Antônio e Seus Amores - Um Caso Clínico

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ANTÔNIO E SEUS AMORES: UM CASO CLÍNICO

Sandra Chiabi

Antônio é um jovem de 21 anos que veio à análise a pedido de uma das três

namoradas. Contou que estava envolvido com as três, e uma delas pedira que ele fizesse

análise. Disse que estava muito mal, pois sentia muitas dores no estômago seguidas de

vômitos. Assim, não conseguia estudar e trabalhar como deveria. Estava ali porque

precisava fazer uma escolha, e não sabia qual das três namoradas iria escolher. Antônio

iniciou sua análise falando das três mulheres e, ao longo do seu percurso, apareceram

outras. Na verdade, não importava como elas eram: o importante é o fato de serem

mulheres.

Na primeira entrevista, relata o que estava acontecendo com ele e com as

namoradas. Estava muito preocupado com o que poderia acontecer. O fato foi que tudo

deixou de ser segredo, pois todas já sabem de todas. Antônio fala: “Estou sentindo

muitas dores no estômago e já vomitei várias vezes. Quando tinha 16 anos, passei por

isto, vomitava tudo que comia, perdi muito peso, fiquei muito magro, no meu rosto só

apareciam os ossos, me sentia feio, mas com o passar do tempo fui ganhando peso

novamente. Não sei falar o que penso e tenho dificuldades para falar dos meus

sentimentos”. Em outras palavras, embora diga que veio a pedido da namorada, ele

enunciara a sua própria queixa: estou com dores e vômitos, porque não sei falar dos

meus sentimentos.

Em outra entrevista, conta a história de suas lembranças infantis. Relata que a

separação de seus pais ocorreu quando tinha três anos e que as crises de bebida do pai

foram o motivo do término do casamento. Sua mãe casou-se novamente e teve duas

filhas. Portanto, desde os quatro anos, foi criado pelo padrasto (Sr. Carlos). Diz que

desde pequeno nunca esqueceu o que Sr. Carlos disse a ele: ‟Não posso te dar carinho
de pai.‟‟Após relatar esta cena traumática, traz novamente sua angústia referida à

ausência do pai. „‟Só reencontrei meu pai quando tinha sete anos e novamente aos

quatorze. Agora, aos vinte e um anos, tenho procurado falar com ele pelo telefone, e-

mail ou uma vez ao ano vou visitá-lo, na cidade onde mora. Descreve o pai como um

homem bêbado, que anda com roupa suja, short curto e rasgado. No entanto, ele revela

preocupação com a situação financeira do pai e o seu desejo de construir uma relação de

pai e filho. Contou que seu pai, devido à bebida, estava desempregado. Então, diante da

atual situação que encontrara o pai, sugere que compre um carrinho de cachorro quente

e fosse montar uma barraca na praça para vendê-los.

Após várias sessões, Antônio, que até então trazia o pai como eixo de suas

questões, passou a falar da sua mãe. Contou que sua mãe e o Sr. Carlos haviam

separado e que as dificuldades financeiras começaram a surgir. As brigas entre as irmãs

aumentaram e sua mãe nada fazia para colocar limites na educação delas. Quando ele

fala de sua rivalidade com a irmã, o que analista escuta é, na verdade, uma disputa pelo

amor materno.

Antônio trabalha bem em análise, faz associações e, em uma sessão, diz que sua

mãe costumava, sem avisar ou pedi-lo, entrar no seu quarto, abrir sua carteira e tirar o

seu dinheiro. Conta que muitas vezes emprestava-lhe o cartão de crédito, mas ela

excedia aos valores combinados. Sua mãe estava com problemas no banco, o nome no

SPC, sem cartão de crédito e conta bancária. Sendo assim, ele assinava folhas de

cheque, devido às complicações financeiras. À medida que a analista fazia

interpretações, Antônio passou a questionar qual era o lugar que ocupava em sua

família. Certa vez disse: ”Assim não dá, minha mãe usou o meu cartão mais do que

deveria”. Ao implicar-se como sujeito, passando da queixa à demanda, Antônio


pergunta-se: Por que sempre faço a mesma coisa, emprestando cartão, dinheiro e ela

gastando o que não foi combinado?

Em outra sessão, continua não só relatando seus conflitos familiares, como

falando da sua insatisfação em relação à mãe e às irmãs. Disse: “Minha mãe fala mais

com minhas irmãs do que comigo. Quero conversar e ela não tem tempo”. A analista

pergunta: sobre o que você quer conversar com ela? “Nada demais, só conversar. Não

entendo o que tanto ela conversa com as meninas”. Analista diz: “não vai entender

mesmo, porque é conversa de mulheres”. O relacionamento de Antônio com sua mãe,

irmãs e namoradas é mediado pela fantasia, produzindo sintomas corporais e outras

vezes chegando à questão enigmática: o que é ser um homem, o que é ser uma mulher ?

Tomado pelo seu sintoma, Antônio diz que já esta ficando com outras garotas e que

precisava terminar com a atual namorada. Depois de algumas semanas, já estava com

outra e dizia estar apaixonado. Foi um namoro cheio de expectativas, porém seus planos

foram interrompidos porque a garota terminou o namoro. Sofreu, fez tentativas de

reconciliação, mas nada conseguiu. Pois bem, a vida de Antônio prossegue sem

namoradas, só “ficantes”, como ele mesmo diz.

O analisante inicia cursos de especialização e conhece Bruno. Ficam amigos,

passam a fazer vários programas, não só de trabalho, mas também de final de semana.

Antônio expressa, mais uma vez, o seu sintoma quando diz que precisa de uma nova

namorada para esquecer a anterior. Foi o que fez, mas conta que está com um problema:

”Meu amigo está esquisito e diz que precisa falar sobre minha namorada. Disse que dou

mais atenção a ela do que a ele. Parece que o Bruno está com ciúmes‟‟. A analista

então diz que gostaria de saber por que seria ciúmes. Ele responde: “Não tenho certeza,

mas acho que ele é gay”. Na sessão seguinte, continuou relatando sobre sua amizade
com o Bruno e acrescenta que saíram para conversar, mas seu amigo nada revelou sobre

os seus sentimentos.

Após certo tempo de análise, Antônio voltou a ter crises de vômitos e dores no

estômago. Ele, então, conta que foi necessária uma internação hospitalar. Realizam-se

vários exames e nada de grave foi diagnosticado, a não ser uma leve virose. Revela que

pediu ajuda à sua mãe e à namorada, pois se sentia muito tonto para ir sozinho até o

hospital. Diz também que, antes de vomitar, lembra que sentiu um pouco tonto. Esta

cena que ele acabara de relatar trouxe-lhe uma questão: “O que está acontecendo mais

uma vez comigo? Eu estava indo para o trabalho, de repente fico tonto e começo a

vomitar”. Quando sai do hospital, já estava melhor.

Ao enunciar o significante “tonto”, a analista pontua o que lhe deixa tonto e ele

acrescenta: “Talvez seja minha mãe que me deixa tonto”. Por meio dos “por quês”, que

fazem parte da sua análise, ele conta que há vários dias tentava falar com sua mãe, no

entanto ela não atendia às suas ligações e quando chegava à casa, ela já estava

dormindo. Fazendo associações, ele pergunta: “Será que precisei ficar doente, vomitar,

ficar tonto, para conseguir ver e falar com minha mãe?”. Antônio descobre que queria

atrair a atenção de sua mãe ou talvez ocupar o lugar do pai, do marido da mãe, aquele

pai que bebe, ou seja, um tonto.

No decorrer de sua análise, começa a trazer questões ligadas à oralidade: mostra

à analista seu dedo da mão inflamado, a ponto passar pomadas e de ter que tomar anti-

inflamatório. Dizia que comia o dedo até feri-los e, não satisfeito em comer os dedos,

apareceu em uma sessão com a mão enfaixada e o dedo médio imobilizado. Verifica-se

aqui um gozo oral, pois sabemos que, na histeria, a oralidade tem um papel destacado.

Antônio apresenta suas questões ora “comendo os dedos”, ora com dores no estômago e
outras vezes com crises de vômito. Segundo Lacan (1957- 1958/ 1999), o sujeito sofre,

como sendo sujeito do desejo. Ele goza a seu modo, goza por desejar.

Antônio inicia uma sessão dizendo que nada ia bem com a atual namorada.

Contou que planejavam uma viagem e que, de repente, ela disse que iria sozinha. O

analisante diz que vai esperá-la, mas não garante fidelidade. Novamente, aproxima-se

do amigo Bruno e vivem uma intensa amizade, com viagens nos finais de semana e com

um trabalho em dupla. Passa a trazer, em sua sessão, conflitos vividos nesta amizade.

Conta que, em uma de suas discussões, Bruno revela que só consegue trabalhar ao seu

lado, pois se sente muito inseguro e sozinho. As crises de angústia se acentuam em

relação a esta amizade até que decide ficar com outra garota, sem que o Bruno saiba.

Por outro lado, Bruno desconfiado que alguma coisa esta se passando, resolve ficar com

uma garota e conta a decisão ao seu amigo. O analisante, em sua análise, diz que não

entende o comportamento do amigo. Certa vez, disse: “Não sei porque meu amigo faz

tantas perguntas e às vezes parece que fica vigiando tudo que faço. Outros momentos,

não fala comigo e no dia seguinte me pede desculpas. Acho estranho esse jeito de ser”.

A partir de então, a analista observa que o sofrimento de Antônio se exacerba, porque

essas situações são freqüentes no discurso do analisante.

Portanto, é importante entender as particularidades desta neurose, pois Pollo

(2003) disse: “Nos sintomas histéricos, Freud acentua neles a coexistência de duas

fantasias sexuais: uma de caráter feminino e outra de caráter masculino” (POLLO,

2003, p.35).

Sendo assim, a cada sessão, os sintomas e ataques histéricos de Antônio

expressam a realização de sua fantasia e do seu desejo inconsciente. Ele vive momentos

de conflito e de angústia durante alguns meses na casa do seu amigo, até que certo dia

iniciou sua sessão contando o seguinte sonho: “sonhei que estava em uma festa a
fantasia. A festa era em uma casa dentro de um parque. Os corredores eram em forma

de labirinto e fui até um quarto pegar minha mochila. Queria sair dali, o mais rápido,

porque no quarto ao lado tinha um casal que discutia muito alto e eu não queria que eles

me vissem. Eram os pais do meu amigo. Não sabia como sair, até que vi uma mulher

em um lago dançando e perguntei onde era a saída. Ela apontou por onde eu poderia

sair e eu sai dali, bem depressa”

Após descrever o seu sonho, ele não conseguiu fazer associações e disse: “não

entendi nada deste sonho”. Em seguida, contou que voltou a morar com sua família,

estava se sentindo bem. Além disso, havia deixado a casa do seu amigo, onde morava

há alguns meses. Podemos compreender que através do seu sonho, Antônio fez uma

escolha, pois, no sonho, foi uma mulher que apontou a saída, assim como em sua vida

ele também escolheu continuar sendo o Dom Juan das mulheres.

A possibilidade de enunciar estas e outras questões é conseqüência de um

percurso em análise e Antônio continua trabalhando todas as questões que lhe trazem

sofrimentos, pois, como sabemos, o sintoma fala e a cada sessão o analisante deixa

escapar o seu sintoma através do seu discurso histérico. É desta maneira que ele vai

desvelando suas questões relacionadas à histeria dita masculina.


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SOBRE A AUTORA

Sandra Mara Machado Chiabi: Mestranda em Psicanalise pela U.V.A – RJ; Pos-

Graduada em Psicologia Clínica PUC-RJ; Psicanalista pela Escola de Psicanálise dos

Fóruns do Campo Lacaniano-RJ. Endereço eletrônico: SandraChiabi@ gmail.com

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