, cheia de respeito,
no insondável mistério da Encarnação, e mais e mais se conforma com o seu Esposo. Pois Maria,
que entrou intimamente na história da salvação, e, por assim dizer, reúne em si e reflete os
imperativos mais altos da nossa fé, ao ser exaltada e venerada, atrai os fiéis ao Filho, ao Seu
sacrifício e ao amor do Pai. Por sua parte, a Igreja, procurando a glória de Cristo, torna-se mais
semelhante àquela que é seu tipo e sublime figura, progredindo continuamente na fé, na
esperança e na caridade, e buscando e fazendo em tudo a vontade divina. Daqui vem igualmente
que, na sua ação apostólica, a Igreja olha com razão para aquela que gerou a Cristo, o qual foi
concebido por ação do Espírito Santo e nasceu da Virgem precisamente para nascer e crescer
também no coração dos fiéis, por meio da Igreja. E, na sua vida, deu a Virgem exemplo daquele
afeto maternal de que devem estar animados todos quantos cooperam na missão apostólica que
a Igreja tem de regenerar os homens.

IV. O CULTO DA BEM-AVENTURADA VIRGEM NA IGREJA

Natureza e fundamento do culto

66. Exaltada por graça do Senhor e colocada, logo a seguir a seu Filho, acima de todos os anjos e
homens, Maria que, como mãe santíssima de Deus, tomou parte nos mistérios de Cristo, é com
razão venerada pela Igreja com culto especial. E, na verdade, a Santíssima Virgem é, desde os
tempos mais antigos, honrada com o título de «Mãe de Deus», e sob a sua proteção se acolhem
os fiéis, em todos os perigos e necessidades (191). Foi sobretudo a partir do Concílio do Éfeso
que o culto do Povo de Deus para com Maria cresceu admiravelmente, na veneração e no amor,
na invocação e na imitação, segundo as suas proféticas palavras: «Todas as gerações me
proclamarão bem-aventurada, porque realizou em mim grandes coisas Aquele que é poderoso»
(Luc.1,48). Este culto, tal como sempre existiu na Igreja, embora inteiramente singular, difere
essencialmente do culto de adoração, que se presta por igual ao Verbo encarnado, ao Pai e ao
Espírito Santo, e favorece-o poderosamente. Na verdade, as várias formas de piedade para com
a Mãe de Deus, aprovadas pela Igreja, dentro dos limites de sã e reta doutrina, segundo os
diversos tempos e lugares e de acordo com a índole e modo de ser dos fiéis, têm a virtude de
fazer com que, honrando a mãe, melhor se conheça, ame e gloria fique o Filho, por quem tudo
existe (cfr. Col. 1, 15-16) e no qual «aprouve a Deus que residisse toda a plenitude» (Col. 1,19), e
também melhor se cumpram os seus mandamentos.
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Espírito da pregação e do culto

67. Muito de caso pensado ensina o sagrado Concílio esta doutrina católica, e ao mesmo tempo
recomenda a todas os filhos da Igreja que fomentem generosamente o culto da Santíssima
Virgem, sobretudo o culto litúrgico, que tenham em grande estima as práticas e exercícios de
piedade para com Ela, aprovados no decorrer dos séculos pelo magistério, e que mantenham
fielmente tudo aquilo que no passado foi decretado acerca do culto das imagens de Cristo, da
Virgem e dos santos (192). Aos teólogos e pregadores da palavra de Deus, exorta-os
instantemente a evitarem com cuidado, tanto um falso exagero como uma demasiada estreiteza
na consideração da dignidade singular da Mãe de Deus (193). Estudando, sob a orientação do
magistério, a Sagrada Escritura, os santos Padres e Doutores, e as liturgias das Igrejas, expliquem
como convém as funções e os privilégios da Santíssima Virgem, os quais dizem todos respeito a
Cristo, origem de toda a verdade, santidade e piedade. Evitem com cuidado, nas palavras e
atitudes, tudo o que possa induzir em erro acerca da autêntica doutrina da Igreja os irmãos
separados ou quaisquer outros. E os fiéis lembrem-se de que a verdadeira devoção não consiste
numa emoção estéril e passageira, mas nasce da fé, que nos faz reconhecer a grandeza da Mãe
de Deus e nos incita a amar filialmente a nossa mãe e a imitar as suas virtudes.

V. MARIA, SINAL DE SEGURA ESPERANÇA E DE CONSOLAÇÃO PARA O POVO DE DEUS


PEREGRINANTE

Sinal de Esperança e de consolação

68. Entretanto, a Mãe de Jesus, assim como, glorificada já em corpo e alma, é imagem e início da
Igreja que se há-de consumar no século futuro, assim também, na terra, brilha como sinal de
esperança segura e de consolação, para o Povo de Deus ainda peregrinante, até que chegue o
dia do Senhor (cfr. 2 Ped. 3,10).

Medianeira para a unidade da Igreja

69. E é uma grande alegria e consolação para este sagrado Concílio o facto de não faltar entre os
irmãos separados quem preste à Mãe do Senhor e Salvador o devido culto; sobretudo entre os
Orientais, que acorrem com fervor e devoção a render culto à sempre Virgem Mãe de Deus (194).
Dirijam todos os fiéis instantes súplicas à Mãe de Deus e mãe dos homens, para que Ela, que
assistiu com suas orações aos começos da Igreja, também agora, exaltada sobre todos os anjos
e bem-aventurados, interceda, junto de seu Filho, na comunhão de todos os santos, até que
todos os povos, tanto os que ostentam o nome cristão, como os que ainda ignoram o Salvador,
se reúnam felizmente, em paz e harmonia, no único Povo de Deus, para glória da santíssima e
indivisa Trindade.
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2. MARIOLOGIA BÍBLICA

MARIA NO ANTIGO TESTAMENTO

Não faremos exegese, mas uma leitura espiritual, alegórica, dos textos sagrados, segundo o
modelo que os primeiros cristãos faziam. Alegoricamente, pode-se olhar para as mulheres do
Antigo Testamento e enxergar Maria nelas. É um tipo de leitura tradicional.

No AT, podemos destacar a vocação de Abraão como especial (iniciativa da parte de Deus, que o
chama e provoca uma resposta). Os primeiros cristãos começam a entender Maria a partir da
noção de “vocação”, aquela que foi chamada por Deus e que respondeu SIM.

FIGURAS FEMININAS DO AT

Mulheres que prefiguram Maria: Sara (Gn 17,16-19; 18,10-14); Rebeca (São Boaventura e
Alberto Magno; Gn 24,12-16); Raquel (Gn 29,18); Maria, irmã de Moisés (Santo Ambrósio; Ex
11,1-10); Ana (1Sam 2,1-10; paralelo entre o canto de Ana e o canto de Maria); Débora (Jz 4,6 –
5,32); Rute (4,13); Judite; Ester.

O livro de Judite apresenta a esperança do povo de Israel. Qual é a atitude que devemos ter
diante do Senhor? Livro tipológico1 da fé do povo de Israel. Contraposição entre a pobreza de
Judite e a soberba de Holofernes. Podemos ver em Judite a figura de Maria, também pobre, mas
que por ela veio a salvação, porque ela confiou e acreditou.

O livro de Ester prefigura a eleição de Maria: entre todas, ela é escolhida. Com essa prerrogativa,
intercede pelo povo. Oração de Ester (capítulo 4) tem paralelo com o Magníficat. O esquema
deste livro é o mesmo do de Judite (confronto entre os soberbos e os frágeis).

Em Maria, Deus cumpre tudo aquilo que havia feito na vida do povo de Israel mediante a
intercessão de Judite e Ester (Lc 1,51s).

SÍMBOLOS DE MARIA NO AT

Paraíso (Gn 1 – 2): terra preparada por Deus para Adão. Maria é a terra pura, o paraíso que Deus
preparou para o Novo Adão, Jesus Cristo. Fundamento da Imaculada Conceição.

Arca de Noé (Gn 6): através da arca Deus salvou a humanidade. Em Maria, Deus salvou a
humanidade inteira. Assim como Deus preservou o povo do dilúvio (pecado), preservou Maria
do pecado. Imagem de salvação.

Arco-Íris (Gn 8): Maria é o sinal da Nova Aliança, ao final da tempestade do pecado. Em Jesus,
tudo é perdoado. Fundamento da Imaculada Conceição.
Sarça Ardente (Ex 3): a presença de Deus no seio de Maria. Fundamento da Virgindade Perpétua

Arca da Aliança (Ex 25): leva a presença de Deus; o anjo reconhece que Deus está com Maria (Lc
1,28).

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Judite representa o próprio povo de Israel.
9

Escada de Jacó: em Maria, temos a comunicação entre o céu e a terra.

Candelabro de Ouro (Ex 25,31-40).

ALGUNS TEXTOS QUE PODEM SE REFERIR A MARIA SEGUNDO A PATRÍSTICA

Jt 15,9s: a liturgia adaptou esse texto para se referir a Maria.

Jr 31,22: São Jerônimo lerá esse texto em vistas de Maria: um homem que nascerá sem concurso
de outro homem.

Sl 45/44

Ct

TEXTOS QUE SE REFEREM A MARIA, MAS NÃO HÁ CONSENSO ABSOLUTO

Gn 3,15: texto javista/messiânico. Proto-Evangelho: primeiro texto bíblico que anuncia a


salvação. A compreensão do texto exige um outro personagem além de Eva: Maria. Justino
(adversus hereges) vê Maria como Nova Eva. Tertuliano vê Maria como a antítese de Eva. Um
escritor desconhecido do século IV diz em uma carta que a Maria é a mulher prometida neste
versículo. Leão Magno diz que Cristo é o fruto que deveria nascer de uma mulher que destruiria
a soberba da serpente. Outros papas: Inocêncio III, Leão XIII; também a LG 55 e a DV 3 falam
desse texto.

Is 7,14: “Portanto o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá, e dará à luz
um filho, e será o seu nome Emanuel”. Esse texto é escrito em uma perspectiva política: Acaz
tenta fazer um acordo com o rei da Assíria, e Israel experimenta o sincretismo religioso; o profeta
intervém e profetiza à casa de Davi – a casa não será destruída (recordação da profecia de II
Samuel 7,12-16).

- Perspectiva exegética: Emanuel (Deus Conosco), em sentido bíblico, está relacionada


ao messias. A palavra hebraica para designar “virgem” neste texto é almah (jovem), e
não betulah (virgem). No entanto, na cultura semítica, quando se pensava em jovem,
imediatamente se pensava em virgem (Gn 24,42; Ex 2,8). Na tradução dos LXX, há o
correspondente grego parténos () para almah, com o significado de
“virgem”.

- Perspectiva cristã: Os cristãos entenderam almah como virgem, principalmente por


causa dessa tradução grega. Além disso, os oráculos do AT não são de eventos
cotidianos, mas de eventos extraordinários; por isso, esse texto deve ser interpretado
de forma messiânica. Tanto Mateus (1,22) quanto Lucas (1,31) interpretaram dessa
forma.

- Tradição patrística: Justino (165) diz que se o nascimento de Jesus não foi de Maria
Virgem, o que de extraordinário haveria nisso?; Santo Ireneu (200); Eusébio de
Cesaréia (340); Basílio (379) diz que em Maria se cumpre aquilo que o profeta predisse,
não como jovem, mas virgem; Ambrósio (397) diz que o próprio Lucas atesta a
virgindade de Maria (Lc 1,27), que ninguém duvide que ela o era de fato.
10

- Maria é SINAL na vida do povo: sinal de obediência à Palavra, de fidelidade a Deus,


de missionariedade.

Mq 5,12: O Vaticano II os cita em uma perspectiva mariana (LG 55).

MARIA NO NOVO TESTAMENTO

BLOCOS TEMÁTICOS MARIANOS NO NT

1. Origem de Jesus (Mc 6,3; Mt 13,55; Jo 6,42; Lc 3,23).


2. Infância de Jesus (Mt 1-2; Lc 1-2)
3. Parentesco de Jesus (Mc 3,21-35; Mt 12,46-50; Lc 8,19-21; 11,27s)
4. Discípulos e discípulas de Jesus (Jo 2,1-15)
5. Maria sob a cruz (Jo 19,26s)

MARIA EM MARCOS

Marcos, o primeiro evangelista, não apresenta nenhuma característica particular de Maria, boa
ou ruim. Fala dela, mas não fala sobre ela. Maria é incluída no grupo dos familiares de Jesus, com
o qual ele tem de romper os laços tradicionais para, na liberdade, servir ao Reino e ao Pai.

Do evangelho de Marcos guardamos algo essencial: para Jesus, o importante não é a família
biológica, os laços consanguíneos nem qualquer relação que configure privilégios, mas sim estar
associado à causa do Reino de Deus, que ele inaugura. Trata-se de uma nova família, a dos seus
seguidores.

Resumindo...

Maria é mãe do messias. É uma mulher sem personalidade, é apenas um nome: Mc 3,20-21; 31-
35.

Marcos apresenta o corte tribal com sua família. O relacionamento com Cristo deve ser de fé,
não simplesmente carnal: Mc 6,1-6

É a primeira vez nos Evangelhos que Maria é chamada de mãe de Jesus. Mostra o desprezo contra
Jesus. A Cristologia de Marcos é implícita. Consequentemente, ele não compreende totalmente
o papel de Maria.

BÔNUS: Vídeo padre Paulo Ricardo sobre os irmãos de Jesus

MARIA EM MATEUS

Mateus dá um passo a mais na descoberta da figura de Maria. Ela é a mãe virginal do Messias,
sob a ação do Espírito Santo. Mateus também diminui a oposição entre a família sanguínea e o
grupo dos seguidores de Jesus.
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Mateus escreve para judeus-cristãos. A genealogia de Jesus tem como função situá-lo como um
legítimo homem do povo judaico, da descendência de Davi e herdeiro das promessas
messiânicas. José é apresentado como esposo de Maria, não como pai de Jesus. As mulheres
apresentadas nessa genealogia encontram um local dentro da história da salvação como aquelas
que conceberam em uma situação incomum, prefigurando Maria (Mt 1,18-25).

O relato da adoração dos magos tem a clara finalidade de mostrar que Jesus é o Senhor de todos
os povos. A fuga ao Egito e o retorno a este, por sua vez, nos dizem que Jesus refaz o grande
itinerário de fé de seu povo, de José do Egito a Moisés.

Nos relatos de infância, Mateus mostra Maria como a mãe associada ao destino do filho.
Provavelmente em virtude dessa visão positiva sobre Maria e da participação importante de
Tiago (o “irmão do Senhor”) nas comunidades cristãs de origem judaica, Mateus reduz o conflito
de Jesus com sua família. Mas Maria não aparece, ainda, como protagonista de uma história.

Resumindo...

Maria é a mãe virginal do messias, segundo as escrituras. É uma personalidade de destaque. É


uma figura cristocêntrica. O centro de sua mariologia é a Virgindade: Mt 1,1-16

MARIA EM LUCAS

Lucas nos apresenta Maria como a primeira discípula cristã. Com a anunciação, ela inicia um
longo caminho de peregrinação na fé, acolhendo o apelo de Deus. Aceita a proposta do Senhor
com o coração aberto, num grande gesto de generosidade e de fé.

Qual é a principal característica de Maria, segundo Lucas? Ela encarna com fé a Palavra de Deus.
Guarda-a no coração e a coloca em prática, dando muitos frutos. Em Maria, a fé se traduz em ser
mãe, educadora e discípula de Jesus. Mas sua importância não reside, em primeiro lugar, na
maternidade. E, sim, na fé, compromisso radical e inteiro a Deus e ao seu projeto.

Maria participa da ação criadora do Espírito, individualmente, no seu próprio corpo. E toma parte
da ação coletiva do Espírito em Pentecostes. É membro eminente no mistério da encarnação, é
membro discreto no mistério da expansão do Espírito a todos os povos.

Anunciação

 Significado do nome Maria: é um nome misto, com raiz egípcia (MRI) – amada, querida,
preferida. De origem hebraica (YAH) – Javé, Deus: preferida/amada de Deus.
 Alegra-te: inspirada nos oráculos pós-exílio (Sf 3,14-17)
 Cheia de Graça (kekaritomene): este termo é um (só aparece aqui). No entanto, Jesus e
Estevão também são cheios de graça. A diferença é o verbo usado (plena de graça). É um
título, como a Compadecida de Oséias e a Preferida de Isaías. Designa quem é Maria diante
de Deus.
 Maria não é uma personagem passiva da ação divina. Ela se coloca como sujeito ativo,
encarnando a figura do sábio que medita a lei no coração dia e noite (Salmo 1).
 Zacarias faz uma pergunta a partir da dúvida, e não a partir da fé, como Maria.
 Maria é uma mulher de fibra, que interroga e questiona.
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 “Maria observa com olhar atento, questiona com a fé (e não com a dúvida) e responde com
a prontidão do servo”
 Cobrir com a sombra: evoca a nuvem no Êxodo. A intenção é apresentar Maria como a nova
casa de Deus (Shekkinah)

Visitação

 Isabel vai experimentar a presença de Deus com a chegada de Maria.


 Maria sabia da identidade de seu próprio filho? Maria não pôde formular isso no primeiro
momento. Ela caminhou da penumbra para a luz, como toda a comunidade dos fieis
(peregrina da fé – LG 58)
 Maria parte apressadamente: é uma iniciativa dela, para servir.
 Bendita entre as mulheres: Jael (Jz 5,24) e Judite (Jt 3,18). Forma hebraica superlativa para
dizer que é a mais agraciada entre todas as mulheres, é uma louvação a Maria.
 Bendito fruto do ventre: sempre que Maria é exaltada, deve ser associada a Jesus.
 2Sm 6,9: é ecoado na fala de Isabel (como a mãe do meu senhor vem à minha casa?).

Lucas entende Maria como a Nova Arca da Aliança:

Translado da Arca (2Sm 6,2-16) Visita de Maria (Lc 1,39-45)


Contexto geográfico v2: para o lugar da arca v39 para uma cidade de Judá
Expressão de alegria Davi dançou Criança estremeceu
Aclamações Entre gritos de alegria Isabel grita aclamando
litúrgicas
Efeito da bênção O senhor abençoou a Abed- Cheia do Espírito
Edom e casa
Temor de reverência Vir a arca? Como poderia vir a mãe?
Tempo de 3 meses 3 meses
permanência

Mãe do meu senhor: afirmação bíblica de Maria mãe de Deus. SENHOR é Deus na Bíblia.

Magnificat

Lc 1,46-55: é Maria quem fala no Magnificat. Puebla vai dizer que é o “espelho da alma de
Maria”. É um texto síntese da espiritualidade cristã em ótica mariana.
O texto evoca figuras do Antigo Testamento. Está baseado no cântico de Ana (1Sm 2,1-10). A
experiência do cristianismo nascente é marcada pela experiência de fé do povo de Israel, que
espera um salvador.

1. Ação divina em Maria: mensagem pessoal.

 “A minha alma engradece o Senhor”, clima de entusiasmo.


 “Humildade/ humilhação” (ta peínoosis) – em primeiro lugar, significa insignificância social.
Também se refere a uma situação moral de humilhação. Ela é pobre, insignificante e à
margem da sociedade (virgem, grávida). Reconhece sua condição.
 “Sua serva”: ao mesmo tempo, exaltação (serva do Senhor) e humildade (o servo sempre
está na dependência de alguém maior). Moisés é chamado de “servo” no livro de Josué. O
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servo é instrumento da vontade do Senhor. Entendemos a identidade e missão de Maria


neste título (grandeza e pequenez, honra e humildade).
 “Me chamarão bendita”: ser mãe é sinal de bênção. Se olharmos para a história da
humanidade, não encontraremos figura mais cantada e exaltada que Maria.

2. Ação divina na humanidade: mensagem social

 “O seu amor se estende para sempre”: amor do tipo masculino, mais forte e vibrante. O
termo grego traduz dois vocábulos hebraicos – hesed (libertação, solidariedade) e rahamim
(compaixão). O primeiro sinal da ação global de Deus é o amor. O amor se estende, mas é
preciso acolher esse amor (“a todos o que o respeitam...).
 “Manifesta o poder de seu braço”: o libertador que agiu na Criação está agindo hoje, em
Maria, e amanhã na caminhada de todos os que o seguem.
 “Dispersou os orgulhosos”: não é Lei de Talião nem destruição. É a revolução da misericórdia,
não da guerra. Os orgulhosos são os poderosos e ricos, os arrogantes opressores do povo.
 “Derruba os poderosos”: é um termo mais forte que “dispersar”.
 “Despede de mãos vazias”: é a denúncia da opulência.
 “Havia prometido aos nossos pais”: a salvação de Deus foi premeditada e está cumprindo
através da pessoa de Cristo. São promessas concretas a favor do povo (terra, descendência
e bênção universal), que são reelaboradas no Novo Testamento (reino, Cristo, salvação).

Resumindo...

Há uma intenção mariológica em Lucas. Apresenta Maria como uma vocacionada por Deus (Lc 1)
e como a primeira evangelizadora (Visitação e Magnificat).

MARIA EM JOÃO

Segundo João, Maria não só realiza a vontade de Deus na sua vida, mas também orienta os outros
a fazerem o que Deus lhes pede. Há um deslocamento do foco e uma ampliação de sentido. Da
perfeita discípula e seguidora de Jesus, em Lucas, para a pedagoga e guia dos cristãos, em João.

Maria é a “mulher”, mediadora da fé e mãe da comunidade. Ela aparece em dois textos


fundamentais do evangelho: as bodas de Caná e a cena da Cruz. Maria não é coadjuvante neste
evangelho, tem papel de destaque.

Jo 2,1-12: As Bodas de Caná

 Terceiro dia: situação teológica do casamento, dentro de uma ótica de revelação. O


matrimônio é sinal da aliança (Jeremias, Oséias)
 “A mãe de Jesus estava lá”: Maria é nomeada antes de Jesus. A ênfase é teológica, para a
missão de Maria, não tanto para sua pessoa (por isso não cita seu nome).
 “Eles não têm mais vinho”: Maria está atenta como se fosse a anfitriã. Maria é sensível às
necessidades do outro.
 “Que há entre mim e ti?”: Santo Agostinho diz que, aparentemente, o Filho parece resistir às
entrelinhas humanas, mas trata-se de uma pedagogia de Jesus, provocando uma mudança
de visão humana para visão espiritual. Para João, chamar Maria de Mulher não é ofensa, é
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solenidade. A relação vai para além da simples familiaridade, é uma relação superior: o
messias e a mãe da nova humanidade. Maria é a Nova Eva.
 “Minha hora não chegou”: é a exaltação da Cruz.
 “Servos”: não é a palavra grega duloi, mas sim diaconoi (servo-discípulo). Significado:
obedecer a Palavra de Jesus, tornar-se discípulo de Jesus. Maria provoca a fé. Maria aparece
como mediadora.
 “Seis talhas”: a pedra lembra a Lei Judaica. O que vai acontecer marcará um novo tempo, de
uma Lei Viva. Seis simboliza as eras do mundo segundo a concepção judaica.
 Água em Vinho: a alegria da Nova Aliança não se compara com a da Antiga Aliança. Teologia
do vinho.
 Volta para casa: Maria acompanha Jesus em sua trajetória.
 RESUMO: processo de SINAL – GLÓRIA – FÉ, desencadeado por Maria.

Jo 19,25-28 – Mãe de Jesus aos pés da Cruz

 “Junto a cruz de Jesus”: antes de descrever a postura de Maria, o evangelista descreve a


postura dos soldados. Maria está junto de Cristo, em pé. Essa proximidade é espiritual,
teológica. Três níveis dessa postura “em pé”:
1) Maria é a Mãe das Dores;
2) Mãe Gloriosa: participando na dor de Cristo pela Hora de Cristo, Maria também
experimenta esta Exaltação;
3) Mãe dos Viventes: chamada por Jesus de mulher, é apresentada como a Nova Eva, a mãe
da nova humanidade.
 Maria e o discípulo amado são apresentados no evangelho como símbolos tipológicos.
 Sinal de solicitude para com sua mãe: moribundo, ele não deixa sua mãe sozinha. Maria é
revelada e constituída por Jesus como mãe dos discípulos. O discípulo amado é aquele que
é íntimo de Maria.
 A partir da Hora de Jesus, o discípulo leva Maria para casa. O tempo pós-pascal é o tempo
de Maria na casa dos discípulos. Maria faz parte dos bens constitutivos do Cristianismo.

MARIA EM APOCALIPSE 12

A imagem da mulher pode também aludir a Maria, a mãe de Jesus, que deu à luz ao Messias e
experimentou o tempo novo do Reino de Deus e da ressurreição de Jesus. Assim, primariamente,
a mulher significa a comunidade cristã, o povo messiânico. Mas pode também se estender a
Maria, mãe do Messias.

 “Vi um grande sinal...”: todo sinal pede uma interpretação. Esta mulher é a mulher da
promessa, a mãe dos viventes.
 Duas correntes de interpretação da Mulher: Igreja e Maria.
 “Vestida de sol”: em todas as culturas bíblicas o sol é sinal da divindade; biblicamente é
esplendor da glória de Deus.
 “Lua debaixo dos pés”: a lua marca o que é temporal, variável, humano. A mulher não está
mais sujeita às vicissitudes do tempo.
 “Coroa de 12 estrelas”: na mística numérica bíblica, 12 indica totalidade (12 tribos, 12
apóstolos...). A coroa mostra que a mulher tem um triunfo total. Sua soberania se estende a
todo o universo. Ela é a Rainha do Universo (indicação das estrelas).
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 “Dores de parto”: no esplendor da mulher, encontramos o seu sofrimento. Maria da glória


continua sofrendo misticamente as dores de seus filhos enquanto estes caminham na
história.
 “Dragão vermelho”: faz lembrar a mulher e a serpente de Gn.
 “A mulher foge para o deserto”: lugar de encontro com Deus. A mulher se refugia na
intimidade com Deus.

3. MARIOLOGIA HISTÓRICO-SISTEMÁTICA

Na era patrística, o discurso teológico da mãe de Jesus se encontrava, essencialmente, em dois


contextos: por um lado, servia para a concretização e verificação da confissão cristológica, e, por
outro lado, se tornou objeto exemplar para os esforços ascético-espirituais. Característico para a
teologia patrística é um pensamento expressamente tipológico.

MARIA MÃE DE DEUS

Catecismo §495: Chamada nos evangelhos «a Mãe de Jesus» (Jo 2, 1; 19, 25), Maria é aclamada,
sob o impulso do Espírito Santo e desde antes do nascimento do seu Filho, como «a Mãe do meu
Senhor» (Lc 1, 43). Com efeito, Aquele que Ela concebeu como homem por obra do Espírito
Santo, e que Se tornou verdadeiramente seu Filho segundo a carne, não é outro senão o Filho
eterno do Pai, a segunda pessoa da Santíssima Trindade. A Igreja confessa que Maria é,
verdadeiramente, Mãe de Deus («Theotokos»).

Concílio de Éfeso (431): “Com efeito, não nasceu antes, da santa Virgem, um homem qualquer,
mas se diz que este, unido desde o útero materno, assumiu o nascimento carnal, apropriando-se
o nascimento de sua própria carne... Por isso, os Santos Padres não duvidaram chamar a santa
Virgem de Deípara (Theotokos), não no sentido de que a natureza do Verbo ou sua divindade
tenham origem da santa Virgem, mas no sentido de que, por ter recebido dela o santo corpo
dotado de alma racional ao qual também estava unido segundo a hipóstase, o Verbo se diz
nascido segundo a carne”.

Para evitar o erro de entender que Maria fosse a mãe da Trindade, o Concílio de Calcedônia (541)
diz que ela é ‘mãe de Deus segundo a humanidade’, ou seja, ela é mãe do Filho de Deus
encarnado.

A VIRGINDADE DE MARIA

Catecismo §499: O aprofundamento da fé na maternidade virginal levou a Igreja a confessar a


virgindade real e perpétua de Maria2, mesmo no parto do Filho de Deus feito homem3. Com

2
II Concílio de Constantinopla (553): “Se alguém diz que a santa gloriosa e sempre virgem Maria é mãe
de Deus somente em sentido impróprio e não verdadeiro (...) seja anátema”.
3
São Leão Magno (449): “Foi, de fato, concebido do Espírito Santo no útero da virgem mãe, que o deu à
luz, permanecendo intacta a sua virgindade, assim como com intacta virgindade o concebeu”.
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efeito, o nascimento de Cristo «não diminuiu, antes consagrou a integridade virginal» da sua
Mãe.

O dogma católico da virgindade de Maria tem três componentes. Diz que Maria Virgem concebeu
Jesus por ação do Espírito Santo, sem ter relações sexuais com José (virgindade antes do parto);
que aconteceu algo extraordinário no momento do parto (virgindade durante o parto); E que ela
fez uma opção pelo celibato por toda a vida (virgindade antes do parto).

Não te trata de uma relação sexual de uma virgem com uma divindade masculina que substitui
o homem, como acontece nos mitos de várias culturas ou religião. Maria é a única origem
humana de Jesus, como virgem que se torna mãe.

1. Inácio de Antioquia (sec. II): a virgindade de Maria é um mistério divino.


2. Justino Mártir (sec. II): Maria concebeu virginalmente.
3. Irineu de Lião (sec. III): paralelo Maria-Eva.
4. Tertuliano (sec. III): o parto de Maria foi normal.
5. Clemente de Alexandria (sec. III): o parto de Maria foi milagroso.
6. Orígenes (sec. III): o parto de Maria foi normal, mas ela permanece virgem.
7. Gregório de Nissa (sec. IV): o parto de Maria foi indolor; paralelo com a sarça ardente e
antítese de Eva, que teria as dores do parto por causa do pecado.
8. Zenão de Verona e Ambrósio (sec. IV), Jerônimo e Agostinho (sec. V): consolidação da ideia
de que Maria não perdeu sua virgindade após o parto.
9. Agostinho (sec. V): a concepção de Jesus teria que ser virginal porque o pecado original seria
transmitido através do sexo.
10. Magistério antigo: o termo “Virgem Maria” aparece em documentos conciliares pela
primeira vez em Constantinopla (381) e se repete em Éfeso (431) e em Calcedônia (451). O
termo “sempre Virgem Maria” aparece em Constantinopla II (553), mas seu uso remonta a
Pedro de Alexandria, no século IV (aeiparthenos). O sínodo [na verdade, trata-se de um
concílio] de Latrão (649) acrescenta um anátema a quem não confessar a virgindade
perpétua de Maria.

Influenciado também pela veneração de mártires e santos e sob a influência de tendências


ascéticas, o artigo de fé ‘nascido da Virgem Maria’, que, originalmente, tematizou sobretudo a
conceição do Filho de Deus do Espírito Santo, se transformou, em termos de conteúdo, em
discurso da virgindade de Maria antes, durante e depois do nascimento de Jesus. Enquanto o
título theotokos (progenitora de Deus) ainda se encontra no contexto da discussão cristológica,
a designação de Maria como a aeiparthenos (sempre virgem) reflete situação modificada.

Aeiparthenos

“[...] a condição de Jesus como Filho de Deus (...) não (se baseia), de acordo com a fé
da Igreja, no fato de Jesus não ter conhecido pai biológico; a doutrina da divindade
de Jesus não seria atingida, se Jesus tivesse nascido de um matrimônio humano
normal. Pois a condição de Filho de Deus, da qual fala a fé, não é um fato biológico,
e, sim, ontológico” (RATZINGER in MÜLLER, p. 165).

Não é uma ‘abstinência’ que faz de Maria uma sempre virgem, e, sim, sua ‘atitude’,
sua disposição de servir, entregando-se à vontade de Deus, sua abertura para deixar-
17

se encher do Espírito de Deus e de conformar sua vida inteiramente na fé nas


promessas de Deus.

Gregório de Nissa (+ 394) foi o primeiro Padre que, interpretando a leitura da anunciação, propôs
explicitamente que Maria haveria feito o voto de castidade anteriormente à revelação do anjo.
Tal ideia foi assumida posteriormente por Agostinho. Ele é responsável pela divulgação da versão
que Maria teria feito um voto de virgindade antes da anunciação. Mas tal hipótese não tem apoio
na Escritura.

A virgindade de Maria ilumina a questão sobre quem é o ser humano diante de Deus: um terreno
virgem, pleno de possibilidades, onde tudo pode acontecer.

IMACULADA CONCEIÇÃO E ASSUNÇÃO – EVOLUÇÃO HISTÓRICA

1. Influenciaram a doutrina da assunção os “apócrifos da assunção ou transição de Maria” e


as lendas do “túmulo vazio de Maria”.
2. A Festa do Sono (kóimesis) da progenitora de Deus” data do século VI, em Jerusalém; no
Ocidente, é chamada de Dormição de Maria (Dormitio Mariae).
3. No século VIII, essa festa passa a ser chamada, no Ocidente, de Assunção de Maria,
celebrada no dia 15 de agosto.
4. Pascásio Radberto (sec. IX): não há testemunho escriturístico que sustente essa festa, e
define como conteúdo da mesma a memória da morte de Maria, cuja consumação
celestial é confessada em fé.
5. Agostinho afirma a total ausência de pecados atuais em Maria, mas não de pecado
original.
6. A partir do século XI, no dia 8 de dezembro, é celebrada a festa da Imaculada Conceição
de Maria.
7. Tomás de Aquino (sec. XIII) e toda a escola dominicana se posicionam contra a doutrina
da imaculada conceição, uma vez que a redenção de Cristo é para todos os seres humanos
e que a compreensão da transmissão do pecado original através do sexo ainda é
universalmente aceita.
8. Duns Scot (sec. XIV): tenta resolver a problemática da doutrina da imaculada conceição
desenvolvendo a ideia de uma pré-redenção de Maria com vistas aos méritos de Cristo na
forma de sua preservação do pecado hereditário.
9. Martinho Lutero (sec. XVI): Maria é virgem, Mãe de Deus e modelo antropológico.
Desconfia das doutrinas que não podem ser identificadas com o testemunho bíblico.
10. Filipe Melanchthon (sec. XVI): Maria é modelo antropológico.
11. Zwinglio (sec. XVI): profunda veneração a Maria.
12. João Calvino (sec. XVI): combate a veneração aos santos e a Maria. Combate a doutrina
da imaculada conceição.
13. Concílio de Trento (sec. XVI): deixa em aberto a doutrina sobre a imaculada conceição.
14. Pio IX (sec. XIX): com a bula Ineffabilis Deus (1854), a doutrina da imaculada conceição
torna-se dogma de fé, usando os mesmos argumentos de Duns Scott.
15. Pio XII (sec. XX): com a bula Munificentissimus Deus (1950), é a vez da doutrina da
assunção de Maria tornar-se dogma.
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IMACULADA CONCEIÇÃO

Catecismo §491-492: Ao longo dos séculos, a Igreja tomou consciência de que Maria, «cumulada
de graça» por Deus, tinha sido redimida desde a sua conceição. É o que confessa o dogma da
Imaculada Conceição, proclamado em 1854 pelo Papa Pio IX. Este esplendor de uma «santidade
de todo singular», com que foi «enriquecida desde o primeiro instante da sua conceição», vem-
lhe totalmente de Cristo: foi «remida dum modo mais sublime, em atenção aos méritos de seu
Filho». Mais que toda e qualquer outra pessoa criada, o Pai a «encheu de toda a espécie de
bênçãos espirituais, nos céus, em Cristo» (Ef 1, 3). «N'Ele a escolheu antes da criação do mundo,
para ser, na caridade, santa e irrepreensível na sua presença» (Ef 1, 4).

O ‘pecado original’ não é um pecado em sentido estrito, mas em sentido analógico. Ou seja, não
é um ato cometido livremente contra Deus e o seu Reino, relacionado com a orientação
fundamental e as atitudes da pessoa. O pecado original não faz parte da essência do ser humano,
mas de nossa atual condição humana, que sofre a ação do mistério do mal e da iniquidade.

Maria recebe do Senhor um dom especial. Nasce mais integrada do que nós, com maior
capacidade de ser livre e acolher a proposta divina. O fato de Maria ser Imaculada não lhe tira a
necessidade de crescer na fé, pois isso faz parte da sua situação de ser humano, que necessita
aprender e evoluir.

Bula Ineffabilis Deus (8 de dezembro de 1854 – Papa Pio IX)

“Para a honra da santa e indivisa Trindade, para adorno e ornamento da Virgem Deípara, para
exaltação da fé católica e incremento da religião cristã, com a autoridade do nosso Senhor Jesus
Cristo, dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo e nossa, declaramos, proclamamos e
definimos: a doutrina

Que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, por
singular graça e privilégio do Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador
do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha da culpa original,

É revelada por Deus e por isso deve ser crida firme e constantemente por todos os fiéis”.

ASSUNÇÃO DE MARIA

Catecismo §966: A Assunção da santíssima Virgem é uma singular participação na ressurreição


do seu Filho e uma antecipação da ressurreição dos outros cristãos: «No teu parto guardaste a
virgindade e na tua dormição não abandonaste a mundo, ó Mãe de Deus: alcançaste a fonte da
vida. Tu que concebeste o Deus vivo e que, pelas tuas orações, hás-de livrar as nossas almas da
morte» (Liturgia Bizantina).

Assunta significa elevada em corpo e alma para o céu. Maria já está ressuscitada. Todos os outros
santos estão no céu na expectativa da ressurreição final. Depois de sua vida terrena ela já está
junto de Deus com o corpo transformado, cheio de graça e de luz. Deus antecipou nela o que vai
dar a todas as pessoas do Bem, no final dos tempos.
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É um privilégio de Maria e está em concordância com os 6 milhões de pedido para a proclamação


do dogma. Já existia uma liturgia antiga dessa devoção, um ensinamento constante dos Padres e
uma base escriturística (Ap 12).

Não podemos entender a Assunção de forma literal, como se Maria subisse ao céu com o corpo
que ela possuía aqui na terra. O corpo de Maria foi transformado e assumido por Deus, embora
não saibamos os detalhes. Maria já está glorificada junto de Deus, toda inteira. Ela já está vivendo
o que está prometido para cada um de nós.

Constituição Apostólica Munificentissimus Deus (1º novembro de 1950, papa Pio XII):

“Deste modo, a augusta Mãe de Deus, associada a Jesus Cristo de modo insondável desde toda
a eternidade ‘com um único e mesmo decreto’ de tal predestinação, imaculada na sua conceição,
na sua maternidade divina virgem integérrima, generosa companheira do divino Redentor que
obteve pleno triunfo sobre o pecado e suas consequências, alcançou por fim, como suprema
coroa dos seus privilégios, que fosse preservada imune da corrupção do sepulcro, e que, como já
seu divino Filho, vencida a morte, fosse levada em corpo e alma à glória suprema do céu, onde
refulgisse como Rainha à direita do seu Filho, Rei imortal dos séculos.

Por isso, para a glória do Deus onipotente, que prodigou sua peculiar benevolência à virgem
Maria, para honra do seu Filho, Rei imortal dos séculos e vencedor do pecado e da morte, para
incremento da glória da sua augusta mãe, e para gáudio e exultação de toda a Igreja, com a
autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo e a
Nossa, proclamamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que

A imaculada Deípara, sempre virgem Maria, completando o curso da vida terrestre, foi
assumida em corpo e alma na glória celeste”.
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APÊNDICE - OS ÚLTIMOS DIAS DA VIRGEM MARIA

Santo Epifanio (+403) – Grande batalhador contra heresias. Natural da Palestina, homem culto,
foi superior de uma comunidade monástica em Euleterópolis (Judéia) e depois Bispo de Salamina,
na Ilha de Chipre, foi defensor da Virgindade Perpétua de Maria

«Voltando-se o Senhor, viu o discípulo a quem amava e lhe disse, a respeito de Maria: 'Eis aí tua
Mãe'; e então à Mãe: 'Eis aí teu filho'» (Jo 19,26).

Ora, se Maria tivesse filhos, ou se seu esposo ainda estivesse vivo, por que o Senhor a confiaria
a João, ou João a ela? Mas, e também por que não a confiou a Pedro, a André, a Mateus, a
Bartolomeu? Fê-lo a João, por causa de sua virgindade. A ele foi que disse: "Eis aí tua mãe".

Não sendo mãe corporal de João, o Senhor queria significar ser ela a mãe ou o princípio da
virgindade: dela procedeu a Vida. Nesse intuito dirigiu-se a João, que era estranho, que não era
parente, a fim de indicar que sua Mãe devia ser honrada. Dela, na verdade, o Senhor nascera
quanto ao corpo; sua encarnação não fora aparente, mas real. E se ela não fosse
verdadeiramente sua mãe, aquela de quem recebera a carne, e que o dera à luz, não se
preocuparia tanto em recomendá-la como a sempre Virgem. Sendo sua Mãe, não admitia
mancha alguma na sua honra e no admirável vaso de seu corpo.

Mas prossegue o Evangelho: "e a partir daquele momento, o discípulo a levou consigo".

Ora, se ela tivesse esposo, casa e filhos, iria para o que era seu, não para o alheio.

Temo, porém, que isso de que falamos venha a ser deturpado por alguns, no sentido de que
pareça estimulá-los a manter as mulheres que dizem companheiras e diletas - coisa que
inventaram com péssima intenção.

Com efeito, ali (no caso de João e da Santíssima Virgem) tudo foi disposto por uma providência
especial, que tornava a situação desligada das obrigações comuns que, conforme a lei de Deus,
se devem observar. Aliás, depois daquele momento em que João a levou consigo, não
permaneceu ela longamente em sua casa.

Se alguém julgar que estamos laborando em erro, pode consultar a Sagrada Escritura, onde não
achará a morte de Maria, nem se foi morta ou não, se foi sepultada ou não. E quando João partiu
para a Ásia, em parte alguma está dito que tenha levado consigo a santa Virgem: sobre isso a
Escritura silencia totalmente, o que penso ocorrer por causa da grandeza transcendente do
prodígio, a fim de não induzir maior assombro às mentes.

Temo falar nisso e procuro impor-me silêncio a este respeito. Porque não sei, na verdade, se
podem achar indicações, ainda que obscuras, sobre a incerta morte da santíssima e muito bem-
aventurada Virgem. Pois de um lado temos a palavra, proferida sobre ela: "uma espada
transpassará tua alma, para que sejam revelados os pensamentos de muitos corações" (Lc 2,35).
De outro lado, todavia, lemos no Apocalipse de João (Ap 12), que o dragão avançou contra a
mulher, quando dera à luz um varão; e que foram dadas a ela asas de águia, de modo a ser
transportada para o deserto, onde o dragão não a alcançasse. Isso pode ter-se realizado nela.
Embora eu não o afirme totalmente. Nem digo que tenha ficado imortal nem posso afirmar que
tenha morrido. A Sagrada Escritura, transcendendo aqui a capacidade da mente humana, deixa
21

a coisa na incerteza, em atenção ao Vaso exímio e excelente, de sorte que ninguém lhe atribua
alguma sordidez própria da carne. Portanto, se ela morreu, não sabemos. E mesmo que tivesse
sido sepultada, jamais teve comércio carnal: longe de nós essa blasfêmia! Quem ousaria, em
furor de loucura, impor esse opróbrio à santa Virgem, erguendo contra ela a voz, abrindo a boca
para uma afirmação assim nefanda, ao invés de lhe entoar louvores? quem iria desonrar assim o
Vaso digno de toda honra?

Foi a ela que prefigurou Eva, ao receber o título, um tanto misterioso, de mãe dos viventes (Gn
3,20). Sim, porque o recebeu depois de ter escutado a palavra: "tu és terra e à terra hás de
tornar", isto é, depois do pecado.

Numa consideração exterior e aparente, dir-se-ia que de Eva derivou a vida de todo o gênero
humano, sobre a terra. Mas na verdade é de Maria que deriva a verdadeira vida para o mundo,
é ela que dá à luz o Vivente, ela a Mãe dos viventes. Portanto, o título de "mãe dos viventes"
queria indicar, na sombra e na figura, Maria.

Com efeito, não se aplica, porventura, às duas mulheres aquela palavra: "quem deu a sabedoria
à mulher, quem lhe deu a ciência de tecer?" (Jo 18,36)

Eva, a primeira mulher sábia, teceu vestes visíveis para Adão, a quem despojara. Fora condenada
ao trabalho. Já que tinha sido responsável pela nudez dele, precisou confeccionar a veste que
cobrisse essa nudez externa, que cobrisse o corpo exposto aos sentidos.

A Maria, porém, coube vestir o cordeiro e" ovelha; com cujo esplendor e glória, como se fora
uma lã, foi confeccionada sabiamente para nós uma veste, na virtude de sua imortalidade.

Outra coisa, além disso, pode considerar-se em ambas - Eva e Maria - digna de admiração. Eva
trouxe ao gênero humano uma causa de morte, por ela a morte entrou no orbe da terra; Maria
trouxe uma causa de vida, por ela a Vida se estendeu a nós. Pois o Filho de Deus veio a este
mundo, para que" onde abundara o delito, superabundasse a graça" (Rm 5,20). Onde a morte
havia chegado, chegou a vida, para" tomar seu lugar; e aquele mesmo que nasceu da mulher
para ser nossa Vida haveria de expulsar a morte, introduzida pela mulher.

Quando ainda virgem, no paraíso, Eva desagradou a Deus, por sua desobediência. Por isso
mesmo, emanou da Virgem a obediência própria da graça, depois que se anunciou o advento do
Verbo revestido de corpo, o advento da eterna Vida do Céu.

FONTE:

GOMES, C. F. Antologia dos Santos Padres. Ed. Paulinas - São Paulo, 1979
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APÊNDICE - Maria no Catecismo da Igreja Católica

MARIA NA ECONOMIA DA SALVAÇÃO

1 Anunciação: § 484; § 490

2 Assentimento de Maria: § 148; §494

3 Assunção de Maria: §966

4 Concepção pelo Espírito Santo: § 437; § 456; § 484; § 485; § 486

A MATERNIDADE DIVINA DE MARIA: §495; § 723

5 Imaculada Conceição: § 490; § 491; § 492; §493

Maria, imune do pecado: § 411

6 Maria, medianeira da graça: § 969

7 Obra do Espírito Santo: §721; §722; §723; §724; §725; §726

8 Predestinação de Maria: § 488; § 489

A MATERNIDADE VIRGINAL DE MARIA NO DESÍGNIO DE DEUS


§502; §503; §504; §505; §506; §507

9 Virgindade de Maria: §496; §497; §498

10 Visita de Maria a Isabel como visita de Deus ao seu povo: §717

IGREJA E MARIA

1 Igreja atinge a perfeição em Maria: § 829

2 Lugar de Maria no mistério da Igreja: § 773

MARIA - MÃE DE CRISTO, MÃE DA IGREJA: §963

I. A maternidade de Maria com relação à Igreja: §964; §965; §966; §967; §968; §969; §970

II- O culto da Santíssima Virgem: §971

III. Maria - ícone escatológico da Igreja: §972

3 Maria, realização exemplar e typus da Igreja: § 967


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4 Maternidade espiritual de Maria: § 501

CULTO DE MARIA

1 Culto de Maria no ano litúrgico: § 1172; § 1370

2 Fé em de Maria fundada na fé em Cristo: § 487; § 2042

4 Oração a Maria: § 2675; § 2676; § 2677; § 2678; § 2679; § 2146

6 Veneração e não adoração: § 971

MARIA COMO MODELO

1 Modelo de esperança: § 64

2 Modelo de obediência da fé: § 144; § 148; § 149; § 494

3 Modo de oração no “Fiat” e no “Magnificat”: § 2617; § 2619

4 Modelo de santidade: § 2030

5 Modelo de união com o Filho: § 964

6 Modelo e testemunha da fé: § 165; § 273

NOMES DE MARIA

1 “Hodoghitria" ou mostra o caminho: § 2674

2 “Panhaghia” ou toda santa: §493

3 Advogada, Auxiliadora, Protetora, Medianeira: §969

4 Assunta: §966

5 Cheia de graça: §722; § 2676

6 Escrava do Senhor: §510

7 Imaculada: § 491; § 492

8 Mãe da Igreja: §963; §964; §965; §966; §967; §968; §969; §970
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9 Mãe de Cristo: § 411

10 Mãe de Deus: § 466; §495; §509

11 Mãe dos vivos: §494; §511

12 Nova Eva: § 411

13 Sede da sabedoria: §721

14 Sempre Virgem: §499; §500; §501

15 Typus da Igreja: §967; §972


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BIBLIOGRAFIA UTILIZADA

ANOTAÇÕES EM SALA DE AULA

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA

DENZINGER. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo:


Paulinas, 2007.

MÜLLER, Alois; SATTLER, Dorothea in SCHNEIDER, Theodor. Manual de Dogmática. Petrópolis:


Vozes, 2008. Vol. II. pp. 143-170.
MURAD, Afonso. Maria, toda de Deus e tão humana. São Paulo: Paulinas, 2009. 3ª ed. Coleção
livros básicos de teologia.

LEITURA RECOMENDADA

Paulo VI: Marialis Cultus


João Paulo II: Redemptoris Mater

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