Decisão

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 8

PETIÇÃO 10.

368 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. DIAS TOFFOLI


REQTE.(S) : J.M.B.
ADV.(A/S) : EDUARDO REIS MAGALHAES
REQDO.(A/S) : A.M.
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

DECISÃO:

Trata-se de “notícia-crime” ajuizada por Jair Messias Bolsonaro contra


Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, relator do
INQ 4.781/DF.
Em síntese, o requerente alega que supostamente teriam sido
praticados os crimes descritos nos arts. 27, 29, 31, 32 e 33, da Lei n°
13.869/19 durante a condução do referido inquérito, descrevendo, para
tanto, quatro fatos ocorridos no decorrer das referidas investigações.
Inicialmente, ressalta que

“O primeiro tipo penal atribuível ao ora Noticiado


decorre do fato de que o Inquérito n° 4.781 (fake news) foi
instaurado há mais de três anos e, mesmo assim, até o
momento não fora apresentado sequer um relatório parcial
de investigações por parte da Autoridade Policial.
Considerando que, de acordo com o próprio Exmo. Min.
Alexandre de Moraes, todo o material relacionado aos
investigados estaria contemplado no Apenso nº 70, de duas
hipóteses, ao menos uma. Ou o Inquérito nº 4.781 (fake
news) está, injustificadamente, sendo estendido em
prejuízo dos investigados, uma vez que após mais de trinta
e seis meses não há nem mesmo um relatório parcial das
investigações. Ou, então, há relatórios parciais e
justificativas para prosseguimento do Inquérito que estão
sendo ocultados das defesas. Na primeira hipótese, restará
configurado o delito objeto deste tópico, previsto no art. 31
da Lei n° 13.869/19. Na segunda hipótese, restará evidente
a prática da conduta penalmente tipificada no art. 32 da Lei
n° 13.689/19.”
PET 10368 / DF

Aduz, ainda, que

“O segundo delito de abuso de autoridade


possivelmente praticado pelo ora Noticiado decorre das
trinta e seis decisões que ele proferiu, ao longo dos últimos
três anos no bojo do Inquérito n° 4.781 (fake news), através
das quais ele negou o acesso das defesas a diversos
documentos já colacionados aos autos e utilizados em
desfavor dos investigados na decisão de deflagração de
operação proferida em 26.05.20. Ademais, é de se ponderar
que, até onde se tem conhecimento, a última diligência
investigativa foi realizada nos autos em setembro de 2.021,
sendo que – até a presente data, maio de 2.022 – nenhuma
defesa teve acesso integral aos autos de Inquérito nº 4.781
(fake news).”

Na sequência, alega o seguinte:

“O terceiro possível delito de abuso de autoridade que


poderia ser atribuído ao Exmo. Min. Alexandre de Moraes
restou consubstanciado na prestação de informação que ele
realizou acerca do Inquérito n° 4.781 (fake news) quando do
julgamento, perante o plenário do Supremo Tribunal
Federal, da ADPF n° 572, ocorrido em 18.06.20. Tal fato
poderia ser qualificado no que dispõe o art. 29 da Lei nº
13.689/19, segundo o qual é crime a conduta de ‘prestar
informação falsa sobre o procedimento judicial, policial (...)
com o fim de prejudicar interesse de investigado.’”

Finalmente, assevera que

“O quarto fato imputável ao ora Noticiado advém


da decretação, por parte do próprio Exmo. Min.
Alexandre de Moraes, do bloqueio das redes sociais de
dezesseis investigados no Inquérito n° 4.781 (fake

2
PET 10368 / DF

news). A decretação de tal medida cautelar, além de não


estar prevista no art. 319 do Código de Processo Penal,
contraria o que dispõe o art. 19, §1º, da Lei nº 12.965/14,
uma vez que o bloqueio nas redes sociais dos
investigados ocorreu de modo integral, não se
restringido apenas às postagens tida como ilícitas. Por
tal razão, cogita-se que tal ato processual, realizado pelo
ora Noticiado, poderia configurar a hipótese típica do
art. 33 da Lei nº 13.869/19, segundo a qual é delitivo o
ato de se exigir o ‘cumprimento de obrigação, inclusive
o dever de fazer ou de não fazer, sem amparo legal.’”

Ao final, requer

“A. Com fundamento no que prevê o art. 5º, inciso II,


do Código de Processo Penal, o recebimento e acolhimento
da presente Notícia-Crime, bem como a instauração de
investigação em face do Exmo. Min. Alexandre de Moraes,
Ministro do Supremo Tribunal Federal, para apurar os cinco
fatos acima descritos e o possível cometimento dos delitos
dispostos nos arts. 27, 29, 31, 32 e 33, da Lei n° 13.869/19, por
parte do ora Noticiado;
B. A formação dos autos de Inquérito, com a juntada
em tais autos desta petição, assim como dos documentos
que a instruem;
C. Que seja oficiado ao Exmo. Min. Alexandre de
Moraes, a fim de se requerer o envio de cópia integral,
volumes principais e apensos, dos autos de Inquérito nº
4.781 (fake news), dos autos de Inquérito nº 4.828 (atos
antidemocráticos), dos autos de Inquérito nº 4.874 (milícias
digitais) e dos autos de Petição nº 9.005.”.

É o relatório. Decido.
Constate-se, de plano, a atipicidade das condutas imputadas ao
Ministro Alexandre de Moraes, tendo em vista ser pressuposto dos crimes

3
PET 10368 / DF

em questão a descrição da finalidade específica de prejudicar outrem ou


beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, a indicação de mero capricho
ou satisfação pessoal, consoante o disposto no art. 1º, § 1º da Lei nº
13.869/2019.
Com efeito, não constam da “notícia-crime” nenhum destes
elementos, razão pela qual o simples fato de o referido Ministro ser o
relator do INQ 4.781/DF não é motivo para se concluir que teria algum
interesse específico, tratando-se de regular exercício da jurisdição.
Note-se, a propósito, que as objeções ofertadas nestes autos, em tese,
sequer poderiam constituir matéria relacionada à suspeição do relator,
inclusive tendo em vista a advertência a que alude o art. 256 do Código de
Processo Penal, no sentido de que “a suspeição não poderá ser declarada
nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo
para criá-la.”
Ademais, cumpre salientar que a maior parte das alegações do
requerente dizem respeito à matéria de defesa, que deve ser apresentada
nos referidos procedimentos investigatórios, não se mostrando viável que
sejam analisadas fora do contexto daqueles autos, ainda mais por outro
Ministro que não seja o próprio relator.
Nesse mesmo sentido, deve-se ressaltar que os recursos contra atos
praticados por Ministros da Suprema Corte nos inquéritos ou nas ações
penais são apreciados pelo Colegiado, que, inclusive, já teve a
oportunidade de se debruçar sobre algumas das questões aqui ventiladas,
não se podendo admitir que a “notícia-crime” seja utilizada como
sucedâneo de recurso ou como maneira de se ressuscitar questões já
apreciadas e sedimentadas por esta Suprema Corte.
À guisa de exemplo, transcrevo a ementa do acórdão da ADPF 572:

“EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE


PRECEITO FUNDAMENTAL. ADPF. PORTARIA GP Nº 69 DE
2019. PRELIMINARES SUPERADAS. JULGAMENTO DE
MEDIDA CAUTELAR CONVERTIDO NO MÉRITO.
PROCESSO SUFICIENTEMENTE INSTRUÍDO.
INCITAMENTO AO FECHAMENTO DO STF. AMEAÇA DE

4
PET 10368 / DF

MORTE E PRISÃO DE SEUS MEMBROS. DESOBEDIÊNCIA.


PEDIDO IMPROCEDENTE NAS ESPECÍFICAS E PRÓPRIAS
CIRCUNSTÂNCIAS DE FATO EXCLUSIVAMENTE
ENVOLVIDAS COM A PORTARIA IMPUGNADA. LIMITES.
PEÇA INFORMATIVA. ACOMPANHAMENTO PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO. SÚMULA VINCULANTE Nº 14.
OBJETO LIMITADO A MANIFESTAÇÕES QUE DENOTEM
RISCO EFETIVO À INDEPENDÊNCIA DO PODER
JUDICIÁRIO. PROTEÇÃO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E
DE IMPRENSA.

1. Preliminarmente, trata-se de partido político com


representação no Congresso Nacional e, portanto, legitimado
universal apto à jurisdição do controle abstrato de
constitucionalidade, e a procuração atende à “descrição mínima
do objeto digno de hostilização”. A alegação de descabimento
pela ofensa reflexa é questão que se confunde com o mérito, uma
vez que o autor sustenta que o ato impugnado ofendeu
diretamente à Constituição. E, na esteira da jurisprudência desta
Corte, compete ao Supremo Tribunal Federal o juízo acerca do
que se há de compreender, no sistema constitucional brasileiro,
como preceito fundamental e, diante da vocação da Constituição
de 1988 de reinstaurar o Estado Democrático de Direito, fundado
na “dignidade da pessoa humana” (CR, art. 1º, III), a liberdade
pessoal e a garantia do devido processo legal, e seus corolários,
assim como o princípio do juiz natural, são preceitos
fundamentais. Por fim, a subsidiariedade exigida para o
cabimento da ADPF resigna-se com a ineficácia de outro meio e,
aqui, nenhum outro parece, de fato, solver todas as alegadas
violações decorrentes da instauração e das decisões
subsequentes.

2. Nos limites desse processo, diante de incitamento ao


fechamento do STF, de ameaça de morte ou de prisão de seus
membros, de apregoada desobediência a decisões judiciais,
arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada
5
PET 10368 / DF

totalmente improcedente, nos termos expressos em que foi


formulado o pedido ao final da petição inicial, para declarar a
constitucionalidade da Portaria GP n.º 69/2019 enquanto
constitucional o artigo 43 do RISTF, nas específicas e próprias
circunstâncias de fato com esse ato exclusivamente envolvidas.

3. Resta assentado o sentido adequado do referido ato a fim


de que o procedimento, no limite de uma peça informativa: (a)
seja acompanhado pelo Ministério Público; (b) seja integralmente
observada a Súmula Vinculante nº14; (c) limite o objeto do
inquérito a manifestações que, denotando risco efetivo à
independência do Poder Judiciário (CRFB, art. 2º), pela via da
ameaça aos membros do Supremo Tribunal Federal e a seus
familiares, atentam contra os Poderes instituídos, contra o
Estado de Direito e contra a Democracia; e (d) observe a proteção
da liberdade de expressão e de imprensa nos termos da
Constituição, excluindo do escopo do inquérito matérias
jornalísticas e postagens, compartilhamentos ou outras
manifestações (inclusive pessoais) na internet, feitas
anonimamente ou não, desde que não integrem esquemas de
financiamento e divulgação em massa nas redes sociais.”

Cumpre salientar que o art. 1º, § 2º da Lei 13.869/2019 afasta a


possibilidade do chamado crime de hermenêutica, garantindo a
independência e o livre convencimento dos magistrados, ao estabelecer
que “a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas
não configura abuso de autoridade”.
De fato, o Estado Democrático de Direito impõe a todos deveres e
obrigações, não se mostrando consentâneo com o referido enunciado a
tentativa de inversão de papéis, transformando-se o juiz em réu pelo
simples fato de ser juiz.
Nesse sentido, vide o seguinte precedente de relatoria do Ministro
Roberto Barroso:

6
PET 10368 / DF

“EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL.


NOTÍCIA-CRIME. ABUSO DE AUTORIDADE.
AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E ATIPICIDADE DAS
CONDUTAS NARRADAS. ARQUIVAMENTO.

1. A atipicidade da conduta, a extinção da


punibilidade ou a evidente ausência de justa
causa autorizam o arquivamento de notícia-crime
pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes.

2. Se a negativa de acesso a autos de


procedimento investigatório se basear na
existência de diligências em curso ou futuras, cujo
sigilo seja imprescindível, não se cogita de prática
criminosa.

3. Não há crime de abuso de autoridade se o


agente público não atua com a finalidade
específica (i) de prejudicar outrem ou (ii) de
beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, (iii)
por mero capricho ou satisfação pessoal.

4. Petição arquivada.” (PET 9.052/DF)

Diante desse cenário, os fatos descritos na “notícia-crime” não trazem


indícios, ainda que mínimos, de materialidade delitiva, não havendo
nenhuma possibilidade de enquadrar as condutas imputadas em qualquer
das figuras típicas apontadas.
Ante o exposto, considerando-se que os fatos narrados na inicial
evidentemente não constituem crime e que não há justa causa para o
prosseguimento do feito, nego seguimento à inicial, nos termos do art. 21,
§ 1º, do RISTF, rejeitando, desde logo, o mérito da petição.

Constato, por derradeiro, que, diante da ampla divulgação, pela


imprensa, de considerável parte daquilo que foi encartado no presente
feito, não mais se justifica a manutenção do sigilo.
7
PET 10368 / DF

À Secretaria Judiciária para as providências cabíveis.


Publique-se.
Brasília, 18 de maio de 2022.

Ministro DIAS TOFFOLI


Relator
Documento assinado digitalmente

Você também pode gostar