Modelo - Petição Inicial - Negativa de Entrega de Bem em Consórcio - Exigência de Garantia Excessiva

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 13

AO JUÍZO DA ___ VARA CÍVEL DA COMARCA DE XXXXXX - XX

XXXXXXX, nacionalidade, estado civil, profissão, portador da


inscrito(a) no RG sob o nº XXXXX e no CPF sob o nº XXX.XXX.XXX-XX,
residente e domiciliado(a) na XXXX, nº XX, bairro XXXX, CEP: XX.XXX-XXX,
por seu/sua advogado(a) signatário(a), e-mail: XXXX, vem, com respeito e
acatamento, ante a presença deste Juízo, propor

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE ENTREGAR COISA CERTA C/C


REPARAÇÃO POR DANO MORAL

contra XXXXXX, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº


XX.XXX.XXX/XXXX-XX, estabelecida na Rua XXXXXX, nº XX, bairro XXXX,
CEP: XX.XXX-XXX, onde deverá receber citação e intimações e de XXXXXX,
pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº
XX.XXX.XXX/XXXX-XX, estabelecida na Rua XXXXXX, nº XX, bairro XXXX,
CEP: XX.XXX-XXX onde deverá receber citação e intimações, pelos seguintes
fundamentos de fato e de direito:

1. Das publicações
Inicialmente, requer-se que todas as publicações relacionadas ao
presente processo sejam efetivadas em nome do advogado(a) XXXXXX,
inscrito(a) na OAB/XX sob o nº XXXX, com escritório profissional, na XXXXX,
nº XX, bairro XXXXX, CEP: XX.XXX-XXX, sob pena de nulidade.

2. Da gratuidade de justiça
O autor requer as benesses da Justiça Gratuita, uma vez que é
aposentado por invalidez desde o ano de 1995, percebendo mensalmente
apenas 1 (um) salário mínimo do INSS a título de benefício por sua condição, o
que é comprovado pelos documentos anexos (informe de rendimentos da
Receita Federal e do INSS), frisando-se, ainda, que não recebe qualquer tipo de
recurso de outras fontes, eis que não tem condições de trabalhar.
Portanto, o autor não reúne condições de arcar com as despesas
inerentes ao processo, sem prejuízo do seu sustento e de sua família,
necessitando, portanto, da Gratuidade da Justiça, nos termos do art. 98 e
seguintes do CPC. Bem assim, requer que o benefício abranja a todos os atos do
processo.

3. Dos fatos
No dia 21/07/2016, o autor formalizou junto à primeira
demandada um contrato de adesão a consórcio para a aquisição de uma
motocicleta marca Honda, modelo CG 160 START, cujo plano preveu o
pagamento de 72 parcelas iguais e sucessivas, sendo a inicial no valor de
R$149,29.
No mês de abril/2018, após sorteio realizado durante a realização
da assembleia nº 22, o autor foi informado que havia sido contemplado.
Entretanto, quando se dirigiu até ao estabelecimento da primeira
demandada para retirar a motocicleta, foi informado (somente neste momento)
de que seria necessário apresentar um fiador para retirar o bem, o que lhe
surpreendeu, pois em momento algum a necessidade de uma garantia
complementar lhe fora informada, seja pela primeira demandada, seja pela
administradora do consórcio, ora segunda demandada.
Um fato de extrema gravidade merece ser destacado desde já:
nenhuma das demandadas disponibilizou ao autor uma cópia do contrato de
consórcio no momento em que o negócio foi celebrado, o que impediu o
requerente de tomar pleno conhecimento do respectivo conteúdo obrigacional,
em clara violação ao direito básico à informação (art. 6º, III, do CDC). Em
termos de documentação, somente lhe entregaram um Termo de Adesão, no
qual inexiste qualquer cláusula contratual e, o que é pior, no referido
documento consta uma assinatura totalmente diversa da que é firmada pelo
demandante, havendo claro indício de fraude. Basta que este Juízo compare a
assinatura constante no Termo de Adesão com as demais que constam em todos
os documentos do autor.
Prosseguindo, diante de tal situação, o autor formulou reclamação
junto ao Procon municipal, oportunidade em que foi designada audiência para
a tentativa de composição entre as partes, o que, contudo, não foi possível, até
mesmo em razão da absoluta desídia da segunda ré, que sequer se dignou a
comparecer ao órgão de defesa do consumidor, tampouco apresentou resposta
escrita à autoridade administrativa.
Por fim, assevera-se que o autor está tentando resolver a situação
desde o mês de abril/2018, sendo que, inclusive, com a notícia de que tinha sido
contemplado, acabou vendendo sua motocicleta antiga, mas, em razão da
negativa de entrega do bem, está desde essa época sendo forçado a utilizar
transporte público ou se deslocar à pé pela cidade.

4. Da tutela de urgência
Esclareça-se desde já que o autor não pretende antecipar a solução
da lide para que seja satisfeito prematuramente o direito material subjetivo em
discussão, mas tão somente garantir, fundamentalmente, que o reconhecimento
deste direito, ao final do desenvolvimento do processo, não perca a função
precípua de realizar efetivamente a pretensão ora deduzida.

O art. 300 do CPC alberga o preceito de que a concessão da tutela


de urgência depende da demonstração da probabilidade do direito, do perigo
de dano e do resultado útil do processo. Veja-se o seu teor:

Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver


elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo
de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Entre os autores clássicos, Humberto Therodoro Júnior tem a


seguinte lição a respeito da tutela de urgência no NCPC:

“As tutelas provisórias têm em comum a meta de combater os


riscos de injustiça ou de dano, derivados da espera, sempre
longa, pelo desate final do conflito submetido à solução judicial.
Representam provimentos imediatos que, de alguma forma,
possam obviar ou minimizar os inconvenientes suportados pela
parte que se acha numa situação de vantagem aparentemente
tutelada pela ordem jurídica material (fumus boni iuris). Sem
embargo de dispor de meios de convencimento para evidenciar,
de plano, a superioridade de seu posicionamento em torno do
objeto litigioso, o demandante, segundo o procedimento comum,
teria que se privar de sua usufruição, ou teria de correr o risco
de vê-lo perecer, durante o aguardo da finalização do curso
normal do processo (periculum in mora)”. (THEODORO
JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: volume
I, 57ª ed. São Paulo: Gen/Forense, 2016, p. 610-611).

Já entre os autores mais modernos, Daniel Amorim Assumpção


Neves assim se posiciona:

“Segundo o art. 300, caput, do Novo CPC, tanto para a tutela


cautelar quanto para a tutela antecipada exige-se o
convencimento do juiz da existência de elementos que
evidenciem a probabilidade do direito. A norma encerra
qualquer dúvida a respeito do tema, sendo a mesma
probabilidade de o direito existir suficiente para a concessão de
tutela cautelar e tutela antecipada. O legislador não especificou
que elementos são esses capazes de convencer o juiz, ainda que
mediante uma cognição sumária, a conceder a tutela de urgência
pretendida. É natural que o convencimento do juiz para a
concessão da tutela de urgência passa pela parte fática da
demanda, já que o juiz só aplicará o direito ao caso concreto em
favor da parte se estiver convencido, ainda que em um juízo de
probabilidade, da veracidade das alegações de fato da parte”.
(NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito
Processual Civil: volume único. 8ª ed. Salvador: Juspodivn,
2016, p. 430-431)

Superadas as lições acima, prossegue-se.

Analisando-se os documentos que instruem a petição inicial, é


possível verificar, em sede de cognição sumária, que estes já são capazes de
demonstrar que o direito ampara o requerente no presente caso, fazendo com
que esteja presente a probabilidade do direito que afirma possuir
(probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do
processo). No presente caso, tem-se o seguinte:

1. O autor aderiu ao grupo de consorciados para a aquisição do bem


já descrito nesta peça, tendo quitado, a tempo e modo, todas as
prestações até o momento incidentes, demonstrando, assim, que
jamais ficou inadimplente perante a segunda requerida, que é a real
credora da obrigação;

2. As demandadas ocupam a posição de fornecedoras no mercado de


consumo, e por isso a ele são impostos deveres jurídicos, dentre os
quais estão aqueles que determinam que ofereça serviços de
qualidade, adequados e seguros, bem como se comportem na relação
negocial em consonância com o princípio da boa-fé objetiva;

3. A segunda requerida sequer se dignou a oferecer ao autor


qualquer resposta a respeito do litígio entre as partes, em atitude
flagrantemente covarde, desrespeitosa, enfim, totalmente
incompatível com as normas que orientam as garantias e a proteção
jurídica estatuída pela legislação nacional em prol do consumidor;

4. A entrega do bem ao autor não causará, absolutamente, qualquer


prejuízo às rés, já que a motocicleta ficará alienada em favor da
segunda ré até que as prestações estejam totalmente quitadas e o
consórcio finalizado.

Perceba-se que os fatos alegados pelo autor são verdadeiros, pois


estão cabalmente comprovados por documentos, dentre os quais, inclusive, atas
do Procon municipal, que é documento público dotado de presunção relativa
(juris tantum) de legitimidade e veracidade.

Retomando as lições de Humberto Theodoro Júnior, o autor


afirma:

“Os requisitos, portanto, para alcançar-se uma providência de


urgência de natureza cautelar ou satisfativa são, basicamente,
dois:

(a) Um dano potencial, um risco que corre o processo de não ser


útil ao interesse demonstrado pela parte, em razão do periculum
in mora, risco esse que deve ser objetivamente apurável;
(b) A probabilidade do direito substancial invocado por quem
pretenda segurança, ou seja, o fumus boni iuris”. (Op. Cit.,
p.623)

Considerando-se a lição acima, caso o autor permaneça privado


do bem que lhe é devido por direito, continuará suportando, injustamente, a
carga de se locomover sem o conforto que era esperado com a aquisição de uma
nova motocicleta que lhe foi publicamente oferecida pelas rés, que agora se
recusam a cumprir a obrigação que assumiram no negócio, violando, outrossim,
o princípio da vinculação da oferta, implícito no art. 30 do CDC.

Pelo exposto, pede-se seja deferida a tutela de urgência,


determinando-se às rés que entreguem imediatamente ao autor o bem descrito
nesta peça ou, caso ele assim opte, a correspondente carta de crédito, sob pena
de multa diária a ser prudentemente fixada por este Juízo em caso de
descumprimento, até que os pedidos sejam julgados definitivamente.

5. Da violação às normas do CDC pela ausência de entrega do contrato


ao autor

Como dito, ao autor jamais fora informado a respeito da


necessidade de oferta de garantia complementar no momento em que fosse
contemplado no consórcio. Nem mesmo verbalmente essa informação lhe foi
transmitida, o que, mesmo que ocorresse, não dispensaria as rés de lhe entregar
uma cópia do contrato relacionado ao negócio.

A respeito desse aspecto da relação negocial, as seguintes normas


do Código de Defesa do Consumidor devem ser observadas:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e


serviços, com especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade e preço, bem como sobre
os riscos que apresentem;

(…)

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham


sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas
unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem
que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente
seu conteúdo.

(...)

§ 3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos


claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da
fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua
compreensão pelo consumidor.

Considerando-se que eventual cláusula que importe em acréscimo


de obrigações, as quais, ao mesmo tempo, restringem direitos do consumidor, o
§ 4º do art. 54 do CDC impõe que sejam redigidas com destaque, possibilitando
sua imediata compreensão. Veja-se:

§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do


consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua
imediata e fácil compreensão.

No caso, como já dito, sequer houve entrega de cópia do contrato


ao autor, tampouco houve informação meramente verbal. Assim, o consumidor
não teve conhecimento da cláusula restritiva nesse sentido.

Como se vê, o contrato objeto destes autos não atendeu ao


disposto no CDC acerca da informação adequada, pois dificulta a compreensão
e não dá destaque às cláusulas limitadoras de direito.

Logo, como o autor não teve ciência prévia da cláusula referente à


garantia complementar (apresentação de fiador após a contemplação no
consórcio), tal não poderá prevalecer no presente caso, conforme prevê o art. 46
do CDC:
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não
obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade
de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os
respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a
compreensão de seu sentido e alcance.

Grave-se, outrossim, que as omissões das rés atentam diretamente


contra o princípio da boa-fé objetiva, gerando desequilíbrio na relação entre as
partes e evidenciando ainda mais a vulnerabilidade do autor enquanto
consumidor.

6. Da abusividade da cláusula contratual que exige a prestação de


garantia complementar em contratos de consórcio e do consequente dano
moral causado ao consumidor

De todo modo, ainda que tivesse sido informado previamente ao


autor a necessidade de prestação de garantia complementar no presente caso, e
a ele sido entregue uma cópia do contrato, eventual cláusula contratual que
imponha a prestação de garantia complementar fere de morte a boa-fé objetiva,
que é a pedra de toque das relações de consumo. Exigir reforço de garantia em
casos tais, quando em favor do banco já existe a possibilidade de gravar o bem
objeto do consórcio com alienação fiduciária, equivale a presumir, por via
reversa, que o consumidor contemplado em sorteio agirá de má-fé, deixando de
quitar as prestações restantes.

Relembre-se que, na ordem jurídica brasileira, prevalece o


aforismo milenar no sentido de que “a boa-fé se presume; a má-fé se prova”. Sendo
assim, não é admissível que o fornecedor exija do consumidor além do razoável
para se assegurar o direito das partes na relação negocial.

Nesse contexto, a jurisprudência tem considerado abusiva a


cláusula contratual que contenha tal previsão. Bem assim, de qualquer forma o
autor se encontraria desamparado na relação entre as partes.

No repertório de julgados do TJMG, confira-se:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE


INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS -
CONTRATO DE CONSÓRCIO - CONTEMPLAÇÃO DO
CONSORCIADO EM SORTEIO - EXIGÊNCIA DE
GARANTIA COMPLEMENTAR, PARA LIBERAÇÃO DE
CARTA DE CRÉDITO - CONDUTA ABUSIVA - DANO
MORAL - CONFIGURAÇÃO - VALOR DA
INDENIZAÇÃO - FIXAÇÃO - DANO MATERIAL -
CONDENAÇÃO - DESCABIMENTO.
- Em contrato de consórcio, é abusiva a exigência de garantia
complementar para liberação de carta de crédito ao consorciado
contemplado em sorteio.
- A negativa indevida de liberação da carta de crédito ao
consorciado sorteado é capaz de causar dano moral indenizável.
- Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando
o seu patrimônio.
- A indenização pelo dano moral possui caráter punitivo, para
que o causador do dano, diante de sua condenação, se sinta
castigado pela ofensa que praticou; possui também caráter
compensatório, para que a vítima receba valor que lhe
proporcione satisfação como contrapartida do mal sofrido.
- A quantificação da indenização pelo dano moral requer: (1)
capacidade/possibilidade do que indeniza, pois este não pode ser
levado à ruína, e (2) suficiência ao que é indenizado, pela
satisfação diante da compensação obtida, sem que ocorra
enriquecimento ilícito ou exploração do Poder Judiciário como
nascedouro de proventos.
- Dano material é o prejuízo financeiro efetivo sofrido pela
vítima, física ou jurídica, que reduz o seu patrimônio. A
reparação desse tipo de dano depende de comprovação. (TJMG -
Apelação Cível 1.0145.13.055106-5/001, Relator(a): Des.(a)
Ramom Tácio , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em
14/03/2018, publicação da súmula em 23/03/2018)

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - CONSÓRCIO -


EXIGÊNCIA DE GARANTIA ADICIONAL APÓS
CONTEMPLAÇÃO - FIANÇA - ABUSIVIDADE - DANO
MORAL - COMPROVAÇÃO - INDENIZAÇÃO DEVIDA.
- É arbitrária e abusiva a conduta da parte ré que exige do
consorciado contemplado o oferecimento de outras garantias
complementares, além da alienação fiduciária do bem.
- O consorciado sofre dano moral devido à frustração sofrida
pela negativa da parte ré em condicionar a liberação da carta de
crédito para aquisição de um veículo à apresentação de fiador
como garantia adicional ao contrato firmado entre elas. (TJMG
- Apelação Cível 1.0647.15.005638-8/001, Relator(a): Des.(a)
Evandro Lopes da Costa Teixeira , 17ª CÂMARA CÍVEL,
julgamento em 24/08/2017, publicação da súmula em
05/09/2017)
EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS E MATERIAIS - CONSÓRCIO - EXIGÊNCIA DE
GARANTIA COMPLEMENTAR APÓS A
CONTEMPLAÇÃO - POSSIBILIDADE - PRINCÍPIO DA
TRANSPARÊNCIA - INOBSERVÂNCIA - ILÍCITO
CONFIGURADO - DEVER DE INDENIZAR - FIXAÇÃO
DO QUANTUM INDENIZATÓRIO - PRINCÍPIOS DA
RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE -
REDUÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - SENTENÇA
MANTIDA.
Tem obrigação de indenizar pelos danos morais e materiais a
administradora de consórcio que condiciona a liberação da carta
de crédito a contratante, contemplado, à prestação de garantia
em inobservância ao princípio da transparência previsto no
Código Consumerista.
Presentes os requisitos delineados no artigo 186 do Código Civil
surge o dever de indenizar.
A recusa, reconhecida como infundada, em obstar a entrega da
carta de crédito, ao oferecimento de garantia complementar, no
meu entender, configura indubitável frustração à legítima
expectativa, capaz de causar desconforto moral, não se tratando
de mero aborrecimento.
A finalidade da indenização por danos morais é a de compensar
o ofendido pelo constrangimento indevido que lhe foi imposto e,
por outro lado, desestimular o ofensor a, no futuro, praticar atos
eivados de semelhante negligência, devendo sua fixação se
pautar pela aplicação dos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.13.218115-
7/001, Relator(a): Des.(a) Wanderley Paiva , 11ª CÂMARA
CÍVEL, julgamento em 09/10/2014, publicação da súmula em
20/10/2014)

Como visto, é bastante tranquila a jurisprudência a respeito da


matéria, reconhecendo-se a ausência de transparência nesse tipo de conduta por
parte do fornecedor.

Prosseguindo, inegável, ainda, o abalo moral ocasionado à parte


autora em razão da situação acima narrada.

Quem não resulta suficientemente abalado frente à frustração


anormal de, por meses, ter restringida a utilização de um bem pelo qual se
pagou as respectivas prestações rigorosamente em dia (antes mesmo do
vencimento), e é surpreendido pela conduta abusiva do fornecedor no
momento de retirar o bem da concessionária?!
O abalo é induvidoso, pois violou-se a dignidade do autor, que
por meses vem se locomovendo a pé ou utilizando transporte público, sendo
que poderia estar fazendo isso com maior conforto, economia e com a
praticidade proporcionada por uma motocicleta. Sendo assim, é justo que as rés
sejam condenadas a compensá-lo pelo prejuízo experimentado.

Sem embargo, diga-se, por pertinente, que, hodiernamente, o dano


moral não mais é entendido somente em sentido estrito, isto é, como ofensa a
atributos da personalidade (honra, imagem, privacidade, intimidade etc.), mas
em sentido amplo, como violação à dignidade humana em seu aspecto mais
abrangente. Assim, sequer é necessária a identificação de sentimentos humanos
desagradáveis, conforme verbete do enunciado nº 445, aprovado na V Jornada
de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em parceria com o
Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual “o dano moral indenizável não
pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos desagradáveis como dor ou
sofrimento”. (Disponível em:
http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/366. Acesso em 22/08/2018).

Observe-se que, em casos semelhantes, o tribunal mineiro tem


mantido ou fixado o quantum compensatório por dano moral em R$15.000,00
(quinze mil reais), atendendo-se à dupla função dessa espécie de reparação civil
(compensatória e punitiva).
Prosseguindo – e já se adiantando que, provavelmente, as
requeridas argumentarão em suas respectivas defesas que o caso dos autos não
passa de mero aborrecimento cotidiano -, ao contrário do que vem sendo
assentado na jurisprudência, registre-se que aborrecimento há quando, por
exemplo, a expectativa de alguém é frustrada por acontecimentos imprevisíveis
ou inevitáveis ou porque, afinal, a vontade dos envolvidos em um negócio não
convergiu, quando a ida a uma festa é impedida porque está chovendo forte,
quando não é conveniente frequentar determinados ambientes porque há
alguma epidemia na cidade, quando o pneu do carro fura a caminho do
trabalho; quando ficamos doentes; quando uma torneira velha pinga
insistentemente... Enfim, somente se pode falar em aborrecimento quando sua
causa é atribuída a um fortuito ou decorre das próprias ações ou omissões da
vítima.

No âmbito das relações de consumo, que são essencialmente


contratuais e travadas, em regra, para suprir necessidades existenciais, não se
deve banalizar o argumento do mero aborrecimento, principalmente se for
considerado que o fornecimento de produtos e serviços no mercado de
consumo é realizado por fornecedores que exploram sua atividade na forma de
empresa, articulando os chamados fatores de produção – capital, mão-de-obra,
insumo e tecnologia. Empresários são, portanto, sujeitos que, por definição legal
etiquetada no art. 966 do Código Civil, atuam de forma profissional e
organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Contudo, o
que se percebe no presente caso é que o requerido laborou de forma
absolutamente canhestra e desorganizada.

Com efeito, a ordem jurídica impõe ao fornecedor deveres


jurídicos, isto é, decorrentes de normas imperativas. O aplicador do direito deve
sempre se lembrar de que o fornecedor desenvolve sua atividade no mercado
de forma livre, profissional, visando o lucro e assumindo os respectivos riscos.
Quanto a esse último aspecto – do risco – significa que o fornecedor está, ao
mesmo tempo, sujeito ao sucesso e ao fracasso, e por isso há uma presunção
relativa (juris tantum) de que está devidamente aparelhado para suportar
eventuais prejuízos decorrentes de sua atividade, dentre os quais, logicamente,
está compreendido o de ser eventualmente condenado a reparar os danos
causados ao consumidor.

Bruno Miragem pondera que “o Direito do Consumidor compreende,


em si, também uma projeção da proteção da pessoa humana. Consumir é uma
necessidade existencial, ninguém vive sem consumir. Logo, resguardar a integridade de
cada pessoa é fazê-lo também na sua tutela como consumidora”. (Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2018-fev-28/garantias-consumo-direito-
consumidor-ajudou-aperfeicoar-mercado. Acesso em 17/09/2018).
A reforçar esse argumento, Adalberto Pasqualotto chama a
atenção para o fato de que o consumidor não pode ser considerado apenas sob
o aspecto econômico (homo oeconomicus), pois, seguindo a célebre constatação de
Kant, as coisas têm valor; as pessoas têm dignidade, jamais devendo ser
confundido com o objeto das relações de consumo. Numa análise crítica do
cenário das relações de consumo na atualidade, o mesmo autor conclui que “o
consumidor, em geral, sofre três vezes: a) com a má prestação do fornecedor, no plano do
negócio realizado; b) com a falta de consideração, quando procura o fornecedor pra
reclamar; c) com a deficiência dos serviços institucionais quando procura o auxílio do
Estado”. (PASQUALOTTO, Adalberto. Dignidade do consumidor e dano moral.
Revista de Direito do Consumidor. Vol. 110. ano 26. São Paulo: RT, mar.-abr.
2017)

Numa palavra final, saliente-se que o consumidor é o sujeito


vulnerável na relação de consumo e não o fornecedor. Como dito por Miragem,
citado acima, ninguém vive sem consumir. Por outro lado, lançar-se na
atividade empresarial é uma opção de quem deseja empreender; decorre da
livre iniciativa, que, segundo Pasqualotto (op. cit.), exercida em obediência à lei
e à dignidade alheia, cumpre sua função social. Porém, havendo ofensa à
dignidade do consumidor, o reequilíbrio se restabelece com a reparação
pecuniária pelo juiz.

7. Dos requerimentos e pedidos


Ante o exposto, o autor pede e requer:

1. A citação das requeridas, via postal, com aviso de recebimento


(A.R.), nos respectivos endereços fornecidos no preâmbulo desta peça,
para, querendo, oferecerem contestação no prazo legal, sob pena de
revelia e confissão quanto à matéria de fato;

2. A inversão do ônus da prova, com base no art. 6º, VIII, do CDC,


determinando-se às requeridas que tragam aos autos o contrato de
consórcio devidamente assinado pelo autor, comprovando-se, assim, que
ao revés, ele teve ciência de todos os termos do negócio;

3. A concessão da tutela de urgência ora requerida no tópico nº 4,


determinando-se às demandadas que entreguem, imediatamente, ao
autor a motocicleta objeto do contrato, dispensando-o da prestação de
garantia complementar, sob pena de multa diária a ser prudentemente
fixada por este douto Juízo;

4. Com respaldo no princípio da reparação integral, considerando-se a


capacidade econômica das partes e a dupla função da compensação por
dano moral (compensatória e punitiva), sejam as requeridas condenadas,
de forma solidária, a compensar, in re ipsa, o dano moral experimentado
pelo autor, indicando-se como valor pretendido, em observância ao art.
292, V, do CPC, o montante de R$15.000,00 (quinze mil reais), atualizado
até a data do efetivo pagamento;

5. Por fim, requer o autor os benefícios da assistência judiciária


gratuita, e sejam as rés condenadas em custas e honorários advocatícios,
esses arbitrados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação
(CPC, art. 82, § 2º, art. 85 c/c art. 322, § 1º), além de outras eventuais
despesas no processo (CPC, art. 84), em caso de recurso;

6. A produção de todos os meios de prova admitidos pelo direito;

Dá-se à causa o valor de R$15.000,00 (quinze mil reais).


Termos em que, respeitosamente, pede-se e aguarda-se
deferimento.

XXXXX, XX de XXXX de 2021.

Advogado(a)
OAB/XX nº XXX.XXX

Você também pode gostar