Práticas Integradas para o Ensino de Biologia - Araújo, Caluzi & Caldeira (Orgs)

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Editor
Raimundo Gadelha

Coordenação Editorial
Mariana Cardoso

Revisão
Ravi Macario
Edson Cruz

Projeto Grá co e Capa


Vaner Alaimo

Editoração Eletrônica
Felipe Bonifácio

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Práticas integradas para o ensino de biologia / Elaine S. Nicolini
Nabuco de Araujo, João José Caluzi, Ana Maria de Andrade Caldeira,
organizadores. – São Paulo: Escrituras Editora, 2008.
(Educação para a ciência; 9)

Vários autores.
Bibliogra a.
ISBN 978-85-7531-304-6

1. Biologia – Estudo e ensino 2. Prática de ensino


I. Araujo, Elaine S. Nicolini Nabuco de. II. Caluzi, João José.
III. Caldeira, Ana Maria de Andrade. IV. Série.
08-11620 CDD-570.7

Índices para catálogo sistemático:


1. Biologia: Estudo e ensino 570.7

Impresso no Obra em conformidade com o


Brasil Acordo
Printed in Brazil Ortográ co da Língua Portuguesa
Sumário
Prefácio

1. Epistemologia da Biologia: uma proposta didática para o ensino de


Biologia

Introdução
Epistemologia da Biologia
A Biologia como uma Ciência autônoma
A Epistemologia da Biologia no contexto do ensino
A constituição de um grupo de pesquisas em Epistemologia da Biologia
Resultados preliminares
Considerações nais
Referências bibliográ cas

2. A interdisciplinaridade na educação em Ciências: professores de Ensino


Médio em formação e em exercício

Introdução
O Projeto Pró-Ciências
Concepções de professores sobre a interdisciplinaridade
Di culdades para o desenvolvimento de projetos
interdisciplinares na escola
Trabalhos nais produzidos pelos professores-alunos
Pró-Ciências: erros e acertos
Referências bibliográ cas

3. Interdisciplinaridade no Ensino Médio: a construção de um projeto


>coletivo por professores

Introdução
A construção de um projeto na Escola Pública
Ações desenvolvidas pelos participantes
Resultados
Considerações nais
Referências bibliográ cas

4. O processo de ensino e aprendizagem do conceito de energia:


interdisciplinaridade e contextualização.

Introdução
O tema contextualizador
A construção do trabalho interdisciplinar
O conceito de energia em Biologia e suas relações interdisciplinares
Discussão
Avaliação do processo de construção do projeto interdisciplinar e
contextualizado
Organização do coletivo escolar
O Processo de ensino
O Processo de aprendizagem
Considerações nais.
Referências bibliográ cas

5. A cção cientí ca como estratégia pedagógica interdisciplinar:


aproximando as Ciências e a Arte

Introdução
Algumas considerações sobre o enfoque interdisciplinar
Ensino de Evolução Biológica
“Evolution”: o lme analisado
Possíveis conteúdos matemáticos a serem abordados em
interdisciplinaridade com a Biologia, a partir do lme “Evolution”
Considerações nais
Referências bibliográ cas

6. Fertilização in vitro e Bioética nos livros didáticos.

Introdução
As pesquisas biotecnológicas e suas implicações éticas
Infertilidade e fertilização in vitro
Bioética e fertilização in vitro
A Lei de Biossegurança
O livro didático de Ciências e Biologia
Transposição e mediação didática
Considerações metodológicas
Presença de explicação, ilustrações sobre fertilização in vitro
Localização do assunto no livro didático
Consistência das informações apresentadas
Presença de uma abordagem ética e social
Considerações nais
Referências bibliográ cas

7. A construção do conceito de circulação sanguínea e o Ensino de


Biologia

Introdução
A importância da História da Ciência no Ensino de Ciências
A construção do conceito de circulação sanguínea: algumas teorias anteriores a
Harvey
Considerações nais
Referências bibliográ cas

8. A formação de conceitos cientí cos em aulas de campo: as possibilidades


de aprendizagem segundo Piaget e Vigotski

Introdução
O conhecimento cientí co na perspectiva piagetiana
O conhecimento cientí co na perspectiva de Vigotski
O desenvolvimento do programa
Formando conceitos em aulas de campo: conhecimento cientí co e mediação
Considerações nais
Referências bibloigrá cas

9. Ensino e aprendizagem de Ecologia em ecossistemas naturais


característicos da restinga de Ilha Comprida, SP

Introdução
Caracterização física e biológica de Ilha Comprida
Caracterização e localização
Formação geológica
Cobertura vegetal
Escolha das tipologias vegetacionais de Mata Atlântica
Semiótica peirceana
Sequência didática e ferramentas de coleta de dados
Aulas teóricas
Ferramenta de coleta de dados (atividade didática 1)
Sequência didática das aulas teóricas
Aulas práticas
Sequência didática das aulas práticas
Sequência didática da sistematização de conteúdos
Ferramenta de coleta de dados (atividade didática 2)
Análise de conteúdos
Atividade didática 1
Atividade didática 2
Análise semiótica
Atividade didática 1
Atividade didática 2
Considerações nais
Referências bibliográ cas
Prefácio

Dois clássicos em Filoso a, Peirce e Piaget, pensaram o desenvolvimento


da inteligência humana pela experiência e por um conjunto de abstrações que
nos enriquecem cognitiva e culturalmente. Estas duas dimensões – experiência
e graus diferenciados de abstração – criam e recriam o pensamento e sustentam
nossas ações. Com essa concepção li este livro, Práticas Integradas para o Ensino
de Biologia, organizado por Elaine Sandra Nicolini Nabuco de Araujo, João
José Caluzi e Ana Maria de Andrade Caldeira.

Vejo no livro um grande mérito: valoriza a experiência de alunos e


professores propondo que o ensino da Biologia seja realizado por meio de
práticas pedagógicas que recriem o sentido da interdisciplinaridade. Em outras
palavras, as pesquisas apresentadas neste livro propõem que o professor ensine
Ciências e Biologia pensando suas histórias, suas dimensões culturais e a função
das políticas educacionais. Propõem que este reconheça a possibilidade de
ensinar de outra forma, voltando-se, sobretudo, para o papel da experiência,
entendida aqui como prática de recontextualização do conhecimento cientí co
em conhecimento escolar. Para isso, o livro sugere que o ensino da Biologia
deve escapar aos problemas mais comuns na vida do professor como, por
exemplo, a divisão do currículo em conteúdos estanques, a não valorização de
conhecimentos cotidianos dos alunos, a não articulação dos temas sociais aos
temas cientí cos como o papel da energia no mundo atual, o efeito estufa no
planeta, o papel da bioética entre outros temas tão importantes para a
formação cientí ca de nossos alunos. Os textos deste livro sugerem uma boa
caminhada ao professor de Ciências e de Biologia. Apontam uma sina docente:
ser andarilho de fronteiras.

Nesse sentido, o primeiro capítulo, “Epistemologia da Biologia: uma


proposta para o Ensino de Biologia”, retoma uma discussão cara aos professores
de Biologia, a dimensão da interação como suporte para o ensino e a
aprendizagem. Propõe que o conhecimento biológico seja visto por uma visão
integradora em que sistemas biológicos sejam representados por sistemas
complexos e pelo conceito de auto-organização. No segundo capítulo, “A
Interdisciplinaridade na Educação em Ciências: os professores do Ensino
Médio em formação e em exercício”, as autoras mostram que o conceito de
interdisciplinaridade está em construção entre os docentes entrevistados. Isso
di culta a prática tão desejada no ensino de Biologia. Para que essa concepção
possa ser pensada entre os professores é necessário um trabalho coletivo dos
docentes com novos conhecimentos escolares e, sobretudo, uma organização
diferente do trabalho docente. Uma organização que privilegie espaços de
debate, estudo e vida cultural dos docentes.

O conceito de interdisciplinaridade também é debatido no capítulo


terceiro, “Interdisciplinaridade no Ensino Médio: a construção de um projeto
coletivo por professores”. Neste, as autoras indicam que as ações
interdisciplinares na escola podem ser realizadas de diferentes maneiras, desde
que os princípios básicos sejam estabelecidos no decorrer do trabalho de
ensino.

Interdisciplinaridade e contextualização são temas do quarto capítulo. Em


“O processo de ensino e aprendizagem do conceito de energia:
interdisciplinaridade e contextualização”, temos um ensaio do tratamento
interdisciplinar dado ao tema energia tomando como exemplo a cadeia
produtiva de cana-de-açúcar na região de Jaú, SP, onde a pesquisa foi
desenvolvida em uma escola local. Biologia, Física e Matemática foram áreas
delineadas para um trabalho com cunho social e cientí co.

Para o ensino de Biologia, a Arte também foi pensada neste livro. No


quinto capítulo, “A cção cientí ca como estratégia interdisciplinar:
aproximando as Ciências e a Arte”, os autores lembram, com Bachelard, que,
embora as Artes se cristalizem no plano sensível e as Ciências no plano formal,
essas duas dimensões são passíveis de serem pensadas no ensino de Biologia
como Estética e como cognição. É interessante anotar neste capítulo o tema
Evolução sendo abordado matematicamente pela função exponencial, o que
mostra a integração entre Estética, Matemática e Biologia.
No sexto capítulo, “Fertilização in vitro e Bioética nos livros didáticos”, as
autoras tocam em um ponto crucial: os livros didáticos na organização do
trabalho docente. Como sabemos, o livro didático tem sido um dos recursos
mais utilizados na ação docente; daí a necessidade de uma análise criteriosa. As
autoras analisam o tema fertilização in vitro e o tratamento interdisciplinar
dado às questões da Bioética. Dos cinco livros analisados pode-se dizer que
ainda não temos uma abordagem social e ética satisfatória para o Ensino de
Biologia.

No capítulo sete, “A construção do conceito de circulação sanguínea e o


Ensino de Biologia” , os autores apresentam um texto elaborado com fontes
primárias, com o tema histórico acerca da circulação sanguínea para o Ensino
de Biologia. Os autores, apoiados em textos históricos, demonstram a riqueza
da História da Ciência para o ensino de conteúdos da Biologia. Traduzem um
saber histórico para o presente enfatizando a integração da História com a
Biologia.

Em “A formação de conceitos cientí cos em aulas de campo: as


possibilidades de aprendizagem segundo Piaget e Vigotski”, capítulo oito, os
autores perguntam: quanta experiência é necessária para que ocorra a formação
de determinado conceito? Há um momento em que seja possível dizer que
ocorreu a aprendizagem? São questões que permeiam o texto, buscando em
Vigotski a formação de conceitos pelo processo de instrução, e em Piaget o
processo de formação cientí ca do conceito conforme a idade dos aprendizes.
Essa preocupação é desenvolvida juntamente com uma investigação sobre a
utilização dos ecossistemas terrestres naturais brasileiros em uma escola
municipal de Bauru, SP. Nesse texto, os autores indicam como podemos
teorizar o desenvolvimento do conhecimento a partir de aulas em campo.

No capítulo nove, “Ensino e aprendizagem de Ecologia em ecossistemas


naturais característicos da restinga de Ilha Comprida, SP”, os autores, pela
análise semiótica peirceana, investigaram o ecossistema da ilha integrando
estudantes de 1 a 16 anos na temática ecológica e cultural da região. Em
contato com ecossistemas, os alunos passaram por um processo dinâmico de
aprendizagem e semiose, “pondo os conhecimentos em prática” e, ao mesmo
tempo, elaborando signos ecológicos.

Desse modo, o livro inicia seu percurso pela discussão do estatuto


epistemológico da Biologia e naliza, após mostrar aos leitores diferentes
possibilidades de Ensino de Ciências e de Biologia, com um exemplo de teoria
semiótica em ação na aprendizagem das mesmas. Um bom livro para os
professores que querem pensar a construção da inteligência e do método
cientí co entre os estudantes, já que este apresenta um objetivo importante na
esfera do ensino e da aprendizagem: mostrar que a experiência e o pensamento
devem ser constantemente reformulados na educação em Ciências das gerações
mais novas. Com o livro percebemos que ensinar Ciências é sinônimo de
ensiná-la como método, como um movimento de pensar e fazer.

Marta Bellini
Epistemologia da Biologia:
uma proposta didática para
o Ensino de Biologia1©

Mariana A. Bologna Soares de Andrade 2


Fernanda da Rocha Brando 3
Fernanda Aparecida Meglhioratti 4
Lourdes Aparecida Della Justina 5
Ana Maria de Andrade Caldeira 6
Introdução

As diferentes áreas do conhecimento cientí co possuem características,


metodologias e objetos próprios que lhes conferem autonomia. Compreender a
Epistemologia de uma determinada Ciência signi ca, entre outros aspectos,
entender os conceitos que lhe oferecem sustentação. A forma como
determinadas áreas cientí cas são construídas deve ser socializada, e um
importante espaço para fomentar o debate sobre a construção cientí ca é o
ambiente escolar. Da mesma forma que a Epistemologia da Ciência contribui
para os cientistas construírem um conhecimento mais consistente de sua área
de pesquisa, os estudos dos aspectos epistemológicos podem contribuir para
um Ensino de Ciências mais signi cativo e integrado.

No Ensino, os conceitos cientí cos ganham novos signi cados adequados


ao contexto em que processos de Ensino e aprendizagem se inserem. Segundo
Sanmartí (2002), embora o conhecimento escolar tenha características
próprias, é importante ressaltar que as discussões que se colocam
principalmente no âmbito da Filoso a da Ciência têm sido consideradas
fundamentais para o Ensino de Ciências. Assim, quando se pensa na Ciência
faz-se necessário não perder de vista os processos de produção do
conhecimento cientí co como atividade humana historicamente
contextualizada, sendo este um dos instrumentos para o trabalho educativo.

Wortmann (1996) recomendou que as investigações que contemplem o


estabelecimento de relações entre a Didática, a Epistemologia e a História da
Ciência sejam intensi cadas para promover a ampliação da compreensão do
conteúdo conceitual das diferentes áreas do conhecimento. Nesse sentido, a
Epistemologia da Ciência passa a ser um importante componente no Ensino de
Ciências.

A partir do reconhecimento dos estudos epistemológicos como uma


importante ferramenta tanto na compreensão dos fundamentos de
determinada área da Ciência quanto para seu Ensino, nosso grupo de
pesquisadores7, procura discutir quais seriam os fundamentos básicos do
conhecimento biológico que se apresentam como necessários na formação de
professores de Biologia. Isto possibilita, a nosso ver, que professores em
formação compreendam a natureza do conhecimento biológico.
Epistemologia da Biologia
O termo Epistemologia é utilizado com diferentes signi cados, dos quais,
um dos adotados por nós é o sentido dado por Lebrun (2006) ao colocar a
disciplina como parte da Filoso a da Ciência, sendo entendida como o campo
de conhecimento que discute os diversos problemas da Ciência, buscando
compreender seus signi cados.

Carneiro (2003) destaca dois tipos de abordagens sobre o signi cado de


Epistemologia. Uma primeira visão de Epistemologia aponta-a como sinônimo
da Filoso a da Ciência e se aproxima do positivismo de Comte. Nesse caso, a
Epistemologia seria o estudo do conhecimento cientí co, considerado o único
verdadeiro. Uma segunda tradição, mais próxima de Kant, de ne o termo
Epistemologia como teoria do conhecimento, isto é, algo que busca
compreender como o sujeito conhece as coisas. Neste sentido a Epistemologia é
o ramo da Filoso a que trata da relação entre sujeito e objeto. O problema de
investigação é o de estabelecer a forma como esse conhecimento é construído
pelo sujeito em sua relação com os objetos e qual o papel da percepção nesta
relação, isto é, saber como o sujeito intervém na organização e na construção
dos objetos que o rodeiam. No sentido contemporâneo a Epistemologia da
Ciência se aproxima dessa segunda visão pela qual todo conhecimento é
entendido como construção cognitiva que emerge da relação entre sujeito e
objeto.

A partir da compreensão de que a Ciência é um processo histórico e social


surgem outros problemas com os quais a Epistemologia da Ciência se
preocupa. Um dos problemas centrais é entender quais fundamentos, conceitos
e metodologias sustentam cada uma das diferentes áreas do conhecimento
cientí co. Algumas de nições de Epistemologia enfatizam este seu aspecto, por
exemplo, no âmbito disciplinar. Japiassú e Marcondes (1996, p. 84) de niram
Epistemologia como “a disciplina que toma por objeto […] as Ciências em via
de se fazerem, em seu processo de gênese, de formação e de estruturação
progressiva”. Nesse sentido, pode-se a rmar que a Epistemologia é o estudo dos
conceitos centrais de uma disciplina que fornece sustentação para a
estruturação sistemática desta como uma área de conhecimento consolidado.
Ainda de acordo com a abordagem da Epistemologia como o estu-do dos
fundamentos de uma Ciência, Lebrun (2006) evidenciou-a enquanto re exão
sobre a natureza e sobre o objeto de uma Ciência. Acrescentou ainda que
quando um estudioso “questiona a Ciência” que pratica, ele está fazendo
Epistemologia. O estilo epistemológico, segundo Lebrun, trata-se da:

[…] atenção dada ao caráter autóctone [próprio] dos princípios que uma Ciência
apresenta e ao caráter singular dessa montagem teórica que permite determinar os
objetos de forma até então inédita – ou seja, […] àquilo que uma Ciência
descobre, sua maneira própria de produzir enunciados ou regras que possibilitam
sua edi cação (LEBRUN, 2006, p. 134-135).

Lebrun (2006) evidenciou que ao fazer Epistemologia o indivíduo está


re etindo sobre um corpo teórico de enunciados relativamente estáveis,
procurando compreender como isso se articula e funciona nesta região teórica,
para que dela possa surgir a própria Ciência.

Ao defender a Epistemologia enquanto disciplina bem fundamentada,


Lebrun (2002) referenciou ao menos duas condições necessárias: cada Ciência
deve ser considerada antes de tudo naquilo que ela tem de diferente e único,
deve ser encarada como um objeto dotado de um funcionamento singular;
nenhuma Ciência deve se apresentar como uma reunião de verdades, mas se
oferecer como tema possível de um exame histórico ou lológico:

a) histórico: as Ciências são aventuras contingentes e suas proposições podem ser


tratadas enquanto acontecimentos […]
b) lológico: é possível conferir-lhes o estatuto de um texto e considerar cada uma
delas como um corpus de fórmulas (enunciados, protocolos, indicações de
pesquisa…) no qual se deposita um trabalho coletivo, cujas articulações exprimem
escolhas ou decisões (LEBRUN, 2006, p. 137-138).

Uma boa Epistemologia deveria, para o autor, destacar as


descontinuidades, rompendo com o discurso da verdade muitas vezes
encontrada nos trabalhos cientí cos. Nesse sentido o estudo epistemológico da
Biologia pode contribuir para a compreensão da construção do conhecimento
cientí co, pois de acordo com Canguilhem (2002), o desenvolvimento da
Biologia tem um “estatuto de descontinuidade”, a história desta Ciência é uma
sequência de rupturas e de invenções. Faz-se, então, necessário, que os
fenômenos biológicos sejam compreendidos por meio da lógica da construção
do conhecimento biológico. Entendemos, desta forma, que ao discutirmos
sobre a Epistemologia, alguns pressupostos dessa Ciência possam ser melhor
compreendidos.
A Biologia como uma Ciência autônoma

Nas pesquisas em Ensino de Biologia podem ser observadas duas questões


frequentes: a fragmentação do conhecimento biológico e a necessidade de
discussão de conceitos fundamentais que estruturem a Biologia como campo
cientí co coerente e uni cado. Ernst Mayr em seu livro Biologia, Ciência única
(2005) fez considerações signi cativas sobre os princípios básicos que regem o
conhecimento e a forma de interpretarmos os fenômenos biológicos. As
considerações desse autor são apresentadas resumidamente a seguir.

A constituição da Biologia como Ciência é recente. Talvez por isso, ainda


hoje, muitos fenômenos próprios desse conhecimento sejam compreendidos a
partir de Ciências que se consolidaram antes da Biologia, como a Física e a
Química. Entretanto, dentro do desenvolvimento da Epistemologia da
Biologia tem-se acentuado as discussões sobre princípios e características
próprias do conhecimento biológico que lhe conferem autonomia. Mayr
explicou que mesmo entre os anos de 1970 e 1980 vários lósofos, tais como
Hull (1974), Ruse (1973) e Sober (1993)8, ainda escreviam Filoso a da
Biologia baseados principalmente no quadro conceitual das Ciências Físicas.
Para o especialista, esse monopólio exercido pelas Ciências Físicas foi
abandonado por alguns autores por perceberem que os fundamentos
estritamen-te sicalistas não eram adequados para a Filoso a da Biologia.
Mayr, já em 1950, compreendia que para uma abordagem satisfatória da
disciplina, seria necessário recorrer aos conceitos especí cos da própria
Biologia.

Mayr explicou que o entendimento da Biologia como uma Ciência


individual do mundo vivo ocorreu, entre outros motivos, pelo reconhecimento
da existência de princípios especí cos da mesma, tais como a complexidade dos
sistemas vivos, a Biologia Evolucionista como Ciência Histórica, o papel do
acaso, o pensamento holístico e a limitação ao mesocosmo9.
Para Mayr, os sistemas biológicos se diferenciam de sistemas inanimados
pela sua alta complexidade, pois são dotados de qualidades como reprodução,
metabolismo, replicação, regulação, adaptação, crescimento e organização
hierárquica. Além disso, são sistemas ricos em propriedades emergentes, pois
novas características ou propriedades podem surgir em cada novo nível de
integração hierárquica. Outro conceito biológico especí co é o de evolução, no
qual se inserem as ideias de variedade populacional e de seleção natural,
conceito introduzido por Darwin e que gera discussões até nos dias atuais.

Mayr destacou que para diferenciar os processos biológicos daqueles que


ocorrem no mundo inanimado precisa-se compreendê-los pela causalidade
dual, na qual os sistemas vivos apresentam um duplo controle, ou seja, estão
sujeitos tanto às leis naturais quanto aos programas genéticos que possuem,
sendo que estes foram construídos ao longo do processo evolutivo.

Pela inviabilidade de experimentos que possam reproduzir os fenômenos


biológicos e dar respostas às questões evolucionistas foi introduzido na Biologia
o método de narrativas históricas, o qual consiste na construção de narrativas
sobre a história evolutiva de determinado grupo de seres vivos. Um exemplo de
narrativa histórica são as considerações em relação à extinção dos dinossauros:

Uma primeira narrativa sugeria que eles haviam sido vítimas de uma epidemia
particularmente virulenta, contra a qual não puderam adquirir imunidade. Uma
boa quantidade de objeções sérias, no entanto, foi levantada contra esse cenário,
que foi assim, substituído por uma nova proposta, de acordo com a qual a
extinção teria sido causada por uma catástrofe climática. […] Quando, porém, o
físico Walter Alvarez postulou que a extinção dos dinossauros tinha sido causada
pelas consequências do impacto de um asteroide na Terra, todas as observações se
encaixaram nesse novo cenário (MAYR, 2005, p. 480).

Depois de construídas, essas narrativas têm seus valores explicativos


testados tanto pela lógica como pela presença de novas evidências.

Um outro aspecto a ser considerado é que as leis presentes nas Ciências


físicas perdem espaço nas Ciências Biológicas devido à complexidade e à
aleatoriedade envolvendo os seres vivos. Para Mayr (2005, p. 50):
O produto de um processo evolutivo é em geral o resultado de uma interação de
inúmeros fatores secundários. O acaso, no que diz respeito ao produto funcional e
adaptativo, é o grande gerador de variação.

Dessa forma, Mayr (2005, p. 46) destacou que os conceitos biológicos


não carregam o caráter de lei como nas Ciências Exatas:

Uma das diferenças mais fundamentais entre biologia e as chamadas ciências


exatas é que nelas as teorias são usualmente baseadas em conceitos, enquanto nas
ciências físicas são baseadas em leis naturais.

Assim, o pensamento reducionista, tão presente no discurso sicalista, não


dá conta de explicar os sistemas biológicos, pois os últimos apresentam
interações entre todos os níveis de organização dos sistemas. Portanto,
decompor em partes menores oferece apenas uma explicação parcial dos
mesmos, “é precisamente essa interação das partes que fornece suas
características mais pronunciadas à natureza, como um todo, ou ao
ecossistema, ao grupo social, aos órgãos de um simples organismo” (MAYR,
2005, p. 51).

A Biologia, para Mayr, encontra relevância nos fenômenos que ocorrem


no mesocosmos. O autor ainda descreveu outros dois mundos, no que
concerne à acessibilidade para os órgãos dos sentidos: o microcosmo, das
partículas elementares e suas combinações e o macrocosmo, de dimensões
cósmicas.

Em resumo, Mayr considerou que fazer uma Filoso a da Biologia implica


concebê-la como uma Ciência que apresenta elementos que a carac-terizam
como uma forma única de olhar o mundo vivo, com características que a
diferenciam de outras Ciências, como a Física, por exemplo.
A Epistemologia da Biologia no contexto do Ensino
A partir da discussão dos princípios elencados no item anterior, tendo em
vista que os acontecimentos biológicos ocorrem de forma integrada, que os
seres vivos apresentam uma complexidade de forma e função, que a evolução
dos seres é um processo capaz de ser interpretado por meio de narrativas
históricas, perguntamos: por que a Biologia, muitas vezes no contexto de
Ensino, é apresentada de forma fragmentada?

Ao falarmos sobre Ensino de Biologia, com frequência nos remete-mos à


ideia dos “blocos fechados” de disciplinas que a compõe, como a Botânica, a
Zoologia, a Citologia, a Ecologia, a Genética, entre outras. Entretanto,
considerando o suporte da Epistemologia da Biologia, essas divisões perdem
seu sentido. Ao estudar o conhecimento biológico por meio de subáreas,
podemos perder a complexidade dos fenômenos biológicos.

Inferimos que a forma fragmentada pela qual a Biologia é apresentada,


tanto no Ensino Médio como nos cursos de graduação, seja uma “cópia” das
linhas de pesquisas que foram se consolidando ao longo do desenvolvimento
das Ciências Biológicas. Na pesquisa, essa fragmentação em um determinado
momento histórico permitiu a especi cidade e o aprofundamento de
determinados conhecimentos, todavia, mesmo na pesquisa, há hoje uma busca
por estudar os fenômenos complexos de forma interdisciplinar. No contexto
escolar, essa interdisciplinaridade deve estar ainda em maior evidência,
auxiliando a produção de um conhecimento integrado pelos alunos.

O conhecimento escolar tem características próprias, assim, para se


estudar as estratégias, conceitos e métodos de uma Ciência, deve-se pensar em
como fazer uma transposição didática adequada. Como a rma Bellini (2007),
os conhecimentos escolares e os conhecimentos cientí cos não são sinônimos,
pois no contexto da escola, a lógica cientí ca está disposta de uma outra forma,
atendendo a interesses sociais mais amplos. No entanto, mesmo considerando
os diferentes contextos dos cientistas e da escola, a autora evidenciou que
podemos aproximar as bases epistemológicas da Biologia às do ensino dessa
Ciência.
Para Bellini (2007), na Ciência Física, por exemplo, os cientistas recorrem
às atividades operatórias, tais como a experimental e a matemática e, quando
nos referimos ao Ensino de Física, muitas pesquisas têm apontado, como
recurso didático, a utilização de processos de experimentação e observação de
fenômenos em sala de aula. Já na Ciência Matemática, os especialistas recorrem
principalmente às atividades dedutivas. Estudos sobre aprendizagem de
Matemática apontam que o processo de cognição de crianças e jovens está
ligado à compreensão e à clareza dos enunciados, às relações numéricas, ao
espaço ou a outro tema da Matemática. Esses estudos, segundo Bellini, que
salientam as diferentes formas de Ensino para as diferentes Ciências não
decorrem somente de debates em torno das questões sobre metodologias de
Ensino, mas também de estudos sobre Epistemologia.

Dessa forma, Bellini (2007, p. 32), recorrendo aos estudos sobre a


Epistemologia da Biologia de Piaget, explicou que em relação às diferenças
epistemológicas, o pensamento biológico tem uma forte tendência
experimental, ou seja, “não pode prescindir dos seres naturais – homens,
animais, plantas”. No entanto, devemos destacar que todo conhecimento é
uma construção teórica em que não há o acesso direto ao mundo real. Ou seja,
também no saber biológico cada observação e experimentação é guiada por
aquele conhecimento que o sujeito já possui. No contexto cientí co, são as
fundamentações teóricas que norteiam a análise de dados.

O conhecimento biológico possui certas especi cidades relacionadas à


complexidade de seu próprio objeto de pesquisa, a vida. Devido à
complexidade dos fenômenos biológicos e à emergência de novas propriedades
em níveis superiores de organização, na Biologia as predições são mais difíceis
de serem realizadas do que na Física e na Química. Se pensarmos, por exemplo,
na teoria sintética da evolução, considerada um eixo integrador dos
conhecimentos biológicos, veremos que ela se apoia em um pensamento
populacional, ou seja, possui uma forma de pensar probabilística. Portanto, as
diversas Ciências diferem em seus aspectos epistemológicos. Não há um
esquema epistemológico único, o que implica, no âmbito do Ensino, na
utilização de metodologias diferenciadas para cada Ciência, e não a adoção de
um padrão metodológico (BELLINI, 2007).

Por meio dos relatos dos alunos de Licenciatura em Ciências Biológicas,


percebemos que algumas questões inerentes à Epistemologia da Biologia não
fazem parte, em geral, do repertório do Ensino e da pesquisa biológica, o que
acaba acarretando em uma formação fortemente empirista e determinista da
Ciência entre professores e pesquisadores, como já evidenciado por alguns
autores, tais como; Harres, (1999); Meglhioratti, (2004); Brando e Caldeira,
(2005); Scheid, et al., (2007).

É necessário que se pratique no ambiente escolar e universitário uma


abordagem que contextualize a Ciência e o conhecimento, em contraposição a
uma postura, tomada por muitos professores e pesquisadores, de conceber o
conhecimento biológico como um conjunto de conteúdos prontos e acabados
organizados em disciplinas. O conhecimento biológico, assim como a educação
cientí ca em geral, deve considerar o caráter dinâmico e vivo dos diversos
processos e contextos ético, histórico, losó co e tecnológico no qual o
conhecimento é produzido. Assim, os estudantes devem aprender além das
Ciências atuais, algo acerca da natureza da Ciência e sua relação com a
existência humana (SILVA FILHO, 2002).

A Biologia possui características próprias e não deve ser reduzida ao corpo


conceitual e teórico de outras Ciências. No entanto, isso não signi ca que ela
não dependa dos estudos realizados em outros campos do conhecimento
cientí co, tais como a física e a Química. A Biologia, ao mesmo tempo em que
está intrinsecamente relacionada com as outras Ciências e é dependente dos
estudos desenvolvidos nelas, apresenta características que lhe conferem
autonomia. Portanto, sem deixar de considerar a interdependência existente
entre as diversas Ciências, tais como as Ciências Físicas, Químicas, entre
outras, não podemos seguir na Biologia o mesmo modelo de Ensino e de
compreensão conceitual das outras Ciências, pois ela apresenta uma
Epistemologia própria.
Um ponto a ser considerado como fundamental para uma mudança na
compreensão do conhecimento biológico é a inserção de discussões
epistemológicas na formação de professores de Biologia e Ciências. Percebemos
nos cursos de formação de docentes, para os diferentes níveis de Ensino, como
ainda estão ausentes as discussões epistemológicas da Biologia e como essa
carência acarreta distorções conceituais que podem, posteriormente, re etir no
Ensino da disciplina, como evidenciaremos no exemplo a seguir.

Em recente discussão com um grupo de mestrandos e doutorandos de um


programa de pós-graduação em Genética, uma das pesquisadoras deste
trabalho pôde perceber como conceitos fundamentais do conhecimento
biológico estão ausentes nos discursos de pós-graduandos, futuros professores
universitários. Em uma aula, na qual os conceitos de Genética estavam sendo
discutidos, o professor indagou como os pós-graduandos explicariam, a partir
da teoria sintética da evolução, algumas questões atuais de Genética, tais como,
o desenvolvimento do sistema de reconhecimento de receptores especí cos para
enzimas. Para a surpresa do professor, e também da pesquisadora, todos os
alunos pós-graduandos entendiam que a teoria sintética da evolução não seria a
melhor forma de explicar a história dos fenômenos biológicos. A melhor teoria
seria, para tais alunos, a do design inteligente10. Percebe-se, na discussão com
os alunos, que a melhor explicação para a complexidade dos sistemas de
receptores seria uma força que teria orientado o desenvolvimento de um
esquema de reconhecimento “tão perfeito”. Nessa situação, o professor
procurou evidenciar aos alunos que esse sistema não é “tão perfeito”, que
possui falhas e é o resultado de um processo de interação biológica sem
tendência à perfeição.

O exemplo citado anteriormente evidencia nossa preocupação em relação


à formação inicial de biólogos e professores de Biologia. Também nos faz
pensar como a concepção empirista/determinista da Biologia, em geral sem
uma re exão sobre aspectos epistemológicos do conhecimento biológico, pode
levar a uma compreensão reducionista da Biologia. Como evidenciou Mathews
(1994), a separação entre a educação cientí ca e a Filoso a resulta em uma
educação distorcida.
Matthews (1995) argumentou que a inclusão de componentes de História
e de Filoso a da Ciência no currículo pode contribuir para huma-nizar as
Ciências e aproximá-las dos interesses pessoais, éticos, culturais e políticos da
sociedade, e também para um entendimento mais integral dos conteúdos
abordados. Isto é, pode haver uma contribuição para a superação do abismo da
falta de signi cação que se diz ter dominado as salas de aula nas áreas das
Ciências, nas quais as fórmulas e equações são recitadas sem que muitos
cheguem, a saber, o que signi cam. Dessa forma, a inserção de discussões de
História e Filoso a da Ciência em cursos de formação de professores possibilita
que, ao chegar à sala de aula, o professor desenvolva uma forma de pensar
coerente com a construção histórica da ciência.
A constituição de um grupo de pesquisas em
Epistemologia da Biologia

A partir das discussões levantadas nos tópicos anteriores, um grupo de


pesquisas em Epistemologia da Biologia foi constituído no início de 2007 a m
de promover um espaço de discussão e pesquisa entre sujeitos de diferentes
níveis de Ensino (graduandos de um curso de Licenciatura em Ciências
Biológicas, pós-graduandos e professores universitários) sobre os aspectos
epistemológicos do conhecimento biológico. Esse grupo foi organizado de
forma que os participantes fossem ao mesmo tempo sujeitos de pesquisa e
pesquisadores. Assim, a partir das discussões geradas, os estudantes de
graduação desen-volvem projetos de pesquisas e Trabalhos de Conclusão de
Curso (TCC) sob a orientação e análise de professores e pós-graduandos.

As discussões e trabalhos desenvolvidos no grupo são orientados pelas


seguintes questões: o que caracteriza a Biologia como área cientí ca especí ca?
Quais são os conceitos centrais e uni cadores do conhecimento biológico?
Qual a contribuição das discussões em Epistemologia da Biologia para o
Ensino desta?

Entendemos que a escolha da Epistemologia da Biologia como tema de


estudos do grupo contribui para a discussão dos conceitos fundamentais da
disciplina, permitindo a integração de uma ampla gama de conceitos
biológicos. Além disso, permite a inserção dos graduandos de um curso de
Licenciatura em Ciências Biológicas em um contexto de pesquisa cientí ca que
não é comumente abordado nos cursos de Biologia e que não está relacionado
com a visão tradicional de cientista/especialista.

Com a nalidade de promover a integração dos conceitos biológicos nas


atividades realizadas pelo grupo de pesquisa, construímos categorias de
organização do conhecimento biológico a partir do referencial teórico da
hierarquia escalar proposta por Salthe (1985, 2001). O autor explicou que,
para a utilização desta abordagem, é necessário estipular um nível focal (no
qual ocorre o fenômeno de interesse), bem como os níveis superior e inferior,
compondo, assim, um sistema triádico. Para Salthe (1985, 2001) o nível
superior estabelece condições de contorno para os processos no nível focal,
enquanto o nível inferior estabelece condições iniciadoras potenciais para os
processos focais. Essa representação poder ser esquematizada da seguinte forma:
[nível superior [nível focal [nível inferior]]].

A partir desse referencial teórico e pensando em uma forma de organizar


os diferentes conceitos da Biologia, estabelecemos, segundo considerações
presentes em Meglhioratti; Caldeira; Bortolozzi (2006), três níveis hierárquicos
de organização do conhecimento biológico [ecológico (ambiente externo)
[orgânico (organismo) [genético-molecular (ambiente interno)]]], tendo o
organismo como ponto focal ancorando as relações entre ambiente externo e
interno. Dessa forma, para entender a organização de um determinado ser vivo
é necessário compreender tanto as relações que ocorrem no próprio nível do
organismo (nível orgânico) quanto as propriedades de restrição do nível
superior (ecológico) e as propriedades geradoras do nível inferior (genético-
molecular) (MEGLHIORATTI et al., 2006).

Por meio da estrutura hierárquica proposta, os conceitos em Biologia são


organizados de maneira que permitam a compreensão de que os fenômenos
biológicos de diferentes níveis de complexidade são interdependentes. Essa
estratégia de organização poderia contribuir para a organização do
conhecimento biológico no contexto da educação básica, uma vez que, o
Ensino de Biologia tem sido alvo de crítica por apresentar os conteúdos de
forma fragmentada.

A organização hierárquica é comum no conhecimento biológico, mas a


interação entre os diferentes níveis de organização não tem sido ressal-tada.
Portanto, ao se dividir os diversos níveis de organização dos seres vivos em
sistemas, tais como células, órgãos, organismos, populações, comunidades,
ecossistemas, a m de melhor estudá-los, a interdependência presente entre eles
não é considerada, evidenciando uma visão estereotipada deste conhecimento,
como um amontoado de conceitos dispersos, desconexos e sem aplicabilidade
na vida real. Somado a isso, não podemos desconsiderar, no contexto de
Ensino, a natureza do conhecimento biológico que apresenta o organismo
como seu principal objeto de estudo, assim como as suas diferentes formas de
organização, das quais propriedades podem emergir fazendo-se necessário o
entendimento da dinâmica complexa que os envolve.

Como o objeto de estudo do conhecimento biológico é o organismo,


entendemos que esse conceito deve ser o nível focal da organização da Biologia.
Assim, como foi explicitado, adotamos nas discussões do grupo três níveis de
organização biológica [ecológico (ambiente externo) [orgânico (organismo)
[genético-molecular (ambiente interno)]]], tendo o conceito de organismo
como ponto focal. Durante o ano de 2007, os debates do grupo, apesar de
abarcar os três níveis de complexidade propostos, teve seu foco de discussão no
conceito de organismo e de vida. No ano de 2008, esse grupo acrescentou
novas discussões teóricas, como o debate em torno do conceito de gene e de
ecossistemas.

No nível focal de organização do conhecimento biológico encontra-se o


conceito de organismo. Este conceito foi trabalhado, principalmente, por meio
da inserção de discussões teóricas advindas da Filoso a da Biologia, tais como a
ideia de auto-organização, de emergência e pela percepção dos seres vivos como
sistemas autônomos inseridos dentro de uma rede evolutiva e ecológica de
relações.

No nível superior da estrutura hierárquica proposta para nortear as


discussões do grupo está o enfoque ecológico. O nível ecológico foi abordado
no grupo por meio das discussões que englobam a interação entre os níveis de
populações, comunidades, ecossistemas e biosfera sem, contudo fazer distinções
fragmentadas e estanques desses tipos de organizações. Percebemos que no
Ensino de Ecologia os diferentes níveis de organização dos seres vivos, muitas
vezes, são apresentados de forma fragmentada, como conjuntos de organismos
que se formam isoladamente uns dos outros, não permitindo ao aluno o
entendimento da rede complexa pela qual esses sistemas se organizam, de
forma interligada e interdependente. As características que só emergem devido
à forma com que esses indivíduos se orientam são descon-sideradas como, por
exemplo, àqueles que se organizam em comunidades. Pensamos então que
temas como interações ecológicas e sucessão ecológica, voltados principalmente
para ecologia de comunidades, fossem pertinentes nas discussões do grupo.

Quanto ao nível inferior ao focal, ou seja, o nível genético-molecular, o


grupo tem problematizado o conceito clássico de gene, promovendo uma
discussão sobre o caráter sistêmico do material genético dos organismos como
uma rede de interações moleculares. Nesse nível hierárquico as alterações são
orientadas por uma concepção sistêmica de gene, ou seja, o material genético
não é mais considerado o fator que determina o organismo, mas sim aquele
que delimita e potencializa os indivíduos por meio de uma rede de interações
possibilitando a emergência de novas características nos níveis superiores. Tais
discussões estão embasadas nas pesquisas atuais em genética molecular, as quais
apresentam o gene como uma estrutura com complexos sistemas de interação.
Resultados preliminares

Apresentamos, a seguir, alguns pontos signi cativos das discussões


ocorridas no grupo, enfocando as diferentes concepções e compreensões dos
participantes acerca da proposta estruturada e apresentada para o
entendimento do conhecimento biológico.

Para melhor caracterizar o desenvolvimento dos encontros do grupo ao


longo dos dois anos de atividades, apresentaremos os dados divididos pelas três
questões já apresentadas nesse texto e que orientaram as atividades: 1) O que
caracteriza a Biologia como área cientí ca especí ca?; 2) Quais são os conceitos
centrais e uni cadores do conhecimento biológico? e; 3) Qual a contribuição
das discussões em Epistemologia da Biologia para o Ensino de Biologia?

Os dados apresentados abaixo foram organizados com base em gravações


de reuniões e entrevistas aplicadas ao longo do desenvolvimento do grupo.
Apresentamos alguns resultados preliminares.

1) O que caracteriza a Biologia como uma área cientí ca especí ca?

No início das atividades anuais do grupo e ao longo de seu


desenvolvimento os participantes entraram em contato com textos
introdutórios da Epistemologia da Biologia e, posteriormente, com discussões
especí cas de cada nível hierárquico. Utilizamos as referências que foram
brevemente apresentadas no início desse texto.

Ao longo das atividades a visão dos alunos sobre a Biologia sofreu


modi cações. Percebemos que os alunos desenvolveram uma visão mais pau-
tada nas concepções próprias dessa Ciência.

Para ilustrar essas mudanças vamos apresentar as considerações dos


integrantes do grupo sobre o papel das interações entre os diferentes níveis de
organização nos fenômenos biológicos. Na Tabela 1 estão as considerações
coletadas no primeiro dia do grupo e no sétimo encontro. Destes dados foram
estabelecidas três categorias:

1. Categoria A: interação modi cando o meio. Nessa categoria, a intera-ção é


tida como uma ação do organismo sobre o meio, sem que os níveis internos do
organismo e os níveis externos sejam considerados;

2. Categoria B: interação modi cando o organismo. Nessa categoria, as


interações dos níveis internos do organismo agem de forma a modi cá-lo, sem
que os níveis externos sejam considerados;

3. Categoria C: fenômenos biológicos como uma rede de interações entre os


diferentes níveis, nos quais todas as partes constituintes têm a possibilidade de
interferir e sofrer interferência de outros níveis.

Tabela 1 – Quantidade de considerações que remetem a cada categoria


sem que seja identi cada a consideração de cada membro do grupo.

Percebemos que no início das atividades do grupo os participantes


tendiam a apresentar explicações mais reducionistas para os fenômenos
biológicos, como evidencia a Tabela 1. Na primeira coluna (Primeiro encontro)
quando questionados sobre fenômenos biológicos a maioria das considerações
tinham um dos níveis hierárquicos como base. As falas abaixo exempli cam,
respectivamente, uma consideração sobre interação que o organismo modi ca
o meio:

A11: interação é quando o organismo interage com o meio.


Uma consideração sobre o meio interno modi cando o organismo:

A11: ele está em um processo, ele se modi ca.


A10: mas como que ele está se modi cando?
A11: por processos bioquímicos, que faz com que ele mude.

As discussões tornaram-se mais aprofundadas em reconhecer os


fenômenos biológicos por meio das interações entre os diferentes níveis de
organização, como podemos ver em uma consideração feita por um
participante do grupo no sétimo encontro:

Pesquisador 2: e como poderíamos pensar o desenvolvimento de um


organismo?

A08: acho que seria importante que se compreendesse a história dessa espécie,
as interações que ocorreram para modi car a espécie […] com o ambiente, as
mudanças genéticas […] e também as interações do próprio organismo.

Assim, por meio de análise dos encontros, inferimos que a visão sistêmica
dos fenômenos biológicos, ou seja, compreender que esses fenômenos ocorrem
por meio de interações entre os níveis passou a fazer parte do discurso dos
participantes.

2) Quais são os conceitos centrais e uni cadores do conhecimento biológico?

Após as atividades iniciais do grupo, nas quais textos introdutórios sobre


Epistemologia da Biologia foram discutidos, as atividades seguiram para um
dos três níveis hierárquicos propostos como base de discussão no grupo. Após
as discussões especí cas de cada um dos níveis, consideramos que o grupo
chegou a uma compreensão de que os conceitos básicos que integram os
fenômenos biológicos são: o caráter evolutivo e ecológico desses fenômenos. As
categorias abaixo apresentam as considerações do grupo em relação à proposta
de estruturar o estudo do conhecimento biológico pelos três níveis
hierárquicos: ecossistêmico, organísmico e genético-molecular.
1. Categoria A: entendem que faltam níveis intermediários na
representação da proposta;
2. Categoria B: entendem que a proposta restringe outras possibilidades
de estruturação;
3. Categoria C: entendem a importância de estudar as relações entre os
organismos por meio de conceitos estruturantes.

Tabela 2 – Quantidades de considerações em cada categoria

Podemos perceber que os participantes do grupo consideram importante


a estrutura proposta para a discussão do conhecimento biológico, entretanto,
ainda percebemos que a estrutura não possibilita a todos os membros do grupo
uma visão sistêmica dos processos biológicos.

Ao propormos um modelo com os níveis de ambiente interno, organismo


e ambiente externo estruturando as discussões, não incluímos os outros níveis
como foi apontado por dois participantes. Percebemos que, mesmo ao longo
das atividades, ainda existe uma tendência dos participantes a se manter em
uma visão fragmentada, restringindo a percepção sistêmica do conhecimento
biológico. A proposta tem como organização estrutural possibilitar o
desenvolvimento de um pensamento sobre os fenômenos biológicos por meio
de uma visão integrada dos diferentes níveis.

Compreender fenômenos biológicos signi ca compreender a história


evolutiva e ecológica de um ou mais sistemas (material genético, células,
organismos, comunidades, ecossistemas etc.) bem como os processos pelos
quais esses sistemas interagiram e interagem e que os caracteriza tal como são.

3) Qual a contribuição das discussões em Epistemologia da Biologia para o


Ensino de Biologia?
Ao apontarmos no início desse texto como um dos problemas do Ensino
de Biologia a forma fragmentada como essa Ciência é ensinada na escola, não
tínhamos e nem temos a pretensão de propor um novo modelo de Ensino, mas
fazer apontamentos que possibilitem ao professor desenvolver nos alunos um
pensamento pautado na lógica da Biologia.

Sabemos que ao propor uma abordagem triádica para a organização do


conhecimento biológico poderíamos também estar fragmen-tando tal
conhecimento. Desta forma, como essa proposta pode trazer contribuições para
a formação de professores e, consequentemente, para o Ensino de Biologia?

Organizar o conhecimento biológico a partir de ideias centrais, como


muitas vezes encontramos no ambiente da escola faz-se necessário, de certa
forma, para o desenvolvimento das atividades escolares, uma vez que a Biologia
aborda uma grande quantidade de conceitos, tais como os que se referem ao
corpo humano, a outros animais e aos vegetais. Tendo como proposta
simplesmente o sistema triádico, estaríamos apenas realizando outro tipo de
fragmentação no Ensino. Entretanto, o que torna essa proposta diferenciada
são as discussões sobre o conhecimento biológico, permitindo entender os
fenômenos pelo seu caráter sistêmico, ou seja, integrativo com a história
evolutiva e ecológica, no qual se incorpora o tempo e o espaço na análise dos
fenômenos.

Nos debates realizados pelo grupo, alguns participantes (que já exercem


atividades de docência) apontam como essas discussões mudaram sua forma de
pensar e também de organizar as aulas. Os pontos levantados foram
organizados em três categorias:

1. Categoria A: entendem a relevância das discussões do grupo


apresentando os conceitos de maneira a mostrar o papel das interações em
determinada característica de um sistema;
2. Categoria B: entendem a in uência do grupo na orientação de
elaboração de aulas com um pensamento próprio da Biologia;
3. Categoria C: entendem a importância das discussões epistemológicas
terem sido aprofundadas por textos de pesquisa recentes em Biologia, o que
possibilitou compreender de maneira mais clara como essa Ciência se constitui.

Tabela 3 – Considerações dos participantes do grupo sobre a in uência


das atividades para a formação de professores.

Esses dados apontam que as atividade do grupo já re etem nas práticas


escolares, pois essas considerações foram feitas por participantes que exercem
atividades em escolas (como professores ou como pesquisadores) contemplado,
desta forma, um dos objetivos do grupo que contribui para o Ensino de
Biologia.
Considerações nais

Entendemos que a apresentação do conhecimento biológico pautado em


um sistema triádico de hierarquia pode ser uma proposta didática para discutir
os conceitos referentes à Biologia de maneira mais integrada. A noção de
interação – fenômeno presente nos e entre os diferentes níveis de organização
dos seres vivos abordados pela Biologia – evidencia-se como conceito central
para a integração dos diferentes níveis de organização biológica abordados no
Ensino.

Se o conhecimento biológico apresenta uma ampla gama de conceitos que


muitas vezes não é viável nem possível de ser abordada conjuntamente,
principalmente quando nos referimos aos diferentes níveis de Ensino, é
necessário que se articule uma metodologia na qual tais conceitos possam ser
entendidos de maneira mais sistêmica. A partir das experiências compartilha-
das no grupo de pesquisa, foi possível perceber que a ideia de interação
perpassa por todos os conceitos biológicos e se evidencia como principal
articuladora dos mesmos.

O desenvolvimento de uma proposta triádica de Ensino e pesquisa no


grupo de pesquisas em Epistemologia da Biologia por meio de discussão de
temas como auto-organização, emergência e sistemas complexos permitiu aos
participantes do grupo um olhar diferenciado para o conhecimento biológico e
seus fundamentos. Inferimos que a tais participantes é oferecida uma
oportunidade de confronto de opiniões sobre a natureza do conhecimento em
Biologia, objetivando desenvolver um olhar investigativo e crítico sobre as
disciplinas que o compõe, permitindo-lhes uma visão integrada do todo
complexo no qual a disciplina está inserida.

Para melhor exempli car como esses conceitos são signi cativos para a
Epistemologia da Biologia e como englobam outras questões também
importantes para a compreensão dessa Ciência apresentamos, de forma breve,
considerações sobre cada um dos níveis hierárquicos.
O nível genético-molecular, – inferior ao organismo (focal) –, e que está
presente em todos os sistemas vivos, deixa de ser considerado determinador das
características do sistema. O material genético carrega grande parte das
informações hereditárias das espécies, ou seja, a sua história evolutiva.
Entretanto, entender como esse material genético possibilita o
desenvolvimento das características dos organismos signi ca compreender que
ele está dentro de uma rede de interações sistêmica, ou seja, que existem
processos de interação com outros sistemas (organelas, células, ambiente
externo etc.). Com as pesquisas atuais em Biologia, sabemos que o material
genético sofre interferência direta do ambiente. Este, tem o papel voltado tanto
para o desenvolvimento dos indivíduos (animais, vegetais, bactérias etc.)
quanto para a emergência de novas características que serão transmitidas aos
descendentes.

No que concerne ao nível ecológico abordamos principalmente os níveis


de organizações de seres vivos compreendidos desde o indivíduo até os
ecossistemas e biosfera. Enfatizamos, tendo como base a Ciência Ecologia, o
conceito de interação, que ocorre tanto entre indivíduos de mesma espécie,
quanto entre indivíduos de espécies diferentes e destes com o ambiente. É
válido ressaltar que ambiente de um organismo, assim como evidenciou Begon
et al. (2007), consiste em um conjunto de in uências externas exercidas sobre
ele, as quais são representadas por fatores e fenômenos que podem ser físicos e
químicos (abióticos) ou mesmo outros organismos (bióticos). Isso posto, ao
abordarmos o nível ecológico enfatizamos a relação entre os seres vivos e seus
ambientes, em uma relação evolutiva, lembrando que por meio da seleção
natural, os organismos se ajustam aos seus ambientes por serem “os mais aptos
entre os disponíveis”, ou “os mais aptos até o momento”, pois eles não são “os
melhores imagináveis” (BEGON et al., 2007, p. 29).

Por meio da descrição hierárquica do conhecimento biológico, considera-


se o ser vivo como ponto central da discussão, assumindo sua unidade e
autonomia por meio das relações engendradas pelos seguintes níveis: [ambiente
externo (ecológico/evolutivo) [organismo [ambiente interno
(genético/molecular)]]]. O organismo compreendido como nível focal da
discussão biológica ressalta a autonomia da Biologia em relação às outras áreas
do conhecimento cientí co, enfatizando-a como uma Ciência do organismo. A
relação entre níveis pode ser modi cada ao longo do tempo, portanto, a ideia
de interação entre ambiente externo, organismo e ambiente interno pressupõe
a ação modi cadora constante de um nível em relação ao outro. Assim, o
organismo não é só modi cado pelo meio, mas também é por ele
transformado. O organismo, nessa perspectiva, não pode mais ser visto como
um ente passivo construído pelo encontro da determinação genética e a seleção
natural. O organismo age e se determina em sua relação com o meio, tendo em
sua organização as marcas dessa interação constante.

1 © Projeto nanciado pelo CNPq.

2 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP,


bolsista CAPES; ([email protected]).

3 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP,


bolsista BIOTA-FAPESP; ([email protected]).

4 Docente da Universidade Estadual do Oeste de Paraná, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde.


Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP;
([email protected]).

5 Docente da Universidade Estadual do Oeste de Paraná, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde.


Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP;
([email protected]).

6 Professora Adjunta do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências, Unesp – Bauru, SP.


Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP;
([email protected]). .

7 Sobre a formação do grupo de Pesquisas em Epistemologia da Biologia, veri car atas do VI


ENPEC – 2007.

8 HULL, D. L. Philosophy of biological science. Englewood Cliff s, Nova Jersey, Prentice-Hall,


1974. RUSE, M.  e philosophy of biology. Londres, Hutchinson, 1973. SOBER, E. Philosophy of
biology. Boulder, Colorado, West View Press, 1993.
9 Entende-se como aqueles fenômenos que ocorrem em um “mundo” intermediário entre o
microcosmo (que engloba os átomos, partículas elementares e suas combinações) e o macrocosmo (que
engloba as galáxias e dimensões cósmicas).

10 Segundo a teoria do Design Inteligente, os fenômenos que ocorrem no mundo e, entre eles, os
fenômenos biológicos, ocorreriam determinados por um Designer Supernatural (MANSON, 2003),
argumento contrário ao do papel do acaso apresentado por Mayr (2005) e aceito por nós.
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A interdisciplinaridade
na educação em Ciências:
professores de Ensino Médio em
formação e em exercício

aís Gimenez da Silva Augusto1


Ana Maria de Andrade Caldeira2
Introdução

A área de Ciências da Natureza, no Ensino Médio, é composta pelas


disciplinas de Biologia, Física e Química. Na Rede Pública Estadual de Ensino,
destinam-se, geralmente, duas aulas semanais para cada uma dessas disciplinas,
tempo insu ciente para desenvolver um conteúdo extenso e complexo, tendo
em vista habilidades e competências para as quais os alunos deveriam ser
formados ao nal do Ensino Médio.

A tradicional abordagem disciplinar baseia-se no “paradigma cartesiano


ou analítico”. Esta parte do princípio que, quando se tem um grande problema
a ser resolvido, deve-se dividi-lo em partes ou em problemas menores. A soma
da resolução dos pequenos problemas (partes) resulta na solução do problema
como um todo. De acordo com essa visão, o saber ensinado nas escolas
também foi compartimentado em disciplinas (ARGUELLO, 1996).

Buscando superar a fragmentação do conhecimento, na área de Ciências


da Natureza, têm surgido diferentes propostas de trabalho que “dão contexto
aos conteúdos e permitem uma abordagem das disciplinas cientí cas de modo
inter-relacionado” (PCN, 1998, p. 27). Essas propostas são denominadas
interdisciplinares.

A Resolução CNE/98 que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais


propõe que o ensino das Ciências Naturais (Física, Química e Biologia)
envolva o caráter interdisciplinar sem deixar de considerar as especi cidades
presentes em cada uma das áreas de conhecimento cientí co. Essa Resolução
aponta o caminho da interdisciplinaridade e o da contextualização para que os
sistemas de ensino possam adequar os conteúdos cientí cos às necessidades dos
alunos e as do meio social.

A interdisciplinaridade, “palavra-chave” nas discussões atuais sobre


Educação, pretende uma abordagem sistêmica do conteúdo, focalizando as
interações entre as partes (Machado, 2000; Arguello, 1996). Essa abordagem
possibilita a visão global do tema, evitando excessiva fragmentação dos
conhecimentos. Portanto, a interdisciplinaridade é “uma intercomunicação
efetiva entre as disciplinas, por meio da xação de um objeto comum diante do
qual os objetos particulares de cada uma delas constituem subobjetos”
(MACHADO, 2000, p. 193).

Segundo Klein (2001), pesquisadora norte-americana, os Estados Unidos


é, ao ponto de ser denominado “o eldorado dos estudos interdisciplinares”, o
país onde existe a maior quantidade de estudos a respeito de práticas
interdisciplinares. Os defensores da educação interdisciplinar norte-americana
argumentam que os alunos e alunas submetidos a essa instrução “estão mais
motivados, mais capazes de lidar com questões e problemas complexos, e mais
engajados em pensamentos de nível mais alto” (KLEIN, 2001, p. 118):

Eles aprendem a ver conexões e a lidar com a contradição. Mostram mais


criatividade e atenção, e até mesmo, quem sabe, melhor assimilação em virtude
das múltiplas conexões, além de ganhar perspectiva em relação às disciplinas
(KLEIN, 2001, p. 118).

Gardner (1999) a rmou que é necessário que o aluno tenha domínio de


algumas disciplinas para estar apto a trabalhar interdisciplinarmente. Libâneo
(2000) concordou com essa visão; a rmando que a disciplinaridade é um passo
necessário à interdisciplinaridade. Logo, o Ensino Médio é o nível da Educação
Básica propício à prática interdisciplinar, considerando que os (as) estudantes já
têm um certo conhecimento das disciplinas provenientes do Ensino
Fundamental.

Segundo Fazenda (2002, p. 23), o movimento interdisciplinar na


educação “é mais atual do que nunca”. A interdisciplinaridade vem se popu-
larizando nas escolas brasileiras, apoiada, porém, em práticas intuitivas, sem o
aporte teórico necessário.

O número de projetos educacionais que se intitulam interdisciplinares vem


aumentando no Brasil numa progressão geométrica, seja em instituições públicas
ou privadas, em nível de escola ou de sistema de ensino. Surgem da intuição ou da
moda, sem lei, sem regras, sem intenções explícitas, apoiando-se numa literatura
provisoriamente difundida (FAZENDA, 2002, p. 34).
Fazenda (2002) ressaltou que os professores e professoras não foram
preparados nas universidades para trabalhar interdisciplinarmente, pelo
contrário, foram formados no paradigma cartesiano e sentem-se inseguros
frente à nova tarefa de integrar as disciplinas.

Para Morin, as reformas educacionais devem ser originadas dos próprios


professores: “trata-se de um trabalho que deve partir do universo docente, o
que comporta evidentemente a formação de formadores e autoeducação dos
educadores” (MORIN, 2002, p. 35).

Por essas razões, decidimos investigar como os professores de Ensino


Médio, da área de Ciências da Natureza, concebem e estrutu-ram a prática
pedagógica interdisciplinar, no curso de formação em serviço, denominado
Pró-Ciências; e, também, quais os pressupostos para a construção de projetos
interdisciplinares no Ensino Médio. O conceito de Efeito Estufa foi o tema
escolhido por ser entendido como um possível eixo articulador entre os saberes
das áreas de atuação dos docentes em questão. Em Biologia, este tema
geralmente é abordado como um fator ambiental quando se ensina Ecologia,
contudo sua compreensão requer o entendimento de conceitos de Física e
Química como os gases-estufa e calor. O tratamento dos conteúdos dessas três
disciplinas de forma integrada possibilita um ensino contextualizado e,
portanto, mais signi cativo.
O Projeto Pró-Ciências

O Programa de Apoio ao Aperfeiçoamento de Professores de Ensino


Médio em Matemática e Ciências, conhecido como Pró-Ciências, foi
nanciado pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior) e pela Secretaria Nacional de Ensino e Tecnologia do Ministério da
Educação (Semtec/MEC), e objetivava a aproximação entre as escolas da rede
pública de ensino e as universidades, a m de ligar a pesquisa produzida nestas
à prática no Ensino Médio.

O projeto Pró-Ciências – desenvolvido na Faculdade de Ciências da


Universidade Estadual Paulista (Unesp), Campus de Bauru – teve como tema
principal “Conceito de Energia: Física, Química e Biologia – uma visão
interdisciplinar”. O referido projeto, que envolveu professores das disciplinas
de Física, Química e Biologia do Ensino Médio das escolas públicas estaduais,
teve início em agosto de 2002 e encerrou em dezembro do mesmo ano. Esse
projeto objetivou promover a melhoria no ensino das Ciências Naturais e suas
tecnologias em nível médio pela articulação do binômio ensino e pesquisa,
tendo como referencial teórico a História e Filoso a da Ciência e utilizando a
Informática como recurso didático na construção das atividades de caráter
interdisciplinar.

Foram selecionados 34 professores das Diretorias de Ensino de Lins e


Marília que iam todos os sábados até o campus de Bauru e reuniam-se das 8h
às 17h. Desses, seis desistiram ao longo do processo. Dessa forma, somente 28
professores concluíram todas as etapas. Na proposta inicial, os docentes seriam
igualmente selecionados entre licenciados em Física, Química e Biologia. Na
seleção dos participantes, as Diretorias Regionais não respeitaram essa
proporcionalidade necessária para um melhor desenvolvimento de um projeto
interdisciplinar, pois muitos professores não eram portadores de diplomas
especí cos para as disciplinas que ministravam. A Tabela 1 apresenta a seguinte
constituição.
Tabela 1 – Formação superior dos professores-alunos que participaram do
projeto Pró-Ciências.

Os professores-alunos tiveram aulas de fundamentação teórico-


metodológica, além dos respectivos conteúdos de Física, Química e Biologia
relacionados ao conceito de energia. Essas aulas foram ministradas por
docentes dos Departamentos de Física e Educação da Faculdade de Ciências.

Após terem cursado as disciplinas, os professores-alunos foram divididos


em quatro grupos que deveriam, obrigatoriamente, ser formados por docentes
das três disciplinas (Física, Química e Biologia) que o projeto contemplava.
Dentro deste tema mais amplo (Conceito de Energia), os professores-alunos
escolheram temas mais especí cos sobre os quais procuraram desenvolver
atividades interdisciplinares para serem aplicadas na sala de aula e publicadas
na página do Pró-Ciências na Internet: wwwp.fc.Unesp.br/~lavarda/procie. O
tema “Efeito Estufa” foi proposto, por ser objeto da presente pesquisa, mas a
escolha dos temas cava a critério dos grupos. Dentre os itens escolhidos, dois
grupos optaram por Efeito Estufa, enquanto os outros dois escolheram como
temas “A camada de Ozônio” e “Produção de energia elétrica e o impacto
ambiental”.

No decorrer do projeto Pró-Ciência, a Secretaria de Estado da Educação


diminuiu o número total de horas previstas de 220 para 120 horas. Sendo
assim, o Pró-Ciências, originalmente previsto para acabar no mês de janeiro,
terminou em dezembro. Para suprir essa diminuição das horas, os professores-
alunos realizaram parte das atividades em casa e as apresentaram nos últimos
sábados destinados ao projeto. Ao nal, o curso totalizou 184 horas, divididas
entre as desenvolvidas na Unesp e nas escolas em que os professores-alunos
lecionavam. A carga horária cou distribuída da seguinte forma: 108 horas
referentes às disciplinas; 72 horas para o desenvolvimento de atividades
didáticas; 4 horas para a apresentação de seminário do projeto nal
desenvolvido pelos professores-alunos.
Concepções de professores sobre a interdisciplinaridade

Na primeira aula do projeto Pró-Ciências, investigamos quais eram as


concepções dos professores-alunos sobre o conceito de interdisciplinaridade,
por meio de questionários dissertativos. A Tabela 2 resume as concepções
desses professores3 a respeito do conceito de interdisciplinaridade.

A necessidade de envolvimento entre as diferentes disciplinas ou áreas do


conhecimento para o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar é quase
um consenso entre os professores-alunos entrevistados, já que 96,4%
mencionou esse aspecto como um dos pilares mais claros e importantes para a
formação do conceito de interdisciplinaridade. Embora atividades
colaborativas, isto é, que envolvam dois ou mais docentes, sejam ideais, um
trabalho interdisciplinar também pode ser implementado por um único
educador disposto a integrar conteúdos de outras disciplinas com os de sua
área.

A maioria dos professores-alunos entrevistados (67,8%) também apontou


a importância de se ter um tema amplo uni cador das disciplinas, ou de
colocá-lo em uma posição supradisciplinar. De fato, o tema a ser estudado deve
estar acima das disciplinas e, ao mesmo tempo, pertencer a cada área dos
saberes que o compõe. A maneira como esse tema será abordado é de extrema
importância nesse tipo de trabalho. Para Machado (2000), a escolha de um
tema pelo qual “bor-boletearão” as diferentes disciplinas ou a tentativa de
trabalho em grupo por docentes apegados aos seus pontos de vista e aos seus
objetos de estudo são os tipos de projetos que os professores geralmente deno-
minam interdisciplinares, mas que, na realidade, não o são. Essa concepção que
o autor nos advertiu pode ser detectada como presente na maioria das respostas
analisadas.

O termo “projeto” é utilizado por 17,8% dos professores-alunos


entrevistados, como disposto na categoria 3. Segundo Machado (2000, p. 2),
“etimologicamente, a palavra projeto deriva do latim projectus […],
signi cando algo como um jato lançado para frente.” O autor ainda apontou
três características fundamentais do conceito de projeto: “a referência ao futuro,
a abertura para o novo e o caráter indelegável da ação projetada”
(MACHADO, 2000, p. 5). Os projetos são inerentes às ações pedagógicas já
que, segundo o autor (MACHADO, 2000, p. 20), “a palavra educação sempre
teve seu signi cado associado à ação de conduzir a nalidades social-mente
pre guradas, o que pressupõe a existência e a partilha de projetos coletivos.”
Portanto, um projeto é de grande importância para o início de um trabalho
interdisciplinar bem-sucedido.

Tabela 2 – Concepções de professores de Ensino Médio participantes do


projeto Pró-Ciências, que lecionam as disciplinas Física, Química e Biologia,
sobre o conceito de interdisciplinaridade.
Percebe-se que as concepções, indicadas na categoria 2, asse-melham-se
àquelas apontadas na categoria 4. Tratam-se de entendimentos de que é
necessário um “nó” capaz de fazer a articulação das disciplinas em questão.
Estariam esses professores em uma fase intermediária do entendimento do
conceito de interdisciplinaridade?

As respostas dos docentes, agrupados na categoria 6, diferem das outras


porque procuram de nir o termo interdisciplinaridade sem se restringir ao
campo educacional, ao se valerem de de nições generalistas como:
“integração/interação entre diversas áreas do conhecimento”.

As concepções apresentadas nas categorias 5 e 7, re etem a falta de


conceituação teórica sobre o tema e demonstram carência de re exões mais
aprofundadas sobre o conceito de interdisciplinaridade.

A seguir, faz-se a análise das respostas dos professores-alunos


entrevistados, em relação à questão: Você normalmente ensina os conceitos
relativos ao Efeito Estufa? De que forma?

Todos os professores-alunos entrevistados responderam a rmativamente a


essa questão. Na Tabela 3 estão agrupadas as formas utilizadas por eles para
ensinar o tema.

A Categoria 1 compreende as respostas da grande maioria dos professores-


alunos entrevistados (85,7%) que a rmaram utilizar textos de revistas, jornais
ou exemplos do cotidiano (“comparações com a estufa de plantas” ou “com o
carro fechado sob o sol”) para abordar o tema Efeito Estufa em suas aulas.
Devido à ameaça de ocorrer um aquecimento global em decorrência do
aumento do fenômeno e das tentativas de algumas nações em rmarem
acordos internacionais para contê-lo, esse tema aparece constantemente na
mídia, e isso pode ser usado como motivador ou “ilustração” para que esse
tópico seja abordado na sala de aula. Vale ressaltar que, frequentemente, jornais
e revistas trazem artigos alarmantes ou catastró cos a respeito do tema e cabe
ao professor auxiliar os alunos na leitura crítica desses textos.

Tabela 3 – Métodos utilizados por professores de Ensino Médio, da área


de Ciências da Natureza, participantes do projeto Pró-Ciências, para ensinar o
tema Efeito Estufa.
Três dos professores-alunos, que a rmaram trabalhar com textos de
revistas e jornais (Categoria 1), disseram que após a leitura dos mesmos,
propõem aos alunos re exões e debates sobre o tema. Na categoria 2 estão
agrupadas as respostas dos professores-alunos que a rmam utilizar recursos
como ilustrações, desenhos, cartazes ou lmes para ensinar esse tópico.
Imagens ou esquemas podem tornar mais fácil a compreensão do fenômeno. A
Categoria 3 engloba as respostas dos docentes que ensinam o tema por meio de
aulas teórico-expositivas. Um deles disse que utiliza recursos como
transparências para retroprojetor ao ministrar suas aulas.

Os docentes que tiveram suas respostas reunidas na Categoria 4,


a rmaram que explicam o tema Efeito Estufa atrelado a outros conteúdos
como a questão ambiental e a ação antrópica no ambiente (no caso dos
professores de Física e Biologia), ligações químicas e termoquímica (no caso
dos professores de Química). Já a Categoria 5, reúne os professores que
utilizam o livro didático para ensinar o tema.

Na Categoria 6, reúnem-se as outras respostas ou metodologias utilizadas


que aparecem uma única vez, isto é, são praticadas por apenas um dos
professores entrevistados. São elas: “a partir das concepções prévias dos alunos”,
“por meio de experimentos”, “mostrando os interesses socioeconômicos e
políticos”, “incentivando observações para que o aluno compreenda o que pode
causar as alterações da temperatura na vida do planeta”, “por meio de
questionário”, “todo e qualquer recurso ajuda”. Sobre essas respostas pode-se
fazer algumas considerações: em relação ao desvelamento das concepções
prévias dos alunos, ressalta-se que isto é apenas o ponto de partida para o
desenvolvimento do tópico de estudo, portanto o professor respondente não
apresentou o método que costuma utilizar para desenvolver o tema. A
a rmação de dois dos docentes (que utilizam experimentos ou observação das
alterações causadas pelo fenômeno) parecem equivocadas, pois não há
experimentos simples, realizáveis na escola, que possam reproduzir o Efeito
Estufa e as alterações causadas pelo fenômeno. Se essas estiverem ocor-rendo,
só serão observadas a longo prazo por cientistas que fazem medições e
observações durante décadas. Nenhum dos docentes entrevistados apontou a
utilização de projetos interdisciplinares ou a integração com outras disciplinas
para abordar o tema.

Na Tabela 4, foram categorizadas as respostas dos professores-alunos para


a questão: Acha que é possível trabalhar um conceito como, por exemplo, o
Efeito Estufa de forma interdisciplinar entre professores e professoras de
Ensino Médio? Como?

Todos os docentes entrevistados responderam a rmativamente a esta


questão. A Tabela 4 apresenta a análise das concepções iniciais dos professores-
alunos em relação às estratégias de ensino para o desenvolvimento de um
trabalho interdisciplinar entre a Física, a Química e a Biologia, utilizando o
conteúdo Efeito Estufa como tema.

Tabela 4 – Concepções de docentes de Ensino Médio, das disciplinas


Biologia, Física e Química, sobre como trabalhar um conceito, como o Efeito
Estufa, de forma interdisciplinar.
A Categoria 1, que compreende uma concepção comum à grande maioria
dos docentes entrevistados (90%), explicita o conceito que os professores têm a
respeito do trabalho interdisciplinar, por exemplo, como uma mesa de
negociações na ONU formada por vários países, em que cada um defende seus
pontos de vista, como a rma Morin (2002). Na verdade, este tipo de trabalho
em que há um tema comum a várias disciplinas, mas, que cada uma delas
desenvolve a faceta do tema que está vinculada ao seu programa de ensino,
utilizando linguagens, métodos e teoria próprios da disciplina, é denominado
multidisciplinar, e não interdisciplinar, pois as barreiras disciplinares se tornam
ainda mais nítidas, ao invés de serem enfra-quecidas. O multidisciplinar
consiste em várias disciplinas desenvolvendo um mesmo tema, mas sem uma
integração efetiva entre elas (MORIN, 2002). Vejamos a resposta de um dos
professores-alunos entrevistados:

Cada um direcionando para a sua área. A Química trabalha causas, efeitos e


consequências (do Efeito Estufa); a Biologia, a interferência no meio; a Física, a
atmosfera; a Geogra a, as áreas de ocorrência; História, fatos ocorridos no
mundo; Português, análise de textos, redação; Matemática, dados estatísticos,
análise de grá cos e Artes, cartazes informativos.

Geralmente, os professores entrevistados destacam o papel de sua


disciplina como o “elo interdisciplinar” entre todas as outras. Por exemplo, o
professor-aluno, citado acima, leciona Química e atribui a esta o ensino das
causas, efeitos e consequências do Efeito Estufa. As outras disciplinas teriam,
então, um papel complementar. Como a rma Machado (2000, p. 17):

O confrontamento de professores que não consentem em abandonar seus objetos


e pontos de vista, […] pode ser a caracterização mais frequente, ainda que
simpli cada, das tentativas de implementação de ações interdisciplinares, e isso
parece claramente insu ciente.

A Categoria 2 abarca os docentes que indicaram metodologias para


subsidiar o trabalho interdisciplinar, como: estimulando o aluno a pesquisar e a
encontrar respostas, por meio de comparações históricas, utilizando, para
tanto, textos transversais ou textos comuns. Como essas metodologias foram
super cialmente descritas, torna-se difícil analisar se elas, de fato, possibili-
tariam o desenvolvimento de trabalhos interdisciplinares, ou se podem ou não
potencializar uma ação genuinamente interdisciplinar, dependendo da
concepção implícita de cada professor.

As respostas dos professores, que estão incluídas nas Categorias 4 e 6, não


satisfazem à questão formulada e, referem-se à importância do tema ou às
di culdades em desenvolver tal trabalho, mas não explicitam como fariam a
relação entre as matérias. Essa concepção pode ser re exo da falta de
compreensão textual ou contextual, mesmo entre docentes, do termo
interdisciplinaridade.

Como já discutimos anteriormente, a ideia de projeto ou planejamento


pedagógico, como descrito na Categoria 3, é de grande relevância para o
desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar, assim como para outras ações
pedagógicas empreendidas na escola. O diferencial dos projetos
interdisciplinares é o envolvimento de educadores de diferentes disciplinas que
vislumbrem a possibilidade de um trabalho em conjunto. Para Fazenda (2002,
p. 74), “[…] existe a necessidade de um projeto inicial que seja su cientemente
detalhado, coerente e claro para que as pessoas nele envolvidas sintam o desejo
de fazer parte dele”.

Um dos pilares que sustentam o aparente consenso em torno da


importância da implantação da interdisciplinaridade no ensino é a crença de
que esta aproximaria os conteúdos escolares do cotidiano do aluno. Apesar de
apenas 3,6% dos docentes entrevistados indicarem essa característica do
trabalho interdisciplinar (Categoria 5), na maioria das vezes, os temas
cotidianos têm caráter indisciplinar, isto é, não se esgotam em uma única
disciplina.

Assim, percebe-se que mesmo tendo concepções “em construção” sobre a


interdisciplinaridade, alguns dos professores entrevistados ainda não sabem
como inseri-las na prática, pois não conseguiram descrever metodologias claras
para o desenvolvimento de um trabalho de caráter verdadeiramente
interdisciplinar. Contudo, como a rmou Lück (1994, p. 79), mais signi cativo
que veri car se uma tentativa de trabalho é ou não interdisciplinar ou
classi cá-la em inter, poli ou multidisciplinar, “é importante, outrossim,
identi car esforços, valorizá-los, e identi car as transformações alcançadas e
orientar o alcance de novos níveis de visão interdisciplinar”.

Na Tabela 5, a seguir, estão agrupadas as respostas dos docentes à seguinte


questão: Na disciplina que você leciona, quais os conteúdos que compreende
estarem relacionados com o tema Efeito Estufa?

Tabela 5 – Conteúdos relacionados ao Efeito Estufa na disciplina que


lecionam, apontados por professoras de Educação Básica, participantes do Pró-
Ciências.
Os docentes entrevistados citaram temas gerais sem especi car qual seria a
relação pretendida entre eles e o tópico Efeito Estufa. Percebe-se que os
professores-alunos optaram por abordar conceitos que tenham certeza de que
estariam relacionados ao Efeito Estufa, evitando, assim, fazer indicações
equivocadas.

Em seus projetos interdisciplinares, produzidos ao nal do Pró-Ciências


para ns de aplicação em sala de aula (wwwp.fc.Unesp.br/~lavarda/procie), os
professores-alunos utilizaram apenas uma pequena parte desses conteúdos
apontados, mas poderiam ter utilizado o tema para tratarem de todos os
tópicos relacionados, desenvolvendo uma abordagem mais ampla do assunto.
Di culdades para o desenvolvimento de projetos interdisciplinares na
escola

Após terem discutido a prática interdisciplinar nas aulas do Pró-Ciências,


os participantes do projeto foram questionados a respeito das di culdades para
a realização de um trabalho dessa natureza. Pediu-se que eles respondessem
quais seriam essas di culdades não só em relação aos docentes, mas também
aos estudantes e aos conteúdos cientí cos. A Tabela 6 permite veri car as
semelhanças apontadas em relação às três categorias anteriormente citadas.

Tabela 6 – Di culdades para a realização de um trabalho interdisciplinar


apontadas por professores de Ensino Médio da área de Ciências da Natureza,
em relação aos conteúdos cientí cos, aos professores e aos alunos.
A maioria dos docentes entrevistados (59,1%) aponta as di culdades em
pesquisar o tema como uma barreira para a prática interdisciplinar. A falta de
tempo ou de acesso a fontes de pesquisa, como Internet ou livros relacionados
ao assunto, os impedem de realizar esse tipo de trabalho. É compreensível que
as condições de trabalho não sejam as mais adequadas, já que muitos
professores têm uma carga de trabalho excessiva (Categoria 29, apontada por
36,4% dos entrevistados e entrevistadas) e são mal remunerados, por isso,
provavelmente, não investem em livros ou outros recursos que os capacitariam.
Daí a importância de projetos como o Pró-Ciências, que pretendeu preencher
esta lacuna na formação de professores subsidiando-os com textos e pesquisas
produzidas nas Universidades sobre temas atuais.

As respostas agrupadas na linha 2 (Categorias 2, 15 e 37) asseme-lham-se


às da Categoria 1: os professores entrevistados apontam a falta de material de
apoio, espaço físico adequado e de recursos para a implantação de projetos
interdisciplinares, além das salas de aulas superlotadas. O número elevado de
alunos na sala de aula apresenta-se como uma di culdade real para o
desenvolvimento de práticas interdisciplinares, mas entende-se que esse não
seja um obstáculo intransponível. Os docentes podem dividir os estudantes em
grupos de forma a facilitar o trabalho.
A falta de recursos materiais ou espaço físico adequado, como sala de
informática, biblioteca ou laboratório, apontada por 59% dos professores-
alunos entrevistados (Categoria 15), é, sem dúvida, um elemento obstante para
o trabalho docente com atividades interdisciplinares. Contudo, entende-se que
na ausência de tais recursos, o professor pode planejar atividades que requeiram
materiais mais simples ou que lhe estejam disponíveis.

A Categoria 23 traz um problema comum a 81,8% dos docentes


entrevistados: di culdades de relacionamento com a direção e/ou coordenação
escolar. Os professores sentem-se intimidados pela administração que, muitas
vezes, os proíbem ou di culta o uso de materiais, como videocassetes e
laboratório de informática. Além disso, atividades que possam causar certa
“indisciplina” por parte dos alunos não são bem aceitas pelos administrado-res
escolares, de acordo com os docentes entrevistados.

Segundo Severino (2001, p. 38), não há uma articulação nas escolas entre
“as ações docentes, as atividades técnicas e as intervenções administrativas”,
merecendo destaque “a hipertro a do administrativo sobre o pedagógico, com
o estranho desenvolvimento de uma postura autoritária e autocrática no
exercício do poder.” Ele a rma, ainda: “Nossa experiência cotidiana das
relações no interior da escola comprova, mais uma vez, que à divisão técnica do
trabalho se sobrepõe uma divisão social, fundada na distribuição desigual do
poder”.

Assim, desvia-se do objetivo escolar central que deveria ser o da


aprendizagem ou o do âmbito pedagógico para um aparente sentido de ordem
na escola, em que não há indisciplina, nem a possibilidade de que os materiais
se deteriorem, a não ser pelo desuso e pela ação do tempo.

A esses fatores soma-se a gura ausente do coordenador pedagógico


(Categoria 23), que deveria ser o elo entre os docentes, coorde-nando as ações
conjuntas, intermediando e subsidiando o trabalho dos professores. Vejamos a
a rmação de um professor-aluno: “Não existe na escola um pro ssional capaz
de coordenar e cobrar da equipe que o trabalho seja realizado.” E de outro: “O
coordenador pedagógico di cilmente apoia o professor porque é desviado para
a função administrativa.” De acordo com Fazenda (2002), nem sempre o
professor consegue fazer sozinho a leitura das limitações e possibilidades de sua
prática. O coordenador pedagógico deveria, portanto, ajudá-lo nesse sentido.

[…] é fundamental o papel de um interlocutor que vá ajudando a pessoa a se


perceber, que vá ampliando as possibilidades de leitura de sua prática docente e da
prática docente de outros colegas. O papel de um supervisor ou de um
coordenador pedagógico é fundamental nesse caso (FAZENDA, 2002, p. 72).

Talvez, a gura ausente do coordenador pedagógico seja um dos motivos


para essa falta de interação entre os docentes nas escolas. Quando o
coordenador pedagógico atua na sua função, isto é, na função pedagógica,
algumas vezes, falta-lhe preparo para propor ações interdisciplinares (Categoria
27). Ele acaba impondo temas, aos quais todas as disciplinas devem se ajustar,
o que, muitas vezes, não é possível e descaracteriza a disciplina e o trabalho
interdisciplinar, tornando-o sem propósitos. A respeito disso, vale ressaltar que

Trabalhar com esta nova loso a integradora signi ca transformar as salas de aula
em lugares onde as questões surgem sem forçá-las, sem ter de recorrer a tarefas
absurdas só porque esta ou aquela disciplina entra em ação […] um plano de
trabalho integrador não pode ser forçado; não é aconselhável buscar em cada
subtópico todos os blocos e áreas de conteúdo, tentando não deixar nada de fora
(SANTOMÉ, 1998, p. 227 e 233).

Os professores-alunos entrevistados apontaram ainda o planejamento não


estruturado e individualizado como um obstáculo ao trabalho interdisciplinar
(Categoria 25). Segundo Lenoir (2001, p. 58), essa é uma das etapas
necessárias à interdisciplinaridade e localiza-se no plano da
interdisciplinaridade didática “que se caracteriza por suas dimensões
conceituais e antecipativas, e trata da plani cação, da organização e da
avaliação da intervenção educativa”.

Outra di culdade apontada pelos professores é a falta de integração entre


docentes e áreas de ensino (Categoria 3). A Categoria compreende uma
di culdade comum a 81,8% dos professores-alunos entrevistados e refere-se,
especi camente, ao relacionamento do corpo docente. A maioria dos
entrevistados aponta a di culdade de trabalhar em grupo e a falta de
comprometimento dos colegas com o trabalho, que se re ete no grande
número de faltas, como um obstáculo para a realização de atividades
interdisciplinares. Isto se soma ao comodismo dos colegas ou o desânimo com
a atual situação pro ssional. Fazenda (2002, p. 86), a rmou que “a
interdisciplinaridade decorre mais do encontro entre indivíduos do que entre
disciplinas”. Daí, a necessidade de um bom relacionamento entre docentes em
uma escola e de um trabalho de equipe. Segundo Santomé (1998, p. 29),
discorrendo sobre o trabalho interdisciplinar, “um corpo docente que pesquise
e trabalhe em equipe é algo consubstancial a esse modelo de currículo”.

A di culdade em trabalhos de grupo não é exclusiva dos docentes. Na


Categoria 38, os professores apontam que a mesma di culdade é sentida pelos
alunos, mas que não impede o desenvolvimento de práticas interdisciplinares.
Entende-se, porém, que é uma habilidade desejável e que pode ser aprendida
tanto pelos docentes, como pelos discentes. Santomé discorrendo sobre a
necessidade de que os alunos tenham um papel ativo no desenvolvimento do
projeto, a rmou:

Essa é uma boa maneira de possibilitar que o grupo de estudantes dessa sala de
aula assuma a responsabilidade pelo planejamento, organização e
acompanhamento do plano de trabalho que se comprometa com a localização de
fontes de informação para resolver os problemas que surgem, programar
experiências, excursões, etc. Deste modo vão aprendendo também algo tão difícil
como planejamento e trabalho em equipe (SANTOMÉ, 1998, p. 236).

Nessa mesma categoria (38), os docentes entrevistados a rmam que os


alunos preferem o ensino tradicional e não recebem bem novas metodologias.
Sobre isso, Santomé (1998, p. 206) argumentou que a escolha dos temas
interdisciplinares deve ter a participação dos estudantes e partir de seus
interesses “gerando novos interesses”. O desa o do professor é fazer o aluno
sentir-se parte do projeto e comprometer-se com ele, a m de que seu
aprendizado seja facilitado. Esse poderia, também, ser um caminho para o
docente solucionar problemas como o comportamento inadequado dos
educandos, a indisciplina, a agressividade e o desinteresse apontados nas
Categorias 22 e 44. A maioria dos professores-alunos entrevistados (78,3%)
apontam o desinteresse dos estudantes como um obstáculo para as práticas
interdisciplinares. Ainda de acordo com Santomé (1998, p. 229):

Não existem interesses inatos, estes são consequência das situações experenciais
nas quais as pessoas estão submersas. […] Isto signi ca que os interesses também
podem ser gerados intencionalmente […] As unidades didáticas integradas devem
ser interessantes para o grupo de alunos ao qual se destinam. Portanto, será
preciso selecionar cuidadosamente os tópicos que sirvam como organizadores do
trabalho na sala de aula e apresentá-los de maneira atraente. O papel do professor
estimulador e acrescentador de novos interesses e necessidades nos estudantes é
fundamental.

As Categorias 6 e 19 também se relacionam às anteriores e se referem à


fala de 13,6% dos docentes, que indicam a necessidade de aproximar os
conteúdos da realidade e dos interesses dos estudantes. Os autores que tratam
da questão da interdisciplinaridade na escola, geralmente, apontam este aspecto
como um dos benefícios a favorecer um tratamento interdisciplinar aos
conteúdos. Os problemas complexos do cotidiano devem ser estudados como
se apresentam na realidade, isto é, não devem ser compartimentados em
disciplinas que tendem a tratar apenas aspectos desses temas relativos aos
conteúdos de seu domínio.

A Categoria 36 compreende as respostas de 43,5% dos docentes


entrevistados que alegam terem os estudantes di culdades em pesquisar por
faltar-lhes acesso a fontes de pesquisa ou porque trabalham (geralmente, os
alunos do período noturno) e por isso não têm tempo para procurar por
referenciais de pesquisa. O trabalho interdisciplinar não depende
necessariamente de pesquisas extraclasse e, portanto, entende-se que esse não
seja um grande impedimento para a realização de atividades dessa natureza. Se
o projeto concebido pelos docentes depender de pesquisas bibliográ cas, estas
podem ser feitas no horário das aulas, em uma visita à biblioteca municipal,
caso a escola não disponha de biblioteca. O próprio professor pode levar
material à sala de aula para que os alunos pesquisem ou ainda há a
possibilidade de realizar pesquisas na Internet utilizando, quando disponível, a
sala de informática da própria escola.
As Categorias 7 e 42 tratam da defasagem nos conteúdos. Os professores-
alunos entrevistados a rmam que os estudantes desconhecem conteúdos que
são pré-requisitos à aprendizagem de outros. Provavelmente, esse não seria um
obstáculo para o trabalho interdisciplinar. Como a rmou Machado (2000),
não existe uma necessidade real de linearidade em relação aos currículos
escolares; na maioria das vezes, é possível aprender um conteúdo sem conhecer
o seu “antecessor”.

Ainda na Categoria 42, semelhante à Categoria 20, os docentes (43,3%)


a rmam que as salas são muito heterogêneas e que o nível de aprendizagem
entre os estudantes de uma mesma sala é desigual. O depoimento de uma das
professoras-alunas é bem ilustrativo: “Os alunos têm todas as di culdades
possíveis de aprendizado, há até alunos semianalfabetos”.

A falta de amparo familiar, citada na Categoria 43, como um empe-cilho


para a aprendizagem que ocorre na escola, poderia ser minimizada se o
professor optasse por realizar a maior parte das atividades em sala de aula,
recorrendo o mínimo possível a tarefas extraclasse. Entende-se que, se fora da
escola os alunos não têm fontes de pesquisa bibliográ ca ou apoio familiar,
convém que essas atividades não sejam incluídas no projeto e que se dê maior
ênfase às práticas educacionais desenvolvidas na própria escola. Portanto, é
importante que o professor conheça a realidade de seus alunos para planejar da
melhor forma as atividades a serem desenvolvidas no projeto interdisciplinar.

A Categoria 45 aborda a constatação docente de que os estudantes não


conseguem relacionar os conteúdos das diferentes disciplinas ou os conteúdos
aprendidos na escola à vivência cotidiana. Para Santomé (1998), sozinhos os
alunos não são mesmo capazes de fazer essas correlações. É necessário que o
professor faça a contextualização dos conteúdos e torne evidentes as relações
entre as disciplinas. As práticas interdisciplinares possibilitam esse tratamento
dos conteúdos.

A experiência tem demonstrado que os alunos não transferem espontaneamente


para o resto das matérias aquilo que aprendem em uma disciplina, nem o utilizam
para enfrentar situações reais nas quais esse conhecimento torna-se mais preciso
(SANTOMÉ, 1998, p.71).
Da mesma forma, o professor-aluno indicado, na Categoria 39, a rma
que as concepções prévias dos alunos são um obstáculo ao aprendizado; desse
modo mostra desconhecer as pesquisas sobre o tema que a rmam que essas
concepções são comuns à maioria dos estudantes, devendo ser o professor o
mediador que procurará promover a mudança conceitual (Bastos, 1998). Sobre
o assunto, Santomé (1998, p. 187) a rmou que “algo consubstancial ao
currículo integrado é que devem ser respeitados os conhecimentos prévios, as
necessidades, os interesses e os ritmos de aprendizagem de cada estudante”.

Nas Categorias 5, 18 e 40, os professores-alunos a rmam que a


quantidade de aulas de Física, Química e Biologia é insu ciente para a
realização de tais projetos. Vejamos a a rmação de uma das entrevistadas: “[…]
sem falar que os conteúdos estão programados e não conseguimos trabalhar
adequadamente com tão poucas aulas semanais. O que é que eu faço com
somente uma aula de Biologia na primeira série do Ensino Médio?”.

O trabalho interdisciplinar apresenta-se como uma possível solução para


esse fato. As disciplinas poderiam trabalhar em conjunto com temas amplos de
maneira que se aproveitasse melhor o tempo.

Dois dos professores entrevistados falaram das di culdades em relação à


distribuição de aulas no currículo que acaba por prejudicar algumas disciplinas
(Categoria 18). Vejamos o argumento de um dos professores entrevistados
quanto à necessidade de: “horários bem programados para as aulas visando a
um melhor aproveitamento do conteúdo pelo aluno […], pois acho
complicado para um adolescente ter aula de Química, Física, Biologia ou
Matemática juntos na sexta-feira à noite.” Relatam que isso ocorre em função
de a direção escolar privilegiar alguns professores em relação ao horário, nos
cursos noturnos.

Os docentes apontaram, ainda, a falta de avaliação do trabalho do


professor para a valorização do bom trabalho como um fator que di culta a
implantação de projetos interdisciplinares na escola (Categoria 26). A rmaram
que não têm respaldo do sistema de ensino, sentem-se desvalorizados e
desmotivados a buscar novas metodologias de ensino frente às condições de
trabalho que estão longe das ideais. Os que procuram melhorias, muitas vezes,
não veem seu esforço reconhecido e são tingidos com as mesmas cores
classi catórias com que foram rotuladas as escolas em que lecionam.

Na Categoria 28, o professor entrevistado mostra-se consciente de que o


principal compromisso da escola é em relação à aprendizagem, porém a rma
que nem todos os colegas de trabalho compreendem isso. Para ele, faltam
objetivos claros que norteiem as ações da equipe escolar.

Na Categoria 14, grande parte dos professores-alunos entrevistados


(77,3%) indica a falta de tempo para se reunir com os colegas, realizar leituras
e planejar atividades interdisciplinares como um obstáculo à prática
interdisciplinar nas escolas. No Estado de São Paulo, os docentes dispõem de
Horas de Trabalhos Pedagógicos Coletivos (HTPC), que deveriam ser
utilizadas para esse m. Contudo, as Categorias 4 e 17 apontam um possível
motivo para muitos professores reclamarem da falta de tempo para a realização
dessas atividades: as HTPC são, muitas vezes, mal utilizadas ou utilizadas para
outro propósito. Vejamos a resposta de uma professora-aluna entrevistada:
“HTPC não é um espaço para se trabalhar a interdisciplinaridade e sim para
ouvir os ditos, ordens, resoluções e deliberações oriundas de instâncias
superiores”.

Na Categoria 4, os docentes entrevistados referem-se à carência de


reuniões pedagógicas ou Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC) para
professores de Química, Física e Biologia. Geralmente, docentes com número
reduzido de aulas no Ensino Médio não têm direito de participar das HTPC, o
que, de fato, di culta a realização de um trabalho interdisciplinar, que depende
da construção coletiva para ser planejado e executado com sucesso.
Reivindicam reuniões entre docentes da mesma área para o planejamento de
atividades em conjunto, pois os HTPC são destinados aos professores em geral.

Outra queixa dos docentes relaciona-se à falta de pessoal de apoio nas


escolas públicas, para digitar avaliações, fazer fotocópias, entre outras
atividades. Isso faz com que o professor tenha que assumir essas funções,
tirando-lhe o tempo que poderia ser utilizado para a discussão e a elaboração
do projeto interdisciplinar.

A Categoria 11 reúne as respostas de 54,5% dos docentes entrevistados


que a rmam desconhecer o conteúdo de outras disciplinas. Esta, realmente, é
uma limitação para o trabalho interdisciplinar que precisa ser superada: a falta
de uma cultura geral da maioria dos docentes, que geralmente desconhecem o
conteúdo de outras disciplinas, já que as universidades oferecem uma formação
muito especí ca. Diversos estudos têm mostrado que, muitas vezes, os
professores possuem as mesmas concepções alternativas de seus alunos, isto é,
não apresentam conceitos cientí cos sólidos (Trumper, Raviolo e Shnersch,
1999). Sobre o fazer interdisciplinar, Fazenda (2002, p. 78) a rmou:

Aquele que se aventura a empreender esse caminho precisa, antes de mais nada,
assumir um sério compromisso com a erudição; e com a erudição em múltiplas
direções. Buscar o conhecimento, uma das atitudes básicas a serem desenvolvidas
em quem pretende empreender um projeto interdisciplinar, só pode ser entendido
no seu exercício efetivo.

Portanto, o primeiro passo para a construção de um trabalho de caráter


interdisciplinar é o cultivo de um saber que transite pelas diversas disciplinas,
isto é, de uma cultura geral ampla pelos docentes que pretendam desenvolver
este trabalho.

A Categoria 12 relaciona-se a 27,3% dos professores que apontam a


di culdade de relacionar os conteúdos das diferentes disciplinas, provavelmente
porque não consentem em abandonar seus programas e currículos disciplinares
que são seguidos rigidamente. Realmente, integrar temas muito especí cos
pode parecer bastante difícil, mas a prática interdisciplinar deve ser aplicada a
assuntos amplos.

A falta de compreensão efetiva do conceito de interdisciplinaridade pode


ser a causa dessas concepções, que são um obstáculo para a sua implantação nas
escolas.
Dos professores entrevistados, 13, 6% a rmaram que os conteúdos não
são selecionados por eles, e que a “Secretaria da Educação impõe a proposta
pedagógica e o professor apenas aplica sem discutir e questionar”. Esta
a rmação de alguns dos docentes é discutível, pois sabe-se que há parâmetros a
serem seguidos, mas o planejamento do conteúdo a ser ensinado é feito pelos
professores na própria escola e os Parâmetros Curriculares Nacionais
incentivam projetos interdisciplinares.

A Categoria 8 relaciona-se à di culdade encontrada pelos professores em


se manterem atualizados em função dos diversos motivos já citados, como falta
de tempo e de recursos nanceiros para pesquisar, para a leitura de livros e
revistas da área, acesso à Internet, en m, atualização por meio de fontes
diversas.

A Categoria 9, citada por um dos entrevistados, mostra que alguns dos


docentes ouvidos consideram a má qualidade dos livros didáticos como um
obstáculo à realização de práticas interdisciplinares. Isso é discutível, pois, os
livros didáticos geralmente são escolhidos pelos próprios professores na rede
pública estadual de ensino e existem livros de boa qualidade. Além disso, eles
não devem ser a única fonte de consulta na preparação de aulas ou elaboração
de projetos.

A rotatividade de professores nas escolas (Categoria 24) também se


apresenta como uma barreira à prática interdisciplinar e poderia ser
solucionada com a efetivação de um maior número de pro ssionais, que
trabalham sob contratação temporária, por meio de concurso público.

O sistema de Progressão Continuada (Categoria 30) adotado nas escolas


públicas estaduais (no Estado de São Paulo) é alvo constante das críticas dos
professores-alunos entrevistados. Analisá-lo não é objetivo do presente estudo,
contudo, os entrevistados não explicam, nos questionários respondidos, como
esse sistema poderia in uenciar negativamente o desenvolvimento de práticas
interdisciplinares.
Na Categoria 31, os entrevistados queixam-se que faltam cursos
especí cos de capacitação e que quando ocorrem são inadequados. Além disso,
os professores não podem frequentar cursos sem que se responsabilizem por
suas faltas. O projeto Pró-Ciência é um exemplo contrário a essas a rmações.
Além disso, entende-se que cursos de formação continuada podem ajudar e
deveriam ocorrer com mais frequência e em melhores condições. Por exemplo,
o projeto Pró-Ciências poderia ter sido realizado na cidade em que se localiza a
Diretoria de Ensino a qual esses professores pertencem, evitando que os
mesmos se deslo-cassem e acordassem tão cedo aos sábados após uma semana
de trabalho. O cansaço foi uma reclamação recorrente durante o curso.
Contudo, vale ressaltar que também cabe ao professor buscar o conhecimento,
elaborar seus próprios projetos e re etir sobre sua prática. Ele não deve esperar
que lhe forneçam atividades prontas, projetos formulados por outros que sejam
aplicáveis a sua realidade. Mesmo porque os projetos devem estar em
conformidade com o contexto ao qual pertencem os docentes, às suas práticas e
ao grupo de estudantes especí co com o qual ele trabalhará. Um projeto
pronto e acabado di cilmente poderá ser transferido com sucesso a outra
situação, outra realidade. Machado (2000, p. 7) enfatizou que essa é uma das
características fundamentais do projeto: “[…] um projeto é a antecipação de
uma ação, envolvendo o novo em algum sentido, mas uma ação a ser realizada
pelo sujeito que projeta, individual ou coletivamente. Em outras palavras: não
se pode ter projetos pelo outro”.

A Categoria 35 também trata dos projetos, porém com outro enfoque. O


professor entrevistado indigna-se com o “excesso de projetos vindos de cima
para baixo, com data e prazo para execução, sem levar em consideração a
realidade local.” A causa deste fato, pode ser a falta de iniciativa do professor
em propor seus próprios projetos ou de se organizar enquanto categoria
pro ssional e se opor a estas imposições.

Nas Categorias 32 e 33, os docentes entrevistados a rmam que não estão


preparados para trabalhar interdisciplinarmente e que têm medo de sair do
tradicional. O projeto Pró-Ciências foi uma tentativa de preencher essa lacuna
na formação desses educadores. Contudo, como a rmou Santomé (1998, p.
66):

A interdisciplinaridade é um objetivo nunca completamente alcançado e por isso


deve ser permanentemente buscado. Não é apenas uma proposta teórica, mas
sobretudo uma prática. Sua perfectibilidade é realizada na prática; na medida em
que são feitas experiências reais de trabalho em equipe, exercitam-se suas
possibilidades, problemas e limitações.

Ainda na Categoria 33, os professores-alunos entrevistados indicam,


como di culdades para a implantação de práticas interdisciplinares, a
preocupação em cumprir os conteúdos pré-estabelecidos. Isto revela a
concepção de que as práticas interdisciplinares devem abordar tópicos alheios
aos previamente impostos e que esses não podem ser contemplados no projeto
interdisciplinar que venham a desenvolver. Ao contrário, as práticas
interdisciplinares devem ser planejadas de acordo com os conteúdos que se
pretenda ensinar nas diferentes disciplinas; não é, portanto, necessário que os
conteúdos considerados fundamentais sejam abandonados.
Trabalhos nais produzidos pelos professores-alunos

Ao nal do curso, os professores-alunos apresentaram os trabalhos que


desenvolveram em grupos. Eles deveriam desenvolver um texto interdisciplinar
sobre um tema de escolha e atividades para serem aplicadas em suas salas de
aula. Entre os temas escolhidos, analisamos os trabalhos dos dois grupos que
escolheram o tema Efeito Estufa e de outro grupo que escolheu o tema
Camada de ozônio, contudo tratou também do Efeito Estufa em seu texto. Os
textos na íntegra estão no site: wwwp.fc.Unesp.br/~lavarda/procie.

A produção dos trabalhos nais foi prejudicada pela diminuição do


tempo destinado ao curso pela Secretaria da Educação. Os trabalhos foram
feitos às pressas e na maior parte do tempo fora da universidade, isto é, nas
escolas ou nas casas dos professores. Por isso, os docentes responsáveis pelo Pró-
Ciências não puderam auxiliar constantemente os educadores na composição
de seus projetos interdisciplinares.

Por tudo isso, os trabalhos nais apresentam diversos problemas como:


utilização de fontes de pesquisa pouco con áveis, cópias de trechos de páginas
da internet, erros conceituais, trechos contraditórios, frases alarmistas típicas de
revistas sensacionalistas e atividades propostas mais mnemônicas que re exivas,
além de explicitarem uma visão positivista de Ciência.

Os textos produzidos abarcam, de fato, várias matérias, contudo as


metodologias e algumas atividades sugeridas denotam a não compreensão do
conceito de interdisciplinaridade. Os professores-alunos, mesmo ao nal do
curso, sugeriram atividades multidisciplinares, isto é, trabalhando as diferentes
disciplinas mas sem uma integração efetiva entre elas.
Pró-Ciências: erros e acertos

Os dados analisados permitiram que chegássemos a algumas conclusões.

A investigação das concepções prévias dos professores-alunos entrevistados


revelou que:

1. Inicialmente, a maioria dos docentes compreendia alguns aspectos da


interdisciplinaridade, mas ainda não tinha construído um conceito sólido sobre o
tema;

2. A rmações como a necessidade de um projeto para a realização de atividades


interdisciplinares, do envolvimento de várias disciplinas e de se ter um tema
amplo a ser estudado são aspectos positivos encontrados nas concepções
emergentes desses professores;

3. Havia, ainda, muitas lacunas e carências conceituais que precisavam ser


supridas para a realização de projetos que fossem, de fato, interdisciplinares e que
pudessem obter bons resultados;

4. Todos os docentes entrevistados a rmaram que já ministravam o tema Efeito


Estufa em suas aulas, contudo não utilizavam de práticas interdisciplinares ou da
integração com outras disciplinas. Foram unânimes na a rmativa de que é
possível construir um trabalho interdisciplinar utilizando o tema Efeito Estufa,
por exemplo;

5. Os métodos citados por eles para a implantação dessas práticas revelaram que,
ainda, confundiam interdisciplinaridade com multidisciplinaridade e
continuavam muito apegados à disciplina que lecionam, a qual consideravam
aglutinadora ou centralizadora na implantação de temas interdisciplinares; não
consentiam em abandonar-se rumo a um objetivo maior.

Após terem discutido a interdisciplinaridade no curso de formação


continuada em questão, foram indagados sobre as di culdades para a realização
de um trabalho interdisciplinar. As respostas obtidas nos levaram a concluir
que:

1. Existem muitos obstáculos relativos aos conteúdos cientí cos que realmente
di cultam a implantação da interdisciplinaridade nas escolas. Entre eles, os mais
citados pelos docentes entrevistados no presente estudo referem-se à falta: a) de
tempo e acesso a fontes de pesquisa; b) de conhecimento em relação aos
conteúdos de outras disciplinas, em consequência de uma formação muito especí
ca nas universidades; c) de recursos ou de material de apoio que trate do tema e,
d) a crença de que nem todos os conteúdos podem ser trabalhados
interdisciplinarmente porque não estão relacionados;

2. Os docentes também apresentam di culdades em trabalhar coletivamente


devido: a) à falta de tempo para se reunir com os colegas e preparar as aulas, já
que as Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo, que deveriam ser utilizadas para
este m, não são adequadamente aproveitadas; b) às di culdades no
relacionamento com a direção e a coordenação da escola; c) à falta de “espírito de
equipe” dos docentes; d) ao pouco comprometimento dos colegas com o trabalho
que se re ete no excesso de faltas; e) à rotatividade de professores nas escolas; f ) à
ausência de coordenação entre suas ações, já que o coordenador pedagógico é
desviado para a função administrativa; entre outras, citadas com menor
frequência. Salienta-se, ainda, que os docentes apresentam muitas desculpas para
justi car a falta de atualização e de conhecimento, tanto cientí co, como
metodológico. Esperam da Universidade a formulação de práticas metodológicas
“prontas”, que possam ser simplesmente aplicadas nas salas de aula;

3. Além disso, os docentes argumentam que os alunos são desinteressados,


indisciplinados, não têm acesso a fontes de pesquisa, não têm amparo familiar,
desconhecem conteúdos que são pré-requisitos, não recebem bem novos métodos
de ensino e estão inseridos em sala de aulas superlotadas. Contudo, os professores
não se colocam como os responsáveis pelo papel de mediadores do processo
ensino e aprendizagem.

Como já foi discutido, realmente existem muitas barreiras para o


desenvolvimento de projetos interdisciplinares, nas atuais condições em que se
encontra o ensino público estadual. No entanto, entende-se que essas não são
barreiras intransponíveis, muitas dessas di culdades podem ser solucionadas
pelos próprios docentes. Estes não devem se acomodar diante das condições
adversas e passar a acreditar que nada pode ser feito. É necessário que lutem
por melhores condições de ensino e, se realmente pretendem implantar novos
métodos de ensino – que possam trazer melhores resultados, como estudantes
mais motivados, mais interessados e com melhores níveis de aprendizagem –, a
interdisciplinaridade apresenta-se como uma opção.
Os professores-alunos entrevistados em nossa pesquisa carecem de
formação continuada ampla, que contemple várias vertentes sobre práticas
pedagógicas e outros temas que possam engendrar novos caminhos para o
desenvolvimento de posturas interdisciplinares. Alguns docentes apresentam
di culdades conceituais mesmo na disciplina que lecionam como observamos
em relação aos conceitos de Efeito Estufa e Buraco na Camada de Ozônio.
Alguns confundiam os dois conceitos. Eles desconheciam, ainda, a importância
das concepções prévias ou alternativas dos estudantes na prática pedagógica,
que já são pesquisa-das há tempo e amplamente disseminadas. Também
tinham um conhecimento limitado a respeito de História e Filoso a das
Ciências.

A carga horária destinada ao projeto Pró-Ciências em questão, não foi


su ciente para suprir todas as necessidades aqui apontadas de formação
docente; contudo, detectamos avanços em relação à História e à Filoso a da
Ciência e a outros pontos fulcrais: re exão a respeito da prática pedagógica,
percepção da importância das concepções prévias dos alunos e a utilização dos
recursos computacionais.

A questão da interdisciplinaridade, um dos objetivos principais desse


curso de formação em serviço, não teve uma abordagem adequada. Apenas um
texto sobre o assunto foi lido e discutido pelos professores-alunos. Este tratava
da interdisciplinaridade no âmbito da pesquisa e não do ensino. Em uma outra
aula tratou-se super cialmente do cartesianismo e da teoria da complexidade
de Morin. Mas não o su ciente para ajudar os professores a formarem
conceitos sobre o tema ou a construírem uma metodologia interdisciplinar para
trabalhar em sala de aula.

Os próprios docentes responsáveis pelo Pró-Ciências não tinham uma


metodologia de trabalho interdisciplinar em suas aulas. Desenvolveram o tema
Energia a partir de um enfoque multidisciplinar, isto é, a partir dos enfoques
da Química, da Física e da Biologia, com os conteúdos ministrados por
professoras das respectivas disciplinas, mas sem uma integração efetiva entre
eles ou um planejamento conjunto.
O projeto Pró-Ciências foi prejudicado, em parte, pela diminuição do
tempo inicialmente planejado por ordem da Secretaria da Educação. Os
professores responsáveis pelo projeto foram obrigados a refazer o planejamento
do curso no seu transcorrer e pouco tempo restou para que os professores-
alunos pudessem trabalhar no desenvolvimento de seus projetos nais. Isto
di cultou o acompanhamento e auxílio dos docentes na confecção desses
trabalhos pelos professores-alunos. Mais uma vez, o administrativo se sobrepôs
ao pedagógico.

Outro fator que prejudicou o aproveitamento satisfatório do tempo foi a


falta de planejamento coletivo e de reuniões, desde o início do projeto, por
parte dos docentes responsáveis pelo Pró-Ciências. No início, as aulas de
Prática Pedagógica e História da Ciência foram repetitivas. Os diferentes
docentes abordaram um mesmo tema porque não sabiam que os colegas já o
haviam tratado.

As reuniões conjuntas que ocorreram, mais ao nal, com o objetivo de


reorganizar o tempo restante, apesar de não contarem com a presença de todos
os docentes, supriram essa falha. Porém, a essa altura, faltavam poucos dias
para o término do curso.

As competências individuais dos professores responsáveis pelo Pró-


Ciências e a qualidade da maioria das aulas ministradas por eles evitaram que o
curso fracassasse totalmente, contudo, faltou integração e planejamento
coletivo. Essas são também di culdades apontadas pelos professores-alunos,
para a realização de atividades interdisciplinares em suas escolas: ausência de
espaços e tempo para os docentes realizarem planejamento coletivo e falta de
integração ou “espírito de equipe” entre eles.

Ao nal, as falhas organizacionais dessa experiência de formação


continuada, a análise das respostas dos professores aos questionários
formulados e os diferentes autores consultados evidenciaram que para um
projeto interdisciplinar ocorrer, no âmbito da ação docente ou didático-
pedagógico, segundo a classi cação de Lenoir (2001), e obter bons resultados,
é necessário que:
1. Todos os envolvidos no projeto tenham o mesmo conceito de
interdisciplinaridade, construído por meio de leituras, re e-xões e discussões
conjuntas sobre o tema;

2. O grupo tenha um objetivo maior que os especí cos de sua disciplina, que
servirá como norteador do trabalho a ser desenvolvido;

3. Os envolvidos no projeto (professores, coordenadores e alunos) elejam um


tema central amplo a ser abordado, que seja de interesse e desperte a motivação de
todos;

4. Seja feito um levantamento de todos os conteúdos, das diferentes disciplinas


envolvidas que se relacionam com o tema, assim como dos recursos materiais
disponíveis e dos diferentes materiais didáticos que poderão ser utilizados;

5. Se construa um texto coletivo ou se utilize de discussões siste-matizadas, a m


de que todos os conteúdos envolvidos sejam do conhecimento da equipe docente,
assim como as metodologias a serem utilizadas, de forma que não reste nenhuma
dúvida;

6. Se elabore um planejamento conjunto de como os conteúdos serão


ministrados, em que sequência, quais os recursos didáticos serão utilizados e como
será feita a avaliação do projeto;

7. E por m, quando o projeto já estiver em execução, que sejam feitas reuniões


periódicas frequentes com todos os envolvidos para avaliar o que foi feito até o
momento e o que precisará ser modi cado daqui por diante.

1 Docente da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Unesp – Jabotical, SP. Doutoranda da


Faculdade de Educação, Unicamp – Campinas, SP, (Apoio Fapesp); ([email protected]).

2 Professora Adjunta do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências, Unesp – Bauru, SP.


Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP;
([email protected]).

3 As respostas de cada professor podem estar agrupadas em mais de uma categoria em todas as
tabelas apresentadas. A porcentagem de cada categoria refere-se ao total de professoras e professores,
por isso a soma dos percentuais das tabelas ultrapassa 100 %.
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Interdisciplinaridade
no Ensino Médio:
a construção de um projeto
coletivo por professores
 

Maria de Lourdes dos Santos1


Ana Maria de Andrade Caldeira2
Introdução

A palavra interdisciplinaridade tem sido usada frequentemente em


diversos contextos e com diferentes signi cados. Atualmente, ouvimos falar em
projetos, planejamentos e equipes interdisciplinares no esporte, na medicina,
nos projetos urbanísticos, na pesquisa e também na área da educação. O que
seria a interdisciplinaridade na área da educação e no ensino? Quais seriam suas
principais características? Quando e por que acontece?

A partir das publicações das Diretrizes Curriculares Nacionais para o


Ensino Médio (DCNEM) em 1998 e dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) em 1999, que trazem uma proposta de reforma no ensino baseada em
mudanças na articulação dos conhecimentos e seus desdobramentos, os
conceitos de interdisciplinaridade e de contextualização passaram a ser
discutidos por educadores de várias instituições de ensino. Embora esses termos
estejam cada vez mais presentes em documentos da área educacional e no
vocabulário dos educadores, a construção e a implantação de uma proposta de
trabalho interdisciplinar na escola ainda enfrentam inúmeros obstáculos.

Diariamente, as pessoas estão em contato com uma grande quantidade de


informações que se referem a fatos e a fenômenos cujo entendimento depende
de conhecimentos cientí cos. Termos como DNA, clonagem, Efeito Estufa,
poluição, transgênicos, entre tantos outros, são veiculados pelos meios de
comunicação. Cada dia ca mais difícil o enquadramento de fenômenos que
ocorrem fora da escola no âmbito de uma única disciplina. O ensino de
Biologia, Física, Química e Matemática (Ciências da Natureza) tem se
constituído em um enorme desa o para professores em diferentes níveis de
ensino. Ao mesmo tempo em que se deseja um ensino mais integrado, observa-
se que na prática ele ainda ocorre de forma fragmentada e descontextualizada.

Este texto é um recorte de uma pesquisa que norteou a dissertação de


mestrado de uma das autoras do presente artigo, desenvolvida em uma escola
pública da rede estadual do estado de São Paulo. Atuando como supervisora de
ensino, desde 2004, observei que, constantemente, professores e escolas
almejam realizar trabalhos interdisciplinares (aulas, projetos etc). Essas
observações ocorreram nos cursos de formação continuada que participei, nas
conversas com professores e diretores, pela análise dos planos de gestão de
várias escolas (9) – nos quais constatei um elevado número de projetos com
intenções interdisciplinares – e pelo acompanhamento que realizei na
divulgação dos resultados de tais projetos no site da Diretoria Regional de
Ensino.

Esses projetos, geralmente reuniam duas ou mais disciplinas e, na maioria


das vezes, eram realizados por tentativa e erro, pois não haviam leituras
envolvendo discussões teóricas sobre a interdisciplinaridade e, também, não
havia uma metodologia pronta sobre a interdisciplinaridade que pudesse ser
oferecida para escolas e professores. Geralmente eram nalizados com a
realização de uma caminhada, uma exposição. Raramente terminavam com um
material escrito e sistematizado em um texto, uma reportagem, um grá co, que
pudesse ser utilizado para desencadear novas ações.

Klein (1998) ressaltou que o ensino interdisciplinar não pode ser realizado
com práticas intuitivas e que cinco grandes temas formam o alicer-ce de uma
teoria interdisciplinar de ensino: pedagogia apropriada, ensino em equipe,
processo integrador, mudança institucional e relação entre a disciplinaridade e
a interdisciplinaridade.

Para Pombo (2004, p. 107, 109), não há uma pedagogia da


interdisciplinaridade que possa ser apresentada aos professores. A
interdisciplinaridade ainda aparece como uma palavra vaga e imprecisa, cujo
sentido não foi descoberto ou inventado. Não há uma receita pronta, fabricada
fora da escola para ser utilizada, na qual o professor poderia se adaptar.

A interdisciplinaridade implica mudanças em relações de trabalho,


caracterizadas pela atuação isolada de pro ssionais, tradicionalmente observada
na escola. Ela deve ser constituída com base em uma prática coletiva, na qual
cada pro ssional, comprometido com a tarefa pedagógica (ato de ensinar)
comum a todos, desenvolva um trabalho conjunto, fundamentado na realidade
concreta da escola.
Para a elaboração de um projeto pedagógico que possa ser construído de
forma interdisciplinar e, ao mesmo tempo contextualizado, faz-se necessário
que a comunidade escolar eleja os objetos de ensino que, presentes no
ambiente da escola, possam subsidiar questões pertinentes e abrangentes da
realidade local. Um projeto é um exemplo interessante para mostrar que a
interdisciplinaridade não dilui as disciplinas, ao contrário, ela mantém a
individualidade de cada uma.

É importante que as Unidades Escolares discutam coletivamente as


possibilidades de realizar projetos interdisciplinares, na proposta curricular do
Ensino Médio, por exemplo, a interdisciplinaridade deve ser compreendida a
partir de uma “abordagem relacional, em que se propõe que, por meio da
prática escolar, sejam estabelecidas interconexões e passagem entre
conhecimentos através das relações de complementaridade, convergência ou
divergência” (PCNEM, 1999, p. 36).

O estudo da cultura da cana-de-açúcar e seus subprodutos (açúcar,


cachaça e álcool), no mercado nacional e internacional, seus aspectos
históricos, econômicos, políticos, sociais, culturais e ambientais a ela
relacionados foi escolhido pelos participantes por ser tratar de um tema amplo
e interessante para um projeto interdisciplinar, pois as análises poderiam lidar
com a complexidade dos problemas muito próximos da realidade dos
envolvidos.

É necessário que essa discussão envolva diferentes olhares, além de agregar


conteúdos de diferentes disciplinas do Ensino Médio. Esse tema poderia ser
desdobrado em outros subtemas como: aquecimento global, mercado de
créditos de carbono, mudanças climáticas, ocupação do solo e produção de
alimentos, o uso da biotecnologia e tantos outros, os quais também poderiam
ser tratados de forma interdisciplinar e contextualizados.
A construção de um projeto na Escola Pública
A Escola Pública, onde o referido projeto foi desenvolvido, está localizada
no centro da cidade de Jaú, na região centro-oeste do estado de São Paulo e
funciona nos períodos da manhã, tarde e noite. É um belo prédio, tombado
pelo patrimônio histórico, construído entre 1914 e 1920 para alunos bastante
diferentes dos atuais, aqueles que eram lhos de pessoas consideradas
importantes na época “os senhores do café”. Atualmente, a escola abriga alunos
trabalhadores e lhos de trabalhadores que, nalmente, conseguiram
frequentar a escola.

A unidade escolar, por se situar na zona central da cidade de expres-siva


atividade comercial, não tem clientela própria e especí ca. Recebe alunos da
zona rural e da periferia da cidade. A maior parte desses alunos, tanto do
período diurno como do noturno, são trabalhadores domésticos, do comércio,
das bancas de calçados e da cultura da cana-de-açúcar. Nos anos de 2003, 2004
e 2005 a escola contou com aproximadamente 1.200 alunos, sendo que 60%
frequentaram o Ensino Fundamental e 40% o Ensino Médio. Nesses 3 anos, os
índices de evasão dos alunos do Ensino Médio caram entre 23% e 25% sendo
que o maior número de alunos que deixou de frequentar as aulas era da 1ª série
do Ensino Médio do período noturno.

Diante desta situação (elevado índice de evasão, alunos que trabalham e


moram na periferia), a equipe escolar (professores, coordenadores e a diretora)
tem mostrado uma preocupação com a qualidade do ensino/aprendizagem de
seus alunos. Diante dos resultados insatisfatórios obtidos pela escola no Sistema
de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) de 2003
e 2004, a minha equipe decidiu investigar quais ações poderiam ser
desencadeadas na unidade escolar para melhorar a aprendizagem dos
estudantes e, consequentemente, os índices.

A equipe escolar procurou, então, a professora da Universidade Pública


(que havia atuado nessa escola, anteriormente) e manifestou o desejo de realizar
um trabalho que promovesse a melhoria da aprendizagem de seus alunos. “Um
projeto surge de uma situação, de uma necessidade sentida pela própria turma
e consta de um conjunto de ações planejadas e empreendidas pelo grupo em
torno de um objetivo comum” (PLANO GESTOR, 2007-2010, p. 92).

Nesse contexto – após discussões realizadas em várias reuniões entre a


representante da Universidade Pública [Universidade Estadual Paulista (Unesp-
Bauru)] e a equipe escolar –, foi estabelecido uma parceria para o
desenvolvimento de um projeto de pesquisa, cujo título era “Avaliação dos
impactos da cultura da cana-de-açúcar: seus subprodutos na região de Jaú”. A
opção pela cana-de-açúcar ocorreu por ser considerado um tema abrangente,
com conteúdos que poderiam ser tratados em todos os componentes
curriculares do Ensino Médio. Por outro lado, alunos e familiares estão
envolvidos, direta ou indiretamente com esta atividade agroindustrial, que
contribui para gerar recursos nanceiros à cidade, por meio da arrecadação de
impostos e do desenvolvimento dos setores do comércio e serviços. Também
foi considerada a relevância atual dos biocombustíveis no cenário nacional e
internacional.

Posteriormente, esse projeto foi apresentado à Fundação de Amparo à


Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e foi inserido no Programa de
Melhoria do Ensino Público. Este programa apoia pesquisas que tenham como
objetivo contribuir para a melhoria da qualidade do Ensino Público no Estado
de São Paulo. Essas pesquisas devem ser desenvolvidas em parceria entre
Instituições de Pesquisas e escolas da rede pública visando desenvolver
experiências pedagógicas inovadoras que possam trazer benefícios imediatos à
escola.

O projeto “Avaliação dos impactos da cultura da cana-de-açúcar: seus


subprodutos na região de Jaú” foi realizado em parceria entre a Escola Pública,
a Universidade Estadual Paulista (Unesp-Bauru) e a Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O grupo era composto por 12
participantes da unidade escolar, sendo que nove professores atuavam no
Ensino Médio nas disciplinas de História, Geogra a, Matemática, Português,
Física e Biologia; a diretora e as duas coordenadoras; cinco docentes da
Universidade Pública, sendo que apenas uma professora atuava diretamente
como coordenadora-geral do projeto e, também, um aluno do curso de
doutorado do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência dessa
mesma instituição. Da Diretoria Regional de Ensino (DRE-Jaú), participou
uma supervisora de ensino, que é a pesquisadora do presente trabalho e que,
neste caso, não era a supervisora desta unidade escolar.

Aqui será apresentado o relato de uma pesquisa inserida no projeto


anteriormente mencionado. Essa pesquisa teve como objetivo investigar como
os participantes se articularam para discutir e elaborar uma metodologia de
trabalho interdisciplinar para o Ensino Médio, cujo tema contextualizador era
“a cultura da cana-de-açúcar e seus impactos sociais, ambientais e culturais”.

Acompanhamos as 17 reuniões realizadas pelos participantes entre


outubro de 2006 e novembro de 2007. Durante esse período, realizamos
anotações, gravações e procuramos acompanhar atentamente todas as
atividades desenvolvidas nas reuniões, tais como leituras, discussões,
organização de materiais, agrupamentos de dados, elaboração de mapas e
grá cos. Em alguns momentos participamos das discussões e também demos
sugestões de como organizar materiais e conduzir algumas ações. Procuramos
registrar tudo que estava acontecendo, mas ten-tamos priorizar as situações
que, no nosso entendimento, seriam mais úteis e interessantes para responder à
questão de pesquisa.

Optamos pela metodologia qualitativa de pesquisa, pois segundo Bogdan


e Biklen (1994), esse tipo de trabalho se caracteriza pelo contato direto do
pesquisador com o ambiente (escola) e a situação investigada. Os dados obtidos
devem enfatizar mais o processo que o produto. Sendo a investigação
descritiva, a análise dos dados ocorre de forma indutiva preo-cupando-se em
retratar mais e melhor a perspectiva dos participantes.
Ações desenvolvidas pelos participantes

Nas primeiras reuniões, os participantes discutiram as di culdades que a


Escola Pública vem enfrentando, com destaque para as seguintes: ausência de
motivação por parte de alunos e professores; elevado índice de faltas de ambos;
evasão escolar, principalmente do período noturno; baixo rendimento da
aprendizagem, apontado pelas avaliações externas como as veri cadas pelo
Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp).
Posteriormente, realizaram leituras e discussões de textos sobre a
interdisciplinaridade, de autores como Ivani Fazenda3 e Jurjo Santomé4.

A partir das leituras e discussões, os participantes organizaram seminários


sobre o tema e zeram uma comparação entre o trabalho que realizam na
escola e as ideias apresentadas pelos autores. Ressaltaram que o trabalho
efetivado acontece de forma isolada com conteúdos abordados de forma
fragmentada e descontextualizada. Fizeram um levantamento do material
didático sobre o assunto e prepararam um banco de dados com revistas, livros,
jornais, artigos cientí cos, dados coletados com alunos, sites etc. Todo material
foi agrupado em arquivos para ser consultado pelos participantes e para dar
subsídio à abordagem do tema em sala de aula.

Os professores elaboraram um questionário contendo, entre outras, as


seguintes questões: Você acha que a cultura da cana-de-açúcar causa impactos
na região de Jaú? Se sim, quais são e como ocorrem? Elas foram respondidas
pelos alunos do Ensino Médio da referida escola.

As respostas dos alunos às questões anteriormente mencionadas foram


aresentadas durante uma de nossas reuniões com os professores na escola em
que o projeto foi desenvolvido. Neste mesmo dia, propusemos a eles que
formassem grupos de acordo com suas áreas de conhecimento (por exemplo,
Ciências Naturais, Ciências Humanas) e que elaborassem projetos
interdisciplinares que pudessem ser desenvolvidos em sala de aula. O grupo de
Ciências Naturais, composto por professores de Biologia, Física e Química,
sugeriu que fossem abordados conteúdos comuns a essas disciplinas, tais como:
temperatura, calor, fotossíntese e respiração.

Em seguida, solicitamos a realização de um mapa conceitual geral, isto é,


que envolvesse todas as disciplinas. O conceito central a ser desenvolvido na
elaboração do mapa foi o de energia. Na construção deste, os professores
estabeleceram os conteúdos que seriam ministrados em cada disciplina e
planejaram atividades que seriam desenvolvidas nas primeiras séries do Ensino
Médio.
Resultados

Os resultados aqui apresentados são decorrentes da coleta de informações


realizada durante as reuniões com os participantes do projeto. O processo de
análise dos dados qualitativos é extremamente complexo, envolvendo
procedimentos e decisões, que não se limitam a um conjunto de regras a serem
seguidas. A formação de categorias também envolve métodos variados. Neste
caso, procuramos utilizar como referência as questões que estavam diretamente
relacionadas à interdisciplinaridade e ao tema contextualizador. No entanto,
outras surgiram a partir dos conteúdos e dos registros realizados, especi cando
ou expan-dindo as categorias iniciais.

Após exaustivas leituras dos registros, os dados coletados durante as


reuniões foram agrupados em três categorias. Sendo assim, optamos por
elementos que na nossa percepção foram considerados relevantes no
desenvolvimento do processo de construção de uma metodologia de trabalho
interdisciplinar para o Ensino Médio e que desta forma poderiam responder à
nossa questão de pesquisa. Passo à descrição e à análise das categorias gerais e
suas subcategorias.

A – Na primeira categoria geral estão agrupadas as ações, organizações e


problemas relacionados à infraestrutura que se re etem em obstáculos para a
construção de um trabalho interdisciplinar na escola.

Tabela 1 – Categoria 1 - Obstáculos apontados pelos professores para a


realização de um trabalho interdisciplinar no Ensino Médio.
As di culdades para a realização de trabalho interdisciplinar podem ser
classi cadas em dois focos: a formação realizada de maneira fragmentada, linear
e descontextualizada dos pro ssionais da educação e as condições de trabalho a
que estão submetidos. As condições de trabalho podem ter vários
desdobramentos, dentre eles questões relacionadas à jornada de trabalho, como
o número excessivo de aulas em várias escolas, o que acarretaria falta de tempo
e de oportunidade para reuniões com os colegas a m de pesquisa, estudo e
preparação de aulas, assim como a falta de pessoal de apoio para auxiliar no
trabalho – bibliotecários, técnicos para o laboratório de Ciências Naturais e
para a sala de Informática.

Também ressaltaram a necessidade de haver alguém quali cado para


coordenar e cobrar as ações desenvolvidas, porque nem sempre é possível à
própria pessoa perceber as diferentes leituras da sua prática. “Nesse sentido é
fundamental o papel de um interlocutor que vá ajudando a pessoa a se
perceber, que vá ampliando as possibilidades de leitura da sua prática docente e
da prática docente de seus colegas” (FAZENDA, 2007, p. 72).

Mencionaram que a estrutura e a organização da Rede Estadual de Ensino


não facilitam a discussão e a elaboração de práticas interdisciplinares na escola.
Destacaram que é necessária a manutenção de equipamentos como
computadores e impressoras, além de funcionários quali cados para trabalhar
na biblioteca e no laboratório de Ciências Naturais, pois essas ações poderiam
facilitar as condições de ensino. Admitiram, também, que são meros executores
de ações pensadas e idealizadas por outros pro ssionais, como disse um dos
professores: “fazemos coisas sem pensar […] somos meros executores de ações
pensadas por outras pessoas que não conhecem a realidade da escola”,
referindo-se ao número elevado de projetos que a SEE enviou para as escolas
em 2006, sem considerar a realidade nem a necessidade de cada uma delas.

Os professores referiam-se às relações de poder verticalizadas dos órgãos


superiores; diretrizes e regulamentos impostos por instâncias superiores e
repassadas para funcionários e professores sem discussão ou re exão. Como
nada era pensado, planejado, re etido ou discutido coletivamente, esses
pro ssionais não se sentiam responsáveis pelo processo de
ensino/aprendizagem, pelo fracasso e muito menos pela mudança. Desta
forma, tudo dependeria do outro (do colega, do diretor, do supervisor, da
família, da Secretaria da Educação). Isso se torna mais evidente quando a
responsabilidade pelo fracasso escolar é atribuída ao aluno e a sua família, pois,
na escala de poder do sistema educacional, estes são os que detêm o menor
poder de barganha.

Alguns professores ressaltaram que a sua formação inicial e o modo como


as escolas organizam o, trabalho, também são obstáculos para a realização de
trabalhos interdisciplinares. A maioria dos professores teve uma formação
organizada em disciplinas fragmentadas e lineares. Muitos deles nunca tiveram
a oportunidade de discutir questões relacionadas à interdisciplinaridade, como
disse um dos professores: “ co inseguro, porque ninguém sabe exatamente o
que é a interdisciplinaridade”, evidenciando, assim, a di culdade de pensar
interdisciplinarmente, quando toda formação e aprendizagem ocorreram
inseridas em um currículo organizado por compartimentos e
descontextualizado, no qual as atividades de sala de aula não tinham relação
com a realidade.

B – Nesta categoria selecionamos aspectos que consideramos potenciais para a


realização de um trabalho interdisciplinar.

Tabela 2 – Categoria 2 - A interdisciplinaridade como possibilidade


alternativa para motivar e otimizar a aprendizagem dos alunos
É possível constatar que os professores almejam a interdisciplinaridade
(itens 2 e 8) porque acreditam que a aprendizagem do aluno seria otimizada e
poderia dar uma base forte para o desenvolvimento do trabalho em equipe, e
desta forma o trabalho do professor poderia ser facilitado. Por outro lado, essa
equipe escolar demonstrou que não estava satisfeita com os resultados
alcançados pelos alunos do Ensino Médio: os observados em sala de aula e
aqueles cujos índices das avaliações externas evidenciaram.

Os programas curriculares tendem a ser cada vez maiores, mais disciplinas


são inseridas, como ocorreu recentemente no Ensino Médio da Escola Pública
da Rede Estadual, no qual foram acrescentadas as disciplinas de Filoso a e
Sociologia. Desta forma, foi destinado um número menor de aulas às outras
disciplinas como Química e Física. A organização escolar colabora de forma
acentuada para a fragmentação do saber, mas por outro lado tenta procurar
uma solução e a interdisciplinaridade é uma delas. Sobre essa questão, destacou
Pombo:

Em contraposição à sobrecarga do currículo escolar dos alunos (alargamento dos


programas, aumento do número de disciplinas etc.), a aspiração interdisciplinar
emergente entre os professores corresponde ao desejo de uma prática de ensino
que aponte no sentido da articulação e do cruzamento dos saberes disciplinares,
que suscite a con uência de perspectivas para o estudo de problemas concretos,
que restitua ao objeto de experiência comum a sua dignidade enquanto objeto de
estudo, que possibilite alguma economia de esforços e até mesmo uma melhor
gestão de recursos, por exemplo, no que diz respeito ao controle de repetições
fastidiosas, à análise de dados, à utilização de instrumentos ou à recolha de
informação proveniente de diversas disciplinas (POMBO, 2004, p. 118).

Desta forma, a interdisciplinaridade poderia proporcionar uma economia


de tempo e trabalho, resolvendo, assim, algumas questões das quais tanto se
queixam os professores: listas extensas de conteúdos, reduzido número de aulas
destinado a algumas disciplinas etc. A prática interdisciplinar também poderia
colaborar para a otimização da aprendizagem, como acredita a maioria dos
docentes. Além disso, ela poderia colocar os educadores para que discutissem
possibilidades de melhoria do processo de ensino e, consequentemente, do
aproveitamento dos alunos.

Para Severino (1998, p. 39), “a superação da fragmentação da prática da


escola só se tornará possível se ela se tornar o lugar de um projeto educacional
entendido como o conjunto articulado de propostas e planos de ação com
nalidades baseadas em valores previamente explicitados e assumidos”, ou seja,
de propostas e planos fundados em uma intencionalidade, mas, como temos
observado, a intenção não é algo claro e consistente. No meio da burocracia
institucionalizada e das dezenas de ordens desencontradas emitidas pelos órgãos
superiores, ca difícil saber qual é exatamente o escopo reservado para a escola.
Um dos professores disse que os Parâmetros Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio (PCMEM) fornecem uma diretriz, mas como torná-la adequada
à realidade de cada estado, de cada município? Para ele, as as alterações
curriculares são de competência da Secretaria Estadual de Educação.
Consideramos que, na perpção desse professor, os docentes não têm autonomia
para, por exemplo, popor projetos interdisciplinares diferentes daqueles que são
sugeridos pela Secretaria. Observamos que esse pensamente é comum a outros
professores, que o expressaram da seguinte forma: “recebemos ordens, fazemos
tudo sem pensar”. Essas falas são, a nosso ver, re exos da falta de diálogo entre
as dierentes instâncias do sistema educacional que, aos poucos, vem mitigando
a autonomia do professor e aumentando a sua des-crença com relação às
orientações para o desenvolvimento de projetos.

Os trabalhos realizados pelos subgrupos evoluíram de maneira diferente: o


grupo de Língua Portuguesa foi o que mais se destacou, pois, desde o início, já
havia delineado uma ideia da construção de um jornal ou de um vídeo, que
seria o produto nal do projeto. Apresentou também formas de trabalhar todos
os tipos de texto e se dispôs a se “encaixar” nas atividades dos outros grupos,
mostrando-se exível em relação aos assuntos e estratégias para o trabalho
interdisciplinar.

O grupo dos professores de Matemática apresentou bastante di culdade,


porque não conseguia “enxergar” as possibilidades de trabalhar os conteúdos da
disciplina dentro do projeto e do tema. Entretanto, a partir da reunião nº 7, as
ideias caram mais claras e, nalmente, o grupo decidiu o que e como fazer,
pois a chave estava em trabalhar dados levantados pelos outros grupos.

Durante o período de discussão, os alunos foram indagados sobre várias


questões que os professores consideraram relevantes para a realização do seu
trabalho, por exemplo: se as famílias estavam envolvidas direta ou
indiretamente no trabalho da cultura da cana-de-açúcar; quais eram as
concepções de energia que os alunos já tinham. O levantamento desses dados
foi de extrema importância para subsidiar os professores na organização de
alguns aspectos do trabalho.
Como já foi discutido anteriormente, há obstáculos para o
desenvolvimento de projetos interdisciplinares. A forma de organização da
Rede Estadual pode ser um aspecto que di culte a implantação e a
implementação de projetos interdisciplinares, pois a mesma organiza o tempo e
os espaços pedagógicos com uma visão disciplinar: matrizes curriculares,
horários de professores e alunos, contratações de docentes, organização dos
horários diários e semanais. Nas atuais condições, a interdisciplinaridade até
pode acontecer, mas vai depender muito do esforço e da boa vontade da equipe
escolar.

É desejável que a formação continuada não aconteça paralela ao cotidiano


da escola, mas, se possível, ser realizada no cotidiano, na realidade concreta.
Esse projeto, como foi realizado, representa uma das formas de capacitação no
cotidiano da escola, porque partiu das necessidades percebidas pela equipe
escolar. Geralmente, os professores cam mais atentos em relação às alterações
de suas práticas, quando se possibilita a análise e a re exão dos aspectos do
trabalho realizado. Não basta repensar teoricamente a prática docente, é
necessário transformá-la em ações. Essas ações, quando re etidas no coletivo,
podem tornar-se novas ações.

Os professores, quando estão insatisfeitos com o trabalho realizado e


admitem essa insatisfação (parece que é o caso desse grupo de professores),
“reúnem potencialidades para promover algum tipo de mudança na sua prática,
mesmo sabendo das condições adversas que permeiam o trabalho na Escola
Pública” (Santos, 1997, p. 33). Neste sentido, seria interessante que a SEE
proporcionasse ações descentralizadas e diferenciadas de capacitação em serviço
e que atendesse aos anseios e às necessidades desses professores.

Para Santomé (1998), atualmente, a interdisciplinaridade e as práticas


educacionais integradas estão baseadas na internacionalização da vida social e
econômica, política, cultural, religiosa e militar. “Entender o signi cado das
propostas curriculares integradas obriga-nos também a levar em conta as
dimensões globais da sociedade e do mundo em que vivemos, estar atento à
revolução informativa e social na qual estamos imersos” (SANTOMÉ, 1998, p.
83).
C – Nesta categoria foram incluídos os elementos que permitiram re etir sobre
o tema contextualizador, escolhido pelos professores.

Tabela 3 – Categoria 3 – O tema contextualizador: preocupações e


expectativas em relação a sua inserção no processo ensino/aprendizagem.

Os professores indicaram a necessidade de aproximar os conteúdos da


realidade e do interesse dos alunos. Os autores que tratam da
interdisciplinaridade na área educacional dizem que esse aspecto favorece o
trabalho interdisciplinar e contextualizado na escola. Questões do cotidiano
podem ser estudadas como se apresentam na realidade. Por exemplo, esse
projeto sobre a cultura da cana e seus impactos será tratado por diferentes
disciplinas, mas com um “olhar” integrado, porque os acontecimentos são
entrelaçados, ocorrem juntos. A realidade não é separada em Química, Física,
Literatura, Política e Economia. O fenômeno, ou o fato, é único. Essa
separação ocorre no campo do estudo dos fenômenos, ou dos fatos.

Sobre a contextualização, podemos observar:


É importante, também, que o professor perceba que a contextualização deve ser
realizada não somente para tornar o assunto mais atraente ou mais fácil de ser
assimilado. Mais do que isso é permitir que o aluno consiga compreender a
importância daquele conhecimento para a sua vida, e seja capaz de analisar a sua
realidade, imediata ou distante, o que pode se tornar uma fonte inesgotável de
aprendizado. Além de valorizar a realidade desse aluno, a contextualização permite
que o aluno venha a desenvolver uma nova perspectiva: a de observar sua
realidade, compreendê-la e, o que é muito importante, enxergar a possibilidade de
mudança (BRASIL, 2006, p. 35).

A contextualização poderia proporcionar uma situação facilitadora da


aprendizagem, por meio da qual o aluno vai aprendendo a estabelecer relações
entre conceitos, fatos e fenômenos estudados em diferentes disciplinas. Desta
forma, o trabalho docente pode ganhar novo signi cado, facilitando formas de
ensinar e aprender. Assim, o aluno não aprenderia o conteúdo isoladamente,
mas poderia fazer relações e sínteses, aprender a partir do vivido e realizar
pontes entre outros conhecimentos adquiridos.

O tema escolhido pelo grupo é polêmico e, ao mesmo


tempo,apaixonante, pela riqueza de conteúdos e ideias, que poderão ser
tratados durante o desenvolvimento do projeto. Para discuti-lo é necessário
olhar para além do canavial, descobrir que, atrás dessas plantas se esconde um
universo cheio de contrastes: riqueza e pobreza, alta tecnologia e exploração de
mão de obra barata; privilegiados e desfavorecidos; latifundiários e sem terras;
tecnologia nacional e interesses internacionais, entre tantos outros. Isso cou
evidente em algumas dúvidas citadas pelos professores como P9: “Será que ser
o maior produtor mundial de álcool é bom ou ruim?” A resposta é complexa,
pois está sujeito à inúmeros fatores e vai depender do enfoque, do olhar, isto é,
de como o tema será tratado pela equipe de professores dentro dessa
perspectiva interdisciplinar.

Por outro lado, a equipe docente deve estar convencida e satisfeita com o
trabalho que vai realizar, pois poderá enfrentar problemas de aprendizagem
e/ou de comportamento em suas aulas, uma vez que, os alunos e alunas são
bastante sensíveis em perceber até que ponto os seus professores estão
convencidos das tarefas propostas.
A equipe escolar escolheu o tema por várias razões, entre elas, o fato da
região ter se tornado um pólo sucroalcooleiro e um imenso canavial.
Analisando as falas, é possível perceber que alguns professores demonstraram
certa di culdade em trabalhar com alguns aspectos do tema escolhido, como
disse um deles: “Tenho até medo de ler matérias produzidas pelo Movimento
dos Sem Terra (MST) e por alguns sindicatos”. É bastante preocupante para o
desenvolvimento de um projeto para alunos do Ensino Médio, quando um
professor declara que tem medo de ler certo tipo de texto.

A escola é o local onde é necessário trabalhar com a pluralidade de ideias,


com pessoas que têm pensamentos diferentes, en m, um local para o debate,
para as discussões com objetivo de fortalecer cada vez mais a cidadania e a
democracia. Diante dessa situação, ca complicado imaginar um aluno ou
aluna “sem terra” ou membro de um sindicato, como por exemplo o dos
cortadores de cana, participando das discussões durante a aula dessa professora.

O processo educacional precisa apoiar-se nos interesses dos alunos e


alunas, gerando, assim, novos empenhos. Sobre os interesses dos alunos
Santomé, ressaltou:

É preciso levar em conta que nem sempre os estudantes proporão projetos de


interesse educativamente valiosos. Um bom projeto curricular tem de ser
prazeroso e educacional ao mesmo tempo; tem de propiciar uma certa
continuidade nos aprendizados, tornando-os compatíveis com os requisitos de
relevância mencionados (Santomé, 1998, p. 206).

Um dos desa os dos professores e professoras é fazer com que os alunos


sintam-se parte integrante do projeto e comprometam-se com ele, pois assim o
aprendizado seria facilitado. Talvez esse fosse um dos caminhos para resolver os
problemas de indisciplina e desinteresse, dos quais tanto os professores quanto
as professoras se queixam. Isso não quer dizer que a escola e o professor façam
apenas aquilo que os alunos desejam, pois o compromisso principal é com a
aprendizagem e o conhecimento. Desta forma, deve haver um ponto de
equilíbrio entre todas as partes.
Para fazer a mediação entre o aluno e o objeto de conhecimento, é
necessário que o professor acompanhe o processo de ensino e de aprendizagem
do aluno e procure entender o seu caminho, o seu universo cognitivo, afetivo e
cultural. É fundamental que o professor tenha clareza da sua intenção
pedagógica, para saber intervir no processo de aprendizagem e garantir que os
conceitos sejam compreendidos e sistematizados pelos alunos. É desejável o
esforço de todos os segmentos da escola: professores, direção, coordenação,
supervisão e funcionários para que a mesma se constitua em espaço de
aprendizagem, contri-buindo para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e
cultural de seus alunos.

O desenvolvimento desse projeto é um desa o para todos os pro ssionais


da escola, mas poderá viabilizar ao aluno um modo de aprender baseado na
integração dos conteúdos de várias áreas do conhecimento e a busca do
aprendizado por conta própria, ganhando certa autonomia e tendo condições
de entender as várias faces de um contexto.

O projeto também pode colaborar para a descoberta de estratégias, a m


de que os alunos construam subprojetos para discutir uma problemática do seu
cotidiano ou de um assunto de seu interesse. Desta forma, o aluno passaria a
interessar-se pelo projeto e seu aprendizado seria facilitado. É o que disse P8:
“quando se está interessado, se aprende depressa” e também é uma forma de
aproximar os conteúdos escolares da realidade dos alunos. Na construção de
uma proposta de trabalho interdisciplinar, existe a possibilidade de romper
fronteiras e estabelecer elos entre as diferentes áreas do conhecimento, em uma
situação contextualizada de aprendizagem.

Os professores zeram inúmeros questionamentos sobre a


interdisciplinaridade, o que pode representar uma forma de buscar novos
caminhos como disse P12: “temos que fazer um teste piloto, pois os resultados
podem nos dar pistas de prosseguimento, dar outras respostas ou trazer muitas
perguntas”. Isso mostra que essa situação gera certo desconforto para o
professor, porque é diferente do trabalho que ele faz no dia a dia, que pode não
ter resultados tão e cientes na aprendizagem, mas ele já sabe como fazer.
Outro questionamento dos professores refere-se às imensas listas de
conteúdos de todas as disciplinas curriculares, como disse P1: “não se pode
perder o conteúdo da aprendizagem”. A interdisciplinaridade não tem a
intenção de eliminar os conteúdos das disciplinas, ao contrário, ela não pode
existir sem estes, ainda mais, alimenta-se deles. Os currículos escolares, como
nós os conhecemos atualmente, são lineares e formados por muitas disciplinas.
Frequentemente, tem-se a impressão de que o ensino de determinados
conceitos está atrelado a abordagens de coneitos anteriores. Contrária a essa
in exibilidade e linearidade curriculares, o estabelecimento de rede
proporciona uma mobilidade a organização dos conteúdos e seria um elemtno
facilitador para a construção de um trabalho interdisciplinar.

A postura de um grupo de professores diante dessa tarefa, a da construção


de uma proposta de trabalho interdisciplinar, é bastante complexa, pois o
trabalho gera angústia, inquietação, falta de paciência, mas também
colaboração e alegria em descobrir algo novo.

Diante de um objetivo comum é necessário conviver com as diferenças e


com a pluralidade das ideias. Abrir mão de algumas angústias e negociar
algumas exigências, pois cada um tem uma trajetória de vida pessoal e
pro ssional e traz consigo desejos e expectativas diferentes. Nesse caso, talvez
tenham que desconstruir o papel de professor transmissor que realiza um
trabalho solitário e individualizado e tentar construir outro papel, mais
re exivo, mais colaborador, daquele que troca ideias no coletivo. E,
provavelmente, terá que abrir mão de uma situação que poderia ser
considerada confortável, mas que se reconhece, não estava surtindo os
resultados almejados.

Um dos acertos deste trabalho foi agrupar, em um mesmo projeto,


pro ssionais de vários segmentos: professores, coordenador, diretor, supervisor
e representante da Universidade, neste caso, a professora era também a
coordenadora do projeto. O papel exercido pela coordenadora foi de
fundamental importância para o desenvolvimento das atividades do projeto.
Ela encarregou-se de colocar dúvidas e provocações sobre algumas situações e
de dar orientações, em momentos que parecia não haver saída para uma
determinada situação. Por outro lado, também fazia cobranças do grupo,
quando parecia que algo se desviava do caminho traçado, preli-minarmente. A
pesquisadora colaborou como consultora da legislação e da burocracia escolar.

Os participantes desse projeto tentam construir um caminho, de acordo


com a realidade e suas possibilidades. Organizaram uma equipe, estabeleceram
diálogos para que todos soubessem o que cada um estava realizando na escola.
Durante as reuniões, as discussões sobre a interdisciplinaridade situaram-se na
dominância dos problemas da escola e sobre o tema contextualizador.
Elaboraram mapas conceituais, por área de conhecimento e com o tema geral,
estabeleceram os conteúdos que serão tratados no 1º ano do Ensino Médio,
organizam atividades coletivas e continuam trabalhando com o objetivo de
construir uma proposta de trabalho interdisciplinar.

O resultado dessa pesquisa demonstra que para a implantação de projetos


interdisciplinares também é necessário realizar estudos teóricos sobre o assunto,
pois a teoria pode proporcionar um embasamento sobre as concepções de
interdisciplinaridade. “Há na literatura indicação do que não é
interdisciplinaridade, como um alerta para evitar que se usem velhas práticas
com nova denominação” (LUCK, 2007, p. 54). Desta forma, é necessário que
a equipe escolar realize leituras e discussões sobre o tema, antes de iniciar
qualquer trabalho que tenha a intenção de ser interdisciplinar, não basta “jogar
um tema” para a escola e/ou para os professores e solicitar que realizem
trabalhos interdisciplinares.
Considerações nais
Pelas observações das reuniões e análise dos dados coletados foi possível
concluir que ao iniciar as discussões, os professores já tinham realizado leituras
sobre alguns aspectos da interdisciplinaridade, principalmente nos documentos
o ciais e entendiam que professores de várias disciplinas poderiam trabalhar
com um mesmo tema.

Com o transcorrer das reuniões e com as discussões realizadas, os


professores ressaltaram que para realizar um trabalho interdisciplinar: a) o
trabalho teria de ser realizado em equipe e que esta deveria se reunir
constantemente; b) que os integrantes do grupo deveriam ter o mesmo objetivo
e para o sucesso do projeto interdisciplinar, algumas necessidades deveriam ser
supridas e apontaram, então, alguns obstáculos para a realização de um
trabalho dessa natureza.

À medida que o tempo foi passando e as reuniões acontecendo, ocorreu


uma re exão sobre a prática realizada, comparada com a prática considerada
idealizada. As queixas e reclamações diminuíram, os professores começaram a
trabalhar objetivando a elaboração de um projeto interdisciplinar com um
tema contextualizador.

Após as leituras, observações e análise dos dados, a interdisciplinaridade


poderia ser considerada como um movimento das disciplinas ao redor do tema
contextualizador. Os professores organizariam um levantamento dos conteúdos
das diferentes disciplinas que se relacionassem com o tema e dos recursos
materiais existentes na escola e na comunidade.

Para desencadear as primeiras ações, os professores poderiam construir um


texto coletivo sobre o assunto ou utilizar um texto de jornal ou revista para
trabalhar em sala de aula. Os alunos fariam a leitura e discutiriam o texto
coletivamente e, posteriormente, escreveriam indivi-dualmente um texto sobre
o tema em questão. Os textos dos alunos seriam recolhidos e lidos por todos os
professores envolvidos, que fariam um levantamento dos conteúdos e ideias
pertinentes a cada disciplina.
Posteriormente, os professores organizariam discussões sobre as propostas
e os conteúdos, fazendo diferentes combinações, integrações e conexões,
convergentes ao tema contextualizador, dependendo do professor e do grupo
de alunos. Também planejariam a transposição didática coletivamente. Após a
aplicação das atividades na sala de aula, a equipe se reuniria para avaliações
frequentes, para planejar outras ações e tomar um novo rumo, caso fosse
necessário. Nesse contexto, o trabalho seria realizado individual e
coletivamente.

O desenvolvimento das ações interdisciplinares em sala de aula poderia ser


realizado em diferentes etapas e de diferentes maneiras, pois tudo depende das
características do professor, do tema escolhido e do grupo de alunos.
Entretanto, alguns pressupostos básicos devem ser respeitados como: de nição
dos objetivos e do problema, desenvolvimento (estudos, entrevistas, tabulação
de dados) e avaliação para redirecionamen-to das ações, se houver necessidade.

O trabalho realizado pelos professores até o presente momento nesta


unidade escolar se caracteriza ainda como multidisciplinar, entretanto, os
professores admitem que algumas transformações já ocorreram. Mencionaram
que aprenderam alguns conceitos relacionados a outros componentes
curriculares e que, com as atividades desenvolvidas, alguns alunos já conseguem
estabelecer relações entre o que está sendo tratado em um componente
curricular com outros componentes.

Finalmente, realizar uma pesquisa sobre a interdisciplinaridade é uma


tarefa complexa, porque é necessário “olhar” não só para os dados levantados,
mas para além deles, pois nada acontece isoladamente, tudo está entrelaçado.
Não é possível separar questões como: políticas públicas; história da
humanidade, do conhecimento e da educação; corporativismo; interesses
atrelados ao conhecimento cientí co e tecnológico; dependências nanceiras,
culturais e econômicas. Diante do exposto, alguns elementos são necessários
para a implantação de um bom projeto interdisciplinar, ou seja, que possa ser
viável, que seja compreendido por todos os atores, que todos sejam
corresponsáveis e envolvidos nas ações. É necessário, também, um suporte
institucional e nanceiro, com recursos de nidos, acompanhamento e
constante avaliação para veri car se os objetivos estão sendo atingidos.

1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência da Universidade


Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Unesp – Bauru, SP; ([email protected]).

2 Professora Adjunta do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências, Unesp – Bauru, SP.


Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP;
([email protected]).

3 FAZENDA. C. A. I. Didática e Interdisciplinaridade: uma complementaridade incontornável.


In: Didática e Interdisciplinaridade. 2. ed.,Campinas: Papirus, p. 45-75, 1998.

4 SANTOMÉ, Jurjo. Globalização e Interdisciplinaridade. Porto Alegre: Artmed, 1998.


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2.ed. Campinas: Papirus, 1998.
O processo de ensino e aprendizagem
do conceito de energia:
interdisciplinaridade e contextualização

Ana Maria de Andrade Caldeira1


Eliane Cerdas Labarce2
Marcelo Luis Aroeira Rosella3
João José Caluzi4
Introdução

A pesquisa aqui apresentada começou a ser delineada quando os


professores de uma escola pública realizaram um diagnóstico inicial sobre o
interesse de aprendizagem dos alunos. Perceberam que eles ansiavam por aulas
contextualizadas, abordando temas do seu dia a dia, bem como o uso de
laboratórios didáticos para o ensino de conceitos cientí cos. A discussão dessas
necessidades apontadas pelos alunos e de outras sinalizadas pelo conjunto de
professores da escola motivou-os a pesquisar metodologias para o ensino de
conceitos cientí cos e matemáticos a partir de problemas complexos, presentes
na realidade vivenciada pelos alunos e professores.

Esses professores entenderam que precisavam elaborar uma proposta de


trabalho interdisciplinar na escola que fosse contextualizada por um tema de
interesse dos alunos e que este permitisse ser amplamente explorado
didaticamente por todas as disciplinas do Ensino Médio. Assim, chamaram
pesquisadores da Unesp que começaram a participar das discussões dos
professores e os conceitos de interdisciplinaridade e contextualização passaram
a ser debatidos. Sabemos que esses conceitos estão cada vez mais presentes em
documentos da área educacional e no vocabulário dos educadores, entretanto, a
construção e a implantação de uma proposta de trabalho interdisciplinar na
escola ainda enfrentam inúmeros obstáculos.

Os projetos temáticos desenvolvidos nas escolas de educação básica,


frequentemente, têm por objetivo a articulação entre os conteúdos das diversas
disciplnas curriculares. Ao buscar essa integração, os professores revelam uma
preocupação em ampliar as possibilidades de relação entre os saberes que, via
de regra, os alunos apresentam di culdades em estabelecer a partir de
disciplinas isoladas.

No entanto, apesar dos múltiplos projetos de ensino integrado de


Ciências Naturais que estão sendo desenvolvidos, não temos como a rmou
Pombo (2004) uma “pedagogia da interdisciplinaridade”. Muito se escreve
sobre a importância do ensino interdisciplinar e sua potencialidade para a
signi cação de conceitos cientí cos pelos alunos, porém, as pesquisas descritas
não fornecem elementos que nos permitam sistematizar uma pedagogia para o
ensino interdisciplinar. Ou seja, a prática didática é utilizada, mas perde muitas
vezes sua e cácia pela falta de sistematizações e re exões mais profundas. O
entusiasmo dos alunos e dos professores acaba sendo entendido como o sucesso
do processo de ensino e aprendizagem. Mas sabemos que a super cialidade
pode dominar as relações estabelecidas e os conteúdos cientí cos não são
compreendidos a ponto de que outras signi cações possam ser constituídas.

Na ótica da didática, essa questão nos leva a pensar sobre a pesquisa na


formação de professores como um conjunto de saberes necessários em que
comporte estudo de elementos constituintes relativos ao tema proposto, bem
como selecionar subsídios teóricos essenciais direcionados à prática dos
professores em sala de aula.

Com o objetivo geral de desenvolver um programa de investigação


voltado ao Ensino Médio, contemplando os problemas ambientais em relação
aos impactos da cultura de cana-de-açúcar e seus subprodutos na região de Jaú,
o projeto envolve também o desenvolvimento dos conhecimentos especí cos
das disciplinas com procedimentos também especí cos de cada área e, por
outro lado, contempla a articulação interdisciplinar desses conhecimentos
propiciada pelo tema comum.

Responder às necessidades da vida contemporânea, desenvolvendo


conhecimentos de maneira ampla que permitam uma melhoria na cultura geral
e uma visão coerente dos aspectos que envolvem a cultura da cana-de-açúcar e
de seus derivados, sobretudo (especi camente para a área de Ciências da
Natureza) a importância da produção do álcool combustível – fonte de energia
renovável e, na sua utilização nal nos tanques dos automóveis, menos
poluente em relação à gasolina –, é contribuir para uma formação lógica,
argumentativa e, essencialmente, para uma formação geral bem fundamentada,
um aprendizado com caráter prático e crítico em que os saberes matemático,
cientí co e tecnológico sejam condição de cidadania e não uma prerrogativa de
especialistas.
O Ensino de Ciências Naturais cumpre, portanto, o papel de, ao ensinar
conceitos cientí cos, estabelecer relações mais amplas com as questões
socioambientais. As bases do pensar lógico devem ser estruturadas não de
maneira asséptica e fria, mas eivada de sentimentos e apoiada em discursos de
argumentação construídos pelos próprios alunos no ressigni car de suas
experiências. Pensamos em um processo de aquisição de novas signi cações no
interior do contexto de relações. A metáfora da rede ajuda-nos a entender
como seria a aquisição do conhecimento. Cada “nó” dessa rede seria
representado por “sínteses de signi cação” que, no contexto vivencial e na
interação entre locutores e receptores, são estabelecidas. Esses “nós” seriam
possibilidades contínuas de geração de novos interpretantes. Apresentam a
potencialidade de gerar outros interpretantes mais complexos, generalizáveis,
que se apresentem como possibilidade de compreender o objeto em estudo.
Conceitos cientí cos são, pois, de nidos como enunciados lógicos e
argumentativos, construídos por mediação de linguagens e constantemente
atualizados por uma comunidade (de especialistas, professores etc.) na e pela
experiência (CALDEIRA, 2005).

Se desenvolvermos bem os conhecimentos mais amplos e abstratos,


permitiremos não somente uma melhor visão dos impactos da cultura da cana-
de-açúcar, mas propiciaremos uma melhor visão de mundo, haja vista que os
impactos ambientais são temas de interesse mundial e a universalida-de dos
conteúdos permitirá as mais diversas aplicações.

Garantir aos professores atuar de maneira mais e ciente diante de


circunstâncias imprevisíveis do dia a dia no ambiente de aprendizagem torna-se
um meio precioso na formação docente, para proporcionar a vivência regular
de experiências interativas, levando os professores a analisarem suas próprias
investigações. Assim, a pesquisa que propomos envolveu o compromisso sócio-
político de formar professores comprometidos com os valores democráticos que
fomentem a participação coletiva da comunidade escolar, por meio da
discussão e re exão dos problemas a serem levantados, visando ao
desenvolvimento de valores e atitudes voltados aos eixos: ético, estético,
comunicacional, socioeconômico, político-cultural, cientí co-tecnológico e
ambiental, sem os quais não se garantem a plena formação de cidadãos.

As discussões do grupo de professores evoluíram para a seleção de temas


contextualizadores e o planejamento do trabalho interdisciplinar. Esses dois
eixos constituíram o objeto da nossa investigação, isto é, avaliar os impactos da
cultura de cana-de-açúcar e seus subprodutos na região de Jaú, com a
nalidade de subsidiar o ensino e a aprendizagem de forma inter e
multidisciplinar. Passamos, pois, a descrever o processo de elaboração desses
eixos pelos professores da escola pública de Ensino Médio.
O tema contextualizador

A seleção do tema contextualizador foi feita em função do interior do


estado de São Paulo estar coberto de plantações de cana-de-açúcar para a
produção de álcool e açúcar. Muitos alunos são oriundos de famílias de
trabalhadores agrícolas e todos convivem com os efeitos da queima da palha da
cana na poluição ambiental e na saúde dos moradores. Trata-se, pois, de uma
questão de vivência dos alunos. O tema “os impactos da cultura da cana-de-
açúcar” foi considerado relevante pela equipe escolar e pelos pesquisadores da
universidade, porque esta região possui um grande número de destilarias e
usinas de açúcar e álcool. Por outro lado essa atividade agroindustrial também
gera recursos nanceiros para a cidade por meio da arrecadação de impostos,
desenvolvimento do comércio e prestação de serviços.

Introduzida no Brasil no século XVI, o cultivo da cana-de-açúcar ocorreu,


inicialmente, principalmente no nordeste brasileiro (Pernambuco e recôncavo
baiano) e na região sudeste (São Paulo), onde foi instalado o primeiro engenho
produtor de açúcar, em 1533. Pero de Magalhães Gandavo, em seu livro
Tratado da Terra do Brasil, escrito possivelmente em 1560, con-tabilizava
naquela época 62 engenhos de açúcar, assim distribuídos:

1. Região Nordeste: • Itamaracá: um engenho e dois em construção;

• Pernambuco: vinte e três engenhos, dos quais três ou

quatro em construção;

• Bahia: dezoito engenhos;

• Ilhéus: oito engenhos;

• Porto Seguro: cinco engenhos.

2. Região Sudeste:
• Espírito Santo: um engenho;

• São Vicente: quatro engenhos.

A lavoura canavieira naquele período inicial da colonização brasileira


estava concentrada no nordeste. “Em meados do século XVII, o Brasil tornou-
se o maior produtor de açúcar de cana do mundo, na época destinado ao
abastecimento da Europa, em um ciclo que durou 150 anos (RODRIGUES e
ORTIZ, 2006, p. 5)”. Para saber mais sobre a introdução da cana-de-açúcar no
Brasil, ver Mendes Jr; Roncari et al., 1991. No século XIX, os engenhos de
açúcar entram em decadência – descrita nas obras Menino de Engenho, 1932;
Doidinho, 1933; Banguê, 1934; Moleque Ricardo, 1935; Usina, 1936; Fogo
Morto, 1936, do escritor brasileiro José Lins do Rego (1901-1957), nascido na
cidade de Pilar, interior da Paraíba. Naquele século a cultura da cana-de-açúcar
foi substituída pela do café como principal produto de exportação brasileira. A
principal área de produção cafeeira instalou-se no sudeste brasileiro,
principalmente no interior do estado de São Paulo.

Um novo ciclo surge na década de 1970 com a crise do petróleo. Em


1975, o governo brasileiro lança o Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool).
Esse programa tinha como nalidade produzir um biocombustível que fosse
alternativo à gasolina. Com o programa, várias áreas foram bene ciadas com
aporte de verbas: a indústria automobilística (desenvolvimento de um motor
para o etanol combustível), as usinas produtoras de álcool (aumento da produ-
tividade). O programa teve seu auge entre 1986 e 1989 quando 90% dos
automóveis fabricados no Brasil eram movidos a álcool.

Na década de 1990, devido a problemas de gerenciamento, o Pró-Álcool


entrou em crise, sendo retomado novamente no início de 2000. A partir do
Pró-Álcool a região produtora desloca-se para a região sudeste e o estado de São
Paulo torna-se o maior produtor do Brasil de cana, álcool e açúcar.
Atualmente, o estado abarca 88 por cento do volume de cana-de-açúcar, 89 por
cento de álcool e 90 por cento de açúcar produzido no Brasil. Para mais
detalhes ver Rodrigues e Ortiz (2006).

No estado de São Paulo a indústria sucroalcooleira está concentrada nas


mesorregiões de Araraquara, Bauru, Campinas, Piracicaba e Ribeirão Preto. A
cidade de Jaú, local da escola em questão, localiza-se na mesorregião de Bauru,
centro geográ co do estado. Cerca de 90 por cento da área do município
destina-se a plantação de cana-de-açúcar empregando sete por cento da
população economicamente ativa nesta indústria. Os mapas a seguir localizarão
o município de Jaú no estado de São Paulo; ver Figura 1. A escola está
localizada em Jaú (22° 17’ 44” S e 48° 33’ 88” W) interior do estado de São
Paulo, Brasil.

Figura 1 – O mapa (A) indica a localização das mesorregiões do estado de


São Paulo,o (B) a mesorregião de Bauru, o (C) a microrregião de Jaú e o (D) o
município de Jaú.

(Fonte: Instituto Brasileiro de Geogra a e Estatatística - IBGE)


A construção do trabalho interdisciplinar

A m de atingir os objetivos propostos no inicio do trabalho e com o


intuito de formarmos os professores, para posteriormente, construírem
metodologias didáticas, iniciamos reuniões com a equipe docente e diretiva da
escola. As primeiras envolviam todo o grupo em um estudo teórico sobre a
interdisciplinaridade, e estudos didáticos sobre como passar do plano dos
estudos e da discussão para o plano da ação e, efetivamente, chegar à sala de
aula e desenvolver o projeto com os alunos. Cada disciplina com seus objetos
de estudo, com suas peculiaridades de caráter essencialmente disciplinar e
tratamentos didáticos especí cos, mas articulada pelo projeto, ou seja, pelo
tema comum, consciente do caráter inter e multidisciplinar em uma visão
sistêmica como uma teia em que tudo se inter-relaciona.

A ideia inicial do grupo de professores foi a de construir um mapa


conceitual a partir do conceito de energia e, por meio dele, estruturar as
relações que as disciplinas deveriam procurar estabelecer.

A Figura 2 indica os possíveis temas a serem trabalhados. Tendo o Sol


como fonte primária de energia, podemos relacioná-la com outras fontes
secundárias, e.g., hidrelétrica, termelétrica, eólica. Também podemos discutir a
utilização direta da energia solar. A elaboração da Figura 2 teve início com uma
discussão sobre quais conteúdos concernentes ao tema deveríamos abordar.
Dessa forma, vários conteúdos surgiram, em um primeiro momento sem a
devida ordem em que deveriam ser abordados. Para ilustrar, basta dizer que os
primeiros conteúdos especí cos que nos vieram em mente foram os conceitos
de energia e suas relações sobre o processo fotossintético, bem como sobre a
Termodinâmica e a e ciência energética, haja vista a importância que as fontes
renováveis e seu uso e ciente tem neste momento no panorama mundial, em
que os efeitos do aquecimento global se fazem sentir. O álcool combustível
gura como um elemento para atenuar a emissão de gases estufa, pois a sua
utilização emite menos dióxido de carbono CO2 do que a gasolina e no
processo de sua obtenção, temos o plantio da cana que demanda para seu
crescimento a síntese do carbono atmosférico, no processo da fotossíntese, para
transformar em biomassa.

Figura 2 – Esquema algumas conexões entre os temas que podem ser


trabalhados durante o projeto. O esquema foi desenvolvido por professores do
projeto.

O etanol de cana-de-açúcar é muito mais vantajoso porque a quantidade


de biomassa e biocombustível produzida por unidade de área é superior à de
qualquer outro vegetal, assim como seu balanço energético (LEITE, 2007, p.
53). Estudos já haviam constatado que orestas em crescimento absorvem,
mais dióxido de carbono do que orestas “estáveis”, no entanto, essa diferença
entre absorção e emissão tende a diminuir, talvez perigosamente (estamos
pesquisando estudos que quanti quem a emissão e absorção), quando, na
colheita, se queima o canavial para a execução dos rudimentares métodos de
colheita, mas que geram empregos, pois demandam mão-de-obra. Essa
queimada causa muitos problemas para o ambiente global, potencializando o
efeito estufa devido à emissão de dióxido de carbono e para a saúde local, pois
a colheita coincide com o outono, um período com baixa umidade relativa do
ar.

Procuramos uma compreensão do conceito de energia tendo como núcleo


a conceituação de energia potencial, cinética e relações entre trabalho e energia
– do ponto de vista da Física. Sabemos que o conceito de energia é essencial
também em outras disciplinas como, por exemplo, na Biologia no processo da
fotossíntese, em que a luz cede energia para a cloro la e a energia retida vai
permitir a síntese de glicose a partir da molécula de CO2, molécula
bioenergética por excelência. Podemos evidenciar o princípio da conservação
da energia no processo da fermentação alcoólica, e ainda difundir a noção de
alimentos em Bioquímica que são constituídos de moléculas cuja energia
armazenada, presente nas ligações químicas, pode ser liberada para ser utilizada
pelo organismo.

Ao estudarmos a cadeia produtiva da cana-de-açúcar, percebemos que


algumas usinas são autossu cientes na geração de energia consumida no
complexo industrial, pois dispõem de unidades termelétricas com caldeiras
alimentadas pelo bagaço da cana, em um exemplo de utilização racional do
resíduo da cana. Tivemos notícias que entre algumas usinas, em algumas
situações, existe um comércio do bagaço para suprir suas necessidades
energéticas. Estadua-se a possibilidade utilizar o bagaço de outra forma além da
queima, pois no futuro as usinas poderão converter a bra da cana em etanol,
por meio de hidrólise, aumentando a produção do combustível e aproveitando
o bagaço e a palha (LEITE, 2007).

Sabemos que as decisões e políticas energéticas de um país são resultantes


de variáveis que compõem o cenário político, econômico e social, portanto, os
alunos precisam compreender essas relações a partir do tema contextualizador.
Assim, a área de História e Geogra a se propôs a pesquisar com os alunos os
impactos da cultura de cana-de-açúcar no município tomando como base os
dados de migração de mão-de-obra de outras regiões do país, os impactos nos
sistemas de saúde e educação locais, os direitos dos trabalhadores rurais, o
aumento de habitações na periferia da cidade, e as implicações éticas envolvidas
nesse processo.

Avaliar os impactos econômicos dessa produção de energia na região do


município cou a cargo da área de Matemática que vem levantando as áreas
agrícolas ocupadas, o tamanho das propriedades rurais, avaliando se há
concentração de renda e veri cando o monopólio das poucas usinas que
compram a produção na região e consequentemente acabam por in uir no
preço da tonelada da cana colhida. Avaliam também as vantagens e
desvantagens de continuar com as queimadas e a colheita manual ou substituir
por colheitadei-ras mecânicas. Por m, a área de Língua Portuguesa selecionou
textos sobre a questão da cana-de-açúcar e, a partir de diferentes linguagens,
procurou trabalhar questões estéticas, bem como os valores nelas envolvidos.

Assim, o tema central energia, esquematizado a partir de um mapa


conceitual, foi se constituindo em um importante elemento articulador do
trabalho docente, permitindo que, dessa forma, a ação didática se centrasse em
oferecer múltiplas possibilidades e habilidades para que novas signi cações
fossem estabelecidas.
O conceito de energia em Biologia e suas relações
interdisciplinares
Por estar constantemente em pauta, o termo energia é conhecido de
todos, principalmente por se fazer cada vez mais presente no cotidiano. Energia
é um conceito fundamental da disciplina Biologia, uma vez que a origem e a
manutenção da vida dependem das transformações energéticas armazenadas em
moléculas químicas e, em última instância, eletromagnéticas, do Sol. A
utilização da energia do Sol pelos seres vivos por sua vez, depende da
capacidade de seres produtores em transformar a energia dos raios solares em
energia química dos carboidratos, principalmente a glicose. Dessa capacidade
especial dos vegetais, surgem todas as relações e inter-relações ecológicas que
fazem parte de um ecossistema complexo como o Planeta Terra.

No projeto, o objetivo da disciplina de Biologia foi, portanto, trabalhar


utilizando-se de atividades práticas e contextualizadas para a construção dos
conceitos implicados na utilização da energia pelos seres vivos e na sua
importância para a manutenção da vida.

As primeiras atividades didáticas realizadas dentro do projeto nos


mostraram que os alunos, em sua maioria, não relacionavam a palavra energia
com os processos biológicos. Um levantamento de concepções prévias
possibilitou a construção de uma tabela com as principais palavras que foram
estabelecidas pelos estudantes para os termos energia e glicose. Ver Tabela 1.

Tabela 1 – Palavras que os alunos relacionam ao termo energia e glicose.


A partir dessa tabela, foi possível a construção dos grá cos seguintes, em
que reunimos essas palavras em algumas categorias. Assim, uma análise dos
resultados nos permite inferir que:

1. Os alunos fazem referência às situações que estão mais presentes no seu


cotidiano, quando remetem aos termos energia e glicose;
2. Referência às fontes alternativas de energia;
3. Não estabelecem uma relação direta entre a glicose e a energia;
4. Relacionam glicose apenas a alimentos que contém2 açúcar (saca-rose) ou
que são doces.

Em atividades subsequentes, os alunos ainda revelaram:

1. Visão antropocêntrica dos processos biológicos;


2. Concepção de fotossíntese e respiração como dois processos contrários
e sem relação;
3. Fotossíntese como um processo que só ocorre durante o dia.

Figura 3 – Grá co indicando a ocorrência de palavras relacionadas ao


termo energia na Tabela 1
Figura 4 – Grá co indicando a ocorrência de palavras relacionadas ao
termo glicose na Tabela 1.

Problematizar com o objetivo de que os alunos investigassem e


percebessem a respiração e a fotossíntese como processos paralelos – e não
contrários – e a relação existente entre os organismos produtores e os consu-
midores e, dessa forma, compreendessem o metabolismo dos vegetais e sua
importância para a biosfera da Terra.

Foi proposta a seguinte questão: imagine que um animal seja colocado


dentro de um vidro todo fechado. O que ocorrerá com ele? Provavelmente
morrerá, porque consumirá oxigênio e produzirá gás carbônico. Quando
acabar o oxigênio, ele morrerá sufocado. O que aconteceria se o mesmo fosse
feito com um vegetal? A questão foi colocada para que os alunos pudessem
levantar suas hipóteses e estabelecer relações com o conteúdo estudado sem o
qual o resultado do fenômeno não seria compreendido. Essa fase foi
considerada como um ponto muito importante da metodologia na medida em
que os alunos tiveram que mobilizar vários conhecimentos, fazer previsões,
observações e interpretá-las.

A montagem da garrafa com o vegetal enclausurado possibilitou o


levantamento das seguintes hipóteses como mostra a Figura 5.
Figura 5 – Hipóteses levantadas pelos alunos com relação ao
comportamento do vegetal enclausurado.

Abaixo, a descrição da evolução das observações realizadas pelos alunos


durante as duas semanas em que a montagem foi deixada no laboratório.

Após uma semana:

P: Então, por que será que a planta não morreu?


A: Ah! Professora, não é a mesma, é?
P: Mas é claro, né… Acham que eu ia trocar a planta…
A: A planta não morreu porque está entrando ar por algum lugar.
P: Será?
A: Tá sim, senão ela já teria morrido, pelo menos murchado.
P: Então, e não aconteceu nada, por que será?
Após duas semanas…
P: Olha a nossa plantinha… Está do mesmo jeito que a gente deixou…
Vocês viram?
A : Ih! Professora tem algo errado aí.
P: Bom, quem acha que está entrando ar no frasco? (A maioria dos alunos
levanta as mãos). E o restante, acha que a planta não morreu por quê?
A: Acho que é porque ela faz fotossíntese.
P: Sim, mas o que tem isso a ver? Você pode me explicar?
A: A planta produz o oxigênio.
P: Mas não vai chegar uma hora que o gás carbônico do ar vai ser
totalmente consumido pela planta?
A: Ah! É verdade. Desculpa professora, eu não sei.
P: Vamos vedar então o frasco com durepox, assim não vai ter como entrar
ar.
A: E pela terra, não entra ar?
P: Como assim?
A: Pelos furinhos no fundo do vaso.
P: Ok. Vamos fechar os furinhos também….

Durante as duas semanas de observação, foram propostas atividades de


pesquisa, exposição dialogada e atividades práticas, sendo que ao nal da
segunda semana de observação, a maioria dos alunos conse-guiu chegar à
compreensão da totalidade do processo de síntese e degradação da molécula de
glicose com consequente transformação de energia e, assim, à compreensão da
fotossíntese e da respiração como processos paralelos e complementares.

P: Bom, pessoal, alguém consegue me responder por que a nossa planta


não morreu?
A: Eu acho que eu entendi, mas não to conseguindo formular uma resposta.
P: Bem, vamos lá: do que a nossa planta poderia ter morrido?
A: De fome…
P: Isso, mas isso não aconteceu. Por quê?
A: Ela realizou a fotossíntese.
P: Isso, ela produziu seu próprio alimento, por isso eu z questão de
deixá-la na bancada que pega mais luz do sol. E o que mais?
A: De sede.
P: Isso também não aconteceu; por que pessoal?
A: Ela tá liberando água. Olha o frasco ta todo molhado.
P: Ah! Essa água vem de onde mesmo?
P: Quando a planta realiza a fotossíntese ela elimina gás carbônico e…
A: Água.
A: Ah! Por isso que ela não morreu de sede.
P: Mas vocês não acabaram de ver que além da água a planta libera outro
gás?
A: O oxigênio.
P: Ah, então ela poderia ter morrido sufocada porque ela retiraria todo o
gás carbônico do ambiente e liberaria em seu lugar o oxigênio? Como ela ia
fazer pra fazer a fotossíntese sem o gás carbônico?
A: Ela respira também!
P: Por quê?
A: Pra quebrar a glicose…
A: Pra utilizar a energia da glicose…
P: Isso mesmo. Se a planta respira…
[Silêncio]
P: O que ela faz com o ar?
A: Ela pega o oxigênio e transforma em gás carbônico…
P: Quando nós respiramos, que ar inspiramos?
A: O oxigênio.
P: Quando expiramos?
A: O gás carbônico.
P: Daí?
A: A planta como a maioria dos seres vivos quebra a molécula de glicose por
meio da respiração celular, então, ao mesmo tempo em que ela utiliza o gás
carbônico, elimina o oxigênio durante a fotossíntese.
A: Ela faz a troca inversa durante a produção da glicose, ou da…
A: Fotossíntese.
A: Então, ela renova o próprio ar?
P: Exatamente. Viram como vocês iriam entender? … Todos entenderam?
A: Sim…
A: É legal!

O objetivo da Biologia como disciplina do projeto foi mediar a


construção dos conhecimentos relativos ao tema energia de maneira global e
holística, o que foi possível pelas relações interdisciplinares que se
estabeleceram entre as diferentes disciplinas.
Neste sentido, as sequências didáticas desenvolvidas na disciplina de
Biologia facilitaram o desenvolvimento do conceito de energia na Física. Assim,
o entendimento dos processos de fotossíntese e de respiração que envolvem,
respectivamente, a síntese e degradação da molécula de glicose com
consequentes transformações de energia (eletromagnética para química, e de
química para cinética, potencial ou elétrica) favoreceu a abordagem de
conteúdos ministrados na Física, como a constância de energia em meio à
mudança. O princípio de conservação também pôde ser trabalhado a partir dos
conhecimentos sobre o processo de fermentação alcoólica dos microrganismos,
na medida em que esse tem como resultado uma molécula que não foi
totalmente degradada (o álcool) e, portanto, ainda contém energia que poderá
ser utilizada e transformada nos automóveis para produzir movimento. A
Tabela 2 apresenta algumas contribuições da Biologia na compreensão de
conceitos físicos sobre energia e vice-versa.

Tabela 2 – Contribuições da Biologia na compreensão de conceitos físicos


sobre energia e vice-versa.

A estratégia interdisciplinar, aliada a atividades práticas problematiza-


doras, baseadas na tríade perceber/relacionar/conhecer (CALDEIRA, 2005) foi
essencial para a construção de conceitos, mas também para o desenvolvimento
de habilidade epistêmicas, importantes para a aprendizagem de qualquer
conteúdo cientí co com o qual os alunos se deparem dentro ou fora da escola.
Em um mundo no qual a quantidade de conhecimentos necessários cresce de
maneira exacerbada a cada dia, tão importante quanto o desenvolvimento de
conceitos é o desenvolvimento de habilidades, como observar, investigar,
relacionar, organizar ideias, fazer previsões, entre outras, que permitam aos
alunos estabelecerem relações mais complexas, típicas da atividade cientí ca,
extremamente necessárias para a construção de conhecimentos e para as
relações entre esses conhecimentos e sua vivência como indivíduos.

Dessa forma, com um problema proposto em aula, cujo objetivo foi


apresentar um quadro comparativo entre as capacidades de produção
energética do álcool a partir da cana e a partir do milho, os estudantes foram
instigados a escolher qual produção seria mais lucrativa e e ciente. Eles
partiram do enunciado em questão e articularam informações de outras
disciplinas, como as formas de produção das duas culturas e, também, o tipo
de mão de obra utilizada, o gasto energético do trabalhador, o tipo de solo
utilizado etc; o que nos fez acreditar que a estratégia utilizada pelos professores,
ou seja, a interdisciplinaridade, contribuiu para que os alunos desenvolvessem
uma forma de pensamento mais global do que a que estavam acostumados,
tornando-se assim, mais críticos e responsáveis em relação ao assunto.

Embora as disciplinas cientí cas estejam mais nitidamente relacionadas ao


tema, as disciplinas da área de Ciências Humanas estabeleceram relações que, a
nosso ver, são essenciais para que o indivíduo venha a formar uma correta visão
do mundo e dos fenômenos biológicos. A Tabela 3 destaca as principais
contribuições ou relações interdisciplinares que foram estabelecidas entre as
demais disciplinas e a Biologia.

Tabela 3 – Relações interdisciplinares estabelecidas entre a Biologia e as


demais disciplinas.
Discussão

Um projeto interdisciplinar como esse, fundamentado na realidade e na


necessidade dos indivíduos envolvidos, representa um grande potencial para o
desenvolvimento cientí co dos envolvidos, uma vez que permite a motivação
dos alunos. É muito comum escutarmos críticas aos adolescentes
desinteressados na aprendizagem escolar, desmotivados com relação ao
conhecimento sistematizado. Sabemos que a motivação é um fator
fundamental no processo de construção de conhecimentos, pois o aluno só será
um agente ativo nesse processo ao sentir-se motivado para tal.

Nesse sentido, a escolha das atividades pelos professores do projeto,


principalmente no que se refere ao ensino de Biologia, objeto do presente
estudo, foram relevantes para o estabelecimento da relação professor-aluno, na
qual o educador exerceu papel de mediador da construção do conhecimento
cientí co escolar, e os alunos, por meio de diferentes estratégias, desenvolveram
compreensões signi cativas sobre o tema proposto, para o qual mobilizaram
diferentes habilidades do pensamento.

O laboratório didático teve um relevante papel na motivação dos alunos,


ao permitir a saída da rotina da sala de aula, assim como na possibilidade do
desenvolvimento de atividades práticas contextualizadas que se mostraram
positivas para a montagem de estratégias investigativas, nas quais os alunos
desenvolveram diferentes habilidades, dentre elas, a observação, o levantamento
de hipóteses, a análise de dados, as generalizações e a organização de ideias.

O interesse dos alunos, antes e após a realização do projeto, foi observado


nas atividades avaliativas, mas também pela frequência nas aulas e nas relações
que se estabeleceram entre os alunos e o professor; no levantamento de
questões por parte do corpo discente, na expressão de suas dúvidas, na entrega
de atividades propostas, na atenção às aulas, no cuidado com os materiais do
laboratório – local onde os alunos mostraram preferência para a realização das
aulas
Outro importante fator a ser apresentado é a constante ligação que os
alunos faziam com os conteúdos apresentados pelas outras disciplinas,
sinalizando que a interdisciplinaridade, dentro dos objetivos do projeto, estava
sendo e caz, pois as analogias entre as partes e o todo foram estabelecidas pelos
alunos, que conseguiram enxergar uma inter-relação entre os conhecimentos
das diferentes áreas.

Por m, destacamos a importância de se tratar assuntos relacionados aos


processos naturais de maneira holística, com os processos em todos os níveis da
vida sendo explicados de maneira conjunta. Observações como a que citamos
abaixo nos revelou a necessidade dessa estratégia:

A: Nossa, professora, a gente sempre aprendeu isso e eu nunca tinha


imaginado que uma coisa fazia parte da outra, que tinha relação…
P: Como assim?
A: A respiração, por exemplo, eu imaginava que era uma coisa e a respiração
celular, outra… Assim eu percebi como a gente é perfeito… o sistema circulatório,
respiratório, e o digestivo é tudo uma coisa só. Se faltar um o outro não funciona.
A: As trocas de gases e a produção e consumo de alimento também, né dona, se
faltar um ser vivo, o outro é prejudicado.

Avaliação do processo de construção do projeto interdisciplinar e


contextualizado

Discordamos de autores que, como Olga Pombo5, apontam para a ine-


xistência de uma pedagogia da interdisciplinaridade e podemos a rmar que a
partir das atividades desenvolvidas com esse grupo de professores conseguimos
elencar o que nomeamos de “Passos para uma Pedagogia da
Interdisciplinaridade”.

Assim podemos propor um trabalho interdisciplinar e contextualizado


que tenha como articulador do processo pedagógico os seguintes elementos.

Organização do coletivo escolar


1. Formação de um grupo de professores interessados em trabalhar
conjuntamente;
2. Eleição de um tema contextualizador presente ou próximo à realidade
escolar e que apresente potencialidades de ser explorado conforme os eixos
ético, estético, comunicacional, socioeconômico, político-cultural, cientí co-
tecnológico e ambiental;
3. Construção de mapas conceituais que se constituam em diagramas de
suporte ao trabalho docente;
4. Elaboração de estratégias em que os alunos possam participar de todas
as sequências didáticas, problematizando a partir dos elementos da realidade,
estabelecendo relações a partir das pesquisas e leituras realizadas, produzindo
relatórios parciais em cada fase estudada e por m, comparando esses relatórios
e escrevendo textos a partir dos eixos selecionados.

O processo de ensino
Consideramos que na vertente do ensino destacam-se os seguintes
constituintes fundamentais:

1. O trabalho interdisciplinar;
2. O contexto da experiência;
3. O papel do professor;
4. A mediação de diferentes linguagens.

O trabalho interdisciplinar, que se iniciou multidisciplinarmente, foi se


caracterizando no decorrer da experiência, na medida em que os limites das
disciplinas foram rompidos em favor da construção de relações e explicações
em que os signos cientí cos, linguísticos, matemáticos, sociais e conceituais
sendo apropriados de forma integradora pelos professores. Caracterizou-se uma
relação de interdependência conceitual que foi se revelando necessária para a
interpretação da realidade referente aos fenômenos estudados. O contexto da
experiência pode ser avaliado como elemento de ligação entre a realidade e as
possibilidades de interpretação da mesma. O papel do professor manifesta-se
procedimento tradicionalmente apontado pela didática como sendo o de
mediar, mas deve possibilitar, também, o acesso às experiências complexas,
potencializando aproximações por meio da articulação entre o desenvolvimento
de novas experiências e permitindo que diversas habilidades e linguagens sejam
incorporadas. Para conseguir esse patamar deve incorporar uma didática que
privilegie não somente experiências (no sentido tradicional), mas também
proporcionar atividades práticas para a utilização de linguagens decorrentes de
uma atitude mental inter e multidisciplinar. Isso proporcionará aos alunos
maior condição de estabelecerem novos signi cados aos conceitos cientí cos. A
metodologia proposta, nesse trabalho, pressupõe uma ação pro ssional e
intelectual calcada em sólidos conhecimentos cientí cos e metodológicos que
têm como matriz um ensino pautado pela mediação do professor. Este deve,
contudo, deixar possibilidades aos alunos para que estabeleçam suas próprias
hipóteses sobre os fenômenos estudados no processo de construção de
signi cados oriundos da participação ativa entre professores e alunos. Do
ponto de vista didático, queremos ressaltar que não entendemos que deva haver
um momento especial da aula para deixar que os alunos formulem suas
hipóteses e, mesmo que, inicialmente, elas não surjam, os estudos devem
prosseguir no decorrer das experiências formuladas pelo professor. A própria
ação de investigar/coletar dados subsidiará o surgimento de hipóteses que
podem ser menos elaboradas de início, mas que no decorrer das experiências
poderão se tornar mais fecundas. A elaboração pelo professor, em conjunto
com a classe,de uma hipótese inicial de investigação pode ajudar os estudantes
a entender os objetivos da experiência e suas variáveis e, à medida que essa vai
se caracterizando (somada às outras atividades didáticas) o aluno passará a
entendê-la mais claramente. Esse entendimento o ajudará a formular suas
próprias dúvidas e alevantar novas hipóteses para resolvê-las.

A mediação de diferentes linguagens tem um papel fundamental no


trabalho interdisciplinar, pois poderemos avaliar linguagens, habilidades do
pensar e conteúdos desenvolvidos nos processos de aprendizagem. Além das
análises didáticas, interessa-nos, particularmente, os resultados dessa
aprendizagem, pois entendemos a necessária articulação entre ensino e
aprendizagem.

O processo de aprendizagem
O tema central energia, esquematizado a partir de um mapa conceitual,
vem constituindo-se em um importante elemento articulador do trabalho
docente, permitindo que, dessa forma, a ação didática se foque em oferecer
múltiplas possibilidades e habilidades para que novas signi cações sejam
estabelecidas. Essa rede de signi cações pode ser tecida no que Caldeira (2005)
denominou Domínios Epistêmicos para a construção do conhecimento em
Ciências naturais. Domínios que podem ser classi cados em três níveis
interconectados e sem nenhuma hierarquia preestabelecida:

1. Das linguagens e seus valores;


2. Das habilidades cognitivas;
3. Dos conceitos cientí cos.

No domínio das linguagens e seus valores foram selecionadas sequências


didáticas que – a partir de textos de autores de Literatura brasileira sobre a
produção da cana-de-açúcar, área em que há a presença de uma extensa
produção escrita, bem como de textos das áreas de Geogra a e História, nas
quais foram desenvolvidos aspectos políticos, econômicos e sociais – pudessem
subsidiar a compreensão de como essa cultura se instalou, se desenvolveu e se
encontra em plena expansão no país, propiciando a formação de um conjunto
de conceitos e de valores por parte do aluno.

No domínio das habilidades cognitivas , buscamos pensar em atividades


didáticas que permitissem aos alunos: a) observar, descrever, identi car,
comparar, coletar dados, experimentar, somar ideias, elaborar tabelas, grá cos,
esquemas, sistematizar (por meio de textos, maquetes, relatórios), interpretar
dados; b) relacionar: adquirindo essa habilidade, os alunos podem mais
facilmente estabelecer analogias, confrontos, associação entre fenômenos, ainda
que, a princípio, de forma não muito elaborada. Essa habilidade pode ser
ampliada se o aluno for instigado a compreender e avaliar problemas presentes
no seu cotidiano, compreender relações entre causa e efeito em situações não
complexas, procurar novas evidências, relacioná-las a novos exemplos,
identi car situações contrárias, encontrar novas possibilidades para resolução
dos confrontos que forem surgindo no processo. O estabelecimento de relações
acontece por meio do desenvolvimento de habilidades e da interpretação de
novos signos, permitindo que o universo fenomênico do aluno seja acrescido
de diversos elementos que irão enriquecer sua linguagem e suas interpretações
da realidade. Nesse processo o aluno aprende a raciocinar “sobre” e “por meio
de” fenômenos naturais ao formalizar conceitos e, concomitante-mente,
incorporar inúmeras habilidades.

Em relação ao domínio dos conceitos cientí cos , os alunos, a partir dos


conceitos descritos no mapa conceitual, relacionaram as noções de energia nas
disciplinas de Física, Biologia e Química. Também puderam entender que a
matriz energética de um país é uma decisão política que afeta toda a população.
Além disso, reconheceram que a cultura da cana-de-açúcar está presente na
cultura brasileira, e.g., na literatura, nos hábitos. Ao constituirmos ideias ao
nal de cada conjunto de atividades, procuramos elaborar situações para que os
alunos adquirissem a competência de “organizar” e selecionar as informações
pertinentes que foram trabalhadas no decorrer do processo de ensino e
aprendizagem, a m de que os conceitos principais apreendidos se tornassem
objetos de conclusões, ainda que parciais.

Esses elementos citados anteriormente precisam ser mais estudados,


principalmente no que se referem aos processos de aprendizagem. É necessário,
ainda, avaliar quais seriam as relações fundamentais para que o aluno, a partir
de um tema gerador, aprenda a problematizar e sustentar essa busca por
respostas com conteúdos especí cos das disciplinas e volte a interpretar a
questão original, ou outras, de forma mais elaborada.
Considerações nais
Se carmos atentos às manchetes de jornais, telejornais etc., notaremos
que a Ciência está presente em discussões sobre as emissões de CO2, aumento
do efeito estufa, mudança climática. Devemos ter o cuidado de não
transformar o Ensino de Ciências em “ativismo”, sem signi cado para o aluno.
É nele que o professor, ao organizar as atividades e enfocando os conceitos em
estudo, proporcionará aos alunos a aproximação desejada e possível – ainda que
não totalizante – das explicações cientí cas aceitas hoje para os fenômenos
naturais. A partir dessa formulação para o desenvolvimento de habilidades, os
conceitos cientí cos serão compreendidos de forma ágil e não dogmática. É
nesse nível de realização, para alcançar o interpretante formal, que os alunos
não só sistematizam os conceitos aprendidos, mas ainda comunicam ideias e
trocam opiniões; desse modo, surgem novas hipóteses e/ou corroboram as que
tinham sido estabelecidas. Nessa fase, o professor pode utilizar instrumentos
como a confecção de relatórios, resumos, representações.

Assim, podemos propor um trabalho interdisciplinar e contextualizado


que tenha como articulador do processo pedagógico os seguintes elementos: a)
formação de um grupo de professores interessados em trabalhar
conjuntamente; b) eleição de um tema contextualizador presente ou próximo à
realidade escolar e que apresente potencialidades de ser explorado conforme os
eixos ético, estético, comunicacional, socioeconômico, político-cultural,
cientí co-tecnológico e ambiental; c) construção de mapas conceituais que se
constituam em diagramas de suporte ao trabalho docente; d) elaboração de
estratégias em que os alunos possam participar de todas as sequências didáticas,
problematizando a partir dos elementos da realidade, estabelecendo relações de
acordo com as pesquisas e leituras realizadas, produzindo relatórios parciais em
cada fase estudada e, por m, comparando esses relatórios e escrevendo textos a
partir dos eixos selecionados.

Entendemos que a experiência desenvolvida com os professores permitiu a


geração de interpretantes que subsidiam a compreensão de fenômenos que dão
suporte ao contexto escolhido bem como permitiu que um trabalho que se
iniciou multidisciplinar se tornasse paulatinamente interdisciplinar na
dependência das relações estabelecidas entre as áreas.
No decorrer desses dois anos, pudemos avaliar as di culdades e as
possibilidades de realizar um trabalho de pesquisa em conjunto com
professores da rede de ensino pública. Vencida a fase de resistência inicial dos
docentes, em procurar explicar os problemas de ensino e de aprendizagem por
meio do senso comum de suas vivências, foi possível convidá-los a leituras de
textos sobre interdisciplinaridade, à elaboração de resenhas e à participação nas
discussões com propostas didáticas mais elaboradas.

Os diagramas propostos pelo grupo de professores nos permitiram avaliar


que a fase inicial do projeto propiciou ao professor a reunião de elementos
sobre o fenômeno em estudo, a partir de suas próprias percepções, o que
potencializou o surgimento de uma observação mais acurada e o
estabelecimento de relações de ensino entre as diferentes disciplinas, exercício
que seria mais difícil sem a elaboração dos mapas conceituais.

1 Professora Adjunta do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências, Unesp – Bauru, SP.


Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP;
([email protected]).

2 Licenciada em Biologia. Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência,


Unesp – Bauru, SP; ([email protected]).

3 Doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP;


([email protected]).

4 Professor Assistente Doutor do Departamento de Física da Faculdade de Ciências, Unesp – Bauru,


SP e do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, também da Unesp;
([email protected]).

5 POMBO, O. Interdisciplinaridade: Ambições e Limites. Lisboa: Relógio d’Àgua, p. 203, 2004.


Referências bibliográ cas

CALDEIRA, A. M. D. A. Semiótica e a Relação Pensamento e Linguagem


no Ensino de Ciências Naturais. (Livre Docência). Departamento de Educação,
Universidade Estadual Paulista, Bauru, p. 105, 2005.

LEITE, R. C. D. C. Etanol, o melhor dos biocombustíveis. Scienti c


American Brasil, Edição especial, n.12, p. 52-7, 2007.

MENDES JR, A.; RONCARI, L.; MARANHÃO, R. Brasil História texto


e consulta: colônia. São Paulo: Hucitec, 1991.

PIVETA, M. Pouco gás na oresta amazônica. Revista pesquisa FAPESP, v.


72, fevereiro, p. 36-43, 2002.

POMBO, O. Interdisciplinaridade: Ambições e limites. Lisboa: Relógio


D’Água, 2004.

RODRIGUES, D.; ORTIZ, L. Em direção à sustentabilidade da


produção de etanol de cana de açúcar no Brasil. Vitae Civilis e Amigos da Terra.
São Paulo, p. 37, outubro 2006. Disponível em: <www.vitaecivilis.org.br.>
Acesso em 2 maio 2008.
A cção cientí ca como estratégia
pedagógica interdisciplinar:
aproximando as Ciências e a Arte

Eliane Cerdas Labarce1


Richael Silva Caetano2
Jehud Bortollozi3
Introdução

O presente trabalho procura discutir as possibilidades da utilização de um


lme comercial de cção cientí ca para o desenvolvimento de aulas de
Genética, especialmente do conteúdo Evolução Biológica, em
interdisciplinaridade com a Matemática. Em outras palavras, é uma proposta
de exploração de alguns vínculos entre a Ciência e a Arte, especialmente o
cinema, utilizado aqui como material didático e estratégia de motivação para a
aprendizagem de conteúdos cientí cos, tornando-os mais atrativos e
interessantes.

As di culdades encontradas pelos professores em relação a uma prá-tica


diferenciada em sala de aula aparecem em muitas pesquisas na área da
Educação para a Ciência. Claxton (1994) apontou a fragmentação do ensino
como um dos principais obstáculos à aprendizagem de Ciências, não apenas
por fragmentar conteúdos que seriam mais bem compreendidos se fossem
abordados sob uma visão mais integrada dos conhecimentos, ou
interdisciplinar, mas também e não menos importante, por dividir o próprio
currículo, como o da Biologia, em tópicos que acabam por reduzir os processos
estudados a partes de um nível ou sistema biológico sem relacioná-los, de
maneira que ele não é visto ou compreendido em sua totalidade.

A educação atual ensina a separar, compartimentalizar, isolar, e não a unir


os conhecimentos, de maneira que o conjunto deles constitui um quebra-
cabeça ininteligível para o aluno que não é capaz de montá-lo sozinho. Com
isso, os problemas globais desaparecem em benefício dos particulares, o que
resulta, como a rmou Morin (2002), em uma atro a da disposição mental
natural de contextualizar e de globalizar. Isso pode gerar a alienação e a
irresponsabilidade nos aprendizes, que não tomam parte na reconstrução
conceitual dos fenômenos estudados e, portanto, não se sentem capazes de
ressigni cá-los (LUCK, 1994).

A interdisciplinaridade pode possibilitar um ensino qualitativamente


melhor do que o realizado, pois compreende troca, cooperação, uma verdadeira
integração entre as disciplinas de modo que as fronteiras entre elas tornem-se
invisíveis destacando o global ou complexo. Nesta visão interdisciplinar, o tema
a ser estudado está acima dos domínios disciplinares, o que permite o
desenvolvimento e a compreensão de múltiplos conhecimentos que se
entrelaçam.

Assim, muitas das di culdades encontradas pelos professores são, em


parte, os re exos da dicotomia entre a Ciência e a Arte, que é ainda um
paradigma vigente em todos os campos do conhecimento humano. No campo
educacional, essa dicotomia contribui para estigmatizar o ensino dividindo-o
em várias áreas, cujos conteúdos apresentam-se individualizados e sem
qualquer conexão entre si, além de empobrecê-lo, desprezando recursos que
poderiam ter um alto valor para a aprendizagem.

O físico e escritor inglês C. P. Snow (1905-1980) a rmava que a


separação entre as duas culturas, Ciência e Arte, di cultava a busca pela
solução de graves problemas que afetavam a humanidade, uma vez que a
Ciência fornece a motivação racional, que nutre a intuição estética, artística e a
arte oferece instrumentos intuitivos para se apropriar dos conceitos que a
Ciência propõe (PUJOL, 2002).

Existe, hoje, um movimento internacional para reaproximar o campo das


chamadas Ciências Humanas e Sociais – no qual se insere a Arte – do campo
das chamadas Ciências Naturais – físicas, biológicas, matemáticas – e a
tecnologia nelas embasada. Cursos como Biologia Celular, Biologia Parasitária,
Genética e Biologia Molecular têm acumulado protótipos diversos de
estratégias de ensino que articulam Ciência e Arte sobre temas especí cos,
propondo a educação por meio de instrumentos como jogos de computador,
enquetes, peças de teatro, modelos, dramatizações, maquetes, colagens,
protocolos de estudos dirigidos e aulas alternativas utilizando imagens
cientí cas e artísticas como as de lmes, comerciais, entre outros
(LA ROQUE et al. 2007). Algumas dessas estratégias já ganharam formato de
publicações, por meio de fascículos e sítios da internet (ARAÚJO JORGE et
al., 2004; MATTOS et al., 2004).
O uso de material audiovisual aparece como uma dessas estratégias e tem
sido amplamente difundido nos diversos níveis de ensino, do fundamental ao
universitário. A importância deste tema é grande, uma vez que a sociedade
moderna tem no uso da imagem e do som uma de suas principais
características. No ambiente escolar, o uso desses recursos como instrumentos
de apoio ao ensino data dos primórdios do desenvolvimento desses meios. Seja
com as primeiras tentativas de utilização do rádio como ferramenta de
disseminação educacional e cultural, seja pelas tentativas de introdução dessas
mídias nas escolas, quer pela TV, quer pelo uso de instrumentos multimídia
(utilização de CD-ROM, acesso à Internet), embutidos dentro do projeto do
MEC para aquisição e implantação de computadores nas escolas (ROSA,
2000).

Segundo Oliveira (2006), desde o início da difusão do “cinema como


diversão”, lmes foram utilizados também como material didático,
particularmente no Ensino de Ciências. Alguns países europeus
testemunharam, no início da década de 1910, um grande orescimento de
documentários e lmes escolares, enfocando, sobretudo, a Zoologia e a
Botânica. Antes do início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, centenas de
documentários didáticos já haviam sido produzidos na França. Sequências de
imagens sobre a reprodução animal, sobre ciclos de vida das plantas, explosões
vulcânicas ou sobre eclipses solares ajudavam a tornar currículos mais
interessantes e explicações mais compreensíveis.

O professor, enquanto o lme corre, chama atenção dos alunos para os detalhes
que julga mais importantes. E todos compreendem o fenômeno descrito porque
podem “ver” com seus próprios olhos a natureza em plena ação. O lme exerce
desse modo o papel de denominador comum daquelas inteligências juvenis.
Nivela-as pelo mesmo interesse no espetáculo e pelo poder que a imagem tem de
tornar instantaneamente compreensíveis noções que as palavras nem sempre
transmitem com delidade (LAPONTE apud ESTEVES, 2006, p. 121).

Entre os diversos materiais disponíveis, existem aqueles construídos com


base em rigorosa seleção e abordagem dos conceitos e princípios centrais do
conhecimento: animações, documentários e vídeos, que são produzidos para
serem utilizados em aula e assim, garantir a aprendizagem de conceitos
(embora isso nem sempre aconteça). No entanto, o acesso a esses materiais nem
sempre é fácil. Apesar de alguns deles estarem disponíveis gratuitamen-te na
internet, muitas vezes integram livros relativamente caros, ou são
comercializados a preços incompatíveis com as condições de professores de
escolas públicas. Como consequência, os relatos do uso desse material tem se
concentrado no ensino universitário, como apontam Maestrelli e Ferrari
(2006). Por outro lado,

Ainda que contenham imagens impressionantes e exemplos esclarecedores, lmes


didáticos não mobilizam a emoção da mesma forma que as narrativas
romanceadas. A exatidão sem dramaticidade é algo monótono. É com
personagens e suas histórias que nos identi camos e nos projetamos. É nas tramas
dessas narrativas que somos pegos. Fantasias e cções falam de realidades que não
aparecem noutros registros. Elas apresentam de uma forma não argumentativa,
mas gurativa, as possibilidades da ciência e seus desdobramentos, permitindo
uma visualização e uma vivência através da transposição que a linguagem
cinematográ ca possibilita e que se faz tão marcante (OLIVEIRA, 2006).

Para esse autor, é nas cções cientí cas que primeiramente pensamos
quando se fala de Ciência no cinema. Ficções cientí cas são produções em que
a Ciência parece ser a personagem central. Aqui a dimensão ccional é
evidente, pois, ainda que verossímeis, essas narrativas quase nunca são factíveis,
ou seja, são fantasiosas (irreais) ou irrealizáveis nas atuais condições do
conhecimento. Sejam elas otimistas ( De volta para o futuro) ou sombrias e
ameaçadoras ( Fahrenheit 451), elas representam uma espécie de experimento
mental sobre os possíveis usos e implicações da Ciência e da tecnologia. Mas a
cção cientí ca não é, obviamente, o único gênero de lme a projetar imagens
sobre a Ciência, os cientistas ou as sociedades nele centrada. Filmes de
aventuras, dramas, comédias e desenhos têm também sua parcela de
contribuição na formação de estereótipos, modelos e expectativas que acabam
por se constituir como referências comuns pelas quais a Ciência e a técnica são
percebidas por grande parte da sociedade, formando assim o senso comum que
percebe e discute, até decide, os rumos e os limites da Ciência e da Tecnologia.

O fantástico que vem à tela deve ser ao menos admissível da perspectiva


cientí ca, como se todo o “misterioso” tivesse uma explicação racional. É claro
que nem sempre é possível acompanhar essas explicações, pois elas se apoiam
em teorias complicadas e extraordinárias, irreais, mas que parecem plausíveis.
Um dos recursos para tornar as especulações aceitáveis é o uso de terminologias
so sticadas, e é nesse ponto que entra o papel do professor como mediador da
aprendizagem desses conceitos que na maioria das vezes aparecem distorcidos
nessas obras.

O uso de lmes comerciais também representa uma estratégia para


discussão da prática da Ciência, pois a concepção de como ela funciona na
prática é outro aspecto que vai sendo difundido por meio de lmes. Uma vez
que a Ciência que se aprende na escola não privilegia (como deveria) essa
dimensão, os lmes se tornam um dos principais veículos de formação destas
noções: o papel dos sujeitos envolvidos na construção do conhecimento
cientí co, os valores morais e as pressões sociais, econômicas e políticas
exercidas sobre a produção cientí ca (BOWMAN, 2005; FLORES, 2002;
SELF et al.,1993; GOLDMAN, 1987).

Para Oliveira (2006), lmes expressam o olhar não só das pessoas


envolvidas em sua montagem, mas, indiretamente, revelam o imaginário de
seus espectadores, pois antes mesmo de vir a contribuir na formação e reforço
de hábitos culturais, a produção de um determinado lme leva em conta a
visão de seu público-alvo, seu universo de referências, conhecimentos e
expectativas. Nesse sentido, revelam mais do que outras produções artísticas,
como um livro ou pintura, o olhar de uma época ou de uma sociedade. Eis
aqui outro ponto em que o pedagógico pode se apoiar.

Filmes comerciais têm sido utilizados na área de Ensino de Ciências


Biológicas, tanto para tratar de assuntos relacionados à saúde quanto à
educação. Existem relatos do uso de lmes comerciais no ensino superior não
só para auxiliar o ensino de temas ligados à Microbiologia, Farmacologia,
Psicologia e Psiquiatria (BHAGAR, 2005; LEPICARD e FRIDMAN, 2003;
GARCIA SANCHEZ et al., 2002; FRITZ e POE, 1979; ALEXANDER et
al., 1994; PAPPAS et al., 2003; FARRE et al., 2004; SIERLES, 2005;
CRELLIN e BRIONES, 1995; BAUMANN et al., 2003; KOREN, 1993),
como também para abordar o trato com os pacientes, principalmente nos
cursos de Enfermagem (HYDE e FIFE, 2005; ELDER e SCWARZER, 2002;
MASTERS, 2005; WALL e ROSSEN, 2004; MATUSEVICH e
MATUSEVICH, 2005; WEERTS, 2005; HYLER e SCHANZER, 1997 .
MAESTRELLI e FERRARI, 2006).

Diante do exposto, independentemente de conceitos teóricos que se


deseja abordar, um lme, assim como muitos outros tipos de criação artística,
pode ser usado para tornar a Ciência e, consequentemente, as aulas de
Ciências, mais atrativas e interessantes. Como lembra Bachelard (1968),
embora as Artes se cristalizem no plano sensível, e as Ciências no plano do
pensamento formal, é preciso não perder de vista que ambas advêm de um
pensador criativo que desconstrói a natureza para construir e estudar,
respectivamente, fenômenos formalizados na instância cognitiva ou expressos
no mundo da experiência estética.
Algumas considerações sobre o enfoque interdisciplinar

Conforme se apresenta nos documentos o ciais para o Ensino Médio


(BRASIL, 2002), a interdisciplinaridade e a contextualização devem ser
entendidas como recursos complementares com os quais se pode criar ou
aumentar as possibilidades de interação entre as disciplinas, tornando a
aprendizagem mais satisfatória.

Em uma perspectiva escolar, a interdisciplinaridade não tem a pretensão


de criar novas disciplinas ou saberes, mas de utilizar os conhecimentos de várias
disciplinas para resolver um problema concreto ou compreender um
determinado fenômeno sob diferentes pontos de vista. Resumindo, a função da
interdisciplinaridade é instrumental; trata-se de recorrer a um saber
diretamente útil, utilizável para responder às questões e aos problemas sociais
contemporâneos.

O termo interdisciplinaridade ou, comumente apregoado nos meios


educacionais, ensino interdisciplinar, pode ser melhor compreendido a partir
de um olhar minucioso sobre tal temática, buscando a compreensão de suas
raízes epistemológicas, sociológicas ou losó cas, en m, de quais áreas do
conhecimento o fundamenta. Conforme Gadotti (1999):

A interdisciplinaridade, como questão gnosiológica4, surgiu no nal do século


passado, pela necessidade de dar uma resposta à fragmentação causada por uma
epistemologia de cunho positivista5. As Ciências haviam-se dividido em muitos
ramos e a interdisciplinaridade restabelecia, pelo menos, um diálogo entre elas,
embora não resgatasse ainda a unidade e a totalidade (GADOTTI, 1999, p. 1,
grifo do autor).

Para esse autor, a fragmentação das Ciências fora necessária ao avanço


cientí co, possibilitando a este o aprofundamento das Ciências em
especi cidades do saber. Porém, as Ciências Humanas encontravam
di culdades para galgar suas pesquisas a partir de um enfoque positivista;
segundo Gadotti: “A tradição positivista de só aceitar o observável, os fatos, as
coisas, trouxe problemas para as ciências humanas, cujo objeto não é tão
observável quanto o objeto das ciências naturais, modelo sobre o qual se funda
o paradigma do positivismo” (GADOTTI, 1999, p. 1, grifo do autor).

No campo educacional, a interdisciplinaridade constitui-se alvo de


pesquisas há algumas décadas, e não recentemente, como muitos pensam.
Desde 1912, com a fundação do Instituto Jean Jacques Rousseau, em Genebra,
evidenciam-se a preocupação em estabelecer relações entre as Ciências clássicas
e as Ciências aplicadas à educação, ou seja, um desejo em/para (inter)relacioná-
las. Segundo Gadotti (1999), a interdisciplinaridade vem sendo utilizada em
projetos educativos, baseando-se em alguns princípios:

1) Na noção de tempo: o aluno não tem tempo certo para aprender. Não
existe data marcada para aprender. Ele aprende a toda hora e não apenas na sala
de aula (Emília Ferreiro); 2) Na crença de que é o indivíduo que aprende.
Então, é preciso ensinar a aprender, a estudar, etc; ao indivíduo e não a um
coletivo amorfo. Portanto, uma relação direta e pessoal com a aquisição do
saber; 3) Embora apreendido individualmente, o conhecimento é uma
totalidade. O todo é formado pelas partes, mas não é apenas a soma das partes.
É maior que as partes; 4) A criança, o jovem e o adulto aprendem quando tem
um projeto de vida, e o conteúdo do ensino é signi cativo (Piaget) para eles no
interior desse projeto. Aprendemos quando nos envolvemos com emoção e
razão no processo de reprodução e criação do conhecimento. A biogra a do
aluno é, portanto, a base do método de construção/reconstrução do
conhecimento; 5) A interdisciplinaridade é uma forma de pensar. Piaget
(1972:144) sustentava que a interdisciplinaridade seria uma forma de se chegar
a transdisciplinaridade, etapa que não caria na interação e reciprocidade entre
as ciências, mas alcançaria um estágio onde não haveria mais fronteiras entre as
disciplinas (GADOTTI, 1999, p. 3, grifo do autor).

A partir do exposto, cam evidentes as considerações do autor sobre a


necessidade de um trabalho interdisciplinar que permita ao aluno compreender
o ato educativo como um processo em/de interação parte/todo, nas quais as
buscas pelas suas signi cações (dos alunos) se façam mediante constantes
relações que ultrapassem as barreiras disciplinares.
A interdisciplinaridade também está envolvida quando os sujeitos que
conhecem, ensinam e aprendem sentem necessidade de procedimentos que, em
uma única visão disciplinar, podem parecer heterodoxos, mas que faz sentido
quando são chamados a dar conta de temas complexos.

Embora as considerações apresentadas sobre o conceito


interdisciplinaridade não sejam su cientes para um esboço mais abrangente
desta temática, para o referente estudo estas (considerações) são su cientes,
tendo em vista a proposta do artigo, que consiste em investigar a possibilidade
de um trabalho interdisciplinar entre a Matemática e a Biologia por meio de um
recurso artístico ( cção cientí ca).

A meta principal deve ser propiciar ao aluno modos de conceber as


Ciências como um “corpo de conhecimentos articulados”, e não como um
‘amontoado/somatório’ de diversas Ciências. Buscar a totalidade do
conhecimento, não no sentido de ‘todo o conhecimento já produzido’ –
aspecto impossível a ser conseguido por qualquer ser humano, tendo em vista a
enor-midade de conhecimentos já produzidos, em produção e que surgirão,
devido ao processo dinâmico da comunidade cientí ca – mas uma totalidade
que permita ao sujeito/aluno compreender as contribuições das várias Ciências,
por exemplo, na construção dos saberes escolares.
Ensino de Evolução Biológica
eodosius Dobzhansky (1973) na célebre frase “Nada em Biologia faz
sentido se não for à luz da Evolução”, a rmou que na Biologia, é a realidade da
Evolução Biológica que confere coesão e vincula, direta ou indiretamente, cada
um a todos os outros estudos biológicos.

A Biologia é uma Ciência cujo objeto de estudo é a vida em todas as suas


manifestações. Ela forma uma rede complexa de saberes que envolve a grande
diversidade de formas vivas, assim como os níveis nos quais a vida pode ser
entendida. A teoria evolutiva é uma forma de articular essa gama de
informações, que torna os conceitos biológicos difíceis de serem assimilados e
compreendidos, pois oferece coesão e continuidade a toda diversidade
biológica.

Santos (1999) resumiu os resultados de várias pesquisas que objeti-vam


compreender as di culdades dos alunos durante o processo de ensino-
aprendizagem dos conceitos ligados à Evolução Biológica. Ela anali-sou os
discursos dos estudantes durante o momento de aprendizagem da teoria
evolutiva, buscando revelar suas concepções, modelos explicativos e as
modi cações ocorridas durante esse processo. Santos (1999) destacou a
importância de se ter um ensino de Biologia baseado na teoria sintética da
Evolução desde as primeiras séries dos Ensinos Fundamental e Médio.

Embora o conhecimento biológico esteja fundamentado na Teoria


Sintética da Evolução, o Ensino de Biologia realizado na educação básica ainda
não está pautado nesta condição. De forma geral, o que existe é um ensino
compartimentalizado, no qual, os aspectos evolutivos que deveriam ser as
diretrizes para a construção do conhecimento biológico têm sido vistos como
“capítulos à parte”, muitas vezes, presentes apenas nos últimos capítulos do
livro didático (MEGLIORATTI, 2004).

Nos PCNEM (1999) o ensino de Biologia está amparado pela teoria


evolutiva. No entanto, o ensino ainda segue, muitas vezes, o pensamento
essencialista de Platão e Aristóteles. A ideia essencialista que trata as espécies
como tipos ideais, quando transferida para a situação de ensino e aprendizagem
da sala de aula proporciona um ensino marcado pela memorização das
características de cada ser vivo.

A teoria evolutiva estabeleceu uma mudança de paradigma dentro do


conhecimento do mundo atual. Até o surgimento desta, o pensamento
predominante era o Fixismo, no qual as espécies eram tidas como xas e
criadas da forma como eram encontradas. Como toda mudança de paradigma,
essa teoria trouxe muitas controvérsias e foi assimilada lentamente. Apesar da
teoria da evolução, em termos gerais, hoje ser um paradigma bem estabelecido
dentro do mundo acadêmico e estar referendada em muitas evidências,
apresenta uma resistência para ser implementada sistematicamente no Ensino
de Biologia.

Segundo Futuyma (1992), Evolução Biológica é o mais importante


conceito da Biologia Moderna – um conceito essencial para a compreensão de
aspectos-chave dos seres vivos e:

[…] como todos os conceitos importantes, a Evolução Biológica gera


controvérsia; como muitos conceitos importantes, ela tem sido usada como uma
base ou fundamento intelectual para pontos de vista losó cos, éticos ou sociais.
Em seu sentido mais amplo, a Evolução Biológica é meramente mudança e, deste
modo, é uma ideia de ampla penetração - galáxias, linguagens e sistemas políticos
evoluem. Evolução Biológica é a mudança nas propriedades das populações dos
organismos que transcendem o período de vida de um único indivíduo. A
ontogenia de um indivíduo não é considerada evolução; organismos individuais
não evoluem. Para as populações, somente as mudanças que são herdáveis de uma
geração para outra, via material genético, são consideradas mudanças evolutivas. A
Evolução Biológica pode ser pequena ou substancial, ela abrange tudo, desde as
pequenas mudanças até alterações sucessivas que levaram os primeiros proto-
organismos a se transformarem em caramujos, abelhas, girafas […] (FUTUYMA,
1992 p. 7).

Além disso, esse autor argumenta que a Biologia Evolutiva é uma


disciplina intelectual e tecnologicamente dinâmica, que inclui algumas das
mais empolgantes descobertas atuais das Ciências Biológicas, que contribuem
de forma direta com questões de relevância social.
A unidade, a diversidade e as características adaptativas dos organismos
são consequências da história evolutiva e só podem ser ple-namente
compreendidas nessa perspectiva. A Biologia Evolutiva esclarece fenômenos
estudados nos campos da Biologia Molecular, da Biologia do Desenvolvimento,
da Fisiologia, do Comportamento, da Paleontologia, da Ecologia e da
Biogeogra a, complementando os estudos dessas disciplinas, com explanações
baseadas na história e na adaptação. Em todo o campo das Ciências Biológicas,
a perspectiva evolutiva fornece uma estrutura útil, muitas vezes indispensável,
para organizar e interpretar observações e fazer previsões. A Ciência da Biologia
Evolutiva é o estudo da história da vida e dos processos que levaram à sua
unidade e diversidade (CARNEIRO, 2004).

Investigações surgem continuamente nos campos voltados para os estudos


evolutivos e enriquecem os conhecimentos ligados à Evolução Biológica. A
partir desses conhecimentos, é possível apresentar uma explicação geral da
história da vida.

Oliveira (1995) defendeu que com o auxílio da perspectiva evolutiva, é


possível analisar e interpretar os múltiplos cenários que têm composto a
história da vida na Terra, perpassando todos os tipos de fenômenos envolvidos
na origem e na extinção das diferentes formas de vida, desde seu início há
alguns bilhões de anos até os dias atuais. A autora coloca ainda que, se o estudo
das diferentes disciplinas que integram os currículos dos cursos de Ciências
Biológicas, fosse feito sob a perspectiva da Biologia Evolutiva, o ensino de uma
Biologia classi catória e estática no tempo seria substituído pelo ensino de uma
Biologia histórica, que reúne e interpreta a dinâmica do passado para explicar o
presente e vice-versa, pois traria a dimensão do tempo geológico para explicar a
vida na Terra. Ela naliza seu artigo salientando a necessidade de aprofundar
estudos sobre a Evolução humana, vincu-lando-os aos conhecimentos de
Genética, Zoologia e Botânica.

Estudos já realizados no campo do ensino e aprendizagem dos conceitos


de Evolução Biológica, apontam problemas como a sua desarticulação com os
demais temas das Ciências Biológicas, forte in uência de concepções religiosas
e a presença de equívocos conceituais, que comprometem, tanto para
professores como alunos, o entendimento dos processos evolutivos biológicos.

Pesquisas nesse sentido têm mostrado que os estudantes do Ensino Médio


possuem concepções alternativas ligadas ao senso comum que persistem
mesmo após anos de instrução (BIZZO, 1999). Para esses estudantes,
compreender a diversidade da vida como resultado de um processo aleatório
parece ser o grande obstáculo epistemológico para o entendimento da Evolução
Biológica, pois eles entendem o ser humano como “algo tão perfeito” e
acreditam que “na vida sempre estamos nos aperfeiçoando e melhorando” e
“tem que ter alguém que criou isto tudo” (SANTOS e BIZZO, 2000).

Gayon (2001) ressaltou que a disciplina de Evolução Biológica continua


sendo uma disciplina fundamentalmente teórica, um objeto que suscita uma
curio-sidade intelectual tão popular quanto universal. Apesar disso, a
abordagem da Evolução Biológica em atividades de ensino permanece rara e
tudo se passa como se o aspecto mais teórico das Ciências Biológicas devesse
ser mantido e considerado como objeto de descon ança em meio às matérias
inicialmente ensinadas.

Apesar de diversos autores, como os citados, reconhecerem a posição


central da Biologia Evolutiva entre as Ciências da vida, ela ainda não
representa, nos currículos educacionais e na concessão de verbas para pesquisa,
uma prioridade à altura de sua importância intelectual e de seu potencial para
contribuir com as necessidades da sociedade (CARNEIRO, 2004).

Somando-se às questões anteriormente apontadas, a falta de clareza sobre


conhecimentos cientí cos a respeito do tema Evolução Biológica, por parte de
docentes e discentes, torna o ensino e a aprendizagem desse tema, merecedores
de estudos adicionais conforme aponta uma série de trabalhos como o de
Cicillini (1997).

O lme aqui analisado representa uma proposta metodológica para o


ensino da teoria evolutiva em interdisciplinaridade com a Matemática e busca
contribuir para a propagação de estratégias de ensino que contemplem tanto o
conhecimento cientí co como o histórico para seu entendimento.
“Evolution”: o lme analisado

Escrito originalmente como drama por Don Jakoby, o roteiro foi


conduzido em sentido cômico por Reitman e os roteiristas subsequentes David
Diamond e David Weissman.

O lme, lançado no ano de 2002, tem sua dose inevitável de humor, mas
o tom prevalecente é de absurdo discreto: um meteoro em chamas cai sobre o
deserto do Arizona, praticamente em cima do jovem candidato a bombeiro
Wayne (Seann William Scott), que quase morre incinerado no momento em
que treinava técnicas de primeiros-socorros com uma boneca in ável em
tamanho real.

Os primeiros a se darem conta de que algo não está normal são o Dr. Ira
Kane (David Duchovny), ex-cientista do governo e atual professor de Biologia,
e Harry Block (Orlando Jones), seu colega e professor de Geologia. Ira leva
amostras do meteoro para seu laboratório, onde observa que organismos
unicelulares vindos do espaço sideral estão se dividindo e se transformando em
criaturas multicelulares complexas, como platelmintos. Pasmo, o cientista
percebe que acaba de testemunhar, em um único dia, um processo evolutivo
que levaria 2 bilhões de anos. Mas o fato de poder prever o assustador resultado
lógi-co desse processo não signi ca que Ira possa fazer muito para impedi-lo.
Quando o exército norte-americano assume o controle do local da queda do
meteoro, Ira e Harry são declarados personae non gratae pela general em
comando e o cial de controle de doenças Allison (Julianne Moore), que revela
os maus antecedentes militares de Ira – criador de uma vacina fracassada contra
a doença antraz.

Em pouco tempo, os habitantes locais penetram no local do acidente, que


teve o acesso bloqueado e já se transformou em uma verdadeira oresta
amazônica entre paredes, com uma multidão de bichos estranhos. Os animais
são variados, detalhados e amedrontadores, e o que eles fazem é
su cientemente inesperado para gerar gritos e respiração suspensa. Alguns
conteúdos apresentados pelo lme e que podem ser trabalhados em sala de
aula, a partir dele são:

1. Evolução Biológica;
2. Uni e Pluricelularidade;
3. Origem da vida;
4. Reações químicas;
5. Catalisadores de reação;
6. Divisão celular;
7. Metabolismo celular;
8. Adaptação biológica;
9. Herança de características (DNA, pares de bases);
10. Mutações;
11. Uso de armas químicas;
12. Exponenciação ou potenciação;
13. Tratamento de informações;
14. Trabalho cientí co (in uências político-econômicas e sociais), entre
outros.

É importante destacar, aqui, que o lme selecionado apresenta esses


conteúdos, muitas vezes, de forma incorreta, e por isso, a seleção desse lme foi
feita pela apresentação do tema e a presença de grande quantidade de conceitos
relativos ao ensino de Genética apresentados. Assim, o enfoque dado ao seu
uso como estratégia didática está no seu potencial de motivação dos alunos,
sendo que o professor deve atentar para os erros conceituais, de maneira a
promover a correta compreensão do conteúdo Evolução Biológica.
Possíveis conteúdos matemáticos a serem abordados em
interdisciplinaridade com a Biologia, a partir do lme “Evolution”

Com a exibição do lme “Evolução” e a utilização da lógica da


interdisciplinaridade é possível abordar vários conceitos matemáticos em
relação/cooperação às noções biológicas.

O primeiro conteúdo matemático subjacente à explicação biológica [neste


caso a divisão celular] refere-se à função exponencial. A exponenciação ou
potenciação é uma operação aritmética que indica a multiplicação de uma dada
base (a) por ela mesma tantas vezes quanto indicar o expoente (n), sendo este
um número natural maior que 1. Observando a equação:

A partir da de nição acima e sabendo que a divisão celular evidencia a


sequência númérica {2, 4, 8, 16, 32, …, 256, …, 512, …, 2048, …}, pode-se
representar tal crescimento a partir da função exponencial6 abaixo:

A Figura 1 a seguir mostra, em termos visual-geométricos, a “curva


exponencial” expressa pela função acima:

Figura 1 – Função exponencial f(n)=2n .


É importante salientar que a curva mostrada acima contempla valores
para n positivos. Os valores negativos de n não interessam neste contexto (o da
divisão celular), pois, no processo de divisão celular há um crescente aumento
das “células divididas” mediante a cada divisão.

A partir desta exempli cação é possível perceber as inúmeras


possibilidades interdisciplinares relativas ao estudo da Evolução e da
Matemática.

Outro aspecto observado refere-se à comparação entre o tempo real e o


tempo ctício (mostrado no Filme) necessário para o
desenvolvimento/evolução de algumas espécies e vegetações. Torna-se
interessante que os próprios alunos realizem alguns cálculos matemáticos para
determinar o tempo real necessáio à Evolução das espécies/vegetações
observadas no lme. Separados em grupos, o professor fornece aos alunos os
seguintes dados:

Tabela 1 – Dados relativos à Evolução dos seres vivos.


Com o intuito de auxiliar os estudantes, lhes são entregues a Figura 2
abaixo:

Figura 2 – Origem do planeta Terra e 1ª célula viva.

Para solucionar o problema, ou seja, para encontrar o tempo de Evolução


desde a 1ª célula viva, o estudante terá de realizar a operação de subtração. Por
exemplo, se o cogumelo só atingiu “sua Evolução” há 500 milhões de anos
atrás, para saber o tempo de evolução desde a 1ª célula viva da qual descendeu,
é necessário realizar: 3,8 Bilhões - 500 Milhões = 3,3 Bilhões.

Se for preciso, o professor deverá retomar o assunto referente às casas


decimais, devido ao “grande7” valor encontrado. É necessário que os estudantes
compreendam que 3,3 bilhões representam o número 3.300.000.000 (três
bilhões e trezentos milhões). Como já se abordou o conceito de exponencial, o
professor solicita aos alunos que representem os Tempos Reais de Evolução
encontrados também em potências de 10, ou seja, exponenciações na qual a
base seja 10. Para auxílio, os alunos devem ser solicitados a construir uma
tabela com potências de 10, tal como a mostrada abaixo:
Tabela 2 – Potência de 10.

Após as etapas anteriores, os alunos possuirão condições para construir a


Tabela 3.

Tabela 3 –Tempo de Evolução (Real x Fictício).

Fazendo uso deste material, o professor tem condições para explorar o


tópico: Tratamento da Informação8. Pedirá aos alunos a construção de dois
grá cos individuais, em um primeiro momento. Em cada um deles será
representado, por meio de grá co por pontos interligados por segmentos de
reta, o Tempo Real de Evolução e o Tempo Fictício de Evolução. Observe
abaixo, o esboço dos mesmos:

Grá co 1 – Tempo Real de Evolução.


Grá co 2 – Tempo Fictício de Evolução.

Após a construção de cada grá co, é solicitada aos alunos a construção de


um terceiro no qual se comparam os valores (Real x Fictício):

Grá co 3 – Evolução Real e Fictícia.


A partir desta última construção, os estudantes mediados pelo professor
podem estabelecer algumas relações perceptíveis, tais como: a não possibilidade
em expressar os segmentos de reta (Tempo em Bilhões de Anos) e (Tempo em
Dias) por equações do 1º grau9, devido a não linearidade dos pontos.

Contudo, por meio das exempli cações acima, nota-se a possibilidade


para o trabalho interdisciplinar entre Biologia e Matemática. Outros assuntos
matemáticos podem ser abordados por meio de novos olhares, interpretações
dos elementos encontrados no lme “Evolution”.
Considerações nais
A Arte pode se combinar com a Ciência como parte de uma estratégia
pedagógica explícita para a educação cientí ca da humanidade. Algumas
atividades dentro do Ensino de Ciências podem ser fortemente melhoradas
com o uso dos recursos artísticos (no caso deste artigo, a cção cientí ca), em
primeiro lugar, porque esses recursos geram maior motivação para a
aprendizagem. Um lme tem um forte apelo emocional e, por isso, motiva a
aprendizagem dos conteúdos apresentados pelo professor. Além disso, a quebra
de ritmo provocada pela apresentação de um audiovisual altera a rotina da sala
de aula. Na cção cientí ca, mesmo quando ela se vale de imagens míticas,
estas são exploradas de forma tal que as razões cientí cas podem ser
apresentadas.

No entanto, esses recursos devem ser usados de forma criteriosa para que
sejam e cientes e úteis. Como toda ferramenta utilizada no ensino, Oliveira
(2006), ressaltou que o uso de um lme comercial deve ter uma função
de nida no plano de ensino elaborado pelo professor para um dado conteúdo.
A habilidade e capacitação técnica do professor aparecem na hora das escolhas
desse material e de sua estratégia para inserção dele nas aulas.

Em primeiro lugar, ele não é um substituto para a falta de tempo para


preparar uma aula, o professor deve sempre olhar e analisar o lme antes dos
alunos e fazer uma apresentação prévia do conteúdo a ser ministrado. Quanto à
apresentação de lmes, é preciso que o professor faça um resumo do que vai ser
visto, apontando os pontos importantes. Este trabalho é fundamental para
dirigir a atenção dos alunos.

Programar atividades de discussão e análise do que foi apresentado no


lme, enfatizando os aspectos conceituais e sociais do mesmo, após a
apresentação é fundamental para que os alunos vejam os conteúdos
apresentados de maneira mais complexa, e concebam a Ciência como uma
atividade dependente das transformações políticas e sociais da humanidade.

O professor deve ainda ter em mente, quando utiliza recursos


audiovisuais, qual é a matriz cultural a partir da qual foi construída a obra que
vai ser exibida, qual é a sua própria matriz cultural e o modo como estas duas
matrizes se relacionam, já que os meios de comunicação continuam a tratar da
Ciência, preponderantemente, como o produto de descobertas geniais, de
mentes inspiradas, considerando os produtos tecnológicos como simples
aplicação das descobertas teóricas.

O fato de a Evolução Biológica ser apresentada aos alunos de Ensino


Médio de modo fragmentado, impregnada por ideologias e com distorções das
informações cientí cas atualmente aceitas, gera a necessidade do assunto ser
efetivamente trabalhado nas escolas de forma clara e precisa, integrando-o com
diversos outros conhecimentos.

Mas, é preciso deixar claro que a utilização de uma cção cientí ca para a
abordagem de um conceito como esse requer o domínio desse mesmo conceito,
uma vez que esse gênero traz ideias fantasiosas e teorias irreais. A falta de
clareza por parte do docente sobre o assunto que ministra pode ser fato gerador
de insegurança tanto para quem ensina quanto para quem aprende, além de
favorecer ainda mais a formação de concepções equivocadas.

1 Licenciada em Biologia. Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência,


Unesp – Bauru, SP; ([email protected]).

2 Licenciado em Matemática. Mestre em Educação para a Ciência na área de Ensino de Ciências e


Matemática, pelo Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência Unesp – Bauru, SP. É
professor efetivo da Educação Básica I da rede estadual paulista; ([email protected]).

3 Professor titular da Faculdade de Ciências da Unesp e orientador no programa de Pós-graduação


em Educação para a Ciência – Unesp. Desenvolve pesquisas na área de Genética, com ênfase em
Genética de Populações; ([email protected]).

4 Gnosiologia – (também chamada Gnoseologia) é o ramo da Filoso a que se preocupa com a


validade do conhecimento em função do sujeito cognoscente, ou seja, daquele que conhece o objeto.
Este (o objeto), por sua vez, é questionado pela ontologia que é o ramo da Filoso a que se preocupa
com o ser. Fazem-se necessárias algumas observações para se evitar confusões. A Gnoseologia não pode
ser confundida com Epistemologia, termo empregado para referir-se ao estudo do conhecimento
relativo ao campo de pesquisa, em cada ramo das Ciências. A metafísica também não pode ser
confundida com ontologia, ambas se preocupam com o ser, porém a metafísica põe em questão a
própria essência e existência do ser. Em outras palavras, grosso modo, a ontologia insere-se na teoria
geral do conhecimento, ou Ontognoseologia, que preocupa-se com a validade do pensamento e das
condições do objeto e sua relação com o sujeito cognoscente, enquanto que a metafísica procura a
verdadeira essência e condições de existência do ser.

5 O Positivismo é uma corrente sociológica cujo precursor foi o francês Auguste Comte (1789-1857).
Surgiu como desenvolvimento sociológico do Iluminismo e das crises social e moral do m da Idade
Média e do nascimento da sociedade industrial. Propõe à existência humana valores completamente
humanos, afastando radicalmente a teologia ou a metafísica. O método geral do Positivismo de
Augusto Comte consiste na observação dos fenômenos, subordinando a imaginação à observação (ou
seja: mantém-se a imaginação), mas há outras características igualmente importantes.

6 A função exponencial é toda função f de R em R, na qual R é o conjunto dos números reais, que
associa a cada n real o número an, sendo a um número real, maior que zero e diferente de 1. Assim,
não é o mesmo que uma equação exponencial.

7 Talvez seja necessária a utilização de calculadoras cientí cas para a realização dos cálculos
matemáticos e conversão em base 10 dos resultados encontrados. Por exemplo, quando encontrado o
tempo real de evolução dos cogumelos (3.300.000.000) a representação através de base 10 ocorre a
partir da decomposição do número considerado em agrupamentos múltiplos de 10, encontrando
assim a representação 3,3 × 109. Observe que, ao multiplicarmos 3,3 por 109 = 1.000.000.000,
retornamos ao número 3.3000.000.000.

8 O Tratamento da Informação refere-se a um dos Blocos de Conteúdos de nido pelos PCN


(Parâmetro Curricular Nacional) no qual objetiva-se a leitura, interpretação e
organização/construção de dados em tabelas, grá cos. Constitui-se como um excelente conteúdo
procedimental aos educandos para compreensão de dados estatísticos veiculados pelos meios de
comunicação.

9 Equação do 1º Grau: é toda equação sob a forma: ax + b = 0, no qual a ≠ 0 e b ao conjunto dos


números Reais.
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Fertilização in vitro e Bioética nos
livros didáticos
Polyana Cristine Tizioto1
Elaine S. Nicolini Nabuco de Araujo2
Introdução

Neste estudo discutiremos a importância de uma abordagem integrada de


conteúdos referentes à Biotecnologia e à Bioética em sala de aula. Essa visão
possibilita ao aluno um novo olhar acerca dos avanços cientí cos, que engloba
tanto o entendimento dos conceitos biológicos envolvidos como os aspectos
éticos decorrentes de sua aplicação. Tendo em vista o contexto atual, no qual a
Ciência está cada vez mais presente no cotidiano da população, é fundamental
a formação de cidadãos aptos a fazerem suas escolhas com responsabilidade no
âmbito pessoal ou social acerca das questões relacionadas aos impactos dos
avanços cientí cos na sociedade e no ambiente.

A análise dos livros didáticos é uma das maneiras de veri car como
determinado assunto é abordado em sala de aula, uma vez que, estes
constituem uma importante fonte de consulta tanto para os professores como
para os alunos. Aqui, apresentamos uma pesquisa por nós realizada com a
nalidade de veri car se e como a Biotecnologia, em particular as técnicas de
fertilização in vitro e suas implicações éticas, estão sendo discutidas nos livros
didáticos de Ciências e Biologia.

A nossa análise foi, em parte, baseada no conceito de transposição


didática de Chevallard (1991). Segundo esse autor, a transposição didática
refere-se à passagem do “saber sábio” (cientí co) para o “saber ensinado”, ou
seja, aquele inserido no contexto escolar. Para Chevallard (1991), o “saber
sábio” é o legitimador do “saber ensinado”. Ressaltamos, no entanto, que nosso
estudo não se restringe à veri cação das modi cações sofridas pelo conceito
cientí co para torná-lo um “saber ensinado”, mas destacamos, sobretudo, as
questões éticas decorrentes da aplicação das técnicas de fertilização in vitro,
bem como a abordagem destas nos livros didáticos.
As pesquisas biotecnológicas e suas implicações éticas

Diversas áreas do conhecimento cientí co têm se bene ciado dos avanços


biotecnológicos, cuja aplicação tem possibilitado o diagnóstico e tratamento
mais preciso de doenças e o favorecimento de setores como o industrial e o
agrícola. O termo biotecnologia refere-se à utilização ou desenvolvimento de
técnicas que fazem uso de organismos, ou partes deles, para fornecer produtos
ou serviços. Isto inclui a produção de bebidas alcoólicas, queijos, pães,
antibióticos, vacinas, álcoois combustíveis, pesticidas microbianos, inoculantes
de xação de nitrogênio, perfumarias, corantes, entre outros.

Atualmente, a biotecnologia está associada às novas tecnologias que


envolvem a engenharia genética3, tais como, a técnica do DNA recombinante e
de sequenciamento do DNA. São exemplos da aplicação destas, os alimentos
transgênicos, a inseminação arti cial em bovinos, a terapia gênica4, o projeto
genoma, proteínas terapêuticas5, tratamentos de infertilidade etc.

Pelos possíveis impactos na sociedade e no ambiente, as pesquisas


biotecnológicas atuais necessitam de um suporte ético para serem
desenvolvidas. A disciplina que trata desses assuntos é a Bioética, que conforme
Garrafa (1998) tem por objetivo possibilitar re exões, ponderações e
mediações dos assuntos que causam grande polêmica no mundo inteiro.

As técnicas de reprodução assistida como fertilização in vitro e eminação


arti cial6 (IA) em humanos são exemplos de aplicação de pesquisas que
necessitam suporte legal para serem realizadas. Os debates incluem os con itos
entre o legítimo direito que o cidadão tem de conceber lhos e a controvérsia
sobre o respeito pela vida embrionária. Além disso, a avaliação genética dos
embriões pré-implantatórios, realizada atualmente, também se tornou motivo
de discussão, pois uma técnica que inicialmente seria utilizada para que
houvesse a possibilidade de casais inférteis terem lhos, hoje se tornou uma
alternativa que casais buscam para conceberem um lho sem anomalias
genéticas (ANDORNO, 1994).
A divulgação de pesquisas cientí cas envolvendo a manipulação da vida
em laboratório está se tornando cada vez mais frequente na mídia. Entendemos
que a escola deve se preocupar em formar cidadãos aptos a interpretar e avaliar
as informações recebidas acerca dos avanços cientí cos e suas implicações
éticas.

Infertilidade e fertilização in vitro

Segundo a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia, o termo


esterilidade é de nido como a falta de concepção após 18 meses de vida sexual
regular e sem o uso de métodos anticonceptivos. Já o termo infertilidade é
de nido como a incapacidade de levar uma gravidez a termo ou ao nascimento
de uma criança viva.

O estudo associado à infertilidade está em ascensão nos últimos anos em


virtude dos avanços das técnicas de reprodução assistida. Existem considerações
genéticas importantes relacionadas ao potencial dos genitores de transmissão de
características hereditárias bem como de aberrações genéticas à prole. Por isso,
clínicas especializadas em reprodução assistida estão adotando a investigação
citogenética7 e molecular8, antes de prosseguir o tratamento, para evitar a
transmissão arti cial dessas anormalidades à descendência. (CARRARA,
2000).

A fecundação é o processo por meio do qual um gameta masculino


perfura as membranas lipoprotéicas do gameta feminino e combina-se com esse
formando o zigoto que em poucas horas inicia seu processo de divisão celular,
o que já con gura o desenvolvimento do embrião. A reprodução assistida é
de nida por Corrêa (2001) como “um conjunto de técnicas de tratamento
médico paliativo, em condições de in/hipofertilidade humana, visando à
fecundação” (CORRÊA, 2001, p. 11).

Segundo Frazão (2000), a fertilização in vitro consiste na técnica de


fecundação fora do corpo, na qual os óvulos e os espermatozoides são
previamente retirados de seus doadores e são unidos em um meio de cultura
arti cial, em condições adequadas, para que possa ocorrer a fecundação. Após
algumas clivagens é obtido um embrião com oito células que poderá ser
transferido para o útero materno. Antes da sua transferência, há possibilidade
de se fazer avaliações genéticas para diagnosticar anomalias severas. A
fertilização in vitro pode ser do tipo homóloga, quando os gametas coletados
para serem fertilizados são do próprio casal que gerarão o lho ou do tipo
heteróloga, quando os gametas são doados por um casal externo.

O ano de 1978 foi marcado pelo êxito nas técnicas de reprodução


assistida com o nascimento do primeiro embrião fertilizado in vitro e a sua
transferência para o corpo materno depois de clivado em oito células. Esse
trabalho abriu caminhos para o aperfeiçoamento das técnicas de fertilização in
vitro em humanos e posteriores trabalhos foram publicados, dentre eles,
destacamos, Whittingham (1979), Edwards et al., (1980), Steptoe et al.,
(1980) e Edwards et al., (1980).

Em linhas gerais, na técnica de fertilização in vitro, o paciente recebe


doses hormonais para estimular a produção e a maturação de óvulos. Esses,
então, são retirados do corpo materno por ultrassom transvaginal guia-do por
uma agulha de aspiração. A fertilização ocorre no laboratório seja adicionando
espermatozoides ao meio de cultura em que se encontram os óvulos ou por
injeção de um único espermatozoide no óvulo, esta última conhecida como
Injeção Intracitoplasmática de Espermatozoide (ICSI) (SHANNER et al.,
2001). Essa técnica empregada em casos de infertilidade masculina é feita com
o uso de micromanipuladores acoplados ao microscópio. Um único
espermatozoide previamente selecionado é injetado diretamente dentro do
óvulo, induzindo à fecundação.

Entre os procedimentos referentes à técnica de fertilização in vitro está


aquele em que é feita a coleta de cerca de sete óvulos que são colocados em
meio de cultura e fertilizados. Para aumentar a chance de ocorrência de
gravidez, são inseridos de três a quatro embriões no útero materno e o restante
é congelado e utilizado se houver insucesso na aplicação da técnica (não ocorrer
a gravidez, por exemplo) e os pais queiram implantar os embriões restantes ou
se o casal futuramente quiser mais lhos. Como são inseridos no útero de três a
quatro embriões, a fertilização in vitro pode resultar em gravidez múltipla.

De acordo com Borlot e Trindade (2004), muitas vezes os casais deparam-


se com problemas éticos e legais, uma vez que, a reprodução assistida é
permeada por muita polêmica, fazendo-se necessárias re exões por parte da
sociedade sobre o assunto. Também é importante considerar que casais que se
submetem à fertilização in vitro têm maiores chances de vir a ter gestações com
nascimentos múltiplos, como consequência involuntária da implantação de
cerca de quatro embriões no útero.

Quanto à probabilidade de sucesso da técnica de fertilização in vitro,


dados mencionados por Frazão (2000), revelaram que a probabilidade de um
casal alcançar a gravidez e levá-la até o m, com o nascimento efetivo do bebê,
é de apenas 6,7%. Porém, se a exigência enfocada for apenas o início da
gravidez, essas chances de sucesso aumentam para 17,1%.

Bioética e fertilização in vitro

A palavra Bioética foi proposta, em 1970, por Van Rensselaer Potter.


Conforme Bernard (1990), duas etapas importantes para o estabelecimento da
Bioética foram o Colóquio de Asilomar, em 1974, e o primeiro congresso do
Movimento Internacional da Responsabilidade Cientí ca, em 1976, na cidade
de Paris. A reunião de Asilomar foi suscitada pelo conhecimento do homem de
modi car geneticamente os seres vivos. Nessa reunião, pela primeira vez, o
homem tomava consciência das consequências de suas práticas manipulativas e
tentavam estabelecer limites para tais práticas.

Em 1977, o poeta Robert Mallet percebeu a importância da revolução


cientí ca e compreendeu as implicações desta para o homem. Deste modo é
fundado na Sorbonne, o Movimento Universal da Responsabilidade Cientí ca,
e as questões de Bioética são inicialmente preocupações do criador do
movimento e de seus amigos (Bernard, 1990).
Assim, sucederam-se discussões até que a Bioética tornou-se um domínio
importante da re exão humana. As formas adotadas para abordar as questões
de Bioética variam de país para país. Para Bernard (1990), são necessárias
alianças entre médicos, biólogos, lósofos, teólogos, sociólogos, juristas e
cidadãos não especializados, mas preocupados com o assunto.

Segundo Bernard (1990), a rápida mudança da medicina ocorrida por


volta de 1940 foi desencadeada pelo o que o autor denominou de duas
“revoluções” importantes: a biológica e a terapêutica. A revolução biológica
possibilita ao homem os três domínios: o da reprodução, o da hereditarieda-de
e o do sistema nervoso, sendo assim, diz respeito a toda a sociedade humana. A
evolução terapêutica, diz respeito à medicina e à ética da aplicação dos
progressos que ocorrem nos tratamentos, à prevenção das doenças e ainda à
ética da pesquisa clínica.

Para Garrafa (1998), a Bioética é uma disciplina cujo objetivo é o de fazer


as re exões, ponderações e mediações dos assuntos que causam grande
polêmica no mundo inteiro.

Vieira (1999) reforçou essa ideia dizendo que a Bioética é uma palavra
que designa o conjunto de disciplinas e práticas pluridisciplinares, que tem
como objetivo re etir acerca de soluções para as questões éticas principalmente
as sugeridas pelo advento das tecnociências médicas.

A fertilização in vitro tem gerado debates bioéticos, com destaque para:

1. Manipulação de embriões em laboratório;


2. Destino dos embriões excedentes;
3. Avaliação pré-implantacional com a seleção de características genéticas;
4. Paternidade biológica não considerada em casos de fertilização in vitro
heteróloga.

A discussão sobre a manipulação de embriões em laboratórios envolve a


de nição de embrião que segundo Bernard (1990) varia de país para país.
Alguns usam os termos em sequência, ovo fecundado, embrião pré-
implantatório e, por m, embrião.

A grande polêmica reside na preservação dos embriões excedentes da


técnica de fertilização in vitro, ou seja, embriões extranumerários. Bernard
(1990, p. 93), levanta os seguintes questionamentos: “Que deve se fazer com
eles? Guardá-los para a próxima gravidez do mesmo casal? Doá-los a outro
casal? Utilizá-los para pesquisas? Matá-los?”.

Andorno (1994) mencionou que apesar das polêmicas que permeiam o


campo da aceitação ou não das técnicas de diagnóstico préimplantacional, na
realidade, a prática de seleção de embrião já tem sido uma alternativa utilizada
nas clínicas de reprodução assistida. Ele a rmou que este procedimento teve
início com a equipe dirigida por Andrew Handyside, de Londres, em 1990,
que ao fazer a transferência de embriões, excluía os de sexo masculino, nos
casos em que a mãe era portadora de alguma doença genética ligada ao sexo
como, por exemplo, distro a muscular de Duchenne9 e hemo lia10.

Quanto à paternidade biológica, ou seja, a paternidade referente ao


doador de gametas, que pode não ser considerada em casos de fertilização in
vitro heteróloga, em que o doador será diferente dos pais de criação, Bernard
(1990) propôs a seguinte questão: “Dois pais; não há um a mais? Acabamos de
responder a pergunta. O pai legal deve ser o único com a exclusão do doador
de esperma” (BERNARD, 1990, p. 93).

O mesmo Bernard acrescentou mais uma questão bioética relacionada às


técnicas de fertilização in vitro, quando comentou sobre os custos para sua
realização:

A fecundação in vitro é muito cara e pode levar a grandes despesas para a


coletividade e para os indivíduos. Deve ser acessível a todos. Mas as suas
indicações devem ser atentamente estudadas e limitadas aos casos para os quais
não existe nenhuma solução. Os serviços componentes do Ministério da Saúde
poderiam precisar as medidas que permitirão xar essas indicações (BERNARD,
1990, p. 93).
As mulheres que fazem uso das técnicas de fertilização in vitro, conforme
já mencionado anteriormente, podem obter uma gestação com nascimentos
múltiplos. Por outro lado, esta pode não se efetivar de fato, já que há riscos de
se obter gravidez ectópica. Em ambos os casos, pode haver um desgaste
emocional, pois os pais nem sempre possuem preparo psicológico ou até
mesmo econômico para enfrentarem tais situações.

No caso da avaliação pré-implantacional11 é importante lembrar que a


técnica de fertilização in vitro foi inicialmente direcionada para casais que não
poderiam ter lhos e que como cidadãos tinham o legítimo direito de
concepção.Todavia, com o avanço das técnicas de fertilização in vitro, é possível
a retirada de uma célula do embrião pré-implantatório com oito células,
formado após clivagens posteriores a fecundação, para uma avaliação genética.
Aqueles que não apresentam predisposições às doenças genéticas são
transferidos para o útero materno, os demais são congelados (ARAUJO et al.;
2007).

A Lei de Biossegurança

A América Latina e os países em desenvolvimento demoraram mais em


relação aos países desenvolvidos para estabelecer regulamentações ou legislações
sobre a utilização das técnicas de fertilização in vitro e há ainda de ciências nas
leis que não são claras sobre o assunto. Porém, com a crescente preocupação
acerca desta nova tecnologia, a tendência é de que todos os países que
dominem essas técnicas regulamentem e controlem suas aplicações sobre o ser
humano. (CAVALCANTE, 2004).

No Brasil, a Lei de Biossegurança (2005) – que regula o uso das técnicas


de engenharia genética –, a respeito das implicações das técnicas de fertilização
in vitro, diz no artigo 5º:

É permitida, para ns de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco


embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in
vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes
condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da
publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta
Lei, depois de completarem 3 (três) anos, con-tados a partir da data de
congelamento.
1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou
terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus
projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em
pesquisa.

As questões relacionadas à manipulação de embriões em laboratório


envolvem o conceito de vida e, sobre esse aspecto, ainda não há um consenso
sobre quando esta se inicia12, nem mesmo entre os especialistas. Grosso modo,
podemos dizer que há uma teoria que considera que a vida inicia no momento
da fecundação, outra que explica que a vida tem início com o processo de
nidação (quando o embrião adere à parede uterina), além daquela que supõe
que a vida começa a partir do desenvolvimento do sistema nervoso.

Em relação à formação de cidadãos aptos a decidirem sobre as questões


éticas polêmicas, é importante destacar que no caso do Brasil, a Lei 9.394/96
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) inclui a ética na programação
escolar, com o objetivo de aprimorar o educando no desenvolvimento da
autonomia intelectual e do pensamento crítico. Os Parâmetros Curriculares
Nacionais (BRASIL, 1999) apresentaram a ética como tema transversal.
O livro didático de Ciências e Biologia

Megid Neto e Fracalanza (2003) analisaram a temática do livro didático


para o Ensino de Ciências no Brasil e apresentaram alternativas a este recurso.
Os autores destacaram que:

[…] o tema do livro didático, em particular para o caso dos manuais escolares de
Ciências no Ensino Fundamental, deve considerar explícita ou implicitamente as
concepções de Ciência, de Ambiente, de Educação, de Sociedade, das relações
entre Ciência/Tecnologia/Sociedade, entre tantas outras concepções de base
pertinentes ao campo da Educação em Ciências, as quais determinam a própria
concepção de livro didático e de sua relevância educacional (MEGID NETO e
FRACALANZA, 2003, p. 148).

A pesquisa13 sobre os usos que os professores de Ciências de escolas


públicas do Ensino Fundamental alegam fazer do livro didático em suas
atividades docentes, citada por Megid Neto e Fracalanza (2003), apontou três
grupos de respostas. No primeiro, os professores indicam que utilizam vários
livros didáticos de coleções e autores distintos para a elaboração do
planejamento anual e a preparação das aulas. No segundo grupo, os professores
men-cionam que utilizam o livro didático como apoio às atividades de ensino e
aprendizagem. No terceiro grupo, os professores comentam que utilizam o
livro didático como fonte das pesquisas realizadas por eles e pelos alunos.

Na pesquisa mencionada anteriormente, quando os professores foram


indagados acerca da semelhança dos critérios de seleção dos livros didáticos de
Ciências com os de outras disciplinas, houve uma surpresa por parte dos
docentes revelando que, com exceção dos riscos à integridade física do aluno
(relacionado às atividades experimentais), os demais critérios de seleção são
similares aos das demais disciplinas. Isto, de acordo com Megid Neto e
Fracalanza (2003), pode demonstrar que os atributos ou fundamentos que
especi cam o campo das Ciências Naturais não são levados em consideração na
avaliação dos livros didáticos de Ciências.
Com relação aos atuais livros didáticos de Ciências e ao conhecimento
cientí co neles veiculado, Megid Neto e Fracalanza (2003) consideraram que:

Em suma, o livro didático não corresponde a uma versão el das diretrizes e


programas curriculares o ciais, nem a uma versão el do conhecimento cientí co.
Não é utilizado por professores e alunos na forma intentada pelos autores e
editoras, como guia ou manual relativamente rígido e padronizado das atividades
de ensino-aprendizagem. Acaba por se con gurar, na prática escolar, como um
material de consulta e apoio pedagógico à semelhança dos livros paradidáticos e
outros tantos materiais de ensino. Introduz ou reforça equívocos, estereótipos e
miti cações com respeito às concepções de ciência, ambiente, saúde, ser humano,
tecnologia, entre outras concepções de base intrínsecas ao ensino de ciências
naturais (MEGID NETO e FRACALANZA, 2003, p. 154).

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do 3º e 4º


ciclos do Ensino Fundamental (1998), a Ciência e a Tecnologia estão cada vez
mais presentes no cotidiano das pessoas, sendo assim, é de extrema importância
que se tenha “conhecimento a m de interpretar e avaliar informações, até
mesmo para poder participar e julgar decisões políticas ou divulgações
cientí cas na mídia” (BRASIL, 1998, p. 22).

Os PCNs recomendam que o Ensino de Ciências deva mostrar a Ciência


como construção humana que busca compreender o mundo.

[…] Seus conceitos e procedimentos contribuem para o questionamento do que


se vê e se ouve, para interpretar os fenômenos da natureza, para compreender
como a sociedade nela intervém utilizando seus recursos e criando um novo meio
social e tecnológico. É necessário favorecer o desenvolvimento de postura re exiva
e investigativa, de não aceitação, a priori, de ideias e informações, assim como a
percepção dos limites das explicações, inclusive dos modelos cientí cos,
colaborando para a construção da autonomia de pensamento e de ação (BRASIL,
1998, p. 23).

Segundo Amaral e Megid Neto (1997), a despeito das recomendações dos


PCNs e de outras propostas curriculares estarem incorporadas no discurso ou
proposições iniciais, elas não se efetivam no texto do livro didático, nas
atividades propostas e nem nos suplementos e orientações metodológicas ao
professor. Os autores atentaram também sobre as “concepções errôneas,
superadas, parciais, enviesadas, misti cadas sobre ciência, educação, ambiente,
saúde, tecnologia, entre outras tantas” (AMARAL e MEGID NETO, 1997, p.
13).

O enfoque na relação entre a Ciência, a Tecnologia, a sociedade e o


ambiente também pode ser observado nos PCNEM (Parâmetros Curriculares
de Ensino Médio) de Biologia. Entre as competências e habilidades a serem
desenvolvidas no ensino de Biologia, destacamos:

Identi car as relações entre o conhecimento cientí co e o desenvolvimento


tecnológico, considerando a preservação da vida, as condições de vida e as
concepções de desenvolvimento sustentável (BRASIL, 2000, p. 21).

Nascimento e Alvetti (2006) destacaram que há utilização pelos


professores de textos de divulgação cientí ca, publicados em revistas e jornais.
Há também uma tendência, entre os autores, de adaptação dos textos de
divulgação para os livros didáticos. Nascimento e Alvetti (2006) ressaltaram
que,

[…] os textos de divulgação cientí ca são produzidos por jorna-listas e/ou


cientistas que não têm como foco o ensino formal de ciências uma vez que seu
principal objetivo é veicular informações cientí cas para um público de não
especialistas, portanto não apresentando originalmente um caráter didático
inerente à prática escolar. Essa característica acaba por destacar o papel que nós
professores exercemos quando no momento de seleção, adaptação e introdução
dos textos de divulgação cientí ca nas aulas, mediação esta que possui um caráter
distinto daquela que é feita pelo professor durante o uso do livro didático
(NASCIMENTO e ALVETTI, 2006, p. 37).

É necessário dar a devida atenção aos textos de divulgação cientí ca para


que não haja equívoco de apresentar uma visão de Ciência denominada por
Sanmartí (2002) de idealismo cego, que a coloca como objetiva e à margem das
ideologias. Por exemplo, a tendência é valorizar a produção de novos fármacos
como um feito da Ciência e acusar a sociedade pela bomba atômica. Sob o
mesmo aspecto, deve evitar-se também a visão de Ciência de veri cação
crédula, em que a experimentação e os métodos cientí cos são postos como
caminho que conduzem a uma realidade de nitiva.
Transposição e mediação didática

O conceito de transposição didática foi originalmente elaborado por


Michel Verret (1975) e amplamente disseminado por Yves Chevallard. A
transposição diádica refere-se, conforme Chevallard (1991), às transformações
sofridas pelo conceito cientí co (“saber sábio”) quando este é designado como
um “saber a ser ensinado”, ou seja, um saber que deve constar nos conteúdos
programáticos e nos livros didáticos. Esse tipo de saber sofre novas
modi cações quando se torna um “saber ensinado”. Para Chevallard, o saber
acadêmico é um saber de referência que legitima o saber a ser ensinado.

Astol e Devalay (1990) atentaram ao fato que o “saber ensinado” muitas


vezes não possui uma equivalência com o “saber sábio” originando uma
“epistemologia escolar” que não tem referência na epistemologia produzida
pela comunidade cientí ca. Dessa maneira, para se pensar no conjunto de
transformações que deverão nortear a produção do “saber ensinado” a partir do
“saber sábio”, é imprescindível que se exerça uma vigilância epistemológica.
Para os autores, temos de nos ater a três pontos de vista para dar conta de tais
mudanças do “saber sábio”:

O primeiro é que essas mudanças se explicam, inicialmente, pelo “efeito


de reformulação”, que nada mais é que a lógica da exposição dos resultados das
pesquisas cientí cas. O segundo, de acordo com Astol e Devalay (1990),
corresponde também às posições epistemológicas dominantes, ligadas ao
imperialismo dos fatos e da observação do pesquisador, e ao poder do
empirismo como “ loso a espontânea dos sábios”. E o terceiro é que devem ser
entendidos igualmente como a fatalidade da transposição didática, pois a escola
nunca ensinou saberes “em estado puro”, sem modi cações, mas sim conteúdos
de ensino conceitual, um projeto que envolve formação e exigências didáticas.

Sabemos que os conhecimentos cientí cos originados pela academia se


modi cam ao longo do tempo. Com relação às Ciências Biológicas, a rapidez
dos avanços cientí cos di culta a inserção destes no contexto escolar. Assim, os
textos de divulgação cientí ca, levados à sala de aula pelos professores ou
incorporados aos livros didáticos, estabelecem uma ponte entre o “saber sábio”
e o “saber ensinado”. Uma vez, utilizados pelos professores, os textos de
divulgação passam então por um novo processo de transposição didática.

Lopes (1997) preferiu utilizar o termo mediação didática, ao invés de


transposição didática. Segundo ela:

O termo transposição tende a ser associado à ideia de reprodução, movimento de


transpor de um lugar a outro, sem alterações. Mais coerentemente, devemo-nos
referir a um processo de mediação didática. […] processo de constituição de uma
realidade através de mediações contraditórias, de relações complexas, não
imediatas com um profundo sentido de dia-logia (Lopes, 1997, p. 564).

Na mediação didática feita na Química, de acordo com Lopes (1997), é


comum o uso de metáforas e analogias com o intuito de aproximar o
conhecimento cientí co do senso comum. Entretanto, essa aproximação,
quando realizada de forma indevida, pode reforçar concepções cotidianas, em
vez de permitirem que os alunos compreendam as concepções cientí cas. A
didatização não deve ser entendida apenas como uma vulgarização do saber
cientí co de modo a facilitar o seu entendimento. Nesse sentido, ela envolve
um trabalho, por parte da escola, de produção original e não de mera
reprodutora de conhecimentos.

No caso dos avanços cientí cos, entendemos que o desa o da


transposição ou mediação didática está em, não somente possibilitar aos alunos
o entendimento de conhecimentos cientí cos que estão em uma linguagem
altamente especializada com o mínimo de distorções conceituais possíveis, mas,
sobretudo, permitir a compreensão do complexo processo de produção
cientí ca e suas implicações éticas.

Considerações metodológicas

A coleta de dados foi realizada nos meses de janeiro e fevereiro de 2007 e


constou de uma análise de quatro livros didáticos de Ciências e Biologia do(s)
Ensinos Fundamental e Médio, respectativamente, acerca dos conteúdos
apresentados sobre fertilização in vitro e Bioética. Foram avaliados livros que
são utilizados atualmente nas salas de aula. Os três livros de Biologia analisados
foram recomendados pelo Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio
PNLEM/2007. O livro de Ciências aqui investigado trata-se da edição de
2003. Não tivemos acesso à edição reformulada de 2006. Esse título está
presente no Guia dos Livros Didáticos – área de Ciências do Programa
Nacional do Livro Didático PNLD. A seguir, apresentamos a Tabela 1
contendo informações sobre os livros didáticos analisados. Para essa análise
foram levados em consideração os seguintes critérios:

1. Presença de explicação, ilustrações sobre fertilização in vitro;


2. Localização do assunto no livro didático;
3. Consistência das informações apresentadas;
4. Presença de uma abordagem ética e social.

Tabela 1 – Livros didáticos analisados no presente estudo.


Presença de explicação, ilustrações sobre fertilização in vitro

O livro A apresenta o tema fertilização in vitro (FIV), intitulado de uma


maneira popularmente conhecida como “bebês de proveta”. Há uma explicação
breve e clara sobre a técnica. Os autores comentam que mulheres com
problemas de infertilidade são as que fazem uso da técnica, todavia não
oferecem nenhum esclarecimento prévio sobre o termo infertilidade. Quanto às
guras, o texto apresenta duas ilustrações que elucidam a técnica de Injeção
Intracitoplasmática de Espermatozoides (ICSI), contudo não apresenta
nenhum comentário sobre a técnica, nem uma distinção entre esta e aquela da
fertilização in vitro convencional (FIV). O livro B apresenta uma breve
explicação da reprodução sexuada no ser humano, porém não aborda a questão
da reprodução assistida. O livro C aborda a FIV de maneira simples, em um
texto intitulado “Inseminação in vitro”. Há no texto duas ilustrações, uma
delas explicando os passos da FIV e a outra mostrando a técnica de ICSI.
Porém, ao longo do texto, não há esclarecimentos ou diferenciações entre as
práticas. Lembramos que a ICSI é utilizada em casos de infertilidade masculina
severa. Os livros D, E e F apresentam conteúdo sobre a reprodução sexuada
humana, porém não abordam o tema em questão.

Localização do assunto no livro didático

No livro A, o conteúdo é abordado dentro da parte intitulada


“Reprodução e Desenvolvimento”, no capítulo “Reprodução e Ciclos de vida”,
na forma de leitura adicional. No livro B, não é apresentado esse assunto. No
livro C, o assunto é abordado dentro da unidade intitulada “A Reprodução”,
no capítulo “Como Nascemos”, na forma de leitura complementar. Os livros
D, E e F não abordam o assunto.

Consistência das informações apresentadas


No livro A, as informações apresentadas a respeito da técnica de FIV são
consistentes, embora com poucos detalhes. Há uma contradição entre o texto e
a ilustração, pois o primeiro sugere que a técnica representada na imagem é
utilizada somente em casos de infertilidade feminina. Entretanto, a gura
exibida refere-se à técnica ICSI que é usada em casos de infertilidade masculina
severa. No livro B, não é apresentado esse assunto. No livro C, há um erro
conceitual no título “Inseminação in vitro”, quando correto é fertilização in
vitro. Possivelmente, houve uma confusão com o termo inseminação arti cial.
Em siologia, inseminação signi ca colocar o sêmen na cavidade uterina.
Trata-se, na verdade, de outra técnica. Os livros D, E e F não apresentam o
assunto.

Presença de uma abordagem ética e social

O livro A traz uma abordagem ética sobre qual o destino dos embriões
excedentes, após o emprego da técnica. Por meio de questionamentos, tais
como: “O que fazer com embriões não utilizados?”; “Eles devem permanecer
congelados inde nidamente ou podem ser jogados fora?” (AMABIS e
MARTHO, 2004, p. 366).

Nada é mencionado sobre as implicações éticas das avaliações pré-


implantacionais. São discutidas as questões éticas acerca da clonagem humana e
clonagem terapêutica, bem como a importância da participação de todos nas
decisões sobre esses assuntos. Os textos propõem ainda que sejam repensados
os antigos valores éticos e morais, como na seguinte frase: “A ciência e a
tecnologia criam possibilidades práticas antes inimagináveis. Com isso, valores
éticos e morais antigos têm de ser repensados. As discussões prosse-guem e
ninguém pode car fora delas”. (AMABIS e MARTHO, 2004, p. 366).

O livro B, apesar de não apresentar especi camente as técnicas de FIV, no


capítulo “Manipulação dos genes: Uma nova tecnologia” há uma discussão
sobre algumas biotecnologias, tais como tecnologia do DNA recombinante,
alimentos e animais transgênicos, terapia gênica, entre outras questões. Nesse
capítulo, observa-se um tópico com abordagem ética quanto às implicações da
terapia gênica, referindo-se à análise genética pré-implantacional, realizadas nos
embriões oriundos de fertilização in vitro, porém sem uma explicação biológica
prévia sobre o assunto em questão. O texto discute ainda o destino dos
embriões na fase inicial de desenvolvimento que apresentam algum tipo de
anomalia genética, alerta para a destruição destes, e vislumbra a possibilidade
de obter-se um embrião “sob medida” com características desejadas pelos pais.
O texto não propõe nenhuma re exão por parte do aluno, somente expõe
alguns dos problemas éticos, sendo assim não dispõe de embasamento sólido
para que os estudantes façam escolhas conscientes nas questões que
frequentemente têm sido fontes de inúmeras discussões.

O livro C não aponta nenhuma abordagem ética e/ou social sobre o


assunto, sendo assim, não dispõe de embasamento para os alunos (leitores)
poderem participar de debates sobre as polêmicas éticas no dia a dia a respeito
do assunto.

O livro D apresenta no capítulo “Reprodução e Desenvolvimento”, no


módulo “Casos Especiais de Reprodução”, o tema clonagem de mamíferos. O
autor chama atenção quanto à aplicação destas novas biotecnologias, diz ainda
que estas devem ser debatidas pela sociedade. O módulo “Embriologia I”, do
mesmo capítulo “Reprodução e Desenvolvimento”, apresenta uma leitura
adicional (‘contextos, aplicações, interdisciplinaridade – Uma seção para você
ligar a biologia à realidade da vida e da sociedade’) com o seguinte tema:
“Células-tronco: Transplantes e Clonagens Terapêuticas”. Trata-se de uma
adaptação de um texto da revista Veja de 24 de março de 2004. Há somente
um alerta quanto a polêmica dos usos de embriões em pesquisas com células-
tronco, sem uma abordagem dos diferentes pontos de vista acerca do momento
em que se dá o início da vida humana.

A adaptação de textos de divulgação cientí ca nos livros didáticos


também foi veri cada por Nascimento e Alvetti (2006). Concordamos com as
considerações desses autores no que se refere ao fato dos textos de divulgação
cientí ca de jornais ou revistas, via de regra, não serem destinados à prática
educativa e quando estes são incorporados ao livro didático, em geral, são
apresentados sob a forma de leitura complementar, desarticulada dos conceitos
básicos da área de Ciências biológicas. Reforçamos assim, o importante papel
exercido pelo professor no processo de mediação didática destes textos de
divulgação cientí ca para o contexto escolar.

No livro E, apesar de não apresentar o conteúdo sobre fertilização in vitro,


há, no capítulo “Núcleo, Cromossomos e Clonagem”, o tema “Clonagem de
Mamíferos” com uma leitura adicional intitulada: “Clonagem: Aplicações e
Problemas” que expõe as vantagens trazidas pela técnica de clonagem e os
problemas éticos acarretados pela aplicação desta técnica.

O texto trata da clonagem da ovelha Dolly e das discussões decorrentes


desta. Diferencia clonagem reprodutiva de clonagem terapêutica e atenta para o
fato que os embriões clonados costumam apresentar diversas más-formações,
inclusive anomalias genéticas. Explica o que é clonagem terapêutica e traz
comentários sobre células-tronco, atentando-se ao fato de que estas podem ser
retiradas de embriões descartados por clínicas de fertilização in vitro:

Na clonagem terapêutica, são utilizadas células-tronco, ou seja, células não


especializadas, com capacidade de se dividir e originar outros tecidos. Elas podem
ser retiradas de embriões com poucos dias de desenvolvimento e com cerca de
apenas cem células, descartados por clínicas de fertilização in vitro (LINHARES e
GEWANDSZNAJDER, 2007, p. 84).

No entanto, não faz nenhuma referência à Lei de Biossegurança (2005),


omitindo as informações legais sobre a utilização de células oriundas de
embriões de clínicas especializadas em fertilização in vitro em pesquisas com
células-tronco. O texto dá a entender que qualquer embrião de uma clínica de
fertilização in vitro pode ser usado para tais pesquisas.

Do ponto de vista conceitual, há, na citação anterior, retirada do livro E,


um equívoco com relação à clonagem terapêutica. De acordo com o texto, “na
clonagem terapêutica são utilizadas células-tronco”. Sabe-se, contudo, que a
clonagem terapêutica é uma técnica que produz células toti-potentes, ou seja,
células-tronco.
Há ainda no texto do livro E, um comentário sobre em qual estágio do
desenvolvimento embrionário se dá o início da vida.

Nem todos os países aceitam a clonagem de embriões humanos para ns


terapêuticos e a maioria condena a reprodutiva. Mas, mesmo na terapêutica, há
problemas éticos. Embora algumas pessoas achem que os embriões utilizados
sejam apenas um aglomerado de células, outras pensam que eles devem ser
considerados seres humanos, com direitos como todos nós. Por isso, enquanto
alguns países, como a Inglaterra e a China, permitem clonagem terapêutica,
outros querem proibi-la (LINHARES e GEWANDSZNAJDER, 2007, p. 84).

Veri camos que Linhares e Gewandsznajder (2007) possibilitam o acesso


às informações, mas não propõem aos leitores (alunos) nenhuma re exão ética
sobre o assunto.

O livro F, não apresenta a questão de fertilização in vitro, porém, no


capítulo intitulado “Desenvolvimento embrionário”, há um anexo com o tema
“Células-tronco e Clonagem”; neste, os autores tratam das de nições e
diferenças sobre a clonagem reprodutiva e a clonagem terapêutica, explicando
que por meio desta são obtidas células-tronco.

Com relação à técnica de clonagem reprodutiva, no texto do livro F, são


ressaltados os seus aspectos negativos. Os autores citam o caso da clonagem da
ovelha Dolly e comentam que até o êxito da técnica, vários testes destruíram
embriões pré-implantatórios clonados. Abordam, ainda, as questões éticas
sobre em qual estágio de desenvolvimento embrionário se dá o início da vida,
apresentando a polêmica da destruição dos embriões pré-implantatórios
humanos na fase inicial do desenvolvimento embrionário – que são
considerados por alguns apenas um aglomerado de células e por outros como
um ser humano com direitos como todos nós. Destacam também a proibição
da clonagem reprodutiva humana e propõem uma re exão do leitor, por meio
da questão: “Qual é a sua opinião sobre essas questões?” (LINHARES e
GEWANDSZNAJDER, 2004, p. 467).
Considerações nais

Abordar os temas sobre Biotecnologia nas salas de aula é essencial, visto


que seus avanços causam impactos na sociedade e no ambiente. Por exemplo,
as técnicas de fertilização in vitro, cuja procura por parte de casais com
problemas de infertilidade tem aumentado substancialmente nos últimos anos,
apresentam implicações éticas que envolvem desde o destino dos embriões
excedentes até as avaliações genéticas pré-implantacionais e, por isso,
necessitam de suporte legal. Assim sendo, o cidadão deve estar preparado para
fazer suas escolhas com responsabilidade tanto no âmbito pessoal como no
social.

A análise dos livros didáticos constitui-se em umas das estratégias de


veri cação dos conteúdos que estão sendo abordados nas escolas, uma vez que
eles representam uma importante fonte de consulta dos professores no preparo
de suas aulas. Conforme a avaliação aqui apresentada, o tema fertilização in
vitro nem sempre é abordado nos livros didáticos de Ciências e Biologia,
mesmo se considerarmos a nossa pequena amostragem. Nos livros em que esse
tema é abordado, alguns erros conceituais e ilustrações equivocadas foram
detectados, o que revela descaso na preparação do material e põe à prova a
credibilidade das demais informações ali contidas.

Com relação à integração dos conteúdos de Biotecnologia e de Bioética,


constatamos que, de modo geral, há nos livros didáticos um enfoque ético
relacionado às pesquisas cientí cas, o que representa um aspecto positivo,
porém, as considerações éticas presentes, na maioria dos casos, têm caráter
informativo e não formativo, isto é, não há uma exposição dos diferentes
pontos de vista e, de modo geral, não suscitam uma re exão por parte do leitor.

1 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Genética e Evolução da Universidade Federal de


São Carlos – UFSCar, bolsista FAPESP; ([email protected]).
2 Pesquisadora do Centro de Divulgação e Memória da Ciência e Tecnologia – CDMCT da
Faculdade de Ciências, Unesp – Bauru, SP. Foi Bolsista PRODOC/CAPES. Pós-doutoranda do
Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP;
([email protected]).

3 Engenharia genética: Termo aplicado principalmente para o processo de manipulação gênica.

4 Terapia gênica: É um procedimento que envolve a introdução no paciente portador de doenças


genéticas ou outras, de genes responsáveis pela síntese de proteínas que poderão auxilia-lo no quadro
clínico.

5 Proteínas terapêuticas: São ocorrências naturais de proteínas usadas ou produzidas para ns


terapêuticos, ou seja, para tratar doenças.

6 Inseminação arti cial (IA) é a deposição mecânica (arti cial) do sêmen na cavidade uterina.

7 Investigação citogenética: investigação em nível de cromossomos para detectar rearranjos que


alteram a morfologia cromossômica (por meio, por exemplo, de translocação, ssão e fusão cêntrica
etc.) ou o número cromossômico. Estes rearranjos podem acarretar anomalias de funcionamento da
célula e do organismo.

8 Investigação molecular: investigação em nível de DNA para detectar anomalias causadas, por
exemplo, por inserção e/ou deleção de nucleotídeos. Essas anomalias podem alterar um gene e
consequentemente sua proteína correspondente.

9 A distro a muscular de Duchenne é uma doença de caráter hereditário que causa a degeneração
muscular. Devido ao fato da mutação estar localizada no cromossomo X, é uma doença ligada ao
sexo.

10 Hemo lia é uma doença de caráter hereditário que causa um distúrbio na coagulação
sanguínea.

11 Diagnóstico pré-implantacional é uma espécie de biópsia que avalia as características genéticas


do embrião antes de ser implantado no útero da mãe.

12 Baseado no trabalho de Ernst von Baer (1792-1876), descrito em 1927, parece ser consenso
entre os embrio-logistas que a vida animal, em particular a humana, se inicia na fecundação do
óvulo pelo espermatozóide. Nesse caso, as questões relacionadas à manipulação de embriões em
laboratório envolvem as discussões acerca de quando o ser humano pode ser considerado como uma
pessoa.

13 De acordo com Megid Neto e Fracalanza (2003), os dados foram coletados por pesquisadores do
Grupo FORMAR-Ciências, da Faculdade de Educação da Unicamp, durante curso de extensão
apoiados pelo Sindicato dos Professores do Ensino O cial do Estado de São Paulo – Apeosp.
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Sérgio Guardiano Lima1
Caroline Belotto Batisteti2
Elaine S. Nicolini Nabuco de Araujo3
Marcelo Carneiro Carbone4
Introdução

No presente estudo, apresentamos um texto didático5, baseado


principalmente em fontes primárias, com o intuito de ampliar os materiais de
consulta disponíveis a professores e autores de livros didáticos acerca da
construção do conhecimento sobre a circulação sanguínea, de Cláudio Galeno
(c.a. 129 – 200) a William Harvey (1578 – 1657).

O estudo sobre os conceitos elaborados na História sobre o movimento


do sangue evidencia o trabalho de explicação cientí ca como ligado ao
contexto histórico e, sobretudo, contendo uma lógica interna na trama dos
conceitos. A análise da História da Ciência busca a ordem das razões levantadas
pelo autor no interior da teoria e procura aproximar-se ao máxi-mo dos
signi cados dados naquele contexto histórico.

Esperamos que a utilização do material didático sobre os conceitos de


circulação sanguínea potencialize o desenvolvimento cognitivo dos alunos, pois
articula conceito cientí co com explicações bem fundamentadas ao longo da
História. Além disso, acreditamos que o estudo histórico contribui para a
compreensão do processo dinâmico, gradual e não linear de construção do
conhecimento cientí co.
A importância da História da Ciência no Ensino de Ciências
O historiador da Ciência é um pesquisador que investiga o problema da
construção da Ciência, isto é, procura explicar o processo de elaboração e
construção dos conceitos cientí cos que só podem ser compreendidos se
entendermos a lógica interna da teoria e seu contexto histórico.

A História da Ciência, que trata a Ciência como modelo de progresso


cumulativo, assume a ideia que a nalidade das descobertas era chegar ao
estado atual de conhecimento. No entanto, determinada explicação é elaborada
a partir das questões de seu tempo e o futuro é imprevisível e se articula ao
sabor das circunstâncias.

Cada explicação cientí ca possui seu valor intrínseco, por mais distante
que esteja da explicação atual da Ciência. Após a crítica positivista ao
conhecimento losó co, a Ciência6 passa a ser entendida a partir do abandono
da ideia de alcance da Verdade una – o que não implica em catástrofe total para
o conhecimento, ao contrário, como diz Lebrun:

No lugar vazio deixado pela “humana sabedoria”, eis que nascem os “gaios
saberes”, as epistemologias – saberes ainda adolescentes, agressivos, insolentes,
subversivos, que desres-peitam a cienti cidade de direito divino por respeitarem
mais a ciência como trabalho e como documento. A epistemologia está na moda:
é sinal de saúde. É a indicação de que as ciências só se tornam divertidas quando
as consideramos como jogos dos quais é preciso encontrar as regras e de que se
tornam interessantes apenas quando não mais cremos na verdade (LEBRUN,
2006, p. 144).

Portanto, a Ciência7 é um trabalho de construção e cabe ao historiador –


fundamentado no documento (fontes primárias) – compreender a lógica
interna da teoria e os aspectos institucionais e socioeconômicos que estão
diretamente ligados à produção e ao desenvolvimento cientí co8.

A metodologia de análise em História da Ciência deve incluir uma análise


interna das teorias cientí cas, que busca se manter el a certas concepções de
sua época e à lógica dos conceitos no interior da teoria. Concebemos a análise
internalista como imprescindível para a História da Ciência, pois a análise dos
elementos socioeconômicos é indispensável, porém, são relevantes no interior e
em correspondência com a análise internalista.

Nesse sentido, devemos descartar a ideia de erro na Ciência e


interpretarmos como sendo a leitura que fazemos do passado a partir do
presente. Santo Agostinho9 considerava o tempo passado como presente do
passado, pois o entendimento do passado se dá partir dos elementos do
presente. Em História da Ciência procuramos entender as coisas passadas a
partir da mentalidade do presente. O exercício do Historiador da Ciência é o
de aproximar-se do passado buscando entender os elementos colocados naquele
período histórico e na ordem das razões levantadas pelo autor no interior da
teoria.

Matthews (2002) defendeu que para se entender e solucionar


adequadamente muitos dos assuntos teóricos do atual Ensino de Ciências é
fundamental buscar o conhecimento da História e a Filoso a da Ciência.

As questões históricas e losó cas auxiliam na construção de uma


concepção de Ciência não dogmática, com rupturas e não se constituindo
meramente pelo acúmulo linear de dados. Reconhece-se a elaboração de um
quadro teórico para a realização de experimentos, em que se identi cam
divergências de opiniões – manifestas na existência de tradições ou programas
de pesquisa rivais – e originadas num contexto social e histórico especí co
(MACHADO e NARDI, 2006).

Uma vez que a abordagem histórica dos conceitos possibilita que os


alunos compreendam que a Ciência é o produto de uma complexa atividade
social, que antecipa e precede o ato individual da descoberta ou criação, a
História da Ciência desempenha um papel fundamental na compreensão do
conhecimento cientí co. Permite que os alunos compreendam que as teorias
atualmente aceitas se desenvolveram em consequência de uma atividade
humana, coletiva, promovida em determinados contextos sócio-históricos e
culturais e, dessa forma, apreciem o signi cado cultural e a validação das
teorias à luz do contexto em que foram aceitas (DUARTE, 2004).
A abordagem de conteúdos contextualizados historicamente difere de
uma abordagem pseudo-histórica. Esta última, que é frequentemente
encontrada nos livros didáticos, refere-se a um breve relato pautado em nomes
e datas, sem conexão ou exposição do quadro teórico em que determinado
conceito foi desenvolvido. A nosso ver, essa perspectiva não contribui para a
compreensão do processo de construção da Ciência, nem para um melhor
entendimento dos conteúdos especí cos. É preciso promover uma re exão
sobre o conhecimento produzido pela Ciência e também sobre a Ciência.

Lima et al. (2007), realizaram uma análise de 13 livros didáticos indicados


aos professores pelo Guia de livros didáticos do PNLD/2008, em relação à
presença ou ausência de uma abordagem histórica acerca da construção dos
conhecimentos sobre circulação sanguínea. Eles constataram que, a maioria dos
livros didáticos não traz nenhuma informação de como este conceito foi
construído ao longo do tempo. Somente dois dos livros (SANTANA e
FONSECA, 2006; TRIVELATO et al., 2006) continham informações
históricas a respeito do conceito em questão, sendo que um deles (SANTANA
e FONSECA, 2006) apre-sentava, de forma bastante clara, uma abordagem
pseudo-histórica.

Tendo em vista o exposto anteriormente sobre a importância da


abordagem histórica para a compreensão dos conceitos cientí cos, a carência
nos livros didáticos de contextualização histórica do conteúdo investigado por
Lima et al. (2007), certamente não é favorável. Acreditamos que uma das
possíveis causas desse resultado seja a pouca disponibilização de textos didáticos
históricos con áveis. A ideia contida nesta frase é reforçada por Carneiro e
Gastal (2005) quando defenderam que somente a adoção de uma perspectiva
histórica no Ensino de Biologia não basta, são necessários instrumentos para
que esta proposta seja levada adiante de forma satisfatória.
A construção do conceito de circulação sanguínea: algumas teorias
anteriores à Harvey
Os trechos 1 e 2, apresentados a seguir, referem-se, respectivamente, a
uma explicação sobre circulação sanguínea, extraída de um livro didático de
Ciências e a uma reportagem sobre transplante de coração.

Trecho 1:
O sangue rico em gás carbônico passa do átrio para o ventrículo direito e
deste é bombeado para as artérias pulmonares direita e esquerda […], que
o levam para os pulmões, nos quais ocorrerá a hematose: o sangue dos
capilares perde gás carbônico, recebe oxigênio dos alvéolos pulmonares e
transforma-se em sangue arterial, rico em oxigênio. Este sangue volta ao
coração pela veia pulmonar, entrando no átrio esquerdo e recomeçando o
trajeto […] (LINHARES e GEWANDSZNAJDER, 2007, p. 265).

Trecho 2:
Uma mulher de 39 anos foi a primeira bene ciada com a doação dos
órgãos feita pela família de Eloá Cristina Pimentel, 15, que morreu
baleada após passar cem horas refém do ex-namorado em Santo André
(Grande São Paulo). Segundo o Hospital da Bene cência Portuguesa, a
paciente aguardava um coração há um ano e meio, quando recebeu o
diagnóstico que o transplante era a única solução para resolver um
problema de cardiopatia congênita (Agência Brasil/Folha online, 2008).

Os diversos estudos sobre anatomia e siologia do corpo humano


permitiram o conhecimento sobre circulação sanguínea apontado no trecho 1
extraído do livro didático. Possibilitaram também o procedimento citado no
trecho 2 que é atualmente de rotina estabelecida. Quando consideramos o
transplante de coração veri camos que o seu desenvolvimento é recente, cerca
de 50 anos. Porém, ao tratarmos, por exemplo, da função exercida pelo sangue
no organismo ou mesmo a circulação sanguínea, ambas tidas hoje como
evidentes, ca difícil imaginarmos quando e como esses conceitos foram
construídos. Eles resultaram de uma série de estudos e elaborações ou
hipóteses, num processo histórico que perdurou por mais de 15 séculos.

As ideias sobre a circulação sanguínea contidas na citação do livro


(LINHARES e GEWANDSZNAJDER, 2007) são de Harvey e datam de
1628. Considerando que estamos trabalhando com a construção de um
conceito, houve ideias anteriores às de Harvey?

Analisando a história, podemos apontar três principais problemas nas


explicações elaboradas até chegarmos à construção do conceito da circulação do
sangue aceito atualmente. São eles:

• o primeiro problema foi a crença de que as artérias continham somente


ar;
• o segundo, a crença de que o septo entre os dois ventrículos do coração
era perfurado;
• por último, a crença de que as veias carregavam o sangue para as
extremidades.

Iniciaremos a nossa discussão a partir das ideias do médico grego Galeno


(c.a. 129 – 200) a respeito da movimentação sanguínea. Estas eram fortemente
in uenciadas pelas ideias de Hipócrates e Aristóteles, antigos lósofos gregos.

Figura 1 – Retrato de Cláudio Galeno.


No período em que Galeno, viveu havia uma grande in uência da Igreja e
do Estado Romano, que proibiam a prática de dissecação de cadáveres
humanos, o que di cultou o aprofundamento do estudo da siologia. Para
elaborar as suas teorias, Galeno utilizou-se da dissecação e vivissecção de
animais (GORDON, 1997; TIMO-IARIA, 2001). Com o auxílio destes
procedimentos, este médico elaborou várias explicações relacionadas ao corpo
humano, entre elas, o esclarecimento de que as artérias possuíam sangue e não
ar, diferentemente das ideias que prevaleciam até então. Para fazer esta
a rmação, Galeno fez um experimento em que colocou duas ligaduras sobre
uma artéria separadas a uma pequena distância e perfurou-a, notando que
somente sangue era jorrado para fora dela. Desta forma, foi possível estabelecer
que as artérias continham sangue, assim como as veias. Este passo foi
importante para a construção do conceito de circulação do sangue, uma vez
que, uma das principais crenças em relação à circulação sanguínea foi
esclarecida (FLOURENS, 1859).

De um modo geral, a siologia de Galeno é determinada pela necessidade


de produção dos espíritos naturais, vitais e animais (psíquicos), respectivamente,
responsáveis pela nutrição; pela refrigeração e vivi cação corporal; e pela
sensibilidade, movimento e pensamento (REBOLLO, 1998). Rebollo (2002)
em suas pesquisas, notou que a siologia proposta por Galeno era baseada nos
processos distintos das cavidades ou “ventres” do corpo, o abdômen, o tórax e a
cabeça, e cada um desses “ventres” possuía uma função vital e um órgão
dominante. O abdômen possuía as funções vitais de nutrição, excreção e da
procriação, sendo que o fígado era considerado seu órgão vital, no qual se
originava o sistema de veias. Assim Galeno pensava que, após o alimento ter
sofrido o processo de cocção (cozimento) no estômago, seguia para o intestino
onde sua parte nutritiva era atraída pelas veias mesentéricas, que se convergiam
para formar a veia porta, que se dirigia ao fígado. Nesse órgão ocorria a
sangui cação, em que o sangue era aperfeiçoado, adquiria a sua coloração
vermelha e recebia os espíritos naturais. Depois de preparado, o sangue corria
pelas veias para as extremidades. As funções principais das veias eram de
distribuir alimento para o corpo e de recolher excrementos dele resultante.
Estes dois movimentos eram executados graças a uma “força de atração”
exercida pelo “horror ao vazio”, sendo que tanto o sangue venoso como o
arterial partiam do coração e nunca retornavam a ele.
De acordo com Rebollo (2002), a veia cava (hoje chamada de veia
hepática) dividia-se em duas, a superior e a inferior, as quais tinham como
função principal o fornecimento de sangue venoso (nutritivo) para todo o
corpo. A veia cava inferior servia para a nutrição dos membros, enquanto que a
superior alimen-tava a cabeça e uma boa parte seguia para a aurícula direita,
cuja função era de receber e enviar o sangue venoso para o ventrículo direito. A
este eram atribuídas três funções: re namento nal do sangue venoso; envio do
sangue à artéria pulmonar; e envio do sangue ao ventrículo esquerdo por meio
do septo interventricular, tido como poroso. A artéria pulmonar partia do
ventrículo direito e levava sangue re nado para o pulmão, nutrindo-o. As
válvulas tricúspides tinham por função o impedimento do re uxo do sangue
no ventrículo direito. O coração e o pulmão estão relacionados ao segundo
ventre, o tórax, e serviam às funções vitais de manutenção e distribuição do
calor e da vida através do corpo.

Nos pulmões, as fuliginosidades e impurezas recolhidas dos tecidos


corpóreos eram expelidas com a expiração; o ar aspirado passava dos pulmões
para o ventrículo esquerdo e tinha as funções de: resfriar o coração que era
concebido como a parte mais quente do corpo, fonte do calor inato; e, quando
misturado ao sangue e ao próprio calor, formava os chamados espíritos vitais.

A diástole cardíaca e a respiratória eram concomitantes e serviam para atrair e


reunir o sangue venoso e o ar, enquanto que as sístoles cardíaca e respiratória
(também concomitantes) serviam para expelir o sangue vitalizado e aquecido
(sangue arterial) para a aorta e por meio das artérias, para todo o corpo
(REBOLLO, 2002, p. 482).

Complementou:

Segundo a siologia da época, as artérias se originavam no coração e pulsavam ao


mesmo tempo que ele. Sua principal função, por conter sangue rico em espíritos
vitais, era aquecer e vivi car todas as partes do corpo. Além de vivi car e aquecer
as partes, as artérias, assim como as veias, também aspiravam e ventilavam os
excrementos expelidos pelo corpo (REBOLLO, 2002, p. 482).

Com base nas explicações anteriores, veri camos que na concepção de


Galeno, a movimentação sanguínea no corpo não era circular e segundo Porto
et al., (1991), também não era feita por um uxo contínuo, mas depen-dia de
um mecanismo comparado por Galeno ao das marés, com uxos e re uxos. O
movimento do sangue não era concebido como unidirecional, mas sim num
movimento de uxo e re uxo, que mudava de direção várias vezes durante o
dia (IZAGUIRRE-ÁVILA e MICHELI, 2005; PORTO, 1994).

Em relação ao terceiro ventre, ou seja, a cabeça, cuja principal parte era o


cérebro, Rebollo (2002, p. 484) destacou que, “O cérebro era a fonte das
funções animais tais como o movimento, a sensação e a razão, conduzidos
pelos nervos. Os nervos serviam como condutos para os espíritos animais,
elaborados no cérebro a partir dos espíritos vitais das artérias”.

As ideias anteriormente mencionadas podem parecer absurdas para


professores e alunos de Ciências e Biologia que vivem no século XXI, contudo
é preciso lembrar que para a época estes conhecimentos representaram uma
forma bem articulada de explicação. No processo de construção da Ciência,
percebemos que os conceitos e teorias não são verdades absolutas e que os
conhecimentos produzidos podem sofrer modi cações de tempos em tempos.

No caso das ideias de Galeno, apesar de terem sido propagadas dogma-


ticamente por cerca de 15 séculos, foram gradualmente confrontadas. O
primeiro a discordar delas foi o anatomista belga Andreas Vesálio (1514 –
1564), ao considerar que o septo interventricular não era provido por poros.
Vesálio, devido às mudanças nos contextos sociais e culturais da época, já pode
se utilizar do método de dissecação de cadáveres humanos para desenvolver
seus estudos. Provavelmente foi Vesálio quem propôs a metodologia de
observação direta das estruturas anatômicas, que a partir de então, foi
difundida e seguida por seus sucessores (PAULA, 2001; REBOLLO, 1998;
VESALIUS, 2002). A atitude de Vesálio de questionar uma das propostas de
Galeno gerou grande resistência por parte de respeitados anatomistas da época,
já que estes defendiam arduamente as concepções desse último. O
posicionamento de Vesálio abriu importantes portas para que outros estudiosos
também questionassem e pesquisassem acerca das concepções que até então
eram aceitas de modo acrítico, como por exemplo, o movimento de marés
efetuado pelo sangue proposto por Galeno. Ressaltamos que, diversos estudos
contribuíram para a mudança dessa ideia, entre eles, aqueles que evidenciaram
a existência de circulação pulmonar de sangue e a posterior identi cação das
valvas das veias.

Em relação à proposta da presença de circulação sanguínea pulmonar, há


uma vertente que indica Michel Serveto (1511 – 1553), Realdo Colombo (? –
1559) e Andrea Cesalpino (1525 – 1603) como os primeiros a elaborá-la.
Serveto observou atentamente que o tamanho da artéria pulmonar parecia
maior do que considerava necessário para somente nutrir o pulmão, já que se
acreditava que era essa a sua função. Segundo ele, a artéria pulmonar
possibilitava a passagem do sangue pelo pulmão e seu retorno ao ventrículo
esquerdo do coração era feito por meio da veia pulmonar. A passagem do
sangue do ventrículo direito ao esquerdo não era feita pelos poros do septo,
mas sim, com a movimentação do sangue do ventrículo direito do coração para
o esquerdo passando pelo pulmão. Isso contrariava as ideias de Galeno sobre a
existência de poros interventriculares. Vale lembrar que, Vesálio já havia
constatado a impossibilidade de observação de tais poros (REBOLLO, 1998).

Serveto publicou em 1553, o livro Christianismi Restitutio, que o levou à


prisão e à fogueira, anos depois. Segundo Rebollo (1998), Serveto tinha dois
objetivos principais ao escrever este livro, queria, primeiramente, submeter
crenças religiosas escolásticas à opinião do criticismo individual e em um
segundo momento, combinar sua doutrina teológica com o conhecimento
médico e anatômico recente.

É importante ressaltarmos que apesar de Serveto ter observado que o


sangue passa do ventrículo direito para os pulmões e deste para o ventrículo
esquerdo, a ideia de que neste último é produzido um espírito vital,
permaneceu.

Realdo Colombo, em sua obra De Re Anatômica de 1559, concluiu, assim


como Serveto, que a artéria pulmonar levava sangue da cavidade direita do
coração até os pulmões. O sangue era então revitalizado e transportado pela
veia pulmonar para o ventrículo esquerdo do coração e a partir daí, distribuído
para o corpo. Colombo propunha que as valvas cardíacas, sobretudo a valva
bicúspide, localizada na entrada da veia pulmonar, impediam totalmente o
re uxo do sangue ao pulmão (REBOLLO, 1998). Andrea Cesalpino (1525 –
1603), em sua produção bibliográ ca que é de difícil análise por apresentar
ambiguidades e contradições, indicou a direção centrípeta do sangue nas veias,
o que faz com que o sangue possua um movimento contínuo num circuito
fechado (REBOLLO, 1998).

Outra vertente propõe que o primeiro a descrever a circulação sanguínea


pulmonar tenha sido o médico árabe, Ibn an Na s (1210 – 1288), que relatou
a passagem de sangue de um ventrículo para outro por meio dos pulmões.
Embora alguns estudos apontem que Serveto, Colombo e Cesalpino tiveram
contato com a trabalho de Na s, não há como a rmar se isso de fato ocorreu
(HADDAD e KHAIRALLAH, 1936; SOUBANI e KHAN, 1995). Talvez,
uma das di culdades de acesso e estudo ao trabalho de Ibn Na s seja a pouca
divulgação, já que ele está escrito originalmente em árabe.

Face ao exposto até aqui, evidenciamos três aspectos, o primeiro refere-se


à di culdade de acesso aos textos, pois quase não temos traduções, que limita o
acesso a determinados conhecimentos cientí cos. O segundo, diz respeito ao
caráter não linear da Ciência, em que vários pesquisadores trabalham muitas
vezes de forma independente na construção de um determinado conceito
cientí co, e, o terceiro, relaciona-se às divergências de interpretações históricas,
o que enfatiza a necessidade de consulta às fontes primárias ou secundárias
con áveis.

Conforme mencionado anteriormente, a identi cação das valvas das veias


parece ter sido importante na elaboração do conceito de circulação sanguínea.
O mecanismo de fechamento dessas estruturas impede o re uxo sanguíneo,
assim, o sangue circula no organismo num movimento unidirecional.
As valvas das veias foram primeiramente visualizadas por Hieronymus
Fabrício (1537 – 1619), por meio da utilização do método da dissecação de
cadáveres humanos, no entanto, ele não compreendeu sua real função.
Percebemos que a identi cação da estrutura não implica necessariamente no
esclarecimento da sua função. No caso em questão, foi preciso conciliar as
estruturas reconhecidas, isto é, as valvas das veias aos conhecimentos
produzidos sobre a circulação sanguínea pulmonar e à ruptura da ideia de que
as artérias transportavam sangue para as extremidades, para compreender que o
sangue de fato realiza um movimento circular no interior do corpo. Essa
conciliação parece ter sido feita pelo médico e anatomista inglês William
Harvey (1578 – 1657), o último dos aristotélicos, que assim como Vesálio,
Realdo Colombo e Fabrício, utilizou o método de observação direta das
estruturas anatômicas, por meio da dissecação de cadáveres humanos e animais
e da vivissecção de animais.
Diferentemente dos anteriores, Harvey utilizou, além dos procedimentos
tradicionais, a quanti cação matemática para a elaboração do conceito de
circulação sanguínea, indicando que o cozimento do alimento no estômago
não bastaria para a produção de sangue que circulava nos vasos sanguíneos
(COHEN, 1994; HARVEY, 1995; REBOLLO, 1998; VIDAL, 2004). Harvey
calculou a quantidade de sangue que passava num fragmento de um vaso por
um determinado período de tempo, percebendo que a quantidade de sangue
era muito maior do que aquela que o cozimento de alimentos seria capaz de
produzir. Notamos que Harvey lançou um novo olhar sobre o funcionamento
do corpo, utilizando-se de um método de quanti cação que é típico da época
em que viveu (HARVEY, 1995; REBOLLO, 1998). Constatamos que, não foi
preciso a utilização de invenções ou metodologias “maravilhosas e milagrosas”
ou a participação de gênios para que fosse lançada uma perspectiva diferente
sobre o conceito de circulação sanguínea.
Devemos ressaltar que até o surgimento das propostas de Harvey, acerca
do movimento sanguíneo, a concepção aceita até então era de Galeno ( uxo e
re uxo de sangue dentro dos vasos, análogo ao movimento de marés). Deste
modo, é preciso atentarmos que neste capítulo da História da construção do
conceito de circulação sanguínea, há uma mudança no pensamento em relação
à siologia cardiovascular. Apesar de ter elaborado uma nova concepção de
movimento para o sangue, esta não trouxe muitas mudanças no pensamento
cientí co de imediato; as práticas médicas da época pouco mudaram e, na
verdade, assim como as ideias de Vesálio contra o dogma de Galeno, as ideias
de Harvey também sofreram resistência por parte de médicos que defendiam as
ideias de Galeno.

Um dos primeiros e o mais importante pensador a dar crédito e promover


a o trabalho de Harvey, foi o lósofo francês René Descartes10 (1596 - 1650),
que possuía grande popularidade na época pelas ideias que defendia. Contudo,
mesmo que defendido e divulgado, o conceito de circulação do sangue
proposto por Harvey ainda não havia sido aceito (DESCARTES, 1987;
DONATELLI, 2003).

Foi Marcelo Malpighi (1628 – 1694) quem propôs a explicação que no


pulmão existiam canais (capilares) que ligavam as artérias e veias
(IZAGUIRRE-ÁVILA e MICHELI, 2005; TIMO-IARIA, 2001). Esta
observação não é de fácil visualização já que os microscópios haviam sido
inventados há pouco tempo e ainda se encontravam bem rudimentares em
comparação com os microscópios ópticos que dispomos na atualidade, que
podem ter um poder de aumento de até 1500 vezes. Além disso, ressaltamos
que para a visualização ser possível, foram utilizadas técnicas de cortes
histológicos do pulmão e de coloração de células. Essas técnicas foram
fundamentais, pois se não fossem realizadas e aplicadas corretamente, os
tecidos ao microscópio apa-receriam opacos ou incolores. Atualmente, existem
inúmeras técnicas de microtomia e coloração de cortes histológicos, em que é
possível cortar fatia com espessura de até 0,2 micrometros e visualizar
diferentes estruturas com diferentes colorações. Nesse momento histórico,
devemos ressaltar que um fator contextual de ordem tecnológica (invenção e
aprimoramento do microscópio, além do desenvolvimento de técnicas
histológicas) contribuiu para a elaboração da explicação do conceito de
circulação do sangue.

O movimento sanguíneo ao longo do corpo humano (frente aos


conhecimentos atuais) parece ter sido elucidado. Contudo, foi somente a partir
dos estudos de Lavoisier11 sobre a identi cação do oxigênio que uma das
principais funções do sistema cardiorrespiratório foi estabelecida: a de
transportar oxigênio para todos os tecidos do corpo.
Considerações nais

Acreditamos que o aporte dado aos professores pela confecção e


disponibilização de textos didáticos, como este produzido por nós, pode
auxiliar na formação de futuros e atuais professores de Ciências e Biologia,
colaborar para a elaboração de suas concepções sobre as Ciências, o método e a
construção de conceitos cientí cos e, com isso, contribuir com o Ensino de
Ciências e Biologia, evitando o dogmatismo, a não historicidade e a
metodologia de ensino centrada na transmissão de fatos descontextualizados e
sem problematizações e tentativas de explicações.

Outro importante aspecto é a possibilidade de compreensão por parte dos


alunos acerca do desenvolvimento da Ciência que o estudo de um episódio da
História da Ciência (como a História das explicações elaboradas sobre a
circulação sanguínea) permite.

1 Licenciado em Biologia. Mestre em Educação para a Ciência na área de Ensino de Ciências e


Matemática, pelo Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP;
([email protected]).

2 Licenciada em Biologia. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência,


Unesp – Bauru, SP, bolsista CAPES; ([email protected]).

3 Pesquisadora do Centro de Divulgação e Memória da Ciência e Tecnologia – CDMCT da


Faculdade de Ciências, Unesp – Bauru, SP. Foi Bolsista PRODOC/CAPES. Pós-doutoranda do
Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP;
([email protected]).

4 Professor assistente Doutor da Faculdade de Arquitetura, Artes e Arquitetura da Unesp e


orientador no programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência – Unesp. Desenvolve
pesquisas na área de Filoso a, com ênfase em Epistemologia; ([email protected]).

5 O texto didático aqui proposto foi baseado na dissertação de mestrado de um dos autores (Sérgio
Guardiano Lima), apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência –
Unesp/Bauru, e intitula-se “Uma aproximação didática por meio da história do conceito de
circulação sanguínea”, podendo ser acessada pelo site: http://www2.fc.unesp.br/BibliotecaVirtual/.
6 Entendemos que a elaboração de uma História da Ciência depende muito da Filoso a da Ciência
adotada pelo pesquisador.

7 As características do saber cientí co elaborado após a crítica positivista da Filoso a são: 1.


Elaboração de um saber cientí co emancipado. 2. Divisão da Ciência em ciências. 3. Busca de fatos
observados para as Ciências ligadas a empiria.

8 Esse segundo aspecto levantado caracteriza uma forma de analisar a História da Ciência que é in
uenciada pela Historiogra a Marxista e pela Sociologia Alemã (sobretudo Weber). A História da
Ciência de caráter externalista contribui para compreender a inserção da atividade cientí ca na
sociedade.

9 Santo Agostinho. Con ssões. São Paulo: Nova Cultural, 1987. Sobretudo o Livro XI: O Homem
e o Tempo. “[…] os tempos são três: presentes das coisas passadas, presentes das presentes, presentes
das futuras” (p. 222).

10 Descartes utilizou-se das ideias de Harvey para promover o conceito que o corpo é uma máquina
(mecanicismo).

11 O elemento oxigênio foi somente conhecido e assim nomeado a partir dos trabalhos de Lavoisier
(1743 – 1794), que percebeu que os animais necessitavam deste para se manterem vivos. Lavoisier
veri cou que este era imprescindível para a vida animal ao extrair progressivamente o oxigênio de
uma campânula de vidro em que mantinha pequenos animais, constatou que eles morriam dentro
de alguns minutos.
Referências bibliográ cas

AGÊNCIA BRASIL/FOLHA ONLINE. Mulher de 39 anos recebe coração


de Eloá em São Paulo. Publicado dia 20/10/08 às 13:03h. Disponível em:
<www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u458176.shtml>. Acessado em:
03 nov 2008 às 23h25.

ARAUJO, E. S. N. N.; CALUZI, J. J.; CALDEIRA, A. M. A. Divulgação


e cultura cientí ca. p. 15-34, In: ARAUJO, E. S. N. N. A.; CALUZI, J. J.;
CALDEIRA, A. M. A. Divulgação cientí ca e ensino de Ciências: estudos e
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CARNEIRO, M. H. da S.; GASTAL, M. L. História e loso a das


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A formação de conceitos cientí cos
em aulas de campo:
as possibilidades de aprendizagem
segundo Piaget e Vigotski

Tatiana Seniciato1
Osmar Cavassan2
Introdução

A orientação deste estudo fundamenta-se nas pesquisas sobre a formação


de conceitos e suas implicações nos processos de ensino e de aprendizagem em
Ciências. Em revisão das inúmeras teorias, em Psicologia, podemos levantar
algumas orientações de pesquisa que postulam sobre como se dá a formação de
um conceito.

De um lado, podemos indicar algumas teorias como a clássica, a do


protótipo, a dos exemplares, denominadas teorias associacionistas (POZZO,
1998), pois em maior ou menor medida baseiam-se na concepção de que os
conceitos são formados pela associação de atributos comuns aos diversos
eventos e objetos da realidade em categorias arbitrárias, ou ainda pela não
pertinência a dada categoria dos atributos de um evento. São baseadas em
critérios de similaridade, que por sua vez são de nidos culturalmente, ou
também pré-de nidos nos contextos de pesquisa.

De outro lado, estão as teorias organicistas ou de reestruturação


(POZZO, 1998) para as quais a formação de conceitos não está condicionada
exclusivamente a uma organização dos fatos da realidade, mas também, e
principalmente, ao imperativo biológico que determina a forma como o
organismo assimila e atribui signi cado a esses fatos, ao longo de seu
desenvolvimento. Enquadram-se nessas teorias, por exemplo, a Epistemologia
genética de Piaget, os estudos sobre o desenvolvimento de conceitos de
Vigotski e o modelo de aprendizagem signi cativa proposto por Ausubel.

Não obstante haja divergências na forma de entender o processo de


formação dos conceitos, as teorias associacionistas e organicistas parecem
entender conceito como a construção de uma representação mental por
intermédio de códigos verbais, ou imagens simbólicas dos objetos e fenômenos.
Um conceito é, de forma geral, uma elaboração psíquica, uma abstração capaz
de categorizar, relacionar e reagrupar os diversos fenômenos e/ou pessoas,
possibilitando a compreensão do mundo e a interação com ele.
Porém, enquanto para os associacionistas a aprendizagem dos conceitos
deriva da interação imediata entre o sujeito e os objetos reais, para os
organicistas, a aprendizagem dos conceitos possui também um caráter
relacional com outros conceitos e experiências.

As atuais propostas de educação fundamentam-se nas teorias organicistas,


também denominadas de orientação construtivista pelos pesquisadores da
Educação. Entre os construtivistas, há praticamente consenso que a
aprendizagem deve se dar a partir da adoção de modelos de natureza
organicista, para os quais o sujeito é o principal responsável pela atribuição de
signi cados e pela conceituação dos fenômenos, valendo-se para isto de
processos dedutivos e de resolução de problemas. Muito menos claro está,
entretanto, quais são as estratégias de ensino que permitiriam um processo de
aprendizagem desta ordem. A confusão se apresenta não só pela não adoção de
estratégias coerentes, mas muito frequentemente no equívoco de se empregar
estratégias que privilegiam a indução e, portanto, de natureza associacionista
(representada pelo ensino dito tradicional), sob o pretexto ou a intenção de
serem construtivistas.

Contribui ainda para este panorama a di culdade de compreensão do


jogo semântico que se observa entre as muitas teorias organicistas, na tentativa
de nomear o processo psíquico pelo qual a aprendizagem dos conceitos ocorre,
quer pela evidente di culdade em se descrever um processo mental, quer por
barreiras histórico-culturais dos contextos de pesquisa. Como exemplo,
podemos citar a tomada de consciência em Piaget, a compreensão súbita em
Wertheimer e a aprendizagem signi cativa em Ausubel, todas citadas em Pozzo
(1998).

Entretanto, o maior problema discutido que podemos apontar entre as


teorias organicistas, não é de ordem semântica, mas sim metodológica e dá
margem às seguintes questões: o quanto de experiência é necessário para que
ocorra a formação de determinado conceito? É possível indicar em qual
momento do processo de formação de conceitos ocorre a aprendizagem? Essa
identi cação está condicionada ao emprego de medidas adequadas, ou será
sempre fruto da conclusão do pesquisador?
Outro aspecto da aprendizagem, particularmente muito caro às teorias de
Vigotski (2001) sobre o desenvolvimento de conceitos, é aquele caracterizado
pelo processo de instrução e, por consequência, relacionado aos signi cados
culturais e à linguagem.

Assim, partindo dos referenciais teóricos de Piaget e Vigotski para os


processos de formação de conceitos e para a aprendizagem, buscou-se analisar
um contexto de ensino do qual fazem parte a formação de conceitos e a
instrução. Ressalte-se que não há a intenção de apontar divergências entre as
teorias, ao contrário, procuramos destacar o que ambas nos auxiliam a entender
como se dá a aprendizagem de um conceito cientí co.

Sem a preocupação de apontar o exato momento em que a aprendizagem


ocorre, o estudo busca descrever o que foi observado na ação verbal dos alunos
(faixa etária de 12 a 14 anos) em duas aulas de Ciências sobre Ecologia,
desenvolvidas em locais diferentes: a sala de aula na escola e um ambiente
natural com fragmentos de ecossistemas terrestres brasileiros.

O pressuposto fundamental para a escolha dos ambientes foi a faixa etária


considerada para análise que corresponde à fase do desenvolvimento mental na
qual, para organicistas como Piaget (1978) e Vigotski (2001), a experiência
sensorial e concreta é fundamental para a compreensão da realidade e para os
processos posteriores de abstração e conceituação.

A força explicativa destes pressupostos pode, en m, auxiliar em uma


compreensão fundamentada do postulado dado pelo senso comum de que “os
alunos aprendem melhor na prática”.
O conhecimento cientí co na perspectiva piagetiana

A teoria de Piaget reconhece três formas distintas de conhecimento, quais


sejam: os conhecimentos adquiridos pela experiência física (advindos da
experiência com os objetos e suas relações); os conhecimentos estruturados por
uma programação hereditária, como é o caso de certas estruturas perceptivas
(visão das cores, reconhecimento das dimensões espaciais etc); e, por m, os
conhecimentos lógico-matemáticos, que se tornam independentes da
experiência e que, se no início procedem dela, não parecem tirados dos objetos
como tais, mas das coordenações gerais das ações exercidas pelo sujeito sobre os
objetos (PIAGET, 1996).

Entretanto, as formas superiores de pensamento tendem a utilizar todos


estes conhecimentos para interpretar e agir sobre a realidade, justamente por
haver entre eles relações de gênese e estrutura. O conhecimento experimental é
tão importante para o desenvolvimento do homem quanto o conhecimento
lógico-matemático e, mesmo sendo de origem exógena, está indissociavelmente
a ele ligado porque, embora o conhecimento lógico-matemático tenha sua
origem nas coordenações gerais da ação, não há ação, assim como não há
funcionamento, sem objeto.

Outra razão que aponta para a compreensão da relação entre o


conhecimento experimental e o lógico-matemático é o fato de as representações
necessárias entre as experiências físicas e a formação do pensamento não serem
provenientes de um quadro hereditário, porque não há ideias inatas, mas sim
de um quadro lógico-matemático que permite o estabelecimento de relações,
correspondências e medidas com experiências anteriores ou conceitos formados
nos estágios precedentes.

Do mesmo modo, pode-se falar que a experiência perceptiva dos sentidos


não consiste em puro registro ou na simples “leitura” da experiência, à medida
que leva a uma organização do espaço pelo estabelecimento de relações ativas e
progressivas, relações estas que podem ser simples transportes visuais de um
elemento para outro ou relações complexas de transposições, que são a origem
das proporções, das relações de tamanho e também de referências individuais.

As relações são instrumentos lógicos e o estabelecimento de relações é


lógico e até mesmo lógico-matemático (proporções e coordenadas), de tal
maneira que, mesmo no nível perceptivo, o conhecimento físico supõe este
quadro necessário de natureza lógico-matemática (PIAGET, 1996).

Com base nesses pressupostos, supõe-se que a educação deva possibilitar à


criança um desenvolvimento amplo e ao mesmo tempo dinâmico, desde os
estágios iniciais do desenvolvimento até o das operações formais. No caso
especí co do ensino de Ciências, as metodologias empregadas devem
considerar os esquemas de assimilação da criança, propor atividades
desa adoras e, sobretudo, motivadoras, que provoquem desequilíbrios e
reequilibrações, possibilitando a descoberta e a construção do conhecimento
em todas as suas formas.
O conhecimento cientí co na perspectiva de Vigotski

Uma consideração importante acerca da natureza do conhecimento


cientí co que é comum às teorias de Vigotski e de Piaget é que ambos
defendem o fundamental papel da interação dos sujeitos com os objetos e da
experiência na construção dos conceitos cientí cos.

[…] de igual maneira, a assimilação do sistema de conhecimentos cientí cos


também não é possível senão através dessa relação mediata com o mundo dos
objetos, senão através de outros conceitos anteriormente elaborados (VIGOTSKI,
2001, p. 269).

Vigotski (2001) defendeu que o desenvolvimento de conceitos


espontâneos é diferente do desenvolvimento de conceitos cientí cos, uma vez
que para os últimos é necessário instrução, processo de ensino e intervenção do
professor. Criticou Piaget argumentando que para este os conceitos
espontâneos em nada contribuem para a formação dos cientí cos, pois as
formas superiores de generalização originam-se de substituições após a
instauração do con ito: “Assim, o desenvolvimento se reduz essencialmente à
exclusão”, diz Vigotski (2001, p. 257). Há em sua teoria maior preocupação
com o processo, justamente por atribuir importância imprescindível ao ensino
no desenvolvimento dos conceitos cientí cos, admitindo que entre a
aprendizagem e o desenvolvimento de conceitos cientí cos existem muitas
relações complexas. Se por um lado, em termos de pesquisa, o grande desa o é
descobrir quais são essas relações, por outro, em termos de ensino, é necessário
estabelecer práticas que possibilitem tais relações.

Enquanto que para Piaget a aprendizagem depende do estágio de


desenvolvimento mental no qual se encontra a criança, para Vigotski a
aprendizagem deve anteceder o desenvolvimento mental, ou seja, a criança
deve ser estimulada e auxiliada a aprender de modo a sempre superar suas
potencialidades orgânicas. Daí decorre o desenvolvimento mental. Em sua
perspectiva, os conceitos cientí cos só podem ser desenvolvidos em um
processo de instrução, assistidos pelo professor, de maneira que a vivência
escolar e a aprendizagem das diversas disciplinas formais são imprescindíveis
não só às funções conscientizadas e arbitrárias, típicas do conhecimento
cientí co, mas também ao desenvolvimento sadio das crianças.

Reconhece a inter-relação entre a formação dos conceitos espontâneos e a


formação dos conceitos cientí cos, pois acredita que seu desenvolvimento deva
necessariamente apoiar-se em um determinado nível de maturação de conceitos
espontâneos, porque o desenvolvimento dos conhecimentos cientí cos só se
torna possível depois que os conceitos espontâneos da criança atingiram um
nível próprio do início da idade escolar. Da mesma forma, a rma que o
surgimento dos conceitos cientí cos não pode deixar de in uenciar o nível dos
conceitos espontâneos anteriormente constituídos, pelo simples fato de que
não estão contidos na consciência da criança, não estão separados uns dos
outros por barreiras de qualquer tipo e não uem por canais isolados, mas estão
em processos de interação constante (VIGOTSKI, 2001).

Para reforçar a ideia da importância da experiência e da instrução no


desenvolvimento dos conceitos cientí cos, há a hipótese de que sua
determinação se dá pela de nição verbal primária a qual, nas condições de um
sistema organizado, provém do concreto, do fenômeno, ao passo que a
tendência do desenvolvimento dos conceitos espontâneos se veri ca fora do
sistema, ascendendo para as generalizações.

Vigotski entende o processo educativo como um sistema organizado. É


dentro desse processo que podem ser veri cados, na mesma criança, aspectos
fracos e fortes dos conceitos cientí cos e dos espontâneos. A fraqueza dos
conceitos espontâneos se manifesta na incapacidade para a abstração, para uma
operação arbitrária com esses conceitos, enquanto sua aplicação incorreta
ganha validade. A debilidade do conceito cientí co é seu verbalismo, que se
manifesta como o principal perigo no caminho do desenvolvimento desses
conceitos, na insu ciente saturação de sua concretude (VIGOTSKI, 2001).
O desenvolvimento do programa
O programa faz parte de uma pesquisa sobre a utilização dos ecossistemas
terrestres naturais brasileiros como ambientes para as atividades de Ensino de
Ciências (SENICIATO, 2002). Em uma escola municipal de Bauru, SP, foram
desenvolvidas aulas teóricas de ecologia para três turmas da 6ª série do Ensino
Fundamental. Os conceitos estudados foram: biogeogra a, os ecossistemas
terrestres brasileiros, as relações entre os seres vivos e os fatores bióticos e
abióticos de um ecossistema.

Uma semana depois das aulas teóricas, foram desenvolvidas aulas de


campo sobre os mesmos assuntos estudados em sala de aula. As aulas de campo
aconteceram no Jardim Botânico Municipal de Bauru, local onde uma trilha
ecológica atravessa fragmentos naturais de dois ecossistemas terrestres
brasileiros: mata estacional semidecidual e cerrado. Nas duas oportunidades, as
aulas foram desenvolvidas pela autora da pesquisa e duas monitoras juntaram-
se aos alunos para anotarem as observações espontâneas e as perguntas. Todos
os registros foram transcritos para categorização e análise.

Embora as aulas de campo tenham sido desenvolvidas fora da escola, o


caráter educativo da atividade foi sempre ressaltado pela escola e pela
pesquisadora. Os alunos foram esclarecidos que não se tratava de uma atividade
lúdica.
Formando conceitos em aulas de campo: conhecimento cientí co e
mediação

Na análise dos dados obtidos dos registros durante as aulas, foram


excluídos os registros repetidos para ns de inclusão nas categorias. As
categorias criadas baseiam-se na teoria de Piaget sobre a natureza do
conhecimento cientí co. Como não é o objetivo deste estudo confrontar
teorias, a partir das categorias criadas, são discutidas as construções do
conhecimento cientí co nas perspectivas de Piaget e de Vigotski.

Como as observações dos alunos, muitas vezes, sugerem a construção de


um novo conceito, a partir de mais de uma dimensão do conhecimento (o que
é amplamente defendido por Piaget, já que mesmo o conhecimento perceptivo
leva a uma organização do espaço pelo estabelecimento de relações, e as
relações são instrumentos lógicos), foram categorizadas deixando explícitas as
formas de conhecimento nelas contidas.

Pelo Quadro 1, observa-se que o conhecimento perceptivo foi o único ao


qual os alunos não se referiram durante as aulas teóricas, o que é
compreensível, tendo em vista que a percepção decorre da ação dos sentidos
dos alunos sobre o ambiente. No caso do Ensino de Ecologia nos ecossistemas
terrestres naturais, a organização dos conhecimentos perceptivos em relações de
proporção ou comparação (Aqui está mais quente! Aqui está frio, lá fora estava
quente!), ou seja, com a utilização também do conhecimento lógico-
matemático, favoreceu o entendimento sobre as características abióticas dos
diferentes ecossistemas.

Em termos de conhecimento experimental, o quadro demonstra um dos


grandes problemas em ensinar-se Ciências Biológicas dentro de um contexto
em que não está presente seu principal objeto de estudo: os seres vivos. Isto está
evidente pela maior quantidade de formas de vida, estruturas e características
dos seres vivos observadas pelos alunos durante a aula no Jardim Botânico.
Por não tenderem a generalizações de qualquer espécie, as observações dos
alunos contidas na categoria do conhecimento experimental, sugerem a
manifestação verbal de conceitos espontâneos os quais, segundo Vigotski
(2001), são altamente validados pela experiência cotidiana dos alunos.

Quadro 1 – Formas de conhecimento expressas durante as aulas.


Talvez a categoria que melhor demonstre as contribuições da s aulas de
campo nos ecossistemas naturais para a aprendizagem dos conteúdos referentes
à Ecologia, seja a terceira (conhecimento experimental/lógico-matemático).
Piaget (1996) expõe que, no terreno da experiência propriamente dita e,
sobretudo, da experimentação dirigida (como foi o caso das aulas de campo), é
evidente que nenhuma constatação permanece em estado puro, no sentido em
que o empirismo clássico admitiria que o objeto deponha no sujeito, ou sobre
ele, uma simples impressão que constituiria uma cópia. Em outras palavras, o
problema do conhecimento é escolher entre as duas concepções possíveis, a do
conhecimento-cópia ou a do conhecimento-assimilação.

Assim, o conhecimento experimental/lógico-matemático observado em


aulas teóricas aproxima-se mais do conhecimento-cópia, pois, embora esteja
evidente a tentativa dos alunos em buscar uma representação pré-existente,
utilizando-se de analogias ou mesmo procurando ordenar o novo
conhecimento em grupos – e a ordenação entre os agrupamentos são relações
lógicas – é uma construção relativamente simples, comum inclusive a estágios
anteriores do desenvolvimento, nos quais tem início a formação de pré-
conceitos e não de conceitos propriamente ditos. Por exemplo, ao observar que
a onça parece um puma, ou que a siriema é um tipo de galinha, o aluno
procura ‘encaixar’ os animais apresentados no grupo daqueles que ele já
conhece e que possuem características semelhantes; é um agrupamento por
semelhança, proveniente de um raciocínio por imagens e de caráter lúdico,
típico dos estágios pré-operatórios (PIAGET, 1990).

Contrariamente, o conhecimento experimental/lógico-matemático


observado durante as aulas de campo possui características que se aproximam
mais do conhecimento-assimilação.

Desde que não é mais exclusivamente perceptível, a experiência física


supõe essencialmente a intervenção de ações, porque o sujeito não pode
conhecer os objetos a não ser agindo sobre eles. É o caso, por exemplo, das
observações: “A copaíba é reta e alta para procurar o sol”; e “Por que a cor das
samambaias é diferente? Tem marrom e tem verde”.
Para chegar a tais constatações, o conhecimento experimental não se
resumiu à observação imediata, mas também a uma dissociação dos fatores – o
crescimento reto do tronco da copaíba e a cor diferente das samambaias – de
forma a apreciar isoladamente seus efeitos e dissociar os fatores, nada mais é do
que modi car pela ação o fenômeno bruto e cercar seus elementos sob formas
que só podem ter garantia de objetividade devido à arti cialidade ativa.

Segundo Piaget (1996), isto não tem nada de contraditório, porque a ação
experimental é orientada na direção da descentração lógico-matemática, ao
passo que o erro ou a ilusão subjetiva, que ela corrige, resultam de centrações
sobre a experiência imediata.

Nas metodologias tradicionais de Ensino de Ecologia, que não recorrem


às experimentações, parece estar implícito o princípio segundo o qual a ação do
sujeito é necessária somente para o entendimento das possíveis relações entre os
fatores bióticos e abióticos que compõem um ecossistema, sendo dispensável a
ação sobre os objetos de estudo dos ecossistemas, isto é, os próprios fatores
bióticos e abióticos.

Neste sentido, Vigotski acrescenta o imprescindível papel do professor na


condução do processo experimental e do modo como auxiliará os alunos a
desenvolverem os conceitos cientí cos. As perguntas formuladas pelos alunos,
baseadas na observação da realidade, necessitam da mediação do professor, sob
pena de tornar a atividade meramente demonstrativa, reforçando que as aulas
de campo são ambientes de instrução.

Não menos que a investigação teórica, a experiência pedagógica nos ensina que o
ensino direto de conceitos sempre se mostra impossível e pedagogicamente estéril.
O professor que envereda por esse caminho costuma não conseguir senão uma
assimilação vazia de palavras, um verbalismo puro e simples que estimula e imita a
existência dos respectivos conceitos na criança mas, na prática, esconde o vazio
(VIGOTSKI, 2001, p. 247).

Decorre disto que as abordagens utilizadas para o Ensino de Ecologia


privilegiam as relações ecológicas (e, portanto, o conhecimento lógico-
matemático) em detrimento do conhecimento sobre os seres vivos ou sobre
determinado clima que constituem um ecossistema (o conhecimento
experimental ou até mesmo o perceptivo), ignorando tratar-se de um esforço
em direção ao que Vigotski chama de verbalismo puro.

No contexto das aulas de campo, algumas observações corroboram essa


tese e até se adiantam ao permitirem veri car que os próprios alunos utilizam-
se das estruturas lógico-matemáticas para interpretar um fenômeno por meio
da experiência, como mostram as coordenações de espaço e as relações de
intensidade e proporção implícitas nas observações sobre as diferenças entre o
ambiente de mata e o de cerrado: “O cerrado é totalmente diferente, as árvores
são menores.”; “As árvores são mais tortas e mais nas.”; “Aqui é diferente. É
mais seco.”. Neste sentido, Piaget (1996) rea rma que o conhecimento
experimental é, sobretudo, assimilação.

Convém ressaltar também que muitos alunos envolvidos na pesquisa


provavelmente se encontravam ainda no estágio das operações concretas, no
qual o raciocínio se dá muito mais facilmente por meio da ação do sujeito com
a realidade e não por relações de abstração.

É ainda em termos de estágios do desenvolvimento que se podem discutir


as observações inseridas na categoria de conhecimento lógico-matemático.
Assim como havia alunos no estágio das operações concretas, é provável que
houvesse também aqueles que se encaixavam ao menos nos estágios iniciais das
operações formais, estruturadas não a partir da realidade concreta, mas a partir
de outras operações e relações de nidas por Piaget (1978) como sendo o
pensamento sobre o pensamento. É a formulação de hipóteses, por meio das
relações de proporção, nalidade e predição de ações futuras, que confere a
característica principal do conhecimento lógico-matemático.

Entretanto, embora haja características de pensamento hipotético nas


observações dos alunos durante a aula teórica e durante a aula de campo, nelas
está guardada uma diferença fundamental. As hipóteses lançadas durante a aula
teórica não foram provenientes do conhecimento experimental, o que
acarretou em uma insegurança nas proposições, ou seja, não há premissa
anterior que as suporte, como por exemplo: “É porque está perto do mar? Ou
não?” (respondendo à pergunta sobre as diferenças entre a Mata Atlântica e a
Amazônia). O aluno supõe que a diferença aconteça pela proximidade da Mata
Atlântica com o mar, mas não há elementos concretos que lhe assegure que a
Mata Atlântica esteja de fato próxima ao mar, a não ser a própria denominação,
relacionada ao Oceano Atlântico.

Por outro lado, as hipóteses construídas durante as aulas de campo


fundamentam-se no conhecimento experimental, na realidade concreta, de
forma que o conceito e o fenômeno responsáveis pela formulação da hipótese
foram previamente assimilados pela experiência, como no exemplo: “Por que as
algas deixaram o mar?” (ao observarem um líquen, depois da explicação da
monitora). O aluno compreendeu que a forma de vida observada era a
associação entre uma alga e um fungo e compreendeu também o fato de que
aquela alga era perfeitamente tangível, ainda que espacialmente e sicamente
muito distante de um ambiente marinho. Ao elaborar tal pensamento, foi
ainda capaz de supor que as algas, para estarem ali, em algum momento
deixaram o mar. A hipótese suben-tendida na pergunta é, portanto,
consequência de ordenações e coordenações de conceitos construídos
anteriormente, advinda do pensamento lógico-matemáti-co ou hipotético-
dedutivo. En m, a matemática, longe de reduzir-se a uma linguagem, é o
próprio instrumento de estruturação que coordena essas ações e as prolonga em
seguida em teorias dedutivas e explicativas.

Dizer que o conhecimento experimental é a assimilação do real às


estruturas lógico-matemáticas é também a rmar, por isso mesmo, que a
organização própria do sujeito e de todo o ser vivo é condição de trocas com o
meio, das trocas cognoscitivas, tanto quanto das trocas materiais e energéticas.
A este respeito, as formas conceituais e operatórias aparecem, ainda uma vez,
como o prolongamento das formas ‘orgânicas’ (PIAGET, 1996).

Não obstante a análise das diferentes formas de conhecimento e dos


diferentes estágios do desenvolvimento possa traduzir-se em uma falsa
impressão de independência e estabilidade, ocorre justamente o contrário.
Primeiramente, considerando-se os estágios do desenvolvimento, a teoria
piagetiana é sempre enfática ao defender que a inteligência e a elaboração do
pensamento estão condicionadas a um certo funcionamento mental constante
que assegura a passagem de qualquer estado para o seguinte, embora as
estruturas típicas de cada estágio sejam variáveis. No contexto do Ensino de
Ciências, isto equivale a dizer que respeitar as características do
desenvolvimento mental dos jovens estudantes fase das operações concretas,
apoiando os processos de construção de conhecimentos em elementos reais, é
garantir o bom desenvolvimento dos estágios posteriores das operações formais,
para os quais evoluem as formas superiores do pensamento humano.

É na categoria de conhecimento lógico-matemático que se pode notar


maior incidência de relações de emergência re exivas, que corresponde-riam à
identi cação generalizante própria da formação dos conceitos.

O processo educativo, a inter-relação com outras disciplinas formais não


abordadas no contexto (por exemplo, não foi falado, durante as aulas, sobre as
condições pluviométricas de Bauru, mas mesmo assim o aluno relacionou este
conhecimento com a nova informação que há solos diferentes em Bauru),
contribuíram para o surgimento de elaborações superiores, expressas nas ações
verbais dos alunos, independentemente de haver a observação da chuva ou do
mar, no caso citado das algas. Esta é, para Vigotski (2001), a natureza principal
dos conceitos cientí cos:

A análise do conceito espontâneo da criança nos convence de que a criança tomou


consciência do objeto em proporções bem maiores do que do próprio conceito; a
análise do conceito cientí co nos convence de que, desde o início, a criança toma
consciência do conceito bem melhor do que do objeto nele representado
(VIGOTSKI, 2001, p. 346).
Considerações nais

Os dados discutidos à luz das teorias aqui utilizadas nos asseguram que os
conceitos cientí cos são mais facilmente desenvolvidos, ou desenvolvidos de
uma maneira considerada satisfatória, a partir de situações de Ensino de
Ciências nas quais os alunos possam ter acesso à dimensão concreta da
realidade e dos fenômenos, para citar Vigotski (2001), e haja a relação e a ação
direta dos alunos sobre os objetos, para citar Piaget (1996).

Para que isso ocorra, contudo, as aulas de campo devem ser tratadas como
uma atividade de instrução, na qual o ambiente por si só não é capaz de formar
conceitos, mas necessita da mediação de um professor bem preparado, apto a
permitir a integração dos conteúdos e a formulação de hipóteses.

Conhecer a natureza de um conceito cientí co é fundamental para que o


professor oriente sua atividade de campo de modo a proporcionar aos alunos as
dimensões perceptiva, experimental e hipotética do conhecimento cientí co,
principalmente quando se tratar de alunos nas faixas etárias de 12 a 14 anos.

Por m, na perspectiva de educadores, embora haja a tendência em se


adotar um referencial de análise ou metodológico, a análise evidenciou que
aspectos das teorias de Vigotski e de Piaget nos auxiliam na compreensão da
e cácia das aulas de campo. Fugir dos dogmatismos de nossas escolhas é
também proporcionar uma instrução ampla e não doutrinária aos nossos
alunos.

1 Possui doutorado em Educação para a Ciência na área de Ensino de Ciências e Matemática, pelo
Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP;
([email protected]).

2 Membro do departamento de Ciências Biológicas, Unesp – Bauru; ([email protected]).


Referências bibliográ cas

PIAGET, J. A epistemologia genética. São Paulo: Abril Cultural. p. 6-64,


(Coleção Os pensadores), 1978.

________. A passagem dos esquemas sensório-motores para os esquemas


conceituais. In: PIAGET, J. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e
sonho, imagem e representação. 3.ed. Rio de Janeiro: LTC S.A, p. 275-370,
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________. Biologia e conhecimento – ensaio sobre as relações entre as


regulações orgânicas e os processos cognoscitivos. 3.ed. Petrópolis: Vozes, p. 423,
1996.

POZZO, J. I. Teorias cognitivas da aprendizagem. 3.ed. Porto Alegre:


Artmed, 1998.

SENICIATO,T. Ecossistemas terrestres como ambientes para as atividades de


Ensino de Ciências. Dissertação (Mestrado em Educação para a Ciência).
Faculdade de Ciências. Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2002, 138f.

VIGOTSKI, L. S. Estudo do desenvolvimento dos conceitos cientí cos


na infância. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins
Fontes, p. 241-394, 2001.
Ensino e aprendizagem de Ecologia em
ecossistemas naturais característicos da
restinga de Ilha Comprida, SP

Gustavo da Fonseca1
Elaine S. Nicolini Nabuco de Araujo2
Ana Maria de Andrade Caldeira3
Introdução

A iniciativa deste trabalho surgiu com o propósito de fornecer uma


experiência de ensino e aprendizagem de Ecologia mais interessante, atrativa e
e ciente para os alunos do Ensino Médio. Acreditamos que a possibilidade de
apresentação de fenômenos e representações particularmente próximos à
realidade do aluno é de extrema relevância para o processo de ensino e
aprendizagem de Ecologia. Os alunos aos quais se direcionou, primariamente,
esta abordagem didática são estudantes do Ensino Médio de um colégio
estadual de Ilha Comprida.

Para nossa abordagem escolhemos os ecossistemas de restinga da Mata


Atlântica no litoral sul paulista mais especi camente no baixo Vale do Ribeira
no município de Ilha Comprida, onde encontramos remanescentes
relativamente bem conservados dos ecossistemas de restinga e manguezal com
alta diversidade de ambientes.

Acreditamos que a semiótica pierceana é um bom instrumento de análise


e construção do processo de ensino e aprendizagem de Ciências, nesse caso
Ecologia. Como a rmou em trabalhos anteriores Caldeira (2005), a teoria
sígnica busca compreender a malha de signos quanto ao seu objeto e que
compõe o nosso interesse: a teia de signi cações engendradas no processo de
ensino e aprendizagem de fenômenos naturais. Além de fundamentar a
apropriação de objetos de estudo próximos aos alunos, e da apresentação de
fenômenos, favorecendo a experiência colateral, possibilitando a percepção de
objetos dinâmicos. A percepção de objetos dinâmicos pode dar suporte para a
construção de interpretantes dinâmicos na mente dos alunos – o que facilita a
aprendizagem de Ecologia.

Esta experiência didática realizada nos ecossistemas litorâneos possibilitou


a integração de diversos conceitos cientí cos, desenvolvidos dentro da temática
Ecologia no Ensino Médio. Mostrou-se também potencialmente
interdisciplinar, à medida que competências comuns às disciplinas curriculares
do Ensino Médio e as competências de outras disciplinas além da Biologia
foram necessárias no desenvolvimento das atividades práticas e de
sistematização dos conteúdos. Nas atividades realizadas, além de interpretação
ambiental (que é por si mesma uma atividade inter e transdisciplinar), foram
desenvolvidas competências de interpretação de textos, mapas, vídeos e
depoimentos. Durante o ano letivo de 2007 foi desenvolvido na escola alvo
deste artigo um projeto intitulado “Os ecossistemas e a Cultura de Ilha
Comprida”, tal projeto buscou integrar os professores das diversas disciplinas
em torno de uma única temática regional, dessa forma os professores apropria-
ram-se da temática ecológica e cultural da região no desenvolvimento dos
conceitos curriculares de suas disciplinas favorecendo uma aprendizagem
integrada, inter e transdisciplinar, não memorística e signi cativa.

Caracterização física e biológica de Ilha Comprida

Caracterização e localização

O município alvo desta pesquisa foi o de Ilha Comprida. Localizado no


litoral sul do estado de São Paulo em uma mesorregião chamada Vale do
Ribeira, mais especi camente no Baixo Vale do Ribeira, formando a planície
litorânea juntamente com outros municípios. Segundo dados do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), nessa mesorregião encontramos 20%
dos remanescentes de Mata Atlântica do Brasil (BRASIL, 2006, a).

Tamanha sua importância e representatividade em relação ao patrimônio


biodiverso4 da Mata Atlântica5, que foi considerado, em 1991, Reserva da
Biosfera e, em 1999, Patrimônio Natural da Humanidade pela (Unesco)
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

Depois de 500 anos de ocupação pelo colonizador, apenas uma área de 7% da


Mata Atlântica ainda permanece de pé. A maioria desses remanescentes orestais
ocorre de modo descontínuo, sendo que a grande exceção de mata continuada
constitui as reservas que vão da Serra da Jureia, em São Paulo, até à Ilha do Mel,
no Paraná (BRASIL, 2006 b).
Segundo Ab’Sáber (2003, p. 56), podemos encontrar na “zona costeira do
Brasil Tropical Atlântico ecossistemas complementares da Mata Atlântica,
diferenciados pela existência de suportes ecológicos especí cos”, alguns desses
ecossistemas ainda podem ser encontrados em fragmentos orestais.

Por se tratar de um grande banco de areia, ou seja, uma ilha de restinga,


em Ilha Comprida encontramos as seguintes tipologias e ecossistemas
associados à Mata Atlântica característicos das planícies costeiras brasileiras:
jundu, escrube das dunas, orestas de restinga (baixa e alta), brejos
salobros/caxetais e manguezais. Esses ecossistemas estão dispostos em mosaico,
dependendo principalmente das características edá cas do local onde são
encontrados (BRASIL, 1996). O ecótono6 desses ecossistemas pode ser
abrupto ou gradual. Tais ecossistemas apresentam características físicas e de
composição faunística e orística, diferentes e bem de nidas.

O município de Ilha Comprida desempenha um papel fundamental na


proteção dos ecossistemas estuarinos localizados em sua face continental.

Ilha Comprida possui um importante papel ecológico, pois constitui uma barreira
que protege o Mar Pequeno e o Mar de Cananeia das in uências diretas das marés
e dos ventos marítimos, sendo a principal responsável pela manutenção do
equilíbrio do Complexo Estuarino-Lagunar de Cananeia/Iguape/Paranaguá (SÃO
PAULO, 2001, p. 48).

É em toda sua extensão uma Área de Proteção Ambiental (APA) e,


também, parcialmente considerada uma Área de Relevante Interesse Ecológico
(Arie), criadas segundo o Decreto Estadual n° 26.881, de 1987 e
regulamentadas segundo a Resolução Estadual nº 30.817, de 30 de novembro
de 1989. Grande parte da área da APA apresenta cobertura vegetal primária ou
em estágio avançado de recuperação.

Uma APA, segundo o Sistema Nacional de Unidades da Conservação, é:

[…] uma área com certo grau de ocupação humana, dotada de atributos
abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a
qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos
básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e
assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais (BRASIL, 2006 c, p. 16,
art. 15º).

Uma Arie, segundo o SNUC, é:

[…] uma área, com pouca ou nenhuma ocupação humana, com características
naturais extraordinárias ou que abriga exemplares raros da biota regional, e tem
como objetivo manter os ecossistemas naturais de importância regional ou local e
regular o uso admissível dessas áreas, de modo a compatibilizá-lo com os objetivos
de conservação da natureza (BRASIL, 2006 c, p. 16, art. 16º).

Estes tipos de Unidades de Conservação permitem o uso direto dos seus


recursos naturais, porém esse uso deve ser compatível, obviamente, com seus
objetivos conservacionistas.

A participação da população é fundamental na gestão dos recursos


naturais das APA. De acordo com o artigo 16º do SNUC (BRASIL, 2006, c,
p.16), “A Área de Proteção Ambiental disporá de um Conselho presidido pelo
órgão responsável por sua administração e constituído por representantes dos
órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população residente”.

A Ilha Comprida se constitui em uma feição arenosa alongada localizada


no litoral sul do Estado de São Paulo. Possui 74 km de extensão e largura
variando entre 2 e 5 km, com altitudes predominantemente inferiores a 7 m. O
ponto mais alto é o Morretinho, uma formação cristalina com
aproximadamente 45 m de altitude, localizado próximo ao Boqueirão Sul. O
clima desse município é o tropical úmido, característico da Mata Atlântica,
com temperatura anual média de 24°C (ILHA COMPRIDA, 2006).

A distribuição da população no município é diversi cada, e sua ocupação


é constituída basicamente por domicílios permanentes e não permanentes
(veraneio). Dada a condição de Área de Preservação Ambiental, o zoneamento
proposto no relatório técnico do decreto de criação da APA (1989) e também
no plano diretor de Ilha Comprida (2006), prevê a concentração da população
residente em quatro principais centros urbanos:
1. Boqueirão Norte, núcleo de maior concentração urbana, localiza-se no
km 20, em sentido norte-sul. Nesse centro está localizada a Prefeitura
Municipal, a Câmara Municipal, a Delegacia de Polícia, o Corpo de
Bombeiros, o Cartório de Registro Civil e a Escola Estadual alvo da
pesquisa.
2. Balneário Viarégio, localizado no km 37, sentido norte-sul.
3. Vilarejo de Pedrinhas, núcleo de pescadores, localiza-se na face
estuarina, no km 57, sentido norte-sul.
4. Boqueirão Sul, em sua face estuarina oferece acesso por balsa a
Cananeia, localiza-se no km 67, sentido norte-sul.
Esses dois últimos núcleos de povoamento apresentam em suas
adjacências o ambiente natural com características muito bem conservadas.

Para a prática didática em Ecologia, dentro do bioma Mata Atlântica,


escolhemos o ambiente natural de restinga, que é representado pelas planícies
litorâneas mais recentes, formadas principalmente por areias holocênicas.

A cobertura vegetal original destas áreas é a vegetação de restinga e


manguezal. Estes locais são considerados mosaicos de sionomias vegetais com
composição de espécies e características edá cas7 diferentes (BRASIL, 1996).
No município de Ilha Comprida encontramos extensas áreas com sua
cobertura bem conservada, e também paisagens impactadas por diversos fatores
antrópicos.

Formação geológica

A atual região de Cananeia-Iguape é ocupada por uma extensa planície


litorânea que tem sua formação vinculada ao processo de fratura e recuo da
Serra do Mar, durante o Cretáceo Superior. E também a processos sedimentares
decorrentes de transgressões e regressões marinhas (AB’SÁBER, 2006).

Essa região teria sido, durante o Pleistoceno, um paleo-golfo formando


um lagamar, onde os maciços de Cardoso, Iguape e Jureia estavam
transformados em paleo-ilhas que foram posteriormente incorporados a linha
da costa durante boa parte do Holoceno (AB’SÁBER, 2006). Esta fase nal da
formação das restingas do litoral do Vale do Ribeira foi designada por Ab’Sáber
(2006) como “Fase praias grandes/Ilha Comprida”.

As formações das planícies litorâneas devem-se a sedimentos de areia depositados


em ambientes marinho, continental ou transicional, no período quaternário,
devido a fatores como: fontes primárias de sedimentos, correntes de deriva
litorânea, variação do nível relativo do mar e armadilhas de retenção de
sedimentos (SILVA, 2006, p. 25).

A partir de um núcleo de idade mais antiga (Pleistocênica), situado a SW


da Ilha (próximo ao Morretinho pertencente à formação Cananeia), a feição
arenosa evoluiu ao longo dos últimos 5.100 anos, em duas etapas diretamente
vinculadas aos mecanismos de oscilação relativa do nível do mar. Após o
máximo transgressivo do holocenico (5.100 anos) formaram-se os cordões
arenosos em direção norte (representados pela formação Cananeia erodida). Há
aproximadamente 3.800 anos o nível do mar atingiu seu valor mínimo no
período, voltando posteriormente, a cerca de 3.500 anos, a atingir outro
máximo transgressivo.

Após este pequeno máximo transgressivo, Ilha Comprida passou a


apresentar um processo de alargamento, durante o período Holoceno, pela
adição de cordões paralelos a atual linha de costa (GANDOLFO et al., 2001).
Podemos notar essa formação geológica pelas duas unidades estratigrá cas de
Ilha Comprida. Segundo os estudos técnicos de regulamentação da APA de
Ilha Comprida (SÃO PAULO, 1989), estas unidades estratigráicas foram
divididas em:

1. O Alto Terraço Marinho, associado à formação Cananeia erodia e a


depósitos de sedimentos uviomarinhos, com substrato mais antigo e de
granulometria mais na, depositados entre 5.100 anos e 3.500 anos A.P.
2. O Baixo Terraço Marinho, formado principalmente pela deposição de
sedimentos marinhos paralelamente à linha da costa nos últimos 3.500
anos. São desta fase os extensos e contínuos alinhamentos de cordões
litorâneos da face externa da Ilha Comprida.
Este tipo de ambiente abriga uma vegetação característica denominada
restinga. Para Silva (2006), restingas são todas as formações vegetais sobre
areias Holocenicas, compostas de um mosaico de comunidades edá cas.

Cobertura vegetal

[…] entende-se por vegetação de restinga o conjunto das comunidades vegetais,


sionomicamente distintas, sob in uência marinha e uviomarinha. Estas
comunidades, distribuídas em mosaico, ocorrem em áreas de grande diversidade
ecológica sendo consideradas comunidades edá cas por dependerem mais da
natureza do solo que do clima (BRASIL, 1996, p. 2).

Em Ilha Comprida, se traçarmos um transecto da região entre marés em


direção às dunas, encontraremos no início (região de depósito mais recente de
sedimento), apenas algas e fungos microscópicos, em seguida plantas com
estolões e rizomas que podem formar touceiras e raramente algum arbusto. O
estrato herbáceo ocorre somente nas dunas e o arbustivo varia entre 1 e 1,5 m
de altura. Até alcançarmos o estuário com o manguezal encontramos as
seguintes sionomias de restinga. Escrube8, oresta de restinga, (e seu
gradiente orestal), em mosaico com brejos, caxetais e guanandizais e,
nalmente, o ecossistema manguezal.

O gradiente vegetacional observado está intimamente relacionado com as


características edá cas, por se tratar de uma região de deposição de sedimentos
marinhos, a medida que caminhamos em direção ao continente mais antigo e
menos halino torna-se o substrato, além de concentrar maior quantidade de
nutrientes. Na praia, na região onde somente as marés de grande amplitude
alcançam, inicia-se o processo de sucessão primária, lá encontramos vegetais
herbáceos com caules de estolão e rizomatosos, uma vez que as dunas estejam
rmadas por esses vegetais e os nutrientes orgânicos comecem a se acumular, os
arbustos podem se estabelecer, e são por m substituídos por árvores
(RICKLEFS, 2003). No manguezal também é possível observar um
mecanismo de sucessão primária. Nas áreas não consolidadas, de deposição de
sedimentos uviomarinhos, notamos a presença de plantulas hora de mangue
vermelho hora de mangue preto (canoé). Podemos notar também uma
estrati cação da composição orística da comunidade arbórea, decorrente da
oscilação do nível da água durante a mudança das marés.

Escolha das tipologias vegetacionais de Mata Atlântica

Escolhemos estas vegetações para a prática didática, alvo dessa pesquisa


em ensino de ciências, por alguns motivos:

1. Pela facilidade, pois o público-alvo ao qual se destina esta prática são


alunos do Ensino Médio de um colégio estadual no município de Ilha
Comprida, cidade litorânea existente sobre uma ilha arenosa no litoral
extremo sul do estado de São Paulo. Tal ilha é uma APA estadual, com
características naturais bem preservadas, e predominantemente ocupada
pela restinga e pelo manguezal. Este município é uma região que
apresenta um remanescente com características relativamente conservadas,
devido à di culdade de exploração imobiliária por apresentar dois terços
de sua área cortada e inundada pela várzea do Rio Candapui. (SÃO
PAULO, 1989). Essas paisagens são parte do cotidiano dos alunos,
experienciadas todos os dias, como entretenimento, na pesca, nas dunas,
nas lagoas, nas trilhas e nas praias. Também como abrigo, como sustento,
como remédio, entre outros usos, atribuições e signos.
2. Pois apesar de estarem integrados espacialmente (os alunos e o
ambiente) muitos destes não possuem signos cientí cos elaborados.
Apresentam concepções alternativas como, por exemplo, classi car
bromélias plantas tipicamente epí tas, de parasitas, por estas vive-rem no
substrato arbóreo. Além disso muitos desconhecem as localidades de seu
município e as paisagens com belezas cênicas.
3. Por apresentarem características díspares, (apesar da mudança de
sionomia ser gradual em certos locais). Podemos citar as seguintes
variáveis: composição orística diversa, grau de diversidade de espécies
diferentes, porte da vegetação, hábito das bromeliáceas, as características
edá cas, entre outras.
4. Por sua proximidade, estas tipologias encontram-se nesta região
próximas espacialmente, em continuidade, apresentando um gradiente
orestal, geológico e edá co. Formando um mosaico de sionomias desde
savânicas até orestais, sob in uência de fatores como idade do sedimento,
presença de sedimentos estuarinos, regime de inundações total ou parcial, com
alta ou baixa salinidade, entre outros fatores ecológicos.

Dessa maneira é possível proporcionar ao aluno experienciar múltiplos


ecossistemas. E, possivelmente, construir diferentes signos aumentando sua
rede conceitual, alcançando, assim, a compreensão ecológica das características
emergentes dos ecossistemas visitados.

Semiótica peirceana

Semiótica é o estudo que busca a compreensão dos signos e do processo


de semiose que envolve a gênese dos fenômenos. Vejamos o conceito de signo
exposto por Santaella (2002, p. 114):

Signo é qualquer coisa de qualquer espécie que represente alguma coisa chamada
objeto do signo, e que produz um efeito interpretativo em uma mente de
qualquer natureza, efeito que é chamado de interpretante do signo. O objeto do
signo também pode ser qualquer coisa de qualquer espécie, que está na posição de
objeto porque é representada pelo signo.

Vejamos uma de nição de signo proposta por Peirce (1972, p. 37).


“Deixe-nos usar a palavra signo para signi car qualquer coisa que, ao ser
percebida, leva para uma mente alguma cognição ou pensamento que se aplica
a algum objeto”. Segundo Peirce o signo tem natureza triádica:

1. O signo, que representa todo o processo de semiose.


2. O objeto, algo que o signo representa.
3. O interpretante, efeito interpretativo gerado em uma >mente, e que
produz um novo signo. Em um processo in nito de semiose (Colected
Papers, 5.484).
Sendo assim, “o signo é um primeiro (algo que se apresenta à mente),
ligando um segundo (aquilo que o signo indica, se refere ou representa) a um
terceiro (o efeito que o signo irá provocar em um possível intérprete)”
(SANTAELLA, 2002, p. 7).

Os estudos desenvolvidos por Peirce (1972) levaram-no à conclusão que


todos os fenômenos ou qualquer experiência que se apresentam à percepção e à
mente, isto é, tudo que aparece à consciência, ocorre em uma gradação de três
propriedades, denominadas por ele, em um primeiro momento, de: Qualidade;
Relação/Reação; Representação/Mediação. Essa terminologia foi substituída
mais tarde por Primeiridade, Secundidade e Terceiridade (SANTAELLA,
1983).

Na análise semiótica é impossível encontrar um signo que contenha


apenas uma das faces do signo, potencialidade (primeiridade), ou existência
(secundidade), ou conceito (terceiridade). Todos os três encontram-se presentes
em qualquer signo de qualquer natureza, porém pela análise semiótica
podemos identi car qual deles, ou quais, aparecem de maneira mais intensa no
interior do signo analisado. Dessa forma a análise semiótica representa uma
importante ferramenta para a pesquisa em ensino de Ciências, com a qual
podemos analisar e avaliar em que nível de signi cação o estudante (intérprete)
encontra-se.

Segundo Santaella (2002) o signo pode ser analisado quanto: a sua face de
referência, ou seja, a relação com aquilo que representa; a sua face de
signi cação, isto é, como o signo signi ca seu referente; a face de interpretação,
ou seja, como o signo se relaciona com aquilo que o interpreta. A face de
interpretação é o efeito produzido pelo signo em uma mente que o interpreta, e
pode ser subdividida em:

1. Interpretante imediato, quanto às potencialidades de interpretação


presentes no interior do signo.
2. Interpretante dinâmico, quanto ao efeito produzido pelo signo na
mente que o interpreta.
3. Interpretante nal, resultado interpretativo ao qual toda a mente que o
interpreta está destinada a chegar ou, pelo menos, resultado interpretativo
que se espera alcançar pelo signo, na mente que o interpreta.
O interpretante dinâmico se refere ao efeito efetivamente produzido em
um intérprete pelo signo, isto é, o efeito singular que o signo produz em cada
intérprete particular. De acordo com as categorias de primeiridade,
secundidade e terceiridade, este interpretante subdivide-se em três, sendo eles:
emocional, energético e lógico (SANTAELLA, 2002).

O interpretante emocional diz respeito ao primeiro efeito que um signo


está apto a provocar em um intérprete, sendo esse efeito uma simples qualidade
de sentimento. O segundo efeito causado pelo signo é o energético que
corresponde a uma ação física ou mental, ou seja, o interpretante exige um
dispêndio de energia de alguma espécie. O interpretante lógico ocorre quando
o signo é interpretado por uma regra interpretativa internalizada pelo receptor
(SANTAELLA, 2002).

Segundo Santaella (2002), o interpretante dinâmico pode ser assim


classi cado, conforme o efeito que produz na mente interpretante:

1. O efeito emocional, conforme a qualidade de emoção ou sentimento


que é (ou pode ser) causado pelo signo na mente interpretante. Peirce nos
ensinou: O primeiro efeito signi cado de um signo é o sentimento por ele
provocado. Na maior parte das vezes existe um sentimento que
interpretamos como prova de que compreendemos o efeito especí co de
um signo, embora a base da verdade nesse caso seja frequentemente muito
leve. Este “Interpretante Emocional”, como denomino, pode importar em
algo mais que o sentimento de recognição; e, em alguns casos, é o único
efeito signi cado que o signo produz […] (PEIRCE, 1983, p. 131).
2. O efeito energético, quando o signo provoca uma reação ativa no
receptor, ou seja, uma ação física e/ou intelectual. O interpretante
energético diz respeito a um ato no qual há algum dispêndio de energia.
Peirce nos ensinou: Se um signo produz ainda algum efeito desejado, fá-
lo-á com auxílio da mediação de um interpretante emocional, e tal efeito
envolverá sempre um esforço. Denomino-o “Interpretante energético”. O
esforço pode ser muscular […], mas é usualmente em exercer do mundo
interior, um esforço mental (PEIRCE, 1983, p. 131).
3. O efeito lógico, quando o signo é interpretado por intermédio de um
hábito de ação internalizado pela mente que o interpreta. O interpretante
lógico foge à natureza do signo, constituindo-se em um novo hábito de
ação, mas que pode ser expresso por várias linguagens. É o pensamento ou
entendimento geral produzido pelo signo. Sobre interpretante lógico e
hábito, Peirce discorreu: Devemos dizer que este efeito [efeito do
interpretante lógico] pode ser um pensamento, o que quer dizer, um signo
mental? Sem dúvida pode sê-lo; só que se este signo for de natureza
intelectual – como deveria ser – tem de possuir um interpretante lógico;
de forma que possa ser o derradeiro interpretante lógico do conceito.
Pode provar-se que o único efeito mental que pode ser assim produzido e
que não é um signo mas é de aplicação geral é uma mudança-de-hábito;
entendendo por mudança-de-hábito uma modi cação nas tendências de
uma pessoa para ação, que resulta de exercícios prévios da vontade ou dos
atos, ou de um complexo de ambas as coisas (PEIRCE, 1983, p. 131).

Outros termos precisam ser elucidados antes das considerações nais deste
capítulo. No que se refere à relação do signo com seu objeto, segundo Peirce
(1995), o objeto encontra-se em dois níveis, tanto na forma como se apresenta
na representação, sendo, portanto, uma ideia, como em sua existência própria,
des-considerando qualquer aspecto particular. Ao primeiro, Peirce chamou de
objeto imediato, e ao segundo, objeto dinâmico. O objeto imediato é, nesse
sentido, a forma como o objeto, por intermédio do signo, aparece a uma
mente. E o objeto dinâmico, por sua vez, é o objeto em sua mais plena
natureza, sendo aquilo que está fora do signo e a que o signo se refere ou se
aplica. O objeto dinâmico é o que o signo substitui e o objeto imediato diz
respeito ao modo como o objeto dinâmico está representado no signo, na
mente do intérprete (SANTAELLA, 1983).

Tomemos um exemplo descrito por Brando (2005, p. 40), “Tomando


uma casa como exemplo, mas agora o desenho de uma casa, o objeto dinâmico
seria a própria casa e o objeto imediato, se tratando de um desenho, é a
aparência deste desenho, o modo como ele pode representar por semelhança a
aparência do objeto”. A experiência colateral se refere à experiência íntima com
o objeto dinâmico do signo. Ou seja, é referente à apresentação de fenômenos.

Nessa pesquisa os objetos dos signos consultados e produzidos foram os


ecossistemas naturais de Ilha Comprida. Por meio da aplicação de uma
atividade didática prévia buscamos registrar os interpretantes iniciais dos
alunos, em relação às características ecológicas dos ecossistemas naturais de Ilha
Comprida.

Durante o desenvolvimento das aulas teóricas, procuramos desenvolver o


objeto imediato – ecossistemas de Ilha Comprida e suas características
ecológicas. Para tanto, utilizamos diversos recursos didáticos como, signos-
texto e signos-imagem presentes nos textos em anexo, no livro didático, nos
lmes, fotos e mapas utilizados. Como já foi apresentado ad hoc, objeto
imediato é de nido por aquilo que o signo representa à mente interpretante,
ou seja, quais elementos do objeto dinâmico estão presentes no signo;
enquanto que objeto dinâmico refere-se ao que o signo busca representar, ou
seja, a própria realidade.

Durante as aulas práticas nos ecossistemas naturais, oferecemos o contato


direto com o objeto dinâmico por meio da experiência colateral, ou seja, a
apresentação dos fenômenos naturais, o contato com os ecossistemas em si. Em
outras palavras, através de aulas de campo. Esse tipo de atividade didática
possibilita ao aluno a elaboração de seus próprios interpretantes é
consequentemente, de seu próprio processo de geração de signos, a respeito
destes ecossistemas e sobre o processo de ensino e aprendizado utilizando aulas
práticas.

Para registrar os interpretantes, referentes aos ecossistemas de Ilha


Comprida, gerados após todo o processo de ensino e aprendizagem (aulas
teóricas e práticas) aplicamos uma segunda atividade didática semelhante à
primeira.
Acreditamos que apenas utilizando a experiência colateral, ou seja, a
apresentação do objeto dinâmico, possibilita a efetiva construção de
interpretantes dinâmicos, e que apenas a utilização de signos de objetos
imediatos, ou seja, a representação (textual ou imagética) não dá conta de
possibilitar o processo de semiose completo e fecundo.
Sequência didática e ferramentas de coleta de dados

A sequência didática e também a coleta de dados para esta pesquisa foram


realizados com 10 alunos, com faixa etária entre 14 e 16 anos, matriculados à
época do desenvolvimento da pesquisa em uma turma de 1ª Série do Ensino
Médio de uma Escola Estadual em Ilha Comprida, no estado de São Paulo.
Todas as atividades foram desenvolvidas durante o ano letivo de 2007.

Aulas teóricas

Ferramenta de coleta de dados (atividade didática 1)

No intuito de realizar um levantamento de interpretantes iniciais, sobre os


ecossistemas regionais, trazidos do ensino fundamental e da vivência de cada
aluno, foi realizada uma atividade didática (que para ns de análise de dados
foi chamada atividade 1). Tal atividade consistia da seguinte questão: Quais
ecossistemas terrestres você conhece em Ilha Comprida? Descreva-os.

Essa pergunta foi respondida pelos alunos em março de 2007. Um dia


após a uma aula teórica introdutória. No formato de uma breve discussão
horizon-tal entre professor e alunos, sobre os protocolos da aula prática nos
ambientes naturais terrestres de Ilha Comprida e sobre o campo de estudo da
Ecologia.

Sequência didática das aulas teóricas

Ao longo do ano letivo, até o início do mês de novembro foram


desenvolvidas em aulas teóricas, utilizando basicamente o livro didático9
adotado pela escola, as seguintes áreas do conhecimento ecológico:
1. Níveis de organização dos seres vivos;
2. Habitat e nicho ecológico;
3. Fatores abióticos (luz, temperatura e água) e fatores bióticos;
4. Teias alimentares nos ecossistemas;
5. Fluxo de energia e matéria nos ecossistemas;
6. Ciclos biogeoquímicos (carbono, oxigênio, água e nitrogênio),
aquecimento global e Protocolo de Kyoto;
7. Dinâmica de populações;
8. Relações entre os seres vivos;
9. Sucessão ecológica;
10. Biomas terrestres e biomas aquáticos mundiais;
11. Formações togeográ cas do Brasil;
12. Poluição e suas consequências;
13. Biodiversidade.

Durante as aulas teóricas era feita inicialmente uma exposição dos


conceitos ecológicos do tópico abordado, buscando fenômenos regionais para
exempli car a exposição. Ao aluno era dada a liberdade para realizar perguntas
ou manifestar experiências. Realmente muitas perguntas foram feitas e
experiências pessoais descritas pelos alunos. Durante esta fase não houve coleta
de dados para a elaboração desta dissertação, apesar de constituir uma fonte
rica e um campo fértil de pesquisa em ensino e aprendizagem de Ecologia.

Em seguida era solicitado aos alunos que realizassem a leitura do trecho


do livro didático em que o assunto era abordado para então poderem responder
às perguntas de interpretação do texto na seção “Compreendendo o texto”
(questões de interpretação) presente em todos os capítulos do livro didático.
Para a realização desta atividade os alunos eram reunidos em grupos de
pesquisa, compostos por cerca de cinco pessoas. Essa atividade era
contabilizada no processo de avaliação diagnóstica bimestral. Após a veri cação
dos alunos que realizaram a atividade, as questões eram corrigidas na lousa,
com a participação ativa dos alunos. Nesse momento eram contabilizadas as
notas de participação para os alunos que foram ativos na correção das questões.
Como o Programa Nacional do Livro Didático (2007), que forneceu os livros
aos estudantes, permite que estes levem o material para a casa, era solicitada
como atividade de avaliação e aprendizado fora do horário escolar (lição de
casa) a resolução de atividades (geralmente era solicitada a resolução de duas
questões) presentes na seção “Aplique seus conhecimentos” (questões de
re exão) encontrada em todos os capítulos do livro didático adotado pela
escola. Essa atividade também era corrigida na lousa com participação ativa dos
alunos. Ao nal das aulas era solicitado aos alunos que realizassem a leitura
prévia dos capítulos para as aulas seguintes.

Esse ciclo foi realizado com todos os tópicos ad hoc. Nos tópicos mais
extensos o ciclo foi repetido uma ou mais vezes. Nesse caso era lido o trecho do
texto referente à exposição da aula e realizadas as atividades respectivas aos
assuntos tratados nos “subtópicos”. Como forma de avaliação diagnóstica, era
realizada uma prova aplicada no m de cada bimestre com cerca de oito
questões/problemas. Após correção era atribuída uma nota, que seria
contabilizada na nota nal do bimestre juntamente com as notas das
atividades.

É exigida pelo Sistema de Educação Estadual Paulista a atribuição de


notas bimestrais aos alunos em todas as disciplinas curriculares. Essas notas
podem variar em um intervalo de 0,0 (nos casos de abandono do curso) e 1,0 a
10,0 (no caso de possuir ao menos uma presença bimestral) admitindo apenas
números inteiros. Em 2007, 5,0 era a nota mínima para a aprovação bimestral,
e até este ano não estão previstas para o Ensino Médio atividades de
recuperação paralela ou nal. Esta metodologia foi aplicada durante os três
primeiros bimestres.

1. 19 de fevereiro a 30 de abril de 2007.


2. 01 de maio a 13 de julho de 2007.
3. 30 de julho a 30 de outubro de 2007.

Aulas práticas
Sequência didática das aulas práticas

Devido a diversos imprevistos para o desenvolvimento das atividades


práticas, as aulas de campo só foram realizadas nos dias 6 e 13 de novembro de
2007. Nessa atividade, trabalhamos os ecossistemas regionais, nas escalas
ecológicas conforme Begon et al. (2006), ou seja, espacial, referente à
localização dos ecossistemas estudados; e biológica, referente aos níveis
hierárquicos de organização dos seres vivos. Não foi possível trabalhar a escala
temporal, pois não realizamos um acompanhamento das variações
fenológicas10 dos seres vivos.

Para a programação e preparação das aulas práticas de campo em


ambientes naturais, seguimos as orientações de Pereira que propõe, para a
efetivação do uso de aulas práticas dessa natureza, que:

[…] deverão ser previstas pelo professor as seguintes ações: escolher o biótopo
mais adequado para que o estudante construa seu conhecimento; planejar para
que a prática não seja o m da atividade pedagógica, mas o meio pelo qual o
aluno aprenda os conteúdos propostos; evitar que a prática se esgote em si
própria, mas que tenha um uxo contínuo de ir e vir entre ela e a teoria; e fazer
com que a bibliogra a básica ou os conteúdos a serem estudados acompanhem o
aluno nas atividades de campo (PEREIRA, 1993, apud PINHEIRO, 2007, p.
51).

Para a realização da prática de aulas de campo foi indispensável a presença


da inspetora de alunos, que auxiliou desde a distribuição dos lanches à coleta
dos resíduos produzidos e em outras atividades de infraestrutura da aula
prática.

Foi indispensável, também, a presença de outros professores da escola, um


biólogo da ONG Biologus, e um técnico em meio ambiente da Prefeitura
Municipal, que auxiliaram no desenvolvimento conceitual com perguntas e
observações durante as visitas a campo. Estes pro ssionais são:
1. Um biólogo da ONG Biologus que atua como professor even-tual na
Rede Estadual de Educação, que realizou diversas observações e
comentários referentes à fauna, ora e características ecológicas da região
durante a trilha que conduz ao Morretinho. Suas exposições versaram
sobre:
• o papagaio da cara roxa (Amazona brasiliensis), espécie endêmica11 do
litoral sul de São Paulo e norte do Paraná ameaçada de extinção devido à
destruição de seu habitat natural (restinga);
• o palmito jussara (Euterpes edulis), espécie de palmeira encontrada em
Ilha Comprida (principalmente na trilha que conduz ao Morretinho),
também ameaçado de extinção devido a sua superexploração;
• foi interessante também, o momento em que solicitou a todos que
mantivessem um minuto de silêncio para poder ouvir os sons da natureza
(vento, aves, insetos etc.).

2. Uma professora de História, que realizou durante a trilha que conduz


ao Sambaqui Cascudo comentários sobre:
• os conceitos de sambaqui, sua provável origem, funções e a importância
de seu estudo para o conhecimento cientí co (biológico, histórico e
antropológico).

3. Um técnico em meio ambiente do departamento de turismo da


Prefeitura Municipal de Ilha Comprida que:
• complementou os comentários da professora de História sobre os
sambaquis contando lendas e histórias;
• lmou grande parte das aulas de práticas de campo em ambientes
naturais de Ilha Comprida e produziu, após edição, o documentário sobre
o projeto “Meio Ambiente e o Processo Educacional: Os Ecossistemas e a
Cultura de Ilha Comprida”. Que acabou servindo como mais uma fonte
de dados para essa pesquisa.
4. Uma professora de Português que:
• realizou questionamentos e observações interessantes, como por
exemplo, reconhecer a umidade do ar na oresta por meio da respiração;
• e realizou as anotações e as gravações digitais de campo.
Ao chegarmos ao local, primeiramente localizávamos o ambiente de
estudo em relação à distância aproximada da praia e do estuário. Feito isso,
iniciávamos as trilhas. Ao encontrar algum fenômeno ecológico interessante,
buscávamos problematizar suas características durante a observação.

Com perguntas, observações e gestos, procuramos estimular o aluno a


buscar em seu arcabouço intelectual signos ou representações, gerando con ito
com o objeto apresentado, fomentando-o a produzir hipóteses explicativas, ou
mesmo novos problemas e perguntas que seriam mais um objeto de
investigação. As hipóteses elaboradas foram novamente postas à prova ao entrar
em con ito com os signos-conceito aceitos pela comunidade cientí ca,
presentes nos signos-textos e signos-imagens. Ou seja, para ser con rmada,
modi cada ou refutada durante a consulta a textos e a outras representações.
Quando imprescindíveis, os conceitos cientí cos eram expostos durante as
problematizações em campo.

Os ecossistemas terrestres visitados foram: praias, dunas, brejos de


restinga/caxetais, oresta de restinga e manguezal. As visitas ocorreram:

1. No dia 6 de novembro de 2007, entre 7 e 15h.


• na trilha que leva ao Morretinho12, entre a oresta alta de restinga;
• no Sambaqui13 Cascudo14, entre a oresta alta de restinga.

2. No dia 13 de novembro de 2007, entre 7 e 15h.


• nas dunas e na oresta baixa de restinga de Pedrinhas;
• nos caxetais da estrada de acesso que conduz da praia ao vilarejo de
Pedrinhas;
• no mangue próximo ao trapiche de Pedrinhas.
Essa sequência didática, aulas práticas e depois sistematização de
conteúdos durante as atividades teóricas em sala, foi defendida por Pinheiro
(2007). Acreditamos que dessa forma o aluno vai para campo com o olhar
livre, e não com a percepção treinada pelas rédeas das representações prontas e
acabadas.

Nesse processo são formados novos signos em uma semiose contínua de


perceber/relacionar/conceituar (CALDEIRA, 2005) ad in nitum, presente no
processo de ensino e aprendizagem de ecologia em aulas de campo em
ecossistemas naturais.

Experiência e ação de um lado, troca de argumentos de outro, geram uma


comunicação ideal entre os processos de aprendizagem dirigidos por problemas
que se tornam re exivos e acontecem de maneira natural (CALDEIRA, 2005).

Sequência didática da sistematização de conteúdos

Os signos produzidos nas aulas de campo foram coletados utilizando


gravações em áudio digital e anotações, realizadas pela professora de língua
portuguesa. Estes dados não serão discutidos neste artigo. Procuramos analisar
os signos presentes nas atividades didáticas realizadas antes e depois do
desenvolvimento das mesmas.

Após as aulas de campo, foram realizadas durante o 4° bimestre, de 20 de


novembro a 5 de dezembro de 2007, atividades para formalização dos
conteúdos desenvolvidos. Nessa mesma época, foi solicitado pelos professores
das outras disciplinas curriculares a confecção de trabalhos das mais variadas
formas (cartazes, maquetes, exposição de fotos com legenda, apresentações
digitais etc.), a respeito da Ecologia e da cultura de Ilha Comprida, que seriam
apresentados no dia 5 de dezembro de 2007 durante o “Dia da Restinga”,
evento didático realizado na escola. Estes trabalhos foram fontes de avaliação e
atribuição de notas aos alunos pelas outras disciplinas curriculares.
A sistematização dos conceitos foi realizada nos dias 20 e 27 de novembro
de 2007, durante as aulas de Biologia, totalizando 8 horas de trabalho de
sistematização de conteúdos. Durante estas atividades foram produzidas
legendas para as fotos tiradas nos diversos ecossistemas visitados e, para tal
produção, os alunos tiveram de realizar pesquisas nos textos didáticos e mapas
temáticos fornecidos.

Nas atividades dos dias 20 e 27 de novembro foram utilizados pelos


alunos os seguintes materiais didáticos:

1. Textos com conceitos ecológicos sobre os ecossistemas costeiros da


Mata Atlântica como, por exemplo, a resolução Conama nº 007, de 23 de
julho de 1996, os textos presentes no livro didático de Biologia além de
textos retirados da internet pelos próprios alunos;
2. Mapas temáticos, de uso do solo e densidade urbana de Ilha Comprida;
3. Mapas confeccionados a partir de fotos de sensoriamento remoto do
Vale do Ribeira e Ilha Comprida. A análise deste material permitiu a
interpretação das características físicas (relevo e hidrologia), das tipologias
vegetacionais da Mata Atlântica, de áreas conservadas, urbanas e
antropizadas.

No dia 4 de dezembro de 2007, foram confeccionadas representações


grá cas e artísticas dos ecossistemas de Ilha Comprida. Nesse mesmo dia foram
elaborados cinco paineis, para a divulgação do projeto e para integrar o acervo
de materiais didáticos da escola. Este material foi produzido em sala de aula,
em conjunto com os alunos, com base nas informações (re)construídas durante
as aulas anteriores, principalmente em relação às atividades de elaboração de
legendas das fotos das aulas de campo e consulta dos mapas.

Ferramenta de coleta de dados (atividade didática 2)


No dia 11 de dezembro de 2007, foi realizada uma atividade didática para
avaliação de aprendizado e coleta de dados sobre os signos ecológicos gerados
no desenvolvimento do referido projeto que envolveu essa pesquisa. Na Figura
1 é apresentada a atividade proposta:
Figura 1 – “Quais desses ecossistemas terrestres você conhece em Ilha
Comprida? Descreva-os”.

Depois de uma breve análise das atividades 1 e 2, é possível notar que


ambas são idênticas, exceto pela presença de fotos enumeradas no segundo. O
propósito da omissão das fotos na primeira atividade pode ser explicada por
acreditarmos que o aluno seria in uenciado por estas representações
fotográ cas, sendo impelido a realizar alguma descrição da foto mesmo não
tendo nenhum conceito (espontâneo) formado sobre os ecossistemas
representados. Acreditamos que, por se tratar de um levantamento de
interpretantes iniciais, a omissão das fotos proporcionaria maior liberdade de
expressão nas respostas produzidas pelos alunos. Notamos durante a análise de
dados que alguns alunos citaram ecossistemas aquáticos e antrópicos. Outro
motivo foi que algumas das fotos presentes no segundo questionário foram
produzidas durante as visitas a campo. E também por, neste segundo
momento, os alunos já estarem familiarizados com o trabalho com fotogra as,
uma vez que esta foi uma das principais habilidades trabalhadas durante a fase
de sistematização dos conceitos e dados coletados em campo. Procuramos
evidenciar os ecossistemas terrestres naturais nas fotos, para dessa forma obter
uma descrição dos quatro ecossistemas objetos de estudo.

É importante ressaltar que, antes do desenvolvimento das atividades


didáticas, foi explicado aos alunos que as mesmas representavam instrumentos
de coleta de dados para a pesquisa desse artigo. Não eram provas ou outro tipo
de avaliação curricular. Frisamos que estavam livres para realizar críticas e
sugestões em suas respostas e que estas eram muito bem-vindas, para a
constante evolução da prática didática.
Análise de conteúdos

Para melhor análise dos dados obtidos nas atividades didáticas 1 e 2,


optamos por desenvolver, primeiramente, as categorias de análise. Esta
metodologia de análise foi descrita por Caldeira (2005). Analisamos
atentamente as respostas dos alunos separando os códigos que nos pareceram
relevantes. Essas categorias de análise foram dispostas em quadros, para que
pudéssemos identi car os alunos que as emitiram. A m de facilitar a análise de
dados, os alunos receberam números arbitrários de 1 a 10, assim como suas
respectivas respostas às atividades didáticas.

Atividade didática 1

Os interpretantes iniciais dos alunos a respeito de quais ecossistemas


terrestres naturais são encontrados em Ilha Comprida, e suas respectivas
características ecológicas, foram avaliados e categorizados por meio da análise
da resposta à questão: “Quais ecossistemas terrestres você conhece em Ilha
Comprida? Descreva-os”. Os resultados encontram-se na Tabela 1.

Tabela 1 – Categorias geradas pelos alunos em resposta à questão: “Cite


os ecossistemas naturais terrestres que você conhece em Ilha Comprida?
Descreva-os”.
1. Na categoria Praias/Dunas: a maioria dos alunos citou em suas
respostas a praia como um ecossistema terrestre; as praias arenosas
representam ecossistemas de transição entre os ecossistemas marinhos e
terrestres. Por exemplo, (Aluno 10) “Conheço aqueles que todo mundo
conhece, a praia…”. Esse volume tão grande de respostas relacionadas à
praia pode ser explicado pelo fato de ser um dos ambientes mais
frequentados pelos alunos, para recreação, prática de esportes e inclusive
locomoção15. As praias de Ilha Comprida são sua maior atração turística.
Outro fator que pode ter contribuído para o grande volume de respostas
sobre esse ambiente são as ações de educação ambiental16 desenvolvidas
na comunidade. Dentre esses alunos, poucos referiram-se também às
dunas, que apesar de desempenhar um importante papel ecológico17,
foram lembradas por apenas 20% dos alunos. Uma possível explicação
para esse fato é a ausência18 dessa formação na área de maior
concentração urbana, já que as dunas foram retiradas e seu substrato
utilizado em obras de infraestrutura.
2. Na categoria Floresta: muitos alunos incluíram em suas respostas a
sionomia orestal, porém, nenhum deles se referiu especi camente à
oresta de restinga, que é a oresta característica de Ilha Comprida. Isso
pode indicar que, apesar da presença da oresta em suas atividades diárias,
não os levou a construir signos ecológicos sobre esse ecossistema. A
palavra restinga traz em si muitos conceitos implícitos, como a formação
geológica das planícies litorâneas e a natureza do solo dessas regiões. O
que pode indicar que os alunos identi cam a oresta de restinga como
uma oresta lato-sensu, ignorando suas propriedades características. Um
aluno se referiu à mata, possivelmente relacionando a oresta encontrada
em seu município com a Mata Atlântica – bioma onde estão inseridas
todas as sionomias presentes em Ilha Comprida.
3. Na categoria Mangue: grande parte dos alunos incluiu em suas
respostas o ecossistema mangue. Tal fato pode ser explicado pela grande
quantidade de ações de educação ambiental19 desenvolvidas na região e
relacionadas a esse ecossistema. Além disso, o mangue é um ecossistema
que recebe certo destaque na mídia ambientalista. Como podemos
observar, para esse aluno a existência do mangue é óbvia: (Aluno 10):
“Conheço aqueles que todo mundo conhece […] e o mangue”. Outro
fator que pode ter contribuído para o grande número de respostas é a
pesca desenvolvida no estuário, seja esporti-va ou comercial, muitos dos
alunos participam de alguma forma dessa atividade. Uma resposta que
chamou nossa atenção foi a seguinte: (Aluno 6) “Até gostaria de conhecer
melhor o mangue, mas a verdade é que nunca fui lá. Só ouvi falar na aula,
mas quando uns amigos foram eu não podia ir.”. Isso indica que muitos
dos alunos desconhecem os ecossistemas e as belezas naturais de seu
próprio município. Em observações durante as aulas teóricas notamos que
os alunos se referiam pejorativamente aos colegas que moravam nos
núcleos mais afastados. Como por exemplo: “Vai, você mora no mangue”;
“Professor deixa ele, ele mora no mangue”. Estas falas representam
atitudes preconceituosas, tanto social como cienti ca-mente. Uma vez
que muitos dos alunos, alvos do preconceito, moravam em balneários
(Viarégio por exemplo) localizados em áreas originalmente ocupadas pela
oresta de restinga.
4. Na categoria Outros ecossistemas: os alunos referiram-se a outros
ecossistemas que não os terrestres naturais, dentre eles: (Aluno 1) “O rio
[…]”; e (Aluno 7) “[…] Os rios, o mar, […]”. Estes ecossistemas não são
terrestres. Isso pode demonstrar que a questão foi mal inter-pretada, ou os
alunos ainda não desenvolveram os conceitos de ambientes terrestres e
aquáticos (epinociclo20 e talassociclo21/limno-ciclo22). Alguns
ecossistemas como a praia e os brejos representam zonas de transição entre
esses ambientes. Porém é impossível considerar que os alunos se referiam
aos brejos quando indicaram o rio. Um dos alunos referiu-se em sua
resposta à cidade. (Aluno 4) “A cidade […]” É correto pensar que os
ambientes arti ciais também constituem ecossistemas. Porém, são
construídos com a força criativa do homem e não podem ser considerados
ambientes naturais. Tal aluno ainda não desenvolveu os conceitos de
antropização da paisa-gem e metabolismo urbano.
5. Na categoria Descrição de características ecológicas: os alunos
produziram algum tipo de caracterização dos ecossistemas identi cados.
Todas as respostas não passaram de um nível descritivo do ecossistema.
Alguns levaram em consideração apenas os fatores bióticos, por exemplo:
(Aluno 3) “As orestas, que tem bastante árvores. As dunas, que estão
perto da praia e têm umas plantas rasteiras, e umas com espinhos”. Nessa
descrição podemos notar que nenhum fator abiótico foi ressaltado. O que
pode indicar que este aluno não alcançou a compreensão dos
componentes abióticos de um ecossistema. Outros alunos zeram
referência aos componentes abióticos dos ecossistemas citados, como por
exemplo: (Aluno 8) “Conheço vários, pois gosto de explorar os lugares,
tipo a praia, onde tem o mar, a areia, os pinheiros e vários tipos de
animais além dos peixes, as estrelas do mar, camarão etc. O mangue, que é
tipo um lodaçal, pois tem muita lama e tem animais também, como os
caranguejos. E tem a mata que ca no meio da ilha, que é bem legal.”.
Nesse caso foram ressaltados diversos componentes, bióticos e abióticos,
dos ecossistemas. Analisando a seguinte resposta: (Aluno 9) “[…] O
mangue, tem lama, e é fedido, quando você pisa atola o pé, tem
caranguejos, e várias aves, como o guará vermelho”. Podemos inferir que
este aluno tem alguns (pre)conceitos formados sobre o ecossistema
manguezal, por exemplo: “[…] é fedido”. É interessante notar a presença
do “guará vermelho” na resposta desse aluno, esta ave migratória só é
encontrada nos manguezais bem conservados, e é muito comum na
região.

Grá co 1 – Frequência das categorias presentes nas respostas dos alunos a


questão: “Cite os ecossistemas naturais terrestres que você conhece em Ilha
Comprida. Descreva-os”.
Podemos concluir que os alunos não conhecem todos os ambientes de
Ilha Comprida, pois estes aparecem de forma descritiva nas respostas dos
alunos, que procuraram ressaltar poucas ou nenhuma característica ecológica
ou fatores ambientais que interagem com os seres vivos. Apresentaram
conceitos super ciais e, na maioria, apenas perceptivos. Não houve uma
conceituação clara que de nisse os quatro ecossistemas e tipologias principais
da restinga (dunas, brejos/caxetais, oresta e manguezal).

Os brejos e caxetais, apesar de representarem ecossistemas importantes na


cadeia alimentar da restinga, de possuírem vegetações com in uência direta
sobre a qualidade dos recursos hídricos e, também, representar uma fonte de
recursos naturais23 para a população regional, não foram mencionados pelos
alunos em nenhuma resposta. Após a entrega dos questionários e breve
avaliação dos mesmos, questionamos os alunos oralmente: “Qual ecossistema
se desenvolve nas áreas ocupadas predominantemente por taboas, nas
proximidades de rios e lagoas?” Muitos se referiram a este ecossistema como
Manguezal. Este preconceito24 ecológico pode demonstrar que, com
ecossistemas pouco abordados na mídia e na educação ambiental regional, seu
conhecimento é mais restrito.

Atividade didática 2
Os interpretantes, gerados após toda a intervenção didática, dos alunos a
respeito de quais ecossistemas terrestres naturais são encontrados em Ilha
Comprida, e suas respectivas características ecológicas, foram avaliados e
categorizados pela análise das respostas à atividade didática “Quais desses
ecossistemas terrestres você conhece em Ilha Comprida? Descreva-os” (Fotos).
Os resultados encontram-se na Tabela 2.

Tabela 2 – Categorias geradas pelos alunos em resposta à questão: “Cite


os ecossistemas naturais terrestres que você conhece em Ilha Comprida
Descreva-os”

1. Nas categorias, Praias/Dunas, Floresta, Mangue e Brejos/Caxetais:


Todos os alunos associaram corretamente as fotos apresentadas na
segunda questão do questionário (Q2) aos respectivos ecossistemas.
Notamos que foi unânime o reconhecimento dos ecossistemas naturais
terrestres de Ilha Comprida. Não reconhecemos, nas respostas dos alunos,
elementos que caracterizassem outros ecossistemas, como o urbano e o
aquático. Este fato pode indicar o sucesso do processo de ensino e
aprendizagem.
2. Na categoria Descrição ecológica: Todos os alunos descreveram
algumas características ecológicas dos diferentes ecossistemas. Suas
descrições transitaram pelas características sionômicas da vegetação,
forma de vida dos vegetais, características edá cas, microclima, idade do
substrato, correntes de vento, adaptações dos vegetais e presença de fauna.
Todos os alunos evidenciaram em suas respostas as formas de vida vegetal
predominantes nos ecossistemas estudados. Além disso, podemos notar
nas respostas de todos os estudantes referência às características edá cas
dos ecossistemas. Como por exemplo: o gradiente de salinidade no solo e
a presença ou ausência de nutrientes provenientes da serrapilheira. Alguns
alunos relacionaram estes gradientes à idade do substrato, relacionando
tais características edá cas à formação geológica de Ilha Comprida.
Outros destacaram a relação entre as formas de vida vegetal e a
manutenção do microclima úmido, ressaltando que em regiões mais
sombreadas o clima torna-se mais úmido. Alguns ressaltaram a presença
de correntes de vento no ecossistema das dunas, evidenciando sua
in uência no crescimento dos vegetais, na retenção de serrapilheira, sua
ação modeladora das dunas que leva ao soterramento e morte de vegetais
e consequente formação de húmus no solo. Destacaram, ainda, a maresia
como input de salinidade. Alguns alunos deram destaque para a presença
de adaptações anatômicas no corpo dos vegetais que possibilitam a
colonização de diferentes ambientes; a grande maioria destacou a presença
de adaptações nos vegetais do mangue. Poucos alunos caracterizaram a
fauna dos diferentes ecossistemas.

Grá co 2 –Frequência das categorias presentes nas respostas dos alunos à


questão “Cite os ecossistemas naturais terrestres que você conhece em Ilha
Comprida. Descreva-os”

Podemos notar, nas respostas à segunda questão, que houve uma


signi cativa evolução conceitual no que se refere aos ecossistemas naturais de
Ilha Comprida, todos os alunos reconheceram as fotos da segunda questão e as
identi caram corretamente. Muitos usaram termos cientí cos para descrever as
características de cada um dos ecossistemas, o que pode indicar que as aulas de
campo podem ter contribuído para a aplicação dos conceitos básicos de
Ecologia do currículo do Ensino Médio, desenvolvidos na primeira parte da
sequência didática (teórica em sala). A maioria dos alunos relacionou sua
descrição com as formas de vida vegetais predominantes nos ecossistemas, que
foi um dos grandes objetivos do processo de ensino e aprendizagem, além
disso, muitos relacionaram as características edá cas com a formação geológica
de Ilha Comprida, e consequentemente, com a idade do solo.
Análise semiótica

Para análise da construção de signos ecológicos pelos alunos iremos


utilizar as categorias de interpretante dinâmico propostas por Peirce. Como
exposto, o interpretante é o efeito do signo na mente que o interpreta. O
interpretante dinâmico é subdividido em três novos interpretantes dependendo
de sua natureza de primeiridade (potencialidade, emoção, qualidade),
secundidade (existência, con ito, reação) e terceiridade (generalização, lei,
conceito), esses interpretantes, como descreve Santaella (2002), são
respectivamente:

1. Interpretante emocional, diz respeito ao primeiro efeito que um signo


está apto a provocar em um intérprete, sendo esse efeito uma simples
qualidade de sentimento.
2. Interpretante energético, que corresponde a uma ação física ou mental,
ou seja, o interpretante exige um dispêndio de energia de alguma espécie.
3. Interpretante lógico, quando o signo é interpretado por uma regra
interpretativa internalizada pelo receptor.

Atividade didática 1

Tabela 3 – Análise semiótica dos interpretantes iniciais presentes nas


respostas dos alunos na atividade didática 1.
Tabela 4 – Síntese de signi cação das respostas dos alunos na atividade
didática 1.

Atividade didática 2

Tabela 5 – Análise semiótica dos interpretantes iniciais presentes nas


respostas dos alunos na atividade didática 2.
Tabela 6 – Síntese de signi cação das respostas dos alunos na atividade
didática 2.
Considerações nais
Este ambiente com características naturais tão bem preservadas pode ser
um ótimo recurso no ensino de Ecologia, de outras áreas da Biologia, além de
outras disciplinas curriculares. Apropriando-se da realidade próxima ao aluno,
favorecemos a experiência colateral25, uma vez que o ambiente conservado faz
parte do cotidiano, ou está próximo, do aluno.

O conhecimento cientí co pode possibilitar uma participação ativa e com


senso crítico em uma sociedade como a atual, na qual o fato cientí co está na
base de grande parte das opções pessoais que a prática social exige. O
aprendizado de conceitos de Ecologia no Ensino Médio é extremamente
importante para o efetivo exercício da cidadania.

Concluímos que é necessária uma formação que capacite os atores à


participação na tomada de decisões e elaboração de leis e políticas públicas
sustentáveis que conservem os processos ecológicos responsáveis pela produ-
tividade da área. Para, então, exercer seu direito – coletivo e inalienável –, as
presentes e futuras gerações, a um ambiente saudável e ecologicamente equi-
librado como assegurado na Constituição de 1988. Participando de fato da
administração ecológica de sua região. A nal, segundo Ricklefs (2003), os
processos ecológicos contêm a chave para a política ambiental.

Propomos, entre outras metodologias didáticas, as aulas de campo por


proporcionar a experiência colateral que tem como característica a riqueza de
possibilidades no processo de geração de signos no ensino e aprendizagem de
Ecologia.

Ao proporcionarmos o contato direto com o objeto de estudo da


Ecologia, favorecemos um processo de aprendizagem que envolve os passos de
observação de fenômenos, elaboração de problemas cientí cos, elaboração de
hipóteses explicativas. Diferentemente do que ocorre quando lidamos com
representações acabadas.

Dessa forma, ao aprender por meio da experiência colateral, orientado


pelo professor, o aluno tem a oportunidade de considerar a totalidade dos
diversos elementos envolvidos em certo fenômeno durante a elaboração de suas
hipóteses frente às questões levantadas por ele ou por seu professor. É
importante ressaltar que as hipóteses construídas nesse processo devem ser
confrontadas com aquelas aceitas pela comunidade cientí ca26, e quando
necessário, e possível, devem ser realizados os experimentos pertinentes para
sua con rmação.

Podemos perceber nesta análise que os alunos inicialmente possuíam em


suas respostas aspectos predominantemente emocionais. E, quando notados os
aspectos energéticos, referiam-se principalmente à existência dos elementos
paisagísticos, estabelecendo pouca ou nenhuma relação ecológica entre eles.

Podemos dizer que os interpretantes energéticos dos alunos situavam-se


em um aspecto puramente descritivo dos elementos naturais que compõe os
ecossistemas de Ilha Comprida. E em suas respostas apa-reciam poucos
elementos de relação de causa e consequência entre os seres vivos e o meio.

Como pudemos observar no segundo capítulo desta dissertação, um dos


principais objetivos da Ecologia é compreender estas inter-relações. É
interessante, portanto, que os alunos desenvolvam essa capacidade.

Durante o processo de ensino e aprendizagem, os alunos tiveram contato


com diversos signos que buscavam representar os ecossistemas naturais, sua
dinâmica e suas características estruturais. Durante as aulas práticas os alunos
tiveram contato direto com o objeto dinâmico de seus estudos, os ecossistemas
em si, nesse caso os ecossistemas terrestres presentes na ilha de restinga do
município de Ilha Comprida. Nesse processo, os alunos tiveram oportunidade
de constantemente (re)elaborar seus interpretantes a respeito destes
ecossistemas, em um processo de semiose contínuo, em que cada nova
mudança conceitual possibilitava um novo olhar para um novo signo. Dessa
forma o processo de semiose seguiu e segue ad in nitum.

Notamos que, durante as aulas práticas, os alunos produziram grande


número de questões e situações problema. Empiricamente, maior que o
número de questões produzidas durante as aulas teóricas. Este tipo de análise
comparativa, entre número de questões emitidas em sala e no campo, pode ser
uma área fecunda de pesquisa em Ensino de Ciências. Nas aulas práticas os
alunos, como os próprios a rmaram, tiveram possibilidade de comparar seus
interpretantes adquiridos anteriormente com o objeto dinâmico dos signos
ecológicos, e como nas palavras dos próprios alunos: “Pôr o conhecimento em
prática”, (re) elaborando constantemente seus signos ecológicos.

Podemos observar na análise que se seguiu que houve notável evolução


semiótica conceitual em relação aos ecossistemas terrestres da restinga. Os
alunos passaram de impressões iniciais carregadas em primeiridade e
secundidade, (analisadas na forma de interpretantes emocionais e energéticos),
para de nições mais bem elaboradas nas quais podemos perceber conceitos
(respostas carregadas em terceiridade, manifestada na forma de interpretantes
lógicos presentes em diversas respostas dos alunos).

Os alunos passaram de conceituações predominantemente emocionais


(primeiridade) e descritivas (secundidade), para conceituações em que
estabeleciam relações de causa e efeito entre os diversos elementos dos
ecossistemas, elaborando leis gerais (terceiridade) aplicáveis a todos eles.

1 Mestre em Educação para a Ciência na área de Ensino de Ciências e Matemática, pelo Programa
de Pós-graduação em Educação para a Ciência da Unesp. É professor efetivo de Biologia da rede
estadual paulista e do Centro Paula Souza, colégio técnico Eng. Agr. Narciso de Medeiros dos cursos
de gestão ambiental e meio ambiente; ([email protected]).

2 Pesquisadora do Centro de Divulgação e Memória da Ciência e Tecnologia – CDMCT da


Faculdade de Ciências, Unesp – Bauru, SP. Foi Bolsista PRODOC/CAPES. Pós-doutoranda do
Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP;
([email protected]).

3 Professora Adjunta do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências, Unesp – Bauru, SP.


Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP;
([email protected]).

4 Segundo Begon et al. (2006) biodiversidade é a riqueza de espécies em uma área geográ ca, em
uma escala menor a diversidade genética de uma espécie e em uma escala maior a diversidade de
comunidades de uma região.

5 Além de ser considerada, pela Internacional Conservation, ao lado do Cerrado um Hotspot. O


conceito Hotspot foi criado em 1988 pelo ecólogo inglês Norman Myers para resolver um dos maiores
dilemas dos conservacionistas: quais as áreas mais importantes para preservar a biodiversidade na
Terra? Hotspot é toda

área prioritária para conservação, isto é, de alta biodiversidade e ameaçada no mais alto grau. É
considerada Hotspot uma área com pelo menos 1.500 espécies endêmicas de plantas e que tenha
perdido mais de 3/4 de sua vegetação original (http://www.conservation.org.br/como/index.php?
id=8).

6 Zona de contato entre duas formações com características distintas. Áreas de transição entre dois
tipos de vegetação. A transição pode ser gradual, abrupta (ruptura), em mosaico ou apresentar
estrutura própria. Zona de contato ou transição entre duas formações vegetais com característica
distintas (BRASIL, 1994).

7 Referente à natureza do solo.

8 Vegetação característica de dunas, composta pelo estrato herbáceo e arbustivo (BRASIL, 1996).

9 LINHARES, S.; GEWANDSZNAJDER, F. Biologia hoje. São Paulo: Ática, p. 522, 2005.

10 Ramo de Ciência que se ocupa das relações entre clima e fenômenos biológicos periódicos (como as
migrações e a reprodução de aves ou a oração e fruti cação de plantas). Relação entre clima e
fenômenos biológicos periódicos. (http://www.workpedia.com.br/fenologia.html).

11 Grupo taxonômico ou espécie, restrito a uma região, não sendo encontradas nas demais regiões
brasileiras ou mundiais.

12 Localizado no Boqueirão Sul, única formação paleozoica (rochas graníticas) em Ilha Comprida.
(GANDOLFO et al., 2001).

13 Depósito de conchas calcárias e ossadas deixadas por povos caçadores coletores que habitavam o
litoral antes dos Guaranis.

14 Localizado no Boqueirão Sul em Ilha Comprida, próximo à estrada de acesso à Balsa de


Cananeia.

15 Após o balneário Viarégio o acesso às outras localidades é feito principalmente pela praia.

16 Por exemplo, o Dia Mundial de Limpeza das Praias e Rios 15/9 e diversos mutirões de limpeza
das praias realizados frequentemente pela ONG Biologus e pela Escolinha de Surf da Ilha
Comprida.
17 Proteger os ecossistemas interiores das marés de grande amplitude e da ação destruidora dos ventos
oceânicos.

18 As areias dessas dunas foram utilizadas em obras de infraestrutura urbana. Relatos de moradores
antigos indicam que toda a linha costeira era ocupada por essa formação.

19 A exemplo da Semana do Manguezal e o Manguezal Ativo (segunda semana de novembro),


instituídos como Lei Orgânica Municipal em Ilha Comprida, Iguape e Cananeia. E os mutirões de
limpeza no mangue promovidos pela ONG Biologus em Parceria com o Projeto Navega São Paulo
Pólo Ilha Comprida.

20 Conjunto de ecossistemas terrestres.

21 Conjunto de ecossistemas marinhos.

22 Conjunto de ecossistemas dulcícolas.

23 Dos alagados são extraídos os seguintes recursos, caxeta ou ipê do brejo (Tabebuia cassinoides),
utilizados para confecção de rabecas, remos e artesanato; taboa (Typha domingensis), utilizada para
confecção de artesanato e o fofão (Syrrhopodon elongatus) espécie de musgo utilizado para
ornamentação de arranjos orais. Vale destacar que tais manejos são realizados de forma sustentável
de acordo com programas de desenvolvimento propostos pela Prefeitura em parceria com o Ministério
do Meio Ambiente (MMA) e Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) de acordo com dados do
Instituto para o Desenvolvimento Sustentável do Vale do Ribeira (Idesc, 2006).

24 Conceito formado antecipadamente e sem fundamento sério. (http://www.priberam.pt/dlpo


08/09/2007).

25 A experiência colateral se refere à experiência íntima com o objeto de estudo. Ou seja, é referente
à apresentação de fenômenos.

26 Comunidade cientí ca é o nome que se dá ao conjunto de cientistas, desde que organizados. A


organização dos cientistas se dá, por exemplo, na formação de sociedades cientí cas. No Brasil há,
por exemplo, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC; http://www.sbpcnet.org.br),
a Sociedade Brasileira de Química (SBQ; http://www.sbq.org.br), a Sociedade Brasileira de Física
(SBF; http://www.sbf.org.br), entre muitas outras. As sociedades cientí cas são responsáveis, entre
outras coisas, pela realização de congressos, onde há a apresentação de trabalhos, a realização de
cursos e o contato para a rmação de parcerias e convênios. Estas sociedades frequentemente
também editam revistas e jornais, em que são publicados resultados de pesquisas cientí cas. Através
destes jornais (que também têm versões eletrônicas na internet), e de congressos internacionais, é
possível que pesquisadores de todo o mundo saibam o que está sendo feito por outros cientistas e
possam colaborar, comentar ou criticar.
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