Artigo Tipos de Ecolalia em Crianças Com TEA

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TIPO DE ECOLALIA EM CRIANÇAS


COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

Echolalia’s types in children with Autism Spectrum Disorder


Marina Mergl (1), Cíntia Alves Salgado Azoni (2)

RESUMO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma síndrome caracterizada por prejuízos persistentes na
comunicação social recíproca, com interação social restrita e padrões repetitivos de comportamen-
tos, interesses e atividades. Os comportamentos repetitivos na linguagem podem manifestar-se pelo
aparecimento da ecolalia, fenômeno persistente caracterizado como um distúrbio de linguagem, com
repetição da fala do outro, dividida em imediata ou tardia. Teve como objetivo a verificação do tipo de
ecolalia e das habilidades comunicativas em sete meninos com TEA, com idades entre quatro e sete
anos, que fazem uso da comunicação oral. Foram realizadas duas atividades distintas: avaliação das
crianças em uma sessão de atendimento fonoaudiológico em situação lúdica, analisada pelo Protocolo
de Observação Comportamental e aplicação de um questionário com os pais e profissionais para veri-
ficar suas opiniões quanto ao uso, tipo e frequência de ecolalia. Das sete crianças do estudo, seis
apresentaram ecolalia imediata e uma tardia; a criança que utilizou ecolalia tardia apresentou menor
pontuação no protocolo de observação comportamental, porém para os demais sujeitos não houve
relação direta entre o tipo e número de ecolalia com a pontuação. O questionário aplicado com pais e
profissionais mostrou concordância quanto à presença da ecolalia. As crianças com TEA deste estudo
apresentaram habilidades comunicativas e aspectos do desenvolvimento cognitivo comprometidos e
maior número de ecolalias imediatas. Estudos com o tema ecolalia ainda são escassos na literatura
nacional. Este relato de casos clínicos pode contribuir para futuras pesquisas sobre a caracterização
da linguagem em crianças com TEA e conduta terapêutica dos fonoaudiólogos.

DESCRITORES: Transtorno Autístico; Ecolalia; Linguagem

„„ INTRODUÇÃO do discurso, fala ecolálica, uso de linguagem literal


e unilateral e pouca ou nenhuma iniciativa social.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um Esses sintomas estão presentes desde o início
transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizado da infância, acarretando limitações e prejuízos na
por déficits persistentes na comunicação social e vida diária. Conforme a CID-102, o autismo é “um
interação social em múltiplos contextos. Apresenta transtorno invasivo do desenvolvimento, definido
padrões restritos e repetitivos de comportamentos, pela presença de desenvolvimento anormal e/
interesses ou atividades, com sintomas precoces no ou comprometimento que se manifesta antes da
período do desenvolvimento, causando prejuízos idade de três anos e pelo tipo característico de
no funcionamento social da vida do indivíduo1. Os funcionamento anormal em todas as três áreas de
principais sintomas estão frequentemente relacio- interação social, comunicação e comportamento
nados ao atraso de linguagem, compreensão pobre restrito e repetitivo”. Essa nova classificação
engloba distúrbios anteriormente referidos como
autismo infantil, transtorno invasivo do desenvolvi-
(1)
Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Campi-
nas-SP, Brasil.
mento não-específico, transtorno desintegrativo da
(2)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN,
infância e transtorno de Asperger.
Natal-RN, Brasil. No que diz respeito ao campo de compor-
Fonte de auxílio: PIBIC/ CNPq tamentos repetitivos na linguagem, o discurso
Conflito de interesses: inexistente repetitivo é proeminente e pode se manifestar por

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autorrepetição da sua fala ou repetição do outro, Outra pesquisa recente investigou a natureza
por meio da ecolalia3. Nas crianças com TEA de uso do fenômeno da ecolalia em situações similares
predominante da comunicação verbal, a ecolalia é à vida real, no contexto induzido (pesquisador e
um fenômeno persistente que se caracteriza como autista) e incidental (pesquisador, outro sujeito
um distúrbio de linguagem, definida como a repetição e autista no mesmo ambiente), relacionando a
em eco da fala do outro4. A ecolalia é normalmente quantidade de ecolalia produzida e o grau de
distinguida em duas categorias: imediata ou tardia,
severidade no domínio de comunicação, por meio
caracterizada por pouco tempo após a emissão
do uso das escalas Vineland e SVFB (Escala de
inicial e após maior tempo de produção pelo inter-
locutor, respectivamente5. Considera-se uma carac- avaliação observacional de funções básicas). Os
terística constante e prolongada da fala da criança dezoito participantes com TEA, entre dezessete e
com TEA, que pode vir a diminuir ou se ausentar, trinta e seis anos, apresentaram maior número de
conforme o desenvolvimento da fala; sua estrutura ecolalias no contexto induzido, sendo que aqueles
possibilita avaliar as competências linguísticas e que obtiveram menor pontuação mostraram menos
prever a formação das habilidades de comunicação recursos de interação, domínio afetivo e comuni-
com pressuposto de que estas desenvolvem as cativo mais prejudicado e não pareciam estar aptos
habilidades sociais do indivíduo6. a inibir o comportamento ecolálico, especialmente
Algumas crianças autistas apresentam ecolalia em situações mais estressantes11.
e a utilizam como um dispositivo de comunicação, Há diferentes visões sobre a ecolalia na fala da
com uso da repetição como confirmação do desejo, criança com TEA e suas implicações, podendo ser
mecanismo de regulamento do comportamento ou
entendida no contexto em que ocorre e na atribuição
o meio de falar quando ainda são incapazes de usar
de funções comunicativas distintas para a fala e,
as palavras livremente. A ecolalia tardia, no entanto,
é considerada como um sinal precoce de TEA7. em alguns casos, pode se apresentar como fala
No atendimento fonoaudiológico da criança com estereotipada e não comunicativa12. Uma reflexão
TEA é possível afirmar que o uso de recortes de acerca do papel da ecolalia no desenvolvimento da
enunciados ouvidos pela criança confirma a partici- linguagem de pessoas com TEA e de suas funções
pação da linguagem como um processo singular em pode contribuir como um recurso terapêutico e ferra-
cada sujeito8. É importante ressaltar que a ecolalia, menta de comunicação. Apesar de ser apontada
muitas vezes, é encontrada no processo normal como parte da fala da criança com TEA, há escassos
de aquisição de linguagem e o que a diferencia da métodos quantitativos que avaliam especificamente
patológica é que esta é contínua e persistente9. este comportamento13. Neste sentido, um estudo
Em um estudo que pretendia examinar a desenvolveu uma técnica automática de quantificar
ecolalia imediata e tardia em uma criança de seis as repetições por meio de transcrições e comparou
anos de idade com TEA, notou-se a presença de a frequência do comportamento entre crianças
ambas em situações habituais e espontâneas com TEA, desenvolvimento típico e distúrbios de
e, na maior parte das imediatas, a ocorrência se
linguagem. Os achados mostraram que crianças
deu quando o adulto corrigia a fala da criança ou
com TEA repetem a linguagem dos outros mais do
na tentativa de modificar seu comportamento.
Outro aspecto descrito é que nesses dois tipos de que as outras populações estudadas14.
ecolalia imediata, a criança adicionava um novo Desta maneira, a relevância deste relato de
componente ao seu discurso ou o modificava, bem casos clínicos relaciona-se com a escassez
como acrescentava variações, sugestivas de uma de estudos nacionais que descrevam de forma
reapropriação do modelo. As ecolalias tardias foram diferenciada as características da ecolalia e sua
divididas em: ecolalias próprias (self), ecolalias dos repercussão nas habilidades de comunicação da
outros (other) e ecolalias impessoais (impersonal) criança com TEA. A hipótese inicial é que a criança
e todas foram consideravelmente estereotipadas. com TEA utiliza ecolalia frequentemente em sua
Um olhar sobre o contexto permitiu sugerir que as
comunicação social, com prejuízos às habilidades
ecolalias são usadas pela criança como forma de
comunicativas, quando comparada a crianças com
se posicionar em relação aos seus interlocutores,
podendo servir como um recurso emocional ou desenvolvimento adequado de linguagem. Desse
de postura perante a situação a que está exposta. modo, o presente estudo experimental qualitativo
Desta forma, a ecolalia deve ser vista como objetivou verificar o tipo de ecolalia e habilidades
um grande e flexível recurso de comunicação, comunicativas em crianças com TEA, bem como
considerando-a um fenômeno de interação e não a percepção dos pais/responsáveis e profissionais
somente uma manifestação patológica10. quanto a ecolalia das crianças com TEA.

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„„ APRESENTAÇÃO DO CASO Posteriormente, foi realizada uma sessão


fonoaudiológica com 30 minutos de filmagem
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética individual das crianças em atividade lúdica. Essa
em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas- filmagem ocorreu com a participação da pesqui-
UNICAMP, sob o parecer número 437.740, e iniciada sadora no mesmo ambiente da criança e da profis-
após a assinatura do termo de consentimento livre sional, porém nos casos em que foi notada insta-
e esclarecido (TCLE) pelos responsáveis, após bilidade comportamental, optou-se pela realização
terem sido orientados pela pesquisadora. Trata-se da atividade somente entre a fonoaudióloga e a
de um estudo experimental transversal qualitativo criança.
realizado com sete crianças do sexo masculino A análise dos vídeos foi elaborada a partir
com diagnóstico interdisciplinar de transtorno do do Protocolo de Observação Comportamental
espectro autista (TEA), segundo os critérios do (PROC),15 que descreve a observação do compor-
DSM-51 (Tabela 1). As crianças apresentavam tamento da criança em situação lúdica para verificar
uso da comunicação oral e frequentavam terapia a capacidade comunicativa e cognitiva infantil. A
fonoaudiológica semanalmente. descrição do instrumento é qualitativa e quanti-
tativa, com pontuação máxima de 70 pontos para
habilidades comunicativas, 60 pontos para compre-
Tabela 1 – Caracterização da amostra ensão da linguagem oral e 70 pontos para aspectos
da cognição, com escore total de 200 pontos.
Variável Amostra (N / %)
As habilidades comunicativas são divididas em:
Sexo
habilidades conversacionais, função comunicativa,
Feminino 0 (0) meios de comunicação e níveis de contextualização
Masculino 7 (100) da linguagem.
Idade atual
Uma segunda análise realizada no vídeo
3-4 anos 4 (57,15) focou-se na presença ou ausência de ecolalia e o
5-7 anos 3 (42,85) seu tipo. Para este estudo, definiu-se como ecolalia
Idade no diagnóstico imediata a emissão da criança no tempo de zero
0-3 anos 4 (57,15) a cinco segundos que está relacionada à resposta
4-7 anos 3 (42,85) logo após, ou em até duas locuções a partir da
Tempo de intervenção locução modelo do interlocutor. Para determinar
fonoaudiológica ecolalia tardia estabeleceu-se o tempo a partir de
0-1 ano 2 (28,58) seis segundos, relacionado à resposta após duas
2-4 anos 4 (57,15) ou mais locuções do interlocutor16.
+ 4 anos 1 (14,27)
„„ RESULTADOS

Coleta e análise de dados


Questionário aos pais e profissionais
Na primeira etapa, realizou-se uma sessão de
entrevistas com seis pais/responsáveis (um dos Dentre as perguntas do questionário direcionado
responsáveis é mãe de dois irmãos gêmeos), por sobre a ecolalia, foi possível notar que houve maior
meio de um questionário com catorze perguntas concordância dos pais e profissionais quanto a
a respeito da idade do diagnóstico do TEA, uso presença de diálogo, presença da ecolalia e ecolalia
de diálogo, uso de ecolalia imediata e/ou tardia, tardia, seguido da ecolalia imediata, frequência e a
ocorrência e frequência da ecolalia, surgimento do diminuição com o passar do tempo.
comportamento ecolálico, tempo de intervenção Com relação à presença do diálogo, quatro pais
fonoaudiológica e sobre a diminuição ou não da fala concordaram com os profissionais que seus filhos
ecolálica após o início da intervenção terapêutica utilizam o diálogo para se comunicar (S1, S2, S3,
(Figura 1). Além dos pais, o questionário também S5); houve concordância em um caso que a criança
foi realizado com as duas fonoaudiólogas que não utiliza o diálogo (S6); uma discordância, na qual
atendiam as crianças. Dentre as sete crianças, seis o pai afirma não ter diálogo e o profissional opina
frequentavam terapia fonoaudiológica e apenas em sentido contrário (S7). Quanto ao S4, os pais
uma não havia frequentado, pois o diagnóstico afirmam haver diálogo, mas a criança ainda não se
ainda era recente no momento da pesquisa. encontrava em terapia fonoaudiológica.

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QUESTIONÁRIO PAIS E PROFISSIONAIS

1. Com quantos anos a criança foi diagnosticada com autismo?


2. Há quanto tempo a criança realiza e/ou realizou intervenção terapêutica?
3. A criança é capaz de conversar usando frases curtas?
4. Você consegue ter um diálogo com a criança que envolva turnos? Ou seja, você fala, ela res-
ponde, ela responde, você fala.
5. A criança diz a mesma coisa várias vezes e da mesma maneira?
6. A criança diz frases que ouviu outra pessoa dizer exatamente da mesma forma que foi falado?
7. A criança imita frases ditas por outras pessoas (presentes, rádios, televisão) logo após ouvi-la?
8. A criança imita frases ditas por outras pessoas muito tempo após a sua reprodução? Ou seja,
com um intervalo longo, por exemplo: ouviu hoje e reproduz amanhã, daqui uma semana ou até
mesmo meses depois.
9. A repetição destas frases pelas crianças se dá sem nenhum motivo aparente?
10. Essa repetição de frases normalmente é sobre algum assunto específico?
11. Essa repetição de frases ocorre em momentos comuns? Por exemplo, quando a criança está com
raiva, quando a criança está isolada, quando a criança está com medo, entre outros.
12. Com que frequência essa repetição (ecolalia) acontece? Por exemplo: várias vezes ao dia, diaria-
mente, algumas vezes por semana, semanalmente e mensalmente.
13. A observação deste comportamento (repetição da fala do outro) se deu a partir de qual idade da
criança?
14. Foi observado por vocês (pais/profissionais) uma diminuição ou um aumento na frequência des-
sas repetições com o passar do tempo?

Figura 1 – Questionário aplicado aos pais e profissionais

Figura 2 – Relação entre respostas dos pais/profissionais

Quando questionados sobre a presença da com os profissionais que as crianças apresentavam


ecolalia, os pais das crianças S1, S2, S3, S5 e S7 este tipo de ecolalia; os pais de S3 e S6 negam
concordaram com os profissionais, ambos notando a ocorrência, enquanto o profissional afirma seu
sua existência; já os pais de S6 afirmaram que seu uso. A resposta dos pais de S4 foi positiva sobre
filho não se utilizava de ecolalia, embora o profis- a presença. Já quanto à ecolalia tardia, os pais de
sional notasse a presença do fenômeno. Os pais do S1, S3, S5, S7 estavam em acordo com os profis-
S4 observavam uso de ecolalia em seu filho. sionais quanto à ocorrência; no caso de S6, pais
Especificamente sobre o tipo de ecolalia e profissionais afirmaram não observar ecolalia
imediata, os pais de S1, S2, S5, e S7 concordaram imediata; não houve concordância quanto ao S2, já

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que os pais afirmaram a presença de ecolalia tardia da fala; os pais de S1 opinaram que não houve
e o profissional não observa tal fato. Os pais do S4 diminuição da ecolalia, discordantes do que relatava
observaram presença da ecolalia tardia. o profissional.
Quanto à frequência da ecolalia, os pais de S1, Dentre os momentos nos quais percebem o uso
S3, S5 e S7 afirmaram que seus filhos utilizam a da ecolalia pelos filhos, os pais citaram os seguintes
ecolalia várias vezes ao dia, concordantes com momentos: brincadeiras, momentos que a criança
as profissionais que observavam diversas vezes não se encontra em atividade, situações de nervo-
durante as sessões fonoaudiológicas semanais. Os sismo e raiva. Os profissionais citam contextos
pais de S2 e S6 não souberam descrever a frequ- de isolamento, atividades de jogos simbólicos e a
ência da ocorrência, sendo que os profissionais construção do discurso narrativo.
que atendem ambos notavam frequentemente
a ecolalia; os pais de S4 afirmaram observar Análise da atividade lúdica
raramente tal fato. Durante as atividades lúdicas, seis crianças
No que se refere à diminuição do uso da ecolalia apresentaram episódios de ecolalia imediata e
com o passar do tempo, os pais de S2, S3, S4, S5 e apenas uma episódios de ecolalia tardia. Do total
S7 afirmam que notam sua redução, concordantes de ecolalias (imediatas + tardias), 92,31% dos
com os profissionais. Somente para o S7, porém, episódios se referiram à ecolalia imediata e 7,69%
o profissional foi discordante dos pais, ao afirmar de ecolalia tardia, realizado por uma criança (S7).
que notou ter aumentado com o tempo, devido ao Evidencia-se, desse modo, a predominância da
fato de a criança ter desenvolvido a fala. Os pais de fala ecolálica imediata. Apenas uma criança (S3)
S6 não souberam relatar e o profissional afirmou não apresentou nenhum tipo de ecolalia durante a
ter aumentado também devido ao desenvolvimento filmagem.

Tabela 2 – Número de ecolalias e pontuação no Protocolo de Observação Comportamental

Crianças N° de Ecolalia imediata N° Ecolalia tardia PROC total


S1 4 0 154
S2 4 0 194
S3 0 0 190
S4 3 0 189
S5 10 0 166
S6 4 0 119
S7 11 3 101
Total 36 3 --
Legenda: PROC - Protocolo de Observação Comportamental

Quanto à avaliação do desenvolvimento comuni- sua idade; duas crianças mostraram desempenho
cativo e cognitivo infantil, por meio da análise do em compreensão da linguagem verbal abaixo do
PROC, as sete crianças com TEA mostraram habili- esperado e todas apresentaram pontuação total
dades comunicativas expressivas e aspectos do abaixo do esperado (Tabela 3).
desenvolvimento cognitivo abaixo do esperado para

Tabela 3 – Pontuação do Protocolo de Observação Comportamental

Aspectos observados Pontuação esperada S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7


1. HC 70 44 68 65 62 54 34 25
2. CLV 60 60 60 60 60 60 40 40
3. ADC 70 50 66 65 67 52 45 36
Total 200 154 194 190 189 166 119 101
Legenda: HC= habilidades comunicativas (expressivas); CLV= Compreensão da linguagem verbal; ADC= Aspectos do desenvolvi-
mento cognitivo; S=sujeito.

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Além da análise quantitativa do PROC, as carac- ativa da atividade dialógica. Suas funções comuni-
terísticas qualitativas da linguagem de cada criança cativas estão ausentes quanto a instrumental,
estão descritas abaixo: interativa, nomeação, informativa, heurística e
narrativa. Raramente demonstra apenas a função
• Características gerais das habilidades de protesto; faz uso de enunciados de duas
comunicativas palavras como meio de comunicação e seu nível de
As crianças S1, S5 e S6 apresentaram comuni- contextualização da linguagem refere-se somente à
cação intencional plurifuncional, ampla participação situação imediata e concreta.
em atividade dialógica por meios verbais, ligados Para os outros sujeitos não foi encontrado, quali-
ao contexto imediato. Já S2, S3 e S4 apresentaram tativamente, relação direta entre o número e tipo
comunicação intencional plurifuncional, ampla parti- de ecolalias apresentadas e seu desempenho nas
cipação em atividade dialógica por meios verbais habilidades comunicativas do PROC. Desta forma,
não ligados ao contexto imediato. No entanto, o S7 não necessariamente a maior pontuação deste
apresentou comunicação intencional com funções instrumento significou maior ou menor número de
primárias, restrita participação em atividade ecolalias no discurso das crianças.
dialógica por meios verbais.
„„ DISCUSSÃO
• Características gerais da organização linguística
As crianças S1, S5 e S6 apresentaram produção
A partir dos resultados encontrados, é possível
de enunciados (duas ou mais palavras organizadas
perceber que a caracterização da amostra é
no nível da frase); S2, S3 e S4 apresentaram
compatível ao encontrado em literaturas interna-
produções de discurso (frases encadeadas); o S7
cionais17,18. O TEA afeta entre quatro a cinco vezes
apresentou apenas produção de palavras isoladas.
mais sujeitos do sexo masculino comparado ao
feminino17. Uma possível explicação para isso é que
• Características gerais da compreensão da indivíduos do sexo feminino só são identificados
linguagem oral com TEA quando demonstram comportamento e
Dentre as crianças avaliadas, S7 não respondia cognição mais comprometidos19, acarretando em
sistematicamente; S1 e S6 compreendiam ordens um diagnóstico tardio. Neste estudo a amostra é
com até duas ações, ligadas ao contexto imediato; composta somente por crianças do sexo masculino,
S2, S3, S4 e S5 compreendiam ordens com 3 ou conforme demanda de uma instituição de referência
mais ações, não ligadas ao contexto imediato. na região. Tal fato pode confirmar a predominância
deste gênero, mesmo se tratando de um grupo
• Características gerais da imitação pequeno. Em relação à idade de diagnóstico,
Os S1, S6 e S7 imitaram gestos visíveis no sabe-se que há alguns anos as crianças eram
próprio corpo, sendo que S7 imitou somente sons diagnosticadas na faixa etária de três a quatro anos
não verbais; S2, S3, S4 e S5 imitaram gestos de idade18, porém pesquisas recentes evidenciam
visíveis e não visíveis ao próprio corpo e imitaram que o estudo acerca das características e compor-
sons verbais e não verbais, com acréscimo das tamentos de crianças com TEA quando ainda
crianças S1 e S6 neste último aspecto. bebês fornecem indícios de reconhecimento de
desenvolvimento atípico e, assim, é cada vez mais
• Características gerais do desenvolvimento comum o diagnóstico precoce20,21. Corroborando
cognitivo esse dado, a maior parte das crianças deste estudo
S7 mostrou-se na fase avançada sensório- foram diagnosticadas com TEA antes dos quatro
-motor; S1 e S6 na transição entre sensório motor e anos de idade. O diagnóstico após esta faixa etária,
representativo; S2, S3, S4 e S5 se encontravam na no entanto ainda é comum e esse fato é um sinal de
fase representativa. alerta para a necessidade de maior disseminação
de informações sobre o transtorno e seus aspectos,
Cabe ressaltar neste relato o resultado do S7, possibilitando futuras identificações precoces das
pois se trata da única criança com episódios de características do TEA pelos pais, pois eles são, a
ecolalia tardia no decorrer dos 30 minutos da priori, a principal fonte de contato com a criança.
sessão fonoaudiológica e obteve menor pontuação A utilização do questionário com pais e profis-
no PROC, com déficit significativo nas habilidades sionais foi essencial na busca pela identificação do
comunicativas. No âmbito das habilidades conver- uso e tipo de ecolalia realizada pela criança com
sacionais, a intenção comunicativa está pouco TEA. Ambos estavam empenhados em contribuir
presente; não inicia a conversação; responde, com suas experiências em atividades diárias e
aguarda seu turno e raramente participa de forma direcionadas com relação à linguagem das crianças.

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A aplicação do questionário proporcionou aos pais desenvolvimento cognitivo foram os mais compro-
reflexão acerca da fala e linguagem de seus filhos metidos, uma vez que todas as crianças apresen-
e maior percepção do quadro, o que é essencial taram desempenho abaixo da pontuação esperada
para o desenvolvimento de crianças com TEA22. A para este protocolo. Somente duas crianças não
proposta de investigar a percepção dos pais sobre apresentaram pontuação adequada na compre-
a fala ecolálica de seus filhos mostrou-se eficaz ensão verbal da linguagem. Estes dados forta-
para efeito de comparação entre as respostas lecem os critérios diagnósticos do DSM-51 quanto
obtidas e a real utilização por parte da criança, uma ao TEA, caracterizado por pouca ou nenhuma
vez que apenas uma mãe não esteve de acordo iniciativa social em diferentes níveis de gravidade,
quanto ao uso da ecolalia, mesmo com a presença associados a deficiência intelectual ou atraso global
durante a sessão filmada. A divergência entre as do desenvolvimento. Com relação à utilização do
respostas obtidas pelos pais e profissionais pode PROC como instrumento de avaliação, não foram
ser justificada pelo fato da linguagem ser um dos encontradas pesquisas que apontassem sua
aspectos trabalhados durante a sessão terapêutica, utilização como ferramenta de detecção de sinais
o que pode proporcionar ao profissional maior de TEA. Sendo assim, a análise baseada neste
sensibilidade às ocorrências de episódios de fala protocolo pode auxiliar a avaliação fonoaudiológica
ecolálica. Com relação ao aumento ou diminuição em crianças com este quadro, já que seu objetivo
da ocorrência da ecolalia na fala das crianças, um é detectar sinais de habilidades comunicativas
estudo observou que 10 crianças com TEA que comprometidas.
comunicavam-se com seus pais principalmente
por meio da ecolalia após 20 semanas de terapia
apresentaram redução no uso desse recurso e „„ CONCLUSÃO
aumento na comunicação espontânea23. Esta
constatação fortalece a evidência que o aumento O presente estudo indicou que a maior parte
do uso da ecolalia pode ser considerado uma etapa das crianças desta amostra apresentou ecolalia,
importante e positiva no processo de aquisição sendo a do tipo imediata mais frequente que a
de linguagem e sua redução ocorrerá conforme o tardia. Também foi possível observar que não
aumento das competências linguísticas do sujeito. houve relação direta entre o tipo de ecolalia e o
A ecolalia imediata foi o tipo predominante neste desempenho geral na avaliação das habilidades
estudo, pois somente o S7 apresentou episódios de da linguagem. Nesta pesquisa, todas as crianças
ecolalia tardia. Este resultado pode estar relacionado apresentaram desempenho abaixo do esperado
ao curto tempo de duração da filmagem, uma vez nas habilidades comunicativas e aspectos do
que a ecolalia tardia foi relatada pelos profissionais desenvolvimento cognitivo e menor comprometi-
em quatro sujeitos. Uma característica que pode ser
mento na compreensão da linguagem verbal.
encontrada na ecolalia imediata é a adição de um
novo componente ao discurso10, fato este encon- Quanto às características da linguagem obser-
trado apenas em S2, que apresentou variação no vadas por pais e profissionais, a maioria esteve em
discurso ecolálico, sugerindo uma reapropriação do concordância quanto à presença, tipo e frequência
modelo. Esse mesmo sujeito apresentou a maior da ecolalia nas crianças. Sendo ela um compor-
pontuação no PROC e mostrou mais recursos tamento frequente na construção do discurso da
comunicativos, evidenciando a ecolalia como um criança com TEA, sua presença pode contribuir
recurso linguístico a partir da sua reapropriação. para a conduta terapêutica do fonoaudiólogo, a
Quanto à classificação das ecolalias tardias, os 3 fim de utilizá-la no percurso de aprimoramento
episódios apresentados pelo S7 são classificados10 das competências linguísticas do sujeito. Portanto,
como ecolalias dos outros (other-echoes), pois estudos com maior números de sujeitos envolvidos
o discurso da criança se referia a declarações do são necessários para melhor caracterização da
interlocutor com quem ela interagia. No tocante às ecolalia no TEA.
ecolalias tardias, as ocorrências nessa pesquisa
sugerem sua categorização como pedidos24, uma „„ AGRADECIMENTOS
vez que, a partir da análise qualitativa do contexto, o
sujeito a utiliza para solicitar mudanças na atividade
lúdica. Ao CNPq pelo financiamento deste estudo.
A aplicação do PROC permitiu notar que as À fonoaudióloga Fernanda Caroline Pinto da
habilidades comunicativas e os aspectos do Silva pela colaboração no estudo.

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Ecolalia em crianças com autismo  2079

ABSTRACT

The Autistic Spectrum Disorder (ASD) is a syndrome characterized by persistent impairments in


reciprocal social communication, social interaction and restricted repetitive behavior patterns, interests
and activities. Regarding the domain of repetitive behaviors in language, the manifestation can occur
by echolalia, divided into two categories, immediate or delayed. This research checked the type
of echolalia and communication skills in seven boys with ASD, aged between 4 and 7 years old,
which make use of oral communication and attend a research center and intervention of children with
developmental changes. Children were assessed by behavioral observation protocol and filmed in a
speech therapy session. It was also used a questionnaire with parents and professionals in this group.
From the seven children in the study, six had immediate echolalia and only one late. Communication
skills were the most affected in subjects where the one with lower scores on language assessment
was the only one to show delayed echolalia. In the other subjects, there was no direct relationship
between the type and number of echolalia with the performance in behavioral observation protocol.
The questionnaire with parents and professionals showed agreement for the presence of echolalia.
Children with ASD had committed and more immediate echolalia communication skills. This case
reports can contribute to future research regarding the diagnosis and therapeutic management of the
speech and language therapists.

KEYWORDS: Autistic Disorder; Echolalia; Language

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Recebido em: 01/03/2015
Aceito em: 07/09/2015

Endereço para correspondência:


Cíntia Alves Salgado Azoni
Rua Pastor Jeronimo Gueiros, 1234, ap.802 -
Bairro Tirol
Natal – RN – Brasil
CEP: 50020-660
E-mail: [email protected]

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