Mediacao Pedagogica-Critica Ensino Remoto
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São Paulo
Capítulo 2
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO:
MEDIAÇÕES EM TEMPOS
DE PANDEMIA
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uma pandemia. Nesse sentido, toda a comunidade internacional,
até mesmo onde o vírus ainda não havia chegado, deveria ficar em
alerta. Aqui no Brasil, ainda no fim de fevereiro, alguns casos de
contaminação já haviam sido registrados e, na segunda quinzena do
mês de março, chegou a recomendação pela suspensão das aulas,
bem como de diversas outras atividades, e, junto, a indicação explícita
de distanciamento social.
Foi assim que, como num piscar de olhos, em todo país, tivemos
a suspensão das aulas presenciais. A rapidez da paralisação também
engendrou uma rápida alternativa para levar adiante as atividades de
ensino: a educação remota passou a ser apontada como solução
viável. De uma hora para outra, tivemos que nos render aos encantos
e desafios das ferramentas tecnológicas. Destacamos que, na UFRN,
a recomendação para retomada das atividades de ensino nessa
modalidade foi discutida e vivenciada num movimento permeado
por severas críticas e muita resistência por parte de docentes e
discentes. A indicação foi deflagrada sem uma discussão mais ampla
e sem consideração das reais condições de alunos e professores. As
discussões sobre o ensino remoto aguça mais inquietações do que
certezas, quem sabe a sistematização da experiência nos ajude a
ampliar essa discussão.
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materializa: condições de atendimento na educação pública e privada,
na saúde, na assistência social e até nas condições de sepultamento.
Os enterros dos mais pobres nas valas comuns jamais serão apaga-
dos da nossa memória, uma triste imagem da desigualdade que nos
marca da chegada ao final da vida. No momento em que estamos
fazendo esta escrita, aqui no Brasil, mais de cento e quarenta mil vidas
já foram ceifadas.
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de ensino da atividade de pensar as contradições para além das
aparências (VIÉGAS e GOLDSTEIN, 2017). Notadamente, esses
movimentos visam sedimentar a educação como ferramenta a favor
do capital, preparando pessoas úteis ao processo produtivo, alienadas
em relação ao que produzem e cada vez mais distantes dos processos
de humanização defendidos por Leontiev (2004). Esse, portanto, é um
explícito retrocesso das universidades em relação ao que estávamos
começando a vislumbrar através das políticas de expansão e acesso
ao ensino superior que, talvez, se encaminhavam para provocar
rupturas nas desigualdades que são centenárias em nosso país. Os
filhos da classe trabalhadora, os mais pobres, os negros, os indígenas,
os quilombolas e as pessoas com deficiência começavam a se
aproximar dos espaços de saber erudito. No entanto, os caminhos
formativos que se vislumbram daqui em diante poderão retroceder e
voltar a reforçar aquela lógica que, durante tantas décadas, fez dos
espaços universitários lugares seletos, para pessoas que utilizavam
do conhecimento para impor dominação e manutenção de privilégios.
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o ajustamento dos indivíduos às demandas do capital e, consequen-
temente, de uma ampliação dos processos de exclusão, o aporte teó-
rico da psicologia histórico-cultural aponta possibilidades de rupturas
através da promoção do acesso ao conhecimento. Precisamos nos
comprometer com projetos de formação que removam os obstáculos
que estão postos entre os sujeitos e o conhecimento (TANAMACHI e
MEIRA, 2003), comprometimento esse que defende o cultivo do pen-
samento crítico e que se materializa em práticas alinhadas com os
processos de humanização.
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estado de coisas. Por outro lado, quando a crise é passageira,
ela deve ser explicada pelos factores que a provocam. Mas
quando se torna permanente, a crise transforma-se na causa
que explica todo o resto”. (SANTOS, 2020, p. 5)
MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA E
EDUCAÇÃO REMOTA
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perspectiva, assinala que, para tratarmos sobre qualquer fenômeno, faz-
se necessário o conhecimento das condições concretas que permitem
sua emergência. Somente desvelando essas condições é que também
conheceremos sua dinâmica e suas contradições (VIGOTSKI, 1996).
Para esse psicólogo soviético, era importante se opor a toda forma de
determinismos e defender a adoção da perspectiva histórica e o papel
ativo dos homens na criação das suas condições de vida.
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dialéticos. Ressalta-se, portanto, a importância do conhecimento
das condições concretas nas quais a vida se materializa. Destarte,
também Tuleski (2008) discorre sobre a obra de Vigotski e enaltece
sua postura de se contrapor a uma prática de psicologia restrita aos
espaços de laboratório.
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de generalização, abstração e desenvolvimento do intelecto. A
mediação como processo aparece ainda nos estudos de Maciel e
Oliveira (2018, p. 103), que afirmam: “Vigotski utilizou o conceito de
mediação não simplesmente como “ponte”, “elo” ou “meio” entre as
coisas, mas sim como um processo”.
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outro, o nível atingido pela criança com auxílio e colaboração de
outra pessoa, apoiada nas funções em processos de maturação.
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conhecimento que possa escancarar a insustentabilidade desse
modelo de sociedade excludente. São ações planejadas que
almejam implantar um governo totalitário capaz de controlar a vida
pública e privada dos seus cidadãos e, por compreender o potencial
da educação, começa minando os espaços de disseminação do
conhecimento. Uma explícita tentativa de defender a educação
deslocada de sua dimensão política, uma educação que supostamente
seja neutra e que não defenda interesses partidários.
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um mercado rentável no setor da educação. Agora, desde o princípio
da pandemia, se escancara a venda dos pacotes de tecnologias de
informação e comunicação (TICs) que já rondavam as IES com a
oferta do ensino a distância e similares. A paralisação das atividades
presenciais de ensino colocou essas TICs como redentoras do ano
letivo, visto que seriam a alternativa viável para explorar o ensino
remotamente em meio à necessidade do distanciamento físico.
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se atrasam, desanimam, pensam em desistir e alguns chegam a
duvidar se são merecedores de terem ingressado no ensino superior.
O CICLO DE MESAS-REDONDAS
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foram efetivamente consideradas as condições concretas de que um
grupo considerável de professores e alunos dispunha ou não para
levar adiante aquela proposta; e estranhamento, que se deu porque
teríamos de executar uma proposta que não havíamos concebido e
que excluiria muitos alunos das possibilidades de participação.
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29/06 Suicídio em tempos de pandemia 201
01 /07 Ansiedade em tempos de pandemia 189
06/07 Ciência, verdade e pandemia: e a psicologia com isso? 136
08/07 Saúde do trabalhador em tempos de pandemia 167
13/07 Crise, pandemia e Psicologia 126
15/07 Isolamento Social, Política e Saúde 153
Mental em tempos de pandemia
20/07 Feminismos e resistências em tempos de pandemia 133
21/07 A psicoterapia e avaliação em tempos remotos 121
22/07 Saúde Mental em tempos de pandemia 156
23/07 Racismo, Psicologia Transpessoal e 110
necropolítica além da pandemia
24/07 Relações Pessoa-Ambiente e pandemia: 105
espacializando desigualdades
27/07 Educação remota em tempos de pandemia 116
28/07 Mídias, infâncias e escola: reflexões 122
para além da pandemia
29/07 Luto em Tempos de Pandemia 179
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A experiência almejava proporcionar espaços de diálogos entre
a Psicologia e a Educação, bem como com outras áreas do saber.
Ambicionava, ainda, dispor de um espaço de interação online com
os participantes, a fim de ampliar os caminhos de aprendizado,
formação e reflexão e proporcionar à comunidade interna e externa à
UFRN um ambiente de trocas de saberes e experiências a partir dos
temas tratados e em meio à pandemia. De fato, esse tipo de atividade
possibilitou a participação de pessoas de outras localidades do estado
do Rio Grande do Norte e de outras cidades do território nacional
(Niterói/RJ, São Paulo/SP, Porto Alegre/RS, Brasília/DF) e internacional
(Sheffield/UK e Santiago/Chile).
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e aprendizados acerca dos processos psicossociológicos em contexto
de trabalho remoto, notadamente, sobre trabalho em equipe.
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momentos que fogem à normalidade, como esse que estamos vivendo,
ainda continuam nos avaliando e nos cobrando um desempenho
pautado nessa lógica. Para ilustrar essa afirmativa, basta observar
que, logo após a suspensão das aulas presenciais, ainda na primeira
semana, já começaram as preocupações das universidades sobre o
que seria feito para salvar o ano letivo.
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momentaneamente da sala virtual ou a qualidade do áudio não permitia
uma boa comunicação. Segundo relatos registrados nos formulários
de avaliação aplicados após cada mesa-redonda, duas horas de
transmissão ao vivo consumiam cerca 2GB do seu pacote de dados
e, frequentemente, houve o pedido para que o evento fosse concluído
em menos tempo. Alguns participantes ainda relataram que essa
experiência foi a oportunidade de saírem da ociosidade acadêmica.
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E não se trata apenas dos determinantes associados a ter ou não
ter acesso. Além da dimensão relacionada às condições concretas,
para funcionar como atividades de ensino, tínhamos de garantir a
adequada mediação pedagógica, visto que a aprendizagem deveria
ser assegurada aos envolvidos. E, nesse sentido, o ensino remoto
demonstrou limitações. Não proporcionamos a todos os estudantes
as mesmas garantias de acesso e de permanência. Constatamos
que a plataforma utilizada apresentava instabilidades em alguns
momentos e também não permitia que os usuários visualizassem
as mensagens enviadas pelos demais, dificultando, segundo eles, o
processo de aprendizagem. Se defendemos que a educação é um
direito de todos, não podemos pactuar com as modalidades que já
promovem exclusão desde o ponto de partida.
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Os interesses e propósitos defendidos por trás dessa modalidade
de ensino ensejam vigilância constante. A educação pública tem se
tornado uma arena de disputa de alguns conglomerados empresariais
de educação a distância. Agora, muitos desses grupos têm apresentado
soluções rápidas, colocando-se como alternativa viável e buscando as
brechas para abocanhar, com avidez, fatias de um mercado promissor;
eles vendem suas plataformas digitais e negociam a educação como
mercadoria a ser repartida entre os mais “espertos”. Para Costa
(2012), o Estado, ao invés de atuar com investimentos que assegurem
educação de qualidade para todos, defende a acumulação do capital
e incentiva as iniciativas privadas. Ademais, compromete os processos
de ensino, uma vez que, em função de quem financia, os resultados
esperados assumem conotações diferenciadas. A preocupação em
preparar para o mercado se sobrepõe aos processos de humanização,
e, assim, prevalecem os interesses de quem financia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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para a mediação acontecer, não podemos deixar de reafirmar algumas
dificuldades que sobressaíram nessa experiência: fadiga mental,
questões ergonômicas inerentes à postura diante de longo período em
frente a telas de computadores e/ou smartphones, dificuldade de acesso
online, condições adequadas para concentração e participação ativa
da atividade, falta de familiaridade com as tecnologias da informação
e comunicação, falta de equipamento com configurações necessárias
para a participação, entre outras.
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mesas-redondas abriu possibilidades de interlocução com temáticas
que podem ampliar os interesses de discentes e docentes na construção
de conhecimentos que coloquem a psicologia e a educação a serviço
da vida e dos diálogos promotores de emancipação humana.
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