A Pátria de Chuteiras

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A pátria de chuteiras

Como o suicídio de Vargas, a Revolução de 1930 e o medo do comunismo mudaram a história


do Brasil na Copa

Marcelo Orozco

Em cada copa, a seleção parece absorver características do que acontece no país em sua época, meio
moldada pelos ares políticos. Em umas mais nitidamente, em outras menos. Das mais explícitas, a
de 1990 ficou com a "cara" dos tempos de governo Collor. E foi a única a ter um presidente
querendo bancar o jogador de futebol. Pouco antes do embarque para a copa na Itália, Collor
(sempre afeito a se exibir atleticamente) visitou a concentração da seleção disposto a participar de
um "rachão". O mau tempo impediu a formação de um histórico triângulo mágico no meio-de-
campo, com Alemão, Dunga e Collor. Uma pena, ainda mais porque quem lá estava teve de assistir
a um bate-bola chocho na quadra de futebol de salão, com o presidente esportista ganhando de
presente uma cobrança de pênalti e Taffarel não se importando em engolir o frango.

Não foi o único encontro entre o presidente e o time de 90. Nos ideais, eles também se pareciam.
Collor se envolveu em escândalos de corrupção e inundou o país de produtos importados. A seleção
era vorazmente gananciosa – brigava por dinheiro de patrocínio e sonhava com contrados polpudos
após o Mundial. E pretensamente "modernizada", a ponto de o técnico Sebastião Lazaroni importar
da Europa um esquema tático retranqueiro, que usava um líbero – Lazaroni, elegantemente, preferia
chamá-lo de stopper, como na Europa. Deu tudo errado. Collor sofreu o famoso impeachment. O
Brasil foi eliminado cedo da copa e a equipe, jogada na lata de lixo do futebol brasileiro. Foram
todos condenados ao inferno do folclore nacional: Collor, Lazaroni e o stopper – o que quer que
seja um stopper.Em cada copa, a seleção parece absorver características do que acontece no país em
sua época, meio moldada pelos ares políticos. Em umas mais nitidamente, em outras menos. Das
mais explícitas, a de 1990 ficou com a "cara" dos tempos de governo Collor. E foi a única a ter um
presidente querendo bancar o jogador de futebol. Pouco antes do embarque para a copa na Itália,
Collor (sempre afeito a se exibir atleticamente) visitou a concentração da seleção disposto a
participar de um "rachão". O mau tempo impediu a formação de um histórico triângulo mágico no
meio-de-campo, com Alemão, Dunga e Collor. Uma pena, ainda mais porque quem lá estava teve
de assistir a um bate-bola chocho na quadra de futebol de salão, com o presidente esportista
ganhando de presente uma cobrança de pênalti e Taffarel não se importando em engolir o frango.

Não foi o único encontro entre o presidente e o time de 90. Nos ideais, eles também se pareciam.
Collor se envolveu em escândalos de corrupção e inundou o país de produtos importados. A seleção
era vorazmente gananciosa – brigava por dinheiro de patrocínio e sonhava com contrados polpudos
após o Mundial. E pretensamente "modernizada", a ponto de o técnico Sebastião Lazaroni importar
da Europa um esquema tático retranqueiro, que usava um líbero – Lazaroni, elegantemente, preferia
chamá-lo de stopper, como na Europa. Deu tudo errado. Collor sofreu o famoso impeachment. O
Brasil foi eliminado cedo da copa e a equipe, jogada na lata de lixo do futebol brasileiro. Foram
todos condenados ao inferno do folclore nacional: Collor, Lazaroni e o stopper – o que quer que
seja um stopper.

1954
Foi dos anos mais turbulentos no país. Em agosto, Getúlio Vargas se suicidou. Em junho, o país
enviou para a copa sua seleção mais neurótica de todos os tempos. Os jogadores arranjavam
confusões bobas e sofriam de complexo de inferioridade crônico. Antes de enfrentar a Hungria, por
exemplo, foram levados ao treino adversário para ver que os húngaros eram melhores. Depois,
ouviram discurso exigindo vitória para "vingar os mortos de Pistóia", batalha da 2ª Guerra que
pouco tinha a ver com a Hungria. Só podia acabar em confusão: o jogo terminou numa das maiores
pancadarias da história das copas, "A Batalha de Berna".

Comunismo x Bom-mocismo

Supostamente, o time de 1958 gozou dos ares mais otimistas de todas as seleções. Eram os tempos
de JK, o presidente gente fina que convenceu os brasileiros de que o país tinha jeito. Antes do
embarque da delegação, no entanto, JK mandou um "alerta" para o time: o Brasil podia perder de
todo mundo, menos da União Soviética. O motivo? Nos bastidores do governo, temia-se que uma
derrota desse corda à propaganda comunista dos que acreditavam que bem mesmo se vivia no frio
de Moscou.

Meio-campo, Volver!

A ditadura brasileira não costumava fazer cerimônia para usar o futebol em proveito próprio. No
México, em 1970, a comissão técnica incluía do capitão Cláudio Coutinho (preparador físico) ao
brigadeiro Jerônimo Bastos (chefe da delegação) – equação repetida em 1974. Em 1978, Coutinho
virou técnico. Mas acabou hierarquicamente engolido pelo almirante (e vascaíno) Heleno Nunes,
chefe da CBD (atual CBF). Às vésperas da estréia, contra a Áustria, Nunes impôs a escalação de
seu ídolo Roberto Dinamite.

Raízes do bairrismo

A década de 1930 marcou o fim do poder paulista. O estado foi derrotado pela revolução de 1930 e
no levante de 1932. No futebol, a fase não era melhor. Na Copa de 1930, São Paulo se recusou a
enviar jogadores após perder a briga por cargos na delegação. Em 1934, os paulistas já eram
profissionais e a CBD mantinha um amadorismo de araque – tão de araque que tentou contratar
profissionais para jogar a copa como amadores. Novamente São Paulo não mandou atletas – o
Palestra Itália chegou a esconder o time num sítio com seguranças armados.

Pelé, opressor das massas

Nem tudo era fraternidade na "melhor seleção de todos os tempos" em 1970. Pelé e o zagueiro
reserva Fontana viviam em clima de guerra fria. O esquerdista Fontana questionava abertamente os
privilégios do "Rei do Futebol" e dizia que só não era titular porque Pelé não deixava. Depois de
uma discussão, Pelé pediu desculpas a Fontana diante de todo o grupo, o que apaziguou o ambiente.
Mas não dobrou as convicções do camarada Fontana.

 
A frase

"O presidente não escala meu time e eu não escalo o ministério."

João Saldanha, a 3 meses da Copa de 1970, rebatendo o lobby para que ele convocasse o atacante
Dadá Maravilha, queridinho do presidente, o general Emílio Médici. A declaração ajudou a causar a
demissão de Saldanha – um esquerdista que nunca foi bem-visto pelos militares.

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