Dissertação - Alice (Processual)

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4.

Chamamento ao processo

O chamamento ao processo, definido por Moacyr Amaral Santos (xxxx, p. 36) como:
“o ato pelo qual o réu, citado como devedor, chama ao processo o devedor principal, ou os
corresponsáveis ou os coobrigados solidários para virem responder pelas suas respectivas
obrigações”, é disciplinado pelo Código de Processo Civil de 2015 nos artigos 130 a 132
como uma das formas de intervenção de terceiros ao processo. Apesar de, por vezes, se
aproximar da denunciação da lide, é vantajoso - para a maior compreensão da matéria -
mencionar três diferenças principais existentes entre as modalidades, sendo elas: 1. o
chamamento ao processo é feito a partir da inserção, na ação existente, dos réus em
conformidade com as hipóteses legais, enquanto na denunciação uma outra ação é realizada;
2. logo, a primeira modalidade conta com apenas uma relação jurídica processual, na medida
em que a segunda conta com duas relações jurídicas; 3. por fim, o chamamento ao processo só
pode ser realizado pela parte passiva do processo, diferentemente da denunciação à lide que
pode ser feita por ambas as partes.

Nesse sentido, diferencia-se do instituto da denunciação da lide, na medida em que


aquele que for chamado ao processo tem relação jurídica tanto com o autor da ação,
quanto com o réu originariamente demandado, enquanto na denunciação da lide a
relação existe apenas entre o denunciante e o denunciado, mas não deste com o autor
da demanda. Nota-se, todavia, que o art. 128, parágrafo único, do Código admite que
o denunciado também poderá ser cobrado diretamente, em sede de cumprimento de
sentença. (ALVIM; GRANADO; FERREIRA, 2019, p. 457)

Logo, com a finalidade de “favorecer o devedor que está sendo acionado, porque
amplia a demanda, para permitir a condenação também dos demais devedores, além de lhe
fornecer, no mesmo processo, título executivo para cobrar deles aquilo que pagar” (BARBI,
1999, p. 359), bem como assegurar a economia processual, haja vista a existência de uma
única ação, e a não ocorrência de decisões contraditórias, o chamamento ao processo cria uma
relação litisconsorcial passiva entre os réus, recaindo sobre estes todos os pressupostos do
litisconsórcio como o efeito da coisa julgada material.

Em conformidade com o disposto acima, é importante ressaltar a natureza do


litisconsórcio formado. Assim, o chamamento ao processo sempre será um instrumento
utilizado pela parte passiva da ação e à escolha dela, logo, o litisconsórcio é passivo e
facultativo. Ademais, como será enfatizado com maior detalhamento outrora, trata-se de
modalidade ulterior, pois a pluralidade de réus não se dá no momento da propositura da ação,
mas sim na contestação, como destacado no artigo 131, caput, do CPC/2015 (grifos nossos):
“A citação daqueles que devam figurar em litisconsórcio passivo será requerida pelo réu na
contestação e deve ser promovida no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de ficar sem efeito o
chamamento”. Quanto à sentença, tendo em mente que a mera possibilidade de distintas
decisões configuram o litisconsórcio como simples, garante que o instrumento não seja tido
como unitário, haja vista as diversas circunstâncias envolvendo a relação autor versus réu
(chamante, bem como chamado). Dessa forma, em resumo, o chamamento de processo forma
litisconsórcio passivo, facultativo, ulterior e simples.

Outrossim, segundo Athos Gusmão Carneiro (2006), para o exercício do instituto


legal destacado neste tópico, é preciso que dois pressupostos sejam cumpridos:

(...) em primeiro lugar, a relação de direito ‘material’ deve pôr o chamado também
como devedor (em caráter principal, ou em caráter subsidiário) ao mesmo credor, o
qual na demanda figura como autor. Em segundo lugar, é necessário que, em face da
relação de direito ‘material, deduzida em juízo, o pagamento da dívida pelo
'chamante' ao autor, em cumprimento da sentença condenatória, confira ao chamante
o direito de, no mesmo processo, exigir o seu reembolso (total ou parcial) pelo
chamado. (CARNEIRO, 2006, p. 161)

Apesar das mais diversos benefícios previamente apresentados, dois pontos


contraditórios do chamamento ao processo merecem uma atenção especial no presente
trabalho: 1. a possibilidade de um devedor chamar a outro (ou outros) em uma dívida solidária
a qual ele é acionado, haja vista a expressa característica da solidariedade na qual um só
indivíduo pode ser responsabilizado por toda a dívida; e 2. o modo como o réu pode decidir,
até mesmo contra a vontade do autor, de chamar os demais réus, em contrariedade com o
princípio o qual determina a impossibilidade de forçar o polo ativo a litigar contra quem não
deseja. (JORGE, 1997)

4.1. Hipóteses de admissibilidade do chamamento

Art. 130. É admissível o chamamento ao processo, requerido pelo réu:


I - do afiançado, na ação em que o fiador for réu;
II - dos demais fiadores, na ação proposta contra um ou alguns deles;
III - dos demais devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns o
pagamento da dívida comum.

O Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 130 (correspondente ao art. 77 do


CPC/1973), traz as três hipóteses em que é possível chamar ao processo outros indivíduos,
além do citado previamente pelo polo ativo, como disposto no excerto acima.

Inicialmente, é importante ressaltar que as duas primeiras hipóteses da legislação


dizem respeito, diretamente, ao contrato de fiança, definido como o contrato em que “uma
pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a
cumpra” (art. 818 do CC/2002). Assim, a legitimação das hipóteses de uso do mecanismo do
chamamento se dá, principalmente, pelo benefício de ordem - garantido aos fiadores por meio
do artigo 827 do CC/2002, o qual assegura que - em caso de cobrança - os bens do devedor
sejam executados primeiramente (cabe ressaltar que, por vezes, o benefício da ordem pode ser
renunciado, bem como outros fatores podem incidir no processo, relativizando-o, por
exemplo: a ausência de bens do devedor ou aceitação do fiador de integrar a posição de
principal pagador ou devedor solidário).

Logo, feitas as devidas considerações, o inciso I do artigo 130 garante que o


afiançado possa ser chamado ao processo no caso de citação do fiador, bem como que este se
utilize do benefício descrito outrora, nomeando à penhora os bens do devedor. Cabe, no
entanto, ressaltar que, em caso de insuficiência dos bens do afiançado, o fiador deverá
participar com patrimônio próprio no devido cumprimento da sentença. Ademais, como
reforça Flávio Cheim Jorge (1999), tal hipótese diz respeito aos casos em que o fiador não
assume posição principal na obrigação, nem integra como solidário - entretanto, a citação
errônea do inciso não leva, necessariamente, ao indeferimento da ação:

(...) cumpre lembrar que, caso o chamante indique o inciso errado, não será
necessariamente caso de indeferimento do chamamento ao processo. Isto em razão
dos princípios iura novit curia e, também, da mihi factum, dabo tibi ius, que não
obstam que o juiz defira o pedido, fundamentando sua decisão no inciso correto.
(JORGE, 1999, p. 80)

A hipótese trazida no inciso II diz respeito à possibilidade de se chamar ao processo


os demais fiadores em ação proposta contra um deles. Inicialmente, para maior compreensão
do instituto, cabe enfatizar que a solidariedade, via de regra, não é presumida, parte da
vontade dos indivíduos da relação, salvo em virtude de lei. Logo, como garante o art. 829 do
CC/2002: “A fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma pessoa importa o
compromisso de solidariedade entre elas, se declaradamente não se reservarem o benefício de
divisão.”. Assim, pode o citado inicialmente chamar a todos os demais devedores solidários,
ou não - havendo aos chamados posteriormente a possibilidade de se valerem do mecanismo
para demandarem os demais fiadores (chamamento sucessivo, determinado no inciso III do
mesmo artigo). A exemplo do exposto, se X, Y e Z são fiadores, logo, devedores solidários,
tendo sido X o primeiro réu incluído na ação e chamado Y (a partir do instrumento legal
descrito no tópico), pode Y chamar ao processo Z.

Por fim, apesar das divergências doutrinárias que cercam o tema, muitos autores
como Eduardo Arruda Alvim, Daniel Willian Granado e Eduardo Aranha Ferreira, acreditam
que a hipótese trazida pelo art. 788, o qual determina que: “Morrendo a pessoa sem
testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens
que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento
caducar, ou for julgado nulo", é mais uma hipótese de chamamento de terceiros em
decorrência da relação jurídica existente entre o direito material do segurado, bem como do
ação da ação e do réu demandado em primeiro lugar (ALVIM; GRANADO; FERREIRA,
2019).

Por fim, cabe enfatizar dois pontos demasiadamente relevantes: 1. no caso em que o
réu for o próprio afiançado, não é possível chamar ao processo o fiador, haja vista a ausência
de respaldo legal para tal hipótese; 2. não é possível a participação do devedor principal
apenas na fase de execução a partir do argumento de benefício da ordem, porque sua
participação deveria ter sido requisitada também em sede de cognição, assim:

O fiador é obrigado subsidiário e uma das maneiras de ele poder fazer valer esta
subsidiariedade é, justamente, tomar, já no processo de conhecimento, a providência
a que se refere o art. 77, n. I [art. 130, inc. I, do CPC/2015]. Se o fiador for
demandado e deixar de tomar a providência do art. 77, I, formar-se-á exclusivamente
contra ele, fiador, título executivo porque não exercer a função esta faculdade de
chamar o afiançado, no prazo para contestar, na forma do que dispõe o art. 78 [art.
131 do CPC/2015], ficará impossibilidade de utilizar-se no processo de execução do
benefício de ordem. (ALVIM, 1976, p. 346)

4.2. Procedimento do chamamento ao processo

Como definido previamente pelo art. 131 do CPC/2015, o chamamento dos demais
réus da ação deve ser requerida na contestação no prazo de, no máximo, 30 (trinta) dias ou 60
(sessenta) dias - caso o chamado resida em outra comarca, seção, subseção judiciária ou local
incerto, nos moldes do parágrafo único do mesmo artigo. Cabe ainda ressaltar que, de acordo
com a Súmula 106 do STJ: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora
na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da
arguição de prescrição ou decadência”, ou seja, caso o prazo disposto nos artigos não seja
cumprido por falhas do serviço judiciário, não há como perder o efeito do chamamento.

Após a citação do chamado descrita acima, o indivíduo tem 15 (quinze) dias para
responder ao chamamento, isso posto, apresentando-se ou não, torna-se litisconsorte da ação
principal. Desse modo, no caso da improcedência da demanda, ambos (chamante e chamado)
se beneficiam da decisão, entretanto, caso seja procedente, valerá o procedimento trazido no
art. 132 do CPC/2015. Assim, sendo a decisão favorável ao autor, este poderá “(...) exigi-la,
por inteiro, do devedor principal, ou, de cada um dos codevedores, a sua quota, na proporção
que lhes tocar” (art. 132, CPC/2015). Logo, segundo Athos Gusmão Carneiro,
A rigor, a sentença de procedência é ‘por si’ título executivo apenas em favor do
autor, como qualquer outra sentença condenatória; mas, somada ao comprovante do
pagamento (feito ao autor), também será título executivo em favor daquele réu que
efetuou tal pagamento, se e na medida em que esse réu tiver direito de reembolso em
face dos demais litisconsortes. (CARNEIRO, 2006, p. 174)

Apesar da teoria supracitada, acerca da natureza do chamamento do processo, ser a


visão dominante na doutrina processual brasileira, grandes nomes como Rosa Nery e Nelson
Nery Jr. tem uma visão distinta, haja vista a defesa de que o chamamento do processo, assim
como a denunciação da lide, “é ação condenatória que deve ser proposta pelo réu, no prazo da
contestação. Esta deve obedecer aos requisitos do CPC 320 e 321, com pedido de citação e
condenação dos chamados” (NERY JUNIOR; NERY, 2015, p. 618).

7. Outras hipóteses de chamamento de terceiros

7.4. As intervenções de terceiros nos Juizados Especiais

Os Juizados Especiais Cíveis, disciplinados pela Lei n° 9.099 de 1995, têm como
critérios do processo a “(...) oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e
celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.” (art. 2°).

No que diz respeito às intervenções de terceiros, enfoque do presente trabalho, de


acordo com o art. 10 da lei supracitada: “Não se admitirá, no processo, qualquer forma de
intervenção de terceiro nem de assistência. Admitir-se-á o litisconsórcio.”. Entretanto, o
CPC/2015, por meio do art. 1062, garantiu a possibilidade de competência dos juizados nos
casos de desconsideração de personalidade jurídica, modalidade disciplinada pelos artigos 133
a 137 do Código. Segundo Bruno Vasconcelos de Oliveira (2007), apesar destas vedações
quanto a atuação dos juizados terem sido realizadas pelo legislador com a intenção de
promover a maior celeridade na tramitação dos processos, em muitos casos tal medida não é,
devidamente, eficaz:

Diante da análise pormenorizada de cada instituto, entretanto, restou demonstrado


que tal vedação não atingiu, em sua plenitude, o objetivo planejado pelo legislador,
uma vez que não levou em conta as particularidades de cada instituto, dispensando-
lhes igual tratamento, como se formassem um todo unitário.
Relativamente às modalidades de assistência simples, oposição, e chamamento ao
processo, foi impecável a disposição da lei, tendo em vista que sua vedação promove
a celeridade processual e em nada comprometem a prestação jurisdicional emanada
dos referidos Juizados.
Entretanto, deveria a lei ter sido mais criteriosa quanto às demais modalidades,
fazendo ressalvas importantes para sua correta aplicação.
No que concerne à vedação da assistência litisconsorcial, demonstrou-se que, a
despeito da celeridade conferida aos processos, sua vedação implica em manifesto
prejuízo para o virtual assistente, tendo em vista que o priva de participar da
discussão do direito do qual também é titular. Em uma análise mais fervorosa,
poder-se-ia dizer, inclusive, que há cerceamento de defesa, tendo em vista a
completa inércia a que é submetido o terceiro assistente. (OLIVEIRA, 2007, p. 59)

Portanto, em conformidade com o exposto acima, apesar da Lei n° 9.099 de setembro


de 1995 determinar a vedação de intervenção de terceiros em Juizados Especiais Cíveis, o
Código de Processo Civil de 2015 inovou, trazendo - como exceção a tal regra - a
possibilidade nos casos de despersonalidade de pessoa jurídica.

ALVIM, Eduardo Arruda; GRANADO, Daniel Willian; FERREIRA, Eduardo Aranha.


Direito processual civil, 6 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

ARRUDA, Alvim. Código de Processo Civil Comentado, v. III São Paulo : RT, 1976.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros, 16. ed. Imprenta: São Paulo, Saraiva,
2006.
JORGE, Flávio Cheim. Chamamento ao processo, 2 ed. Imprenta: São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1999.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de
Processo Civil. Imprenta: São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015.
OLIVEIRA, Bruno Vasconcelos de. A vedação da intervenção de terceiros e a efetividade da
prestação jurisdicional nos Juizados Especiais. Monografia (Bacharelado em Direito) -
Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2007.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, 56 ed. Imprenta: Rio de
Janeiro, Forense, 2015.

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