Diagnóstico Diferencial e Diretrizes de Cuidado

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DESCRIÇÃO

Princípios básicos para o diagnóstico diferencial e os cuidados relacionados a


transtornos
mentais, como uso de substâncias, simulações e demais condições clínicas.

PROPÓSITO
Conhecer recursos para a construção do diagnóstico diferencial e ter habilidades para
manejar
as situações e identificar os sinais e os sintomas dos transtornos mentais e
demais
adoecimentos permite a formulação de hipóteses diagnósticas, bem como a
identificação de
estratégias por parte do profissional que trabalha em Saúde Mental.

OBJETIVOS

MÓDULO 1

Analisar o conceito de diagnóstico diferencial

MÓDULO 2

Reconhecer a função da escuta e da anamnese para a


construção diagnóstica

MÓDULO 3
Diferenciar as sintomatologias na simulação, no uso de
substâncias e em outras condições
orgânicas

MÓDULO 4

Identificar ferramentas para o manejo do indivíduo em


sofrimento psíquico

INTRODUÇÃO
Diversos estudos apontam que a incidência do transtorno mental na população mundial é uma
realidade crescente e desafiadora. Ela contempla doenças como a depressão e a ansiedade
entre as formas de adoecimentos mais incapacitantes, que acarretam prejuízos para vida
escolar, laborativa e social. É muito importante que o profissional psicólogo esteja
munido de
ferramentas para efetuar uma avaliação qualificada e adequada à conduta
terapêutica que
melhor favoreça o indivíduo em sofrimento mental.

Neste conteúdo, abordaremos o diagnóstico diferencial como uma ferramenta metodológica


para obter maior acurácia no processo de construção diagnóstica, assim como trataremos
dos
instrumentos que balizam a escuta do psicólogo, o manejo nas entrevistas iniciais
para
diferenciação dos sinais e os sintomas apresentados, bem como das diretrizes para o
estabelecimento do diagnóstico adequado.

Ao final, esperamos que você domine as ferramentas básicas para a observação dos
fenômenos psicopatológicos, a fim de diferenciá-los, e consiga manejar os casos com base
em
uma escuta qualificada.

MÓDULO 1

 Analisar o conceito de diagnóstico


diferencial
DIAGNÓSTICO EM PSICOPATOLOGIA
De acordo com a etimologia (origem da palavra), diagnóstico significa a
descrição minuciosa
de características relativas a uma condição ou situação.

 COMENTÁRIO

Na maioria das vezes, quando ouvimos esse termo, pensamos


em definir uma doença, mas o
diagnóstico pode ser usado em diferentes contextos
e permite definir as causas de um
problema em um processo específico.

Essa tarefa circunscrita no campo da saúde nos ajuda a distinguir os sintomas de


determinada
doença. Dessa forma, o diagnóstico significa o momento em que o profissional
clínico procura
a causa do adoecimento. Não é muito diferente, por exemplo, de quando
levamos o nosso
carro à oficina e o mecânico usa diferentes ferramentas para elaborar um
adequado
diagnóstico.

Por se tratar de fenômenos observáveis, a construção de uma hipótese diagnóstica precisa


ser
feita com precisão para traçar a melhor abordagem e o melhor tratamento. Entretanto,
se
observarmos as descrições dos diversos tipos de transtornos mentais descritos em
manuais,
facilmente perceberemos que há determinados tipos e formas de sofrimento que se
parecem
muito uns com os outros.

Além disso, há comorbidades clínicas que podem cursar com quadros de desorganização do
pensamento e alteração do comportamento, acarretando confusões no momento de
fechamento
do diagnóstico. E como é possível diferenciar e perceber essas fronteiras
diagnósticas
que por vezes são tão tênues? A resposta para essa pergunta está no diagnóstico
diferencial.
É valido salientar o que se entende por psicopatologia, como ciência que descreve e
sistematiza sintomas e sinais psicopatológicos com base na escuta e observação do
indivíduo,
tornando possível a construção do diagnóstico do transtorno mental. Sabe-se
que a
psicopatologia é um campo do saber que reúne discursos com variados objetos,
métodos,
questões discutidas por disciplinas biológicas e as neurociências, e ainda
outros saberes
oriundos da psicanálise, psicologia, antropologia, sociologia e
filosofia.

PSICODIAGNÓSTICOS E DIAGNÓSTICO
DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial é a base para uma consulta clínica inicial. O que queremos
dizer com
isso?

Queremos dizer que o diagnóstico diferencial ajuda a olhar para as nuances que se
apresentam nos sinais, nos sintomas, nas formas e nos conteúdos psicopatológicos.

O diagnóstico diferencial é uma


metodologia de exclusão de demais transtornos mentais
ou adoecimentos decorrentes de
alguma condição orgânica e que conduz ao
diagnóstico mais preciso.
Quando fazemos um diagnóstico, passamos a focar alguns comportamentos e sintomas em
detrimento de outros. Essas escolhas não são feitas de forma aleatória, elas seguem uma
base
delimitada pela experiência e pelo conhecimento clínico que permite identificar os
elementos
considerados essenciais para determinada condição.


SAIBA MAIS

Dessa forma, o diagnóstico implica sempre a


realização de escolhas. No caso do
diagnóstico diferencial, essas
escolhas colocam determinado transtorno ou doença acima de
outros possíveis que
se apresentam como concorrentes.

Não se trata apenas de diferenciar os transtornos mentais, mas também de descartar outras
condições de base orgânica ou decorrentes do efeito do uso de substâncias.

NA PSIQUIATRIA MAIS RESTRITA AO PARADIGMA


MÉDICO, O DIAGNÓSTICO É UM ATO DE OBSERVAR
CORRETAMENTE UM SINAL E, A PARTIR DO
SABER
DO MÉDICO, ATRIBUIR A ESTE SINAL SEU
VERDADEIRO SIGNIFICADO, DISPONÍVEL NA
NOSOGRAFIA.

(MELO; CUNHA, 2009, p. 3)

A construção do diagnóstico do transtorno mental não é tarefa simples e facilmente leva o


examinador ao erro. Conforme já observado em manuais de diagnósticos, encontramos
sintomas parecidos ou iguais aplicáveis a diversos tipos de transtornos mentais e também
em
determinados adoecimentos de base orgânica.
 EXEMPLO

Um estado confusional pode aparecer em um quadro de


esquizofrenia, assim como em
abstinências ou infecção.

Como descobrir qual é o verdadeiro mal-estar de um indivíduo?

É preciso estar atento a determinados critérios estabelecidos e verificáveis na anamnese


realizada durante a avaliação inicial, além de estar aberto para ouvir o que o indivíduo
em
sofrimento psíquico tem a dizer.

MANUAIS DE DIAGNÓSTICO E DIAGNÓSTICO


DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial, por ser um método basicamente aplicável por eliminação,


possibilita
descartar comorbidades que são, por definição, uma ou mais doenças
associadas à demência,
diabetes e hipertensão, que podem acometer um paciente com quadro
de transtorno mental.

 VOCÊ
SABIA

É essa ferramenta que dá maior precisão ao diagnóstico e,


consequentemente, contribui para o
desenvolvimento do melhor plano terapêutico.
Ao revisarmos a história dos manuais de diagnóstico em psicopatologia, como é o caso do
Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM), observamos como a
hierarquização dos diagnósticos passou a ser considerada a partir de 1980 com o DSM III.
Ele
marcou um momento importante na história da psiquiatria moderna, caracterizado pelo
modelo
da psiquiatria social psicodinâmica,
especialmente ao diferenciar transtorno de doença e
passar a usar a terminologia
“transtorno mental”.

PSIQUIATRIA SOCIAL PSICODINÂMICA

As abordagens mais atuais praticadas nos atendimentos psicopatológicos


oportunizam o
entendimento sobre a interação biológico-psicossocial
existente em cada caso. É necessário
conhecer os sintomas do indivíduo e
o conjunto de causas que influenciam e/ou desencadeiam
a doença.

1980

Em 1980, a American Psychiatric Association (APA) destacou a


importância de se identificar
uma única patologia para explicar
todos os sintomas do quadro clínico, estabelecendo a ideia
de uma
hierarquização dos diagnósticos.

1987

Pouco depois, em 1987, com a revisão desse manual no DSM III-R, tal
hierarquia foi abolida,
incentivando a formulação de diagnósticos
simultâneos, fato que conduziu à ideia de
comorbidade (MARTINHAGO,
2019).

Falamos há pouco sobre comorbidades. Você sabe definir esse termo?

Comorbidade pode ser definida como a associação entre duas ou mais doenças, ao mesmo
tempo, em um mesmo paciente.
Podemos identificar alguns tipos de comorbidade. Veja!

COMORBIDADE PATOGÊNICA

Refere-se a duas ou mais doenças que apresentam uma origem comum, ou


seja, elas se
encontram etiologicamente vinculadas.

COMORBIDADE DIAGNÓSTICA

Existe também a comorbidade diagnóstica, que é o


caso de duas doenças ou mais que
apresentam sintomas ou
manifestações similares.

COMORBIDADE PROGNÓSTICA

Já a comorbidade prognóstica envolve duas ou mais


doenças com predisposições
semelhantes, ou seja, elas apresentam em
comum a predisposição de uma mesma doença ou
condição (APA, 2014).

Na psicopatologia, a comorbidade é frequente. Isso implica, de modo geral, a decorrência


de
mais de um transtorno psiquiátrico no paciente. A coexistência de mais de uma doença
em um
paciente é a regra em lugar de exceção. Nesse caso, já não existe mais a
necessidade de
determinar qual é a doença principal.

 ATENÇÃO
No entanto, os diagnósticos trabalhados devem ser
adequadamente delimitados e, para isso, é
fundamental que o profissional ou
clínico elabore de forma correta o diagnóstico diferencial em
cada caso, de
maneira que as comorbidades sinalizadas sejam reais e não erros médicos.

Como já foi apontado, o transtorno mental não é de difícil identificação, mas, pela
proximidade
de determinados fenômenos, pode levar a confusões e diagnósticos
equivocados. O
profissional deve ter em mente que os manuais de diagnóstico categorizam
e classificam de
maneira clara os sintomas psicopatológicos, há critérios bem definidos
para cada tipo de
transtorno mental. No entanto, os sinais e os sintomas devem sempre
estar associados a uma
avaliação mais ampla que compreende a história de vida, as
relações e as outras condições do
indivíduo.

Devemos ressaltar que o diagnóstico diferencial é a parte da ciência da psicopatologia


que
pretende, por exclusão, construir o diagnóstico mais preciso possível e, assim,
contribuir para o
melhor prognóstico e tratamento.
O DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL EM
PSICOPATOLOGIA
A especialista Luciana de Medeiros Lacorte Soares aborda a
importância e as dificuldades do
diagnóstico diferencial em psicopatologia, apresentando
a diferença entre hierarquização e
comorbidade no diagnóstico e suas implicações.

VEM QUE EU TE EXPLICO!


O diagnóstico em psicopatologia

Os psicodiagnósticos e o diagnóstico
diferencial
VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 2

 Reconhecer a função da escuta e da


anamnese para a construção diagnóstica

A ESCUTA CLÍNICA NO DIAGNÓSTICO


DIFERENCIAL
A escuta é uma das principais ferramentas de trabalho do psicólogo. Ela
deve ser
qualificada e atenta para assegurar as intervenções necessárias ao processo
terapêutico.

Quando o indivíduo solicita um atendimento psicológico (ou alguém pede em seu lugar),
está
certamente motivado por algum sofrimento. Em nossa atividade clínica, a narrativa
da pessoa,
ou seja, aquilo que ela diz durante o atendimento, é o que baliza o
diagnóstico.
É fundamental que o psicólogo acolha o sofrimento
da pessoa, que esteja aberto e atento para
os demais elementos que se apresentam durante
a investigação clínica.

De modo geral, na entrevista inicial, o paciente relata fenômenos psicopatológicos, diz


como se
sente naquele momento e pode até adicionar outras informações. Porém, faz parte
da
construção diagnóstica diferencial uma metodologia que auxilia na exclusão das
comorbidades
ou das armadilhas que nos levam ao erro diagnóstico logo de início.

 COMENTÁRIO

No começo do tratamento, o profissional formula hipóteses


diagnósticas balizadas na queixa
relatada pelo paciente (também conhecida como
motivo de consulta).

Com o tempo e o auxílio do diagnóstico diferencial, o psicólogo pode chegar a uma


conclusão
mais precisa, uma vez que, à essa altura, outras condições já foram
descartadas de forma
sistemática. Importante que o profissional não se apresse em
formular hipóteses e que elas
sejam construídas ao longo das entrevistas iniciais.

A escuta é muito mais do que ouvir. O psicólogo disponibiliza-se por um


vínculo empático
que permite à pessoa ficar à vontade para se expor, sem se sentir
julgada ou criticada. Ela
percebe que tem a oportunidade de se abrir e relatar o que a
incomoda ou a faz sofrer. Por
esse motivo, os primeiros encontros são tão importantes.
Com uma escuta acolhedora, o
psicólogo tem a chance de estabelecer uma relação em que a
pessoa se sinta segura o
bastante até revelar dados que servirão para o levantamento das
hipóteses diagnósticas.

ANAMNESE E SEUS COMPONENTES

A palavra “anamnese” tem origem no grego anámnesis, que significa “trazer de


novo à
memória”.

A anamnese é uma ferramenta muito usada na Medicina, na Psicologia e em outras áreas da


saúde. Ela consiste em uma entrevista com certo nível de estruturação que permite colher
dados para avaliação e diagnóstico.

Muitas vezes, o psicólogo recorre à anamnese nos primeiros encontros com o objetivo de
realizar um psicodiagnóstico.
Uma anamnese bem-feita pode captar informações que
permitem uma adequada avaliação
não só sintomatológica, mas também do contexto social no
qual o indivíduo está inserido.

A obtenção de uma boa anamnese requer certas qualidades e uma atitude primordialmente
ética do entrevistador. A anamnese deve incluir alguns indicadores. A seguir, veremos
quais
são eles.

QUEIXA PRINCIPAL
Neste indicador, as perguntas-chaves dizem respeito ao momento da solicitação
do
atendimento: o que o indivíduo tem sentido que o motivou a buscar
tratamento? Como se sente
no ato do atendimento? O que o mobilizou a
procurar um psicólogo?

HISTÓRIA PREGRESSA
É a história de vida do indivíduo desde o seu nascimento. Neste indicador, é
importante levar
em consideração como foi o parto, o desenvolvimento motor
nas etapas de desenvolvimento, a
vida escolar, os relacionamentos sociais, a
vida com genitores e familiares, entre outros.

PRÓDROMOS
Os sintomas prodrômicos são aqueles que precedem o quadro agudo, em que
sintomas se
confundem com algo da adolescência e que, por vezes, passam
despercebidos pelo próprio
indivíduo ou seus familiares. Aqui, podem ser
observadas alterações sutis de comportamento,
por exemplo, a perda de
interesse pela escola, o jovem mais retraído, as dificuldades para
fazer
amizades, a vergonha excessiva de se expressar, e assim por diante.
OBSERVAÇÃO DIRETA DA PESSOA EM SOFRIMENTO
Este indicador auxilia na construção do exame psíquico com avaliação de
consciência,
orientação, pragmatismo, volição, atitude, humor, sono e
vigília, assim como a apresentação do
indivíduo: A aparência está cuidada ou
não? A vestimenta está adequada ao momento ou não?

Aqui, cabe destacar que a avaliação da aparência e vestimenta deve sempre


levar em
consideração as condições psicossociais da pessoa e estar associada
à avaliação do exame
psíquico. O que estamos querendo dizer com isso? Vamos
citar como exemplo uma pessoa
que vive em condições extremamente precárias,
em situação de rua, sobrevivendo de
doações, e que se apresenta para o
atendimento com vestes extravagantes e coloridas. A
aparência “supostamente
inadequada” pode simplesmente denotar que a vestimenta foi a que
a pessoa
teve acesso e não necessariamente diz respeito a um transtorno de humor. Em
outras palavras: os fatos não devem ser avaliados isoladamente. Porém, se o
paciente se
apresenta com sobreposição de roupas e aparência extravagante, é
logorreico, tem humor
exaltado
e pensamento descarrilhado,
seria o caso de investigar transtorno de humor.

LOGORREICO

Expressão de diversas frases que não fazem sentido.

PENSAMENTO DESCARRILHADO

Discurso que perde a coerência conforme as ideias são


expressas.

INVESTIGAÇÃO DE TRANSTORNO MENTAL NA


FAMÍLIA
É importante verificar se há casos de transtorno mental em familiares
próximos, pois, embora
não haja consenso sobre os aspectos genéticos, a
convivência com portadores de transtorno
mental (sobretudo em casos severos)
leva a consequências na subjetividade do indivíduo.
Pessoas com transtornos
de personalidade, por exemplo, são mais sugestionáveis e podem
“aprender
determinados sintomas”, de forma que passam a desenvolvê-los.

USO DE SUBSTÂNCIAS
Este indicador é importante para a anamnese. O indivíduo fez ou faz uso de
substâncias
(drogas/medicamentos) lícitas ou ilícitas? Quais são? Qual é a
frequência do uso? Como é seu
comportamento quando está sob efeito da
substância? E quando não usa a substância, como
se comporta?

CONDIÇÃO MÉDICO-ETIOLÓGICA
Para que o examinador não se confunda, é necessário investigar se há alguma
doença clínica
de base, pois ela pode acarretar alterações de comportamento
e sensopercepção no indivíduo
examinado ou tornar agudos os sintomas do
transtorno mental.

A ANAMNESE: SUA FUNÇÃO,


COMPONENTES E IMPORTÂNCIA
A especialista Luciana de Medeiros Lacorte Soares fala
sobre a função, os componentes e a
importância da anamnese como ferramenta fundamental
para o profissional da saúde.
O PAPEL DA ESCUTA NO DIAGNÓSTICO
DIFERENCIAL

Fundamental na atuação do psicólogo é compreender que, embora existam manuais e


inúmeros
livros que abordam o tema do diagnóstico, o ser humano, pela sua complexidade,
escapa a
qualquer categorização.

Nunca podemos perder de vista que cada ser humano


é único e se comporta de maneira única.

Como vimos, olhar e escutar a pessoa em sofrimento são ferramentas fundamentais que
permitem ao psicólogo enxergar além dos sinais e sintomas, chegar às relações e aos
contextos sociais, laborativos, familiares etc.

Os manuais são ferramentas importantes para


ajudar o psicólogo e a psicóloga na práxis
clínica, mas olhar para o
indivíduo ajuda a apontar o caminho para o diagnóstico diferencial,
entendendo que não há receita pronta ou fórmula mágica para dar conta do
sofrimento. Isso só
é possível no manejo caso a caso.

A anamnese não é um conjunto de informações,


assim como o psicólogo não deve estar à
“caça” de sinais e sintomas
psicopatológicos para enquadrar o indivíduo em determinado
diagnóstico. As
informações coletadas devem ser contextualizadas e relativizadas com o todo
experimentado durante o atendimento.

Outro ponto fundamental é que não cabe ao psicólogo o julgamento moral do indivíduo que
está sob seus cuidados. Não cansamos de repetir que cada pessoa é única e, assim,
devemos
estar atentos para não misturar (tampouco comparar) nossas experiências com as
do paciente.


SAIBA MAIS

O sofrimento mental deve ser escutado, avaliado e cuidado


com base em um plano terapêutico
singularizado, e tudo isso só é possível fazer
por meio da escuta.

Em resumo, compreender a história de vida e seu contexto é fundamental


na identificação do
transtorno mental. Podemos afirmar que é muito importante que o
profissional seja capaz de
acolher o sofrimento que o paciente apresenta,
disponibilizando-se de forma empática e sem
julgamentos. Assim, a escuta permite a
construção de um diagnóstico diferencial mais preciso
e completo que, de forma
sistemática, consegue excluir as armadilhas que conduzem ao erro.
E lembre-se: escutar
somente a queixa, sem relacionar com outros aspectos da vida do
indivíduo, não garante
as informações corretas para o diagnóstico por exclusão.

VEM QUE EU TE EXPLICO!


O psicólogo e a escuta clínica

O papel da escuta no diagnóstico diferencial

VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 3

 Diferenciar as sintomatologias na
simulação, no uso de substâncias e em outras
condições orgânicas

OS CUIDADOS NA DIFERENCIAÇÃO DE
SIMULAÇÃO, USO DE
SUBSTÂNCIAS,
CONDIÇÃO MÉDICA GERAL E
COMORBIDADE
O processo de diagnóstico diferencial pode ser estabelecido com base na diferenciação,
seguida da exclusão de outros adoecimentos. Uma das primeiras ações no processo
do
diagnóstico diferencial é saber diferenciar a simulação do paciente.

Há pessoas que podem obter ganhos secundários ao receber um diagnóstico de transtorno


mental, seja por questão previdenciária, pretensão de afastamento do trabalho,
aposentadoria,
benefícios sociais, acesso a seguro de vida, atenuação de uma medida
judicial ou cumprimento
de medida protetiva.

Há ainda indivíduos que apresentam comportamento enganador, mas sem a intenção de obter
benefícios externos. Nesses casos, o paciente quer assumir o papel de doente e a
psicoterapia
pode ser primordial para decodificar essas motivações.

 EXEMPLO

Esse comportamento pode ser observado em pacientes com


síndrome de Münchhausen.
Costumam simular em si mesmos ou em pessoas que
dependem deles (filhos ou irmãos
caçulas) sintomas de alguma doença com o fim de
chamar a atenção.

Para detectar um quadro de simulação, precisamos observar os seguintes quesitos:


1

Se os relatos de sinais e sintomas são compatíveis com o senso comum


em relação ao
transtorno mental.

Se há mudanças consideráveis na forma de apresentação da


sintomatologia psicopatológica
do indivíduo entre uma consulta e
outra. Em muitos casos, observa-se um histórico médico e
pessoal
incoerente.

Possíveis manipulações e se o paciente é extremamente


sugestionável.

Se o indivíduo parece imitar sintomas psicopatológicos.

Todos esses pontos podem surgir durante as entrevistas iniciais. Uma vez que o psicólogo
avalie que se trata de simulação, sua postura ética deve ser mantida: não cabe ao
profissional
o julgamento moral, como já abordamos anteriormente.

DIFERENCIAÇÃO E EXCLUSÃO DO USO DE


SUBSTÂNCIAS
No processo de diferenciação, outro ponto a ser considerado é o uso de substâncias, em
especial as que atuam no sistema nervoso central (SNC). Portanto, podemos incluir aqui
tanto
as drogas ilícitas como o álcool e os medicamentos. Ou seja, substâncias que
promovam
alteração na sensopercepção e no comportamento.

O uso de drogas para obtenção de prazer é tão antigo quanto as mais remotas civilizações.
Para alguns, ainda é um tabu falar abertamente sobre o uso de drogas, especialmente as
consideradas ilícitas. Por isso, o psicólogo deve estar atento aos indícios de que
determinados
sintomas são oriundos do uso de substâncias — e não do transtorno mental.

Há também indivíduos que usam substâncias para melhorar suas performances, por exemplo,
estudantes que querem aumentar a concentração e o estado de vigilância costumam usar
metilfenidato.

Para uma adequada conduta terapêutica, é


importante verificar se o uso de substâncias
ocorreu antes do início dos sintomas ou
depois deles. A diferenciação entre o transtorno mental
e o uso de substâncias merece
especial atenção, pois pode induzir o profissional ao erro no
diagnóstico.

É muito comum verificarmos o uso de drogas para aplacar um mal-estar causado pelo
transtorno mental.

 EXEMPLO
Uma pessoa com transtorno de ansiedade que consume álcool
para conseguir dormir ou usa
cocaína para diminuir a alucinação auditiva verbal,
ou fuma maconha para contrapor um
quadro de transtorno de humor.

Essas substâncias de que falamos podem ser classificadas em três categorias:

DEPRESSORAS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL


Exemplo: barbitúricos, morfina, heroína.

ESTIMULANTES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL


Exemplo: cocaína, cafeína, tabaco.

PERTURBADORAS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL


Exemplo: maconha e alucinógenos sintéticos.

Na fase de intoxicação, quando o indivíduo ainda está sob o efeito da


substância, é possível
verificar a presença de sintomatologia psicopatológica a depender
da ação no SNC, tais como
agitação psicomotora, alterações no humor, paranoia,
irritabilidade, impulsividade etc.

Já nos quadros de abstinência, pode haver alterações de base clínica (de


pressão arterial,
tremores, deficiência de vitaminas, desidratação etc.) e também
psicopatológicas, como
ansiedade, sintomas depressivos, agitação, alucinações.

 ATENÇÃO

Nos quadros de abstinências, o álcool merece especial


atenção, pois pode desenvolver o
delirium tremens, que é a forma mais
grave de abstinência por álcool. Provoca o rebaixamento
do nível de consciência,
irritabilidade, tremores, agitação psicomotora, alucinação visual,
cinestésica,
cenestésica e alucinação auditiva mais raramente. É comum haver desnutrição e
desidratação em casos como esses. Trata-se de um comprometimento orgânico que em
hipótese alguma pode ser negligenciado pelo psicólogo.

Em relação ao diferencial no uso de substâncias, o psicólogo deve estar atento


e...

Perceber se há relação de temporalidade entre o uso de substâncias/medicamentos e os


sintomas psicopatológicos. Caso os sintomas psicopatológicos tenham começado antes
do uso da substância, é possível que se trate de um indivíduo com transtorno mental
que
faz uso de substâncias.

Verificar se, passada a fase de intoxicação pelo uso de alguma


substância/medicamentos, ocorre remissão dos sintomas psicopatológicos.

Saber que a manutenção dos sintomas psicopatológicos prolongados, mesmo após o


período de abstinência ou intoxicação, sugere quadro de transtorno mental primário.

Avaliar se o uso da substância/medicamentos tem como objetivo apaziguar sintomas e


sofrimento em decorrência de fenômenos psicopatológicos.

 EXEMPLO

Apresentamos aqui uma vinheta clínica hipotética para


pensar no diagnóstico diferencial. Um
rapaz que vamos chamar de Pipo, 19 anos,
buscou tratamento em um serviço de saúde
mental. Durante o atendimento, Pipo
relata que fez uso prejudicial de múltiplas drogas por mais
de cinco anos e, em
decorrência disso, teve alguns episódios que cursava com alucinações
auditivas,
visuais e cinestésicas. Chegou a tentar suicídio após ouvir vozes de comando que
ordenavam que se jogasse do segundo andar de sua casa. Conforme o relato do
rapaz, todos
esses fenômenos ocorreram em momentos nos quais estava sob efeito
das substâncias. Disse
que está há um ano sem usar drogas e, desde então, deixou
de sentir os sintomas
psicopatológicos.

Com base nesse fragmento de caso, embora houvesse critérios para pensar em esquizofrenia,
o fato de Pipo ter interrompido o uso de substâncias e não sentir mais os sintomas
descritos
aponta que o diferencial, nesse caso, tem a ver com o uso das múltiplas
drogas.

DIFERENCIAÇÃO E EXCLUSÃO DE DEMAIS


CONDIÇÕES
MÉDICAS E
COMORBIDADES
O quadro de delirium sempre tem relação com outras condições médicas e também
pode estar
associado a alguma comorbidade. Delirium é uma síndrome de base
orgânica que pode ter
diferentes causas.


SAIBA MAIS

Em quadros em que o indivíduo apresenta delirium,


percebem-se alterações da
sensopercepção, rebaixamento do nível de consciência,
desorientação, estado confusional,
pensamento desagregado, podendo haver
agitação psicomotora ou estupor. Os sintomas
iniciam subitamente e apresentam-se
de forma aguda, com flutuação dos sintomas ao longo do
dia, mas desaparecem
quando a causa é tratada.

Como já vimos, entende-se por comorbidade a associação de duas ou mais doenças que
acometem o mesmo paciente. Isso significa que o indivíduo que solicita atendimento por
apresentar alguma queixa relativa a transtorno mental pode ter alguma doença de base
orgânica concomitante. Uma pessoa pode ter alguma neoplasia e depressão, por exemplo, ou
sofrer de síndrome metabólica e ter transtorno do espectro autista (TEA).

 RECOMENDAÇÃO

Então, seguindo esse raciocínio, a chave para o


diagnóstico diferencial nos casos de delirium é
verificar se o
indivíduo desenvolve um surto tardiamente, com início súbito e agudo.

De maneira geral, as formas mais severas do transtorno mental, por exemplo, as


esquizofrenias, tendem a se desenvolver no fim da adolescência ou no início da vida
adulta.

Pelos sintomas prodrômicos


que, por vezes, passam despercebidos pelo próprio indivíduo ou
seus familiares, é
possível verificar que já havia indícios da eclosão do acometimento.

 ATENÇÃO

Porém, o início súbito e agudo de um estado confusional,


cursando com desorientação auto e
alopsíquica e rebaixamento do nível de
consciência, pode apontar para outra condição médica
(por exemplo, infecção,
demência, alterações da glicemia, neoplasias) que, a depender do
agravo, causa
alterações de sensopercepção facilmente confundidas com transtorno mental.
Nesses casos, devemos sempre desconfiar de delirium.

Os quadros de delirium são frequentemente observados em pacientes internados em


hospitais.
Os sintomas manifestam-se em quadros cognitivos, como distorções da percepção
e da
memória, déficits de atenção, com habilidade reduzida para o paciente manter o foco
e
sustentar a atenção, algum descontrole emocional, como medo, irritabilidade ou raiva e
desregulação psicomotora, como alteração muscular ou óssea.

Veja algumas indicações que devemos considerar no diagnóstico diferencial dos


quadros psiquiátricos orgânicos.

Início súbito e agudo de um estado confusional e alterações de comportamento.

Flutuação/variação dos sintomas ao longo do dia.

Comorbidades ou doenças de base.

Indícios de adoecimento orgânico (como por exemplo, delirium, demência)? É de suma


importância orientar para uma avaliação médica, pois, de modo geral, tratando a
causa o
quadro desaparece.


SAIBA MAIS

Quadros psiquiátricos orgânicos são chamados quadros


orgânicos aqueles que apresentam
sintomatologia de ordem psíquica (alterações na
percepção, no pensamento, na cognição etc.),
mas cuja causa é comprovadamente
orgânica como traumatismos, doenças vasculares,
tóxicas, infecciosas,
metabólicas, neoplásicas, degenerativas, imunológicas, entre outras.

Outro acometimento que pode confundir-se com o transtorno mental é a


demência, uma
doença degenerativa na qual se observa prejuízos progressivos
de perda cognitiva. Em geral,
acomete pessoas com idade mais avançada. O processo
demencial inicia com perda da
memória recente, deterioração mental progressiva, podendo
acarretar alterações de
comportamento com labilidade (instabilidade) no humor e até
mesmo delírios.
O diagnóstico diferencial para casos de
demência deve incluir a exclusão de delirium ou
outros transtornos mentais
como psicose.

Nesse caso, devem ser avaliados:

INÍCIO DOS SINTOMAS

O início dos sintomas de demência deve ser tardio. Se ocorrer precocemente, é


preciso avaliar
se há critérios para esquizofrenia (que também pode cursar
com prejuízos cognitivos), porém a
idade é condição fundamental.


CURSO DO ADOECIMENTO

O curso do adoecimento, que deve ser de deterioração progressiva. Caso haja


início abrupto e
agudo, deve-se considerar a avaliação de delirium.

No manual de diagnóstico diferencial do DSM-5, Michael B. First, ao abordar o tema da


diferenciação dos transtornos mentais em relação a outras condições médicas gerais, diz
que:

PRATICAMENTE QUALQUER APRESENTAÇÃO


PSIQUIÁTRICA PODE SER CAUSADA PELOS EFEITOS
FISIOLÓGICOS DIRETOS DE UMA CONDIÇÃO
MÉDICA
GERAL, E ELES SÃO CONSIDERADOS, NO DSM -5,
COMO UM TRANSTORNO MENTAL DEVIDO A
UMA
CONDIÇÃO MÉDICA (P. EX., TRANSTORNO
DEPRESSIVO DEVIDO AO
HIPOTIREOIDISMO).

(FIRST, 2014, p. 7)

Reiteramos que a anamnese construída com base em entrevistas iniciais, seja qual for o
campo de atuação do psicólogo clínico, cumpre papel fundamental para o levantamento das
hipóteses diagnósticas que podem fazer total diferença na vida do indivíduo em
sofrimento.

 EXEMPLO

Apresentamos um breve relato de caso, no qual Fafá, mulher


de 42 anos, é acompanhada por
um serviço de saúde e tem diagnóstico de
esquizofrenia e diabetes como comorbidades. Certo
dia, ela chegou ao atendimento
com fala desconexa, pensamento desagregado, desorientação
quanto ao tempo e ao
espaço. A psicóloga que a recebeu percebeu que os sintomas estavam
muito agudos
e solicitou uma avaliação glicêmica. A enfermeira, ao checar a glicemia,
verificou
que a taxa estava muito elevada. Os cuidados necessários foram
realizados, a glicose
estabilizada e Fafá passou a comunicar-se de maneira mais
organizada.

O exemplo exposto abordou um quadro de delirium (cuja base era a diabetes) que
foi
rapidamente identificado por se tratar de algo súbito e agudo. Uma vez resolvida a
causa, os
sintomas desapareceram.

Com esse exemplo, vimos como o processo de diagnóstico diferencial pode ser estabelecido
com base na diferenciação em pelo menos três aspectos:

Diferenciação e exclusão da simulação.

Diferenciação e exclusão no uso de substâncias, incluindo drogas


psicoativas, álcool e
medicamentos.
2

Diferenciação e exclusão de demais condições médicas e comorbidades.

Uma vez descartadas essas condições, podemos passar a verificar sistematicamente o


diagnóstico diferencial em relação a outros transtornos que apresentem sintomas em
comum.

EXCLUSÃO DE SIMULAÇÃO, USO DE


SUBSTÂNCIAS E
CONDIÇÕES MÉDICAS NO
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
A especialista Luciana de Medeiros Lacorte Soares aborda a
importância da exclusão de
simulação, o uso de substâncias e as condições médicas no
diagnóstico diferencial.
VEM QUE EU TE EXPLICO!
Diferenciação e exclusão da simulação

Diferenciação e exclusão do uso de substâncias

VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 4

 Identificar ferramentas para o


manejo do indivíduo em sofrimento psíquico

CONCEITO DE ACOLHIMENTO, CUIDADO,


MANEJO E DIRETRIZES
A construção de um processo diagnóstico deve ser acompanhada com muita atenção, em
especial o diagnóstico de transtorno mental, porque ele traz consigo alto risco de se
tornar um
rótulo que passa a balizar e explicar a vida de uma pessoa.

 EXEMPLO

Imagine o caso de uma pessoa que recebe um diagnóstico de


transtorno bipolar. Qualquer
aspecto de sua vida pode ser resumido a um Código Internacional de Doenças
(CID): a
euforia em razão de algo bem-sucedido pode
ser confundida com euforia patológica; a irritação
por um evento corriqueiro da
vida pode ser interpretada como agitação psicomotora ou
heteroagressividade.

CÓDIGO INTERNACIONAL DE DOENÇAS (CID)

CID: Sigla para Código Internacional de Doenças, a classificação


estatística internacional de
doenças e problemas relacionados
com a saúde usada para classificação e diagnóstico.

Uma vez que o paciente é diagnosticado com um CID psiquiátrico, ele entra em um processo
que podemos chamar de medicalização, que não diz respeito apenas às
pessoas que fazem
uso de medicamentos, mas que experimentam uma vivência de cronicidade,
de não cura, que,
muitas vezes, o diagnóstico de transtorno mental traz consigo.

E podemos perguntar: quais são os efeitos disso?

 RESPOSTA

Ora, o indivíduo tem grandes chances de ter sua fala


deslegitimada e destituída, chances de
ser infantilizado e ver seu comportamento
interpretado como um problema de ordem médica
que precisa ser tratado. É como se
a vida do indivíduo com sofrimento mental diagnosticado
fosse vista por uma
lente, na qual todas as ações são explicadas como se fossem sintomas —
e isso é
também um efeito medicalizante.
PAPEL DO PSICÓLOGO E ÉTICA
PROFISSIONAL
Estávamos anteriormente falando de medicalização e problemas de ordem médica, mas o que
o
psicólogo tem a ver com isso?

O psicólogo, muitas vezes, é o primeiro


profissional da área da saúde mental que vai escutar e
ter contato com o sofrimento de
uma pessoa. Isso significa que temos desafios éticos, que
devem priorizar o cuidado
garantindo a diversidade, os direitos humanos e, sobretudo, a
reflexão crítica sobre os
impactos de um diagnóstico psiquiátrico na vida de uma pessoa.

Importante destacar que, conforme disposto no artigo 2º do Código de Ética do


Profissional
Psicólogo:

É VEDADO AO PSICÓLOGO DAR DIAGNÓSTICOS,


DIVULGAR PROCEDIMENTOS OU APRESENTAR
RESULTADOS DE SERVIÇOS PSICOLÓGICOS EM
MEIOS DE
COMUNICAÇÃO, DE FORMA A EXPOR
PESSOAS, GRUPOS OU ORGANIZAÇÕES.

(CFP, 2005, p. 11)

Então, o que é permitido ao psicólogo?

O diagnóstico psiquiátrico é um ato médico, mas faz parte da prática do psicólogo a


construção
das hipóteses diagnósticas para estabelecer a abordagem e o plano terapêutico
do indivíduo.
Sem o levantamento de hipóteses, o plano terapêutico mais adequado para
cada indivíduo fica
prejudicado.
 COMENTÁRIO

A conduta terapêutica tem a ver com os sinais e sintomas


correlacionados com a história de
vida que o paciente apresenta,
independentemente do tipo de abordagem ou corrente teórica
que o profissional
escolheu como campo de atuação.

Repetimos como é importante que o psicólogo clínico, em seu consultório ou em uma


instituição, ofereça ambiente acolhedor, livre de julgamentos morais, e perceba o
contexto de
vida do indivíduo que comunica seu sofrimento.

No livro O normal e o patológico, Georges Canguilhem chama atenção quando diz


que:

QUANDO CLASSIFICAMOS COMO PATOLÓGICO UM


SINTOMA OU UM MECANISMO FUNCIONAL ISOLADO,
ESQUECEMOS QUE AQUILO QUE OS TORNA
PATOLÓGICOS É A SUA RELAÇÃO NA TOTALIDADE
INDIVISÍVEL DE UM COMPORTAMENTO
INDIVIDUAL.

(CANGUILHEM, 2011, p. 51)

E o que Canguilhem quer dizer com isso? Ora, que o indivíduo é indivisível! É necessário
olhar
para o todo e não apenas para um conjunto de sintomas verbalizados durante o
atendimento.
Para isso, é necessário também tranquilidade por parte do psicólogo, para
não sucumbir a um
furor curandis, como nos ensinou
Freud, que pode induzir ao erro diagnóstico.

FUROR CURANDIS

Entendido como o desejo do profissional em curar. Ainda que bem


intencionado, ele representa
um excesso que pode interferir ou
impossibilitar o adequado atendimento e tratamento do
paciente.

Os manuais descrevem sintomas e sinais de modo a catalogá-los e agrupá-los em


diagnósticos
psicopatológicos. Como vimos, o psicólogo precisa estar atento ao momento
vital do indivíduo
para estabelecer o diagnóstico diferencial.

A pressa em levantar hipóteses diagnósticas pode acarretar num projeto de intervenção


equivocado, o que acarretará, consequentemente, em prejuízos para a vida do indivíduo.
Então, recomenda-se tranquilidade.

Lembre-se sempre de que a realidade é subjetiva,


ou seja, quem experimenta sua própria vida
é quem pode dizer sobre ela. Assim, a escuta,
o posicionamento ético e a impressão durante o
atendimento, em conjunto com a anamnese,
vão garantir ao psicólogo maior precisão para a
exclusão de outros possíveis
adoecimentos.

DIRETRIZES DO CUIDADO NO PROCESSO


DE AVALIAÇÃO E DIAGNÓSTICO
Não há marcadores biológicos que determinem o transtorno mental. Portanto, o diagnóstico
é
feito com base na escuta do indivíduo com posterior julgamento clínico das informações
coletadas, obtidos pela anamnese e pelo exame psíquico, e na exclusão de possíveis
acometimentos que, conforme já amplamente abordado ao longo do tema, diz respeito ao
diagnóstico diferencial.

Para tanto, podemos pensar em algumas diretrizes para orientar o psicólogo no


processo
de avaliação e diagnóstico:

Escutar atentamente o indivíduo que busca tratamento.

Construir uma anamnese que possibilite avaliar a queixa principal, a


história de vida e os
tratamentos pregressos, conforme indicado no
início deste assunto.

Estabelecer hierarquia para o raciocínio clínico do diagnóstico


diferencial, contemplando a
exclusão de simulação de sintomas, o uso
de substâncias/medicamentos, a demência e
demais condições de
clínica médica (e até mesmo outros transtornos mentais).

Determinar uma hipótese diagnóstica para nortear o tratamento.

4
5

Contextualizar a queixa do indivíduo, os sintomas e as impressões com


o meio social e cultural
no qual o mesmo está inserido. Isso
permitirá compor uma avaliação ampla do processo de
saúde e doença
do paciente, enxergando-o para além de um conjunto de fenômenos que
preenchem critérios diagnósticos.

Para finalizar, um dos desafios da contemporaneidade é lidar com o excesso de informações


disponíveis na internet. Os sites destinados às buscas, grandes oráculos modernos,
garantem
o acesso das pessoas aos diagnósticos e a outras informações. Atualmente,
percebemos que
as pessoas já chegam aos atendimentos com diagnósticos prontos (por
vezes, até mais de
um!), com muitas certezas sobre sua condição, querendo abordagens
cada vez mais
específicas.

Ao psicólogo cabe manejar caso a caso, lançar mão da ferramenta do diagnóstico


diferencial
para dirimir as certezas das pessoas acerca de sua condição e dos
tratamentos que
consideram ideais para si. Cabe ao psicólogo garantir melhor cuidado
àquele que busca ajuda.
DIRETRIZES QUE ORIENTAM O
PSICÓLOGO NO PROCESSO DE
AVALIAÇÃO E DIAGNÓSTICO
A especialista Luciana de Medeiros Lacorte Soares aborda a
função e a importância das
diretrizes que orientam o psicólogo no processo de avaliação
e diagnóstico.

VEM QUE EU TE EXPLICO!


Riscos associados ao diagnóstico de transtorno mental

O papel do psicólogo e a ética profissional

VERIFICANDO O APRENDIZADO

CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudamos o conceito de diagnóstico diferencial e a importância de sua aplicabilidade para a
exclusão de determinados diagnósticos, os quais direcionem o psicólogo a uma abordagem
mais precisa em relação ao sofrimento da pessoa. O diagnóstico diferencial contribui para
escapar de certa armadilha causada pelas semelhanças dos sintomas que surgem tanto no
transtorno mental quanto em outros quadros.

Embora seja vedado ao psicólogo diagnosticar os indivíduos que solicitam atendimento, é


importante que ele construa uma hipótese, pois ela norteia a ação clínica. O levantamento da
hipótese diagnóstica deve se dar sempre em relação com os aspectos globais da vida do
indivíduo, para além dos sinais e sintomas apresentados no atendimento.

Apreendemos que há um método que orienta a escuta e o manejo dos casos para alcançarmos
o diagnóstico mais preciso, e a anamnese tem um papel importante para a elaboração da
hipótese diagnóstica mais assertiva. Além disso, vimos que é fundamental que o psicólogo
perceba o ser humano em suas diversas relações, para além de sinais e sintomas
psicopatológicos.

Por fim, vimos o quanto é importante manter uma postura ética na Psicologia, livre de
julgamentos morais, fazendo jus ao disposto no código de conduta da profissão na qual o
psicólogo atuará para garantir a diversidade e os direitos humanos.

 PODCAST
Agora, a especialista Luciana de Medeiros Lacorte Soares encerra o tema falando sobre a
importância e as particularidades do diagnóstico diferencial na psicopatologia, destacando o
papel do psicólogo e as diretrizes recomendadas.
AVALIAÇÃO DO TEMA:

REFERÊNCIAS
ALVES, H. et al. Comorbidade: uso de álcool e outros transtornos psiquiátricos. Bras.
Psiquiatria, v. 26, supl. I, p. 51-53, 2004.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. APA. Manual diagnóstico e estatístico de


transtornos mentais DSM-5V. 5. ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 2014.

CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. 7. ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária,


2011.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. CFP. Código de Ética Profissional dos Psicólogos.


Resolução nº 010/05, de 21 de julho de 2005. Consultado na internet em: 30 nov. 2021.

DALGALARONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3. ed. Porto


Alegre, RS: Artmed, 2019.

DEL-BEN, C. M. et al. Diagnóstico diferencial de primeiro episódio psicótico: importância


da abordagem otimizada nas emergências psiquiátricas. Rev. Bras. Psiquiatria, v. 32, supl. II, p.
78-86, 2010.

FINELLI, L. A. C; MENDONÇA, A. S. M. Diagnóstico diferencial x diagnóstico em


psicanálise: a importância da escuta na construção do diagnóstico diferencial. Revista
Bionorte, v. 4, n. 1, 2015.

FIRST, M. B. Manual de diagnóstico diferencial do DSM-5. Porto Alegre, RS: Artmed, 2014.

LOPES, C. S. Como está a saúde mental dos brasileiros? A importância das coortes de
nascimento para melhor compreensão do problema. Cad. Saúde Pública, v. 36, n. 2, p. 1-4,
2020.

MARTINHAGO, F.; CAPONI, S. Breve história das classificações em psiquiatria. Rev. Inter.
Interdisc., v. 16, n. 1, p. 74-91, 2019.

MELO, GIANE ALVES DE; CUNHA, ASSIS. O diagnóstico diferencial e o processo de


desmedicalização: práticas de acolhimento psicológico a pacientes psicóticos em tratamento.
Publicado em: 2009. Consultado na internet em: 30 nov. 2021.

ZORZANELI, R.T. et al. Um panorama sobre as variações em torno do conceito de


medicalização entre 1950-2010. Ciênc. Saúde Coletiva, v. 19, n. 6, 2014.

EXPLORE+
Para saber mais sobre os assuntos tratados neste conteúdo, assista ao:

Filme Uma mente brilhante (2001), direção de Ron Howard e roteiro de Akira Goldsman,
baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar.
Você poderá refletir sobre a vida de um esquizofrênico e as dificuldades que ele e sua
mulher vivenciam por conta dos sintomas e problemas relacionados com a sua condição
mental. Disponível no site Vimeo.

Documentário Take your pills (2018), dirigido por Alison Klayman. Como sugestão para
pensar o tema da medicalização da vida, este filme traz entrevistas com pessoas que
tomam psicoestimulantes. Disponível na Netflix.

CONTEUDISTA
Luciana de Medeiros Lacorte Soares

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