Pesquisa Tomo 2

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A INVESTIGAÇÃO E A

PERSECUÇÃO PENAL
DA CORRUPÇÃO E DOS
DELITOS ECONÔMICOS
Uma pesquisa empírica no
sistema de justiça federal
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Série Pesquisas ESMPU
MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO
Volume 1
Rodrigo Janot Monteiro de Barros
Procurador-Geral da República
Carlos Henrique Martins Lima
Diretor-Geral da Escola Superior do Ministério Público da União A INVESTIGAÇÃO E A
Sandra Lia Simón
Diretora-Geral Adjunta da Escola Superior do Ministério Público da União
PERSECUÇÃO PENAL
CÂMARA EDITORIAL – CED
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
DA CORRUPÇÃO E DOS
André Batista Neves
Procurador da República
DELITOS ECONÔMICOS
Antonio do Passo Cabral
Procurador da República Uma pesquisa empírica no
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
Carolina Vieira Mercante
sistema de justiça federal
Procuradora do Trabalho - Coordenadora da CED
Ricardo José Macedo Britto Pereira
Subprocurador-Geral do Trabalho
Tomo 2
MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR
Ricardo de Brito Albuquerque Pontes Freitas
Procurador de Justiça Militar Coordenadores
Selma Pereira de Santana Arthur Trindade Maranhão Costa
Promotora de Justiça Militar
Bruno Amaral Machado
MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS Cristina Zackseski
Antonio Henrique Graciano Suxberger
Promotor de Justiça
Maria Rosynete de Oliveira Lima Brasília-DF
Procuradora de Justiça 2016
ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO
SGAS Av. L2 Sul Quadra 604 Lote 23, 2o andar
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SECRETARIA DE INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA EDUCACIONAL


COLABORADORES PESQUISADORES
Nelson de Sousa Lima
ASSESSORIA TÉCNICA – CHEFIA
Lizandra Nunes Marinho da Costa Barbosa
ASSESSORIA TÉCNICA – REVISÃO
Carolina Soares dos Santos ANDRÉ JAKOB
ASSESSORIA TÉCNICA – PROGRAMAÇÃO VISUAL Mestre em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB). Pesquisador do Grupo
Rossele Silveira Curado “Política Criminal” (UniCeub/UnB).
PREPARAÇÃO DOS ORIGINAIS E REVISÃO DE PROVAS
Carolina Soares dos Santos, Davi Silva do Carmo, ANTONIO HENRIQUE GRACIANO SUXBERGER
Bárbara Coelho de Souza, Sarah Agapito dos Santos
Doutor em Direito pela Universidade Pablo de Olavide. Professor do Programa de
CAPA, PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
Mestrado e Doutorado do Centro Universitário de Brasília (UniCeub). Pesquisador
Sheylise Rhoden
do Grupo “Política Criminal” (UniCeub/UnB). Promotor de Justiça do Ministério
As opiniões expressas nesta obra são de exclusiva responsabilidade dos autores. Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Biblioteca da Escola Superior do Ministério Público da União
ARTHUR TRINDADE MARANHÃO COSTA
Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. Professor do Departamento de
I62 A investigação e a persecução penal da corrupção e dos delitos econômicos: uma pesquisa Sociologia da UnB. Pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança
empírica no sistema de justiça federal : Tomo II / Arthur Trindade Maranhão Costa,
(Nevis/UnB).
Bruno Amaral Machado, Cristina Zackseski (organizadores). – Brasília : ESMPU, 2016.
405 p. : il. , 25 cm. – (Série pesquisas ESMPU ; v. 1, t. 2.)

inclui bibliografias BRUNO AMARAL MACHADO • COORDENADOR-GERAL DA PESQUISA


ISBN 978-85-88652-99-6 Doutor em Sociologia Jurídico-Penal pela Universidade de Barcelona. Professor
Publicado também em versão eletrônica, ISBN 978-85-9527-000-8 do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito do UniCeub. Pós-Doutorado
em Sociologia (UnB – John Jay-NY). Pesquisador Associado do Departamento de
1. Investigação criminal – Brasil. 2. Persecução penal – Brasil. 3. Inquérito policial –
Corrupção – Crime econômico – Brasil. 4. Crime contra a administração pública – Brasil. Sociologia da UnB. Líder do Grupo “Política Criminal” (UniCeub/UnB). Promotor
5. Sonegação fiscal – Brasil. 6. Lavagem de dinheiro – Brasil. I. Costa, Arthur Trindade de Justiça do MPDFT.
Maranhão. II. Machado, Bruno Amaral. III. Zackseski, Cristina. IV. Série.

CDD 341.4331 CAROLINA SOUZA CORDEIRO


Doutoranda e Mestre em Direito pelo UniCeub. Professora de Direito Penal do UniCeub
Pesquisa promovida e financiada pela Escola Superior do Ministério Público da União, mediante contra-
tação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Processo Administrativo n. 0.01.000.002104/2013-44, e das Faculdades Iesgo. Pesquisadora do Grupo Política Criminal e Direitos Humanos
sob a coordenação-geral de Bruno Amaral Machado. (UniCeub/UnB) e do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (Nevis/UnB).
CRISTINA ZACKSESKI
Doutora em Estudos Comparados sobre as Américas pela Universidade de Brasília.
Professora da Faculdade de Direito da UnB. Pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre
Violência e Segurança (Nevis/UnB). Líder do Grupo “Política Criminal” (UniCeub/UnB).

LAIZA SPAGNA
Mestre em Sociologia pela Universidade de Brasília. Pesquisadora do Núcleo de SUMÁRIO
Estudos sobre Violência e Segurança (Nevis/UnB).

PEDRO IVO RODRIGUES VELLOSO CORDEIRO


Mestre em Direito e Estado pela Universidade de Brasília. Professor Substituto da
UnB. Pesquisador do Grupo “Política Criminal” (UniCeub/UnB). LEGENDAS DE ENTREVISTADOS...........................................................................................................13

APRESENTAÇÃO...................................................................................................................................19
RENÉ MALLET RAUPP
Bacharel e Especialista em Estatística pela Universidade Federal do Pará (UFPA). CAPÍTULO 4 • A INVESTIGAÇÃO E A PERSECUÇÃO PENAL
Especialista em Sistemas de Banco de Dados com Ênfase em Mineração de Dados NO DISCURSO DOS POLICIAIS FEDERAIS.............................................................................................21
(Data Mining) pela UFPA. Assessoria e consultoria em pesquisas sociojurídicas.
Introdução...................................................................................................................21
1 Aspectos organizacionais.......................................................................................23
WELLITON CAIXETA MACIEL
1.1 Rotinas de trabalho e prioridades......................................................................23
Doutorando em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e pelo Centre de
Recherches Sociologiques sur le Droit et les Institutions Pénales (Cesdip/CNRS, 1.2 Estrutura e treinamento......................................................................................27
França). Mestre em Antropologia Social (UnB). Bacharel em Antropologia (UnB), 2 Relação com outros atores do sistema de justiça criminal................................32
Direito (UDF) e Sociologia (UnB). Professor Substituto da Faculdade de Direito
da UnB. Pesquisador do Grupo Candango de Criminologia (GCCrim/UnB), do 2.1 Relação com procuradores.................................................................................36
Grupo “Política Criminal” (UniCeub/UnB), do Núcleo de Estudos sobre Violência e 2.2 Relação com magistrados...................................................................................40
Segurança (Nevis /UnB) e do Laboratório de Estudos da Cidadania, Administração de
3 Aspectos técnicos....................................................................................................47
Conflitos e Justiça (Caju/DAN/UnB).
3.1 Procedimentos e rotinas para os diversos crimes............................................47
VIVIAN LUDMILA GOMES DE OLIVEIRA 3.2 Principais dificuldades para investigar.............................................................49
Advogada. Membro da Comissão de Assuntos Constitucionais da Seccional da 3.3 O bom inquérito..................................................................................................52
Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB/DF). Ex-Coordenadora
3.4 Papel e importância do inquérito policial........................................................54
de Segurança Pública da Comissão de Ciências Criminais e Segurança Pública da
OAB/DF. Pesquisadora do Grupo “Política Criminal” (UniCeub/UnB). 3.5 Habilidades, formação e expertise......................................................................61
3.6 Maiores dificuldades da instituição...................................................................69
4 Relação com outras instituições............................................................................81
4.1 Coaf......................................................................................................................83
Política Criminal
Grupo de Pesquisa
Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança 4.2 INSS.......................................................................................................................86
5 O lugar do sistema penal – funcionalidade e abrangência................................89 CAPÍTULO 6 • A INVESTIGAÇÃO E A PERSECUÇÃO PENAL
6 Alguns caminhos considerados promissores......................................................92 NO DISCURSO DOS MAGISTRADOS FEDERAIS.................................................................................. 175
Considerações finais..................................................................................................97 Introdução................................................................................................................ 175

Referências............................................................................................................... 100 1 Aspectos técnicos................................................................................................. 176

Sítios consultados.................................................................................................... 101 1.1 Rotinas, práticas e procedimentos.................................................................. 176


1.2 Padrão probatório............................................................................................. 180
CAPÍTULO 5 • A INVESTIGAÇÃO E A PERSECUÇÃO PENAL
1.3 O inquérito policial como instrumento de investigação............................. 185
NO DISCURSO DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA....................................................................... 103
1.4 A instrução e o julgamento dos delitos econômicos e de corrupção......... 188
Introdução................................................................................................................ 103
2 Modelo organizacional........................................................................................ 190
1 A definição das atribuições no MPF:
a divisão do trabalho jurídico e questões organizacionais................................ 105 2.1 Interiorização e especialização da Justiça Federal........................................ 190
2 Os recursos humanos e técnicos para a investigação: 2.2 Estrutura de apoio humano e técnico............................................................ 194
problemas e possibilidades de atuação................................................................. 115 2.3 Especialização, expertise e a instrução dos delitos econômicos.................. 198
3 Definir a pauta de prioridades: 2.4 Prioridades e critérios...................................................................................... 199
da independência funcional à unidade de atuação............................................. 119
2.5 A atuação dos Tribunais Regionais e Superiores.......................................... 202
4 Interações intraorganizacionais: uma pauta em construção.......................... 122
3 A atuação da Polícia Federal............................................................................... 206
5 A atuação das Câmaras de Coordenação e Revisão do MPF:
da revisão à coordenação....................................................................................... 126 3.1 Complexidade da investigação da corrupção
e dos delitos econômicos........................................................................................ 208
6 A interação com a Polícia Federal:
da frágil institucionalização às relações pessoais................................................ 131 3.2 Inquérito, estrutura e prioridades da PF........................................................ 211

7 As relações com os delegados da PF: 4 A atuação do MPF............................................................................................... 213


variações entre interior e capital........................................................................... 140 4.1 Arquivamento.................................................................................................... 215
8 A investigação e a persecução penal da 4.2 Estrutura do MPF e a persecução penal........................................................ 217
corrupção e da criminalidade econômica............................................................ 144
5 A atuação das organizações de controle, regulação e fiscalização................. 218
9 O inquérito policial como instrumento para a investigação.......................... 149
Considerações finais............................................................................................... 224
10 A estrutura da Polícia Federal e a definição de suas prioridades................ 155
Referências............................................................................................................... 225
11 A estrutura da Justiça Federal e as dificuldades
para atuação em casos de corrupção e delitos econômicos............................... 158 CAPÍTULO 7 • PARTE 1
12 Atuação dos Tribunais Regionais e dos Tribunais Superiores..................... 163 ORGANIZAÇÕES DE CONTROLE, REGULAÇÃO E FISCALIZAÇÃO: OS ARRANJOS INSTITUCIONAIS
PARA ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO E DOS DELITOS ECONÔMICOS.......................................... 227
13 A atuação e interação com agências
e organizações de controle e inteligência............................................................. 166 1 Apresentação........................................................................................................ 227
14 A experiência da Enccla................................................................................. 171 2 Receita Federal..................................................................................................... 230
Considerações finais............................................................................................... 172 2.1 Apresentação e competências legais............................................................... 230
Referências............................................................................................................... 173 2.2 Estrutura e diálogo interinstitucional............................................................ 232
2.3 Descrição das atividades.................................................................................. 247 3.4 A importância da informalidade.................................................................... 369
3 Banco Central do Brasil...................................................................................... 253 Considerações finais............................................................................................... 371
3.1 Apresentação e competências legais............................................................... 253 Referências............................................................................................................... 373
3.2 Comunicações de práticas criminosas........................................................... 256 Lista de siglas........................................................................................................... 375
3.3 Descrição das atividades e diálogo interinstitucional.................................. 260
CONCLUSÕES.................................................................................................................................... 377
4 Comissão de Valores Mobiliários...................................................................... 268
Referências............................................................................................................... 394
4.1 Apresentação e competências legais............................................................... 268
4.2 Descrição das atividades.................................................................................. 274 ANEXO.............................................................................................................................................. 399
5 Conselho de Controle de Atividades Financeiras............................................ 285 Pesquisa qualitativa – Roteiros de entrevistas – grupos focais......................... 399
5.1. Apresentação e competências legais.............................................................. 285
5.2 Descrição das atividades.................................................................................. 296
6 Controladoria-Geral da União........................................................................... 308
6.1 Apresentação e competências legais............................................................... 308
6.2 Descrição das atividades.................................................................................. 323
7 Tribunal de Contas da União............................................................................. 336
7.1 Apresentação e estrutura.................................................................................. 336
7.2 Descrição das atividades.................................................................................. 338
Considerações finais............................................................................................... 348
Referências............................................................................................................... 350

CAPÍTULO 7 • PARTE 2
A EXPERIÊNCIA DA ENCCLA: ORGANIZAÇÕES E GOVERNANÇA........................................................ 353
1 Apresentação........................................................................................................ 353
2 Visão geral da Enccla........................................................................................ 355
2.1 Conjuntura internacional e internalização.................................................... 355
2.2 De Encla a Enccla......................................................................................... 356
2.3 Enccla 2015..................................................................................................... 358
3 Enccla em rede................................................................................................... 360
3.1 GGI em rede...................................................................................................... 362
3.2 Ações em rede................................................................................................... 366
3.3 Redes paralelas e identidade profissional...................................................... 367
LEGENDAS DE ENTREVISTADOS

LEGENDA DE ENTREVISTADOS • CAPÍTULO 4


GRUPOS FOCAIS COM DELEGADOS NO DISTRITO FEDERAL
Grupo 1
GF/DF 1 DPF 1 – delegado 1
GF/DF 1 DPF 2 – delegada 2
GF/DF 1 DPF 3 – delegado 3

Grupo 2
GF/DF 2 DPF 1 – delegado 1
GF/DF 2 DPF 2 – delegado 2
GF/DF 2 DPF 3 – delegado 3

GRUPO FOCAL COM DELEGADOS EM PERNAMBUCO


GF/PE DPF 1 – delegado Delefin 1
GF/PE DPF 2 – delegado Delefin 2
GF/PE DPF 3 – delegado Delefin 3

GRUPO FOCAL COM PERITOS NO DISTRITO FEDERAL


GF/DF P 1 – perito 1
GF/DF P 2 – perito 2
GF/DF P 3 – perito 3

13
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

GF/DF P 4 – perito 4 RELAÇÃO DE RELATOS ESCRITOS ENVIADOS PELOS


GF/DF P 5 – perito 5 AGENTES DE POLÍCIA DE VÁRIOS ESTADOS
GF/DF P 6 – perito 6 R APF MG 1 – agente de Minas Gerais 1
GF/DF P 7 – perito 7 R APF RS 1 – agente do Rio Grande do Sul 1
GF/DF P 8 – perito 8 R APF RS 2 – agente do Rio Grande do Sul 2
R APF RS 3 – agente do Rio Grande do Sul 3
GRUPO FOCAL COM AGENTES EM MINAS GERAIS
R APF RN 1 – agente do Rio Grande do Norte 1
GF/MG APF 1 – agente 1 R APF RN 2 – agente do Rio Grande do Norte 2
GF/MG APF 2 – agente 2 R APF RN 3 – agente do Rio Grande do Norte 3
GF/MG APF 3 – agente 3 R APF DF 1 – agente do Distrito Federal 1
GF/MG APF 4 – agente 4
GF/MG APF 5 – agente 5
GF/MG APF 6 – agente 6 LEGENDA DE ENTREVISTADOS • CAPÍTULO 5
ENTREVISTAS COM AGENTES EM PERNAMBUCO GRUPOS FOCAIS COM PROCURADORES DA
E/PE APF 1 – agente 1 REPÚBLICA NO DISTRITO FEDERAL – GF/DF
E/PE APF 2 – agente 2 PR1, GF/DF – procurador 1
PR2, GF/DF – procuradora 2
ENTREVISTAS COM DELEGADOS DO
PR3, GF/DF – procurador 3
DISTRITO FEDERAL POR ESPECIALIDADE
PR4, GF/DF – procuradora 4
E/DF DPF 1 – delegado área financeira PR5, GF/DF – procuradora 5
E/DF DPF 2 – delegado área de recursos públicos PR6, GF/DF – procuradora 6
E/DF DPF 3 – delegado área de lavagem de dinheiro PR7, GF/DF – procurador 7

ENTREVISTAS COM DELEGADOS DE PERNAMBUCO


E/PE DPF1 – delegada Deleprev GRUPOS FOCAIS COM PROCURADORES DA
E/PE DPF2 – delegado Delefaz REPÚBLICA EM PERNAMBUCO – GF/PE
E/PE DPF 3 – delegada PR1, GF/PE – procurador 1
PR2, GF/PE – procurador 2
ENTREVISTAS COM DELEGADOS DO PARANÁ PR3, GF/PE – procurador 3
E/PR DPF 1 – delegado Delefin PR4, GF/PE – procuradora 4
E/PR DPF 2 – delegado Delefin
GRUPOS FOCAIS COM PROCURADORES DA
ENTREVISTAS COM AGENTES DO DISTRITO FEDERAL REPÚBLICA EM PERNAMBUCO – GF/SP
• Tomo 2 •

E APF, DF 1 – agente 1 PR1, GF/SP – procurador


E APF, DF 2 – agente 2 PR2, GF/SP – procurador 2

14 15
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

PR3, GF/SP – procurador 3


LEGENDA DE ENTREVISTADOS • CAPÍTULO 6
PR4, GF/SP – procurador 4
PR5, GF/SP – procuradora 5 ENTREVISTAS ORAIS
PR6, GF/SP – procurador 6
J1, DF – juiz 1, DF
PR7, GF/SP – procurador 7
J2, PR – juíza 2, PR
RELAÇÃO DE RELATOS ESCRITOS ENVIADOS PELOS PROCURADORES DA J3, PE – juíza 3, PE
REPÚBLICA E PROCURADORES REGIONAIS DA REPÚBLICA J4, PR – juiz 4, PR
J15, PE – juiz 15, PE
Procuradores lotados no Estado do Paraná
PR/PR1, escrita – procuradora 1 GRUPO FOCAL
PR/PR2, escrita – procurador 2 J5, GF/DF – juiz 5, DF
PR/PR3, escrita – procurador 3 J6, GF/DF – juiz 6, DF
PR/PR4, escrita – procurador 4 J7, GF/DF – juíza 7, DF
PR/PR5, escrita – procurador 5
ENTREVISTAS ESCRITAS
PR/PR6, escrita – procuradora 6
J8, PR, escrita – juiz 8, PR
Procuradores lotados no Estado de Pernambuco J9, SP, escrita – juíza 9, SP
PR/PE1, escrita – procurador 1 J10, SP, escrita – juiz 10, SP
PR/PE2, escrita – procurador 2 J11, PR, escrita – juiz 11, PR
PR/PE3, escrita – procurador 3 J12, PR, escrita – juíza 12, PR
PR/PE4, escrita – procurador 4 J13, RS, escrita – juíza 13, RS
Procuradores lotados no Estado de São Paulo J14, SP, escrita – juiz 14, SP

PR/SP1 – procurador 1
PR/SP2 – procurador 2
LEGENDA DE ENTREVISTADOS REFERENTES À
Procuradores lotados em outras unidades da federação PESQUISA QUALITATIVA • CAPÍTULO 7 • PARTE 1
PR/RS1, escrita – procuradora 1 (Rio Grande do Sul)
PR/PA1, escrita – procurador 1 (Pará) Defin/DF – delegado da Polícia Federal da Divisão de
PR/TO1, escrita – procurador 1 (Tocantins) Repressão a Crimes Financeiros (Defin em Brasília-DF)
PR/MS1, escrita – procurador 1 (Mato Grosso do Sul) DRCI/DF – representante do Departamento de Recuperação
de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI)
PR/RJ1, escrita – procuradora 1 (Rio de Janeiro)
PR, GF1/DF – 1º Grupo Focal de procuradores da República em Brasília-DF
Procuradores regionais da República PR, GF2/DF – 2º Grupo Focal de procuradores da República em Brasília-DF
• Tomo 2 •

PRR/DF1, escrita – procurador regional da República (Distrito Federal) PR/DF – procurador da República em Brasília-DF
PRR/SP1, escrita – procuradora regional da República (São Paulo) PR/PE – procurador da República em Recife-PE

16 17
PR/RS – procurador da República em Porto Alegre-RS
PRR/SP – procurador regional da República em São Paulo-SP
PRR/RS – procurador regional da República em Porto Alegre-RS
Sub1/DF – subprocurador-geral da República 1 em Brasília-DF
Sub2/DF – subprocurador-geral da República 2 em Brasília-DF
Sub3/DF – subprocurador-geral da República 3 em Brasília-DF
JF/PR – juiz federal em Curitiba-PR APRESENTAÇÃO
JF1/RS – juiz federal 1 em Porto Alegre-RS
JF2/RS – juiz federal 2 em Porto Alegre-RS
COAF/DF – representante do Conselho de
Controle de Atividades Financeiras (Coaf) Esta pesquisa se originou de iniciativa da Escola Superior do Ministério
JF1/PE – juiz federal 1 em Recife-PE Público da União (ESMPU), foi coordenada pelo Fórum Brasileiro de Segurança
JF2/PE – juiz federal 2 em Recife-PE Pública e contou com a participação de pesquisadores que integram o Grupo de
Pesquisa Política Criminal (UniCeub/UnB) e o Núcleo de Estudos sobre Violência e
DPF/PR – delegado da Polícia Federal em Curitiba-PR
Segurança (Nevis/UnB), em suas diferentes etapas.
TCU/DF – representante do Tribunal de Contas da União (TCU)
JF/DF – juiz federal em Brasília-DF Agradecemos a colaboração dos servidores do Ministério Público Federal (MPF)
que disponibilizaram os dados do Sistema Único para a análise quantitativa, bem como
GNCOC/PI – representantes do Grupo Nacional de Combate às
dos juízes titulares e substitutos, respectivamente, da 10ª Vara Federal, Vallisney de
Organizações Criminosas do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais
Souza Oliveira e Ricardo Augusto Soares Leite, e da 12ª Vara Federal, Marcus Vinícius
do Ministério Público dos Estados e da União
Reis Bastos e Pollyanna Martins Alves, da Seção Judiciária do Distrito Federal, que fran-
CVM1/DF – representante 1 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) quearam a entrada da equipe para a realização da segunda e terceira etapas da análise do
CVM2/DF – representante 2 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fluxo do sistema de justiça (processos e inquéritos policiais).
Bacen1/DF – representante 1 do Banco Central do Brasil (Bacen)
Agradecemos a informantes, colaboradores e sujeitos da pesquisa, que partici-
Bacen2/DF – representante 2 do Banco Central do Brasil (Bacen) param das entrevistas e dos grupos focais nas diversas fases da pesquisa qualitativa.
Bacen3/DF – representante 3 do Banco Central do Brasil (Bacen) No Tomo I, seguem os capítulos 1 a 3, que englobam o marco legal e criminológico,
a análise organizacional e o relatório de análise estatística do fluxo do sistema de jus-
tiça federal. O Tomo II apresenta os capítulos 4 a 7, que envolvem a análise qualitati-
va das entrevistas e grupos focais realizados com policiais federais, procuradores da
República e magistrados, bem como os estudos de caso “Arranjos Interinstitucionais”
e “Experiência da Enccla”.

Finalmente, agradecemos ao diretor-geral da ESMPU, Carlos Henrique


Martins Lima, assim como ao procurador da República Daniel de Resende Salgado
e à subprocuradora-geral da República Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, inter­
locutores importantes durante a elaboração deste relatório de pesquisa.
• Tomo 2 •

Bruno Amaral Machado


Coordenador-Geral da Pesquisa

18 19
CAPÍTULO 4
A INVESTIGAÇÃO E A PERSECUÇÃO PENAL
NO DISCURSO DOS POLICIAIS FEDERAIS

Cristina Zackseski

INTRODUÇÃO
Este capítulo cuida dos discursos dos policiais federais sobre a investigação cri-
minal, seus instrumentos, suas possibilidades e seus percalços. Por meio de entrevistas
e grupos focais buscamos entender melhor as visões que esses profissionais têm sobre
seu próprio trabalho e sobre a atuação dos demais atores que compõem esse intrinca-
do sistema de interações e comunicações que é o Sistema Penal. No campo do Direito
Penal Econômico, as interações são ainda mais complexas se comparadas ao âmbito
dos crimes comuns, pois as notícias-crime e as investigações são compartilhadas com
atores de outros universos, o que certamente produz alguns estranhamentos e também
algumas vantagens – especialmente se consideradas sob o ponto de vista do arejamento
que podem produzir no sistema penal tradicional. Levantamos, na medida do possível,
informações que permitissem captar tanto a forma como foram construídos os resulta-
dos quanto as fragilidades dos arranjos que caracterizam esse novo campo. Os controles
daquilo que chamamos genericamente de corrupção ainda experimentarão muitas mu-
danças relacionadas às informações coletadas nesta pesquisa.

A coleta de dados para esta parte qualitativa da pesquisa se iniciou no mês de


julho de 2014 com três entrevistas exploratórias. Conseguimos a partir disso compor
uma lista de entrevistados e uma agenda de atividades.

21
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Encontramos muita resistência na Polícia Federal de forma geral. Os mais são citados diálogos inteiros entre o entrevistador e os policiais, pois frases isoladas
disponíveis foram os peritos; os mais difíceis – pelo menos inicialmente – foram não seriam suficientemente esclarecedoras.
os agentes. Hoje entendemos que a inicial recusa dos agentes faz parte de um
O percurso a seguir contém as informações mais importantes que foram
quadro geral de desestímulo na profissão, que será descrita no decorrer do ca-
coletadas com o objetivo de entender, enfim, como é a investigação de “crimes do
pítulo. A maior parte deles só contribuiu com a pesquisa depois que houve uma
colarinho branco” na visão dos policiais, o que falta fazer nesta área em termos de
solicitação via Fenapef1. ajustes estruturais e institucionais, e como pensar no futuro dessas investigações e
É difícil conseguir falar com pessoas que trabalham ou tenham trabalhado de suas consequências.
na área de interesse da pesquisa, especialmente em razão de a Operação Lava Jato As perguntas dos entrevistadores aparecem sempre em caixa alta. Ao final dos
ainda estar em curso e de ser o Paraná um dos estados de nossa delimitação espacial. trechos estão indicadas as siglas (lista em anexo) referentes aos participantes dos diá-
É muito difícil falar com os delegados, por exemplo. Eles só atendem ligações de logos. Usamos a padronização E para entrevista, GF para grupo focal, R para relatos
números nos quais têm interesse. Em um dos grupos focais realizados em Brasília, enviados por escrito, depois há referência à unidade da federação e identificação, com
um deles comentou: “[...] quatro pessoas pra poder arranjar na Polícia Federal, é números, da profissão e da pessoa que fala. Quando se tratar de grupo focal, a iden-
mais fácil marcar audiência com o Obama”! (GF/DF 1 DPF 2). No entanto, quando tificação dos participantes do diálogo vem em conjunto, ao final, de forma a evitar a
eles aparecem para falar, são muito criativos e cheios de metáforas que nos ilustram poluição do texto, pois já se trata de uma linguagem coloquial que pode ser, por vezes,
muito bem algumas formas de visão sobre o trabalho: aparecem em suas narrativas mais estranha para o leitor.
os “delegados de cativeiro”, o “chinês rodando os pratinhos”, entre tantas outras co-
locações inesperadas, como se verá.

Outro ponto curioso é que, mesmo quando são localizados os profissionais que 1 • ASPECTOS ORGANIZACIONAIS
atuam na área do Direito Penal Econômico, as falas contêm referências a crimes que
fogem ao escopo da pesquisa, especialmente ao tráfico de drogas. Mas isso também
1.1 • ROTINAS DE TRABALHO E PRIORIDADES
será analisado, ainda que rapidamente, porque compõe um quadro bastante interes-
sante dessa nova configuração do Sistema Penal. Poucos policiais entrevistados conseguiram explicitar suas rotinas de trabalho
Sendo assim, contabilizamos dois grupos focais no Distrito Federal e um em nas entrevistas e nos grupos focais. Percebe-se uma certa dificuldade de dizer o que é
Pernambuco (com delegados de Delefin), todos com três participantes. Fizemos feito. Talvez esta dificuldade se relacione ao fato de alguns delegados reclamarem sobre
a divulgação que a mídia faz das formas de investigar que a Polícia usa e, como este
um grupo focal com peritos no Distrito Federal, com oito participantes, e um com
relatório viria a público, pudemos notar reservas na apresentação das informações.
agentes em Minas Gerais, com seis participantes2. Em Pernambuco, fizemos tam-
Uma das pessoas entrevistadas diz:
bém entrevistas com dois peritos e cinco delegados, sendo um da Deleprev e um
da Delefaz. No Distrito Federal, entrevistamos dois agentes, três delegados com [...] realmente eu acho que tem muitas questões que não devem ser di-
experiências variadas, inclusive com atuação no Estado de São Paulo, além dos três vulgadas, que realmente a gente vê na imprensa, que tá divulgando assim
entrevistados da fase exploratória já citados. Em algumas passagens deste capítulo, a forma de investigação. Entendeu? Isso realmente não é para ser divul-
gado, porque isso aí vai dar ideia pra quem? Não é que vai dar ideia pra
quem vai deixar de praticar o crime, não. Vai dar ideia pra quem está
1 Agentes de vários estados (RN, RS, MG, BA) e do Distrito Federal enviaram contribuições por escrito. praticando o crime praticar de uma forma que dificulte a nossa a investi-
2 O grupo focal com agentes ocorreu em Belo Horizonte, pois foi o único lugar onde houve abertura gação. Né? Então realmente eu acho que tem que ter muito cuidado com
para isso, quando já tínhamos praticamente desistido de fazê-lo em razão dos prazos da pesquisa. esse tipo de divulgação. (E/PE DPF 1).
A oportunidade surgiu por meio da Fenapef, que, reunindo os representantes dos estados em as-
sembleia no Distrito Federal, nos deu a oportunidade de divulgar a realização da pesquisa e tentar A divulgação das formas de investigar causou, segundo delegados da Deleprev
obter a colaboração dos agentes. Assim, o presidente do sindicato de Minas Gerais nos convidou e e Delefaz do Recife, uma mudança de comportamento nas pessoas, que antes fala-
• Tomo 2 •

organizou o encontro. vam todo tipo de coisa por telefone e agora não falam mais, por exemplo. Segundo

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

eles, mesmo as pessoas que não cometem crimes deixam de comunicar certas coisas R$ 100 milhões do que para o inquérito de falsificação de R$ 100 reais”.
pelo telefone em razão do fantasma do grampo. Então, obviamente, que isso é um consenso. O problema é que a gente
ainda tem que instaurar o de R$ 100 reais, né? E isso aí ... (GF/DF DPF 1).
Sabemos pouco, enfim, sobre a rotina de trabalho explicitada com esta no-
menclatura, mas ela aparece de forma fragmentada no decorrer de muitos dos O trabalho realizado na Superintendência do Recife introduz um componente
itens deste capítulo. importante desta configuração, que é a negociação inter-hierárquica, e mais uma vez
é reafirmada a prioridade para o desvio de recursos públicos. Conversando sobre a
Também notamos que a definição das prioridades é um assunto incômodo na divisão interna, a gestão do trabalho e as rotinas dentro da delegacia, foram dadas as
Polícia Federal. Alguns policiais respondem tranquilamente que a prioridade é para seguintes explicações:
os crimes que representam maiores prejuízos, outros destacam a necessidade de se
“estancar uma sangria” que está em curso, outros mencionam a presença de agentes do – Essa divisão, quando foi criada a Delefin, em 2012, os inquéritos
de desvio de recurso público deixaram de fazer parte da atribuição da
próprio Estado como partícipes dos crimes que exigem mais atenção, pelo potencial de
Delefaz e vieram para a Delefin. Então, hoje, cerca de 70% da nossa
corrosão interna da máquina pública, outros ainda afirmam que é feito aquilo que dá
demanda é de inquéritos sobre desvio de recursos públicos e 30% de
mais visibilidade na mídia e, algumas vezes, pudemos perceber que existem interesses crimes financeiros. Então, houve um aumento, praticamente triplicou o
de autopromoção envolvidos. número de investigações em andamento. Internamente existe, e com o
tempo a gente foi aperfeiçoando essa divisão de trabalho. Inicialmente
As falas destacadas a seguir, de delegados e agentes, contêm elementos que re-
o delegado que estava com inquéritos de crimes financeiros ficou com
forçam essa lista de motivos e informações adicionais, como, por exemplo, o destaque
a maior parte que já estava, por ter conhecimento dessas investigações,
na repressão do desvio de recursos públicos: mas os outros delegados também, pouco a pouco, foram tendo contato
Essas prioridades boa parte das vezes se estabelecem em razão dos pre- com esse tipo de investigação. Hoje a gente tem uma divisão no seguinte
juízos, em razão do agente e da prova. Porque prova é política de Estado. sentido: há delegados encarregados dos inquéritos ordinários e há um
Hoje na Política de Estado [...] a ênfase é no combate aos crimes financei- delegado encarregado de investigações mais sensíveis ou de, não posso
ros, aos crimes de desvio de recurso público. Então nós gastamos muito dizer de maior importância, mas de...
esforço no combate ao crime de desvio de recurso público. Então se a – Prioritárias.
gente tiver que eleger, se nós só tivermos aquele gás pra gastar numa ope-
ração, a gente vai tentar focar no desvio do recurso público. E aí como é – Que a gente, por alguma razão, principalmente pelo valor, o princi-
que se elege? Em razão basicamente do prejuízo causado. Então nós temos pal critério hoje de valorar uma investigação é o valor do dano ao erário
hoje, quadrilhas, vamos dizer, na previdência, temos diversas quadrilhas. público que ela provoca. Então, a partir desse critério [...], houve uma
Então vamos focar naquela que tá causando mais prejuízo à União, que designação de um desses delegados para ficar exclusivamente atendendo
tem mais agentes envolvidos, tem mais servidores públicos envolvidos. essas demandas. (GF/PE DPF 2 e 3).
Porque se a gente não fizer isso, infelizmente a gente não consegue fazer
todas as operações que nós gostaríamos de fazer. Até porque o nosso efe- Os delegados acrescentaram que a definição das prioridades é definida pelo
tivo não permite. (E/PE DPF 1). superintendente em comum acordo com os delegados da unidade de que se trate:

No primeiro grupo focal com Delegados do Distrito Federal, a ênfase no desvio – É. Exatamente. Isso aí pode ser tanto internamente, pela chefia, mas em
alguns casos em que, normalmente para atender essas demandas, às vezes
aos recursos públicos também é citada, mas ainda assim as mensagens são desencon-
a gente precisa de suporte da administração, então tem que compartilhar ...
tradas devido às exigências legais e institucionais:
– É negociado internamente?
Quando se cria um setor como é o setor do SRDP, de Combate ao Desvio
de Recursos Públicos, exatamente para criar metodologia, você já está – Exatamente. (GF/PE DPF 2 e 3).
dando um indicativo pra instituição de que aquele assunto ali é um assun-
to prioritário institucionalmente. Então você pega, destaca pessoas para No Distrito Federal a fala de um dos agentes evidencia a falta de uma definição
criar esse cenário e motivar quem está na ponta trabalhando e, “Olha mais segura dos critérios de atuação para quem está desempenhando tarefas naquela
• Tomo 2 •

só, dê mais atenção para o inquérito de licitação de superfaturamento de posição: “Os critérios são subjetivos. Muitas vezes desconhecidos pelos agentes. Porém

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

observam-se critérios políticos e influência da mídia” (R APF DF 1). Essa não é a mes- houve uma resposta, cobra novamente. Então quer dizer: se a determina-
ma percepção que identificamos em Minas Gerais, por exemplo, onde já se nota uma ção partiu do MPF, ele entra na fila ou então até passa na frente, porque,
clareza maior sobre a divisão de tarefas e sobre a hierarquia que pauta e garante esta dependendo do que for, a cobrança aumenta, né? Então acaba que você
divisão, mas que registra um mando dos superiores e das formalidades em detrimento recruta forças policiais pra dar conta daquilo. Por isso que a Polícia Federal
das oportunidades que poderiam ser levadas em conta nesta definição: faz muito a questão das missões, traz policiais de outros lugares pra suprir
uma necessidade aqui e ali... (E/DF APF 2).
As prioridades são definidas pelo superintendente regional em conjunto
com o delegado regional executivo, o delegado regional de combate ao A cobrança, os prazos são, então, elementos que se combinam com outros, pu-
crime organizado, o chefe do NIP (Núcleo de Inteligência Policial) e o(s) ramente formais, como a necessidade de instauração de inquéritos para tudo, ainda
chefe(s) da(s) delegacia(s) de cujo tema se tratar o assunto a ser investigado, que se saiba que “não vai dar em nada”. Mas essa avaliação de que algo pode funcionar
no caso das operações especiais de polícia judiciária ou de operações de ou de que não vai dar em nada é alcançada de forma diferente pelas duas instituições
inteligência. A partir da notícia de crime, que pode ser oriunda de fontes mencionadas (Polícia e MP), ou seja, o saber e a experiência de uns e de outros é dife-
externas como os órgãos de fiscalização e controle – Ministério Público rente e nem sempre complementar.
Estadual, Ministério Público Federal, Tribunal de Contas da União (TCU),
Controladoria Geral da União (CGU), Secretaria da Receita Federal do A gente tem grandes dificuldades assim, principalmente, com Ministério
Brasil (SRFB), Polícia Civil, Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal, Público, que, às vezes, não quer permitir essa seletividade. Então fica in-
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), entre outros –, fon- sistindo na instauração de um inquérito pra apurar um fato, assim, que
tes humanas, informantes etc., os delegados ocupantes dos cargos diretivos seria de pequeno valor ou um fato que a gente já sabe que não tem como
acima se reúnem (com a participação ou não do órgão ou fonte de onde chegar à autoria. (E/PE DPF 1).
tenham partido as informações necessárias à instauração de inquérito po-
Nesta mesma linha podemos mencionar também um viés diferente do mesmo
licial) e definem as necessidades logísticas, operacionais etc. necessárias à
problema de falta de critério, identificado em reclamação feita por um delegado sobre
apuração dos fatos. Raramente os agentes federais participam da escolha
das prioridades ou têm a possibilidade de apresentar argumentos para a falta de apoio às investigações consideradas mais importantes e delicadas, como são
auxiliar na definição destas ou mesmo possuem a oportunidade de obter, as de corrupção e lavagem de dinheiro, traduzida na fala a seguir:
inicialmente, junto à fonte das informações, aquelas necessárias ao início
Alguns estados também não priorizam o combate a esses crimes, então
dos trabalhos de investigação. Mesmo que o agente obtenha junto a fon-
fala “você que está combatendo a corrupção e a lavagem, dane-se, você
tes humanas informações sobre crimes cometidos ou em andamento, ele
vai ter o mesmo apoio de quem está combatendo furto de galinha”, então
tem de levar tais informações ao conhecimento de seus superiores para que
é falta de apoio de algumas autoridades. (E/DF DPF 3).
estes definam se aquele crime é ou não prioridade para a Polícia Federal.
No caso das investigações triviais realizadas pelas delegacias especializadas Isso significa que, ainda que haja critério de definição de prioridades e efetiva
ou descentralizadas, aquelas que tramitam nos inquéritos policiais que não decisão em segui-lo, há um limite prático que enfraquece a decisão. Mas, de forma
se encontram sob segredo de justiça, não há, aparentemente, prioridades geral, não existem muitos consensos nem muita clareza sobre as prioridades, portanto,
rigorosamente definidas. Cada inquérito policial é (ou deveria ser) uma mas existem referências constantes ao fato de que não é possível focar nos crimes mais
investigação, e as prioridades, em geral, se limitam à observância dos pra-
relevantes, que o aspecto legal/formal domina a questão, e isso certamente traz muitas
zos legais ou concedidos pelo Ministério Público ou Poder Judiciário para
angústias e insatisfações.
a manutenção dos cadernos (inquéritos) em sede policial. (R APF MG 1).

Um ponto interessante, então, que também aparece nas entrevistas com agentes
do Distrito Federal, é o fato de que o Ministério Público Federal tem vantagens em 1.2 • ESTRUTURA E TREINAMENTO
relação ao resto na posição que ocupa na fila de prioridades. Ele, literalmente, passa na
frente, mas isso se deve à existência de uma cobrança e não propriamente da impor- A falta de estrutura material é raramente mencionada pelos policiais. Quando
tância do caso, da matéria ou dos valores envolvidos: falamos em estrutura, normalmente entendem que estamos falando das carreiras.
Uma das poucas observações sobre estrutura material é a que segue:
Essa questão de prioridade a gente realmente não tem como definir.
• Tomo 2 •

Quem define são as chefias se é prioridade ou não. Mas, vindo do MPF, a [...] a falta de estrutura material também, algumas instituições têm com-
cobrança aumenta. Eles têm um receio porque veio “deles”, então eles bo- putadores velhos e softwares desatualizados. Então aquele negócio, se
tam um prazo e, dentro daquele prazo, eles vão fazer uma cobrança. Não você vem aqui para mexer no computador e o computador é bom, você
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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

vai fazer isso, se o computador é ruim além de você fazer o negócio deva- rado por policiais mais experientes e utilizado no curso de formação ministrado na
gar, você vai ficar com má vontade. Isso tudo vai influenciando na quali- Academia Nacional de Polícia3, situada Distrito Federal. As solicitações que fizemos
dade do serviço prestado. (E/DF DPF 3). para ter acesso a este material foram sempre negadas, como registrado no diálogo
abaixo com entrevistado do Distrito Federal:
É possível registrar reclamações sobre a estrutura disponível de forma mais am-
pla: “Não é adequada. Além do número insuficiente de profissionais, as especializadas – Como é feita a capacitação? É com base em casos já ocorridos?
carecem de infraestrutura logística e capacitação” (R APF DF 1).
– Sim, é descrito o modus operandi.
Esse é o drama resultante de problemas no gerenciamento dos recursos, que inclui
– E a gente pode ter acesso a esses manuais?
o descompasso entre recursos e aptidões profissionais. Um dos entrevistados conta:
– Pois é, você poderia dar uma olhada, mas eu não posso te passar este
Hoje a gente tem instalados ou em instalação aproximadamente 43 la-
material, que é restrito. (E/DF DPF 2).
boratórios, em todos os estados da federação, distribuídos entre o
Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal, Polícia Civil, Em outro diálogo, desta vez entre delegados de Pernambuco, a existência deste
Polícia Federal, Receita Federal. [...] Só que o laboratório, ao mesmo tem- material, sua utilização e as referidas restrições ao nosso acesso aparecem novamente:
po que é uma solução, é um problema. Não é um grande problema, mas
por quê? Porque não adianta ter todos esses softwares e hardwares se não –Inclusive nós não temos [...] como passar, por exemplo, todos os manu-
tiver alguém para operar, alguém capacitado para operar. Então o que a ais [...]. A experiência, ela nos leva a um roteiro de procedimentos. Boa
gente verifica é que em alguns locais a gente tem uma Ferrari e não tem parte das delegacias, elas têm seu roteiro de procedimentos já estipulados.
piloto para a Ferrari, então o laboratório fica lá meio que fazendo uma Então, vamos dizer, tem manual de repressão a crimes financeiros. Então:
coisa promocional. “Nós temos o laboratório”, mas não tem efetividade qual crime financeiro, qual o tipo de diligência e qual a linha de investiga-
prática. Em outros estados, não. Outros estados de fato usam o labora- ção que se deve seguir. Lógico que aquilo não é uma receita de bolo, mas
tório para fazer o cruzamento de dados e produzir conhecimento, e daí aquilo já é um norte.
gerar alguma coisa útil para o processo. (E/DF DPF 3).
– Cada caso, cada caso vai ter uma variação, mas os colegas que vão en-
Os problemas de falta de pessoal e excesso de demanda, por sua vez, sempre trar, que vão pra academia...
aparecem nas narrativas dos policiais, mas algumas vezes existem nuances diferentes, – Já recebem uma orientação.
como as que surgem vinculadas ao problema da falta de capacitação:
– Normalmente junta-se um grupo com maior experiência na área, faz
Muito processo, muita investigação para pouca gente. Então isso acaba esse roteiro, e quando, e, quando os delegados novos que passam no con-
fazendo com que as pessoas tentem fazer o mínimo possível, assim, o curso vão pra academia, eles já têm acesso a isso. Aí já chegam aqui, tendo
básico. E, ao ter muita coisa para fazer e só fazer o básico, essa pessoa alguma noção das diligências possíveis e analisando o que eles têm nos
deixa de procurar alternativas ou ferramentas para se fazer uma inves- autos e o que eles precisam buscar, pra chegar na autoria e materialidade,
tigação melhor. Então, por exemplo, corrupção e lavagem de dinheiro eles vão decidir quais diligências ali eles determinarão que sejam feitas.
são investigações um pouco mais complexas, que envolvem transações
financeiras e tal, e pouca gente tem conhecimento hoje em dia de como se – Não vincula ele. Ele pode seguir inclusive outra linha.
faz essa investigação. Mas tem pouco conhecimento por quê? Ou porque
– É uma sugestão. Porque assim, a ordem das diligências ou quais vão ser re-
não foram treinados, ou porque não tiveram interesse em ser treinados,
alizadas ou quais não vão ser realizadas é uma decisão que acontece em cada
ou não foram atrás das coisas por falta de tempo. [...] A gente tem tentado
investigação. Porque pode até acontecer de uma vir com os mesmos elemen-
minimizar isso com o PNED, porque agora tem o ensino a distância para
tos da outra, mas, em regra, vem com elementos diferentes. (E/PE DPF 1 e 2).
as pessoas... só que aí a gente esbarra no interesse do próprio servidor em
ser capacitado. Porque ele não vai ganhar mais ou menos se ele for capa- Os agentes entrevistados ignoram esses procedimentos, quase sempre sobre-
citado ou não. (E/DF DPF 3). pondo o conhecimento advindo da prática profissional em detrimento do conheci-
• Tomo 2 •

Assim, relaciona-se o problema da estrutura material com outro, que é o de


treinamento. Existe um roteiro básico de procedimentos de investigação que é elabo- 3 Disponível em: <http://www.dpf.gov.br/anp/educacional/formacao/>. Acesso em: 4 mar. 2015.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

mento formal, e falam que a formação é exclusivamente destinada aos delegados: “Na melhor os credenciem à participação nos treinamentos. Exemplo disso são
maioria das situações, cada um faz de seu jeito, de acordo com a experiência prática” pós-graduações (mestrado e doutorado) em matérias afetas a segurança
(R APF RS 1). Em outro momento do seu relato o mesmo agente acrescenta que: “[...] pública, Inteligência e Defesa em renomadas instituições de ensino estran-
na própria academia existe uma nítida forma de indução à formação de castas, onde geiras. Na esmagadora maioria dos casos, as oportunidades são dadas a
delegados de Polícia Federal, como já ocorreu em cursos ofertados pelo
os delegados são apontados como seres superiores” (R APF RS 1).
FBI, Real Polícia Montada do Canadá, Scotland Yard etc. (R APF MG 1).
Esta narrativa da sobreposição da prática é reiterada:
No Distrito Federal os agentes fazem a mesma constatação, invocando a prefe-
Pouquíssimo treinamento, aprendemos no “tranco”. [...] Não existe pre- rência que os delegados têm nas oportunidades de formação e também uma crítica à
paração dos policiais, formação e nem expertise, o aprendizado é no dia a necessidade de formação jurídica para quem conduz a investigação, que é comparti-
dia. Mesmo muitos querendo ampliar os seus conhecimentos e querendo lhada pelos peritos do Distrito Federal, como se verá no item específico sobre forma-
se especializar em determinado assunto, não existe este interesse por par- ção profissional. A narrativa que segue é de um agente de polícia de Brasília:
te da administração. (R APF RS 3).
Vou te ser sincero: essa parte aí eles não estão muito preocupados, a parte
Então não é só a formação inicial que não é percebida como igualitária; a for- de treinamento e tal. Existem encontros voltados para crimes desses espe-
mação continuada também: cíficos que só vai o chefe da delegacia, só os delegados. Então quem está no
dia a dia, na investigação – que são os agentes, escrivães, papiloscopistas
Após o curso de formação realizado pela Academia Nacional de Polícia, – não tem acesso ao curso. Aos melhores cursos, curso no exterior, de cri-
raramente aos agentes são oferecidos cursos para aprimoramento e/ou me de lavagem de dinheiro, essas coisas, só vão os delegados. Quem tá na
especialização de suas atividades. Geralmente os agentes desenvolvem es- investigação mesmo não tem esse preparo. Hoje a Polícia Federal fez uma
sas habilidades no trato diário com o serviço. São disponibilizados cursos coisa muito importante que eu acho que se perdeu com o tempo, e isso pre-
a distância, de pouco proveito para os policiais. (R APF RN 2). judica um pouco o desenvolvimento. Com a exceção do cargo de delegado,
que é Bacharel em Direito, todos os demais cargos são multidisciplinares.
Sobre as delegacias especializadas há uma observação preocupante, tanto no Então nós temos aí colegas que são exímios economistas, contadores, bons
sentido de não haver interesse em formação específica quanto no de destaque das di- administradores, doutores na área de tecnologia da informação ... Então
ficuldades do trabalho: assim, o que a gente vê muito? Um desperdício de conhecimento. Eu te-
nho um colega hoje que ele é mestre na área de contabilidade, e essa parte
No caso da atuação em delegacias especializadas, as principais dificulda-
de contábeis ele sabe tudo. Ele podia chefiar uma operação, ou um braço,
des são: falta de uma atualização de conhecimento dos investigadores (há
por exemplo, de uma operação Lava Jato, mas não chefia, porque quem vai
casos de colegas que atuam na área que jamais fizeram uma reles recicla- chefiar é o delegado. De repente esse colega nem vai ser ouvido dentro do
gem), além da intensa burocracia. (R APF RN 3). conhecimento que ele tem na área contábil. (E/DF APF 2).
Ou então: Outras falas dos agentes são mais lacônicas, consistindo apenas na afirmação de
Somos carentes de treinamento na área de crimes financeiros. Precisamos que não existem cursos, ou que não são oferecidos, ou que são oferecidos só para delega-
de capacitação na área contábil e de gestão pública. Só investigaremos dos, além do fato de que são oferecidos à distância e que isso não adianta para efeito real
bem se conhecermos o mecanismo das contas públicas, processo licitató- de capacitação (muito criticado o manuseio de arma e a condução de veículo à distân-
rio etc. (R APF BA 1). cia). Estas afirmações não contribuem muito, são bastante desencontradas e denotam,
como ocorre em diversas situações de avaliação, que há uma tendência de respostas ne-
Uma avaliação que vai no ponto das diferenças entre a disponibilidade de gativas quando há descontentamento, que, no caso das atuais disputas internas da Polícia
treinamento diferenciada para agentes e delegados é essa: “No geral, aten-
Federal, é bastante evidente. Na descrição da trajetória profissional de um dos respon-
dem às necessidades em relação às atividades corriqueiras e mais triviais
dentes, isso fica muito salientado, pois ao final de todas as suas credenciais acrescenta:
no DPF. Entretanto, quando se tratam de cursos no exterior ou em institui-
ções, policiais ou não, de maior prestígio, ou de maior vanguarda na esfera Presentemente me encontro fora desse campo de atuação na Polícia
policial, a preferência é dada para delegados de Polícia Federal, mesmo que Federal em protesto pela falta de reconhecimento e valorização. Só deve-
• Tomo 2 •

existam agentes de Polícia Federal ou peritos criminais federais com re- rei voltar a atuar quando minhas atribuições tiverem o devido reconheci-
quisitos funcionais, conhecimentos ou habilidades mais adequadas ou que mento. (R APF RN 1).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

2 • RELAÇÃO COM OUTROS ATORES DO agentes investigadores o faça, começa a exercer sua criatividade (inócua,
não raras vezes) para desvendar o crime, procurando alternativas, atalhos
SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL ou desvios, o que se torna difícil (e muitas vezes impossível) a conclusão
efetiva da investigação, pois sem aquela medida requerida a coleta de pro-
vas se tornaria exponencialmente mais trabalhosa, complexa e até mesmo
Neste item trataremos da relação entre Polícia Federal (delegados, agentes e pe-
mais perigosa para os policiais. (R APF MG 1).
ritos), Ministério Público e Magistratura Federais. A questão central levantada pelos
entrevistados foi a separação entre as instituições e a vaidade dos atores, como ilustra Ou seja, o distanciamento entre os profissionais, além de ser improdutivo,
o diálogo do primeiro grupo focal com delegados ocorrido no Distrito Federal: pode ser até mesmo perigoso, e isso vai imprimindo à investigação características
estranhas, como o fato de o inquérito ter uma forma démodé, alimentada por infor-
– Eu acho que as instituições são muito separadas.
mações, ou inconsistentes, ou provenientes de sistemas informatizados e tecnologias
– Ah, então esse é que é o ponto principal? que não eram existentes quando o inquérito se impôs como tradutor do esforço in-
vestigativo, reproduzindo uma fórmula do Judiciário que os agentes e peritos ouvi-
– Eu acho. Eu acho que existe uma questão séria aí de separação, de vaida-
dos consideram inapropriada. E a repetição desta fórmula do Judiciário no Inquérito
de, questões do dia a dia, do nosso produto. (GF/DF 1 DPF 1 e 2).
não é valorizada pelos próprios juízes, visto que na fase processual os atos são repe-
O isolamento muitas vezes é colocado na conta dos delegados, como se percebe tidos e não aproveitados.
na declaração um agente:
O inquérito é descrito – especialmente pelos agentes – como um vai e vem de
Falta de contato direto, sem intermediários (pois os delegados muitas ve- papéis que nada tem a ver com investigação. O excesso de formalismo seria um dos
zes se colocam nessa condição), entre a equipe de agentes federais que re- problemas, e o outro problema que se sobressai é o fato de que o inquérito é produzido
alizam a investigação e os representantes do Ministério Público e também em gabinetes, mas a investigação é (ou deveria ser) um trabalho de rua. Essas duas
os juízes, para apresentar a esses atores as nuances, as particularidades, problemáticas aparecem de várias formas nas falas dos entrevistados, que separam o
o modus operandi dos criminosos e até mesmo a gravidade de muitos trabalho de investigação do trabalho de girar papéis.
crimes sob a apuração no DPF. Os delegados se limitam, muitas vezes, a
elaborar uma representação (pela interceptação telefônica, por um man- – Vai ganhando tempo, você vai girando. Tem inquérito que tem 500 pá-
dado de busca e apreensão ou de prisão, por exemplo) e encaminhar ao ginas e o que você vai pegar de informação útil tem cinco, oito, as férias
promotor, procurador ou ao juiz, como se tais pedidos conseguissem se do juiz, as férias do delegado, substituiu o escrivão, voltou... “Foi relatado
traduzir, simplesmente, em algumas linhas incrementadas com termos isso?” “Foi relatado, mas não achamos nada porque já passou cinco anos
jurídicos. É patente a forma com que delegados evitam conversar com já perdeu a materialidade”. Então o que é que funciona nas Polícias? Os
juízes e promotores (e vice-versa), pois aqueles acreditam que não de- grupos em geral... o delegado só esse despacho... ouvir gente, ouvir, ouvir,
vem se “apequenar” indo à presença destes, expondo, dialogando e re- você vai levantar tudo que você vai voltar, vai esperar seis meses e ele vai
querendo medidas aptas a contribuir para a elucidação dos crimes. Os te pedir pra continuar. Então essa lógica onde o governo joga mais estru-
juízes e promotores, cientes da dificuldade de diálogo com os delegados, tura, joga mais gente, mas esse modelo foi feito pra uma Polícia que era
parecem também evitá-los, evitando o dispêndio desnecessário de esfor- uma Polícia política, que segregava e que foi feita pra não funcionar, se
ços que envolvem, de forma latente, questões institucionais. Não raras você não muda a arquitetura você vai continuar fazendo milhares de anos
vezes, tal diálogo entre esses atores fica à mercê da boa vontade do de- – então qual a Polícia que funciona? Aquela em que o grupo de envolvi-
legado de Polícia Federal, ou, em outros casos, ao interesse do juiz ou dos que está no núcleo operacional, em geral agentes, diz assim “Isso aqui
do Ministério Público sobre o tema, quando então chamam os delegados acho que dá, vamos seguir enquanto a gente está fazendo essa papelada
para discutirem o assunto pessoalmente, de forma direta, seja para se in- girar?” Mas a grosso modo o que são as operações de crimes organiza-
teirarem melhor os fatos e pedidos, seja para conhecerem as diretrizes dos nas delegacias? São equipes que eles tiram dessa lógica, põem numa
da investigação etc. Muitas vezes, o juiz indefere medida necessária para sala, às vezes com equipamento de interceptação ou não, e nós estamos
o êxito da investigação (como por exemplo uma interceptação de sinais, falando de 5% da PF que vão operar [...] investigação, contando entorpe-
um mandado de busca ou de prisão), e o delegado, ciente dos detalhes da centes, e crime organizado deve ser uns 2%, e vocês vão investigar, essas
• Tomo 2 •

investigação (ou pelo menos deveria estar), em vez de tentar convencer pessoas vão pra essa sala e elas estão desconectadas dessa lógica doida e
o RMP ou juiz da importância da medida ou de permitir que a equipe de elas podem investigar ali dentro enquanto o delegado, a equipe que está

32 33
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

atendendo a dinâmica do inquérito está tocando, intimando, chamando, pode produzir resultados positivos numa atividade que é essencialmente
assim por diante. (GF/MG APF 1). prática. (R APF RS 1).

E isso não está localizado somente na atividade policial e sim se estende pelo Os próprios delegados admitem perdas, conforme se nota no diálogo abaixo,
restante do sistema: ocorrido no segundo grupo focal do Distrito Federal:
– Agentes, escrivães, delegados, secretário que está lá no Judiciário, o juiz, – A gente, na verdade, a gente perdeu muito. Com a interceptação, a gente
promotor, o procurador; faz parte da burocracia estatal e ele não tem nem deu muita prioridade, priorizou muito a interceptação e perdeu...
um vínculo com o que está fazendo porque ele almeja que aquele papel
continue. (GF/MG APF 3). – Acho que a gente perdeu o que a Polícia Civil e a Militar têm, de estar
na rua, trabalhando.
Os agentes percebem também como um excesso de formalismo a necessidade
– É, o grampo é uma coisa bem mais segura, né?
de os envolvidos em um crime terem que ser ouvidos pelo delegado, já tendo decor-
rido certo tempo, no espaço da delegacia. E isso tudo depois é repetido em juízo, pois – O grampo é pescar com dinamite.
não houve o contraditório e a observação de determinadas garantias.
– E o informante tem uma relação um pouquinho complexa. Você tem
Os agentes igualmente entendem que há necessidade de ir a campo, mas se frus- uma informante, o cara vai te passar, aí normalmente ele é pago. Ele não é
tram quando vão, realizam a investigação, passam as informações aos delegados e, na o bonzinho, é o cara que vai te passar informação por dinheiro.
hora de falar na mídia, de interagir com outros profissionais do sistema de justiça cri- – É uma informação interessada.
minal e de fora dele, a pessoa que vai é o delegado, muitas vezes sem ter o domínio das
informações necessárias, pois tem “300 inquéritos para tocar” e isso não lhe permite – É.
dominar a situação com a profundidade necessária:
– Ou então ele fazia parte da quadrilha e se desentendeu.
[...] tinha um delegado com dez dias de operação e perguntava pra mim
– Ou então ele faz uma delação.
“E aí?” ... “Vou deixar o delegado falar” ... Ele me agradecia depois... por-
que é muito frágil, como o cara está numa sala isolado, não que ele seja – Ou então ele é a ex traída.
mau ou bom, tem cara muito bom, com uma perspectiva bacana, mas
institucionalmente dentro do processo ele não tem condição, porque – É, exatamente.
ele tem 300 inquéritos pra despachar, pra ouvir, mesmo que seja inócuo
– A mulher traída é a melhor fonte humana. Aí é maravilhoso. (GF/DF
aquele papel girando. (GF/MG APF 4 e 1). 2 DPF 1, 2 e 3).
Os peritos dizem a mesma coisa: é o “chinês rodando os pratinhos” que aparece Esse diálogo mostra uma ambiguidade: de um lado o entusiasmo com os gram-
mais adiante. pos e de outro as fontes humanas ainda sendo muito valorizadas, mas o relato do
Na sequência apresentamos algumas afirmações que comprovam, de um lado a diá­logo com elas sugere uma espécie de “contaminação” que não há com os grampos.
percepção de que se deve ir a campo e de outro a pouca motivação para isso: A falta de integração entre agentes, delegados e procuradores dificultaria enor-
Atualmente, em razão de inúmeros motivos, os policiais preferem in- memente o trabalho, que é basicamente a gestão desses papéis, imersa numa lógica de
vestigar de dentro de uma sala ao invés de realizar uma campana de passar para frente o trabalho, tirando da sua mesa e afastando as acusações de leni-
dias. (R APF RS 1). ência que poderiam recair sobre si, mas que acabam recaindo sobre a instituição em
disputas e escrutínios de outros órgãos. Vejamos a narrativa de um agente a respeito:
Pior, as chefias acreditam, realmente, que são capazes de entender os me-
andros da atividade investigativa de dentro de uma sala com ar-condicio- Acontece que a troca de informações durante a investigação, via de regra,
nado. Os crimes ocorrem nas ruas, os policiais devem ser agentes de cam- se dá entre o delegado (que está sentado em sua cadeira) e o procurador
po, não burocratas que ficam sentados atrás de uma mesa, despachando (em sua sala), através de ofícios, enquanto os investigadores estão, por sua
• Tomo 2 •

como se juízes fossem. Isto é colocar dinheiro do povo fora. Nunca um vez, mandando, de suas salas, relatórios para os delegados. Isto dificulta
sistema construído com base numa atividade essencialmente cartorária a troca de dados, sendo um obstáculo ao sucesso da investigação. Estes

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

profissionais não interagem, de sorte que o resultado do IPL [Inquérito Por quê? Porque hoje em dia tem uma orientação de uma das Câmaras do
Policial], que por sua natureza foi construído para chegar a lugar algum, MP no sentido de que, se a Polícia representa o juiz por alguma medida,
está distante do que o Ministério Público precisa para oferecer a denún- o juiz não deve apreciar a representação, deve ser só se o MP representar.
cia. Quando conseguem, levou-se muito tempo. Digo mais, não existe Uma coisa que não tem sentido absolutamente nenhum, porque às vezes
nenhum motivo para o distanciamento entre a Polícia e o MP, tais órgãos o cara do MP não tem conhecimento da investigação, ou não tem a vi-
deveriam ser parceiros. (R APF RS 1). são que o policial está tendo, e fala “não, não vamos pedir isso...”, não tem
sentido isso, é uma guerra de vaidades completamente, na minha opinião,
Outro agente concorda com a tese do distanciamento: que não tem nenhum tipo de ganho para o Estado. Então é isso, a Polícia
São raros os casos em que um delegado vai até o Poder Judiciário para deveria ser mais bem aparelhada, o MP deveria focar na ação penal. A rea-
tratar de questões da investigação. Ficam apenas na formalidade de pa- lidade prática é que a PF ainda é a “Polícia de excelência”, mas ainda muitas
péis e despachos em mídias. (R APF RS 2) Polícias Civis são muito ruins, e isso acaba justificando sim a investigação
por parte do MP, principalmente no âmbito estadual. No âmbito federal, eu
E tal não é uma percepção exclusiva dos agentes do Sul do País, como se nota na particularmente vejo isso mais como uma vaidade de instituições do que
afirmação abaixo, que repisa a animosidade entre as instituições e os profissionais e os como uma questão de necessidade. Do fundo do meu coração eu não vejo
prejuízos resultantes, também presente no Nordeste: onde o MP pode estar mais bem capacitado tecnicamente do que a PF para
investigar qualquer coisa. (E/DF DPF 3).
As investigações são realizadas com campos, em tese, bem definidos. Os
agentes investigam, os peritos comprovam e os delegados repassam os rela- Embora ainda não se tenha resolvido o problema do gerenciamento das inves-
tórios ao Ministério Público. Em geral, ao longo do processo investigativo, tigações, algumas falas indicam que já estaríamos em outro momento desta disputa:
há interação ou repasse de informações. Ressalte-se que, presentemente,
O que é que acontece... algumas questões que a gente precisa aperfeiçoar,
esta interação está bastante prejudicada pelo clima interno pouco amistoso.
por exemplo, nós passamos por uma fase de discussão do poder investi-
O que tem prejudicado sobremaneira as investigações. (R APF RN 3).
gatório e eu acho que já foi superada no Ministério Público. Então a gente
tem que passar pra uma nova fase, que seria a discussão de quais são os
limites de atuação de cada órgão. Por quê? Porque hoje a gente não sabe
2.1 • RELAÇÃO COM PROCURADORES se uma investigação que corre aqui em segredo corre lá em segredo tam-
bém. Então podem as duas forças estar trabalhando no mesmo sentido, e
A principal dificuldade que identificamos é a falta de comunicação que aca- uma não sabe por conta do sigilo empregado na investigação, obviamen-
bamos de expor, e que causa ineficiência, desperdício de esforços e também está re- te. Um procurador vai receber o inquérito, mas outro, que está com outro
lacionada com as impressões ruins de parte a parte. A possibilidade de o Ministério inquérito em sigilo, não se comunica com ... Porque o inquérito sem-
Público investigar, as disputas que se instalaram em torno disso e a questão da divisão pre passa necessariamente pelo MPF. Algum procurador vai pegar. Mas
de competências entre Justiça Estadual e Justiça Federal fazem com que algumas vezes pode acontecer de estar duas investigações, ou tem outro fator também
haja um descompasso entre os responsáveis por essa delicada tarefa, como mostram que isso gera, que é a tramitação num órgão, por determinado espaço de
as declarações a seguir: tempo daquela investigação, e depois, por exemplo, passa um tempo no
Ministério Público e depois vem pra Polícia, então, quando chega pra
Existem várias investigações que a Polícia e o MP fazem sobre a mesmíssi- Polícia também já chega com, além de todos aqueles fatores, o Tribunal
ma coisa. Então é retrabalho. Por quê? Porque o MP não quer ficar “refém” de Contas, o tempo que levou pra ser constatada a irregularidade em re-
da investigação que é feita pela Polícia. Segundo, não existe, aí eu vou falar lação ao fato, ainda pode passar um tempo num órgão investigativo pra
como policial mesmo, não há nada que a Polícia não possa investigar que o depois chegar no outro e continuar a investigação, aí esse que recebeu por
MP possa, que eles tenham mais conhecimento técnico ou mais ferramen- último já, geralmente a Polícia, ainda tem mais esse fator pra atrapalhar
ta, muito pelo contrário, geralmente têm menos. O que ocorre, sim, é que na questão do tempo. Isso pra mim, uma solução pra isso seria realmente
em alguns locais aquele delegado que está investigando, que está ali dispo- a definição... (GF/PE DPF 3).
nível, não tem o conhecimento técnico que aquele procurador tem, mas são
coisas muito particulares. Aí o MP também (eu vou criticar o MP), nessa Muitas vezes há uma sobreposição de atuações das diversas instituições devido a
• Tomo 2 •

questão de querer ser o responsável pela investigação, acaba dificultando. fatores externos. É muito comum as Polícias estaduais, Federais e o Ministério Público

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

estarem fazendo a mesma coisa por que o Coaf envia a informação para vários deles. Isso acontece em casos concretos, quando você tem uma operação Lava
Isso foi identificado em nossa pesquisa a partir da entrevista realizada no Coaf. Jato sendo deflagrada, aqueles personagens conseguiram... aqueles atores
ali conseguiram falar a mesma língua, mas isso não é o usual. No dia que
– Nós mandamos relatórios de ofício para o Ministério Público, Ministério a gente conseguir, pelo menos, empatar isso, as coisas vão acontecer de
Público Federal, o Ministério Público dos Estados e Polícia Federal, por forma muito mais... às vezes eu tenho que chegar e botar aquilo debaixo
dois motivos: primeiro que, como a gente não sabe qual é o crime, a gente do braço e ir lá falar com o procurador: “Isso que o senhor está pedindo
não sabe de quem é a competência objetiva; o outro como prudência, pra não tem condição”. (GF/DF DPF 1).
que não fique parado na gaveta de um só.
Os próprios profissionais do Paraná reafirmam isso, não só com relação à par-
– Quanto mais gente, maior é a chance daquilo ter seguimento.
ceria entre Polícia e Ministério Público, mas também com o Judiciário. Isso se deve ao
– O que é que começou a acontecer? Em estados maiores, de concentra- fato de já estarem trabalhando juntos há anos. A interação lá é boa, eles se comunicam
ção maior, começou a acontecer de as três autoridades abrirem processo por telefone, whattsapp etc., então se minimizam os aborrecimentos e as discordân-
para o mesmo caso. Então começou a dar um efeito colateral meio estra- cias: “[...] eu posso ligar e falar ‘Fulano, ó, esse caso é importante, chegou aí?’ – ‘Não,
nho. Aí a gente falou, vamos pensar como é que a gente articula isso. espera aí que eu já vou pegar aqui’”. (E/ PR DPF 1).
[...] E a pessoa entrevistada relata a mesma liberdade da outra parte também:
– Por quê? Porque aí a gente responde a duas coisas. Primeiro às nos- [...] eles, os procuradores, têm a liberdade de muitas vezes me ligar e dizer:
sas necessidades, pra saber como é que está sendo usado, pra melhorar a “Olha Fulana, tem um inquérito que tá lá na delegacia do interior X, da
qualidade do produto aqui, que é o relatório; e outra, que é de avaliação Polícia Federal, e tá...tá triste o negócio...não é assim [...] é importante mas
interacional – você é obrigado a prestar as estatísticas de efetividade ou de tá lá sempre pouca gente, [...] e a gente precisa...” e eu falo: “Olha, faz o se-
consequência daquilo que você faz. Então, até a parte da Inteligência, até guinte: dá o teu parecer, pedindo pra vir pra Curitiba e eu dou um jeito de
chegar nas autoridades que investigam, a gente vai ter isso ou... tem isso a gente andar com isso rápido aqui”. Aí vem pra nossa corregedoria, eu já
hoje ainda é embrionário, mas já tem, já se consegue, você consegue fazer aviso aqui. Eles têm essa liberdade de falar isso pra mim e eu tenho liberda-
isso hoje. A Polícia Federal inclusive agora está alimentando de forma de, às vezes, de ir lá e falar com eles: “Olha, o que você tá pedindo, diligência
automática isso aí, vai dar uma escala enorme, porque eles fizeram uma assim, assim que não tem...a gente...” (E/PR DPF 1).
engenharia lá para resolver essa questão. (E/DF Coaf).
Um ponto interessante, que se conecta com nosso próximo item, está relacio-
Este é um ponto importante da nova arquitetura, mas como podemos notar, no afã nado ao Estado do Paraná e às peculiaridades desses atores, cujas habilidades e rela-
de apresentar resultados, o retrabalho ocorre também em função de provocações externas. cionamentos são muito particulares. Contudo, a observação que segue diz respeito às
Há também a percepção de que o Ministério Público faz “balanceamento de aptidões do juiz que conduz o caso da Lava Jato:
carga” quando devolve os inquéritos para ouvir mais um, ou para que sejam expedidos Essa operação Lava Jato é um exemplo. Não estaria dando tão certo
ofícios. Os delegados relatam inúmeros pedidos de produção de prova onde já se esgo- só com o Ministério Público e a Polícia Federal se o juiz ali não fosse
taram as possibilidades, inclusive pelo decurso de tempo. um exímio conhecedor. Ele, na realidade ali, é um dos investigadores
também. Não tem como tirar ele da investigação; ele não é só um juiz,
– Parece bullying institucional às vezes.
ele é mais um investigador, então ele está somando pro trabalho da
– Às vezes a estrutura do Ministério Público não aguenta. Então o que Polícia Federal. E ele entende, porque senão não estaria na nona fase;
eles fazem? Eles trabalham também com essas demandas junto da Polícia ela já teria morrido na primeira, segunda fase, no máximo. Porque o
Federal, pra trabalhar com o prazo deles. (GF/DF1 DPF 2 e 3). juiz, quando ele fica muito amarrado, a quantidade de pedidos que o
Ministério Público faz, ele tem que ter um filtro pra não deixar aquilo
A percepção dos delegados do primeiro grupo focal de Brasília é de que as ins- em excessos. [...] Os dois lados ficam negociando, a investigação fica
tituições não falam a mesma língua, de que falta um diálogo franco e uma decisão de amarrada. Se você pega muito solto, na investigação pode ocorrer al-
“se colocar no mesmo barco”. Eles citam o caso do Paraná, especificamente a Operação gum excesso, algum deslize... é tudo assim. Então você tem que chegar
• Tomo 2 •

Lava Jato, como um caso em que isso ocorreu: num equilíbrio muito bom e, quando chega, casa uma operação muito

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

boa, com o Ministério Público atuante e um juiz que tenha uma visão é meio fantasioso. Então você vai fazer uma apresentação do caso para o
muito boa dessa parte de investigação. Então essa operação Lava Jato tá juiz, o que tá acontecendo aqui.
dando certo porque o juiz se comprometeu, não se amedrontou diante
– E precisa dessa confiança pela experiência de vocês?
da repercussão e da alta pressão. (E/DF APF 2).
– Precisa.

2.2 • RELAÇÃO COM MAGISTRADOS – E dessa proximidade?

– Com certeza.
A relação entre policiais e juízes é mais eventual. Depende um pouco da postura
que os delegados assumem. Parte disso se deve às especificidades da atuação institu- – É importante.
cional, outras vezes tem conotação estrutural, e por fim diz respeito à experiência de – A Justiça atua com essa personalização?
cada um e à visão particular que os delegados têm sobre os juízes. Deste último aspecto
podemos destacar a afirmação: “Tem juiz que não gosta de prender” (GF/DF 1 DPF 1). – Não chega a ser uma personalização não.

– É porque você demonstra interesse ali, né? Pô, o cara tá vindo aqui, fi-
No que impacta a estrutura do Judiciário, é relevante outra fala do mesmo de-
cou a tarde inteira esperando eu terminar a audiência só pra me explicar
legado: “Réu preso para o Judiciário é complicado porque, em tese, os prazos são mais
o caso. E ele ficou ontem à tarde no Ministério Público. Aí eu costumo ir
curtos” (GF/DF 1 DPF 1). no Ministério Público, porque o juiz, quando ele quer, vamos dizer assim,
emperrar –Ah, peraí, deixa eu pensar melhor –, ele não fala isso pra você; ele
Ou mais simples ainda, do mesmo grupo focal, outro delegado: “O Judiciário
fala: “Não, tudo bem, eu vou mandar pro Ministério Público”. Quando você
não aguenta o fluxo” (GF/DF 1 DPF 2).
fala direto, ele pode fazer isso: “Vou pedir o parecer do Ministério Público...”
Sobre as especificidades da atuação destacamos o seguinte relato: – “E depois eu vou analisar”.
Eu acho que o Judiciário não tem acesso, ele não se envolve, por conta do – “E depois eu decido”. Aí ele passa uma semana lendo o caso, avalia se
princípio da imparcialidade, da neutralidade, ele não se afeta ali no dia a aquilo que você pediu procede ou não, e decide. (GF/DF 2 DPF 1 e 2).
dia com aquela demanda. Então se passar passou, vem outra depois; eu
não sinto esse dinamismo que a gente que está ali de cara com o fato tem, No entanto, a maior crítica dos policiais aos juízes é a demora para julgar. Os
por conta das estruturas das organizações mesmo, e se estabeleceu que processos se estendem por vários anos, trazendo dificuldades para que o Brasil recu-
tem que ser assim, acho que essa distância faz com que o Judiciário em pere o dinheiro bloqueado no exterior, por exemplo, pois este desbloqueio e a repatria-
muitos momentos nos atrapalhe. (GF/DF 1 DPF 1). ção dependem do trânsito em julgado da decisão aqui.
Atualmente, no Distrito Federal, já é possível ver tentativas de superação deste O desabafo de um delegado mostra claramente o tamanho do problema:
distanciamento. No segundo grupo focal realizado no Distrito Federal, ouve-se a fala
O processo nunca acaba! Eu, particularmente, nenhuma das operações
de dois delegados nesse sentido:
que eu atuei na Polícia, nenhuma já acabou, já esteja julgado uma sen-
– Olha, eu sempre preferi falar diretamente com o juiz, porque, no tença penal condenatória. Então quais são os problemas para julgar?
final, é quem vai decidir. Então, se eu ganhar o cara ali, pode vir o que Primeiro, não há um prazo estabelecido nem no processo, nem no in-
vier, que o cara já tá ganho. Então eu prefiro falar sempre com o juiz. quérito, para ele iniciar e terminar. Então o processo pode começar hoje
Não sei se foi do meu tempo de advogado também, né? Aí eu acabei e terminar daqui a uns cem anos que o juiz não vai ter qualquer tipo de
tomando esse gosto. punição, e o delegado também... Tá certo que eu estou exagerando, né?
É claro que vai ter a corregedoria, vai ter não-sei-o-quê, mas uns, sei lá,
– É mais pela percepção de que os juízes, eles atuam não só nos inquéritos cinco anos... [...]. Chega nos recursos, os recursos não têm um prazo para
policiais, eles têm os processos... Então uma vara, ela tem uma quantida- ser julgados. Então uma apelação é julgada às vezes em um mês, às vezes
• Tomo 2 •

de de procedimentos imensa. Então você não pode imaginar que o juiz depois de oito, nove anos, tem apelação esperando para ser julgada na
vai ler os 10 volumes do seu inquérito pra apreciar aquela representação; mesa do desembargador, na mesa de um ministro... (E/DF DPF 3).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Os processos, complexos que são pela matéria, também são complexos devido Apesar dos elogios, os policiais também relatam uma certa desconfiança dos
à quantidade de réus envolvidos. Isso dificulta inclusive o processamento que se inicia magistrados com o resultado de seu trabalho de investigação, mas já adiantam que eles
com a citação do réu. Depoimento neste sentido do mesmo entrevistado: vão aprendendo a dosar isso, apresentando bons resultados. Há um relato no segundo
grupo focal do Distrito Federal de uma operação com 40 suspeitos. O delegado achou
Na Suíça, sem falar o caso, falei com uma procuradora lá que tem uns
muito e pediu que o agente mantivesse só aqueles em relação aos quais realmente se
dez milhões bloqueados em determinado caso, aí ela me falou assim:
podia sustentar o resultado da investigação:
“Esse caso é de 2005, em que pé que tá?”. Eu entrei no computador e en-
trei no sistema de consulta de processos, daí está na fase de citação. Aí – Eu falei: “Leva e me traz daqui a uma semana”. O cara voltou: “Doutor,
ela falou: “Citação, como assim?”, aí eu fui ver e tinha cinquenta e tantos treze”. Treze? Aí eu peguei, botei de baixo do braço, fiquei uma sema-
réus. E até citar todo mundo? Beleza, citou todo mundo, e até ouvir as na em casa. Falei: olha, vou sumir da delegacia e vou ficar uma semana
testemunhas? Duas testemunhas de cada um, sendo que uma está no em casa. Treze. Foram 13 temporárias, 13 preventivas, 13 condenações.
exterior. Não dá, né? (E/DF DPF 3). Porque quando você prende um monte de gente, começa a cair...

A formação dos juízes, que muitas vezes não é adequada para entender proces- – Cai tudo.
sos muito complexos, também é apontada por um dos policiais entrevistados:
– A credibilidade, o juiz já olha diferente pra sua investigação. “Pô, será
[...] falta muito conhecimento técnico para algumas autoridades do po- que não forçou também, pra esse pessoal aqui?” (GF/ DF 2 DPF 2 e 3).
der judiciário, principalmente, com relação a esse tipo de crime. Então,
Contudo, estas diferenças e desconfianças não são tão grandes quanto é o confli-
por falta de conhecimento técnico, é mais fácil deixar esperando na ga-
veta, para quem sabe um dia tirar da gaveta e fazer o julgamento, tudo to atual entre Polícia Federal e Ministério Público Federal. A Polícia Federal, segundo
isso porque não tem um prazo. Se apelou? Quanto tempo que o desem- relatam, tem buscado um aliado na Magistratura a partir da ideia da existência de um
bargador tem para julgar? Não sei, não tem um prazo. Você entrou com inimigo comum que é o Ministério Público:
um recurso nos Tribunais Superiores, em quanto tempo tem que ser
– É que os juízes estão sentindo também que as garras estão começando a
julgado? Não tem um prazo estabelecido para isso. E daí é aquela coisa:
virar pra a atividade de jurisdição, dentro do Ministério Público Federal.
dificuldade pessoal, falta de pessoal capacitado para assessorar juízes
e membros do MP, trabalho de alguns meio período ou menos do que – Ah é?
isso, eu acho isso. (E/DF DPF 1).
– Eles já tão sentindo isso. E também já estão entendendo que, daqui a
Mas tais críticas não se confirmaram nos grupos focais: pouco, vai o combate institucional se virar contra eles. (GF/DF 2 DPF 2).

– Como é que vocês avaliam o Judiciário na instrução e julga- Mas tem muita coisa difícil na relação. Embora seja visível um movimento de
mento principalmente desses crimes? Em 1º grau, Tribunais Re­ aproximação entre delegados e juízes e entre estes e os peritos, esses últimos mencio-
gionais, Tribunais Superiores? nam o surgimento de empecilhos burocráticos antes inexistentes:
– Primeiro grau, a minha experiência é extremamente positiva. – Na verdade a interação que se tem com o Ministério Público é muito
pequena. E hoje tem uma barreira, não sei se os colegas sabem, tem uma
– Aqui em Brasília ou fora?
barreira maior ainda, porque...
– Em todos os lugares. – Institucional.
– Independente. – Institucional. A Polícia Federal, por meio da Corregedoria, baixou nor-
– Independente. mas que impedem os peritos de ter acesso ao mundo exterior sem auto-
rização deles. Então, se eu estou atuando num processo, se eu quiser me
– Eu acho que em geral a média é boa. dirigir ao juiz, eu tenho que usar a intermediação da Corregedoria. Isso é
um absurdo completo, é ilegal, é imoral e engorda.
• Tomo 2 •

– Porque o juiz, ele tem conhecimento do caso, ele acompanhou a evolu-


ção do caso. (GF/DF 2 DPF 1 e 3). – Isso é novo?

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

– E eu vou além, qualquer quesito que vem do Supremo lá passa pela Por que muita coisa caiu, por quê? Não tinha um lastro. Foram operações
Corregedoria e vai pra um delegado, o delegado muda o quesito ou re- totalmente baseadas em interceptações e inferências daquele cara...
escreve ou copia como se fosse um quesito dele pro perito, pro perito
responder ao delegado. – Poderia ser fato? Poderia. Poderia ter havido o encontro? Poderia.
Troca de dinheiro.
– E inventaram um procedimento chamado Registro Especial, que não é
inquérito, pra fazer isso, pra blindar o acesso [...]. (GF/DF Peritos 3 e 5). – Sim, mas não se sustenta no processo. (GF/DF 2 DPF 1 e 3).

A quebra do sigilo telefônico é um item à parte. Uma das coisas de que também se queixam os delegados é da demora nas res-
postas dos juízes sobre os pedidos de quebra de sigilo telefônico: “[...] eu aqui no
A fala dos delegados acrescenta elementos importantes no sentido de mostrar Judiciário de Brasília já fiquei um ano pra conseguir uma quebra de sigilo telefônico,
o aprendizado que houve desde o boom das interceptações telefônicas ocorrido em um ano! Perdeu completamente o objetivo. Depois de um ano falei – Muito obrigado,
2003. É do conhecimento geral que algumas operações importantes da Polícia Federal não quero mais” (GF/DF 1 DPF 2).
“caíram” e eles explicam porque:
Todos os delegados do primeiro grupo focal realizado no Distrito Federal concorda-
– Primeiro que o pessoal empolgava e pegava 80, 90, 100 caras. O pessoal ram que assim se perde o momento da investigação. E isso tem consequências no resultado
estava muito implacável, quando o ideal era você pegar 20 caras do nú-
produzido, pois se a espera é grande o trabalho será interrompido e depois para retomá-lo
cleo duro daquela quadrilha e deixar o pessoal cair de maduro.
há que se fazer um novo esforço de recuperação do estado em que estava a investigação:
[...]
[...] não só em relação à prova, mas também em relação ao estado de es-
– Então o processo natural da investigação é que foi evoluindo. Hoje pírito dos servidores envolvidos na investigação: “Estou com esse inqué-
você não vê mais essas operações enormes da Polícia Federal. Não é rito e vai demorar quatro meses pra retornar com uma quebra de sigilo”.
que a Polícia Federal não está trabalhando, é que a Polícia Federal está Eu não fico quatro meses com inquérito na mão, lendo e relendo, aguar-
trabalhando melhor. dando. Aquele inquérito vai ser posicionado ali de lado, eu vou assumir
outro que está andando, e ele, [...] mais complexo, então, ele foi pra outra
– Aprendeu... pilha, “pilha do aguardo”, quando chegar essa ordem já se passaram meses
– Por quê? Como você abria demais, você estava interceptando, às vezes, – o que eu vou ter que fazer? Vou ter que voltar e nivelar o meu conheci-
30, 40 linhas telefônicas. Você precisava dessas pessoas ouvindo e o cara mento novamente com aquela investigação, é um esforço intelectual, não
dizia o seguinte: “Ó, vamos nos encontrar em tal lugar”. O agente auto- é um cumprimento de tabela, você tem que criar. Tem um pouco de arte,
maticamente, ele inferia que esse encontro existiu. Cadê uma foto desse pra produzir prova você tem que criar. Quando a gente pede quebra de si-
encontro? Cadê uma prova desse encontro? gilo, é quando a gente não tem mais pra onde ir. “Juiz, eu não tenho mais
pra onde avançar. Eu preciso disso e disso, se não, não tem o que fazer, se
– Você passa a trabalhar como se muitas coisas estivessem... o senhor não quiser, diga não quero te dar, e eu vou relatar do jeito que
está, mas diga rápido”. (GF/DF 1 DPF 2).
[...]
No entanto, na visão de agentes da Polícia Federal de Pernambuco, as dificuldades
– Então, às vezes, em um papo que poderia ser um papo trivial, ele começou
a ver códigos e apelidos em tudo e falou: “Ó, quando ele falou que vai no podem ser de compreensão dos juízes sobre o que se está pedindo. O exemplo dado por
Bob’s comprar um Big Bob, isso quer dizer, como um Big Bob são 2 ham- um destes agentes é o de que às vezes se solicita ao juiz um extrato de ERB, e o juiz ou o
búrgueres, ele tá comprando 2 quilos de cocaína em tal lugar, não sei o quê”. procurador entendem que é igual quebra de sigilo, que estão quebrando o sigilo telefônico
de todo o mundo, mas na visão do agente esse extrato só mostra a localização ou não de
[...] pessoas naquela base de abrangência de telefonia e isso não seria igual à quebra de sigilo.
– Isso aí já foi refinado.
No Habeas Corpus n. 468.639-9, da Vara de Inquéritos Policiais do Foro Central
– É, por isso que eu tô fazendo um histórico, né. Por isso que muitas da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, confirma-se o limite da informação
• Tomo 2 •

coisas caíram, por causa disso. [...] Então muitas coisas foram evoluindo. do extrato de ERB e se esclarecem alguns pontos desta discussão:

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

O acesso ao posicionamento das ERBs (Estações Rádio Base) permite ao as mesmas pessoas também que estão há muitos anos ali, em quem a gente
detentor da senha e login concedidos pela concessionária de telefonia iden- tem confiança, tem os procuradores aqui. Houve uma troca e tudo o mais,
tificar a localização geográfica aproximada do usuário do telefone celular. mas mesmo nessa troca sempre teve essa busca de estar num relaciona-
mento mais próximo, até porque, eram assuntos muito específicos assim
Um agente de Minas Gerais completa:
que muitas vezes, eles não lidam – não lidavam – onde estavam, quando
Excesso de “garantismo” por parte dos juízes para concessão de medidas vêm pra cá então buscam aproximação com a Polícia, a gente tinha, sem-
judiciais necessárias às investigações, como mandados de interceptação pre teve, um contato mais próximo, então mesmo o quadro da área crimi-
telefônica e de dados, sob a alegação de invasão à vida privada das pesso- nal aqui na Procuradoria da República é estabilizado há bastante tempo,
as (no caso, os suspeitos – não raro envolvidos em crimes repugnantes, então a gente trabalha, se conhece, trabalha junto há muitos e muitos anos.
como pedofilia, tráfico de seres humanos, exploração sexual infantil, des- Na justiça aqui também, por mais que tenha mudado a composição do
vios de recursos públicos, lavagem de dinheiro, contra a Administração Judiciário, acho que ali na Terceira Vara, que hoje a Décima Quarta, que
Pública, entre outros). Isso gera morosidade nas investigações, e chega depois foi especializada também, mas por muitos anos a única especializa-
até mesmo a inviabilizá-las, haja vista a dificuldade de se obterem provas da era a segunda, que era a do doutor Sérgio Moro, que também é o mes-
hábeis à elucidação dos crimes pelos meios convencionais de investiga- mo; então, sem dúvida, a permanência das mesmas pessoas, pelo menos
ção. (R APF MG 1). parte delas [...] porque eu estou aqui há... depois do doutor Sérgio, que está
antes de mim, eu sou a que está há mais tempo... (E/PR DPF 1).
Outra situação descrita pelos delegados de Brasília, no primeiro grupo focal
realizado, é o impacto da rapidez eventual que conseguiriam nas investigações se seus Do ponto de vista formal, institucional, as possibilidades de integração e con-
pedidos fossem prontamente atendidos. Na percepção deles, o juiz pensa: “Isso aqui jugação de esforços são praticamente descartadas. Se os profissionais que escutamos
vai acabar com minha vara...” (GF/DF 1 DPF 1). elogiaram uns aos outros, foi em razão de laços de amizade e colaboração que extrapo-
De tudo o que se disse sobre as relações entre Polícia, Ministério Público e lam o dever funcional de cada um. A mesma coisa se pode dizer para a relação entre
Magistratura o que mais se destacou foi a dependência dos contatos pessoais. Note- delegados e agentes de polícia. O trabalho é bem feito quando um grupo é formado
‑se o caso do Paraná, onde a relação de confiança entre os atores foi construída desde com decisão de fazer um bom trabalho, e isso adquire sustentabilidade decorrente da
a atuação conjunta que houve, nos anos 2005 e 2006, no que ficou conhecida como experiência e da confiança.
FT CC5 – força tarefa constituída para trabalhar no escândalo que foi a descoberta
das Contas CC5:
– Os anos passados construíram. 3 • ASPECTOS TÉCNICOS
– É uma construção de confiança.

– E muitos são os mesmos ainda. 3.1 • PROCEDIMENTOS E ROTINAS PARA OS DIVERSOS CRIMES
– Isso era a próxima pergunta que eu ia fazer: confiança é um Como vimos em algumas passagens anteriores, a investigação se dava mais com
negócio pessoal? base na fonte humana de informação e hoje ela está muito mais centrada na tecnolo-
– É, pessoal. Exatamente. gia. Contudo, segundo relato de agente de Pernambuco, isso terá que ser repensado
na atividade policial, pois “Hoje em dia ninguém fala mais nada em interceptação.
– Muda toda a equipe da Delefin, muda o ... Começa do zero...
Ninguém fala mais nada, é tudo pessoal”.
Não é institucionalizado...
Muito do que se faz hoje no campo dos crimes de colarinho branco foi impor-
– Sim. Claro. Exatamente. Exatamente, começa do zero. Então assim, mui-
to se deve a isso, a que em muitos desses órgãos permanecem as mesmas tado do trabalho de repressão ao tráfico de drogas, característico da Polícia Federal,
pessoas. Lá no SPE são as mesmas pessoas que estavam há dez anos lá, mas com algumas particularidades: no tráfico a interceptação não precisa ser usada
• Tomo 2 •

na força [...], alguns auditores em quem nós tínhamos muita confiança já como prova, pois existe uma prova que é clarividente, ao contrário do crime do
saíram, algumas ainda estão lá, e a gente tem o pessoal ali, tem um TCU, colarinho branco, no qual se precisa lançar mão da interceptação e de todo um con-

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

junto probatório (encontros, fotos, malas de dinheiro que passam de um para outro) trevistas etc.), estruturação de dados coletados e analisados no decorrer
devido à complexidade: da investigação, coordenação e execução de técnicas especiais de investi-
gação, como interceptação de sinais, entre outros. (R APF MG 1).
O tráfico de drogas é mais fácil (de investigar). Assim, eu sempre digo:
você intercepta as pessoas, a gente vai lá, tem a mercadoria. “Ó, vem um Contudo, esta descrição não é suficientemente esclarecedora, visto que só refor-
caminhão carregado de cocaína!” O objetivo é o que? Pegar a droga, ça a já citada combinação do elemento humano com o tecnológico.
entendeu? Já no crime do colarinho branco, no crime mais sofisticado,
sonegação e tudo, você tem que usar a interceptação como prova. E no
tráfico de drogas a gente não usa a interceptação como prova. (E/PE P 1). 3.2 • PRINCIPAIS DIFICULDADES PARA INVESTIGAR
Os agentes de Pernambuco também relataram outra dificuldade, desta vez nos
São muitas as dificuldades relatadas. Destacamos aqui as principais, sendo que a
casos de efetiva quebra de sigilo: os relatórios apresentados pelas operadoras não são
questão temporal é a mais significativa a ser analisada neste item. Em outros momen-
padronizados, alguns vêm com o código do Brasil (55), outros começam no código do
tos também são descritos problemas que se relacionam a este ponto, como a falta de
estado, em alguns estados acrescentou-se um 9, quando a ligação é a cobrar vem um
pessoal e de treinamento.
9090 na frente do número, e isso tudo faz com que, antes de poder trabalhar com os
dados da quebra de sigilo (origem, destino, dia, hora, duração das chamadas etc.), te- Uma das dificuldades recorrentes citadas pelos delegados do Distrito Federal e tam-
nha que se limpar a base antes manualmente. Antes de ser acrescentado o 9 em alguns bém de Pernambuco é o tempo/oportunidade de atuação. O diálogo que segue retrata isso:
estados, havia uma fórmula que era usada para padronizar os números de telefones,
– [...] muito depois é complicado você ir atrás da materialidade, delinear a
mas ela não funciona mais.
materialidade três/quatro/cinco anos depois que o crime aconteceu.
No caso de quebra de sigilo bancário, a mesma dificuldade de padronização
– Tudo isso?
aparece nas informações enviadas pelos diferentes bancos e que surgem nos relatórios
do Coaf. Há bancos que usam sacador e sacado, outros cedente, depositante e respon- – Acontece.
sável e assim por diante. Segundo o relato de agente (PE), esta dificuldade já está sendo
– Acontece.
contornada no contato com os bancos.
– Até dez anos.
Somente um agente entrevistado nos deu mais elementos para entender a per-
meabilidade entre o geral e o específico nas investigações, ou seja, sobre o que são roti- – Eu já instaurei inquérito com notícia-crime de 2000, eu instaurei e
nas, fontes, técnicas, e como são combinados todos esses elementos nas investigações guardei; mas, chegou para instaurar, eu tenho obrigação de instaurar, e
que nos interessam: isso, efetivamente, causa um ruído. (GF/DF 1 DPF 1, 2 e 3).

Não existem rotinas estabelecidas. Elas se resumem aos trâmites burocrá- Delegado de Pernambuco reafirma esta percepção dos policiais de Brasília:
ticos ou legais do inquérito policial. Exceção ocorre nas operações poli- Porque eu acho que um grande problema da investigação, e foi aquilo
ciais com o emprego de ferramentas ou técnicas de inteligência policial, que o Superintendente estava falando muito pertinentemente ontem, em
que são a minoria das investigações levadas a efeito no DPF e se cons- relação aos procedimentos que ficam tramitando no Ministério Público,
tituem nas mais importantes, que trazem maiores resultados, a exem- normalmente e infelizmente por muito tempo, e eles não arquivam e nem
plo da Operação Lava Jato, Hurricane, Sanguessuga, Navalha, Zaqueu, conseguem fazer nada. Porque essa questão dos inquéritos civis, se não
Anaconda, Pasárgada, João de Barro, Avalanche, Sucuri, Voucher, Caixa tiver a investigação, se não tiver crime, dificilmente chega em alguma si-
de Pandora, dentre tantas outras. Estas sim possuem rotinas, além das tuação, né? E aí fica lá anos e anos, fugindo da contemporaneidade, né?
meramente legais. Seguem ritos procedimentais (a maioria deles coor- Você perde testemunha, você perde muita coisa que só quando você in-
denado e gerenciado por agentes de Polícia Federal) elaborados segun- vestiga um negócio que está acontecendo ou acabou de acontecer, você
do as melhores práticas das investigações mais eficazes já realizadas pela consegue ter êxito. (E/PE DPF 3).
Polícia Federal, como ferramentas humanas e tecnológicas de obtenção
• Tomo 2 •

de provas em campo (vigilâncias a pé e motorizadas, monitoramento de Este mesmo problema ocorre quando há o parcelamento de dívidas nos crimes
suspeitos, manejo de fontes humanas, disfarces, estórias-coberturas, en- contra a ordem tributária:

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Fica suspensa também a prescrição. Só que quando demora muito tempo, iniciaria ali; e não voltar para o local, pra delegacia ou pro seu escritório,
aí, às vezes, tem muita mudança de sócio, aí também dificulta a investi- pra formalizar e depois de 24 horas, uma semana, duas semanas, começar
gação. Porque aí vai assim, fugindo, né? Na questão de executar, que é as intimações para aquelas pessoas. Ou seja, você atuaria imediatamente,
cível, executa a empresa, mas, na questão penal, tem que ser efetivamente não perderia o princípio da oportunidade. Você não fica postergando o
quem administrava a empresa na época. É quem tinha a intenção, né, fato. O fato, ele some, se perde, ou então até surge como uma criação, as
de fraudar, de não pagar, de omitir algum dado. Então o que acontece? pessoas começam a inventar. Então, quando algumas polícias de outros
Quem administra a empresa em 2000, muitas vezes não é quem adminis- países chegam ao local e já começam aquela atividade ali, é o ato célere
tra a empresa em 2012. Então, mesmo que a gente não tenha o caso da da investigação. Foi feito um levantamento tal, tal; aquilo ali é tudo ma-
prescrição, a gente, às vezes, tem uma mudança de um monte de sócio, terializado em documento; pode até passar pela figura do delegado, sem
aí não acha o sócio ou tem sócio que trabalhava, mas diz que é da área problemas, pra que ele faça a parte jurídica, se for necessário; e ali direta-
comercial. Então dificulta. Então quando o fato que vai ser investigado é mente vai para o Ministério Público. (E/DF APF 2).
um fato próximo, você tem mais chance de êxito, porque é mais fácil você
encontrar testemunhas. Teve um inquérito aqui que eu tava procurando Ou seja, na visão dos agentes o prejuízo do passar do tempo não reside na che-
os funcionários, de 2005, pra ouvir os funcionários, pra eles me dizerem gada da notícia e sim na apuração dos fatos mediada pela burocracia do inquérito e
quem, na época, efetivamente administrava a empresa, porque os sócios pela atuação intermediária dos delegados. Outro agente acrescenta:
também não vão chegar aqui, quando eles querem se esquivar da respon-
Por exemplo, a gente vai pra campo: a gente tá ali na rua, ouve as coisas
sabilidade penal, né? Eles vão chegar aqui omitindo, dizendo que não ti-
na rua. A gente tá sabendo do que tá acontecendo, mas a gente não pode
nham responsabilidade, dizendo que eles não administravam, que quem
pegar aquele depoimento ali e transformar num documento. Você tem
administrava era o fulano, que era o contador. Então, quanto mais longe
que intimar, “Ah, você vai ter que ser ouvido...”. Aí, quando o cara chega
do fato, mais difícil a apuração. Então essa suspensão pelo parcelamento
na delegacia, ali já é outro ambiente, né? Ele chega lá na delegacia, aí tem
tem esse lado negativo, porque, apesar de resguardar a questão da pres-
aquela formalização, o delegado... Então isso aí é outra coisa também que
crição, vai dificultar investigação, porque quanto mais próximo do fato,
eu vejo que prejudica muito a investigação. (E/DF APF 1).
mais fácil... (E/PE DPF 2).

Os agentes concordam que o tempo opera contra a investigação, mas por outros Os agentes de Minas Gerais têm uma visão um pouco diferente do problema do
motivos. Para eles o ideal é colher as informações de imediato, atendendo ao princípio tempo. Um deles faz uma pergunta interessante a respeito do problema do tempo da
da oportunidade, sem precisar da intermediação do delegado e da formalização do investigação em relação aos fatos:
inquérito. Essa ideia já está contida em outras pesquisas sobre a tradução das infor- [...] quem vive do crime, ele faz um crime e para, ou ele faz um crime e
mações para o mundo jurídico que, com sua linguagem específica, causa várias perdas continua? Então se você tem atores que atuam – atores que atuam é bom
ao inquérito policial. Uma destas perdas é temporal e outras impactam nos resultados né? –, que estão naquele negócio, vão estar naquele negócio amanhã, no
obtidos, e isso é importante na medida em que vivemos em um momento em que o mês que vem, no ano que vem, você vê que essa é uma argumentação que
índice de elucidação de crimes é baixo (Misse, 2010). não se sustenta, não é? A distância com o fato criminoso muitas vezes é a
forma errada de investigar. (GF/MG APF 4).
A fala deste entrevistado expõe uma parte do problema que estamos descrevendo:
Mais adiante na conversa, o mesmo agente fala que pode existir um proble-
O que acontece: o inquérito funciona de uma forma que você intima, ma causado pela defasagem de tempo sim, mas que se relaciona mais com os atos
ouve, avalia o que você ouviu, intima de novo um outro, avalia de novo,
fracionados da investigação, que acontecem de forma esparsa, e que isso sim pode
pra chegar ao final, fazer um relatório e ver se vai ser indiciado, se não vai
prejudicar a investigação. Nesta linha de argumentação, sobre os atos fracionados,
ser indiciado... É aquela questão da denúncia que vai para o Ministério
Público. O que a gente pensa como investigadores? Aconteceu um fato?
no mesmo grupo focal de Minas Gerais, foram ouvidas críticas severas aos 15 dias de
Os policiais iriam a campo e, a partir daquele momento, a investigação já prazo para as interceptações telefônicas, o que traria justamente este efeito de frag-
estaria iniciada; eu não precisaria estar desviando para uma figura o in- mentação na investigação. No diálogo abaixo, que ilustra o problema da fragmen-
quérito. Ali eu já iniciaria com a minha equipe de investigação, já colheria tação, também estão elementos que se relacionam ao primeiro item deste capítulo,
os depoimentos ali mesmo naquela hora, com as pessoas presentes, o que referente às rotinas profissionais. Podemos ver como elas vão se reconfigurando,
• Tomo 2 •

aconteceu. Futuramente você teria outras pessoas que viriam, mas você já nem sempre da forma esperada:

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[...] a Polícia conseguiu criar os meios pra contornar essa dificuldade, mas uma visibilidade – mas ele precisa ter começado já com comprometimento
é verdade que as coisas não acontecem quinzenalmente e isso cria... cria pra que no meio: “Nossa, é um caso grande mesmo” ... e o comprometi-
uma rotina, uma necessidade de você criar uma justificação, fundamen- mento... como tem procuradores que, infelizmente, não têm esse compro-
tação, para as coisas acontecerem a cada 15 dias quando, na verdade, não metimento, assim como tem delegados, agentes que não têm, instituições
há essa limitação na vida real – só na lei. geridas por seres humanos. (GF/DF 1 DPF 1, 2 e 3).

– É. É. Um dos destaques do campo da pesquisa foi o estado do Paraná. Embora tenha-


mos conseguido pouca informação por causa do grande destaque da Operação Lava
– Toda interceptação telefônica ela exige... ela é autorizada por 15 dias, e a
Jato, a informação que conseguimos é relevante neste item, pois esse estado pode ser
lei exige que a cada 15 dias seja gerado um auto circunstanciado onde se
definido como “o ponto fora da curva”. As entrevistas realizadas mostram que lá os
vão apresentar os principais elementos colhidos naquela quinzena, é da le-
atores do sistema de controle conseguem conversar:
gislação da interceptação telefônica, e aí a legislação acaba por pautar a ação
da Polícia, então a Polícia começa a agir pra começar e acabar em 15 dias. – Pelo menos no meu universo, no meu universo não observo isso tanto.
Porque o que acontece: nós lidamos aqui com tanta coisa, e a capacidade
– E justificar a prorrogação no relatório desses 15 dias.
humana é tão aquém, que nem nós nem os procuradores com os quais
– Você fragmenta as provas. (GF/MG APF 1, 4, 6 e 3). nós tratamos diretamente têm o menor problema em falar: “Olha, não
tem perspectiva útil aqui...”.

– Não vai pra frente, deixa pra lá...


3.3 • O BOM INQUÉRITO
– Então eu sugiro o arquivamento. E o procurador adora. Eu coloco isso e o
Um de nossos propósitos foi identificar o que dá certo na investigação de crimes procurador: “Excelente, também concordo”. Entendeu? E o juiz mais ainda.
Por quê? Porque arquiva esse e tem mais cem vindo atrás. (E/PR DPF 1).
de colarinho branco. O diálogo reproduzido a seguir inicia-se com a pergunta:
O processo quando ele termina de uma forma prevista regular Um dos agentes entrevistados reafirma o problema do vai e vem de papéis e
ou a contento, vamos dizer assim, é porque os atores envolvidos destaca a necessidade de uma aproximação com o Ministério Público para as inves-
conseguiram conversar? tigações funcionarem melhor: “A proximidade com MP dará agilidade às decisões de
denunciar ou não. Sem o MP, fica papel e papel de um lado para outro, sem saber se o
E as respostas foram muito interessantes: MP irá aceitar as provas coletadas” (R APF RS 2).
– Nos casos complexos que demandam esse tipo de acordo, porque às A mesma disposição para estreitar as relações com o Ministério Público apare-
vezes tudo dá certo. Como diz o poeta: “Felicidade não tem história”. ceu no grupo focal com agentes em Minas Gerais. Perguntados sobre se era desejo de-
Quando tudo dá certo ninguém lembra, flui a investigação, corre rápido. les de atuar vinculados diretamente ao Ministério Público, a resposta foi contundente
Cada um cumpriu o seu papel, juiz fez seu papel, o Ministério Público fez
no sentido positivo.
seu papel. Todos...
– Vocês se sentiriam confortáveis então se a comunicação fosse
– Todos são importantes. direta com o Ministério Público?
– Todos entendendo que é importante, urgente, apresenta o negócio e o – Sem dúvida! (GF/MG APF 1)
inquérito correu rápido, todo mundo comprometido – aí é o cenário ideal.
Há que se considerar também que nem toda investigação precisa virar processo,
– Então, na verdade, não é a consistência da prova, a importân-
o que já parece ter se incorporado à mentalidade dos delegados entrevistados:
cia política de determinada questão, de fato, é forma de articu-
lação do setor ou da equipe... – Mas a investigação que chega à conclusão de que não houve crime não
é uma investigação fracassada. Não houve crime.
– Quando você inicia não tem nem noção de onde vai chegar, falando de
• Tomo 2 •

questões políticas, às vezes, você inicia um caso e lá no meio é que ele atinge – Uma investigação bem feita.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

– O nosso objetivo não é condenar as pessoas e demonstrar que aquela tem vários pratinhos, aí ele tem que manter o prato rodando. Aí quando o prato começa a
pessoa praticou um crime. Esse é um dos enfoques, mas se não houve parar ele vai lá e... Então é mais ou menos assim, você vai administrando...” (GF/DF P 6).
crime, não houve crime.
É basicamente a mesma imagem que os agentes têm sobre o inquérito, como já
[...] relatamos em tópico anterior:
– É, é melhor concluir que não houve crime de forma exauriente do que [...] no inquérito cada delegado tem 300, 200, ele é dividido em micro-
concluir que houve indício, havia denúncia, um processo de 15 anos, peças, micropartículas “Intime alguém”, “Levante informação”, “Produza
ocupar o Judiciário... (GF/DF 2 DPF 2 e 3). uma ficha”, “Vai lá e oficie... vai lá na área e levanta”, aí você faz uma coisa
A fala que conseguimos registrar no Paraná corrobora a existência de proble- daquele inquérito é despachado pro Ministério Público e pra Justiça, aí
você faz outra de outro, outra de outro, outra de outro... (GF/MG APF 2).
mas na investigação quando não é possível identificar a autoria. Isso indicaria faltas ou
falhas nas diligências, mas de resto pode ocorrer que o inquérito seja encerrado: Na visão dos peritos, o inquérito que temos hoje é produto de uma época que
[...] porque não aconteceu o fato, ou o fato não é criminoso por algum nada tem a ver com nosso estágio atual de mudança social e de padrão criminal:
tipo de excludente, ou havia uma prescrição, ou tem o autor, mas o au- “Então, o nosso modelo de persecução penal, ele acompanha o CPP que, portanto, é
tor é, digamos, inimputável. Isso aí não pode ser imputado à Polícia pelo também anacrônico. A figura do inquérito policial é uma excrescência que tem que ser
fato de esse inquérito não ter gerado uma denúncia. Simplesmente porque banida do nosso sistema de investigação” (GF/ DF P 1).
ele não foi um inquérito bem-sucedido. Ele foi bem-sucedido, ele apurou.
Então pra mim assim, o melhor jeito de aferir eficiência é ver se o fato foi É claro que os delegados não concordam com isso e defendem o inquérito de
apurado. Ele foi apurado. E porque ele foi finalizado, ele foi arquivado? forma contundente, como se nota do diálogo abaixo, no qual são destacadas as neces-
“Ah, porque o crime não aconteceu, porque o fato já era prescrito, porque sidades de formalização e a importância da fiscalização, ou seja, a defesa se dá pelo viés
o autor é inimputável, ou porque o fato tem uma excludente que tira a das garantias que ele confere:
característica de criminoso dele”. Então todos esses casos e tantos outros
que eu poderia pensar... foram apurados e se chegou à conclusão, ou seja, o – Por que o inquérito é importante? Porque ele formaliza o esforço inves-
órgão de persecução, no caso a Polícia, atuou, investigou... (E/PR DPF 1). tigativo de maneira organizada e previsível, no que for possível é previsí-
vel, você tem noção do que vai acontecer no inquérito quando você é in-
De toda maneira, as respostas padrão para a pergunta “O que um bom inquérito vestigado, não deixa de ser uma garantia ao investigado porque o investi-
deve ter?” normalmente seguiram a cartilha dos aspectos processuais: a individualiza- gado não é, necessariamente, culpado, não é responsável pelo fato que ele
ção do indiciado, a convicção de que ele é o autor etc., como comprovam as seguintes está sendo investigado. Então você tem o procedimento com o mínimo
respostas que obtivemos: de formalidade, muito se critica do formalismo do inquérito policial, mas
esse formalismo, ele existe como demanda de quem vai ser investigado.
Provas que identifiquem a autoria e a materialidade do delito. (R APF RN 1). Você vai ser investigado e não tem noção do que vai acontecer ali: vou ser
indiciado, não vou ser indiciado, se vai ouvir gente ou se não vai ouvir
Prova material, pericial e um bom rol de testemunhas. (R APF RS 1).
gente, se vai ter quebra de sigilo.
Isso nos leva a crer que, nestes tipos de crimes que procuramos entender como
– É melhor você ser investigado dentro de um inquérito do que dentro de
se investiga, não existem muitas novidades técnicas, em que pese a complexidade da
um dossiê em que não existem regras, não existe fiscal, em que não existe
matéria, embora se afirme o tempo todo que existem diferenças, como mostraremos uma rotina, uma previsão legal; dentro do inquérito não, o inquérito ele
no próximo item. garante aqueles princípios mínimos ao cidadão.

– Tem prazo, tem fiscalização.


3.4 • PAPEL E IMPORTÂNCIA DO INQUÉRITO POLICIAL – Tem prazo, tem fiscalização, porque nós já vivemos um passado recente
onde as pessoas eram investigadas dentro de um dossiê. (GF/DF 1 DPF 1 e 3).
O inquérito policial tem sido alvo de bombardeio por parte de muitos profissionais
• Tomo 2 •

do sistema de justiça e de fora dele, como veremos adiante. Os peritos comparam a adminis- Esta comparação com os dossiês é boa, pois dá uma perspectiva da dimensão
tração dos inquéritos usando a imagem de um chinês rodando os pratinhos no circo: “[...] do problema. De acordo com a visão dos delegados entrevistados, a atividade deles é

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

imprescindível pela leitura e transposição que fazem entre dois mundos – dos fatos ou que nós não vivemos... O inquérito policial, dê qualquer nome que você
papéis para o universo jurídico de forma organizada: quiser, é a prova de que nós não vivemos numa autocracia.

– A recente doutrina coloca que o inquérito policial é uma mera peça – Que não teve covardia.
de informação, e a gente não pode fazer conclusões pessoais dentro do
– E sem esquecer que é o instrumento de investigação, o caderno de inves-
inquérito, salvo os fatos do procurador. Então eu vou pegar o material da
tigação, no qual se tem mais controle. Você tem o delegado, que coordena
operação Lava Jato, não vou colocar conclusões e nem delações, vou jogar
a investigação, que exerce o primeiro controle; você tem a Corregedoria
pra ele em cima da mesa dele: “Está tudo aí”.
de Polícia; você tem o Ministério Público; e quando você representa em
– Manda o relatório do Coaf. justiça você tem o juiz.

– Não vai achar nunca, nunca. É um trabalho, qualquer um aqui trabalha, – E depois você tem a defesa também, que faz o controle.
são 23 pessoas e chega lá você recebe até entender, construir uma linha
– Depois, quando você abre oportunidade pra defesa, quando você vai
investigativa: “Vai por aqui”. “Ôpa! Não deu certo, vai por ali”. Depois:
ouvir o investigado, vem a defesa também. Então assim, no nosso País,
“O que eu fiz? Como eu cheguei ali?”. Essa informação, por que ela é im-
não tem outro instrumento de investigação mais sujeito a controle do que
portante? Porque ela se liga com a outra. Um caso bem clássico é aquela
o inquérito policial. O PIC do Ministério Público, quem controla?
empresa que não tem funcionário e está recebendo R$ 2 milhões de reais,
esse convênio está errado. E a gente tem que contar uma história... – Fica cinco, seis anos lá.
– É um quebra-cabeça. – Dentro da gaveta.
– [...] uma história com personagem, aí se a história for bonitinha, se eu – Não tem prazo.
conseguir comprovar isso, tirar uma boa moral daquela história, eu consigo
uma boa condenação. Agora se a história estiver meio capenga e não conse- – Dão prazo pra gente. Terminou o prazo, tem que ir pro Ministério Público.
guir saber quem é quem porque não identifiquei aquela conferência e não
– Não necessariamente passa pelo Judiciário.
consegui... aí, realmente, a pessoa não merece ser condenada por mera [...].
– Fica por lá mesmo.
– Agora numa investigação de desvio de recurso público [...] o trabalho
é muito grande para você entender a estrutura do poder, as transferên- – Porque o Ministério Público tem prerrogativa de requisitar informa-
cias do recurso, da contratação, as ligações entre as pessoas e do porque ções diversas sem passar pelo Judiciário.
ele está fazendo aquilo com aquele outro, porque de repente eu decido
que vou dar todo meu dinheiro pra ti, que eu tinha uma ligação, aquele – Tem independência funcional, então não tem que dar satisfação a ninguém.
complexo ele... hoje o inquérito policial é um procedimento complexo,
– Então muitas vezes, o PIC ele existe, ele tramita, ele morre e ninguém
complexo com várias fases que chega a uma conclusão baseada em fatos
fica sabendo. (GF/DF 2 DPF 1, 2 e 3).
que são comprovados empiricamente e fica nisso.
O que se destaca deste diálogo, então, é uma transparência e um controle maior
– O inquérito federal é muito diferente em termos de temas, conteúdo, pro-
que o inquérito teria, ao contrário dos procedimentos investigatórios utilizados pelo
blemas, do que o inquérito criminal comum, né? (GF/DF 1 DPF 1, 2, e 3).
Ministério Público Federal.
Estas observações são complementadas no segundo grupo focal do Distrito Federal:
E segundo os policiais a existência de tais controles se deve ao fato de que a
– Mas a importância do inquérito policial, a principal importância do Polícia era identificada com arbitrariedade e violência devido à proximidade temporal
inquérito policial, ela não tem nada a ver com apuração de crime. Ela tem dos regimes ditatoriais. Depois da Constituição de 1988, quando despontam outras
a ver, como numa democracia, eu não posso te colocar na cadeia porque formas de investigação, sejam PICs4 ou dossiês, já não foram acompanhadas por tan-
eu quero, por mais que eu queira, entendeu?
• Tomo 2 •

– Ela é a garantia pra todo mundo de que existe uma instância onde vai 4 Procedimento Investigatório Criminal (PIC) – serve para investigar crimes e contravenções pe-
ficar registrado tudo o que o órgão de persecução fez em seu desfavor. E nais por meio de coleta de dados, informações, documentos, perícias e depoimentos. É instau-
ali você vai poder acompanhar e se defender. Então isso aqui é a prova rado (iniciado) por portaria assinada pelo promotor de Justiça e tem prazo de conclusão de 90

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

tos controles, pois seus responsáveis acabaram sendo mais identificados com heróis, – Porque até nos Estados Unidos tem registro das provas.
salvadores da pátria, defensores da sociedade, ao contrário do que ainda compõe o
– Tem que ter um papel, alguma coisa registrada.
imaginário social sobre a atividade policial, incluído aí o inquérito.
– Então não é o inquérito o problema.
Contudo, a visão negativa sobre o inquérito aparece na fala dos peritos e aparece
na fala dos agentes também: “O inquérito, na verdade, é uma peça desnecessária. Não – Em todo sistema tem algum caderno, tem que ter um procedimento.
existe nos países desenvolvidos, onde a Polícia tem um papel eficaz. Representa um
– É, tem que ter um caderno.
atraso para as ações policiais” (R APF BA 1).
[...]
Há outras: “Entendo que o inquérito policial é uma peça arcaica e dispensável
para a perquirição criminal” (R APF DF 1). – Você faz uma sindicância aqui na UnB. Agora você imagina uma sindi-
cância sem ter a sindicância?
Os agentes fazem questão de frisar que a disputa de poder passa inclusive pela
nomenclatura “inquérito”, e que isso tem uma razão de ser que é vista da mesma – Sem ter o autuado.
forma pelos peritos: – Sem ter o autuado.
Pode-se dizer que os delegados atribuem forçosamente a denominação – A gente ouviu gente, mas você se safou. Deu sorte, hein! (GF/DF 2
de inquérito a cada investigação policial devido ao fato de serem os pre- DPF 2 e 3).
sidentes de tais inquéritos. Segundo o entendimento limitado dos dele-
gados de Polícia, somente eles “investigam”. Os demais cargos integrantes Os peritos criminais demonstram uma irritação com a insistência dos delega-
da instituição policial, mormente os agentes e escrivães de Polícia Federal dos na permanência do inquérito (ou caderno, ou outra coisa) e deixam muito clara
e até mesmo os peritos criminais federais, segundo os delegados, seriam sua posição contrária a uma necessidade hierárquica dentro da Polícia Federal:
auxiliares da autoridade policial [...]. Segundo os delegados, somente eles
exerceriam a investigação na Polícia Judiciária. Os demais realizariam ati- – E aí, o que é que eles fazem também por causa dessa questão da hie-
vidades secundárias, de simples auxílio, mesmo que a maioria das provas, rarquia? Numa forma patológica, distorcida de hierarquia, a trava sala-
levantamentos e análises de dados, entrevistas com suspeitos e testemu- rial. Então eles têm, a primeira distorção, de que salário remunera hie-
nhas, coleta de provas etc. tenham sido efetuados por agentes de Polícia rarquia. Que isso é a primeira patologia que existe na cabeça de alguns.
Federal em campo. (E/MG 11). Eu comandei vários subordinados que ganhavam mais do que eu, nunca
tive problema de hierarquia. Salário não é pra remunerar autoridade,
Os delegados negam esse apego à nomenclatura. Já existe um discurso padrão salário remunera outras coisas. O subtenente lá, que tem 30 anos de
a respeito que pode ser facilmente identificado. Eles dizem que até se pode chamar o carreira, tem mulher, três filhos, ele tem que ganhar mais do que eu,
inquérito de outra coisa, mas que vai deve existir um instrumento onde será registrado que sou tenente com 22, 23 anos. Um delegado que entra hoje não pode
o que foi feito, então eles dizem: querer que, obrigar um agente... então assim, existe uma trava salarial
que eles não abrem mão, que é o seguinte, o agente mais antigo não
– [...] então vai acabar com o inquérito e vai colocar o quê? pode ganhar mais do que o delegado mais moderno. Entendeu? Por
quê? Porque senão quebra a hierarquia.
– Não, toda investigação ela vai ser reduzida a um caderno. Nosso direito
é um direito formalista. Qual o problema de chamar de inquérito? – E com os peritos também? Ou não, com os peritos é diferente?

– Com o perito eles tentam fazer isso, só que há 30 anos a gente conseguiu...
dias, podendo ser prorrogado, conforme a necessidade e a complexidade da investigação. É in-
dependente da investigação policial ou sindicância de outros órgãos da Administração Pública. – Equiparação.
Durante o PIC, o promotor de Justiça poderá requisitar a instauração de inquérito pela Polícia.
Se a investigação apontar a ocorrência de crime, o promotor de Justiça deverá propor a ação – Equiparação. Equiparação assim, igualdade, não é exatamente equipara-
penal pública (ação criminal). Caso contrário, pode requerer o arquivamento. Disponível em: ção, de ganhar a mesma coisa, e tem sido assim nos últimos 30 anos, mas é
• Tomo 2 •

<http://www.mpsc.mp.br/portal/instituicao/promotorias-de-justica/atuacao-da-promotoria. um negócio que eles não engolem, porque ele vê o perito como auxiliar. Ele
aspx>. Acesso em: 4 abr. 2015. se vê como dono do processo e o perito como auxiliar do processo.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

– Entendi. Pensando nessas colocações do ponto de vista profissional, é perfeitamente


compreensível a insatisfação, justamente em razão do respeito à autoria dos trabalhos
– Então, o auxiliar ganhar a mesma coisa é uma coisa que eles têm mui-
e ao reconhecimento de cada um por seus resultados.
ta dificuldade. Então, quando tem essas prerrogativas de, ah, o diretor
geral tem que ser delegado, e o perito reage, não é porque o perito quer
ser diretor geral, nenhum perito quer ser diretor geral. Mas quando você
coloca isso na Lei você cria uma prerrogativa diferente para aquele cargo. 3.5 • HABILIDADES, FORMAÇÃO E EXPERTISE
Então você deu margem pra na próxima negociação ele dizer não, o meu
cargo tem que ganhar mais porque inclusive os casos de maior responsa- 3.5.1 • O MODELO AO CONTRÁRIO
bilidade são exclusivos meus. Entende?
Mais do que críticas ao inquérito policial, são muitas as críticas à própria carreira
– [...] hierarquia militar numa instituição civil. (GF/DF P 1, 4, 5).
policial, à figura dos delegados, ao tipo de seleção que é feito no concurso, aos requisitos
Em alguns momentos é possível perceber um certo desalento por parte dos pe- exigidos, à distribuição das vagas etc. Os peritos foram muito incisivos a esse respeito,
ritos sobre a forma com que está estruturada a instituição Polícia Federal. Eles men- chegando a afirmar que há “muito mais gente para perguntar do que para responder”,
cionam a Medida Provisória n. 657 para verbalizar isso: que está “sempre entrando mais cargo de delegado do que perito”, que eles já falaram
na Academia que precisa abrir concurso para contadores e economistas: “É o nosso filé,
– Vocês viram a MP 657 que foi aprovada, né? Tem logo no Artigo 1º, tem cara! Não fazem. [...] Então você não tem gente pra investigar” (GF/DF P 1 e 4). Para
lá que a Polícia Federal é fundada na hierarquia e na disciplina. Isso dói eles está claro que deve haver uma inversão no modelo – mais conhecimento técnico
tanto! Eu fui ver a missão de vocês do Fórum (FBSP), está lá, respeito aos
de áreas específicas e menos conhecimento jurídico, e que hoje é o contrário. Chegam
direitos humanos e aos princípios democráticos. Era nisso que a Polícia
a dizer claramente que se hoje há uma proporção de dois delegados por um perito, a
Federal deveria ser fundada, sabe. Mas não, porque eles estão perdendo
proporção recomendável seria “zero para um”:
o controle, porque tem crime institucional [...]. É difícil a gente separar,
quando você fala assim, qual o modelo ideal pensando em mundo? A – Sim. Bem objetivo, que até é a sua pergunta inicial, qual modelo nós
nossa realidade é muito cruel hoje pra gente conseguir separar isso aí. defendemos, nada muito original, um modelo que é FBI, Polícia da
Olha, eu trabalhei na Caixa Econômica 20 anos, eu achava a adminis- Alemanha, BKA, todas essas polícias onde o investigador, especialmen-
tração da Caixa Econômica não muito moderna. Quando eu entrei na te nesses crimes que exigem conhecimentos específicos que são dife-
Polícia Federal eu me choquei. Eu nunca vi uma coisa tão arcaica, sabe. rentes, por exemplo, de um homicídio, que o cara tem que ser mais
Tão arcaica! Quem vê o resultado da Polícia Federal aí fora não acredita multidisciplinar. Agora, esses crimes financeiros, crimes cibernéticos,
como as coisas [...]. (GF/DF P 1). fraudes em obras de engenharia, quer dizer, a casuística mais comum na
Polícia Federal exige um conhecimento específico. Eu acho que o inves-
Ainda que o raciocínio não tenha sido concluído, pode-se entender o que foi tigador deveria ter esse conhecimento específico, e não ser um bacharel
colocado. Para finalizar este item, um diálogo com agentes que resume alguns pontos: em Direito, sendo que já tem outros dois super-bacharéis em Direito
atuando na investigação, que são o juiz e o procurador, pra garantir
– Por que o delegado defende tanto o inquérito?
direitos individuais etc., que é o argumento do pessoal que defende o
– Porque é o que dá a ele o poder. O Ministério Público quer a denúncia; bacharel em Direito conduzindo a investigação, eu acho que deveria
o delegado quer o inquérito. ser um técnico, uma pessoa com conhecimento técnico da área, pra in-
vestigar, por exemplo, vazamento de petróleo da Chevron, aquele caso
– Mas o agente não tem a investigação? famoso de dois anos atrás. Como é que o cara vai entender, eu seria ab-
solutamente incapaz de fazer qualquer coisa ali. Então eu entendo que
– Pois é, mas a investigação não é do agente – a investigação é do inquérito.
seria esse o modelo. Por isso que eu brinquei, seria zero pra um, seria
– Fica refém do inquérito? sem, acabou o delegado, né? (GF/DF P 2).

– E do delegado. Você tem muito assim: a investigação do fulano de tal, As inaptidões para investigar, decorrentes do modelo existente, possuem conse-
• Tomo 2 •

inquérito do delegado tal tal. (E/DF APF 1 e 2). quência visíveis na condução das investigações pelos delegados:

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

O que acontece é o seguinte: o cara pra investigar esse tipo de crime ele – Pra você ter uma ideia da situação, no último concurso ele enfraquece-
tem que ter ou uma formação na área, ou algum conhecimento, senão ram muito a área que poderia gerar contestação, a área de processo, a área
ele não consegue andar, ele não consegue interrogar uma pessoa inves- de Direito, enfraqueceram e botaram cada vez mais difícil a prova física; o
tigada, ele não consegue direcionar para onde vai a investigação, ele não pessoal falou que a prova estava ridícula, ouvi isso no fórum.
consegue analisar um documento, que aquele documento não vai ser só
– Estava ridícula a prova pra agente, qualquer um passaria naquela prova.
pra materializar o crime não. Aquele documento, durante a investigação,
ele vai ter que analisar uma porção de documentos, uma porção de con- – O pessoal falou que estava muito fácil, muito fácil.
textos, que vão retroalimentar a investigação e continuar. A gente não
tem isso. Sabe o que acontece? Na hora que eles vão quesitar, eles fazem – A gestão priorizou o nível de conhecimento muito baixo e o nível físico
quesitos pra gente investigar. É, e às vezes não tem metodologia. A inves- muito alto. (GF/MG APF 3, 2, 5, 1).
tigação em si não se aplica às técnicas metodológicas adequadas numa
O que se entende, então, é que na visão destes profissionais, para a construção
investigação. Quer dizer, o cara vai investigar, ele não tem uma hipótese
de investigação. Ele recebe uma notícia qualquer, uma denúncia qualquer de um novo modelo investigativo, seria importante equilibrar as entradas nas carreiras
e não estabelece hipóteses de investigação. Se o cara não tem uma hipóte- profissionais da Polícia, admitindo um número maior de profissionais com competên-
se de investigação ele não consegue saber, ele não consegue quesitar, por cia técnica, não jurídica.
exemplo. (GF/DF P 5).

O exemplo usado para descrever a referida incongruência mostra que a falta de 3.5.2 • A ESCOLA DA FRONTEIRA
experiência ou de conhecimento específico sobre o assunto investigado faz com que as
demandas para a perícia sejam inúteis: A formação dos policiais federais é desenvolvida na Academia Nacional de
Polícia, sediada em Brasília. Concluído o curso é feito um concurso interno. Os poli-
– Na Lava Jato, hoje, tem um contrato lá de compra de canos, e aí, junto
ciais mais bem classificados têm a preferência para escolher onde irão assumir. Hoje
com esse contrato tem que, teve o contrato de consultoria, uma senhora
em dia está proibida a saída da Academia direto para atividade burocrática, para o
grana naquele contrato de consultoria. Então, qualquer pessoa que olha
órgão central, por exemplo:
isso aqui, consultoria com empresa que não existe, que não funciona le-
galmente. Então, qualquer profissional que tenha experiência com isso Até 2006 você podia ser lotado direto na sede, então você tinha pessoas
vai falar assim: “Não, eu não vou focar aqui no preço do material que foi, que nunca tinham tocado num inquérito, que nunca tiveram 350 inqué-
eu vou focar nessa consultoria. Porque muito provavelmente isso aqui ritos na sua carga. O Luís Fernando mudou isso, é proibida a peixada.
vai estar legal, o preço não vai estar ruim porque ele está superfaturando Quando você entrar no concurso, você vai pro Norte, vai pra fronteira. Na
na consultoria”. Aí o cara vem e me faz um quesito: “Esses canos foram hora em que você aprende, você vai voltando pro Brasil. (E/DF DPF 2).
superfaturados, esse material foi superfaturado”. Não. Está perfeito. No
laudo vai sair “está perfeito”. Está entendendo? Se você não avançar na Esses policiais que vinham direto para a atividade burocrática sem passar pelo
investigação, se você não chegar no ponto, o que é que está de errado aí... departamento, sem ir para a rua aprender a decidir quando deve disparar uma arma
etc., foram apelidados de “delegados de cativeiro”. “Porque fica ali, né? nunca saiu pra
– Tem que saber como perguntar.
rua... é porque ele é criado, ele não tem experiência própria” (GF/DF 2 DPF 1).
– Você não vai saber o que perguntar, então vai dar bola fora. E vai fazer a
Os delegados de Brasília avaliam que os “de cativeiro” deveriam passar antes
perícia trabalhar pra investigação. É o nosso caso de análise financeira de
pelo “chão de fábrica”, pela atividade fim, para depois irem para a atividade burocrá-
movimentação bancária e extratos, 80% do que a perícia faz, do esforço
do perito, é coisa que já devia estar feita na investigação. (GF/DF P 5 e 3). tica, se for o caso. Suas carreiras são descritas como carreiras em Y, ou seja, começam
no “chão de fábrica” e quando ganham traquejo vão se responsabilizar por operações
No grupo focal dos agentes de Minas Gerais apareceu também uma crítica ao maiores ou vão ocupar funções gratificadas em alguma parte da burocracia. Além dis-
último concurso para a carreira, onde foram feitas provas fáceis do ponto de vista teó- so, explicam que hoje há uma política de que todos os que entram vão primeiro para
rico e difíceis nas aptidões físicas. Para eles está claro qual o tipo de profissional que se o Norte, para a fronteira. Então supomos que o “delegado de cativeiro” é uma “espécie
• Tomo 2 •

quer selecionar: aquele que não represente ameaça aos delegados. em extinção”, e isso já representa uma mudança na carreira.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Os agentes, por sua vez, valorizam novamente a necessidade de ir para a rua, 3.5.3 • O SRDP E OS MANUAIS DE PROCEDIMENTOS
mencionando justamente a fronteira e as diferenças de atuação que ela propicia:
Um de nossos entrevistados explicou que no âmbito da Coordenação-Geral de
A Polícia na fronteira, o policial federal, ele é quase um policial civil, mi-
litar. Ele tá muito mais na rua do que aqui em Brasília, ou nas grandes Polícia Fazendária (CGPFAZ) foi criado um serviço (deveria ser uma coordenação,
capitais, nas instâncias principais. Porque o contingente é pequeno, você mas não havia e não há recursos para DAS), que é o Serviço de Repressão ao Desvio de
meio que corre pra um lado e pro outro, analisa, vai pra rua você mes- Recursos Públicos (SRDP). Lá são feitos acompanhamentos estatísticos e produzidos
mo... Quando você passa a estar dos dois lados, você passa a estar mais na manuais de procedimentos, ou seja, tentam estabelecer as rotinas, as metodologias de
rua, verificando. E o crime é mais exposto, né? No caso de Foz, o contra- trabalho para poder capacitar os servidores:
bando, o descaminho, o tráfico de armas, o tráfico de drogas, está muito
O cara passa no concurso público, tem conhecimento teórico, mas, quan-
ali exposto na rua. (E/DF APF 2).
do ele chega nessa área de recursos públicos, ele vê que não sabe nada,
Mas evidentemente que essa história da escola da fronteira pode ser relativiza- pois não é uma área que se aborda no concurso. A prática do combate a
da em termos de aprendizado (político), como se observa do diálogo com os agentes este tipo de crime é muito específica. Então esta metodologia tem facilita-
do, desatado uma série de nós que tem por aí Brasil afora. (E/DF DPF 2).
de Minas Gerais:
– Mas aí como é o caminho? Passa pelo teste da fronteira e... Atualmente as turmas formadas na academia têm uma disciplina que se chama
“Combate ao desvio de recursos públicos e corrupção”, que explora as lacunas que fo-
– A grande maioria. ram sendo percebidas, que são evidentes em razão da exigência de formação jurídica:
– A grande maioria. Para entender de desvio você tem que entender de orçamento, de execução,
até o pagamento dos fornecedores, para você poder achar a diversa e
– As grandes operações foram [...] de fronteira, por quê? Porque tem mui-
entender onde estão os crimes. Esses clientes, diferentemente dos crimes
to menos controle institucional...
de drogas, por exemplo, eles têm residência, eles não se escondem. E
– Os novos vão pra lá... estes crimes têm rastros porque toda a execução do orçamento público é
documen­tada. Se não tiver nada, vai ter uma publicação no Diário Oficial
– As duas coisas. do extrato do contrato. Isso tem que ter! Qualquer contrato tem que ter
um extrato no Diário Oficial. Se não tiver a publicação, aí já é um indício
– Os novos vão pra lá e as pessoas que podem, por exemplo, Minas Gerais,
de crime. Foi uma contratação que foi feita sem a devida publicidade.
nós viemos pra cá achando “Vamos tocar o terror porque a gente apren-
Então a gente trabalha com este tipo de investigação: a execução, a forma
deu demais”, era um estado grande, o pau quebrou, nós viemos... e um
de contratação... (E/DF DPF 2).
dos critérios que a gente juntou pra vir pra cá foi “Vamos fazer operação
que isso aqui vai ter um impacto nacional”... Nossa! Os manuais, segundo os delegados, são redigidos com base em casos já ocorri-
– O que nós fazíamos na fronteira aqui ia ser dez vezes mais, mas foi dos, por quem já tem experiência:
dificílimo, tudo travado internamente, gente com relações políticas, A nossa luta é capacitar o nosso servidor. Hoje em dia o servidor é ca-
com contato com secretário, com a estrutura, então, assim, a camada pacitado? Não, hoje em dia temos heróis. Pessoas que trabalham por 3,
de gestão ali, de intra órgãos, fora que aqui não é um lugar de passagem porque são poucos que têm a capacitação, muitos nem querem a capaci-
igual à fronteira... tação, porque é uma coisa complicada, muita leitura, muitos sistemas, os
processos licitatórios, de execução, de contratos, que são complicados.
– O choque de realidade não foi lá.
Não é todo o servidor que se sente à vontade. É diferente de investigar
– Exatamente. (GF/MG APF 2, 4, 5 e 1). droga, por exemplo: o cara vai entregar a droga, aí vai, faz uma campana,
prende, acabou. Aí vai nos bens, acabou! Aqui não, você vai analisar des-
Logo, aprende-se no contato com a rua e com situações distintas das realidades de a proposta da compra. Aquela empresa tem algum vínculo com a pes-
de origem, mas não é um aprendizado suficiente para atuar onde as estruturas do sis- soa que comprou? Vai lá no começo, no processo pré-licitatório, aquela
• Tomo 2 •

tema penal já estão mais consolidadas. pesquisa de preço pra fazer o termo de referência, aí vai no pregão. Como

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

que ocorreu o pregão, quem foi que deu lance, as empresas que deram – E mesmo quem faz a doutrina não tem nem conhecimento acadêmico
os lances têm vínculo entre si? Muitas vezes a empresa pega outra duas do sistema e nem de operação, é o cara que está lá porque ganhou um
ou três que a gente chama de coelho e entram no pregão, mas já tá tudo prêmio e foi “tocado”, aí ele vai juntando alguns dados...
direcionado. Ás vezes o coelho vai ganhar, mas ele não vai ser habilitado
porque ele vai deixar de apresentar um atestado, aí vai o segundo ou o [...]
terceiro, de acordo com o preço que eles combinaram. Passou isso vai – Então a doutrina ela é insignificante, ninguém se preocupa com isso
haver uma apreciação do superfaturamento, para ver se houve um efetivo na PF; o chefe da Inteligência que manda fazer, ele manda fazer por-
prejuízo. (E/DF DPF 2). que ele sabe que tem uma cobrança institucional, porque a PF compõe
O entrevistado diz que hoje há uma discussão sobre se haver direcionamento o sistema de Inteligência e ela tem que entregar o produto. (GF/MG
APF 2, 1, 5, 6 e 3).
de licitação é crime por si só ou se há necessidade do prejuízo. Há uma divergência
jurisprudencial no STJ a respeito – uns dizendo que a publicação já é crime e outros Estas falas se somam à percepção de muitos delegados de que aqueles que es-
que é preciso a contratação e o pagamento para ser crime. Ele como delegado entende tudam mais, desenvolvendo trabalhos acadêmicos, não são bem vistos na política:
que se houve a publicação é crime, e continua: “Melhor você ter um câncer” (GF/DF 2 DPF 1), brinca um deles.
Aí a gente passa a investigar a execução do contrato – quem ordenou a
execução do contrato? Quem assinou a ordem de serviço? Aí é feito o
correlacionamento destas pessoas. Existe uma metodologia que a gente
3.5.4 • “TINO POLICIAL”
ensina aqui. (E/DF DPF 2).
Conseguimos poucos comentários sobre as habilidades, formação e expertise.
O entrevistado relata que é utilizado um programa que faz o “diagrama de ara- Sabemos que para ser um bom policial é preciso reunir algumas características. Uma
nha”, que vai mostrar essas relações. Para alimentar o programa com dados que per- delas foi mencionada no primeiro grupo focal realizado em Brasília: é o “tino policial”,
mitam as correlações, é feito um levantamento dos vínculos de amizade – em redes que “é o talento, o dom, a proatividade”, ou a capacidade de a pessoa “entender aquela
sociais, por exemplo –, das relações comerciais – nas juntas de comércio e em todos os rotina com mais tranquilidade, sem se incomodar”. As falas dos entrevistados revelam
outros sistemas abertos disponíveis. que tem perfil aquele que não se conforma com as coisas erradas, que consegue fazer
um mal para alguém em razão de um benefício maior, para a sociedade:
Contudo, os manuais foram duramente criticados pelos agentes. Segundo eles,
com tantas pessoas que estudam na Polícia, os que redigem os manuais não seriam os Isso é muito gratificante. Além da questão efetiva em si, às vezes quando
mais indicados para fazê-lo. O resultado seria inócuo, uma formalidade apenas, com- você consegue reaver um dinheiro... E eu sou completamente apaixonada
parada por eles a uma “saudação à bandeira”: pela Polícia Federal, é muito importante pra mim, pra mim a instituição
representa muito. Eu ainda acho que tem uma questão pedagógica muito
– É muito elaborado, é realmente um negócio que exige muito estudo! interessante, porque a gente dá essa percepção de cidadania pra socieda-
– Quem teve acesso aqui... de. A sociedade de certa forma ela ainda se alimenta quando ela vê uma
estrutura séria funcionando. E dar essa dinâmica de “aquele político ou
– A coisa mais engraçada dessa doutrina é você pegar quem elaborou ela, aquele empresário cometeu um erro e a instituição do meu país foi lá e
os quadros que foram separados, que iam ficar lá por conta de elaborar reprimiu o mal que ele cometeu”, isso alimenta essa percepção de cidada-
essa doutrina, tava cheio de... porque os especialistas que têm mestrado e nia – e isso é importante. (GF/DF 1 DPF 2).
doutorado ninguém entrou. Eu olhei os nomes lá, e a coordenadora é uma
delegada – como é que esse pessoal está fazendo essa doutrina mesmo? Um exemplo do que apareceu aqui com essa denominação “tino policial”, que
também pode ser entendido como expertise, é a narrativa que registramos no Estado
– Essa doutrina só é uma saudação à bandeira, é uma obrigação. A gen-
do Paraná, quando o entrevistado menciona o fato de estar sobrecarregada de tra-
te foi descobrir ela muitos anos depois, muitos, muitos anos depois de
balho, tocando 200 inquéritos ao mesmo tempo, sendo que destes muitos são os
estar atuando, né?
financiamentos fraudulentos da Lei n. 7.492, e que em geral não dão em nada. Ele
• Tomo 2 •

– Na academia de Polícia as aulas de inteligência policial... diz: “Claro. Você bate o olho e você sabe, ali, se as provas que você vai buscar vão te

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

levar a alguma coisa ou se as diligências possíveis dentro daquele quadro não vão te 3.6 • MAIORES DIFICULDADES DA INSTITUIÇÃO
levar a nada” (E/PR DPF 1).

Então não é só um perfil, um faro, é também a experiência que orienta a atuação. 3.6.1 • “FALTA GENTE!”
Isso tem a ver com permanecer no cargo, na área de atuação. Um delegado na pesquisa
exploratória comentou que na Polícia Federal não existe a figura do “super-cana”, pois De acordo com delegados da Polícia Federal do Distrito Federal (DPF DF), um
há uma rotatividade que é boa para o serviço, porque é perigoso ficar muito tempo dos principais problemas é que ela é uma instituição complexa, que atua em todo o
no mesmo lugar e conhecer muito daquilo, ser identificado como o cara daquela área, País e tem um efetivo muito pequeno: “Falta gente!”
mas a experiência paranaense vai para outro lado:
Tal percepção é reafirmada por delegado responsável por uma das diretorias do
– [...] o problema é o seguinte: a área de crimes financeiros, ela sempre órgão central da instituição:
teve uma rotatividade muito grande. Então, infelizmente, é uma área em
Na verdade [...] a grande dificuldade por que passa o departamento
que, os policiais, eu digo de todos os estados, não só delegados – delega-
Polícia Federal é o grande número de atribuições versus efetivo dimi-
dos, agentes [...] – mas todo mundo tem uma visão muito estigmatizada:
nuto, grande número de atribuições inclusive de caráter administrativo
“ah, eu vou trabalhar com aqueles inquéritos volumosos, cheios de núme-
[...]. Nós somos responsáveis hoje pela emissão de passaporte, que é
ros, cheios de problemas”... Porque, eu vou ganhar a mesma coisa e posso
um trabalho burocrático, enfim, é nosso em função de a Polícia Federal
trabalhar com uma moeda falsa aqui, com tráfico...
exercer essa parte de controle aeroportuário e de fronteiras – eu en-
[...] tendo que poderia ser tirado, você faz a parte de segurança privada,
essa parte de controle de banco, de segurança dos bancos –, a parte de
Assim, poucos colegas aceitam o desafio. Há lugares de pessoas que estão empresas de transporte de valores, [...] se o cara está usando colete, se
há bastante tempo, não tanto quanto eu, acho, mas, por exemplo, eu sei a arma está legal – essa é outra atribuição administrativa. Deixa eu ver
que na Delefin de São Paulo tem colegas meus lá que tomaram posse se me recordo de outra... a parte de arma, a parte de produtos quími-
em 2006, em 2007... que desde que tomaram posse estão lá. Gostaram da cos, você tem tudo num órgão só, uma concentração muito grande de
área e estão lá. funções administrativas que demandam tempo e recursos, aí sobra um
efetivo muito pequeno para a parte-fim, o objetivo da Polícia que seria
– Foram aprendendo.
a parte de investigação. (E/DF DPF 1).
– Foram se especializando na prática, na prática. Mesma coisa comigo.
Então, assim, hoje a gente tem um pouco mais de facilidade em enxergar Os agentes também relatam a falta de pessoal como um sério entrave à boa qua-
o quebra-cabeça, conforme seja o crime, dali da nossa área de Delefin... lidade de seus resultados:
em virtude da prática.
Nas especializadas, normalmente, há muito trabalho e poucos servidores
[...] disponíveis, salvo nas situações em que se vislumbra a possibilidade de a
investigação gerar impacto midiático.
– Treinamento não substitui permanência.
E continua: “Além do número insuficiente de profissionais, as especializadas ca-
Então, assim, não substitui. O que tem que ser criado é uma cultura de recem de infraestrutura logística e capacitação” (R DF APF 1).
equipes mais a longo prazo, sabe? Então assim: “ah! – por exemplo –
você fez...” tem colegas que fazem mestrado, aí na área de penal, direito Carências de toda ordem surgem: “O que falta é pessoal e recursos financeiros
penal econômico, lavagem... e estão trabalhando numa área da Polícia para melhor desempenhar as extensas atribuições de polícia judiciária legalmente atri-
que não tem nada a ver. E muitas vezes o mestrado custeado pelo de- buídas ao DPF” (R APF RN 2).
partamento. (E/PR DPF 1).
Se falta água, combustível, papel, servidores, o que esperar de uma inves-
Para a atividade policial, então, o ideal seria a combinação de perfil, treina- tigação que exige gastos elevados em diárias e passagens, grande quanti-
mento e permanência. dade de policiais envolvidos, treinamento? (R APF RS 1).
• Tomo 2 •

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

E as reclamações se estendem às delegacias especializadas: tem um bom padrão remuneratório, cujo perfil selecionado é de um candidato um
pouco mais velho, com alguma experiência profissional anterior e, muitas vezes, titu-
Nas delegacias especializadas geralmente é priorizada apenas a parte
lação acadêmica. Um deles nos diz:
cartorária, pois a falta de agentes é gritante e na maioria das vezes a “de-
legacia” é formada por alguns delegados e alguns escrivães, sem equipe [...] eu era professor universitário, aqui muita gente era, não sei, pelo menos
de investigação. Nas delegacias de interior (não especializadas) o caos é os mais novos, muitos eram do meio acadêmico e tinham um perfil assim.
maior ainda, pois um cartório único com vários delegados e escrivães, e Então, o que acontece? A gente, a perícia, tem várias coisas atraentes. Teve
um Núcleo Operacional e de Inteligência com 3 ou 4 agentes para atender o efeito CSI lá, que fez as pessoas se interessarem, tem o pessoal que gosta,
toda a demanda, o que torna essas delegacias meros cartórios despachan- que quer ser Polícia, acha legal ser Polícia e tal. Tem o pessoal que era pes-
tes com inquéritos que se arrastam por anos. (R APF RS 2). quisador e quando o salário subiu o pessoal achou que tinha espaço, e tinha
o pessoal que queria estabilidade mesmo, quer ser funcionário público e
No primeiro grupo focal com delegados do Distrito Federal, questionados sobre
quer trabalhar o mínimo possível. (GF/DF P 5).
o perfil do profissional em falta, dois deles relataram a carência de servidores adminis-
trativos, para atividades de apoio, pois servidores policiais acabam realizando trabalho E outro corrobora:
que não seria necessário que fosse feito por policial. Tal dificuldade, segundo eles,
não tem sido suprida pela existência do cargo de agente administrativo da União, do Quem está aqui poderia estar em qualquer lugar. A gente não está aqui
chamado “carreirão”, pois o salário é baixo e ele funciona como um degrau para um porque não passou pra procurador, não passou pra juiz ou porque não
passou pra outra coisa não. Quem está aqui está porque quer. Eu vim pra
concurso melhor: “entram pessoas muito jovens, que basicamente estão ali passando
cá porque eu quero, porque eu quis. [...] Então assim, é pessoal de primei-
uma chuva” – (GF/ DF 1 DPF 1).
ro nível. A gente não tem, aí me perdoe se eu tiver exagerando talvez, eu
Na visão dos agentes, essa conversa dos delegados é parte da sua estratégia para não fiz uma análise exaustiva, mas eu digo com tranquilidade, nós temos
fortalecer a sua posição dentro do sistema, pois havendo a entrada de pessoal menos o corpo de peritos mais capacitado do mundo. Porque não existe em ne-
qualificado a contestação ao trabalho deles seria menor: nhum país essa distorção que existe aqui de o perito ganhar o que ganha
em relação à sociedade. Então assim, a perícia absorveu pesquisadores,
Na verdade se for pra esperar os movimentos que os delegados estão coisa que em outros países você não tem. (GF/DF Perito 6).
fazendo, parece que eles foram recentemente conversar com o Diretor
Geral, eles querem porque querem implantar o nível, o cargo, de 2º grau No segundo grupo focal com delegados do Distrito Federal, a Polícia foi compa-
na Polícia Federal, possivelmente porque já que não consegue enquadrar rada ao Banco do Brasil de outras épocas, como sendo “um cemitério de vocações”. No
a gente por bem, vai enquadrar a gente por mal. Aí você vai ter lá cada vez primeiro grupo focal também do DF surgiu inclusive uma sugestão para solucionar
mais gente, e você vai ter lá um pessoal cada vez mais submisso... hoje eles este problema, bem aos moldes do que se tem visto hoje em dia, que é a utilização de
conseguem alguma submissão em troca de diária, viatura, essas coisas, padrões privados para dar maior “produtividade” ao serviço público:
mas quem fazia o trabalho relevante pra eles parou de trabalhar. Só que
o que acontece? Eles não estão preocupados em trabalhar, estão preocu- Deveria ser uma carreira de alta rotatividade como é na empresa priva-
pados em manter o status e conseguir avanços políticos, mas pra isso eles da, em que você tem os trainees, as carreiras iniciais, pessoas ficam ali
têm que tentar neutralizar cada vez mais quem está dentro. Você vê que um tempo e depois vão. Você não aceita em banco, para tarefas me-
eles ou tentam montar o Ministério da Segurança Pública ou tentam fa- nos complexas, por assim dizer, pessoas mais qualificadas porque você
zer uma agência independente; tentam dispor de autonomia para dispor sabe que eles não vão ficar ali muito tempo e isso não pode ser feito na
sobre a criação e extinção de cargos e sobre autonomia e remuneração; Administração Pública. Então a gente acaba recebendo muito servidores
e eles estão tentando de qualquer forma, já tem bastante tempo isso, im- superqualificados para tarefas menos complexas, a tendência é que eles
plementar o policial de nível médio porque aí vira uma Polícia Civil total, não permaneçam muito tempo nos quadros, aí vem toda a máquina do
basta parar de fazer concurso pro nosso cargo e encher de policial de governo junto e você não consegue dar vazão, você tinha que ter concur-
nível médio. (GF/MG APF 4). sos anuais, rotineiros. (GF/DF DPF 2).

Esta questão dos “concurseiros” aparece em várias falas de policiais, mas nem Na verdade não tivemos como levantar dados sobre o efetivo, pois tal informa-
• Tomo 2 •

sempre da mesma maneira, como é caso da carreira de perito, por exemplo, que hoje ção é considerada informação reservada da Polícia, mas nas falas dos delegados apa-

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

receram alguns dados a respeito, considerados por alto, mas que podem nos dar uma Vemos que ainda está em curso um processo de absorção dos profissionais que
ideia do déficit de pessoal: ingressaram na última década, mas a impressão que eles têm é a de que sempre falta
mais gente. Isso talvez se deva à visibilidade que a atividade policial ganhou nos últi-
– Acho que está com 27% de vagas agora.
mos anos e à expectativa em torno da atuação da Polícia Federal.
– Eu fiz concurso em 2004. Imagine dez anos sem ter concurso!

– Nós deveríamos ter pessoas que pudessem arcar, não seria difícil arcar, 3.6.2 • “A GENTE NÃO CONSEGUE FOCAR”
nós já temos o know how e já temos a estrutura funcionando, o que nós não
temos é gente. O [...] FBI tem 60 mil servidores, e a Polícia Federal tem 12 Uma discussão que vem com toda a força hoje em dia é a da obrigatorieda-
mil. Ah, vamos fazer igual ao Serviço Secreto Americano, que é uma Polícia de de investigar. De um lado temos a Polícia Federal pedindo autonomia para eleger
Federal, mas tem 30 mil e eles só fazem moeda falsa, fraude em cartão e
prioridades, de outro o Ministério Público Federal dizendo que isso não é admissível.
segurança do presidente. Ah, [...] são mais 40 mil, nós somos 12 mil para
A 7ª Câmara do Ministério Público Federal, responsável pelo Controle Externo da
fazer tudo isso que eles fazem, não tem condição! (GF/DF 1 DPF 1, 2 e 3).
Atividade Policial e Sistema Prisional, elaborou, inclusive, duas notas técnicas a res-
Os agentes não concordam que esse seja o problema. Destacamos uma das falas: peito no mês de abril de 20155. No entanto, trata-se de uma disputa que tem poucas
chances de se resolver a contento sem uma reestruturação do sistema penal, envolven-
Então joga-se dinheiro, um absurdo numa quantidade monumental, mais do mudanças nas esferas penais e processuais, além, é claro, de mudanças estruturais
gente, só para abastecer uma lógica que foi feita para não funcionar; então
que permitam ações de prevenção e onde o espaço para a repressão seja residual.
como a investigação é fragmentada, vou dar um exemplo. Sabe a estatísti-
ca de resolução de homicídio do Brasil que é 8%? O índice na Inglaterra é Os delegados apresentam sua experiência e perspectivas da seguinte maneira:
92%; Estados Unidos 56%; Chile, mais de 90%. E isso é porque você pode
pôr gente à vontade. (GF/MG APF 6). E outra, como no Brasil hoje, não estou dizendo se isso é certo ou erra-
do, mas temos a obrigação de investigar qualquer notitia criminis, isso
Sobre o incremento da carreira existem várias informações complementares sobrecarrega sobremaneira todas as instituições. Então a gente tem, por
para a compreensão do estado atual, tanto dos conflitos quanto dos resultados: exemplo, mil investigações que envolvem uma nota de dois reais falsa,
uma moeda que foi achada que está mal-cunhada, com falso testemunho
Teve um fato diferente de que em 2002 houve um concurso pra quase 900 a gente sempre trabalha, e o caso de corrupção do grande banco e desvio
agentes da Polícia Federal que era uma turma, era a primeira grande turma de dinheiro público. A gente quer “tratar todos da mesma forma”, a gente
que estava entrando com a formação em nível superior – então você colocou não consegue focar. O ideal seria ter um delegado ou um procurador fo-
900 atores novos que tinham uma formação de nível superior e que estavam cado só no caso da operação ABC que está tendo, mas não dá, porque ele
ali dentro por concurso público, não eram ligados a nada, não foi ninguém tem o caso ABC, mas tem aquelas mais dez, vinte, cem investigações que
que colocou ali, não foi ninguém que pediu pra estar ali. (GF/MG APF 3). ele tem que lidar. Pois lá, ou se separa um cara só para aquilo... Os outros
ficam sobrecarregados com aqueles assuntos que não dão em nada. Isso
Isso teria a ver com as operações que “pipocaram” nos últimos anos. Mas tam- deveria ser... esse é um dos grandes problemas. Porque tem um estudo,
bém há que se considerar o ingresso de um grande número de delegados a partir do salvo engano de um sociólogo, que mostra que 90% dos inquéritos não
ano de 2004, que é destacado por agentes como o mote dos problemas de gestão e do dão em nada, mas obviamente não vão dar em nada. Assim, tem uma
estranhamento entre eles e os delegados. Dizem que, antes, como era um quadro pe- nota, o cara do banco mandou uma nota falsa para a PF, o MP, como é
queno, as relações eram melhores, até por uma questão de sobrevivência: que você vai achar quem é o dono daquela nota? Como você vai saber?
Não é que o cara vai falar “recebi aquela nota do Fulano...”, não, “tá aqui a
[...] a partir desse momento de 2004 foi que a Polícia deu uma caída em rela-
nota, se vira”. É claro que a gente fazendo investigações contra quadrilhas
ção a essa parte de gestão, porque entraram muitos delegados nesse concurso. grandes de falsificação de nota, mas o problema é que tem que ter uma
Foram mais de mil delegados, 1.200 pra ser mais exato, e todas as chefias investigação para cada nota, uma investigação para cada coisa, uma buro-
foram passadas pra eles. Então quando ele traz esses 1.200, aí transformou a
Polícia, porque aí eclodiu nessa crise de 2012. [...] É, foi um crescente deles
• Tomo 2 •

né, em relação a perseguições, a desmotivação de colegas e tal. (E/DF APF 1). 5 Notas Técnicas n. 3 e n. 4, de abril de 2015.

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cracia enorme! Para cada uma fazer uma capa do inquérito, portaria, não [...] quando você é seletivo nas investigações, você não deixou de inves-
sei o quê... para mim esse é um grande problema. (E/DF DPF 1). tigar determinados fatos. Você usou aquelas informações que chegaram
como informações de inteligência pra tentar encontrar a quadrilha que
A dificuldade causada pela obrigatoriedade na instalação do inquérito também está atuando. Porque uma cédula falsa, ela não foi fabricada sozinha não.
foi mencionada pelos delegados do primeiro grupo focal do Distrito Federal, mencio- Tem uma quadrilha fabricando milhões, uma quadrilha só. Então aquele
nando-se, inclusive, o mesmo exemplo da moeda falsa: inquérito de cédula falsa que eu tenho aqui, o colega tem aqui, o colega
tem aqui, é uma mesma quadrilha. A gente instaurou 3 inquéritos pra
– O que pode ser melhorado, isso eu concordo, faz parte da moderniza-
apurar a mesma quadrilha. Então quando a gente pega essas informações
ção da organização da estrutura, faz parte. É você instituir o inquérito
cruza e trata como informação de inteligência pra identificar de onde tá
eletrônico pra que não tenha a necessidade da tramitação física, porque
surgindo aquele crime, a gente não tá deixando de investigar esse, aquele
você já reduz o tempo, são cinco dias pra ir, cinco pra voltar...
e aquele. A gente tá atuando de uma forma mais efetiva e usando os nos-
– Retirar a obrigatoriedade. sos recursos de maneira mais eficiente. (GF/DF 2 DPF 1).

– Retirar a obrigatoriedade da instalação. Neste grupo focal, o problema do excesso de demanda foi vinculado a uma ten-
dência de judicialização dos conflitos pós Constituição de 1988. Os delegados apon-
[...]
tam para outra tendência hoje, que é a da mediação, conciliação, ou seja, de abertura
– Por exemplo, no caso de moeda falsa, que é uma demanda muito gran- para formas alternativas de resolução de conflitos que desafogue o sistema, pois hoje
de que a gente tem. Eu tenho vontade de chorar quando eu instauro in- está claro que o quantitativo de pessoal não atende as demandas.
quérito de R$ 5,00.
– É uma mudança cultural, né? Quando veio a constituição, a própria so-
– E tem que instaurar. Quando chega, aqui, o cara foi comprar um pão de ciedade, com apoio do Judiciário, ela incentivou a judicialização de tudo.
queijo e deu uma nota de R$ 5 falsa... Quanto custa sua hora de trabalho?! Olhe, procure sempre o advogado e entre com a ação pra defender os seus
direitos. A solução de todos os problemas da sociedade era judicialização.
– Exatamente. Eu tenho vontade de chorar e eu tenho que instaurar
Com isso, houve um aumento da quantidade de processos judiciais que
aquilo ali, e o Judiciário não aceita, eu já fiz algumas pesquisas, não sou
foi ao ponto de quase que obstaculizar o serviço judicial. Qual é a ordem
pesquisadora, mas já fiz algumas pesquisas, o Judiciário não aceita o
do dia hoje? Mediação.
Princípio da Bagatela na circulação de moeda falsa e isso pra mim é uma
discrepância gigantesca... – Conciliar.
– Então se eu pudesse alimentar um sistema, mas aí eu teria que ter apro- – Conciliação. O pessoal, não procura a justiça não. Sente com teu par-
vação do Judiciário e do Ministério Público para que aquela informação ceiro, converse com ele aí, ou seja, resolva o problema. Por quê? Viu que
ali fosse juntada com outras informações com o mesmo número de série aquela cultura de judicializar todo e qualquer problema não deu certo. Só
que foi passada, o local onde foi apreendida aquela nota e tratada como fez gerar processo, os processos se avolumaram, a justiça ficou lenta e não
se fosse uma informação de segredo de inteligência padrão – porque eu prestou os serviços. Então nós estamos também nessa mesma coisa: “pes-
poderia ir até quem está fabricando a nota naquela região, naquele bairro, soal, não adianta tentar fingir que vai investigar tudo e qualquer coisa”. Eu
onde existe muita circulação de moeda. A gente tem que começar a in- sei que por mais aquele fato pra pessoa possa ser importante, dentro do
vestigar onde está sendo a origem e não pulverizar, porque quando você sistema, não dá. A não ser que se multiplique por 10 todo nosso efetivo e
pulveriza, você instaura cinco inquéritos que isoladamente não dizem saia de 15 mil pra 150 mil. (GF/DF 2 DPF 2 e 3).
nada, mas, se tivesse concatenado num sistema – e é possível porque esse
sistema a gente desenvolve –, poderia efetivamente trazer um resultado Outra forma de mostrar a mesma situação foi utilizada por uma delegada entre-
efetivo [...]. (GF/DF 1 DPF 1, 2 e 3). vistada que comparou o trabalho de uma delegacia federal à rotina de uma delegacia
de Polícia Civil. Ela já teve as duas experiências e explica:
Moeda falsa é o caso campeão de reclamações, tendo voltado a aparecer no se-
gundo grupo focal com delegados do Distrito Federal, desta vez relacionada a questões [...] a Polícia Civil não investiga todo B.O., até porque não tem efetivo.
• Tomo 2 •

sobre a adequação do efetivo policial em relação à demanda e às possibilidades de sin- Realmente o volume deles é bem maior do que a Polícia Federal. Isso
tonizar isso a um padrão de seletividade que reverteria num resultado mais eficiente: não significa que a Polícia Federal tem condições de investigar tudo,

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mas o deles já é uma situação que acontece há muitos anos, então já está 3.6.3 • DESMOTIVAÇÃO E NATUREZA DO TRABALHO
assim, aceita socialmente, pelo menos, e administrativamente, peran-
te Ministério Público, chefias, corregedorias, etc., porque é impossível. Como já frisado, a desmotivação é proveniente das disputas vividas no interior
Então, assim, num plantão de 24 horas na Polícia Civil, você pode rece-
da instituição em crise que é a Polícia Federal. Mas é importante distinguir dois aspec-
ber 80 ocorrências. Se você instaurar 80 inquéritos por dia, né? 60 ocor-
tos desta ausência de motivação: são problemas de valorização salarial e na carreira,
rências, 40 ocorrências, num plantão calmo. Eu [...] fui da Polícia Civil.
e problemas relacionados ao serviço público em geral, que não necessariamente têm
Então num plantão calmo, você recebia assim 20 ocorrências. Então é um
volume realmente bem maior que o da Polícia Federal. (E/PE DPF 1). relação com a situação das polícias. Disso trataremos neste item, sem deixar de men-
cionar outra situação interessante, que é o tempo que uma grande operação consome
Segundo ela, na Polícia Civil as denúncias são registradas por garantia, pois da vida desses profissionais:
se um celular é furtado a vítima se resguarda de possíveis utilizações dele para o
– Conduzir uma operação é desgastante, é cansativo e gera consequên-
cometimento de crimes com o registro, que acaba sendo uma prova do ocorrido.
cias. Você combater o crime organizado tem problemas.
Mas, se um celular funcional de um servidor do Ministério da Justiça é furtado, as
providências são distintas: – Por exemplo, se você está com filho pequeno, rotina é bom.

Vamos instaurar o inquérito. Então não é simplesmente, nós não temos – Às vezes tem momentos. Eu vou combater o crime organizado nesses
essa possibilidade de não instaurar o inquérito por ocasião de o delito dois anos, depois eu quero trabalhar um ano trabalhando com uma coisa
ser de menor potencial. A gente instaura, a gente apura. Então qualquer mais tranquila. Por quê? Uma operação é 11, 12, 13, 14 horas por dia.
denúncia que chegue à Polícia Federal, às vezes é anônimo, me manda
um e-mail. Alguém conhece o meu e-mail funcional e faz uma denúncia: – Final de semana.
“Olha a prefeitura de tal município tá praticando o delito tal”. Chegou pra – Final de semana, às vezes, de madrugada, você vive aquilo.
mim, é minha obrigação, eu vou mandar investigar. (E/PE DPF 1).
– É que o vagabundo não combina expediente com a gente, né? (GF/DF
Mas não há consenso sobre essa necessidade de investigar tudo, como mostra a afir- 2 DPF 1 e 2)
mação abaixo de outro delegado, que exemplifica a forma de seletividade posta em ação:
A mesma percepção pode ser identificada entre os agentes de Minas Gerais:
Você tem um roubo de uma caixa d’água, como eu tive uma vez um in-
quérito, caixa d’água dos correios, aí esse negócio, obviamente, não tem o Então o cara tem uma estrutura ali dentro, né, que só vai prender pobre...
que fazer, né, instaurar e relatar. Não vou, eu posso até saber quem roubou do crime organizado, não vai prender policial corrupto, político, gente
a caixa d’água, se eu pegar meu efetivo todinho de sete agentes da área de dentro do Estado; pessoas que você encontra em restaurante e outros es-
assalto a banco e dizer “‘Vamos lá na região, vamos saber quem está com paços; amigos; conhecidos; colegas de escola, quem vai querer... porque,
caixa d’água...”, você vai chegar. Mas vai valer a pena? Essa pretensão de cá entre nós, a classe média brasileira e a elite brasileira é completamente
você investigar toda espécie criminal, investigar todos os quadros crimi- podre, não tem criatório de político, não é verdade? Essas pessoas per-
nosos, é uma pretensão ideal, é uma pretensão romântica, utópica. Você meiam a sociedade, o dia que você começar mexer com o crime organiza-
não vai conseguir fazer isso. (GF/PE DPF 1). do, você rompe relações, você se distancia de pessoas, elas estão ao nosso
redor. (GF/MG APF 1).
O problema também é percebido pelos peritos, sensíveis que são ao fato de que
não é possível trabalhar bem com a estrutura que há e o excesso de demanda. Um deles Então o cara tem uma estrutura ali dentro, né? Que só vai prender po-
localiza bem o problema: bre... do crime organizado. Não vai prender policial corrupto, político,
gente dentro do Estado. Pessoas que você encontra em restaurante e
Tem outro problema da corrente aqui do CPP que eu vejo, que é a ques- outros espaços, amigos, conhecidos, colegas de escola, quem vai querer?
tão do princípio da indisponibilidade do inquérito. Isso gera um pro- Porque, cá entre nós, a classe média brasileira e a elite brasileira são com-
blema sério também, eu acho, que é o seguinte, porque se trata uma pletamente podres, não tem criatório de político, não é verdade? Essas
investigação sem importância nenhuma, de um menor potencial, da pessoas permeiam a sociedade, o dia em que você começar mexer com o
• Tomo 2 •

mesma maneira que um caso Petrobrás, em razão do princípio da in- crime organizado você rompe relações, você se distancia de pessoas, elas
disponibilidade. (GF/DF P2). estão ao nosso redor. (GF/MG APF 1).

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E esse mesmo ponto apareceu no Paraná, com o adendo de que a complexidade Um agente explica a maneira com que percebe o problema quando a atuação se
do trabalho significa trabalhar mais para ganhar o mesmo: dá nas atividades próprias de investigação:
Por que é que a pessoa vai demandar mais horas de trabalho? Entendeu? Simples: os agentes mais experientes realizam o trabalho, escolhem seus
Em casos mais trabalhosos, que exigem um estudo muito maior, que exi- alvos, preenchem os documentos de quebra de sigilo, a serem assina-
gem você ter contato fora sempre...Tá aqui, vai aqui, vai pra lá... reunião pra dos pela autoridade policial, explicam o andamento da investigação
cá, decide caso, e sempre envolve alguém, alguém... às vezes politicamen- aos delegados para que possam conversar com os juízes e o MP etc.
te exposto, e vai ver estratégias... vai ter que pedir quebra e representação Na deflagração da operação, as informações são repassadas, amiúde,
bancária, representação fiscal... e montar quebra cabeça. Assim, exige mais ao delegado-chefe, para que este informe a mídia. Salvo exceções, onde
concentração, seja mentalmente, que é o mais desgastante, exige mais horas alguns delegados engajam-se um pouco mais na investigação. Mas o
de trabalho e, no final das contas, ele pode ficar com um caso... ganhando a engajamento, em geral, busca finalidades pessoais, como ascensão pro-
mesma coisa. E tendo uma rotina mais fixa... (E/ PR DPF 1). fissional, remoções etc. (R RS APF 1).

A seguir vamos desenvolver, então, os dois pontos citados como fulcrais. A pri- E não são vozes isoladas, como se percebe no seguinte trecho:
meira ordem de problemas (desvalorização), muito enfatizada, pode ser assim ilustra-
Já houve casos de “relotação” de agentes de Polícia Federal e de retira-
da: “Os agentes administrativos, salvo exceções, são menosprezados pelas chefias do
da desses agentes da investigação pelo simples fato de questionarem o
DPF” (R APF RS 1). não cumprimento de instrumentos normativos em vigor no DPF, mesmo
sendo esses agentes os principais detentores de informações de toda a di-
Essa percepção é compartilhada por profissionais de vários estados.
nâmica dos crimes sob apuração, cruciais ao melhor desvendamento dos
Com enorme desconforto. Existem problemas estruturais e institucionais fatos. Quando “contrariados” ou “questionados”, grande parte dos delega-
que fazem com que os agentes e demais sejam tratados como “mandalhe- dos de Polícia Federal preferem excluir determinado agente da investiga-
tes” de delegados. Sem autonomia e com salários defasados em relação ção a argumentar, debater, ou até mesmo ceder às sugestões ou cobranças
aos demais de nível superior na esfera federal, nada funciona direito. O apresentadas, pelo simples fato de não aceitarem ter a sua “autoridade”
desestímulo é visível. (R APF RS 1). questionada. (R MG APF 1).

A integração é péssima. O clima de trabalho é muito ruim. Os agentes A questão da lotação de servidores, que se conecta com o item da sequência, é
sentem-se desvalorizados, desmotivados e, na maior parte das vezes, fa- criticada também pelos peritos, com algumas ressalvas:
zem um trabalho burocrático, sem ter ideia da totalidade da investigação.
Não sabem aproveitar a nossa capacidade e experiência. (R APF BA 1). E não é privilégio da Polícia, eu acho que o funcionário público, de uma
maneira geral, as lotações não são priorizadas em função da necessidade
Mais adiante acrescenta: “As nossas habilidades, formação, ou interesse nun- do serviço, são priorizadas em função das vontades do servidor. Então, a
ca são levados em conta. As lotações são aleatórias, ou decididas por questões administração pública é muito focada às vezes no interesse do servidor.
pessoais” (R APF BA 1). Então, quem vai para as delegacias, para as especializadas, são as pessoas
que querem estar naquela cidade. (GF DF P 3).
Os agentes se dizem “sacaneados”, pois quando possuem experiência ela não é
levada em conta para a melhora da qualidade do serviço público, havendo um forte in- No caso dos agentes, ao que parece, a vontade de servidor que impera é a do delegado.
dicativo de “caça às bruxas” na alocação daqueles mais envolvidos nas atividades sindi- Os problemas relativos ao serviço público podem ser notados nas falas de mui-
cais: “Como é possível que um policial com 20 anos de experiência seja encostado num tos policiais, tanto de postos diferentes quanto dos seus próprios. Um exemplo da pri-
serviço de plantão ou socado num aeroporto para carimbar tarjetas?” (R APF RS 1). meira postura é a afirmação de um agente: “Atualmente, os melhores policiais, após
Esta percepção é reafirmada por profissional que atua no Distrito Federal: atingirem a classe especial, ficam desestimulados e preferem trabalhar em serviços
burocráticos ou em regime de plantão” (R RS APF 1).
Não existe um padrão para a lotação dos servidores. Não são verifi-
cadas as habilidades dos servidores, bem como sua formação profis- Uma pergunta importante da pesquisa, que é “O que uma notícia crime pre-
• Tomo 2 •

sional. Os critérios são subjetivos de acordo com a administração da cisa ter para se tornar um inquérito?”, contém uma parte que reforça a percepção
unidade. (R DF APF 1). deste problema, pois o agente diz: “Que o agente responsável pela informação tra-

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balhe” (R RS APF 1). O que exige, além de qualificação profissional, pessoas inte- dos para ajudar, “Minha missão é essa, eu vou fazer o melhor possível”.
ressadas no trabalho. Situações raras no DPF atualmente. E se dispuseram a ler, aprender... Mais importante que o conhecimento
técnico é a pessoa ter compromisso. (E PR DPF 1).
Esta percepção é reforçada por outro agente quando diz: “A investigação
‘acontece’ e só alcança êxito se houver pessoas dedicadas e motivadas” (R BA APF 1).
Mas isso não está só na fala dos agentes, está na dos delegados também, o que ilustra
a segunda postura: 4 • RELAÇÃO COM OUTRAS INSTITUIÇÕES
[...] esquecendo essa questão de quem deve ou não investigar, o fato é que
O que se percebe no estágio atual de desenvolvimento das articulações relacio-
todas as instituições do Brasil trabalham menos do que poderiam, todas,
nadas ao processo investigativo da criminalidade econômico-financeira é que houve
todas, todas! A gente tem muita gente boa no MP, na Polícia e no Judiciário,
mas também tem muita gente que não trabalha como deveria. Todas as uma mescla entre os novos recursos utilizados nas investigações e o velho formato dos
instituições também padecem do mal do funcionalismo público, ou seja, IPLs (ou como já diziam teóricos do policiamento comunitário: “vinhos novos em
“sou funcionário público, meu salário vai cair no final do mês de qualquer garrafas velhas”6). Grande parte dessa criminalidade necessita de uma investigação
jeito, posso trabalhar mais ou menos, pra que que eu vou ficar me matan- que pode e deve ser feita com o uso de sistemas informatizados. Tanto é assim que as
do?”. Quantas vezes eu já não ouvi: “meu, como você é trouxa, pra que que instituições envolvidas criaram sistemas de informações e gerenciamento de dados.
você fica até a noite trabalhando? Seis horas vai embora! Para que que você
Os delegados de Brasília chamam atenção para o fato de que informação é po-
fica no fim de semana trabalhando? Seu salário não vai aumentar”. Se fos-
se só isso, de as pessoas trabalharem só oito horas, ainda é compreensível
der e que os melhores resultados de produção de informação provêm de instituições
porque também está no direito das pessoas. Mas, se a gente olhar em todas que compartilham dados. A CGU, por exemplo, tem acesso ao Siafi, que é o Sistema
as instituições, a gente vai ver que tem gente que chega para trabalhar duas Integrado de Administração Financeira do Governo Federal e “consiste no principal
da tarde, vai embora às cinco da tarde, a gente vai ver que tem gente que instrumento utilizado para registro, acompanhamento e controle da execução orça-
trabalha só duas vezes por semana. Então a gente reclama que não tem gen- mentária, financeira e patrimonial do Governo Federal” (<http://www.tesouro.fazen-
te, mas quem tem não trabalha... Não estou generalizando, mas tem gente da.gov.br/siafi>). No entanto não é tão simples o compartilhamento de sistemas, pois,
que trabalha assim em todas as instituições. Vou deixar isso bem claro para como diz um dos delegados,
não dizer depois que eu estou falando direcionando isso a um ou a outro,
Todas as instituições são muito receosas dos seus bancos de dados, por-
apesar de que tem algumas que realmente são mais do que outras. Fora isso,
que ali é onde estão as próprias falhas da instituição [...]. Então, na ver-
um outro problema é que, apesar disso, há, de fato, uma falta de pessoal.
dade, a grande referencial de cada instituição é o seu banco de dados.
Poderia ser minimizada se todos trabalhassem de forma correta? Poderia,
(GF DF 2 DPF 1).
sem dúvida nenhuma. Mas hoje há uma necessidade muito grande de gente
nas instituições. (E DF DPF 3). No mesmo grupo focal, o compartilhamento de dados também é mencionado
vinculado a resultados da Enccla:
No Paraná a mesma linha de raciocínio é exposta por delegado:
O compartilhamento de dados entre as instituições de investigação e
O que eu observei aqui: que, quando nós temos operações grandes como
controle... Então, a Enccla tem várias ações nesse sentido, né? Então
a Lava Jato – eu já participei de outras grandes, trabalhei em outras gran-
vai se tentando vencer as dificuldades. Num momento a Receita não
des –, e que a gente precisa de ajuda externa, muitas vezes vêm colegas
quer passar informação nenhuma, compartilhar informação nenhu-
que você não conhece te ajudar. Então assim isso me permitiu ter uma
ma. Num segundo momento, já compartilha algumas informações, a
visão muito clara de que mais importante que você ter um colega – seja
CGU também. O município de São Paulo também já foi mais fechado,
de que cargo for – que tenha um conhecimento da matéria, um conhe-
então agora há esse entendimento de que só é possível vencer o crime
cimento técnico, é ter alguém que não tenha medo de trabalho, isso é o
organizado se as instituições tiverem capacidade de compartilhar in-
mais importante, porque eu já trabalhei com colegas que vieram dessa
formações. Todas? Todas não, mas aí tem um processo de avaliação de
mesma área e que não tiveram rendimento adequado porque tão ali, se
• Tomo 2 •

acomodaram, sabem o básico e, enfim; e recebi colegas que vieram de


áreas que nunca tinham trabalhado com financeiro, mas foram designa- 6 Skolnick; Bayley, 2002, p. 17.

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quais informações podem ser compartilhadas pra fins de que cada um A seguir destacamos algumas informações sobre as instituições mais referidas
possa exercer sua missão constitucional. pelos policiais e descrevemos particularidades da relação entre a Polícia Federal e essas
conexões externas ao que tradicionalmente se entende por sistema penal.
[...]

Passamos de um entendimento de que não se deveria compartilhar nada,


de que cada um deveria ficar no seu mundo, para um ambiente colegiado, 4.1 • COAF
e algumas ações já de efetiva integração, né? Efetiva integração. Então já
há decisões da Enccla e das instituições que participam da Enccla de O Conselho de Controle de Atividades Financeiras é uma das instituições mais
compartilhar determinados bancos de dados, inclusive a Polícia também importantes deste novo arranjo. Ele tem assumido um papel cada vez mais destaca-
compartilha, o TCU também compartilha, a CGU também compartilha, do. Nos peritos ele gera uma boa impressão. Chega-se até mesmo a ouvir: “O Coaf é
o TCU compartilha e estamos em fases de integração de sistemas, mas
espetacular!” (GF DF P 1). Mas na descrição do seu funcionamento, no que se refere
ainda tudo caminhando. (GF DF 2 DPF 3).
à interação entre o órgão e as instituições de controle penal, começam a surgir diver-
Contudo, consideramos que o avanço da investigação “via sistema” não excluiu gências sobre a visibilidade ou não que a informação proveniente do Coaf deve ter, já
a necessidade de produção de outros tipos de prova, de ida a campo, de exposição que é inteligência financeira e não investigação:
física dos investigadores. Essa necessidade persiste. Então pode-se dizer que com uma – O Coaf, no trabalho de monitoramento deles, à medida que vai identi-
facilidade foram criadas duas dificuldades: ficando as situações suspeitas, ele vai informando ao Ministério Público
e à Polícia, e esses informes do Coaf dão origem a uma grande quanti-
1) A necessidade de análise dos dados coletados com as quebras de sigilo, que
dade de inquéritos na Polícia Federal; portanto, alimenta nossa caixinha
muitas vezes representa um grande volume de informações desimportan-
lá, muitas vezes sem a gente saber, inclusive, porque normalmente é um
tes, das quais não se pode retirar provas, e de outras importantes sem trata- documento que não vai nem para os autos, há uma recomendação de que
mento. Isso ocorre por várias razões já mencionadas, como a desmotivação esse documento é de inteligência e que...
resultante das disputas internas na PF, que inclui encostar os agentes mais
experientes em atividades burocráticas, falta de dedicação, falta de pessoal e – Entendi. Atividade de inteligência.
de conhecimento técnico em alguma medida; e – Criaria algum tipo de problema processual, inclusive está lá uma
2) A incorporação de uma postura no sentido de que não se vai mais para a rua recomendação, vem até no relatório, dizendo: “Não inclua nos autos
fazer buscas e usar das tradicionais “campanas”. esse documento”.

Também são apontadas algumas qualidades da estrutura e organização do Brasil – Mas às vezes inclui, né?
nessa área por alguns dos entrevistados:
– É. Tem que incluir mesmo, porque é a peça inaugural do processo. Eu
Fora isso, eu acho que o Brasil hoje está mais ou menos bem distribu- não vejo motivo nenhum pra que não se colocasse, está respaldado pela
ído, tem um MP com uma parte especializada em crimes financeiros lei, lei de combate à lavagem de dinheiro...
e na corrupção, tem um poder judiciário com varas especializadas no
– É. Isso é um documento público.
combate à corrupção e lavagem, tem uma PF com delegacias espe-
cializadas, a gente tem o Coaf, o BC e a CVM com áreas destinadas – É um preciosismo desnecessário, ao meu ver. O Coaf pra mim é um
à prevenção desses crimes. Então eu não acho que o Brasil esteja mal tipo de instituição importada que deu certo. É uma ideia importada que
aparelhado, mal distribuído ou mal organizado para combater esses deu certo e que demonstra que a gente devia usar melhor o que existe
crimes. Pelo contrário, como eu falei, eu fui para a Suíça no mês pas- mundo afora aí. Porque a Lei de Lavagem de Dinheiro ela só foi instituída
sado e eles não tem uma ferramenta como a gente tem no laboratório. no Brasil por uma pressão internacional, porque o Estado brasileiro não
Muitos países não têm o CCES, que é aquele cadastro de correntis- tinha interesse, não queria e houve até resistência. Foi num daqueles con-
tas do Banco Central. Então a gente não está mal estruturado, não. A textos lá, de acordo com o FMI, que houve a exigência de que se aprovasse
questão é acabar um pouco com a questão do funcionalismo público. a Lei de Lavagem de Dinheiro aqui e se instituísse toda sistemática de
• Tomo 2 •

(E DF DPF 3). combate à lavagem de dinheiro. Então foi uma coisa que veio de uma im-

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

posição por conta de uma conjuntura econômica desfavorável do Brasil, dos como uma questão de... primeiro, aquela informação foi transferida,
na época, e que acabou que é uma das melhores coisas que nós temos ela pode ser utilizada e pode transformar realmente em uma informação
hoje, que viabiliza operações como essa aí da Lava Jato. Dizem, não sei se maior. Segundo, uma questão de direito e defesa, o cara tem direito a usar
é verdade, que a Lava jato começou com uma informação do Coaf. Isso o RIF, você está escondendo a informação do cara, você não pode deixar
eu não tenho certeza, mas... (GF DF P 2, 3 e 5). de utilizar aquela informação. E o que o Coaf alega é que a partir da hora
em que você usa aquilo como inteligência, você preserva a sua fonte, e a
E é exatamente este problema da transparência que provoca críticas dos delegados: fonte vai continuar te dando a informação. Só que eu discordo totalmen-
te, isso no começo poderia... (E DPF 3).
[...] o Coaf tem muita culpa nesse meio campo também. Porque o Coaf
recebe uma determinada informação e consulta todos os seus bancos de Os delegados do primeiro grupo focal do Distrito Federal também têm críticas
dados, e produz um RIF [Relatório de Inteligência Financeira], só aos relatórios produzidos pelo Coaf:
que o RIF que o Coaf produz ele coloca (e isso eu conheço bem porque
eu mandei um pessoal da PF fazer um estágio lá por seis meses), ele colo- – Minha percepção daquilo ali... primeiro que... Você já viu um relatório
ca dentro do RIF 10% das informações que ele levantou. Então às vezes o de inteligência?
Coaf sabe uma coisa muito grande, mas ele colocou 10%, e aqueles 10%
– Não.
para quem está lendo, não significa nada. (E DPF 3).
– Ele é muito resumido.
O delegado entrevistado diz que o Coaf tem informação, por exemplo, sobre a
titularidade de determinada empresa, mas que isso não consta em nenhum lugar do – É muito resumido e eu não achei muito didático.
RIF. Ele apresenta, então, o problema sobre informação e inteligência:
– É complicado.
Por que que ele não botou no RIF? Porque ele tem medo de quebrar o
– Ele é complexo, tanto que existem cursos ali que hoje em dia até a
sigilo bancário, tem medo... Por exemplo, ele tem uma informação sobre
Polícia manda...
o suspeito A, e ele cruza tudo aquilo lá e chega a ABC e ao senador Y, mas
ele não bota o senador Y nem o B ou C, ele só bota o A lá. E quer que a – Exige uma expertise, não é qualquer um que pega...
Polícia e o MP cheguem nisso enquanto ele já sabe, na verdade. “Pô, os
caras não estão fazendo nada”, não estão fazendo nada porque eles não – Não é um relatório simpático, e o que isso quer dizer? Que ele traz umas
colocaram as informações. Isso é um. E dois: existe uma discussão há atipicidades ali da movimentação bancária de pessoas, mas que aquilo...
muito tempo sobre os RIF, se é uma peça de inteligência ou processual... Eu, por exemplo, ano passado comprei um apartamento, vendi, comprei,
uma movimentação atípica e, provavelmente, aquilo entrou e saiu do meu
O Coaf sempre defendeu e até hoje defende que é uma peça de inteligên-
sistema, mas, aquele sistema não está dizendo que eu comprei um apar-
cia, que não deveria ser juntada no processo. Então o quê que acontece?
tamento, está dizendo que entrou e saiu um dinheiro na conta da Fulana
Você manda... (e eu discordo...) uma peça de inteligência para a Polícia ou
que é atípica da movimentação rotineira dela.
para o MP, aquela peça que ele não pode usar para nada, em tese segundo
o Coaf. Como que a Polícia e o MP vão transformar aquilo em uma coisa [...]
concreta para iniciar uma investigação? Às vezes não dá. (E DPF 3).
– Aquilo ali é só o sintoma. (GF DF 1 DPF 1, 2 e 3).
O mesmo delegado prossegue com outros exemplos que ilustram as dificulda-
des decorrentes da comunicação entre os órgãos: No capítulo sobre o estudo de fluxo que fizemos com os processos denunciados
em 2012, fica claro que a recomendação mencionada pelos peritos é seguida, pois não
Porque o Coaf manda que teve um depósito de trezentos mil reais na se vê nenhuma menção ao Coaf nos processos. Os agentes confirmam e vão além:
conta do A, que foi sacado no dia seguinte. Se eu não posso usar a infor-
mação eu vou falar o quê? “Senhor juiz, tive um sonho hoje de que aquela – O Coaf é o fofoqueiro.
conta foi usada para...”, não pode, tem que se basear em fatos, se o Coaf
– Isso que eu ia falar.
não quer que junte isso aqui, como é que vai fazer? Isso que até hoje a
• Tomo 2 •

Polícia e o MP batem cabeça com relação ao RIF e ao Coaf. Hoje eu – O Coaf vai trazer a fofoca, aí você pega a fofoca e investiga, e aquela
tenho a mais plena convicção de que o RIF e o Coaf têm que ser utiliza- fofoca tem que sumir. (GF MG APF 4, 3 e 5).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

4.2 • INSS como testemunha ou alguma coisa assim. Então você, a pessoa que tem
conhecimento técnico de como funciona as coisas lá dentro, você deixa
a pessoa mais à vontade pra passar informação, lhe dar uma opinião de
Um dado muito importante levantado em Pernambuco, onde tivemos aces-
como acontece na prática. (E PE DPF 1).
so a informações sobre o funcionamento de Deleprev, é a existência de uma força-
-tarefa na área previdenciária, composta de delegados, membros do Ministério Público No site do Ministério da Previdência, os objetivos e as atribuições da Força-
e a Assessoria de Pesquisas Estratégicas e Gerenciamento de Riscos do Ministério da -Tarefa Previdenciária estão assim descritos:
Previdência Social. Tal parceria teve início no Rio de Janeiro em 2002 e foi se espalhan-
Objetivo: [...] consolidar, institucionalizar, fortalecer e ampliar os tra-
do pelos estados brasileiros. Isso retira um pouco o peso da investigação tradicional e
balhos da Inteligência Previdenciária, operando em conjunto com o
permite a conjugação de esforços em prol da melhoria dos resultados.
Ministério Público Federal e a Polícia Federal, de forma a colher mais da-
Em Pernambuco há uma sala dentro da Superintendência onde trabalham fun- dos para municiar o Poder Judiciário e melhorar a articulação entre os ór-
cionários do INSS, e as dúvidas ou buscas no sistema da Previdência são encaminha- gãos da Previdência Social (Assessoria de Pesquisa Estratégica, Auditoria
das a eles diretamente: e Procuradoria) e, direta ou indiretamente, outros órgãos públicos – fe-
derais, estaduais e municipais – e instituições privadas nos trabalhos de
A gente vai dizendo: “Olha eu tô precisando disso”. “Olha, eu queria saber combate às fraudes contra a Previdência Social.
se vocês têm como conseguir o telefone de quem agendou esses benefícios”,
né? Então, assim, eu vou conseguindo esse tipo de informação com eles. Atribuições:
Então, com base em quem agendou aquele benefício, eu vou ver se aquele - Combate à fraude em benefícios
número agendou outros. Então, né, eu vou pegando a informação. E, na
verdade, eles trabalham aqui dentro da Polícia Federal. Então eu não tenho - Combate à corrupção
que mandar ofício. Eu vou aqui na sala e digo: “Olha, encontrei esse bene-
- Combate à organização sistêmica
fício irregular, mas eu tô desconfiando que esse caso aqui”... (E PE DPF 1).
- Persecução criminal (previdenciário)
Eles têm o conhecimento técnico. A gente tem alguma orientação e um
acesso básico ao sistema, mas eles têm um conhecimento técnico de - Tutela coletiva – improbidade administrativa e recomendações
quem trabalhou lá dentro, de quem consulta. Então assim, eles podem
auxiliar a gente nesse tipo de pesquisa. (E PE DPF 1). - Solicitação de apuração de responsabilidade administrativa.

Ao se perguntar sobre a existência de forças-tarefa em outras áreas, envolvendo Os resultados deste trabalho vêm aparecendo pouco a pouco. De 2003 a 2014
instituições como CGU, Banco Central e outras, foi feito o seguinte esclarecimento: foram realizadas 590 ações conjuntas, cujo ápice foi o ano de 2011 (91 operações).
Neste mesmo período foram feitas 2.246 prisões; destas, 342 foram flagrantes, 3.331
[...] a CGU, na verdade, ela não tá fiscalizando irregularidades dentro da
buscas e apreensões e 472 conduções coercitivas. O montante do prejuízo divulga-
CGU, certo? Então talvez não precise destacar funcionário da CGU pra
do é de R$ 4.670.926.000,00 (<http://www.previdencia.gov.br/forca-tarefa-2014/>.
trabalhar com a Polícia Federal, porque eles estão fiscalizando outros.
Acesso em: 2 abr. 2015).
Claro que tem um risco de um envolvimento de uma pessoa da CGU com
uma prefeitura e tal, só que não é tão direto. No INSS, é dentro. Então foi Os dados apresentados sempre indicam a quantidade de servidores envolvidos,
bom tirar essas pessoas de dentro, até pra que elas fiquem mais à vontade que é outro destaque deste tipo de crime:
pra investigar, ajudar a gente na investigação. Porque se eu for falar com
o chefe do setor pra ele me ajudar a investigar o subordinado dele que tá E ainda tem o estigma do funcionário, né? porque é impressionante quan-
ali todo dia com ele, me dar informação, é uma coisa muito [...] delicada. tos delitos previdenciários acabam tendo envolvimento de funcionários
Tanto pela questão da compartimentação – que ninguém sabe até que da Previdência Social. Apesar de que, isso é uma coisa que a gente tem
ponto aquela pessoa vai ser de confiança pra pegar informação. Até por- que admitir, como a Polícia Federal, a Previdência corta na carne. Eles
que não tem um treinamento policial de compartimentação de informa- não têm pena, não têm. Eles investigam os funcionários e punem bem
• Tomo 2 •

ção –, como pelo incômodo depois, aquela pessoa ir ser ouvida na Justiça exemplarmente os funcionários. (E PE DPF 1).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

5 • O LUGAR DO SISTEMA PENAL –


FUNCIONALIDADE E ABRANGÊNCIA
Quanto mais uma sociedade é desigual, tanto mais ela tem necessidade de um
sistema de controle social do desvio de tipo repressivo (Baratta, 2002, p. 206). Se
entendidas desta forma, a abrangência e a funcionalidade do sistema penal podem
ser ajustadas de acordo com princípios, como os da intervenção mínima (Baratta,
1987). São eles que nos permitiriam, desde um plano macroestrutural, ajustar as práti-
cas de controle que precisam hoje ser revistas, desde a fase legislativa, de forma a com-
patibilizar ocorrências e respostas. Um diálogo entre delegados do Recife aponta para
as contradições do sistema penal que não podem permanecer mal resolvidas, porque
Figura 1 • Resumo dos resultados da Força-Tarefa Previdenciária

repercutem seriamente sobre a atividade policial:


– O que é que é crime? Será que tantas condutas hoje que a gente enten-
de como crime são crimes ou são passíveis de outro tipo de penalidade?

Fonte: Ministério da Previdência: <http://www.previdencia.gov.br/forca-tarefa-2014/>. Acesso em: 2 abr. 2015.


Outro tipo de responsabilização? Porque os órgãos administrativos sim-
plesmente abrem mão com essa questão de procuradoria de ir atrás de
restituição, que dói muito mais.

– Aí por que a procuradoria abre mão? Porque o governo precisa priori-


zar ações para recuperar valores maiores, né? Então ele abre mão.

– Ele tá conseguindo dar a prioridade dele, né?

– É, mas esquece daqui, tá entendendo? Esquece daqui. Esquece da


Polícia. Esquece que se a Polícia ficar investigando o menor, ela também
vai deixar de investigar os maiores, ou vai investigar mais lentamente, ou
vai investigar um, depois o outro. (E PE DPF 1).

Alguns delegados são sensíveis ao problema estrutural que pode estar relacio-
nado às transgressões, tanto comuns quanto de alto status, mas também não se pode
dizer que este é um entendimento padrão, embora outros delegados de Pernambuco
concordem que existem problemas estruturais que, não resolvidos, vão demandar res-
postas criminalizadoras:
– Olha, nós temos um problema sério, que é essa carga tributária pras
empresas. Muitas empresas, muitos empresários chegam e falam: “Olha,
eu sonego, porque se eu não sonegasse, eu quebrava”. Então eles têm essa
dificuldade muito grande de pagar seus impostos, sua carga tributária.
E de cobrir regularmente com sua carga tributária. Isso é um fato. Isso é
uma coisa, eu acho que é o primeiro ponto. É porque muitas vezes se bus-
ca a área criminal, se busca o direito penal, que é fragmentária, que é em
• Tomo 2 •

última instância, pra resolver um problema que é social, que é econômi-


co. O primeiro problema aí não é criminal, é econômico. A princípio se

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

[...] não houvesse uma carga tributária tão grande em cima das empresas, O sistema penal é o adequado para qualquer crime. Sair dele é dar mar-
muito provavelmente, boa parte das empresas que estão hoje com seus gem à corrupção. (R RS APF 2).
representantes respondendo a inquéritos criminais, eles não estariam
respondendo. Porque realmente o comerciante e o empresário hoje eles Existem as leis, e estas devem ser respeitadas por todos. A Legislação des-
estão atribulados. E quando eles estão numa situação em que eles não creve as condutas e tipifica as penas. Não é admitido o desconhecimento
conseguem cumprir com sua obrigação tributária, o primeiro que sofre pelo agente da ação. Estas ações causam grandes desvios de recursos que
logo é a previdenciária, que é facilzinho de fazer. Pra eles não recolhe- deveriam ser utilizados para o benefício da população. São tão graves quan-
rem a contribuição previdenciária, eles já deixam de recolher. Aí acaba to qualquer outro crime e merecem punição exemplar. (R DF APF 1).
criando uma situação dessa. Então é o primeiro, isso é muito parecido
Outro elemento de racionalização da atuação do sistema formal de controle é a
com os delitos comuns. Vamos dizer, nos delitos comuns, se busca muito
percepção de incidência de diferentes tipos de crimes. Como vimos anteriormente, o
a penalização, se busca muito a ação criminal, se busca muito a ação da
polícia judiciária, da Polícia ostensiva, quando na verdade, muito desses
crime do art. 171, § 3º, do Código Penal é o que mais aparece nos registros da Polícia
problemas são sociais, não são criminais. Então é família, é escola, é im- Federal, segundo relatam os delegados de Brasília (GF DF 1). Das 140 mil infrações re-
prensa, são vários fatores, questão de falta de oportunidade social. Então, gistradas no sistema da Polícia Federal a maior parte é referente, então, ao Estelionato
com empresário, claro que em outra instância, acontece parecido. Ele se praticado contra entidade de direito público ou de instituto de economia popular, as-
sente numa situação em que, às vezes, ele acaba sonegando. E, como a sistência social ou beneficência. Esse artigo, na verdade, contém uma causa especial de
Polícia, ela não tem essa ação, essa função social, porque a função social é aumento de pena (prevista no preceito secundário como reclusão de 1 a 5 anos e mul-
do Legislativo e do Executivo, nunca da Polícia. Então a Polícia vai crimi- ta) na proporção fixa de 1/3. Este destaque para o Estelionato contra a administração
nalizar. Então chegou aqui, com a licença da palavra, é pau! pública é reafirmado por policiais do Recife.
– Na minha visão é o seguinte, qualquer crime que não termine, em que Na área previdenciária o crime que aparece mais é a Apropriação Indébita
não existe uma expectativa de terminar em prisão, pra mim não precisa
Previdenciária (art. 168-A do CP, que não foi objeto do solicitante da pesquisa).
estar no Direito Penal. [...] Pra mim não deveria ser apenado. Ali o cara
resolve ou com Direito Administrativo, na área de improbidade, nos pro- O reverso da moeda (dos crimes que menos têm registro) são aqueles do estra-
cedimentos disciplinares, nas questões pessoais na área, o Direito Civil. nho Capítulo II-A do Título XI, inserido pelo legislador pátrio em 2002 – Dos Crimes
(GF PE DPF 2 e 3). Praticados por Particular contra a Administração Pública Estrangeira. Trata-se de um
No segundo grupo focal com delegados do Distrito Federal, aparece um pen- remendo que acrescentou três novas letras ao art. 337 do Código Penal, transferindo-as
samento que também é possível alinhar a esta reflexão, quando um dos delegados diz para capítulo à parte. O art. 337 e o 337-A ficaram no capítulo dos Crimes Praticados
que o gasto de energia “com coisas que não precisariam ser feitas é da ordem de 93 a Por Particular Contra a Administração em Geral, e os arts. 337-B, 337-C e 337-D (este
94%” (GF DF 2 DPF 2). último apenas define quem são os funcionários públicos estrangeiros) foram formar
este “capítulo derivado”. O diálogo a seguir é bastante esclarecedor do que eles repre-
Outro delegado completa pouco depois: sentam em termos gerais:
– Se a gente conseguir convencer a sociedade e o meio jurídico de que – E esses aqui dos internacionais, digamos, da corrupçao ativa
não é viável a ilusão de que nós vamos investigar tudo e qualquer coisa em transação comercial ao tráfico de influência internacio-
da mesma forma, reduzindo com isso o número de investigação em an- nal. Isso aparece?
damento, trabalhando com informação e banco de dados, enxergando a
atuação de grupos criminosos e focar a atuação da Polícia Federal para – Tem dois inquéritos na história.
desarticular quadrilhas, organizações criminosas, crime organizado... O
– Dois?
nosso efetivo não é suficiente. (GF DF 2 DPF 3).
– É muito pouco. [...]
Alguns agentes dizem que nada deve ficar fora do sistema, que o ideal é ter con-
dições de fazer tudo, mas em geral esta é a visão dos agentes: – Quantos inquéritos a gente tem hoje em andamento?
• Tomo 2 •

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

– 140 mil infrações. registro da ocorrência na delegacia mais próxima e realizadas diligências como a “que-
bra de sigilo traumático”. Ele diz que este tipo de inquérito tem “baixa repercussão e
– Uma informação relevante pra pesquisa, cerca de 140 mil in-
um custo procedimental altíssimo”. Sua descrição do caso é a seguinte:
quéritos instaurados, dois deles são sobre os crimes...
O resultado desse teatro de horrores é que esses inquéritos estavam sendo
– 337-C. (GF DF 1 DPF 1 e 3).
sistematicamente relatados sem resultado final, sem apuração de autoria
Então, de fato, o que registra dois casos entre os 140.000 é o Tráfico de Influência e estava havendo duplicidade – então a mesma origem de fraude da conta
em Transação Comercial Internacional, não sabemos se é pela raridade da ocorrência A, B e C estava espalhada pela Internet, porque você frauda conta no
Acre, no Amapá, no Rio Grande do Sul, na Bahia, e por aí vai. E uma só
ou em razão de subnotificações, mas o fato é que por enquanto trata-se de uma crimi-
pessoa tem alcance nacional, então um único investigado ele tinha aca-
nalização irrelevante do ponto de vista da aplicabilidade.
bado de gerar 100/200 investigações isoladas que não chegavam a lugar
algum – porque você não tem onde chegar, é impossível – eu estou aqui
na Bahia, o cara está lá no Amapá e a conexão foi feita do Mato Grosso.
É um inquérito impraticável. Então nós fizemos um acordo com a Caixa
6 • ALGUNS CAMINHOS CONSIDERADOS PROMISSORES Econômica pra ela interromper essa comunicação caso a caso nas dele-
gacias e não mandar mais ofício, só me manda o dado eletrônico da frau-
Neste item apresentaremos algumas soluções encontradas ou somente vislum- de mais uma comunicação centralizada aqui em Brasília do Serviço ao
bradas pelos entrevistados. Algumas já ficaram no passado, outras ainda estão no pla- Crime Cibernético. Então semanalmente, ao invés de ele mandar 10.000
no das esperanças. São elas: a criação de grupos de trabalho, a integração dos sistemas, notícias para cada delegacia mais próxima de acordo com a agência onde
o foco nos julgamentos e a vedação de candidaturas políticas. o cliente tinha conta, eles consolidaram essa informação e mandavam pra
sede, pra gente. E o que nós fizemos? Jogamos isso numa base de da-
A partir de situações-problema já identificadas, foram surgindo algumas estra- dos de forma organizada e antes da instauração basicamente você dá um
tégias de correção de rumos, como relata policial de São Paulo entrevistado: tratamento a essa informação. Você organiza ela e vê onde há relaciona-
mentos, novos relacionamentos, quais são as origens de fraude de deter-
O Coaf vocês sabem como funciona, né? Basicamente? Uma operação minada categoria instituição bancária; onde há concentração geográfica
suspeita, o Coaf analisa, vê se tem dissídio de crime ou não, se tiver pro- de saque; onde há concentração geográfica de pagamento de boleto; onde
duz o RIF e encaminha para o MP. Alguns para a Receita e tal. O fato é há concentração de clonagem de cartão etc. Então você condensava
que a Polícia recebia um, o MP recebia outro, a Federal outro e o MP-SP onde antes era uma conta em determinado local, você iniciava uma inves-
outro. Tinha três investigações diferentes e nenhum sabia o que o ou- tigação com 200, 300, 500 contas bancárias envolvidas em um único nó, e
tro estava fazendo. A gente criou um grupo de trabalho lá que na época a gente começou a fazer... (GF DF1 DPF 2).
a solução foi boa, hoje não sei como é que está, que era assim: quem
está fazendo, o que a Polícia fizer, alimenta aquele sistema, o MP federal O relato neste ponto é que houve a incorporação de uma lógica da Polícia Civil,
alimenta o sistema, para que não tenha duplo ou triplo ou quadruplo que registra os Boletins de Ocorrência e os deixa lá, ao contrário do que afirmou a de-
esforço. Então teria que ser criado um sistema desse geral, mas bate no legada do Recife, citada no início deste capítulo, que usou justamente a distinção entre
problema das instituições, as instituições não querem fornecer para outra as duas polícias para falar como age a PF. Esse caso mostra, então, diferenças entre dois
suas informações. (E DF DPF 3). dos estados estudados e/ou diferenças entre a área previdenciária e financeira.

Esta boa prática da criação dos grupos de trabalho contém outra das possibili- A otimização dos recursos decorrentes desta experiência foi assim descrita:
dades que reputamos promissora na articulação do sistema de controle e resposta da
– Nós transformamos isso em algo eletrônico. A princípio essa ação siste-
criminalidade estudada, que é a integração dos sistemas. Um dos casos de sucesso é
mática é o que se espera da Polícia, pelo menos em relação ao tratamento
relatado por um delegado do Distrito Federal. Segundo ele as fraudes cibernéticas da informação; se inicia um esforço investigativo e a partir do momento que
Caixa Econômica Federal, que estavam ocorrendo via internet banking, tendo havido aquela informação é promissora de alguma forma. Como você torna essa
uma articulação importante, pois no ano de 2008 chegavam cerca de 10.000 comuni- informação potencialmente mais promissora? Você consegue relacionar
• Tomo 2 •

cações deste tipo de crime por mês, até que a situação ficou insustentável, porque os ela com outros fatos. Então um fato relacionado a outros fatos se torna
inquéritos iam chegando de um a um, e o procedimento padrão é de que seja feito o uma coisa mais palpável para iniciarmos um esforço de investigação com

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

essa base de dados bruta. Interrompemos essa instauração isolada e jun- – E sem perder o foco em que nossa investigação não se destina ape-
tamos informação e começamos a fazer essa base de dados priorizando nas a condenar.
as situações mais flagrantes da situação criminosa, com lesividade maior.
[...] O que aconteceu é que deixamos de instaurar 10.000 inquéritos por – Nós não trabalhamos pra convencer o Ministério Público. Isso é
mês, que é nossa obrigação legal, passamos a instaurar algo em torno de 5 muito claro.
a 6 inquéritos por mês para atacar grandes nós de criminalidade e, final-
– Exatamente.
mente, se inverteu a curva, a Caixa Econômica estava tomando prejuízo
em cima de prejuízo. – Nós não trabalhamos pra convencer o Ministério Público.

– A redução afetou a efetividade. – Nós não somos o braço policial do Ministério Público.

– A redução de inquérito afetou a efetividade porque os inquéritos ins- – Nós não somos. Ah, qual é a função da Polícia? É formar opinio
taurados são inquéritos com maior possibilidade de sucesso. Por quê? delicti, não!
Porque você embutiu nisso um trabalho prévio de inteligência em ter-
mos de tratamentos que só é possível a partir do momento em que você – Só da autoria e materialidade.
organiza, registra essa informação e, efetivamente, trabalha; ela reduziu
– É apurar o fato, se o fato aconteceu, se o fato é crime; e se é crime e
prejuízo, a Caixa começou a reduzir depois da implantação do projeto.
aconteceu, quem foi. Esse é o papel da Polícia.
(GF DF 1 DPF 2).
– E se aproxima muito do Judiciário nesse sentido?
Há outro destaque que vale a pena ser feito. Em muitos diálogos é possível ver
a separação entre as instituições e as disputas internas decorrentes da atividade e das – É o juiz de instrução.
próprias carreiras. As atividades cada vez mais se misturam, e as instituições se ape-
– É o juiz de instrução. O delegado hoje é bem próximo do juiz de instru-
gam a tradições para reafirmar suas identidades. Contudo, o processo de mudança
ção. (GF DF 2 DPF 2 e 3).
pelo qual passou a atividade investigativa nas últimas décadas fez com que já tenham
sido testadas algumas novidades em termos técnicos. Vivemos agora o momento de Contudo, essa tendência pode bem significar um reforço de uma tendência à
assentar e pacificar estas alterações. O diálogo que segue refaz alguns percursos no judicialização dos procedimentos, que não tem a ver necessariamente com os melho-
sentido de mostrar formas que as instituições usam para se reinventar: res resultados e sim com o reforço da necessidade da formação jurídica para ter acesso
– Se me permite, eu acho que agora a gente tá avançando para perceber o a posições de poder no interior da instituição/estrutura/carreira. A fala de um dos
que do nosso trabalho, quais técnicas, quais formas de trabalhar, efetiva- agentes indica outras possibilidades inspiradas nas polícias que teriam mais reconhe-
mente vai redundar numa denúncia ou numa condenação. Então hoje a cimento no panorama mundial (ocidental):
gente tá nesse questionamento, nesse estágio...
A “judicialização” da investigação, materializada na sanha dos delegados
– Nós trabalhamos com a perspectiva de denúncia? Não. Nós trabalha- de Polícia em enquadrar apuração do crime em um caderno burocrático
mos com a perspectiva de condenação. e moroso, o inquérito policial, vai de encontro a métodos bem mais efe-
tivos e que trariam melhores resultados, como a atuação interdisciplinar
– Isso vem da interação com o MPF ou isso é fruto mais interno? com a utilização de métodos científicos e embasados nos mais variados
– Não, é fruto da avaliação interna mesmo. segmentos do saber e disponíveis entre os demais cargos da instituição, a
exemplo do que se pode observar nas polícias mais eficientes e de maior
[...] referência no mundo, como o FBI, a Scotland Yard, Carabineros de Chile,
Bundespolizei, Real Polícia Montada do Canadá e até mesmo a Polícia
– O delegado federal hoje quer apurar de forma profunda o fato. Então
Judiciária de Portugal, que, apesar do nome, não necessariamente é “ju-
investigação célere, esquece. Isso não existe.
dicializada”. (R MG APF 1).
– Essa coisa pra se livrar do inquérito, não.
Um problema que surgiu na fala de agentes e peritos foi o fato de que cada vez
• Tomo 2 •

[...] mais os delegados se lançam a candidaturas políticas.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

– Esse é o problema da Polícia. A questão da... a Polícia ela não é uma


instituição de Estado. A política está impregnada dentro das polícias, e se
CONSIDERAÇÕES FINAIS
não arrancar esse câncer que está dentro da Polícia, dificilmente essa re-
lação institucional, essa relação entre os cargos, ela vai se resolver. Então, As vozes dos policiais nos dizem muito sobre o resultado dos investimentos que
os delegados têm essa doutrina, todo poder aos delegados. Eles criaram foram feitos nas últimas décadas em termos legislativos, estruturais e funcionais das
um nicho de poder político, porque hoje o Congresso Nacional tem, se eu instituições incumbidas de investigar crimes de colarinho branco, para os quais cada
não me engano, são 23 ou 25 deputados... vez mais são exigidas respostas públicas.
– A próxima legislatura vai ter 20 e poucos... Os principais problemas identificados dizem respeito à ausência de uma política
– 20 e poucos delegados. Quando parece que é uma atividade que é in- criminal condizente com a quantidade de ocorrências, conforme as informações do
compatível com uma instituição de Estado. O militar não pode [...], os capítulo destinado à abordagem quantitativa, somada às dificuldades de se trabalhar
juízes não podem ser políticos, o Ministério Público não pode. Então, a com a complexidade de situações que implicam conhecimento de outras áreas (econo-
Polícia, inclusive uma vez numa palestra com o ex-ministro da Justiça, mia, contabilidade, engenharia, informática etc.), e articulações e comunicações entre
que tinha um enfoque bem direcionado aos direitos humanos, que ele atores cujo contato ainda não era tão exigido ao final do Século XX.
defendia que policial não podia ter atividade política.
Algumas das demandas observadas são visivelmente influenciadas pela lógica
– Procurador.
eficientista7 no sentido de que há sempre a necessidade de um aparato de controle cada
– Só quem entrou antes de 88. vez maior em termos de pessoal, estrutura e condições de trabalho. No entanto, como
vimos, nem sempre essa demanda, quando atendida, é acompanhada dos resultados
– Só os antigos.
esperados. Há uma sobreposição de funções e atividades que acaba gerando retrabalho
– Criaram uma teoria lá para dizer que eles tinham direito adquirido lá. ao invés da tão sonhada eficiência.
Mas, a partir de um certo momento...
Vimos crescer nas últimas décadas uma estrutura de fiscalização e controle de cri-
– 88. Constituição. mes de lavagem de dinheiro, financeiros, tributários, previdenciários e contra a adminis-
tração pública em geral, mas ainda há (e provavelmente continuará havendo) a reafirma-
– Eu não sei se foi a Constituição ou se foi uma emenda constitucional.
ção de que falta muito para que se obtenha o resultado previsto formalmente. Apesar de
– Foi. Não, a partir da Constituição. uma percepção de que “falta gente”, por exemplo, notamos que um aspecto muitas vezes
levantado como provocador de melhores resultados, o da formação superior, teve um efei-
– O fato é que é incompatível. E é incompatível você ter policiais militan-
do na política. Eu também vejo dessa maneira, que há uma incompatibi- to curioso sobre as polícias: hoje pode-se dizer, com a influência da coloquialidade deste
lidade aí. Mas o fato de não ter sido estabelecido isso legalmente cria essas capítulo, que há “muito cacique pra pouco índio”. As carreiras e os salários acompanharam
coisas, o cara tem muito poder, e poder político, e cria uma casta com... durante certo tempo a expansão havida na oferta de cursos superiores, notadamente os
Isso gera distorções na própria delegacia [...]. Então assim, a Polícia tinha jurídicos e, ao contrário do que se pudesse imaginar, isso pode ter contribuído para o estre-
que ser instituição de Estado. Essa questão política que se instalou, inclu- mecimento nas relações entre os policiais, peritos, procuradores e juízes.
sive nas polícias militares, tem os coronéis das polícias militares têm um
poder astronômico, uma coisa... Não tem problema. Eu não estou falando A par disso existem também as diferenças regionais de estrutura, organização e
nada demais, nada que ninguém saiba. (GF DF P 1, 5, 7 e 8). funcionamento que também podem sofrer de influências políticas e midiáticas, em vez

Tanto é temerária a possibilidade de os policiais federais ingressarem na carreira


política, quanto o é o excesso de proximidade entre policiais e políticos, o que também 7 Eficientismo penal é uma tendência da política criminal contemporânea, ainda muito influenciada
foi indicado como problema no grupo focal realizado com agentes em Minas Gerais. Eles pelo Paradigma Etiológico em Criminologia, segundo a qual a criminalidade (em geral) tem aumen-
tado e isso requer atitudes mais severas por parte dos sistemas formais de controle social. Em geral
reputam esta vitória recente dos delegados na queda de braço com os agentes na já referida
está relacionada aos Movimentos de Lei e Ordem, que por meio da mídia reforçam a todo instante a
Medida Provisória n. 657 a um amadorismo político do partido do Governo Federal atual
• Tomo 2 •

necessidade de leis mais severas, criminalização de condutas, mais funcionários, mais armamentos,
no que tange à negociação dos pontos da pauta política dos delegados, observando que tal mais investigações, denúncias e julgamentos, além de uma expansão de vagas para condenados ou
medida foi aprovada poucos dias antes do segundo turno das eleições presidenciais. dispositivos eletrônicos de vigilância. (Neste sentido ver Zackseski; Duarte, 2012.)

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

de estarem pautadas por padrões de eficiência, perspectivas de tratamento igualitário – Mas foram sequestrados mais de 100 milhões de reais, inclusive supe-
ou pelo atendimento de necessidades identificadas. Não tivemos acesso a dados sobre rior a essa segunda fase da Lava Jato, né. Na Lava Jato eu acho que eles
distribuição de efetivos, por exemplo, mas existem informações na Internet que apon- apreenderam R$ 50 milhões, salvo engano, não foi isso? Foi isso? Acho
tam para as diferenças entre os estados na criação de delegacias da Polícia Federal. Um que foi. (GF PE DPF 1 e 2).
dos agentes entrevistados descreve a organização da Polícia Federal denunciando o Além disso, também no que se refere a Pernambuco e em que pese o fato de a área
peso das influências políticas destas escolhas: previdenciária ser uma das que mais faz operações, na visão de uma delegada da área,
A divisão das delegacias e do efetivo são decisões eminen- [...] as operações de previdenciário não ganham a visibilidade que as
temente políticas, sem levar em consideração as neces- operações de crime financeiro ganham, porque realmente as operações
sidades das regiões. Assim foram criadas delegacias em de crime financeiro mexem com pessoas de poder aquisitivo bem maior,
Cruzeiro-SP por interferência direta do ex- Ministro da com empresas maiores. (E PE DPF 1).
Justiça Márcio Tomaz Bastos, em São Borja-RS por decisão
de Tarso Genro (ex-MJ), e outras tantas. Para se ter uma Isso ocorre apesar de a sangria aos cofres públicos ser relevante, pois são pre-
ideia clara, pode-se observar o Estado da Bahia, com seu juízos mensais.
território imenso e apenas 4 delegacias no interior, além de
Um mês atrás teve uma operação em Caruaru. Uma operação de uma
o efetivo ser bem diminuto. (R APF RS 2).
fraude gigantesca e, salvo engano, no ano foi a quadrilha que sangrou
Outra diferença que observamos é o desinteresse pelas operações ocorridas no mais [...] dinheiro do Estado. E, assim, não teve visibilidade nenhuma
Nordeste em relação a operações deflagradas no Sul e Sudeste, cuja projeção depende (Foram 12 milhões de reais). Assim, só a nível regional, mas a nível na-
cional, não. (E PE DPF 1).
dos critérios de seletividade da mídia, que por sua vez vincula-se ao poder aquisitivo
dos envolvidos e a uma dimensão político-partidária. Em Pernambuco, por exemplo, As mudanças introduzidas pela tecnologia também não foram suficientemente
ouvimos muitas comparações entre a Operação Lava Jato e a Operação Trevo8. No dia acomodadas no sistema penal e no imaginário social, tendo havido uma substituição
em que foi deflagrada a Operação Trevo, o destaque nos jornais era para uma operação dos padrões investigativos anteriores, da criminalidade comum, para um padrão que
no Rio de Janeiro, segundo policiais da Delefin do Recife: produz uma ilusão de controle (assim como muitas vezes produz uma ilusão de segu-
rança) e um distanciamento físico de alguns problemas que acabam fazendo parte de
– Só sai Lava Jato.
um universo abstrato e virtual, onde a atuação, ainda que ocorra, continua alimentan-
– O que é que acontece? Aqui é Pernambuco, né? do a ideia de que ainda há muito por fazer, ou de que nada foi feito. O limite no uso
dessa tecnologia é dado muitas vezes pelo sistema jurídico, quando “caem operações”,
por exemplo, mas se não há produção de efeitos juridicamente relevantes também
8 “A Operação Trevo desarticulou uma organização criminosa que operava por meio de loterias es-
taduais, cujos valores arrecadados eram repassados a entidades filantrópicas de fachada, fazendo
não se pode dizer que não tenha produzido efeito algum sobre a vida de pessoas en-
com que o dinheiro ilícito retornasse ao grupo, em procedimento suspeito, com fortes indícios de volvidas, em casos nos quais alguma tecnologia foi empregada. Ou seja, pode não ter
lavagem de dinheiro. Outro segmento do grupo, com sede no estado de São Paulo, era responsável havido condenação, mas a opinião de pessoas e grupos sobre os investigados tem se
pelo fornecimento de máquinas eletrônicas programáveis (caça-níqueis), tanto para Pernambuco transformado. Hoje podemos compreender que o processo criminal já é uma pena
como para outros estados e até para o exterior. para muitos acusados. Isso significa, então, que tanto as respostas formais quanto as
Outro ramo, ainda, figurava como instituição financeira seguradora de incontáveis bancas de jogo informais às situações socialmente negativas requerem um rearranjo do sistema de
do bicho no Nordeste, garantindo o pagamento dos prêmios e promovendo lavagem de dinheiro. controle, que não é apenas formal e que se relaciona aos desejos punitivos do tipo
O tronco principal da organização registrou uma movimentação financeira registrada em bilhões
de sociedade do risco, do espetáculo e da cultura punitiva em que vivemos.
de reais e atuava tanto no jogo do bicho como a comercialização de bilhetes lotéricos ocultados em
título de capitalização em sua modalidade popular, apropriando-se dos valores que deveriam ser
Chamamos atenção para outra reclamação dos policiais: “A gente não consegue
destinados a instituições beneficentes ou revertidos em capitalização, obtendo vantagem ilícita em
detrimento do povo. Os investigados podem responder pela prática dos delitos de contrabando,
focar”. Isso ocorre em razão do princípio da indisponibilidade e também por causa da
crime contra o Sistema Financeiro Nacional, contra a Economia Popular, jogo de azar e lavagem de forma com que chegam as atuais exigências de produtividade, com medidas quantitativas
que nem sempre correspondem ao resultado mais justo. Então, se pensamos em manter
• Tomo 2 •

dinheiro. Somadas, as penas ultrapassam o limite de trinta anos.”


Disponível em: <http://www.dpf.gov.br/agencia/noticias/2014/11/pf-deflagra-a-segunda-fase-da- as garantias presentes no sistema penal, poderíamos pensar também em direcionar os
-operacao-trevo-em-recife>. Acesso em: 15 jan. 2015. esforços de investigação de problemas específicos, identificados por estudos de impacto

98 99
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

e relevância dos diversos tipos de lesão efetiva a bens jurídicos de interesse coletivo, a
partir dos quais os parâmetros definidores de produtividade não seriam semelhantes aos
SÍTIOS CONSULTADOS
da iniciativa privada (quantitativo de operações, denúncias, processos ou julgamentos)
e sim do retorno aos cofres públicos de recursos desviados e outros indicadores desta <http://www.dpf.gov.br/anp/educacional/formacao/>. Acesso em: 4 mar. 2015.
natureza, o que também já se observa como tendência neste capítulo.
<http://www.mpsc.mp.br/portal/instituicao/promotorias-de-justica/atuacao-da-pro-
Embora se diga que não é possível focar, que há a indisponibilidade, podemos motoria.aspx>. Acesso em: 4 abr. 2015.
notar nos discursos dos policiais a existência de diversos tipos de seletividade: uma
formal, referente aos prazos; outra mais intuitiva, operando com critérios políticos e <http://www.previdencia.gov.br/forca-tarefa-2014/>. Acesso em: 2 abr. 2015.
midiáticos; outra econômica, concentrada nos desvios de recursos públicos; e uma que
é hierárquica, onde se nota claramente que os agentes e outros profissionais experien- <http://www.dpf.gov.br/agencia/noticias/2014/11/pf-deflagra-a-segunda-fase-da-
tes não são ouvidos. -operacao-trevo-em-recife>. Acesso em: 15 jan. 2015.

Sendo assim, entendemos que não é possível alcançar resultados melhores na inves-
<http://www.tesouro.fazenda.gov.br/siafi>
tigação dos crimes estudados atuando com base numa seletividade definida num contexto
de isolamento, falta de comunicação e cooperação. No plano pessoal as tarefas podem ser
negociadas e sincronizadas, e alguns têm a sorte de encontrar ou formar um bom ambien-
te, uma rede de cooperação, mas isso não resolve o problema no plano institucional.

REFERÊNCIAS
Baratta, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito Penal. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 2002.

     . Principios de derecho penal mínimo. In. Baratta, Alessandro.


Criminología y Sistema Penal - Compilación in memoriam. Buenos Aires: Editorial B
de F, 2004, pp. 299-333.

Ministério Público Federal. 7ª Câmara. Notas Técnicas Nº 3 e Nº 4. Brasília.


Abril de 2015.

Misse, Michel (Org.); Costa, Arthur Trindade; Azevedo, Rodrigo; Ratton, José
Luiz; Vargas, Joana. O inquérito policial no Brasil: uma pesquisa empírica. Rio de
Janeiro: Booklink, 2010.

Skolnick, J.H.; Bayley, D.H. Policiamento Comunitário. Tradução de Ana Luísa


Amêndola Pinheiro. São Paulo: Edusp, 2002.

Zackseski, Cristina; Duarte, Evandro C. Piza. Garantismo e eficientismo penal: dis-


• Tomo 2 •

senso e convergência nas políticas de segurança urbana. In: Universidade Federal de


Uberlândia. (Org.). Anais do XXI Encontro Nacional do Conpedi Ufu. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2012, pp. 7112-7143.
100 101
CAPÍTULO 5
A INVESTIGAÇÃO E A PERSECUÇÃO PENAL NO
DISCURSO DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA

Bruno Amaral Machado

INTRODUÇÃO
Na fase qualitativa do trabalho de campo, conduzida por meio de grupos focais
e entrevistas em profundidade, entre maio de 2014 e maio de 2015, ouvimos procura­
dores da República, procuradores regionais da República e subprocuradores-gerais
da República lotados em diferentes unidades da federação. Além da transcrição das
diversas narrativas, o campo foi complementado com relatos escritos, nos quais foi
possível aprofundar o material produzido a princípio.

Inicialmente, realizamos três entrevistas exploratórias com procuradores da


República lotados no Distrito Federal, cujo objetivo foi conhecer questões organi-
zacionais, como a distribuição interna de atribuições, a evolução das unidades, bem
como formas de interação intra e interorganizacionais9. A fase inicial, exploratória,
foi relevante não apenas para conhecer dinâmicas internas e percepções sobre o de-
sempenho das funções mas também sugeriu caminhos para viabilizar a pesquisa
qualitativa. A impressão inicial, que posteriormente se confirmou, era a de que não

9 Agradeço a colaboração do pesquisador Marcelo Sampaio, integrante do Grupo de Pesquisa Política


Criminal e Direitos Humanos (UniCeub – UnB), pelo apoio direto na fase exploratória da pesquisa
assim como na primeira fase de negociação do acesso à base de dados do Único – MPF.

103
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

haveria grandes dificuldades em contar com a colaboração dos membros do MPF


1 • A DEFINIÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES NO MPF: A DIVISÃO DO
como sujeitos desta pesquisa.
TRABALHO JURÍDICO E QUESTÕES ORGANIZACIONAIS
Em seguida, elaboramos roteiro para a realização da pesquisa qualitativa.
Além dos grupos focais com procuradores da República em Brasília e em Recife, re- A definição das atribuições entre os procuradores da República em uma de-
alizamos grupo focal por videoconferência com procuradores lotados em São Paulo. terminada localidade associa-se à trajetória do MPF desde a CF/1988. A história
Entrevistamos ainda três subprocuradores-gerais da República e, com o apoio da recente do MP brasileiro sugere processos diferenciados na reconstrução de iden-
ESMPU para a divulgação entre possíveis interessados em participar, em fevereiro tidades organizacionais. Embora o formato constitucional seja único, há especifici-
de 2015, disponibilizamos roteiro com questões gerais para que os membros do MPF dades nos modelos reais construídos nos distintos Ministérios Públicos brasileiros
tivessem a oportunidade de manifestação livre, segundo a experiência de cada um. (Machado, 2007a e 2007b).
Participaram por meio de relatos escritos: 6 procuradores da República lotados no
Estado do Paraná (3 em Curitiba), 4 procuradores da República lotados no Estado O amplo leque de funções conferidas ao MPF impõe variações locais. Ao assu-
do Pernambuco (2 em Recife), 1 procurador da República lotado em São Paulo, 1 mir novas atribuições, surge o debate sobre a distribuição de funções entre distintos
ofícios. Em conformidade com a estrutura não hierarquizada, reconheceu-se ao longo
procurador da República lotado no interior do Estado de São Paulo. Além disso, um
dos anos, no MPF, a prática de que os próprios membros, reunidos em assembleias
relato foi enviado por participantes lotados nos seguintes Estados: Rio Grande do
locais, definem as atribuições. O documento é reconhecido pelos pares como regra
Sul, Pará, Tocantins, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro. Finalmente, dois procura­
do jogo e estabelece os critérios para divisão interna, especialmente nas capitais dos
dores regionais da República, um lotado no Distrito Federal e outro em São Paulo,
Estados. Alguns relatos são críticos quanto à demora do CSMPF em homologar os
enviaram relatos escritos.
regimentos internos deliberados.
Neste capítulo, sistematizamos os relatos mais relevantes para o objeto da pes-
Durante a realização do grupo focal com 7 procuradores da República lotados
quisa. Buscamos preservar, sempre que possível, os relatos mais longos, pois são em ofícios criminais e de combate à corrupção (NCC) em Brasília, a questão é objeto
elucidativos e permitem uma compreensão mais ampla sobre a diversidade interna de interesse direto dos membros. No Distrito Federal, as procuradorias que integram
do MPF. E, obviamente, sugerem parâmetros para uma leitura mais complexa sobre o NCC surgiram por deliberação, por maioria dos membros lotados no local, em abril
a cultura organizacional e sobre construção de identidades profissionais. O tema é de 2014, fruto de experiências inovadoras trazidas de outras localidades. Um dos par-
relevante, na medida em que permite entrever a definição de prioridades no desem- ticipantes relata de forma breve:
penho das funções e sugere caminhos, alianças e entraves no transcorrer da investi-
gação e da persecução penal dos delitos econômicos e da corrupção. Durante muito tempo nós não tínhamos nenhuma regulamentação [...]
a competência para organizar a questão de ofício de distribuição seria
Uma última questão metodológica orientou a aplicação das técnicas de pes- do Conselho Superior do Ministério Público Federal, mas durante muito
quisa utilizadas. Decidimos que não seria adequada a realização de Survey para tempo nós não tivemos nem mesmo uma resolução no sentido de dire-
obtenção de um retrato sobre como pensam os membros do MPF. Optamos pela cionar a questão de critérios mínimos de organização das unidades, então
acaba que cada unidade do Ministério Público se organiza, tanto as pro-
realização de entrevistas em profundidade, com duração entre 40 minutos e 1
curadorias regionais como as procuradorias da República nos estados...
hora, e grupos focais, com duração média de 3 horas, com os membros cuja atu-
os colegas se sentam, né? Aqui em Brasília, eu estou aqui desde 2012,
ação estivesse diretamente relacionada ao objeto desta pesquisa – investigação e então de tempos em tempos existe o que nós chamamos de congresso
persecução penal dos delitos econômicos e corrupção –, pois a proposta foi ex- interno, onde é apresentado um projeto de resolução. (PR4, GF/DF).
plorar a diversidade de visões e a especificidade das atribuições desempenhadas.
Assim, o critério prevalente não foi a prévia definição de uma amostra, mas a Nem sempre as soluções encontradas atendem aos distintos interesses:
busca da saturação em relação aos temas centrais definidos na pesquisa. Os relatos Eu já vi situações históricas, assim, homéricas de discussão [...] a gente
escritos, enviados de forma voluntária pelos participantes da pesquisa, permitiram tenta equilibrar uma situação, não só de distribuição equânime de distri-
• Tomo 2 •

confirmar a nossa estratégia inicial. buição de trabalho. Numericamente, nós não temos instrumentos de de-

104 105
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

finição do nosso trabalho, estatística apenas, não temos dados qualitati- nal a gente conta com o apoio da Polícia Federal; na área cível nós condu-
vos [...] sem acessibilidade necessária para saber que alguns trabalhos são zimos as investigações de uma forma mais nossa mesmo. (PR1, GF/PE).
extremamente mais complexos e não podem ser analisados simplesmente
de forma quantitativa; é muito difícil essa discussão, realmente, em razão Conforme foi possível identificar, o modelo encontra-se em expansão, foi
até da precariedade de recursos humanos, de procuradores e materiais. É instituído no DF em 2014, entre outras localidades. Em outras cidades, como São
sempre uma briga [...]. (PR2, GF/DF). Paulo, contudo, decidiu-se por não adotar o NCC. Nem sempre a criação do NCC,
conforme recomenda a 5ª Câmara, recebe adesão local. As razões são explicitadas
A discussão remete à proposta de criação do NCC, justificada por um de seus em um dos relatos:
membros. A menção aos Gaecos, grupos de atuação constituídos em MPs dos Estados,
especialmente o pioneiro Gaeco paulista, surge como inspiração inicial. Uma resolu- Então, são questões que precisam amadurecer. Então, do ponto de vista
ção do CSMPF prevê a criação do órgão no MPF, o que ainda não foi implantado. A operacional, é que foi criada uma câmara que concentrou e a gente tem
concepção é de um formato organizacional flexível, em que os integrantes possam Câmaras Nacionais de Coordenação, e foi criada uma 7ª Câmara; e ficou
desempenhar suas atividades fora de suas respectivas áreas de atuação, para auxiliar bom, porque isso estimula a criação de um modelo nacional. Então, na
verdade, ele está [...] em outros estados. Aqui, no Nordeste e, até mesmo,
segundo a necessidade dos casos. O modelo reforça a atuação conforme demandas
em algumas outras regiões, já se havia adotado este modelo nessa área.
específicas e solicitação da cúpula ou do procurador natural do caso, em forças tarefas,
Foi nesse contexto que surgiu essa reestruturação que aconteceu ano pas-
dinâmica de atuação consolidada há mais de uma década.
sado, nessa área de combate à corrupção. (PR2, GF/PE).
Contudo, a proximidade da estrutura do Gaeco com os PGJ nos Estados tor-
Um dos relatos arrisca, por outro lado, os motivos da recusa à criação do NCC
naria a experiência pouco desejada entre os participantes, que preferem um modelo
em muitas localidades:
representado como “mais autônomo”:
Eu acho que não funcionam, principalmente, nos outros estados, porque
O óbvio, né? Fazer uma investigação só porque o fato é o mesmo, só que
isso é algo que num primeiro momento ele gera uma reestrutura do seu
ele tem repercussão civil e repercussão criminal, foi uma ideia bem aceita;
trabalho, então, assim, num primeiro momento causa mais trabalho do
já era discutida há muito tempo, não tinha gente pra criar, porque não
que propriamente resultado... (PR1, GF/PE).
tinha membros suficientes para criar esse núcleo; foi discutida no último
congresso interno e aprovada. (PR7, GF/DF). E prossegue ao destacar os critérios para aferir o desempenho nas unidades que
deliberam adotar o modelo de tratamento centralizado da improbidade e da corrupção:
Durante a realização do GF, a divisão entre as diferentes atribuições assumidas
pelos membros foi objeto de discussão. De forma semelhante ao que foi identificado É lógico que alguns benefícios de imediato você vê, na medida em que
em outras PRMs (Procuradorias da República) em diferentes estados no Brasil, em você chegava a uma determinada situação e o tratamento dela [...] a dois
Recife também decidiu-se pela criação do Núcleo de Combate à Corrupção (NCC). técnicos diferentes; primeiro você tem duas pessoas trabalhando no mes-
Além das áreas tradicionais de defesa de interesses difusos, como Meio Ambiente, mo caso [...]. Então, assim, a redução desse retrabalho e o estreitamento
Patrimônio Público, entre outras, e a tradicional área criminal, o NCC surge como das lacunas é um resultado que chega imediato, chegou no mês passado
experiência que contempla tanto a improbidade administrativa quanto os crimes con- e já está sendo tratado, digamos assim, à margem de redução de posi-
tra a administração pública de forma geral, e a corrupção propriamente dita. Um dos ções conflitantes, a diminuição do retrabalho ela opera de maneira quase
relatos de participante do GF/PE, que contou em sua composição com 4 procuradores imediata. Agora, e tem outros benefícios que a reestruturação pretende
ocasionar e que, na verdade, só são perceptíveis para quem trabalha hoje
lotados na área criminal e no NCC, esclarece os antecedentes do modelo em Recife:
na área de informática; já conseguem ver benefícios pela experiência de
Agora, falando em relação a outros estados, eu acho que essa mudança... Alagoas; eu imagino que dois anos é um bom tempo de maturação no
na verdade até o ano passado nós tínhamos aqui esses dois braços, né sentido de você ter, além dessas vantagens que já citei aqui, você teve,
[...]. Nós aqui adotamos esse modelo porque, na verdade, é um modelo principalmente, uma atuação mais robusta quanto a esse tipo de coisa,
nacional que está em construção e que tem relação com a priorização do porque um outro benefício é a especialização, porque, a partir do mo-
combate à corrupção e atua em duas formas ou duas áreas distintas: a área mento em que a pessoa passa a trabalhar com um determinado assunto
• Tomo 2 •

criminal, situação criminal, processos criminais, e isso era uma coisa se- de maneira recorrente, tende a se especializar e, naturalmente, acontece a
parada [...] a gente tem oportunidade de provas diferentes, na área crimi- qualidade do trabalho. (PR2, GF/PE).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Os resultados da especialização do NCC seriam perceptíveis, mencionam os lho [...] parece que tem uma orientação interna lá, a gente recebeu alguma
participantes do GF/PE: norma interna dizendo que a prioridade total é de trabalhos vinculados
a inquéritos policiais. Se vier alguma demanda externa de atribuição do
Essa experiência, me parece, que foi fundamentada e motivada pelos bons ministério público, isso vai ficar de lado. (PR3, GF/DF).
resultados; e aí eu cito um dado que foi que, em todos os lugares onde foi
implementado o Núcleo de Combate à Corrupção, houve uma majoração A centralização do apoio técnico nas câmaras não seria a solução mais ade-
do número de ações na casa dos 100%; houve um acréscimo significativo quada. O ideal seria prover quem atua diretamente, nas diferentes procuradorias
e aí, recentemente, houve um encontro dos coordenadores do Núcleo de da República (PR4, GF/DF). A proximidade da cúpula também pode ser um en-
Combate à Corrupção, e aí, a partir desse momento de transição, e [...] trave: “Porque Brasília é visada pela PGR, um servidor técnico que é bom vai pra
vai muito da questão do tempo de maturação [...] e como a gente já tem PGR!” (PR7, GF/DF). A distribuição de funções comissionadas também seria ou-
visto alguns resultados, já está sentindo que a modificação do sistema de tra questão relevante, inclusive na alocação, não apenas do apoio técnico mas tam-
atuação permite algum tipo de resultado, mas o tempo de maturação é
bém de servidores para atividade fim, o que tornaria as procuradorias regionais e
algo em cerca de um ano e meio... (PR2, GF/PE).
a PGR mais atraentes e competiriam na disputa pelos servidores (PR2, GF/DF).
A ausência de apoio técnico suficiente para atender às demandas também apa- Conforme explica um dos entrevistados: “O MPF ainda não dispõe de recursos
rece nos relatos dos procuradores entrevistados no DF. Em todos os grupos focais e humanos e técnicos suficientes para a investigação, apesar do auxílio importante
entrevistas realizadas, há longas referências à insuficiência dos meios disponibilizados da Asspa [Assessoria de Pesquisa e Análise]. A carência maior se dá na área peri-
para as inúmeras atribuições do MPF. Uma das procuradoras destaca que o MPF é ca- cial” (PR/DF1, escrita).
rente de apoio técnico especializado. “Eu acho que isso tem que ser dito com letras gar-
A ausência de expertise dos procuradores em complexas áreas técnicas (enge-
rafais para ver se um dia a gente consegue melhorar isso” (PR2, GF/DF). Menciona-se
nharia, contabilidade, financeira) dificultaria a análise inicial das informações encami-
a necessidade de equipes multidisciplinares para a “tradução das informações contá-
nhadas, com repercussão direta na atividade desempenhada:
beis e econômicas em um documento útil juridicamente” (PR4, GF/DF), assim como
a dificuldade de se “trabalhar a informação enviada pelo Coaf, CVM ou Bacen” (PR2, Eu acho que isso tem a ver com uma falha na formação dos procurado-
GF/DF). A apuração da autoria no processo administrativo não perquire sobre o dolo, res; eu vou citar um exemplo claro, aqui da quarta Câmara, por exemplo,
estabelecendo-se diferente perspectiva da que é necessária na área penal (PR4, GF/ que é a Câmara do meio ambiente, em que eu atuei muito tempo. O que
DF). Alguns se ressentem de que o apoio é viabilizado segundo prioridades da cúpula acontecia? Às vezes o colega pegava um estudo de impacto ambiental, o
(PR7, GF/DF). Os relatos recuperam também as tentativas para solucionar as dificul- relatório de impacto ambiental, que é algo gigantesco, e mandava para
quarta Câmara: “vê se tem algo irregular aí”, é impossível, né? Então a
dades encontradas, com iniciativas ainda insuficientes:
Câmara passou a exigir que o colega mandasse os quesitos que fossem
Existe também um órgão interno de pesquisa e análise que funciona, co- respondidos, que também é uma dificuldade para o procurador, porque
meçou inicialmente aqui na PRDF com as colegas [...] e que depois foi ele não tem conhecimento técnico pra ler aquilo ali e analisar, então a
transferido para a PGR, e que tem por objetivo prestar assessoria técnica gente fica nessa situação um pouco contraditória. (PR4, GF/DF).
em casos complexos; mas eu acho que a força de trabalho é muito inferior
à necessidade; você não consegue atender a contento [...] nós temos aqui A necessidade de se buscar apoio nas universidades nem sempre gera os re-
eventualmente peritos técnicos emprestados (PR4, GF/DF). sultados pretendidos: “[...] colabora bastante (risos), é uma relação personalista inte-
resseira, porque às vezes eles têm um caso onde eles querem nossa ajuda, então todo
Os participantes destacam a importância do apoio pericial: apoio, mas é porque eles têm interesse” (PR7, GF/DF). Na prática, a interação com as
instituições de controle e de inteligência dependem de interesses próprios, nem sem-
Eu particularmente sempre grito isso nos relatórios, quando a gente tem
correição eu sempre coloco isso bem destacado em que pé hoje está a pre coincidentes com a persecução penal.
área criminal, porque a gente acaba usando muito a perícia do Instituto As demandas por mais apoio técnico não foram totalmente ignoradas pelo MPF
Nacional de Criminalística, e aí vai esbarrar em problemas de relaciona-
nos últimos anos. A criação da Secretaria de Pesquisa e Análise, unidade destinada a
mento com a Polícia, e aí é um outro problema [...]. (PR2, GF/DF).
auxiliar os membros, significou uma mudança importante. Mas ainda haveria muito a
• Tomo 2 •

Porque a gente não tem autonomia, a gente tem que pedir para os delega- avançar. Um dos entrevistados, procurador regional da República lotado na PRR/DF,
dos, e o delegado encaminhar; e, às vezes, o perito tem excesso de traba- relata mudança importante:

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

A grande mudança e crescimento em eficiência recente veio da criação Eu não gostaria de monopolizar, mas eu gostaria de falar algumas coi-
da Secretaria de Pesquisa e Análise, antiga Asspa, que presta apoio nas sas. Quando eu começo a falar eu falo de tudo [...] o que eu queria falar
investigações criminais, mormente na análise de dados bancários, fiscais é o seguinte, nós no MPF estamos discutindo no Conselho Superior
e telefônicos. As principais deficiências estão na falta de pessoal treinado uma resolução sobre o princípio da obrigatoriedade, nós estamos ten-
para investigações. O número de analistas em gabinete é absolutamente tando implementar metas de atuação na área criminal, metas prioritá-
insuficiente – se dobrasse, e fossem dois para gabinete, ainda seria pouco rias para ensejar a seleção e, automaticamente, a gente vai abdicar de
– e não permite treinamento específico em investigação e combate à cor- algumas. A gente percebe o seguinte, que o problema da Polícia e do
rupção, o que se faria ainda mais necessário nos NCCs. O MPF demanda Ministério Público decorre muito do princípio da obrigatoriedade. E
e deveria ter um corpo pericial mais denso e numeroso, não necessaria- você não tem como dar conta de tudo que chega, então tem que haver
mente nos gabinetes, mas com número suficiente para atender demanda algum critério (PR1, GF/SP).
nacional (PRR/DF1, escrita).
E explica a peculiaridade da atuação da Receita Federal:
No GF/SP, a divisão de atribuições e apoio à atividade fim também foi objeto de
análise. A opção pelo modelo do NCC não foi aprovada por deliberação dos membros. Agora, veja o caso da Receita Federal: entrega, muitas vezes, investigações
excelentes [...], porque a Receita Federal tem muita perspicácia na busca
Na estrutura de apoio aos procuradores da República em São Paulo, foram designados
de evidências, muito acima da média da Polícia Federal. Mas eu acho que
peritos para auxiliar no desempenho das funções. Mas as demandas superariam a dis-
o motivo não é pela superioridade natural da Receita em relação à Polícia!
ponibilidade do serviço técnico. É a forma pela qual a Polícia está organizada e esse princípio da obrigato-
Um dos entrevistados, lotado em procuradoria no interior de São Paulo, esclarece riedade. A Receita... como não é um órgão de persecução criminal, é um
órgão arrecadação, ela na verdade tem um critério de escolha, de seleti-
as dinâmicas de atuação, basicamente voltadas para os inquéritos instaurados pela PF:
vidade, ela trabalha assim. [...] E ela se esbarra, várias vezes, com organi-
Em regra, não são definidas prioridades, sendo que a atuação se dá nos zações criminosas complexas espalhadas pelo País inteiro. (PR1, GF/SP).
inquéritos policiais instaurados pela Polícia Federal bem como nos pro-
cedimentos de investigação instaurados e distribuídos pelo próprio MPF. Entre os participantes de Pernambuco, critica-se a ausência de meios para atuação.
Raramente uma Câmara de Coordenação e Revisão estabelece alguma Em Recife, as condições também não são ideais, conforme relatos do trabalho de campo.
prioridade, e solicita, de forma não vinculante, a atuação dos colegas.
A insuficiência de apoio técnico e humano também é objeto de crítica e suges-
(PR/SP2, escrita).
tões dos participantes do GF/PE. O perfil exigido na área vai muito além do preparo
A insuficiência de suporte para a investigação é compartilhada por procuradora jurídico. A especialização do modelo supõe a confluência de distintos saberes, múlti-
Regional da República lotada em São Paulo: plas abordagens técnicas: “Falta muita coisa. O campo de combate à corrupção... esse
é um campo de trabalho que não envolve apenas o perfil da faculdade de Direito”
Estrutura técnica de apoio na PRR2, atualmente: Asspa e NAP (Núcleo
(PR4, GF/PE). Há necessidade de suporte para o desempenho da atividade-fim com
de Auditoria Processual). Há insuficiência de recursos humanos e de me-
expertise multidisciplinar:
canismos próprios para a investigação. Apesar de terem sido ampliadas
as possibilidades de pesquisa em sistemas conveniados, a estrutura atual [...] no crime de corrupção você passa, invariavelmente, por conhecimen-
ainda é insuficiente para apuração dos delitos acima referidos, principal- tos de Engenharia e por conhecimentos de Contabilidade – no mínimo
mente por serem de difícil investigação. (PRR/SP1, escrita). isso –, e aí o que acontece? Em algumas situações a gente pode se valer
também da Polícia Federal, mas que também tem as suas dificuldades de
A escassez de apoio material e humano supõe a idealização de respostas criati-
recursos humanos; do trabalho da Controladoria Geral da União; em al-
vas para o gerenciamento. A procuradora regional da República indica o critério que
guns casos se conta com o trabalho do Tribunal de Contas da União; mas
usa para priorizar o trabalho em seu gabinete: “Seleção de delitos de maior repercussão também é necessário que a gente tenha uma equipe, e isso falta um pouco
econômica e aqueles com prescrição próxima” (PRR/SP1, escrita). As Câmaras de coor- pra gente. Aqui em Pernambuco nós somos, relativamente, privilegiados
denação deveriam privilegiar a seletividade, estimulando-se o direcionamento para os porque a gente conta com um analista, [...] em Engenharia e um analista
casos de maior interesse. Outras instituições, como a Receita Federal, são mencionadas, [...] em Contabilidade, que dentro do possível nos auxiliam, mas é pouco
• Tomo 2 •

pois atuariam segundo planos previamente estabelecidos, cientes da impossibilidade de pra demanda que o estado tem, e a gente acaba, ao longo do tempo, de-
se ocupar de todos os níveis em que ocorre a sonegação de impostos. Nesse sentido: senvolvendo; e você acaba tendo que aprender um pouco de Engenharia,

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

de Contabilidade e de outras áreas pra gente poder fazer um trabalho controle da agenda. Além disso, os gabinetes dispõem do auxílio de dois
melhor (PR3, GF/PE). ou três estagiários e do apoio temporário (alguns dias do mês) de um
assessor que se divide para auxiliar os ofícios do Núcleo de Combate à
A existência de apoio técnico de outras instituições não torna prescindível o Corrupção. (PR/PE3, escrita).
técnico lotado no MPF. A especialização para compreender e traduzir a informação
ao procedimento de investigação seria fundamental para o desempenho das funções Alguns dos entrevistados, com experiência na atuação nos ofícios do NCC, em
especializadas para enfrentar a corrupção: Recife, relatam as recentes mudanças que melhoraram as condições de trabalho:

Mas, assim, a qualificação de quem está no entorno, ela determina o ní- Considero que o MPF apenas dispõe de recursos humanos e técnicos
vel de demanda que vem filtrada ou não; então, assim, quem trabalha para investigações que não demandam diligências policiais de campo.
no Combate à Corrupção, às vezes, o analista que está comigo, o técnico Portanto, seus recursos somente são apropriados para análise de docu-
que está comigo, que dão suporte para a atividade do procurador, se ele mentos e informações (bancárias etc). Há carência de recursos, sobretudo
tiver determinada noção, ele encaminha determinadas questões melhor. humanos. Os crimes usualmente investigados são os crimes financeiros e
Então, assim, eu acho que no sentido mais amplo de treinamento de pes- os crimes contra a Administração Pública. (PR/PE4, escrita).
soal – que é o quê? É o treinamento das carreiras de apoio ao procurador
Ocorreram algumas mudanças como, por exemplo, a disponibilização de
do MPU, eu acho que isso talvez precisasse melhorar. Eu estou no MPF
alguns cargos comissionados, mas que não são suficientes para atender à
há sete anos e, talvez, a preocupação maior talvez seja prover esse tipo de
demanda. É muito importante que a equipe de cada ofício seja ampliada,
treinamento [...]; a minha percepção é que durante muito tempo as car-
com a disponibilização de um cargo comissionado para cada gabinete,
reiras de apoio elas não faziam um treinamento específico, uma qualifica-
bem como que a Escola Superior invista no treinamento dos analistas
ção, então você pega um concurso que vai cobrar Português e Matemática
processuais e assessores, não apenas no tocante a aspectos jurídicos mas
básica e você chega pra pessoa, entrega o procedimento e diz: “Tem que
também no que diz respeito ao aprendizado de conceitos básicos de ci-
analisar se há uma fraude” – então, assim, por mais que a pessoa tenha
ências como Engenharia e Contabilidade, pertinentes à investigação de
formação em Direito, seria necessário qualificar essa pessoa para esse tipo
crimes contra a Administração Pública. (PR/PE3, escrita).
de trabalho [...]. (PR2, GF/PE).
E destacam a necessidade de especialistas em diferentes áreas técnicas:
As vivências compartilhadas pelo GF/PE foram complementadas com diversos
relatos escritos de procuradores lotados em Recife e no interior do Estado: Na PRPE, cada gabinete possui um assessor, um secretário e dois es-
tagiários. Nos últimos anos passaram a ser disponibilizados cargos
Houve mudança nos últimos anos, com o fortalecimento da Asspa e dos
em comissão CC2 para reforçar a assessoria dos gabinetes, porém não
sistemas à disposição dos membros. Todavia, ainda é bastante insuficien-
em número suficiente para todos eles. Cada unidade, então, estabelece
te, sobretudo para o auxílio na fase de investigações. Ainda faltam siste-
os critérios de alocação desses cargos, tendo sido adotado no Grupo
mas e equipamentos (PR/PE1, escrita).
Criminal da PR/PE o critério do rodízio. Há ainda setores técnicos es-
Não há apoio técnico do próprio MPF na PRM Garanhuns-PE para a área pecíficos que também atendem as demandas dos procuradores, como
criminal. A principal consequência negativa disso é depender da Polícia a Assessoria de Análise e Pesquisa, bem assim os setores de perícia. O
Federal para a realização de laudos técnicos às vezes bastante simples, quadro de analistas periciais, no entanto, é deficiente em várias áreas,
os quais só são realizados dentro de inquéritos policiais, de modo que o como, por exemplo, a área contábil. Na PR/PE, há apenas um analista
MPF fica sujeito à pauta da PF para a realização de provas técnicas que contábil para atender as demandas de todo o Estado, o que acarreta
interessem para a instrução de procedimento investigatórios do próprio o represamento do curso de vários procedimentos investigatórios. A
MPF, inclusive tendo que requisitar, de forma desnecessária, a instaura- disponibilização de cargos em comissão CC2 para reforçar a assessoria
ção de IPLs. (PR/PE1, escrita). dos gabinetes foi medida altamente positiva, que incrementou bastante
a capacidade de trabalho dos gabinetes, agilizando significativamente a
A estrutura de apoio técnico das atividades do MPF é limitada. Contamos tramitação dos feitos. (PR/PE4, escrita).
apenas com um analista processual, incumbido de assessorar o procura-
dor da República na elaboração das manifestações judiciais e extrajudi- No Estado do Paraná, a assessoria disponibilizada varia de acordo com a loca-
• Tomo 2 •

ciais, e um técnico administrativo, responsável pelas tarefas de secretaria, lidade. Em Curitiba, as impressões sobre a estrutura disponibilizada variam entre os
como o recebimento e saída de autos judiciais, expedição de ofícios e sujeitos da pesquisa. Nesse sentido:

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Reputo que a assessoria jurídica é suficiente, com servidores concursados que temos acesso (criação da Asspa, Spea etc.), não notei mudanças sig-
qualificados. Quando é necessária a produção de provas que demandam nificativas na instituição. (PR/RJ1, escrita).
conhecimentos específicos em outras áreas (p. ex., engenharia e medici-
na), é necessário realizar solicitação para a correspondente Câmara de Ao contrário do que se imaginava no início da pesquisa, a estrutura da capital
Coordenação e Revisão. Apenas precisei realizar tal solicitação uma vez não necessariamente é superior à disponibilizada nas procuradorias em cidades do
e fui prontamente atendido, porque o caso era urgente. Se não houvesse interior dos estados. O relato de procuradora lotada em NCC de Porto Alegre detalha
urgência, seria necessário aguardar por alguns meses (PR/PR2, escrita). as condições de trabalho no Rio Grande do Sul:
Os recursos humanos normalmente são vertidos mais para atuação O apoio técnico é bastante variável, a depender de cada unidade. No Rio
judicial, sendo a investigação deixada mais a cargo da Polícia Federal. Grande do Sul, onde atuo há 11 anos, há uma boa estrutura de apoio nas uni-
Quando se verifica que algum caso possa ser investigado internamente, dades do Interior (PRMs), ao passo que na capital há uma deficiência históri-
são realizados atos investigatórios (depoimentos/colheita de documen- ca, pois não se consegue estruturar adequadamente os gabinetes. Essa dificul-
tos) (PR/PR4, escrita). dade prossegue atualmente, pois a única garantia de apoio técnico-jurídico,
via de regra, é a lotação de um analista processual para cada Membro. Está
Um dos entrevistados, com longa experiência de atuação na Receita Federal, prevista também a lotação de um técnico administrativo em cada gabinete,
relata a experiência recente em Ofício criminal em Curitiba: mas uma parte considerável desses servidores (técnicos) não tem formação
Atualmente, tenho dois assessores jurídicos (um analista processual e um jurídica, especialmente os oriundos dos últimos concursos (PR/RS1, escrita).
cargo em comissão CC2), um estagiário, e um secretário. O nível é irre-
A grande deficiência seria o suporte para a atividade-fim e técnica. De outro
gular; o secretário é muito fraco, o que dificulta o bom funcionamento do
ângulo, reconhece-se o esforço no treinamento de servidores com a estruturação da
gabinete. Quanto ao apoio técnico, existe a Spea, porém, esta só funciona
basicamente para pesquisas simples ou cálculos contábeis e financeiros
Asspa, antecessor do Spea:
(também simples). Há muita carência de apoio técnico especializado. Pode-se dizer, portanto, que há excesso de servidores na atividade-meio,
Percebo que a estrutura atual dirige-se a um trabalho eminentemente “de ao passo que a atividade-fim é francamente deficitária na PR/RS. Quanto
gabinete”, não investigativo, funcionando num modelo tradicional de MP ao apoio técnico de outras áreas necessárias à investigação, é bastante limi-
parecido com o funcionamento do Poder Judiciário (PR/PR3, escrita). tado. A área pericial é reduzida (não se pode contar com peritos em prazo
adequado). O apoio para outras atividades eventualmente necessárias à
Durante o trabalho de campo, diversos relatos escritos foram enviados por pro-
investigação (diligências em campo, constatações etc.) é praticamente ine-
curadores lotados em diferentes unidades da federação. O apoio material e humano
xistente. Não houve significativa alteração desse quadro nos últimos anos.
varia nas diversas procuradorias. Em regra, a estrutura é avaliada como insuficiente,
A única alteração realmente apreciável quanto ao apoio à investigação foi a
especialmente na área pericial: estruturação da Asspa, que melhorou bastante com o treinamento do pes-
O corpo técnico da PR/PA é pequeno, composto por engenheiro civil, en- soal e o estabelecimento de rotinas de atuação. (PR/RS1, escrita).
genheiro florestal, engenheiro sanitário, contador e um antropólogo, este
último lotado em uma PRM do interior do Estado do Pará. Este quadro já
resulta da melhora na estrutura da unidade, mas ainda é bastante aquém
do que necessitamos, ainda mais levando-se em conta as complexas de- 2 • OS RECURSOS HUMANOS E TÉCNICOS PARA A INVESTIGAÇÃO:
mandas da unidade e também as distâncias que dificultam quando se faz
necessário uma apuração in loco. (PR/PA1, escrita).
PROBLEMAS E POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO
Não dispõe destes recursos. Os recursos humanos são insuficientes, e os Durante o trabalho de campo foi possível aprofundar a discussão sobre a ati-
sistemas que temos à nossa disposição ainda são bastante precários, ape- vidade de investigação conduzida diretamente pelo MPF. O ponto central do debate
sar do grande avanço que já temos com a Asspa. (PR/PA1, escrita). não se refere à discussão teórico-normativa. O tema foi alçado nacionalmente por
Elencaria como maiores deficiências: falta de apoio técnico e humano nas meio da PEC n. 37, que afirmava de forma taxativa a exclusividade da investiga-
• Tomo 2 •

investigações (servidores para realização de intimações, apoio policial, ção sob presidência do delegado de polícia. A proposta foi rejeitada pela Câmara
perícia etc.), falta de analista (pelo menos dois seriam necessários) e falta de Deputados, sob forte pressão das associações do MP brasileiro, associações dos
de CC2 para todos os procuradores. Salvo no que tange aos sistemas a agentes de polícia, entre outras.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Os sujeitos da pesquisa recordam o debate e a forte pressão de determinados Faltam analistas em Contabilidade e Engenharia assim como servidores
setores políticos e das associações de delegados de polícia pela aprovação da medida, treinados para realizar diligências externas. Em razão disso, investigações
que restringia expressamente o poder de investigação do MP. O ponto fundamental, de alguns crimes contra a Administração Pública ou praticados por poli-
que norteia as falas dos participantes, articula-se diretamente à ausência de suporte ciais ficam prejudicados. Os crimes normalmente investigados são aque-
material e humano para o desempenho das inúmeras funções pelas diferentes unida- les cuja prova depende de documentos e da realização de oitivas e pou-
cas diligências externas, tais como crimes contra as licitações, sonegação
des do MPF. A insatisfação amplifica-se quando são relacionadas as condições para a
de contribuições previdenciárias, estelionato contra a Administração
investigação pelo MPF.
Pública, com a participação de agentes públicos, alguns crimes de pe-
De forma unânime, os participantes dos grupos focais (GF/DF, GF/SP e GF/ culato, alguns crimes de lavagem. Por outro lado, nos casos em que a
PE) e entrevistados discorrem sobre as condições ideais para a investigação e a re- investigação depende de muitas diligências de campo e de perícias um
alidade vivenciada pelas distintas unidades. Em nenhuma unidade foi identificada pouco mais complexas, ela só avança com o apoio da Polícia Federal. Nas
Procuradorias do interior, essa dificuldade é um pouco maior, em razão
satisfação com o apoio humano e técnico disponibilizado. Os relatos apontam a ne-
da distância com a capital do Estado, onde há um pouco mais de servido-
cessidade de consolidar estruturas que viabilizem a realização de investigações de
res (PR/PE3, escrita).
distintos níveis de complexidade.
Durante a realização do GF com procuradores de São Paulo, a falta de estrutura
Entre os procuradores lotados em Recife e no interior de Pernambuco, partici-
suficiente para a investigação é um dos pontos centrais do debate. Um dos relatos de
pantes da pesquisa, há referência à melhora da estrutura para investigações de menor
procuradora regional da República enfatiza que “[...] os recursos humanos são escas-
complexidade, especialmente quando os procedimentos originam-se de investigações
sos e a estrutura de apoio é insuficiente” (PR 2, GF/SP). Algumas poucas investigações
prévias de organizações como a CGU e a Receita Federal. A ausência de servidores
seriam viabilizadas, especialmente: “Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei
treinados para a realização de trabalho na rua (campo) ou para viabilização de inter-
n. 7.492/1986), contra a Ordem Tributária (Lei n. 8.137/1990), crimes previstos na Lei
ceptações telefônicas, por exemplo, leva à necessidade de contar com a estrutura da PF,
de Licitações (Lei n. 8.666/1993) e os do Decreto-Lei n. 201/1967” (PRR/SP1, escrita).
que assumiria a investigação:
Outras demandas surgem nos relatos dos sujeitos da pesquisa. Faltariam servidores
[...] Na minha experiência, ante as dificuldades estruturais, apenas crimes treinados para a realização de eventuais investigações e, até mesmo, para executar tare-
mais simples ou que já tiveram investigações iniciadas por outros órgãos fas simples, tais como cumprir “diligências de rua”. Nos relatos aparecem as referências
como a CGU ou a Receita Federal conseguem ser investigados pelo MPF. à estrutura do MP/SP, com modelo estruturado e com condições mais adequadas para
Talvez pudesse haver um quadro de servidores e membros mais centrali- investigar o crime organizado:
zado, por região ou em Brasília, à disposição para grandes investigações,
de acordo com critérios previamente definidos, em um modelo análogo A questão da estrutura eu também vejo como um problema muito grave,
ao das forças-tarefas ou Gaecos. (PR/PE2, escrita). porque esse debate em relação ao poder investigatório do MP... Se você vai
cumprir diligência na rua, você não tem [servidor]... não tem um equi-
Dispõe apenas parcialmente, com a estrutura da Asspa, que possibilita pamento de interceptação telefônica. […] Agora isso é um problema do
investigar movimentações bancárias de forma satisfatória para a instru- MPF, porque o Gaeco em São Paulo é altamente produtivo. Realmente o
ção de investigações relativas ao desvio de verbas públicas. Entretanto, MP de São Paulo é um exemplo a ser observado. (PR1, GF/SP).
mesmo nestes casos, é necessária a atuação posterior da Polícia Federal,
para levantamento de campo ou interceptação telefônica, por exemplo. Um dos entrevistados, lotado em procuradoria no interior do Estado de São
Em suma, alguns casos de desvio de verbas públicas são iniciados na Paulo, explica:
PRM, mas fatalmente a investigação é posteriormente repassada à PF
para a continuidade das investigações. Todos os outros casos são encami- [...] Apenas os casos muito simples são investigados pelo MPF, a fim de
nhados à PF para iniciar a investigação. (PR/PE1, escrita). evitar a burocracia da investigação policial, que acaba eternizando proce-
dimentos investigatórios de menor importância, ou os casos muito com-
Nas procuradorias no interior do Estado de Pernambuco, a escassez de apoio plexos, que acabam sendo investigados em conjunto com vários outros
material e humano praticamente inviabilizaria a investigação: órgãos (MPF, Receita Federal, Polícia Federal etc). (PR/SP1, escrita).
• Tomo 2 •

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Entre os procuradores lotados em diferentes procuradorias em Curitiba e no dade de dedicação à atividade investigativa. Não há nada disso no MPF.
interior do Paraná também há referências à escassez de recursos materiais e humanos. Não sou contra o poder investigativo do MPF, claro que não. Mas mui-
Na capital haveria melhores condições, muito embora insuficientes para a investigação to me preocupa a tentativa de implementação de atividades investigativas
de casos mais complexos. sem a correspondente estrutura humana, cultural e material necessárias.
Assim, penso que o MPF deve caminhar no sentido de criação de estrutu-
A ausência de servidores para atividades simples, como o cumprimento de dili- ras próprias de investigação, paralelas aos ofícios convencionais, como já
gências na rua, inviabiliza o exercício da atividade de investigação. são as forças-tarefas com a Ararath e Lava-jato... Talvez uma estrutura de
“Procuradoria Nacional Anti-Corrupção” ou “Gaeco”, além de estruturas
Nossa estrutura direcionada para a investigação criminal é bem escassa. de “Centros de Apoio”, como existem nos MPs estaduais. (PR/PR3, escrita).
Por isso, de regra a apuração é extremamente cartorial, se restringindo à
requisição de documentos e oitivas de pessoas. (PR/PR2, escrita). As inúmeras dificuldades para o desempenho pelo MPF da atividade de investi-
gação aparecem em relatos de procuradores lotados em diferentes unidades:
As diversas vivências dos sujeitos da pesquisa permitem discutir outras ques-
tões relevantes para a compreensão das reais condições em que são investigados os Escassez completa. Se eu tivesse pessoas adequadas para realizar intima-
ções na rua – aqui em [cidade] há somente um motorista e ele é defi-
delitos econômicos e a corrupção no Brasil. Um dos relatos explora outro aspecto da
ciente físico – e um setor pericial que pudesse atuar mais, realizaria mais
atuação do MPF. Na avaliação do procurador, com experiência como servidor público
investigações. Não posso deslocar um técnico para tais diligências, pois
da Receita Federal, não haveria, entre os procuradores, o que denomina “cultura de desfalcaria muito a procuradoria. Claro que se dá um jeito, mas, quando é
investigação”, levando ao sacrifício pessoal aqueles que se arriscam. A Receita Federal necessária uma diligência mais incisiva de intimação, tenho que instaurar
aparece como paradigma importante que deveria inspirar novos padrões de atuação: inquérito policial. [...] (PR/RJ1, escrita).
Não possui nem recursos humanos nem técnicos. E nem possui uma cultu- Recursos humanos são escassos, e servidores ainda chegam a questionar
ra de investigação. O que vejo é um verdadeiro sacrifício pessoal de alguns a atribuição deles próprios para a realização de atos de investigação e/ou
procuradores ou a atuação de procuradores especialmente “vocacionados” de notificação. Os crimes usualmente investigados são aqueles cuja prova
para a investigação. Eu trabalhei na Receita Federal, na fiscalização (que é é documental, especialmente aqueles previstos no Dec. Lei n. 201/1967.
a investigação) e lá a investigação é feita de forma profissional. Não vejo (PR/MA1, escrita).
como um procurador, com todas as atribuições judiciais que possui e o
volume de trabalho que tem, ainda possa ser efetivo na investigação, como Apenas para aqueles delitos cuja instrução é documental, como crimes de
se ele fosse um investigador com uma equipe. (PR/PR3, escrita). corrupção mais simples. Até mesmo para realizar a oitiva de testemunhas
ou dos investigados no MPF, as instalações acabam sendo improvisadas,
E complementa o que identifica como perigosa assunção de funções pelo MPF, não temos salas de audiência montadas. (PR/TO1, escrita).
sem a necessária expertise e condições para o desempenho:
Preocupa-me quando o MPF, e especialmente por meio da Spea, cria
“novas” atribuições para o MPF sem que haja a correspondente criação 3 • DEFINIR A PAUTA DE PRIORIDADES: DA INDEPENDÊNCIA
de estrutura de recursos humanos, e de maneira adequada em todas as
suas unidades, transferindo para o MPF atividades administrativas que FUNCIONAL À UNIDADE DE ATUAÇÃO
até então eram realizadas por outros órgãos, como Receita Federal e PFN,
por exemplo, os quais possuem muito mais recursos humanos e expertise Entre os participantes do GF/PE, também merece espaço o debate sobre a seleti-
para essas atividades. (PR/PR3, escrita). vidade na atuação. As demandas são inúmeras. Enfatiza-se que se arquiva em propor-
ção muito maior em relação ao que é denunciado. Os motivos variam, mas estima-se
Relaciona ainda as mudanças consideradas fundamentais para viabilizar a ativi-
que seja, em grande parte, por falta de provas. Um dos critérios seria priorizar os casos
dade investigativa do MPF. A experiência das forças-tarefas e modelos de atuação marca-
em razão do valor do dano causado. A definição das prioridades e formas de atuação
dos pelo enfoque multidisciplinar, como o Gaeco, surgem como possíveis alternativas:
ainda depende muito do perfil dos procuradores que assumem os ofícios. A 5ª Câmara
• Tomo 2 •

Minha experiência de mais de uma década em investigação tributária me vem desempenhando um papel importante na coordenação na área. Mas a forma de
diz que ser um investigador eficaz exige especialidade, tempo e possibili- atuação associa-se à independência funcional:

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Bom, é... é preciso separar os crimes de corrupção e de lavagem – não ves; assim, ainda tem esse detalhe, ele está analisando nosso esforço se
existe, na verdade, uma rotina de investigação [...] cada procurador tem eu propuser um processo grave na Justiça e nada mais... agora, se eu
que atuar com uma estratégia e, embora, invariavelmente, as estratégias propuser 500, vai destruir a força de trabalho dela [...]. Então isso tem
tenham dinâmicas semelhantes, isso vai variar de procurador pra pro- que ser visto, né[...]. Veja, se a gente pudesse dizer: “Transação até cinco
curador, a partir daquele caso que chega ao Ministério Público e do que anos”, por exemplo, não significa que tudo até cinco anos [...]. Então,
você vai fazer daquilo. Existe uma triagem, pra ver se aquela notícia tem você pega o estelionato, em que a pena máxima é cinco anos, e tá fora
fundamento ou não tem; se tem um fundamento, a gente instaura o pro- da transação. (PR4, GF/PE).
cedimento que vai é... E, inicialmente, você vai ver sempre um se tem
Alguns dos relatos de procuradores lotados em Recife e no interior de
algum indicativo, substrato, que autorize o início da investigação para
apurar aquele fato. E o que ele faz, o procurador? Ou vai requisitar inqué- Pernambuco apontam as dificuldades para a definição de prioridades. O CNMP e o
rito policial ou realizar ele próprio, sem o inquérito. Nos casos de com- próprio MPF imporiam prazos e, ao final, prevaleceria o critério cronológico:
bate [...] a gente começa levantando a informação financeira que vai ser Não há verdadeiramente definição de critérios de atuação. Todos os casos
encaminhada pelo Coaf ao Ministério Público Federal e a partir daí você são de atuação obrigatória, ainda que seja para investigar depois arquivar,
vai fazer uma série de diligências que podem apontar ou não, indicar ou e as correições do CNMP e do próprio MPF impõem prazos exíguos.
não, a prática... (PR1, GF/PE). Nesse quadro, não há como eleger prioridades. As discussões sobre espe-
cialização dentro da unidade também nem sempre envolvem somente a
Entre os procuradores lotados em Recife (GF/PE), os relatos sugerem mudanças
eficácia da atuação, havendo, naturalmente, interesses outros, mesmo le-
legislativas que permitam mitigar a obrigatoriedade da ação penal. Nesse sentido:
gítimos, envolvidos. Os sistemas ainda são falhos para se saber o número
O que eu acho que a gente tem que ver é a questão de que se a gente dos feitos por assuntos, a fim de se estabelecer o número de membros que
partir, por exemplo, eu acho que talvez [...] repensar a obrigatoriedade devem neles atuar. Somente residualmente se pode definir se e como atu-
da ação penal; talvez, a discussão devesse ser... eu acho que numa cidade ar, como em cautelares reais. Melhor seria que esse tipo de critério fosse
do interior o furto de uma bicicleta é uma coisa importante e, talvez, [...] definido pelos órgãos superiores do MPF. (PR/PE2, escrita).
eu tenho certeza que isso ia passar em branco porque é uma coisa que A definição de prioridades somente será possível após consenso que
acontece uma vez por outra. Agora, se eu ponho numa perspectiva que abranja as CCRs e a Corregedoria. A prioridade hoje na PRM são os feitos
mais de 90% dos homicídios não são elucidados, deixar de investigar a antigos em que a Corregedoria cobra a finalização. A Corregedoria elege
morte de uma pessoa para investigar o furto de uma bicicleta velha é um um critério puramente temporal, sem observar a relevância dos fatos in-
contra-senso em termos de gestão material. (PR2, GF/PE). vestigados. (PR/PE1, escrita).
E complementa: Um dos entrevistados, lotado em Ofício de combate à corrupção especifica os
Então, me parece que tratar essa questão da obrigatoriedade da ques- critérios para a definição de prioridades:
tão penal... é preciso dar algum tipo de flexibilidade. Talvez não pre- As prioridades são definidas em observância ao que foi proposto pela
cise ser uma flexibilidade como a do sistema americano, em que o Câmara de Coordenação e Revisão no Encontro Nacional e median-
Ministério Público decide [...] é quase soberano, não digo que não te discussão entre os integrantes do Núcleo de Combate à Corrupção.
seja, mas, talvez – pra nossa cultura a gente talvez não consiga dar (PR/PE3, escrita).
esse passo, começa por aí –, mas, talvez, a gente precisasse flexibilizar
bastante os institutos da ação penal. (PR2, GF/PE). Em outras localidades, a experiência do NCC indica a idealização de novos pa-
drões de atuação. Em Porto Alegre, a experiência do modelo sugere a reconstrução na
Uma das soluções, sugere procurador lotado em Recife e participante do GF/ forma de definir prioridades para atuação na área:
PE, seria diversificar as formas de atuação, incrementando-se instrumentos de tran-
sação que viabilizem o ressarcimento do dano nos casos de pequeno valor, os quais A criação do NCC da PR/RS é recente (cerca de 20 meses). Primeiramente,
concorreriam com os delitos mais graves e impediriam uma atuação efetiva da justiça: tratamos do acervo antigo oriundo da estrutura anterior (especialmente
do extinto Núcleo do Patrimônio Público e Social), que era considerá-
• Tomo 2 •

Estes processos, quando eles chegam à Justiça, eles são pedrinhas que vel. Tentamos estabelecer (conjuntamente, os três membros do Núcleo),
a gente está colocando lá pra atrapalhar a passagem pra situações gra- a partir de 2014, com o conhecimento global das demandas existentes,

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

algumas prioridades de maior alcance social e efetividade da persecução. Essa interação se dá, pelo menos na 5ª Região, de maneira predomi-
Isso ainda está em fase de efetivação. (PR/RS1, escrita). nantemente informal, caso a caso, através de contatos diretos entre os
procuradores da República e os procuradores regionais da República.
Os relatos sugerem a necessidade de construção institucional de metas que Considero essa comunicação insuficiente e carente de maior institucio-
orientem a atuação do MPF. Na ausência de uma pauta definida e organizada e, diante nalização/profissionalização (PR/PE4, escrita). A alternativa seria re-
da independência funcional dos membros, os critérios ficam a cargo de cada gabinete: gulamentar nacionalmente as formas de interação. Penso que deveria
haver um regramento do Conselho Superior que estabelecesse, unifor-
A definição de prioridades ainda é intermitente e pouco organizada, mas
memente para todo o território nacional, canais oficiais de interação,
se dá pelas Câmaras de Coordenação e Revisão e, assim creio, diante
em cada unidade, diretamente vinculados às respectivas Câmaras, a
da independência funcional, apenas podem se dar mesmo através das
quem caberia acompanhar e fomentar a integração entre essas duas ins-
Câmaras, em atividade de debates e coordenação. (PRR/DF1, escrita).
tâncias. (PR/PE4, escrita).
Estabeleço as prioridades no gabinete em razão da gravidade do delito.
Para definir o que seria um crime grave, considero o bem jurídico tute- Para a atuação nos casos mais graves, como delitos econômicos e corrupção,
lado, o prejuízo causado à sociedade com o crime, bem como se há uma uma das alternativas seria a criação de NCCs nas Regionais:
estrutura organizada para o cometimento do delito. (PR/PA1, escrita). Seria bom que se estimulasse uma maior integração entre as
Procuradorias e as Procuradorias Regionais, seja com a criação de
Núcleos de Combate à Corrupção nas Regionais, seja com a criação de
Forças Tarefas, com procuradores e procuradores regionais e a designa-
4 • INTERAÇÕES INTRAORGANIZACIONAIS: ção de procuradores para auxiliar os procuradores regionais, em casos
UMA PAUTA EM CONSTRUÇÃO de foro privilegiado, onde já existe uma investigação cível em primeira
instância, por exemplo. (PR/PE3, escrita).

A interação entre as diferentes unidades da organização constitui-se em fator re- Considero pouco proativas, em razão de ainda estarem excessivamente
levante. Os relatos do trabalho de campo sugerem formas de diferenciadas de interação presas a uma concepção institucional que confere demasiado valor à in-
e variações importantes. Em regra, os sujeitos da pesquisa enfatizam a necessidade de dependência funcional de cada membro, em detrimento da unidade da
consolidar mecanismos institucionais entre as diferentes unidades. Nas falas, surgem os instituição. O problema é atenuado pela existência de grupos de trabalho
contatos (ou a ausência deles) com as Procuradorias Regionais da República. Os partici- que desenvolvem planos de atuação em matérias relevantes. Penso que
pantes dos GFs mencionam eventuais contatos com os subprocuradores. Predominam as Câmaras poderiam estabelecer um controle maior sobre os membros
as relações pessoais e contatos pontuais, segundo necessidades específicas. para assegurar a efetiva concretização desses planos de atuação, respeita-
da a independência funcional, cabendo ao membro discordante externar
Os procuradores lotados em Recife e outras cidades de Pernambuco ressentem- os fundamentos jurídicos que motivam a não atuação. (PR/PE4, escrita).
-se de uma proximidade maior. Além de falta de vias oficiais de contato, nem sempre
Entre os participantes de São Paulo, a interação com os procuradores regionais
os contatos pessoais são viabilizados. As dificuldades seriam de distinta ordem:
não é descrita como problemática, embora ainda existam muitas referências à impor-
A interação é mínima, muito dependente da relação pessoal entre os tância dos contatos pessoais:
membros. Deveria haver sistemas que permitissem pedidos de distri-
buição antecipada de feitos, de envio de peças e de envio automático A interação com as Procuradorias Regionais tem funcionado de forma
das peças dos procuradores Regionais para os membros de primeira bastante satisfatória, seja por meio da distribuição prévia de algum pro-
instância. (PR/PE2, escrita). cesso por iniciativa do colega de primeira instância, seja pelo contato
posterior à distribuição realizado pelo colega de segunda instância com o
Minha interação com a Procuradoria Regional é pontual, notadamen- de primeira. (PR/SP1, escrita).
te quando preciso do apoio na manutenção ou reforma de uma decisão
proferida em primeira instância ou quando o procurador da República A visão dos membros que atuam em segunda instância também permite uma
• Tomo 2 •

precisa de alguma informação. Em alguns casos, é bem difícil conseguir compreensão mais ampla sobre o contexto em que são estabelecidas as relações in-
contato com a Regional. (PR/PE3, escrita). terorganizacionais. O relato de procuradora regional lotada em São Paulo aponta a

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

pessoalidade das comunicações entre as diferentes unidades. O modelo pecaria pela O relacionamento com as regionais deixa a desejar porque não há um pa-
ausência de instrumentos institucionais: drão na postura dos procuradores regionais ante a demanda do procura-
dor que atua na primeira instância. Fica-se a depender da postura pessoal
Atualmente é por contato pessoal e e-mail, mas ainda muito em bases de de cada um e não há algo institucional. (PR/PA1, escrita).
contato pessoal, deveria haver um sistema mais impessoal. Um cadastra-
mento pelo sistema Único de pedidos de acompanhamento de processos, Um dos entrevistados, lotado em Procuradoria do Tocantins deixa transparecer
recursos, habeas corpus etc. [...]. Creio que a 2ª e a 5ª Câmaras deveriam tanto experiências positivas quanto negativas com os procuradores regionais em Brasília.
fortalecer/aumentar a atividade de coordenação, incrementando meca- Nem sempre a previsão de mecanismos que indiquem a priorização do caso pelo
nismos nesse sentido e que tivessem algum caráter vinculante para os procurador da República significa que o caso receberá a atenção que ele reputa devida:
procuradores, deixando pequena margem de discricionariedade quanto
ao cumprimento de eventuais recomendações e ou outros mecanismos Houve experiências boas e experiências ruins. Usei do sistema de pré-au-
com caráter regulador da atividade fim. (PRR/SP1, escrita). tuação na PRR1, para designação prévia do procurador regional que iria
acompanhar um recurso meu, mas o colega não me pareceu muito inte-
Os sujeitos da pesquisa apresentam diferentes vivências sobre a interação com os ressado, embora aquilo fosse realmente muito importante para mim. Em
procuradores regionais. A proximidade entre procuradores da república e procuradores outros dois casos, com outros procuradores regionais, tive um contato
regionais aparece como facilitador para a interação. O relato de procuradora lotada em muito bom, e um apoio até maior do que eu esperava. (PR/TO1, escrita).
Porto Alegre aponta, inclusive, mecanismo para priorizar a atuação em casos específicos:
A visão, obviamente, não é unívoca. Apesar de reconhecer a dificuldade para
A PRR4 funciona na mesma cidade (Porto Alegre-RS), o que facilita o interação em área extensa e diversa como a que envolve a procuradoria regional em
contato pessoal entre os membros. Além disso, a PRR4 disponibiliza sis- Brasília (PRR1), um dos relatos aponta o que é identificado como evolução recente:
tema para assinalar (vipar) processos reputados importantes pela primei-
A interação entre as unidades de primeiro grau e a unidade regional tem
ra instância. Não tenho encontrado dificuldades para a interação com os
sido otimizada nos últimos anos, a partir do momento em que as pro-
colegas da PRR4. (PR/RS1, escrita).
curadorias regionais passaram a exercer, com mais vigor, atividades de
Os contatos com os procuradores regionais da PRR4 não fluiriam da mes- coordenação regional. (PR/DF1, escrita).
ma forma com os procuradores lotados em outras unidades. Um dos procuradores
A ausência de interlocução não aparece unicamente nos relatos dos procurado-
entrevistados, lotado em Curitiba, não aponta exatamente uma dificuldade pessoal
res da República que ressentem da ausência de mecanismos institucionais de intera-
para o contato direto. Ressente-se, contudo, da necessidade de ferramentas institu-
ção. Um dos entrevistados relata sua visão, a partir da experiência como procurador
cionais de interlocução:
regional da República no DF:
Entendo que existe pouca interação com as Procuradorias Regionais.
A interação ainda é muito baixa e assistemática, quando não inexistente.
Quando necessário, entro em contato com o colega que vai atuar em al-
Apenas em casos de maior vulto ou relevo funcionam mecanismos de
guma questão relevante no TRF, sempre sendo atendido com presteza.
contato prévio com as regionais. As sugestões seriam, em primeiro lugar,
Acredito ser pertinente a criação de algumas ferramentas de interlocu-
utilização do sistema único, ou semelhante, para que a interação processo
ção, a exemplo de encontros e divulgação institucional de notícias. Penso
a processo fosse efetiva, com troca de informações entre os titulares em
que o contato seja até mesmo importante para afinarmos nossa atuação e
cada instância mais sistemática e comum, e, em segundo lugar, promoção
obtermos melhores resultados na via recursal. (PR/PR2, escrita). de reuniões regionais setoriais com maior frequência, criação de Câmaras
Os relatos dos participantes de Brasília sugerem que as interações com os regionais. (PRR/DF1, escrita).
procuradores regionais e subprocuradores não é institucionalizada. Na prática, a O relato de procuradora lotada em cidade no interior do Estado de Rio de
construção de relações pessoais acaba sendo determinante, embora existam canais Janeiro, e com atuação anterior no Paraná não sugere maiores dificuldades, mas acaba
formais de comunicação. enfatizando a pessoalidade dos meios de comunicação:
As declarações dos procuradores lotados em procuradorias no âmbito de com- Minha interação com as Procuradorias Regionais sempre foi excepcional.
• Tomo 2 •

petência recursal do TRF1 variam bastante. Não haveria um padrão institucional para Desde que atuava na Quarta Região, até agora na Segunda Região, sempre
a interlocução. Depende-se do perfil de cada um, o que não atenderia às necessidades. fui muito bem recebida. Seria muito bom se fosse criado um sistema que

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

comunicasse ao membro de primeiro grau as pautas de julgamento do dizer o que não é crime, ao meu modo de ver, a segunda Câmara não tem
TRF com a referência ao nome do procurador atuante (mesmo que seja o desempenhado muito bem […]. (PR5, GF/SP).
antigo) ou de qual PR ou PRM é originário o processo. (PR/RJ1, escrita).
Além de um percentual grande de arquivamentos dos inquéritos relatados, os
procuradores lotados em SP referem-se a diferentes procedimentos que devem retor-
nar à PF para complementar as investigações. Um dos relatos aponta, a partir de ex-
5 • A ATUAÇÃO DAS CÂMARAS DE COORDENAÇÃO E periência pessoal, que cerca de 70% seriam devolvidos para diligências complemen-
tares. Reconhece-se a insuficiência da estrutura material e humana do MPF, da PF e
REVISÃO DO MPF: DA REVISÃO À COORDENAÇÃO de outras instituições para a enorme demanda. Uma das alternativas seria flexibilizar
a obrigatoriedade da ação penal. A palavra-chave seria estimular a “seleção racional”.
Em pesquisa realizada, entre 2002 e 2005, apontamos a evolução do papel das E a 2ª Câmara deveria fomentar a discussão de forma ampla. Um critério de seleção
Câmaras na estrutura do MPF. Identificamos, ainda que de forma incipiente, o processo surge de experiência em São Paulo:
interno de discussão sobre o princípio da unidade de atuação e reflexões sobre o ne-
cessário equilíbrio em relação à independência funcional. A experiência de projetos e Nós temos muitas apreensões de cigarros em banquinhas na rua, ali, da-
grupos de trabalho indicava que o perfil dos integrantes era variável determinante para a quelas que, vem o “rapa”, e o sujeito fecha e sai correndo, vende cigarro
compreensão das prioridades definidas ao longo dos anos (Machado, 2007A E 2007B). na feirinha da madrugada, enfim; aí a Câmara resolveu que para ficar na
insignificância o limite é de 40 maços de cigarro, ou seja, são 4 pacotes
Durante a realização do trabalho de campo, os participantes da pesquisa mani- daqueles nesses dias. Eu recebi uma cópia da decisão da Câmara de que
festaram especial interesse em relação ao papel desempenhado pelas Câmaras de coor- agora são 16 pacotes, ou seja, é a quantidade indicada para denunciar;
denação e revisão do MPF. Em razão do objeto desta pesquisa, o foco orientou-se para eu não sei quantos casos existem disso, mas 40 maços é muito pouco, se
as 2ª, 5ª e 7ª Câmaras. Os relatos são críticos ao que é descrito ou representado como de repente houver uma operação da Polícia militar contra a pirataria eles
ainda incipiente desempenho na coordenação. Por outro lado, há, também, referências vão fazer centenas de apreensões no mínimo de 8 pacotes, 10 pacotes... O
a mudanças importantes em algumas das Câmaras, o que dependeria das diferentes sujeito está no varejo […] não são todos os juízes que aplicam o 28, feliz-
composições ao longo dos anos. A priorização das atividades ainda estaria associada mente, um ou dois que aplicam naqueles casos. (PR3, GF/SP).
ao perfil dos membros que integram o órgão. Um dos participantes, procurador lotado em São Paulo, enfatiza a necessidade
Entre os participantes do GF/SP, a 2ª Câmara é recordada por buscar promover de flexibilizar a obrigatoriedade da ação penal, a fim de possibilitar que alguns temas
a chamada cultura da investigação, a fim de detalhar e esclarecer a autoria e o dolo no fossem “deixados”, para viabilizar a atuação nos casos mais relevantes:
transcorrer dos procedimentos instaurados. O que envolve estratégias de convenci- As Câmaras teriam um papel bastante importante no estabelecimento de
mento para que se “perca o receio de apontar indícios de crime”. As iniciativas leva- prioridades de atuação, mas a interpretação que se tem dado à indispo-
riam à realização de encontros com distintas agências e órgãos públicos. Os relatos nibilidade de atuação tem prejudicado tal atividade. Ao final, se tudo é
mencionam, especialmente, os contatos com a Receita Federal e o estímulo para a prioritário, nada é prioritário. Assim, parece-me que a solução seria que a
produção de relatórios mais detalhados, a fim de propiciar os elementos necessários Câmara estabelecesse prioridades e permitisse que em nome delas alguns
para a persecução penal. temas não prioritários fossem colocados de lado. (PR/SP1, escrita).

Os participantes do GF/SP enfatizam, por outro lado, a necessidade de aprofun- Os relatos dos participantes do GF/PE apontam a necessidade de que as Câmaras
dar o debate sobre a obrigatoriedade da ação penal. A segunda Câmara deveria colocar incrementem a atividade de coordenação. Reconhece-se evolução no desempenho da
em discussão o tema de forma prioritária: atividade, mas ainda haveria muito o que fazer do ponto de vista da discussão de metas
e prioridades. Assim:
Caberia à segunda Câmara fazer essa política de discutir a obrigatorie-
dade da ação penal para uma seleção racional do que é importante e do A atividade de coordenação tem melhorado, mas ainda não chegou ao
que pode ser arquivado. Se é o Judiciário que condena, é o Ministério ideal. Creio que a definição de metas e prioridades, ainda que com mar-
• Tomo 2 •

Público que, em última instância, diz o que não é crime. Essa função de gem para adaptações para as unidades, é fundamental. (PR/PE2, escrita).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

No transcorrer da pesquisa foram registradas críticas dos participantes de Recife me de contrabandos de cigarro apenas quando a importação for de até
(GF/PE) ao que denominam visão dissociada da realidade local: quarenta maços. A aplicação disso, na prática, termina por inviabilizar a
atuação em procuradorias situadas em locais próximos à fronteira com o
A atuação das CCRs é dissociada da realidade da maior parte do País, Paraguai, onde comumente um colega recebe por mês mais de cem repre-
preocupando-se com bagatelas e decidindo muitas vezes em contrarie- sentações fiscais de contrabandos de cigarro de pequena monta (duzen-
dade à jurisprudência consolidada. A sugestão é que as CCRs tenham tos, trezentos maços). (PR/PR2, escrita).
uma visão prospectiva da investigação, para aquilatar, previamente, a
viabilidade do êxito investigativo e as perspectivas de sucesso de even- A realidade das unidades do MPF é muito diversa. As CCRs falham quan-
tual ação penal, especialmente quanto à prescrição pela pena em con- do tentam implantar critérios uniformes para todo o território nacional
creto. (PR/PE1, escrita). em determinadas matérias. Percebi, por exemplo, que a PFDC atual, cor-
retamente, respeita bastante o olhar do procurador da 1ª instância. Já a
A atuação da 2ª e 5ª Câmaras vem melhorando no que diz respeito à ativi-
4ª CCR, à época em que trabalhei em Paranaguá, adotou algumas posi-
dade de coordenação. Faz-se necessário, contudo, que as Câmaras avan-
ções, na sua função de revisão, dissociadas da realidade local e até mes-
cem no que diz respeito à cobrança de resultados, com a elaboração de
mo equivocadas (penso eu, dentro da minha independência funcional e,
metas e cobrança de cumprimento de prazos. (PR/PE3, escrita).
claro, com respeito às posições discordantes), mesmo no que concerne ao
As diversas visões retratadas não são compartilhadas apenas pelos procurado- âmbito nacional, atrapalhando tanto a priorização de atividades quanto o
res de São Paulo e Pernambuco. Os procuradores lotados no Paraná, sujeitos desta funcionamento geral da PRM. (PR/PR3, escrita).
pesquisa, são especialmente críticos em relação à 2ª Câmara. Visão distinta apresenta Os participantes do GF/DF também apontam a necessidade de que as Câmaras
uma das entrevistadas, que desempenha suas atividades em ofício criminal do MPF invistam e aprimorem os mecanismos de coordenação. Certos relatos são críticos em
em Curitiba, a qual identifica melhora na coordenação, mas sugere reforçar o papel relação ao que é apontado como “desconhecimento das múltiplas realidades locais”
dos coordenadores locais:
(PR7, GF/DF). Alguns dos participantes reconhecem, de outro lado, as dificuldades
Recentemente, houve uma grande mudança, para melhor, nas atividades em definir pautas nacionais em um País com dimensões continentais (PR4, GF/DF).
das Câmaras. Sem dúvida, está havendo uma maior interação e efetiva-
mente um papel de coordenação. Talvez uma sugestão fosse reforçar o A sugestão dos participantes do Paraná não se encontra isolada. O relato de
papel dos Coordenadores Criminais nos Estados (PR/PR1, escrita). procurador lotado em Brasília critica a priorização da função revisional e o objetivo
dificilmente factível de coordenação nacional. A solução seria buscar formas viáveis
Os relatos dos procuradores lotados no interior do Estado (Paraná) são incisivos que contemplem as peculiaridades locais e múltiplos arranjos possíveis:
ao apontar a necessidade premente de estabelecer metas e prioridades. O “reconheci-
mento tímido” do princípio da insignificância geraria graves dificuldades para a atua- A sugestão seria concentrar as atividades na coordenação nacional, dele-
ção, especialmente nas procuradorias situadas na região da fronteira com o Paraguai. gando, sempre que possível, parte dessas atividades para as unidades re-
gionais. A atividade de revisão não pode continuar a exigir tanta atenção
Reputo que muitos dos entendimentos das Câmaras, especialmente e estrutura das Câmaras. (PR/DF1, escrita).
os da 4ª (ambiental e patrimônio cultural) e da 2ª (criminal) destoam
muito da realidade vivenciada pelo MPF em primeira instância, o que A visão é compartilhada por procurador regional, que reconhece os esforços
muitas vezes termina tumultuando nossa atuação, impondo excesso de para o incremento da atividade de coordenação. Mas enfatiza a importância de
trabalho e forçando que dediquemos menos tempo para questões mais buscar novos modelos:
relevantes. (PR/PR2, escrita).
Este processo deve se aprofundar, com criação, talvez, de Câmaras regio-
Entre as alternativas estaria a de diversificar os modelos de coordenação, de nais, mas sempre buscando o debate e o convencimento na definição de
forma criativa. Uma das soluções seria pensar em formas de coordenação regional que prioridades, única forma de agir compatível com a independência fun-
atendessem as realidades locais: cional. (PRR/DF1, escrita).

Apenas para ilustrar, mantendo enfoque na perspectiva criminal, men- Os relatos de procuradores lotados em diferentes estados evidenciam percep-
• Tomo 2 •

ciono que a 2ª CCR entende que o princípio da insignificância no cri- ções distintas para a compreensão ampla da visão interna sobre o papel das Câmaras

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

de Coordenação e Revisão. Alguns dos relatos são detalhados e apontam propostas de preferência longe dos grandes centros, poderiam aproximá-las de uma
concretas para incrementar as atividades de coordenação: realidade muito diferente do que ocorre em Brasília ou em outros gran-
des centros. (PR/TO1, escrita).
As Câmaras atuam prioritariamente na revisão, relegando a coordenação
a segundo plano. Há severo desequilíbrio na balança: a coordenação da Uma última crítica merece destaque. Na reestruturação das atribuições das
atuação, com definição de prioridades, corrupção, por exemplo, por um Câmaras, especialmente com a criação dos NCCs, contempla-se tanto a dimensão cí-
lado, e a abertura de válvulas de escape à obrigatoriedade da ação penal, vel quanto criminal dos atos de corrupção em um único ofício. Uma das entrevistadas
prestigiando o princípio da administração da justiça, mediante a adoção ressente-se de que a 5ª Câmara ainda é voltada prioritariamente para a improbida-
de standard mais rigoroso para a deflagração da ação penal – probabili- de administrativa, o que é visto como obstáculo a ser superado. A composição das
dade de condenação –, por outro, deveriam merecer igual preocupação Câmaras surge, uma vez mais, como elemento relevante para compreensão sobre as
da 2ª CCR. (PR/MA1, escrita). prioridades estabelecidas:
Ressente-se da necessidade de uma ação mais proativa das Câmaras, não apenas No meu caso (NCC), a vinculação é com a 5ª CCR, cuja reestruturação
pela via das recomendações. As orientações podem também ser usadas e com ampla temática ocorreu recentemente. Acho que ainda há muito por fazer, claro.
divulgação. A experiência recente da 7ª Câmara é referida diretamente como forma de A percepção que se tem, a partir da primeira instância, é que a 5ª CCR
atuação que deveria servir de modelo para futuras iniciativas: nasceu com uma visão excessivamente voltada à improbidade adminis-
trativa, o que talvez decorra de seu histórico de atuação anterior, e com
As Câmaras de Coordenação e Revisão poderiam editar mais orienta- pouco foco na parte criminal, que agora é também de sua atribuição. A
ções aos membros. Não seriam recomendações, mas orientações. A 7ª própria composição da Câmara reflete isso, não há colegas com atuação
CCR editou, atualmente, duas orientações que resultaram até em notí- histórica forte na coordenação e revisão da área criminal. Entendo que
cias de jornal. Enfim, é assim que o MPF se constrói como unidade in- isso precisa ser enfrentado com urgência. (PR/RS1, escrita).
tegrada. Noto que as orientações – em especial nos colegas mais novos
– têm boa receptividade. Ademais, poderiam ser criados informativos
consolidados com as decisões das Câmaras. Parecido com o que ocor-
re com o STJ e STF, com sistema push de envio a cidadãos. Seria uma 6 • A INTERAÇÃO COM A POLÍCIA FEDERAL: DA FRÁGIL
forma de tornar o MPF mais visível. Atualmente, cada Câmara edita
um informativo, de uma forma, formatos e periodicidade diferentes. INSTITUCIONALIZAÇÃO ÀS RELAÇÕES PESSOAIS
Sinto falta, por fim, de setores periciais mais amplos nas Câmaras de
Coordenação e Revisão. (PR/RJ1, escrita). As pesquisas realizadas sobre a atuação das organizações que participam da di-
visão do trabalho jurídico-penal apontam conflitos e divergências entre promotores de
Os relatos de procuradores de diferentes localidades permitem uma visão mais
justiça e delegados da Polícia Civil, especialmente em relação à relevância do inquérito
ampla sobre as percepções dos sujeitos da pesquisa em relação ao tema. Enfatiza-se,
policial como instrumento para a investigação, e ao exercício do controle externo da
em regra, a necessidade de mais coordenação, e que atenda à diversidade nacional e
atividade policial pelo MP (Costa, 2010; Machado, 2014; Misse, 2010; Ratton,
especificidades locais:
2010). Nesta pesquisa, as percepções dos participantes não sugerem contexto distinto.
A atuação das Câmaras está melhor do que antes. Sinto falta apenas de
Em regra, as relações são pessoais e pouco institucionalizadas. A especialização
mais atos de coordenação, muitas vezes só vemos a Câmara nos atos de
de delegacias e procuradorias em determinadas áreas, como a corrupção e os delitos
revisão. Acho importante a Câmara esteja presente de maneira mais fre-
quente no dia a dia dos colegas e que haja também um direcionamento econômicos, podem levar a interações mais duradouras e, eventualmente, a alianças
maior em casos em que o MPF já se manifestou como sendo prioritá- tópicas e a ações minimamente articuladas. Por outro lado, surgem os conflitos em
rios. (PR/PA1, escrita). relação a diferentes perspectivas e interpretações sobre a condução dos casos.

Muitas vezes as Câmaras me parecem muito desvinculadas da realidade Entre os integrantes do GF/SP, realizado com 5 procuradores da República lo-
geográfica e do cotidiano da base, talvez por eu atuar em unidades peque- tados em ofícios criminais, predomina a insatisfação quanto à atuação da PF. Os pro-
• Tomo 2 •

nas do Norte, ou por fazer muito tempo que os membros tenham saído da cedimentos são burocráticos e morosos. Não atenderiam à necessidade da persecução
primeira instância, não sei. Acho que encontros regionais das Câmaras, penal. Um dos relatos enfatiza a desmotivação de quem atua na área penal:

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

A parte policial é muito ruim também [...] o inquérito policial raramente tra o sistema financeiro, esses problemas se potencializam. O objetivo da
faz mais do que três ofícios e tentativas, e gasta 3 anos fazendo isso. [...] Polícia Federal se tornou a deflagração de operação. Isso é uma coisa que
Eu vou te falar, assim, acho que raramente alguém vai conseguir te falar nós do Ministério Público precisamos conversar, precisamos refletir há
da área criminal sem usar, uma hora ou outra, explicitamente ou não, im- algum tempo, e eu percebo que hoje o sistema de Justiça criminal, do qual
plicitamente, a palavra desmotivante. Você denuncia e sua grande dúvida o Ministério Público faz parte, serve muito mais aos interesses da Polícia
é se vai prescrever ou não, porque não tem autoria esclarecida. Então, a do que o contrário. (PR2, GF/SP).
gente tem essa dificuldade na área federal, é tudo muito compartimenta-
do, e a Procuradoria, como ela é pensada por gabinete, você não consegue Ao priorizar as operações, segundo critérios nada transparentes, a PF acabaria
fazer o caminho de volta, ou pensar por informação própria nas outras definindo a pauta de atuação das demais organizações. Além disso, o inquérito produ-
esferas. Eu acredito que o Ministério Público deve tomar a iniciativa de ziria um “produto de péssima qualidade”:
transcender esse modo de funcionar em gabinete e com o processo em
A Polícia entrega, na verdade, um produto de péssima qualidade. Agora
cima da mesa do Procurador [...]. (PR2, GF/SP).
eu não vou aqui dizer que a Polícia é a vilã da história, eu acho todas as
Um dos relatos de procurador lotado em SP aponta a peculiaridade da atuação instituições têm uma parcela de responsabilidade sobre isso [...]. Aqui
penal federal. A dinâmica seria muito distinta da justiça estadual. Em regra, as notí- em São Paulo mesmo, eu estou há um ano e pouco numa vara de crimes
cias dos crimes tardam de 4 a 5 anos para chegarem ao MPF. A estrutura prevista é contra o sistema financeiro e com investigações de uma complexidade
descrita como inadequada: inenarrável. [...] O que acontece, esse modelo em que a Polícia se espe-
cializou, de trabalhar para deflagrar operações, é um modelo altamente
Então, na Justiça estadual o normal é você dar um flagrante, dois PMs são ineficaz justamente por conta disso que eu acabei de falar. Porque, de-
ouvidos e depois você tem a sentença. O que na Justiça Estadual funciona pois deflagrar a operação, prender 10 pessoas, realizar 70 buscas, etc.,
pelo flagrante, na Justiça Federal a notícia criminosa chega em 4 ou 5 etc., a Polícia vai lá na coletiva de imprensa e ela na verdade já vê o
anos depois do crime, com uma estrutura meio medieval [...]. A Polícia trabalho dela como concluído! (PR1, GF/SP).
Federal intima o investigado por via de recebimento, esta pessoa não re-
cebe, é cancelado o processo. Nada é feito, ninguém vai atrás do que acon- O relato explicita a visão que representaria a operação para o trabalho do
teceu, é tudo muito burocrático, muito lento. (PR2, GF/SP). Ministério Público e do Judiciário. E sugere alguns dos conflitos entre atores que par-
ticipam da investigação e da persecução penal:
No GF/SP, em relação à atuação da PF, critica-se a forma como o foco é direcio-
nado para as operações, descuidando-se dos demais casos. Mas a crítica não se limita Porque como é que na verdade funciona a operação? Na operação diga-
apenas às diversas investigações “deixadas de lado”, ou que “tramitam burocraticamen- mos que tem 7 delegados de crimes contra o sistema financeiro, ela é uma
te”. Entre os participantes, menciona-se a atuação bem-sucedida em “grandes opera- investigação mais complexa por envolver mais fatos, envolver mais pesso-
ções”, com equipes policiais preparadas e com bons resultados: “Alguns delegados são as etc., etc. Então, o que acontece, a Polícia Federal, eles têm uma estrutu-
ra diferente do Ministério Público ou da Justiça. Eles pegam um delegado
muito bons e ao final desse ano eles entregam um produto excelente. Eu já participei
e colocam para aquela operação, e às vezes aquele delegado tem um ano
de operações que foram boas, foram boas investigações! [...]” (PR2, GF/SP).
com aquela investigação. [...] Mas, recentemente, eu tive uma infelicida-
Por outro lado, operações recentes não atenderiam às condições mínimas para de muito grande, de pegar uma operação de fundos de previdência pra
a persecução penal, pois não aprofundariam elementos probatórios que os procura- fraudar investidores, e o delegado realmente ele não tinha know how para
dores enfatizam como fundamentais, como o esclarecimento da autoria e da materia- fazer essa investigação, era um delegado altamente concentrador. Nas
nossas conversas eu falava assim: “venha cá, rapaz, você não acha que isso
lidade. Neste sentido:
aqui cabia uma perícia não?”. Aí ele me falava assim: “não, eu acho que
[...] O auge da Polícia Federal é a deflagração da operação, porque tem não, a prova está diversificada”. Eu acho que esse não é o papel da Polícia
situações que fazem busca e apreensão e aí não dá nem tempo de fazer […]. O grande problema da gente, nós do Ministério Público não temos
perícia no material que eles apreendem. Eles vão em 30 casas, apreendem controle sobre a deflagração da operação, pelo menos aqui em São Paulo,
30 computadores e te entregam o réu preso. Você tem poucos dias para não sei aí em Brasília, mas deve ser a mesma coisa. O que acontece, ele
denunciar esse pessoal todo, e ainda a perícia que vão fazer... é por isso chega aqui, com uma representação para deflagrar a operação e vai lá, no
• Tomo 2 •

que não vai dar tempo. […] Na área de lavagem de ativos e crimes con- juiz, e conta uma história, e muitas vezes começa assim. (PR1, GF/SP).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

A percepção de um dos participantes do GF/SP é a de que o objetivo direto do dos Estados Unidos, [...] as nossas parcerias não são institucionais. Eu
delegado da PF é obter a prisão, como estratégia probatória. Não raramente, a medida sozinha no meu gabinete. Agora, em grandes casos assim a gente não
cautelar é deferida a despeito de manifestação contrária do MP. Nem sempre há uma consegue resolver, porque envolvem vários órgãos, instituições que, na
articulação com o responsável pela persecução penal: verdade, você pode ver que ninguém tem perna para muita coisa, não é
um problema apenas em São Paulo. (PR3, GF/SP).
O que acontece? O delegado vai lá: “o juiz deu pra gente isso”, já aconteceu
comigo não sei com vocês aí, olha pra mim e diz assim, eu acho até uma O relato de atuação em caso concreto, uma vez mais, explicita as dificuldades de
coisa aterrorizadora o delegado olhar para mim me dizer assim: “veja aí interação com os delegados da PF:
o que você pode fazer porque eu já conversei com juiz”. […] Ele pede a
Eu já trabalhei na área criminal e fiz várias operações e tive operações
prisão... 30 pessoas. Porque na verdade, o delegado, o que ele quer? Ele
desse jeito como ele falou. Uma dessas grandes operações foi apreensão
quer prender 30 pessoas e usar a prisão. E é uma circunstância em que
qualquer ser humano se sente intimidado, você está ali preso, não sabe de notas falsas, que depois eu fui informada pela delegada que, depois
quanto tempo fica ali. Exatamente o que eles falam? Eles querem arrancar que nós tiramos essa quadrilha de mercado, 60 por cento das notas falsas
a confissão. Isso para alguns crimes é muito interessante, só que para os desapareceram. Quer dizer que ele era um grande produtor de notas fal-
crimes financeiros, de lavagem de ativos, não vale nada, porque depois sas, aqui em São Paulo no ABC, e depois distribuía no Brasil inteiro. Nem
vem um escritório de advocacia potente que manda os caras ficarem ca- eu nem a juíza ficamos sabendo! “Vou deflagrar hoje”, a sorte é que eu já
lados em juízo, e aí junta um monte de documentos, fazem uma série de estava a par dessa operação – e já estava tudo bem estruturado porque
medidas burocráticas, onde se você não tiver documento e nem perícia, eu ligava para a delegada e ela nem me atendia na Polícia Federal, ela
acabou! (PR1, GF/SP). mandava o escrivão atender, não atendia pessoalmente. Agora em outra
operação já trabalhei com delegado, ele vinha aqui, a gente sentava frente
O relato de caso recente evidencia o que é retratado como “produto” entregue a frente: “Olha, acho que não é desse jeito, tem que ser desse jeito, a pes-
pela PF que gera enormes dificuldades para a persecução penal: soa concorda”. (PR3, GF/SP).

E o que acontece? Eu tive uma infelicidade muito grande agora com a juí- Os canais não seriam institucionalizados, mas construídos a partir de rela-
za com quem trabalho, ela ficou indignada [...] depois que deflagra a ope- ções pessoais:
ração é aquele catatau de coisas que vai para o seu gabinete, que não faz o
menor sentido, e você tem 5 dias para denunciar, porque tá todo mundo Esse é um problema de todos os órgãos, todos nós temos deficiências, o
preso. Aí meu amigo, o que que eu faço? Eu corro com setecentas diligên- ideal seria que nós estivéssemos sempre em conjunto, mas depende mui-
cias. A juíza vira pra mim e diz assim: “Doutor, mas agora eu vou ter que to de quem está trabalhando. Então, eu sou uma pessoa que pega meu
me desdobrar, porque eu tenho um monte de gente presa”. [...] Esse é um processo, eu vou lá conversar com a Receita Federal. Eu não tenho muita
dos grandes problemas institucionais que nós temos hoje. (PR1, GF/SP). intimidade porque eu posso chegar lá e bater com a porta na cara. Se a
gente tem receptividade e consegue trabalhar junto, vai bem, vai... mais
A estratégia de se buscar a confissão pela via coercitiva da prisão cautelar seria rápido e mais completo. (PR3, GF/SP).
totalmente inadequada para os delitos econômicos, que demandam perícias e asses-
soria técnica. E a tramitação processual acabaria prejudicada diante da demora para o Uma das entrevistadas, procuradora regional da República em São Paulo,
envio dos laudos periciais, não se atendendo aos prazos processuais: “A minha última sugere: “Deveria haver uma relação institucionalizada. Atualmente é apenas even-
operação, o delegado pediu a prisão preventiva de 50 pessoas, 10 milhões de busca e tual para alguns casos específicos. A Polícia Federal tem uma atuação muito buro-
apreensão. Não vai dar tempo de fazer isso com o réu preso, só com a prisão temporá- crática nos inquéritos policiais”. (PRR/SP1, escrita). O relato de procurador lotado
ria. [...]” (PR1, GF/SP). no interior do Estado de São Paulo indica pouca intensidade na interação com os
delegados de Polícia:
De forma semelhante à de outras localidades, a interação com os delegados é ava-
liada negativamente entre os sujeitos da pesquisa em São Paulo (GF/SP). As deficiências No meu caso, a relação com os delegados de Polícia é boa, mas de pouca
intensidade, salvo nos casos mais complexos e, ainda, quando há uma
de estrutura deveriam levar a formas de atuação conjunta, o que nem sempre é possível.
relação prévia de confiança entre o membro do MPF e o delegado. Nos
• Tomo 2 •

A relação na verdade nunca esteve totalmente boa. Eu acho que um dos casos de outros colegas, porém, a relação entre MPF e PF é marcada por
grandes problemas nossos aqui no Brasil, em relação ao sistema penal certa animosidade. (PR/SP1, escrita).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Os participantes de Pernambuco também revelam visão crítica sobre as relações Turbulenta e de pouco diálogo. Em regra, os delegados se sentem donos
com a PF. Embora as informações enviadas por diferentes agências e organizações da investigação e enxergam o inquérito como um fim em si mesmo,
sejam relevantes, eventuais e pontuais investigações são desempenhadas pelos desconsiderando que o trabalho deles é dirigido ao MPF. Poucos nos
procuradores. Não se imagina, contudo, prescindir da PF, descrita como necessária procuram para tratar de inquéritos policiais por nós requisitados. Em
alguns casos isso gera problemas e retarda investigações. As disputas
entre os participantes do GF/PE:
corporativas também contribuem para esse quadro de distanciamento.
O que acontece é o seguinte, é diferente em termos de grau a informa- Por outro lado, nem sempre os procuradores acompanham os inquéritos
ção, muitas vezes, porque vai depender do acesso ao sistema. E, real- com a proximidade desejada. Enfim, é preciso deixar as divergências de
mente, nós temos órgãos de apoio, e a qualidade de convênio é que faz lado e procurar aumentar o diálogo. (PR/PE3, escrita).
a diferença, e pra passar a diligência de caráter documental, não é, você
E complementa sobre a ausência de relação direta com agentes e peritos:
vai fazer ofício para o Ministério pedindo esclarecimento e tudo – às
“Ainda não há relação direta entre procuradores, agentes e peritos, embora já se tenha
vezes é informação técnica. Em alguns casos é que você vai evoluir para
diligências pessoais onde uma pessoa é que é implicada para que ela
procurado, durante as visitas de inspeção, uma aproximação”. (PR/PE3, escrita).
apresente alguma explicação. Então, assim, e, algumas vezes, vai correr Outro relato de procurador lotado no interior de Pernambuco pondera que “as
providência pericial ou uma análise técnica da documentação. Então Câmaras” seriam parcialmente responsáveis pela forma negativa com que o MPF é
você tem um grau que, normalmente, tem a ver com a qualidade do que
visto entre os policiais:
nos chegou, né? E, tendo em vista a finalidade da nossa instituição, não
dá pra gente imaginar, por exemplo, do ponto investigativo, nós não Relação cordial, ciente das deficiências estruturais da PF na região.
vamos substituir ou tornar dispensável a atividade da Polícia – a nossa O fato de as Câmaras insistirem na investigação de bagatelas ou fatos
atividade de investigação ela vem num contexto em que, muitas vezes, a antigos contribui para que a PF veja o MPF com desconfiança, como
Polícia nos é muito necessária... (PR3, GF/PE). um órgão burocrata focado em procedimentos e não com resultados.
(PR/PE1, escrita).
Entre os participantes do GF/PE, também surge a preocupação quanto ao diá-
logo com os delegados da PF. Na avaliação de um dos procuradores, melhorar o apoio Os estudos sobre o controle externo da atividade policial é um dos pontos de
técnico e operacional seria tão relevante quanto a proximidade e a interação com a PF: atrito entre promotores de justiça e delegados da Polícia Civil no Brasil (Machado,
2011, 2014; Misse, 2010). Nesta pesquisa, o tema também aparece nas falas dos parti-
Eu diria que, do ponto de vista de uma equipe para trabalho no campo, cipantes. Um dos relatos indica que o exercício do controle externo da atividade poli-
eu até acho que, em alguma medida, ela é necessária [...], certamente, eu cial seria um dos pontos de atrito em Pernambuco:
diria que, digamos assim, pelo tamanho aproximado ou equivalente que a
Polícia tem [...]. Melhoremos o diálogo institucional com a Polícia – e eu A relação institucional com a Polícia Federal no geral é boa, mas há sem-
acho que é muito importante melhorá-lo, né [...] eu diria, que criar uma pre uma conflituosidade latente. Em alguns pontos específicos, como no
equipe própria é tão importante quanto melhorar e praticar o diálogo e a caso do controle externo da atividade policial, a relação é altamente con-
atuação entre parceiros. (PR1, GF/PE). flituosa. A relação com os delegados é muito boa. [...] Há excesso de atos
cartoriais durante a instrução do inquérito e uma tendência à burocrati-
Um dos relatos de procurador lotado no interior do Estado de Pernambuco zação. Por exemplo, em que pese a possibilidade de registro audiovisual
aponta que as relações pessoais seriam determinantes: dos depoimentos, as oitivas são tomadas apenas por termo, com prejuízo
para a fidedignidade do registro e desperdício de tempo para os delega-
Também as relações com os delegados e a Polícia Federal são pouco insti- dos. Há poucos registros de diligências de campo. (PR/PE4, escrita).
tucionais. As formas de controle e relacionamento ainda são muito indi-
viduais, dependendo dos delegados e dos membros, embora tenha havido A Polícia Federal não possui expertise e recursos suficientes nesse campo,
melhoras nos últimos anos. (PR/PE2, escrita). mas é possível notar uma evolução. A estrutura ainda é precária. A meu
sentir, não há transparência na definição das prioridades pela Polícia. [...]
A experiência negativa de procurador lotado em ofício do NCC é explicitada da A relação direta de procuradores com agentes é mínima, e com peritos é
• Tomo 2 •

seguinte forma: praticamente inexistente. (PR/PE4, escrita).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Durante a realização do GF/DF, os participantes relatam as dificuldades de inte- MPF; ou seja, não é uma questão meramente formal do endereçamento
ração com a PF. A impressão generalizada é a de que haveria poucos delegados opera- da representação policial, mas a questão material, relativa à ausência de
cionais. Um número pequeno de profissionais efetivamente dedicados à investigação. capacidade postulatória da autoridade policial. Foi o suficiente para que o
Além disso, as relações pioraram nos últimos anos, especialmente após a tramitação delegado deixasse de manter o diálogo profícuo que existia até então [...]
da PEC n. 37, o que teria reflexo direto para a persecução penal. e passasse a adotar uma distância formal e sem a comunicação adequada
para o trabalho conjunto e cooperativo. (PR/PR3, escrita).
Outros relatos ponderam que não necessariamente haveria um relacionamento
O relato de atuação recente evidencia que a resistência ao que o MPF considera
pessoal difícil ou complicado com os delegados: “A relação institucional com a Polícia
como prerrogativa do titular da ação penal levou à piora das relações com delegado da PF:
Federal é muito ruim, apesar do bom contato pessoal com alguns delegados” (PR/DF1,
escrita). A visão aproxima-se do relato de procurador regional lotado em Brasília: Aliás, fico pensando o que aconteceria, ou acontecerá se, eventualmente, o
juiz vier a conceder, em algum momento, medida contra a posição do MPF,
Nunca tive qualquer problema com a Polícia Federal ou com os delegados
ou sem prévia posição do MPF. Prevejo que o simples cumprimento do en-
de Polícia Federal que atuaram nos inquéritos de que fui titular. A relação
tendimento que prevalece no MFP, e que, parece-me, é esposado pelas CCRs,
profissional sempre foi e é excelente. Creio, aliás, que as relações indivi-
trará muitas dores de cabeça. Espero que não aconteça. Mas, de qualquer
duais são em regra boas; e o problema maior está nas relações macroins-
maneira, a relação com a PF neste caso já mudou, e pra pior. Recentemente,
titucionais entre PF e MPF. (PRR/DF1, escrita).
um DPF recusou-se a cumprir diligência requisitada por colega de Curitiba,
Entre os relatos dos participantes lotados em Curitiba e no interior do Paraná, alegando que o próprio MPF deveria realizar aquela diligência, porque a PF
as experiências mais exitosas são aquelas que surgem da interação entre as organiza- não seria obrigada a fazer diligências que não considera necessárias para a
investigação; ou, também, que não têm caráter estritamente investigativo,
ções. A construção de estratégias seria o caminho para o sucesso. Uma das procurado-
sendo o que a própria PF conceitua como tal. (PR/PR3, escrita).
ras, lotada em ofício criminal, relata experiência positiva em operações da PF:
Nos casos em que atuei envolvendo grandes operações, a interação com
Os relatos sobre as relações entre procuradores da República e delegados
a Polícia foi excelente. A Polícia se mostrou muito receptiva em atender da PF permitem ampliar o conhecimento sobre as visões de membros lotados em
as diligências [...] e se colocou à inteira disposição. Foi realmente um tra- diferentes localidades:
balho de auxílio mútuo para o bem da investigação. (PR/PR6, escrita).
É uma relação complicada, uma vez que a PF tem as suas próprias priorida-
As avaliações positivas em relação à interação com a PF não são unânimes entre des e, em razão disto, emperra investigações que são solicitadas pelo MPF.
Também há a dificuldade decorrente de entendimento diverso entre PF e
os participantes do Paraná. Na descrição de um dos procuradores, o comprometimento
MPF sobre determinados temas. Por mais que o MPF insista em uma inves-
de todos os envolvidos seria determinante. O juiz aparece como personagem relevante:
tigação, se a PF não está de acordo, o IPL segue mal conduzido e moroso, o
Penso que as melhores experiências foram o trabalho conjunto, definindo que acaba por inviabilizar a investigação, mesmo com a adoção de todas as
prioridades e estratégias, desde o início de cada investigação, sendo que medidas de controle externo que possamos adotar. (PR/PA1, escrita).
tal só foi viável quando houve um comprometimento do delegado e tam-
Quando eu estava lotada em Cascavel, Paraná, a relação com os dele-
bém do juiz que conduzia os trabalhos. (PR/PR1, escrita).
gados era muito boa, mas, por outro lado, a quantidade absurda de in-
Em Curitiba haveria um distanciamento maior em relação à PF, avalia experiên- quéritos distribuídos (no início eram aproximadamente 1200 para cada
cia negativa com delegado da PF. A especialização na capital paranaense nem sempre delegado, passando a 600 quando eu saí) impedia um controle externo
aponta formas de atuação conjunta. As tensões são recorrentes, conforme relato: mais efetivo. Em [cidade], no ano de 2012, com pouco mais de 100 in-
quéritos policiais por delegado, pude fazer efetivamente controle externo,
A relação com a PF é sempre permeada por alguma tensão. Estou no despachando nos inquéritos, acompanhando as diligências, e fazendo re-
momento conduzindo uma operação de grande vulto, e a relação esta- presentações contra os delegados por tramitações ruins. As investigações
va bem cooperativa até que exigi que as representações policiais fossem melhoraram bastante, mas a relação “de imagem” com os delegados ficou
direcionadas ao MPF, e não ao juiz, em cumprimento da Orientação n. ruim. Destaco relação “de imagem”, pois não tenho problemas em cum-
• Tomo 2 •

4/2014, da 7ª CCR, sob pena de considerar ilegal e inválido elemento primento de requisições, salvo raríssimas exceções que são pontualmente
de prova colhido com autorização do juiz sem prévio pedido feito pelo resolvidas. Mas noto que eles gostam de mim. No ano de 2012, por sua

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vez, tive uma relação ótima e muito amigável com o DPF Cláudio Gomes, Mas a proximidade também pode acirrar disputas de poder ou levar a conflitos sobre
ex-Corregedor-Geral da PF em Brasília. Ele me apoiou em todos os plei- possíveis invasões de áreas que cada ator ou organização reputa como próprias.
tos e representações que fiz contra os delegados da PF aqui [cidade], in-
clusive revogando, após pedido do MPF, um parecer da Coger de 2008 Nas procuradorias instaladas em cidades menores, a princípio, haveria mais si-
que ocasionava conflitos. (PR/RJ1, escrita). nergia entre os atores. Ao longo dos anos, podem ser construídas formas de interação
que levem a pautas para a tomada de decisão mediante a discussão prévia e articulação
Procuradora com ampla experiência no MPF, tanto no interior do RS quanto em de estratégias. Eventualmente, também podem surgir conflitos; e a escassez de estrutu-
Porto Alegre, pontua o que considera relevante para compreensão das interações com a PF: ra material e humana pode prejudicar as investigações.
A relação com a Polícia Federal depende de vários fatores. Aqui no RS,
No debate com os procuradores lotados em SP, as críticas à atuação da PF são
de modo geral, as delegacias do interior têm uma resposta mais efeti-
confrontadas com as experiências bem-sucedidas no interior do Estado. A experiência
va nos inquéritos, pois têm um quadro melhor de delegados (há uma
de atuação conjunta com o MP estadual sugere a construção de parcerias tópicas com
vinculação mais direta e perene entre os inquéritos e os respectivos
delegados-condutores, de modo que se pode cobrar resultados, fazer outros atores. A PM teria interesse em se aproximar para o apoio das diligências do
contato, estabelecer prioridades). Na capital (Superintendência), a si- MP. Porém, trata-se de experiências não institucionalizadas, orientando-se por rela-
tuação é bem mais desorganizada, há constantemente delegados sendo ções pessoais, frágeis e pouco estáveis:
movimentados internamente, reforços vindos do interior, o que enseja
Deixa eu fazer um contraponto, eu estive em atuação 11 anos no inte-
que os IPLs mudem de delegado responsável diversas vezes. É difícil
rior. [...] Eu tive algumas experiências positivas com a Polícia militar,
cobrar resultados ou conversar sobre prioridades, justamente porque as
eles gostam muito de trabalhar tanto com o MP estadual, e se o MP fe-
investigações mudam de mãos constantemente. A exceção, claro, ocorre
deral tiver interesse trabalham também, para fazer diligências externas
em algumas situações especiais (investigações maiores, em que se con-
[…]. Eu posso dizer que no interior há uma sinergia maior, até porque
segue fazer uma operação). (PR/RS1, escrita).
o responsável pela área de atuação é só um, então se você conhece lá o
A coincidência temática, pela especialização, é positiva. A experiência da NCC tenente responsável pela área de meio ambiente é fácil haver a interação,
conversar com ele. Uma atuação bem interessante, eu diria, junto com
leva à proximidade dos delegados lotados em unidades da PF especializadas na investi-
o MP estadual e federal. Essas estruturas não foram forjadas para tra-
gação do desvio de recursos públicos. Mas a carência de recursos humanos é destacada:
balhar em sinergia; mas as pessoas, de acordo com a área em que você
A relação com os delegados é, em geral, boa. Aqui no NCC, temos uma esteja, às vezes funciona. (PR3, GF/SP).
coincidência temática (quase total) com a UDRP (Unidade de Desvio de
Recursos Públicos); portanto, consegue-se um pouco mais de contato
A experiência de atuação em parceria não se limitaria ao apoio policial para as
direto com os delegados dessa unidade, nas investigações mais impor- atividades. Um dos relatos aponta experiência positiva com a CGU e Receita Federal:
tantes. Entretanto, a UDRP no RS tem uma estrutura bem pequena, com Outra experiência que eu tive nesses 11 anos com a CGU, eles infeliz-
apenas 2 delegados, e não se consegue tocar investigações mais importan- mente diminuíram nesses últimos anos. Eles iam nas cidades, faziam o
tes simultaneamente. (PR/RS1, escrita). levantamento das irregularidades, fotos, faziam relatórios e apontavam
as irregularidades daquele determinado serviço público. Encaminhavam
o relatório todo para o MPF ou Receita Federal, e ali a gente poderia
atuar numa fase bem inicial da coisa, quando o convênio estava sendo
7 • AS RELAÇÕES COM OS DELEGADOS DA PF: executado; então acho assim, que atuação é ruim mas eu acho também
VARIAÇÕES ENTRE INTERIOR E CAPITAL que depende um pouco de onde você se encontra, para você poder fazer
esse tipo de avaliação. Eu não acho que esteja tudo perdido, nós temos
melhorado bastante. (PR3, GF/SP).
Os sujeitos da pesquisa descrevem experiências distintas com os delegados da
PF e outras instituições. Raramente são estabelecidos contatos diretos com agentes e Em Pernambuco, avaliam os participantes do grupo (GF/PE), o contexto e os
peritos. A especialização propiciada pela atuação em cidades maiores ou nas capitais arranjos previstos em Recife permitem mais proximidade com os órgãos públicos, ao
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leva à construção de relações pessoais, normalmente informais, pela sintonia temática. passo que, nas procuradorias no interior do Estado, a sociedade cobraria mais resulta-

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dos, muito embora as dificuldades sejam grandes, pois as diversas funções concorre- Em [cidade] tinha uma relação excelente com a Polícia Federal, inclusive
riam entre si, e o apoio operacional seria insuficiente. Nesse sentido: com os delegados, o que possibilitou sucesso na atuação coordenada em
algumas investigações importantes. Em [cidade] o relacionamento tam-
Só pra complementar a informação do (nome), a investigação [...] em bém é muito bom, mas a proximidade não é idêntica à vivenciada em
função da natureza da informação que chega, ou seja, Banco Central e [cidade], notadamente porque a Delegacia da PF que atua na região se
Coaf de acordo com o local onde o procurador atua, [...] é o seguinte, na situa na cidade de Maringá-PR. (PR/PR2, escrita).
capital existe uma parceria maior com os órgãos públicos, de modo que
as informações... no interior a parceria com a sociedade é maior porque Entre os relatos, poucas experiências foram registradas de interação dos pro-
eles se preocupam, mais que o Ministério Público, que a Polícia Federal, curadores com peritos e agentes. O relato indica a peculiaridade da experiência local:
de certa forma, atue. (PR3, GF/PE).
Em [cidade], tinha boa relação com os peritos e com alguns agentes.
Desconheço experiências institucionais bem-sucedidas para questões mais Em Paranavaí, ainda não tive contato direto com tais profissionais. […]
abrangentes. Apenas casos específicos ou temas pontuais (como a insignifi- Em [cidade], antes do início de uma investigação relevante, era comum
cância) levaram a interações com bons resultados. Sempre trabalhei na ca- a realização de reuniões para definirmos prioridades e métodos de pro-
pital, mas, da experiência de controle externo, pareceu haver maior proxi- dução de prova, além de debatermos aspectos jurídicos para evitar fu-
midade no interior, o que tem vantagens e desvantagens. (PR/PE2, escrita). turas nulidades, o que era bastante proveitoso. Aqui em [...], isso está
começando a se repetir. (PR/PR2, escrita).
Não necessariamente no interior há uma maior proximidade com a
Polícia Federal. Muitas vezes, na capital, em razão da especialização das Diversos relatos permitem uma compreensão mais ampla das interações entre
Delegacias e dos Ofícios das PRs, é possível haver maior interação en-
delegados da PF e procuradores. Não necessariamente a pequena estrutura do MPF
tre delegados e procuradores, quando há boa vontade para superar as
e da PF, em cidades menores, permite a construção de formas de atuação conjunta
dificuldades anteriormente narradas. Por exemplo, estamos tentando
entre delegados e procuradores da República. Mas há escassez de suporte pessoal
marcar reuniões com os delegados que compõem a Delegacia de Crimes
Financeiros, de modo a aumentar a interação durante a investigação e e material da PF. Nas cidades com estruturas mais complexas e especialização, po-
possibilitar que sejam traçadas metas conjuntas. (PR/PE3, escrita). dem ser definidos arranjos informais que levem a dinâmicas interorganizacionais de
atuação nos casos mais complexos. As relações, reafirma-se, decorrem de relações
Já atuei em diversas operações bem-sucedidas em conjunto com a Polícia pessoais e são pouco institucionalizadas. Eventualmente, a proximidade evidencia
Federal, como, por exemplo, a Operação [...], resultado de atuação con- conflitos e receios mútuos:
junta do MPF, da Polícia Federal e da Corregedoria da Polícia Federal.
A operação desarticulou uma quadrilha de policiais rodoviários federais No interior há, de fato, uma maior proximidade do MPF com a Polícia
em Pernambuco voltada à pratica de corrupção nas estradas. Foram pro- Federal, mas a estrutura da PF no interior é, como regra, absolutamente
duzidas provas nos três órgãos citados, que serviram não só ao ofereci- deficitária, diante do alto grau de concentração de delegados, agentes e
mento de ações penais e de improbidade mas também à instauração de peritos nas capitais e maiores cidades. As experiências bem-sucedidas de
processos disciplinares que resultaram na demissão de policiais rodoviá- interação ocorrem pelos laços pessoais construídos e não de maneira ins-
rios federais (PR/PE4, escrita). titucionalizada. (PR/DF1, escrita).

Entre os procuradores da República lotados no Paraná (participantes desta pes- Realizamos inúmeros mutirões com a PF para a diminuição do acervo
quisa), os relatos indicam maior proximidade com os delegados da PF nas cidades do de inquéritos policiais em andamento, até então um dos maiores do País,
interior do Estado. Em Curitiba haveria um distanciamento: proporcionalmente. Os arquivamentos permitiram concentrar esforços
em casos mais relevantes. A proximidade entre PF e MPF no interior é
Sempre tive uma relação bastante amistosa com a Polícia Federal, sendo que bem maior, em face do isolamento dessas duas instituições, creio. A falta
na capital, sem dúvida, acaba por haver um maior distanciamento, em virtude de outras agências/órgãos do governo federal tradicionalmente parceiros
do número de delegados. Em resumo, pode-se dizer que, quando o delegado impõe um trabalho mais afinado entre PF e MPF. (PR/MA1, escrita).
é diligente e realiza o seu trabalho com esmero, a relação interinstitucional
é muito profícua; quando não há comprometimento por parte do delegado Experiência bem-sucedida são contatos telefônicos ou reuniões (se o
• Tomo 2 •

que conduz o IPL, muitas vezes é necessária a adoção de medidas específicas caso) prévios a situações que possivelmente poderiam levar a tensão, de-
ou até mesmo de se socorrer da Corregedoria do órgão. (PR/PR1, escrita). monstrando respeito e consideração. Não conheço a realidade da capital,

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

mas, neste município, existe uma certa proximidade e um bom relaciona- Então, assim, eu não sei como ele está fazendo isso; eu não sei se ele usou
mento. (PR/MS1, escrita). contas de laranjas; se ele usou bens de terceiros; se ele superfaturou pre-
ços; se ele entregou mercadoria em quantidade menor. Então são muitas
Posso citar como experiência bem-sucedida – e que vem evoluindo mais variáveis. É aquela coisa, não adianta você chegar para uma pessoa e ela se
e mais – a interação entre os membros do NCC e os delegados da UDRP. propor a dizer quanto é 2 + 2, é fácil, mas se ela se propõe a resolver uma
[...] existe uma proximidade maior com a PF no interior, já que o número equação de 3º grau vai demorar mais tempo. (PR1, GF/PE).
de procuradores e delegados é menor, e também a vinculação dos delega-
dos com os inquéritos policiais é mais perene. (PR/RS1, escrita). Outras variáveis seriam relevantes, ponderam os procuradores com experiência
no interior de estados do Nordeste. Na avaliação dos participantes do GF/PE, no inte-
No interior, há mais proximidade do MPF com todos os órgãos.
rior do Estado, as práticas seriam menos sofisticadas e mais facilmente comprovadas:
Consegue-se falar rapidamente com um secretário e até com o prefeito
ou prefeita. Quanto à Polícia, também há essa proximidade que também [...] os crimes de desvio de recurso público também têm uma base documen-
é facilitada pela existência de um número menor de agentes policiais. tal, porque vai ter todo procedimento que começa com licitação, depois você
De outro bordo, essa proximidade pode ser motivo de tensões maiores, firma um contrato, assina ordem de empenho, faz a liquidação da despesa e
tendo em vista que o colega acaba respondendo por todos os feitos ou emite a ordem de pagamento. No interior do Estado, como o nível dos nossos
metade deles. Fui lotada em Cascavel, no Paraná, e em [cidade], no RJ, e – gestores que estão lidando com a Administração Pública e dos particulares
salvo exceções – todas as minhas experiências até hoje com delegados de que estão lidando com os gestores públicos é muito baixo, as práticas são
Polícia foram ruins: trabalhos mal feitos, vaidades excessivas, e número muito grosseiras e isso facilita muito. (PR2, GF/PE).
ínfimo de operações. Em mais de 6 anos de MPF, somente atuei em uma
grande operação policial. (PR/RJ1, escrita). A situação muda em grandes cidades: “[...] essas práticas são um pouco mais
sofisticadas” (PR2, GF/PE). Outro relato contrasta com a área estadual:
Mas, quando a gente fala em corrupção, na área estadual você tem o quê?
8 • A INVESTIGAÇÃO E A PERSECUÇÃO PENAL DA O guarda de trânsito quando se oferece dinheiro a ele pra ele não multar,
ou seja, é um ato de corrupção sem qualquer relação com [...]. Então, eles
CORRUPÇÃO E DA CRIMINALIDADE ECONÔMICA investigam de uma maneira diferente da investigação, por exemplo, do
desvio do recurso público. Então, a natureza da nossa atividade [...], tanto
que muitas das nossas investigações de desvio, né, se você pega um in-
A literatura sobre a criminalidade econômica aponta enorme seletividade das
quérito, por exemplo, que a Polícia instaura ou tramita até o final, se você
organizações que participam da divisão do trabalho jurídico-penal (Nelken, 1994;
pegar muitas vezes o contexto, o grosso, a maior parte das diligências é de
Sutherland, 1983). Nesta pesquisa, os participantes sugerem enormes obstáculos
natureza semelhante. [...] Você lida com um processo que, por exemplo,
para atuação nos casos que envolvem delitos econômicos e corrupção. As limitações tem fundamento no relatório da CGU [...]. Então, normalmente, e muitas
legais, como o acesso aos dados bancários, dificultariam as investigações. Nem sempre vezes essa busca é rotineira, chegou um desvio de recurso de merenda e
as informações enviadas pelas agências de controle permitem direcionar a investiga- você vai perguntar: “Você fez alguma fiscalização seguida?”; “Por coinci-
ção. Por outro lado, as dificuldades e desafios do judiciário seriam grandes em face da dência passou lá [...] alguma coisa disso aqui?”; “Tribunal de Contas, você
complexidade dos casos que envolvem corrupção e delitos econômicos. Normalmente, julgou alguma prestação de contas [...]?”. (PR2, GF/PE).
requer-se apoio técnico para análise documental. Existiriam muitas variáveis que, apa-
rentemente, explicariam a necessidade de tempo mais longo para a instrução. Entre os participantes do GF/PE, as dificuldades para a investigação e persecu-
ção penal dos crimes econômicos também estão relacionadas aos obstáculos proces-
Os participantes do GF/PE relatam as dificuldades para atuar em casos de corrupção: suais e às constantes nulidades processuais:
Quando a gente fala em crime de colarinho branco ou crime de corrupção Acho que uma das maiores dificuldades que eu vejo do ponto de vista
não é um trabalho fácil de fazer, né? É diferente de você chegar e dizer, operacional mesmo é, veja bem, tem a ver com a maneira como a gente
por exemplo, “uma testemunha foi até a Justiça chegou lá e mentiu”, [...] a encara a questão do sigilo bancário no Brasil. Hoje, nós do Ministério
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situação está mais clara desde o começo; outra coisa é receber uma infor- Público, para que nós tenhamos acesso ao sigilo bancário de empresas ou
mação: “Tem um prefeito do município tal que está enriquecendo [...]”. pessoas, é preciso entrar com processo na Justiça, é preciso que haja uma

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tramitação, é preciso que sejam encaminhadas aos bancos essas informa- das investigações de acordo com os próprios interesses da Polícia Federal,
ções. (PR3, GF/PE). notadamente, dos interesses corporativos. (PR/PE3, escrita).

Os entraves processuais seriam determinantes para compreender as dificulda- A especificidade probatória também é objeto de análise:
des da investigação e persecução penal dos crimes econômicos e corrupção:
As principais dificuldades para investigar esses crimes estão relacionadas à
Então, imagine o seguinte, isso constitui uma limitação operacional especificidade das provas que eles requerem. De um lado, há dificuldade de
quando a gente, com uma lavagem mais estruturada, por exemplo, um obter prova testemunhal; de outro, é preciso realizar análises periciais com-
doleiro que está lavando dinheiro de grandes empreiteiras ou de trá- plexas para comprovar a materialidade (ex.: superfaturamento de um está-
fico de drogas ou de tráfico de armas, ele não pega a conta da mulher dio de futebol). A Polícia Federal não possui expertise e recursos suficientes
dele e bota um dinheiro ali e depois transfere pra pessoa que vai rece- nesse campo. Ou ela segue a metodologia tradicional do inquérito, com oi-
ber não, ele vai ter um conjunto de contas no Brasil e no exterior, com tivas em gabinete, que é insuficiente para descortinar esses crimes, ou apos-
várias pessoas e põe R$ 500 mil em uma conta e R$ 500 mil em outra, ta tudo na interceptação telefônica, que já não rende muitos resultados. Os
depois ele junta, saca, deposita. O procedimento é esse. Imagina uma acordos de colaboração premiada com o MPF parece ser a ferramenta mais
pessoa que tem cinco contas bancárias, né, cinco contas bancárias. Aí promissora para a investigação desses crimes, como já ocorre em outros
eu recebo a comunicação de uma conta, eu quebro o sigilo da primeira países. A Polícia Federal deve investir mais nas modernas técnicas de inves-
conta e vai ser um processo que, com alguma sorte, eu consiga em 60 tigação, como escuta ambiental, por exemplo. (PR/PE4, escrita).
ou 90 dias... (PR3, GF/PE).
Entre os participantes do Paraná, alguns dos entraves legais para atuação são
A leniência judicial e o excessivo rigor probatório exigido para a con-
especialmente enumerados. Os relatos de participantes lotados em Curitiba expõem
denação em tais casos, bem como a concentração de tais casos nos tri-
dificuldades e sugerem alternativas para lidar com este tipo de criminalidade:
bunais, em razão da prerrogativa de foro. Ausência de exaurimento das
instâncias revisoras. (PR/PE1, escrita). Penso que a maior dificuldade é a carência de recursos humanos, seja com
formação jurídica, seja com conhecimento técnico especializado, porque
A Polícia Federal está mais bem estruturada do que o MPF. O problema
quando se trata de investigar este tipo de crime a estrutura ordinária não
é o direcionamento que a gestão da PF dá aos recursos que estão dispo-
é suficiente. Nem mesmo apenas um membro conduzir tal investigação,
níveis, muitas vezes privilegiando uma região em detrimento da outra e
mesmo que com uma equipe boa, é suficiente. Não raras vezes, são mui-
o combate de determinados crimes em detrimento do enfrentamento da
tos os fatos delituosos, muitas imbricações, que se faz necessário haver
criminalidade econômica e da corrupção. (PR/PE3, escrita).
uma estrutura excepcional, ainda que temporária. (PR/PR1, escrita).
Um dos relatos enumera os principais obstáculos para atuação contra a crimi-
Acredito que as dificuldades se concentram nas limitações estruturais e
nalidade econômica e corrupção:
humanas das instituições que desempenham atividades de investigação
No MPF, a ausência de analistas em contabilidade e engenharia em nú- (ou seja, faltam servidores e equipamentos), inclusive no MPF. No MPF,
mero suficiente, assim como de servidores treinados e em número su- o excesso de trabalho e a nossa inapetência para selecionarmos os casos
ficiente para a realização de diligências externas. Ausência no MPF de mais relevantes para atuar também terminam por comprometer severa-
sistema que permita a interceptação telefônica, bem como de servidores mente a qualidade da repressão à corrupção. Para ilustrar: como tenho
treinados para operá-lo. Excesso de trabalho. Elevado lapso que se passa que atuar tanto em centenas de crimes ambientais de pequena monta
entre a ocorrência do fato criminoso e o momento em que eles chegam quanto num grande esquema de corrupção, não podendo concentrar
ao conhecimento do MPF. Pouca participação da sociedade na identifi- forças no último – que certamente tem repressão mais relevante –, os re-
cação e comunicação desse tipo de criminalidade. Resistências pontuais sultados terminam não sendo tão proveitosos. A implementação de ins-
do Poder Judiciário em deferir medidas cautelares em desfavor de deter- trumentos de seletividade de atuação criminal é muito importante nesse
minados réus. Na PF, a excessiva lentidão na condução dos inquéritos, aspecto. (PR/PR2, escrita).
o reduzido número de delegados preparados e interessados em atuar na
condução desse tipo de investigação. Poucos agentes e peritos, se compa- Entre os participantes do GF/DF as maiores dificuldades associadas à investiga-
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rado com o número de delegados. Divisão equivocada da lotação de poli- ção dos delitos econômicos e corrupção vinculam-se à carência de suporte técnico e à
ciais entre as regiões e entre capital e interior do Estado. Direcionamento falta de preparo e foco para investigações mais complexas. Nesse sentido:

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As principais dificuldades estão ligadas ao alto grau de incidência dessas tigativa nos casos de delitos econômicos e de corrupção. Não há agentes
ocorrências e à difícil obtenção de prova da materialidade e autoria cri- especializados em número e qualidade suficientes para atender a deman-
minosas. Os problemas na investigação realizada pela Polícia Federal são da. A investigação, também aqui, padece do grave problema da atividade
generalizados: morosidade, falta de objetividade, pequeno grau de solu- eminentemente cartorial, em grande parte desenvolvida pela seguinte se-
ção das investigações, deficiência de estrutura, conflitos internos entre quência “investigativa”: despacho para emissão de notificações voltadas à
delegados e agentes. (PR/DF1, escrita). recolha de documentos e depoimentos. (PR/MA1, escrita).

São crimes complexos cuja investigação interna exigiria pessoal treinado,


maior especialização e criação de núcleos especializados. A investigação
da Polícia federal, nestes crimes, é burocrática e pouco eficiente. São cri- 9 • O INQUÉRITO POLICIAL COMO INSTRUMENTO
mes cuja prova demanda análise acurada e demorada, e que por isto não
raro são deixados em segundo plano. Nos casos de maior vulto, quando PARA A INVESTIGAÇÃO
entregues a grupos especializados, é melhor o desempenho da Polícia
Federal. (PRR/DF1, escrita). As pesquisas realizadas na área apontam que os atores que integram diferentes
organizações que participam da divisão do trabalho jurídico-penal revelam distintas
Uma das entrevistadas ressalta a dificuldade para investigar os crimes econômi-
visões sobre o inquérito policial. Em pesquisa realizada com agentes de polícia, dele-
cos em relação à investigação e persecução penal de crimes tradicionais:
gados, promotores de justiça e juízes, predominam as críticas ao procedimento, retra-
Primeiramente, investigar esses crimes é culturalmente difícil. Há um tado como burocrático e moroso (Misse, 2010). Não teria a agilidade necessária para
consenso de que a densidade das provas colhidas tem que ser ainda maior a investigação. Destoa a imagem do procedimento para os delegados de Polícia Civil,
do que o necessário para uma condenação de outros tipos de delito, como que sustentam a necessidade de formalização dos atos de investigação, não importa o
tráfico de drogas ou crimes contra o patrimônio, por exemplo. Ou seja, nome que se proponha ao procedimento (Machado, 2013, 2014).
parte-se de uma dificuldade inicial maior, com a mesma estrutura defici-
tária e arcaica. (PR/RS1, escrita). O inquérito é objeto de duras críticas também para os procuradores da República.
Os sujeitos da pesquisa não divergem entre si quando o tema é a (in)eficácia do inqué-
A necessidade de medidas preventivas, tais como a existência de mecanismos de rito policial como instrumento para a produção preliminar de prova. O procedimento
controle por parte da administração pública, é destacada: é descrito como burocrático, moroso e ineficaz. E deveria ser substituído por formas
Em relação à corrupção (minha área), acredito que um trabalho inicial mais ágeis, que privilegiem a investigação. Nas falas também surgem as referências
feito pela Administração ajudaria bastante. Refiro-me a duas medidas às distintas funções policiais. Os peritos são visualizados como fundamentais para a
“preventivas”: (1) a estruturação de corregedorias efetivamente capaci- investigação, e desempenham um papel central para a futura persecução penal. Os
tadas e atuantes (no caso da administração federal, temos exemplo na agentes também são valorizados como os verdadeiros profissionais da investigação,
Receita Federal. Mas há ainda muitos órgãos que não conseguem reali- pela expertise adquirida “na rua”, pela prática na busca da prova. Alguns caminhos são
zar uma apuração disciplinar aproveitável); (2) controle efetivo sobre o sugeridos para contornar as deficiências do inquérito policial.
patrimônio e eventuais sinais de enriquecimento ilícito de servidores.
(PR/RS1, escrita). Os relatos dos procuradores da República em São Paulo sintetizam as principais
críticas ao inquérito: “Particularmente considero o inquérito policial excessivamente
O relato de procurador lotado no Estado do Maranhão relaciona dificul- burocratizado, formalista ao extremo” (PR/SP1, escrita). Os formalismos inúteis tor-
dades de distintas ordens, tanto teóricas (criminológicas e dogmáticas) quanto nariam o procedimento inadequado para o fim que deveria cumprir. Um dos relatos
pragmáticas e organizacionais: sugere caminho possível:
As principais dificuldades na investigação da criminalidade econômica [...] O inquérito policial deveria ser mais sucinto, contendo apenas as pro-
são: criminológica, visto que a sociedade e os agentes políticos em geral vas imprescindíveis para comprovar a materialidade e autoria do crime.
não compreendem nem rejeitam o crime econômico – nem o seu autor No caso de crimes fiscais, por exemplo, como a materialidade é a própria
– como deveriam; dogmática e técnica, porque determinados delitos eco- sonegação, já provada pelos documentos da Receita Federal na maioria
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nômicos, além da aparência lícita, dependem de elevada especialização das vezes, caberia à Polícia Federal colher elementos quanto à autoria, em
para apuração. A Polícia Federal carece ainda de muita estrutura inves- especial no caso de crimes relacionados com empresas. (PR/SP1, escrita).

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Entre os participantes do GF/SP, os procuradores arriscam um caminho para um desconhecimento ou indiferença em relação ao padrão probatório exigido judi-
contornar a “ineficácia” do inquérito policial. Uma saída interessante, pontuam alguns cialmente, o que revela desconexão entre investigação e persecução penal: “Excesso
dos entrevistados, seria estimular e criar padrões de atuação criminal nos órgãos de de formalismos, afastamento dos responsáveis pela investigação, demora exagerada
controle e inteligência. Desde o início deveriam ser percorridos, sempre que possível, no cumprimento de diligências simples, desconhecimento acerca das necessidades
os protocolos ou caminhos para aprofundar a autoria e elementos subjetivos do tipo. probatórias em juízo” (PR/PE1, escrita). Outra sugestão seria estimular a atividade
dos agentes de polícia nos procedimentos: “Excessiva burocracia. Protagonismo exa-
O ideal seria que, nos crimes fazendários, a investigação já começas-
cerbado da figura do delegado de Polícia, em detrimento da contribuição que agentes
se com um viés criminal dentro da própria investigação pública. A
Receita, com a materialidade e a autoria, que a notícia do crime fosse poderiam dar, por exemplo, na realização de oitivas” (PR/PE3, escrita). Um dos sujei-
comunicada o mais rápido possível, mas esperar o esgotamento da fase tos da pesquisa, lotado em ofício do NCC, sintetiza visão compartilhada por outros
administrativa... (PR3, GF/SP). membros em Pernambuco:

Mas a proposta não seria de fácil viabilização. Um dos relatos aponta, contu- A burocracia excessiva parece ser o principal problema. Boa parte das
do, a dificuldade de implantar o que é denominado “cultura de investigação crimi- páginas de um inquérito se refere a explicações sobre a demora na tra-
mitação, sobre a mudança de delegados, a despachos determinando pro-
nal” nessas organizações. Haveria dificuldade e, até mesmo, um receio em se apontar
vidências investigativas, entre outros, que nada ajudam na formação da
possível prática de crime:
opinião sobre o delito do Ministério Público. (PR/PE2, escrita).
[...] Não precisaria do inquérito se esses órgãos de fiscalização [...] eu
acho que é pouco provável, eles morrem de medo de apontar algum tipo
Os participantes do GF/DF apontam, de forma unânime, as principais deficiên-
de indício criminal, eles têm que ter certeza absoluta, falar cem por cento, cias do inquérito policial. Quando o inquérito policial propicia investigação ampla do
para eles mandarem pra a Polícia ou pra nós, pra gente começar a fazer a fato e enseja o arquivamento, o resultado é avaliado como positivo, pois teria cumpri-
investigação. Quando chega aqui, a gente tem que ouvir a pessoa de novo, do o fim a que se destina. Na fala dos sujeitos da pesquisa reforça-se a imagem de que
sempre tem alguma coisa pra fazer. Então, por exemplo, se as investiga- o Ministério Público não se constitui, no modelo brasileiro, em acusador implacável.
ções desses órgãos fossem mais completas [...] aí entra na Justiça e come- Se a investigação cumpre a sua finalidade, o esclarecimento do fato, em todas as suas
ça o outro complicador, porque os juízes são obrigados a cuidar de tudo, circunstâncias, merece a avaliação positiva. Essa não seria, contudo, a situação usu-
porque se você deixar eu tenho uma operação com 50 pessoas presas e al. A visão compartilhada é a de que, em regra, a grande maioria dos inquéritos são
eu perdi um prazo de um cara que furtou, bateu sem querer uma picape devolvidos para diligências complementares, por não atenderem condições mínimas
federal e quebrou o vidro. Se eu pegar um caso desse aí, eles vêm todos para a tomada de decisão pelos titulares da ação penal. Alguns arriscam que, entre 70
pra cima de mim, e eu tenho que tomar conta dos meus prazos todos da
e 80% dos inquéritos retornariam para novas investigações. Além disso, o cumpri-
mesma forma, o juiz a mesma coisa. (PR1, GF/SP).
mento delas é retratado como insatisfatório e raramente são plenamente atendidas.
E complementa em relação a projeto da 2ª Câmara: Grande parte dos arquivamentos decorreria da ausência de prova, entre outros moti-
vos, porque não atenderiam à necessidade da persecução penal. Entre os procuradores
A Câmara em matéria criminal tem projeto para treinar os outros órgãos,
da República lotados em Brasília, alguns dos relatos remetem à imagem de um pro-
cursos para orientar várias unidades justamente tentando dar esse viés.
cedimento kafkiano, sem foco: “Procedimento anacrônico, moroso, burocrático, que
De a Receita tentar descobrir quem realmente é responsável pela empre-
pouco serve para resolução das investigações em curso” (PR/DF1, escrita).
sa, quem foi que teve a iniciativa de fazer determinada coisa, [...] isso já
evitaria uma quantidade imensa de inquéritos [...] que se perca o medo No Paraná, os participantes da pesquisa não se limitam a reiterar críticas que
de fazer essas representações, porque ficou esse receio de sofrer algo por
surgem nos relatos dos demais sujeitos da pesquisa: “[...] morosidade, muitas vezes
ter apontado algum indício de penal, porque simplesmente eles [estão]
ocasionada pela grande quantidade de documentos complexos a analisar [...]” (PR/
cumprindo a obrigação deles, eles não estão acusando, em tese esse é o
PR4, escrita). Os relatos de boas experiências na interação com a PF em investigações
nosso papel. (PR4, GF/SP).
no Paraná são descritos como “ponto fora da curva”. A imagem é a de que, em razão
Entre os participantes da pesquisa lotados no Estado do Pernambuco, além da da expertise acumulada ao longo dos anos, na investigação de crimes econômicos,
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burocracia dos procedimentos, a ausência de direção efetiva nas investigações, sob especialmente a lavagem de dinheiro, teria sido propiciada a construção de parcerias
comando do delegado de Polícia, seria um ponto determinante. Além disso, haveria tópicas, orientadas pela pessoalidade e relações de confiança. O transcorrer da pesqui-

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sa coincide com a investigação, persecução penal e instrução das primeiras fases da te em outras nações –, ou seja, os anacrônicos delegados de Polícia. [...] A
operação “Lava a Jato” (MPF combate à corrupção – Caso Lava Jato, 2015). investigação policial criminal, como ocorre em todos os bons exemplos
no direito internacional, deveria ser expedita e desburocratizada, técnica,
A experiência das forças-tarefa é descrita como único modelo possível para e não judicialiforme, focada na coleta de provas a serem apresentadas
conduzir investigações complexas. O formato burocrático e a camisa de força dos atos e avaliadas em juízo, e deveria ser chefiada por policiais técnicos e ex-
formais, retratados como “inúteis”, do inquérito, transformam-se pela interação próxi- perientes, escolhidos por mérito, e que não precisam ser bacharéis em
ma entre diferentes atores; e o MP “assumiria protagonismo” na construção dialógica Direito. (PRR1/DF, escrita).
entre os atores envolvidos na investigação, com foco nos elementos probatórios consi-
Outros relatos, de procuradores lotados em diferentes unidades da federação,
derados relevantes, e sob uma perspectiva de longo prazo, que contemple a persecução
complementam a descrição do inquérito policial:
e futura instrução penal.
A Polícia Federal não tem uma equipe técnica disponível para tocar
A função de direção da investigação não deveria ser transferida ao MP. Esse não investigações, exceto para “operações” (em que é destacada uma equipe
seria o modelo adequado para o Brasil. Por outro, a repetição dos atos decorreria da específica, por tempo determinado). Em consequência disso, os inqué-
falta de credibilidade da prova inquisitorial entre os magistrados. Nesse sentido: ritos “ordinários” (incluindo vários fatos relevantes de corrupção, que,
entretanto, já não são atuais) são tocados lentamente, fazendo-se oiti-
O inquérito policial é bastante burocrático, e as investigações são ex-
vas, expedindo-se ofícios ou aguardando meses (às vezes anos) por uma
tremamente cartoriais, faltando dinamismo na produção de provas. A
perícia criminal. Essa é a regra para, pelo menos, 90% dos inquéritos.
Polícia Federal também sente os reflexos da ausência de instrumentos
Há excesso de burocracia e apego a formalidades cartorárias, na tenta-
de seletividade criminal, tendo de investigar muitos crimes de baixa rele-
tiva de seguir um modelo judicialiforme. Certamente se gasta enorme
vância. Outra dificuldade muito sentida na prática é a baixa credibilidade
tempo e recursos humanos nessa formatação de trâmite do inquérito
que o Poder Judiciário dá às provas obtidas no inquérito policial, sendo
policial. (PR/RS1, escrita).
comum termos que repetir a produção das mesmas provas na via judicial,
o que incha em demasia as pautas de audiência e enseja a morosidade da O distanciamento entre o delegado de Polícia e o titular da ação penal seria uma
aplicação de punições. (PR/PR2, escrita). das possíveis razões. Em outras palavras, a ausência de interações:
O inquérito policial simplesmente não deveria existir, nem a figura do O principal problema talvez seja a falta de contato entre o responsável
delegado de Polícia. Deveria ser implantado um modelo similar ao que pelo inquérito (delegado) e o destinatário desse trabalho (MPF), que
acontece na Europa e nos EUA, em que um investigador, que não preci- deverá formar sua convicção a partir do resultado da apuração. Há ape-
sa ser e normalmente não será bacharel em direito, integrante da Polícia nas submissão do resultado a cada período de tempo (90 dias, 120 dias
(penso que o MP deve ter poder de investigar e deve criar suas estruturas etc.), sem nenhum diálogo ou interação. O delegado faz o que quer (ou
próprias para isso, mas deve investigar apenas nos casos em que tal seja o que pode) nesse período, sem preocupar-se com o que efetivamente
especialmente recomendado. MP não é nem deve ser Polícia, por isso, precisa o titular da futura ação. Óbvio que isso não pode dar certo. (PR/
sou contra um modelo que transfere as funções do delegado de Polícia RS1, escrita).
para o MP). (PR/PR3, escrita).
[...] procedimento cartorial, no qual a autoridade policial, que deveria
A persistência do inquérito policial apenas ocorreria, avalia um dos participan- investigar (realizar atos de investigação, coordenar equipes de investi-
tes, por reafirmar a existência e a posição de comando de profissionais da área jurídica gação, levantar dados no local do crime, acompanhar levantamento de
na direção da PF. Assim: dados para perícias etc.), assume-se como juiz, limitando-se a despa-
chos. (PR/MA1, escrita).
É um instrumento anacrônico, que repete sem qualquer necessidade ou
razão jurídica, formatos e procedimentos judiciais, o que o torna um ar- O principal problema da PF atualmente é a morosidade das investi-
remedo de processo em que a maior parte do tempo e energia são gas- gações. Sob o pretexto de que eles têm muitos inquéritos e poucos
tos com encaminhamentos burocráticos e simples rolagens de prazo. delegados, nada anda, mesmo quando há a determinação expressa
Sobrevive com a única razão de justificar a existência de uma classe de do MPF no sentido de priorizar o caso, as investigações são morosas.
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dirigentes policiais obrigatoriamente bacharéis em Direito – o que inexis- (PR/PA1, escrita).

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Um dos participantes, lotado no interior do Mato Grosso do Sul, relata a preca-


10 • A ESTRUTURA DA POLÍCIA FEDERAL E A
riedade das diferentes organizações no local de atuação:
DEFINIÇÃO DE SUAS PRIORIDADES
Não há delegacia da Receita Federal na região; crimes de corrupção, em
geral, não são flagrados nem delatados; faltam testemunhas; inquéritos
sobre corrupção e criminalidade econômica, em geral, demoram para ser
A estrutura da PF é representada como inadequada para as diferentes funções as-
concluídos, o que pode levar a prescrição. [...] procedimento “burocrá- sumidas. Elogia-se a qualificação dos peritos e a especialização do Instituto Nacional de
tico”, com excesso de formalismos a serem cumpridos pela autoridade Criminalística. Contudo, a estrutura é insuficiente para atender as inúmeras demandas
policial e pelos agentes/escrivães. Faltam delegados e agentes, setor de e, em regra, não atendem diretamente as investigações do MPF. Na visão compartilhada
perícias sobrecarregado, faltam aparatos tecnológicos para investigação e durante o trabalho de campo, a estrutura pericial é destinada precipuamente para as
seria conveniente treinamento especializado para criminalidade de cor- investigações da PF. Os procuradores apontam que muitos policiais são destacados para
rupção e econômica. (PR/MS1, escrita). atividades burocráticas, especificamente cartoriais. Além disso, as funções administra-
tivas, tais como a emissão de passaporte, fiscalização da segurança privada e da comer-
Pela análise dos inquéritos envolvendo esta temática da corrupção e da
cialização de produtos químicos, concorrem com a função de Polícia Judiciária. Além
criminalidade econômica, tenho sérias dúvidas se a má condução resulta
da desídia dos delegados ou de incapacidade técnica para conduzir uma
da estrutura insuficiente para assumir investigações complexas, constantemente haveria
investigação. [...] Os inquéritos são lentos e malconduzidos. A PF parece transferências de policiais, com repercussões diretas sobre a tramitação dos procedi-
não saber aonde quer chegar com a investigação e vai fazendo diligências mentos. Os procuradores ressentem-se de que os agentes, muitas vezes retratados como
soltas. Muitas vezes se passam meses tentando intimar um investigado e “verdadeiros profissionais da investigação”, são desprestigiados na PF.
deixa-se todo o resto de lado. (PR/PA1, escrita).
Os diversos relatos de pesquisa indicam que os procuradores desconhecem
Friso que despacho em todos os meus inquéritos policiais. Na grande totalmente os critérios definidos pela PF para definir suas prioridades. Não haveria
maioria, faço despachos longos de diligências. O inquérito vai para qualquer transparência. Os participantes da pesquisa ressentem-se de que, sequer as
o delegado e só sai para cumprimento das diligências solicitadas grandes operações, em regra, decorreriam de um diálogo prévio com o titular da ação
com o despacho dele, algo absolutamente desnecessário. O agente de penal para definir estratégias quando o caso é levado ao Judiciário.
Polícia poderia já cumprir desde já as requisições. Isso atrasa bastan-
te os meus casos, não obstante o tempo de tramitação em [cidade] Entre os integrantes do GF/DF, alguns dos relatos recordam que a estrutura dis-
tenha melhorado bastante depois da atuação da Corregedoria-Geral ponibilizada para a PF é melhor que a do MPF. Porém, é insuficiente para as inúmeras
da PF no ano de 2012, após diversas representações que o MPF fez. atividades e funções assumidas. Na gestão dos recursos escassos, os participantes de
Então, elenco como deficiências do inquérito policial: formalidades Brasília enfatizam a falta de transparência na definição das prioridades pela PF. Alguns
excessivas, desde a portaria de instauração (comunicações internas dos relatos enfatizam as dificuldades para o exercício do controle externo da Polícia.
simples são realizadas por ofícios, memorandos); somente o delegado Recentemente, a um grupo de procuradores foi negado acesso aos procedimentos de
pode despachar no inquérito policial (os escrivães nem podem minu- investigação que tramitam na direção da PF. Um dos procuradores explicita que, ape-
tar despachos, algo que até os analistas e estagiários do MPF fazem.
sar de se desconhecerem os critérios, é possível imaginar as razões que movem a aloca-
Conforme ouvi de um delegado aqui de [cidade], as minutas pode-
ção dos recursos policiais para as investigações: “Notamos que, quando há repercussão
riam aumentar o poder dos escrivães contra os delegados). Outros
política ou para a corporação, há um empenho maior com aquela investigação. E ela
pontos: se o MPF der um prazo de prorrogação na investigação de
90 dias, a maioria dos delegados só pegam os autos do armário antes
tem um andamento que as outras não têm [...]” (PR1, GF/DF).
de terminar o prazo. Assim, creio que a concessão de prazos longos, Os relatos de procuradores lotados no DF complementam a imagem suge-
120 e 90 dias, só atrasem mais a investigação. A necessidade de a PF
rida pelos GF/DF:
instaurar inquérito policial para tudo (o que demoraria, pelo menos,
30 dias), sem procedimentos mais simples, dificulta, pois é necessária A estrutura da Polícia é manifestamente inadequada para investigar esses
toda aquela formalidade. (PR/RJ1, escrita). crimes. A Polícia Federal define suas prioridades sem qualquer transpa-
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rência nos critérios estabelecidos, atendendo a uma pauta oculta que lhe Minha impressão, em pouco tempo de atuação criminal, é que a PF sele-
é própria. (PR/DF1, escrita). ciona as investigações que deseja fazer, normalmente as designa de “ope-
rações”, e relega a todas a demais investigações um tratamento estrita-
Um dos participantes, procurador regional da República, destaca os principais mente burocrático e ineficiente. Talvez eles também não tenham recursos
aspectos estruturais que prejudicam a atuação da PF: humanos e especializações suficientes para fazer face à generalidade das
notícias de crime. Comparando com a Receita Federal, p.ex., esta tem um
Reproduz as distorções do inquérito, com muitos servidores voltados
amplíssimo poder de seleção do que irá fazer (a despeito de o lançamen-
para a simples burocracia – escrivães, delegados –, e menos do que o
to tributário ser atividade “plenamente vinculada” – CTN, art. 142 – tão
necessário focados na investigação em si, ou seja, agentes e peritos. Não
obrigatória quanto a “obrigatoriedade da ação penal”), enquanto o MPF
há qualquer transparência, e sequer o MPF – que deveria exercer o con-
trole externo – sabe como são definidas ou integralmente quais seriam as (e a PF) é obrigado a investigar e processar tudo. Essa visão antiga, pró-
prioridades da Polícia Federal, o que é particularmente perigoso em se pria do direito penal clássico – e incompatível com o direito penal eco-
tratando, como é o caso, de instituição subordinada inteiramente a pode- nômico –, do princípio da obrigatoriedade da ação penal faz com que o
res políticos (PRR/DF1, escrita). MPF torne-se um órgão extremamente burocrático (somado ao cada vez
maior controle burocrático exercido por uma plêiade de órgãos internos
Entre os participantes do GF/PE, alude-se à superioridade da estrutura da PF e externos) que perde o protagonismo (paradoxalmente) para os órgãos
em relação à disponibilizada ao MPF. A estrutura seria necessária para as investiga- administrativos do Poder Executivo (mesmo esses não tendo “indepen-
ções. Raramente os procuradores podem prescindir do suporte da PF para suas inves- dência funcional” nem autonomia institucional). (PR/PR3, escrita).
tigações. Um dos relatos explicita o argumento: “A estrutura da Polícia é bem melhor
Os relatos de procuradores lotados em outras unidades da federação permitem
que a do MP, embora ainda deva ser aperfeiçoada. Não tenho a mínima ideia de como
uma visão mais ampla sobre a estrutura da PF e os critérios pouco transparentes para
a PF define prioridades. Isso não é transparente” (PR/PE2, escrita). E complementa:
definir prioridades na investigação. Procurador lotado em São Luís dirige a crítica à
Ainda falta estrutura para o MPF, inclusive treinamento para servidores estrutura da PF em relação aos delitos econômicos e corrupção: “A estrutura é insu-
e membros. Também há relativamente pouca troca de experiências, por ficiente: não há policiais em número suficiente preparados para a apuração do crime
meio de grupos de pesquisa e meios análogos. Também a Polícia tem pro- econômico e da corrupção” (PR/MA1, escrita). As críticas à estrutura, em outras lo-
blemas de falta de estrutura e de pessoal. Mas, as mudanças de delegados calidades, permitem aprofundar o conhecimento sobre as dificuldades para atuação:
na titularidade dos inquéritos e de estrutura nas superintendências atra-
palham. As prioridades da Polícia também são definidas de forma pouco A estrutura da PF é insuficiente. As deficiências alegadas pela PF são fal-
transparente. (PR/PE2, escrita). ta de pessoal e estrutura. No Estado do Pará o Departamento de Polícia
Federal alega não ter dinheiro para efetuar diligências no interior do
Entre os relatos dos procuradores lotados em Curitiba e no interior do Paraná, Estado, o que prejudica sobremaneira as investigações. As investigações
as críticas são compartilhadas em relação à insuficiência da estrutura da PF para in- também não andam porque os delegados estão sempre em missão e fora
vestigações mais complexas. Outro relato de procurador lotado em Curitiba alude às da condução dos inquéritos policiais. [...] As investigações que obtive-
ingerências políticas e administrativas na atuação da PF: ram maior sucesso resultaram de relacionamento com outros órgãos
públicos, como CGU, Ibama, RF, e não com a PF. (PR/PA1, escrita). [...]
A estrutura da Polícia parece não adequada por vários motivos, inclusive Os agentes da PF têm tentado uma aproximação, mas sem a aprova-
ingerência política e administrativa e falta de recursos humanos e materiais. ção dos delegados. Já consegui efetuar algumas diligências pontuais em
Mas existe um fator que prejudica extremamente a investigação: a oposição PICs desta forma. (PR/PA1, escrita).
ao MP e a posição de competição com o MP, de maneira que a Polícia não
aceita o protagonismo do MP na persecução penal. (PR/PR3, escrita). Certamente a estrutura da PF não é adequada. Basta ver que as UDRPs
(unidades criadas em todo o Brasil especificamente para enfrentamen-
A deficiência da estrutura para a recuperação de recursos públicos da PF é to de corrupção) possuem estrutura precária. Não há quadro pericial
objeto de crítica. A necessidade de flexibilizar o princípio da obrigatoriedade da ação específico e suficiente, nem número de agentes suficiente para compor
penal surge de forma reiterada nos relatos dos sujeitos da pesquisa. Na prática a PF, equipes. No caso de Porto Alegre, a UDRP trabalha sob demanda (basica-
assim como o MPF, perderiam protagonismo para outras organizações como a Receita
• Tomo 2 •

mente, à medida que os fatos vão chegando ao conhecimento da Polícia).


Federal, que estabelece prioridades e atua seletivamente: As operações recentes (investigações de maior vulto) foram realizadas em

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

combinação com o MPF (em alguns casos, a partir de demandas do pró- que aboliu os crimes antecedentes. Agora qualquer delito, até uma con-
prio MPF). Aqui, a criação do NCC permitiu essa interação mais efetiva travenção penal, pode ensejar uma lavagem de ativos. Então você imagi-
sobre os temas de atuação da UDRP e quais investigações deveriam ser na o número de crimes de lavagem, agora imagine cinco varas no Estado
priorizadas (PR/RS1, escrita). de São Paulo para julgar isso no âmbito Federal! Estão aí abertas as portas
para a prescrição, ou a gente vai rever esse negócio da especialização e vai
Nenhum órgão no Brasil tem uma estrutura adequada. A escassez huma- atribuir isso para todos os juízes, jogar em suas varas, ou a gente vai ter
na e estrutural parece que é geral. Contudo, vejo uma escassez maior na que trabalhar, pelo critério da seletividade mesmo, os casos que são mais
PF no setor pericial. Acho que são poucos peritos. O grande problema é importantes. (PR1, GF/SP).
a concentração de atos. Numa delegacia que tenha, por exemplo, 4 dele-
gados e 20 agentes, as diligências poderiam estar sendo conduzidas por Os participantes avaliam, contudo, que condutas graves, como a corrupção, se-
24 policiais. Mas, não; se tudo não receber o despacho de apenas 4 servi- riam apenadas de forma branda ou insuficiente em relação à gravidade da conduta.
dores públicos (delegados), a investigação não anda. Então, não acho que Critica-se o que é descrito como cultura da pena mínima. Práticas graves, extrema-
o problema (com exceção do setor pericial) seja a falta de estrutura, mas, mente danosas à sociedade, não receberiam a resposta adequada e justa:
sim, a concentração de atos (PR/RJ1, escrita).
[...] para o Ministério Público conseguir no judiciário que essa pessoa seja
condenada a 4 anos, meu amigo, tem que ser o satanás (risos), tem que ser o
demônio na Terra, caso de 12 eu desconheço. Não existe, posso garantir para
11 • A ESTRUTURA DA JUSTIÇA FEDERAL E AS DIFICULDADES PARA vocês, eu sou Nero se alguém pegou 12 anos na história do Brasil por pecu-
lato, eu peço a exoneração, ele pode pegar o dinheiro todo da construção do
ATUAÇÃO EM CASOS DE CORRUPÇÃO E DELITOS ECONÔMICOS Tribunal Regional do Trabalho, ele não pegou 12 anos. (PR1, GF/SP).

Os sujeitos da pesquisa apresentam visão complexa sobre o Judiciário. A es- [...] Em relação à corrupção, me parece que a grande dificuldade são os
valores envolvidos, que acabam gerando grande interesse da mídia por
trutura é descrita como inadequada para a instrução e o julgamento dos casos mais
alguns casos. Além disso, quando há suspeita de corrupção na própria
complexos. A especialização das varas seria um dos caminhos. Porém, avaliam os par-
Polícia Federal, a situação se complica, diante da ausência de estrutura
ticipantes da pesquisa, nem todos os juízes teriam o perfil para atuar em delitos eco- para realizar tal investigação no âmbito da Procuradoria da República em
nômicos e corrupção. Em regra, os casos mais complexos seriam preteridos. A demora [cidade]. (PR/SP2, escrita).
na prestação jurisdicional é recorrente nas falas dos procuradores. Critica-se o que é
descrito como “cultura da pena mínima”, pois não haveria uma reprimenda suficiente Já em relação aos crimes de corrupção, apesar de não existir um grande nú-
para a gravidade do dano social. Por outro lado, enfatiza-se que a legislação penal e mero na Subseção de [...], parece-me que a dificuldade é a morosidade do
processual seria um entrave. As penas cominadas para delitos graves seriam despro- processo em razão das dezenas de possibilidades recursais. (PR/SP1, escrita).
porcionalmente leves. As constantes nulidades processuais, não raramente, levariam à Entre os procuradores do GF/PE, predomina a visão de que os crimes econô-
ineficácia dos julgamentos, pela via da prescrição. micos seriam prioritários para os juízes. A forma de cobrança das corregedorias aca-
Em São Paulo, a especialização das varas de lavagem de dinheiro é objeto de dis- baria estimulando que os casos mais complexos fossem colocados em segundo plano.
cussão. Os relatos dos participantes do GF/SP apontam a relevância da especialização. Um dos participantes do grupo de Recife recorda experiência no interior do Estado.
Mas haveria também o risco de se sobrecarregar a estrutura criada, o que demandaria Depois de anos, alguns casos ainda estariam tramitando pelos tribunais superiores.
também a atuação seletiva do MPF: A morosidade seria um entrave importante (PR1, GF/PE). Os integrantes do GF/PE
relatam que a especialização levou a uma melhora do Judiciário Federal na atuação na
No âmbito Federal ocorreu essa experiência da especialização. Aqui em área de improbidade administrativa e corrupção. As razões seriam variadas. O papel
São Paulo mesmo tem cinco varas especializadas, três em São Paulo, uma do CNJ na definição de metas e o controle mais próximo e efetivo teriam um efeito
em Campinas, e outra em Ribeirão Preto. Hoje se fala sobre a legalida- positivo na gestão dos procedimentos. Nesse sentido:
de de você especializar varas de competência territorial por meio de ato
administrativo, a especialização foi por meio de ato administrativo, mas Eu posso dizer que, quando eu entrei, em 2002, as ações de improbidade
• Tomo 2 •

vingou no Supremo. [...] A gente vislumbra, com essa especialização, pro- e ações cíveis ou penais contra gestores, elas tinham... É uma coisa que
blema ainda maior: agora, em 2012, teve uma reforma da lei de lavagem mudou, porque nos primeiros anos eu me recordo que nem julgamento

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

eu via [...], então, eu cito o caso de Alagoas que então, assim, tudo bem Como atuo aqui perante a 13ª Vara Criminal em Curitiba, vejo sim uma
que eu saí da área estadual para a área federal, onde os órgãos são estrutu- atitude correta dos juízes que lá judicam. Seus recursos humanos são bem
rados, porque tem um serviço público mais bem organizado, sabe, mas eu mais adequados do que os do MPF, muito mais. Mas, ainda assim, têm
acho tem várias razões... A criação do CNJ eu acho que ajudou; a Justiça suas limitações, inclusive em razão da visão ultrapassada do princípio da
tem melhorado a gestão de processos, as regras... (PR1, GF/PE). “obrigatoriedade da ação penal”. (PR/PR3, escrita).

A divergência não estaria tanto entre procuradores e magistrados em primeira Além disso, o juiz deve estar comprometido e priorizar a instrução da causa,
instância, mas em relação à posição das instâncias superiores: que, normalmente, supera a estrutura, inclusive das especializadas. Uma das entrevis-
tadas, lotada em ofício criminal de Curitiba, destaca o que considera como principal
Onde é que a gente tinha muita discordância? [...] Então esse tipo de
dificuldade para atuação das organizações, inclusive do judiciário: “O volume de in-
situação não decorre nem tanto pelo tipo de visão, tá entendendo, do
formação e a complexidade das relações. Deveria haver a constituição temporária de
Ministério Público e da Justiça [...] nós temos uma diferença de pensa-
mento entre quem está no 1º e no 2º graus, porque os próprios juízes de
forças de trabalho para fazer frente a grandes operações” (PR/PR1, escrita).
1º grau pensam diferente. (PR4, GF/PE). Alguns dos relatos dos participantes do Paraná propiciam visão ampla sobre o
Os processos são em regra demorados, com muitos volumes de provas, Judiciário e os juízes. Uma vez mais, a “cultura da pena mínima” é objeto de crítica:
réus, chicanas processuais etc. Creio que é a maior dificuldade. Também
De se mencionar principalmente a dificuldade de produção de provas,
noto pouco conhecimento dos juízes quanto à importância da temática,
decorrente da falta de estrutura, que termina por se repetir na via ju-
arraigados que ainda estão ao paradigma de crimes violentos como os de
dicial. Além disso, convenhamos que a pena mínima do crime de cor-
real gravidade. (PR/PE2, escrita).
rupção ativa e passiva é muito baixa. Isso, aliado ao fato de o Poder
Em regra, a estrutura do judiciário é adequada. Porém, há mudança ex- Judiciário de regra aplicar a pena mínima e substituí-la por penas res-
cessiva de juízes, sobretudo substitutos, nas varas que tratam desses cri- tritivas de direito, termina por desacreditar a repressão criminal aos
mes. Em regra, os juízes preferem varas cíveis, de modo que não são ex- crimes de corrupção. (PR/PR2, escrita).
perientes ou mesmo vocacionados para tratar dos temas. Não vejo prio- Penso que a estrutura é insuficiente, especialmente em Varas Federais
rização desses crimes, principalmente pelo afã de gerar números altos sem especialização, que sofrem avalanches de ações previdenciárias e
nas estatísticas, o que se consegue mais facilmente nos feitos envolvendo terminam por deixar as ações penais e ações civis públicas por prática
crimes menos complexos. (PR/PE2, escrita). de improbidade administrativa em plano secundário. Aqui não realizo
Prevalece uma concepção do processo como um fim em si mesmo, a crítica aos juízes federais que atuam em varas sem especialização, pois, se
ensejar infindáveis nulidades; há leniência dos tribunais com tais cri- eu fosse magistrado e recebesse anualmente 5.000 ações previdenciárias
mes. O juiz, premido pela estatística, prefere dar atenção aos proces- (o que é a regra), também terminaria por priorizá-las, pois, do contrário,
sos simples que se multiplicam, pois não pode parar a Vara para anali- em poucos anos teria um estoque de dezenas de milhares de processos
sar processos complexos, sob pena de problemas com a Corregedoria. para julgar. Pelo que vivenciei, os crimes de corrupção e contra a ordem
(PR/PE1, escrita). econômica não são priorizados, sendo julgados com a mesma delonga
que os demais (PR/PR2, escrita).
Um dos relatos, contudo, pontua que, em Recife, as varas especializadas não
negligenciariam o julgamento dos delitos econômicos e corrupção: “A estrutura é ade- Entre os integrantes do GF/DF, a necessidade da especialização do Judiciário é
quada. As Varas Federais em Pernambuco são razoavelmente rápidas e, se não priori- compartilhada entre todos. Contudo, um dos participantes enfatiza que, ainda assim,
zam, também não negligenciam o julgamento desses crimes” (PR/PE3, escrita). os efeitos da qualificação técnica e expertise na área não teriam produzido os efeitos
desejados, e critica a morosidade na instrução e julgamento. Os casos mais graves não
A realização da fase qualitativa da pesquisa coincidiu com as primeiras fases seriam necessariamente priorizados. Um dos participantes, procurador regional com
da operação “Lava a Jato”, em Curitiba. Alguns dos relatos referem-se à importância atuação na PRR1, pontua aspectos da prova que dificultam a instrução: “São processos
de um magistrado especializado, com conhecimento teórico e experiência prática em complexos que exigem, a uma, análise profunda de vasta gama de provas e, a duas, li-
relação à criminalidade econômica. A especialização dos juízes é elogiada por um dos dam com situações em que a prova terá de ser construída a partir de indícios, pois são
• Tomo 2 •

procuradores da capital paranaense: crimes que ocorrem, em regra, na sombra” (PRR/DF1, entrevista).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Em um dos relatos de procurador lotado em Brasília, a morosidade seria um


dos principais problemas:
12 • ATUAÇÃO DOS TRIBUNAIS REGIONAIS
A estrutura do Poder Judiciário é inadequada, não há especialização,
E DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
como regra, para esses julgamentos e, diante do maior grau de dificuldade
nesses casos, as ações penais acabam demorando mais do que o comum Os sujeitos da pesquisa são críticos em relação à atuação dos Tribunais Regionais
para o seu desfecho. (PR/DF1, escrita). Federais e, especialmente, quanto ao desempenho dos Tribunais Superiores. As críticas
quanto à morosidade são recorrentes quando o tema é a atuação dos Tribunais Regionais
Os relatos de procuradores lotados em diversos estados permitem complemen- e Superiores. A prescrição, não raramente, ocorreria na fase recursal. Os relatos apontam
tar a descrição dos principais obstáculos identificados para a instrução e julgamento que haveria, não raramente, tratamentos diferenciados para os réus envolvidos em deli-
dos crimes econômicos e da corrupção. Nem todos compartilham que a estrutura seja tos econômicos. Da mesma forma, a ausência de especialização para os crimes econômi-
inadequada. Predomina a visão de que os juízes não priorizariam a instrução e o jul- cos e corrupção é vista como determinante para o desfecho dos julgamentos.
gamento dos crimes dessa natureza:
Alguns dos relatos sugerem que os critérios políticos para a composição dos
Aparentemente há falta de interesse dos magistrados. Não há priorização tribunais seria uma das “vias de entrada” das interferências indevidas no julgamento
de julgamento, e muitas vezes o que se percebe é a falta de interesse e sen-
dos “casos graves de corrupção”. Um dos relatos recorda o julgamento do “Mensalão”
sibilidade dos juízes em apreciar estes tipos de crime. (PR/PA1, escrita).
como exemplo que poderia, futuramente, levar a mudanças importantes:
A maioria das varas especializadas ainda não o são plenamente. Não há
Essa atuação deixa muito a desejar [...], mas tem evoluído, sobretudo em
turmas especializadas nos tribunais. Há uma sensibilidade incomum para
razão da ação penal do Mensalão. (PR/PE4, escrita).
o criminoso do colarinho branco, não vista para o criminoso em geral.
[…] Há baixa especialização profissional, pesquisa dogmática insuficien- Os problemas da primeira instância se repetem, com maior gravidade,
te e limitada dos delitos econômicos, aproximação social entre o crimino- especialmente porque os modos de nomeação para os tribunais sofrem
so do colarinho branco e o poder judicial. (PR/MA1, escrita). influências políticas. (PR/PE2, escrita).

Procuradora lotada em NCC em Porto Alegre expõe sua visão sobre a estrutura Em regra é péssima, pois utilizam pesos diferentes para os crimes cometi-
das Varas Federais e a tendência jurisprudencial em relação ao tema: “Acredito que a dos pelas camadas pobres da população e para os crimes de colarinho bran-
estrutura seja adequada. Não vejo priorização no julgamento dos fatos envolvendo co, inclusive alterando jurisprudência conforme o caso. (PR/PE1, escrita).
crimes econômicos e corrupção” (PR/RS1, escrita). E complementa:
O conservadorismo dos tribunais na apreciação de demandas envol-
Acredito que a consolidação da jurisprudência, dificultando sobremanei- vendo esse tipo de crime. No âmbito do TRF da 5ª Região, os julga-
ra a condenação desses crimes (e mesmo estabelecendo requisitos não mentos têm ocorrido em prazo razoável. O problema é a leniência e
previstos no tipo penal), é o principal fator a dificultar o julgamento e a a dificuldade do TRF e até mesmo dos juízes em trabalhar com prova
efetividade na persecução. (PR/RS1, escrita). indiciária. Outra dificuldade é a imposição de penas baixas para crimes
graves pelo TRF. (PR/PE3, escrita).
Um dos relatos, de procuradora lotada no interior do Rio de Janeiro, apesar de
apontar a falta de especialização e vocação do magistrado como entraves importantes, Um dos relatos critica, especialmente, os julgamentos dos fatos em que há foro
ressalta que a investigação inadequada seria determinante para o desfecho judicial: privilegiado. O principal inconveniente seria a total inadequação para a instrução pro-
batória perante Tribunais Superiores:
Não vejo, particularmente, muito problema com a Justiça Federal.
Quando a investigação é objetiva, com provas contundentes, mesmo A principal dificuldade me parece ser um intervencionismo exagerado
que possamos dizer que o Judiciário é lento, que demora, tudo fica mais dos Tribunais Superiores na instrução, impondo restrições não previs-
fácil. O fato é que temos investigações lentas, provas frágeis e o tempo tas em lei à marcha do processo, quando não trancando a ação penal,
de tramitação do inquérito. O caso já chega ao Judiciário como um di- provisória ou definitivamente, a partir de construções ultraliberais não
nossauro. Contudo, se fosse eleger um grande problema no Judiciário, agasalhadas em nosso ordenamento jurídico, tampouco em sistemas ju-
• Tomo 2 •

diria que a falta de especialidade e vocação de um juiz no tema atrapa- rídicos de outros países civilizados. [...] Em geral, a estrutura não é ade-
lha muito. (PR/RJ1, escrita). quada. O problema maior está na 2ª instância e nas instâncias superiores,

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

sendo mais grave nos casos de foro privilegiado, já que os tribunais não atuação pouco técnica e completamente divorciada da análise global dos
são apropriados para instrução probatória. A instrução criminal requer fatos e da repercussão de suas decisões. (PR/RS1, escrita).
exclusividade de atuação, o que não se verifica nos Tribunais Superiores.
[...] especialmente o reconhecimento de prescrição intercorrente. Há con-
A priorização ou não desses feitos varia de juiz para juiz. Não obstante as
denações em primeira instância, mas, em grande parte dos casos, há inci-
metas do CNJ, alguns juízes deixam a desejar. (PR/PE4, escrita).
dência da prescrição por conta da demora no julgamento dos recursos. Este
Uma das questões relevantes na discussão com o GF/PE são as constantes nuli- é um ponto nevrálgico nestes tipos de crimes. (PR/PR1, escrita).
dades reconhecidas pelos tribunais para determinar novos julgamentos: Acredito que a condescendência com os que praticam tais crimes –
Eu concordo com eles. Primeiro a gente tem que fazer essa pergunta pra muito comum no passado – está sendo sutilmente atenuada com o pas-
depois obter a resposta: Em quanto tempo a sociedade acha que o proces- sar dos anos. No entanto, todos sentimos falta da aplicação de penas
so [...] tem que ser julgado, por exemplo, na Justiça na primeira instância privativas de liberdade, em regime fechado, lógico, para os agentes que
e depois ir para o Tribunal? Tem que primeiro fazer essa pergunta para os praticam (PR/PR2, escrita).
responder e analisar o critério pra responder à questão. O que estou per- Frequentemente adotam posições contra a persecução penal, suposta-
cebendo é o seguinte, em termos de recursos humanos, as Varas Federais mente baseadas na proteção de direitos fundamentais, que não encon-
estão estruturadas pra poder prestar jurisdição de forma certa; [...] e o tram paralelo nos inúmeros países que compõem o “1º mundo” e que são
processo anda, e anda em um prazo que se não é ideal é razoável; os pro- (e foram) as matrizes de tais direitos. (PR/PR3, escrita).
cessos vão sendo julgados, os menos complicados em menos de um ano,
e os mais complicados são julgados em dois, três anos, que são situações São especialmente críticas em relação ao Tribunal Regional da 1ª Região algu-
que envolvem uma série de pessoas [...]. O que acontece? Nós temos um mas declarações: “Minha avaliação é muito negativa, seja pela morosidade, pela falta
processo hoje estabelecido [...] pródigo em anular qualquer irregularida- de prioridade ou mesmo pela dificuldade de compreensão a respeito dessa criminali-
de que um processo tenha. (PR1, GF/SP). dade” (PR/DF1, escrita). A crítica estende-se aos Tribunais Superiores:
E complementa: O TRF 1 é lento e, quando o resultado destas ações aparece muitos anos
depois, é, na maioria das vezes, frustrante. Adotam-se posicionamentos
O que acontece? Você entra com um processo criminal cuja prova é ro- que sempre privilegiam os criminosos em detrimento da sociedade. Os
busta, tanto da materialidade do crime quanto da autoria [...] por um Tribunais Superiores padecem do mesmo problema em relação à demora
motivo qualquer, porque embora você tenha intimado, por exemplo, o do julgamento e à tolerância com a criminalidade econômica e/ou cor-
advogado do réu pra audiência e não intimou o réu, o Tribunal anula rupção. (PR/PA1, escrita).
todo aquele trabalho. Muitas vezes o que acontece? Muitas vezes os juízes
das Varas federais têm que ter muito cuidado na condução desses proces- O relato de procurador regional explicita sua visão tanto dos Tribunais Regionais
sos, porque a defesa desse tipo de réu é muito bem preparada, e alega o quanto dos Tribunais Superiores:
que pode e o que não pode pra conseguir um novo julgamento [...]. Tudo
é questão cultural. (PR1, GF/PE). Ainda pobre a jurisprudência, em não poucos casos ainda calcada em con-
ceitos antigos formulados para crimes mais tradicionais e/ou para eras an-
Alguns dos relatos de procuradores lotados no Paraná e Rio Grande do Sul su- teriores, com menor integração tecnológica. Para exemplificar basta citar a
gerem visão distinta em relação ao TRF da 4ª Região. Mas, são críticos em relação aos sacralização do conceito de sigilo bancário no País, considerado como par-
Tribunais Superiores: te do direito constitucional à privacidade, conceito inexistente por exemplo
nos EUA, e reduzido a uma esquizofrênica reserva de jurisdição quando
O TRF 4ª Região consome um tempo razoável (não excessivo) para os demandado para investigações criminais pelo MP ou Polícia, embora cir-
julgamentos, dentro da realidade nacional (que é demorada). Sua juris- cule normalmente via Coaf para as comunicações de operações suspeitas
prudência, também dentro do contexto dos demais Tribunais Federais, na lavagem de dinheiro. É exemplo típico – e não único – de situação em
é mais favorável à efetividade da persecução. Em suma, a resposta que o que a jurisprudência dos Tribunais Superiores deverá obrigatoriamente
MPF espera do TRF4 é boa, na média dos casos. Quanto aos Tribunais evoluir para abarcar a realidade complexa, moderna fluida dos crimes atu-
• Tomo 2 •

Superiores, especialmente o STJ, a perspectiva é bem pior. Espera-se uma ais das categorias abrangidas pela pesquisa. (PRR/DF1, escrita).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

A visão coincide com a de outra procuradora regional entrevistada, que dirige a A profundidade e expertise das informações recebidas do Bacen e do TCU
crítica especialmente aos Tribunais Superiores: são fundamentais para a persecução penal, prescindindo-se, em alguns casos, do
inquérito policial. Os participantes ressentem-se, contudo, da demora na remessa
A interpretação que é conferida pelos Tribunais Superiores em relação aos
das informações, inviabilizando-se, muitas vezes, a propositura da ação penal pela
referidos tipos penais é muito liberal. Dificuldades relacionadas às provas
da infração penal, pois são crimes que podem ser considerados invisíveis,
prescrição. Se os procedimentos são elogiados pela precisão técnica, as conclusões
e demora no julgamento dos processos. [...] Os julgadores, em sua maioria, nem sempre seriam adequadas. Na visão compartilhada pelos participantes da pes-
são complacentes com esses tipos de delitos. (PRR/SP1, escrita). quisa, aparentemente haveria um receio generalizado de identificar nos relatórios
administrativos indícios da prática de crime. A atuação da AGU é objeto de crítica
Outros relatos são igualmente críticos, especialmente em relação aos Tribunais entre alguns dos participantes, nota-se distanciamento, e a imagem é a de que “atu-
Superiores. Predomina a visão de que o julgamento seria diferenciado, conforme a ariam conforme critérios próprios”.
posição social e econômica do acusado:
A qualidade das investigações realizadas pela Receita Federal é ressaltada pelos
[...] Demora nas investigações, possibilidade de prescrição, falta de tes- procuradores. A seletividade da Receita Federal, que traça critérios de atuação segun-
temunhas, maior rigor da jurisprudência para a caracterização do dolo do metas previamente discutidas e atua discricionariamente nos casos considerados
nesses crimes. [...] Parece-me que feitos envolvendo esses crimes trami-
prioritários, deveria inspirar a atuação do MPF. Assim, abdica-se daquilo que não é
tam como os demais, perdendo-se, portanto, em meio ao elevado volume
estabelecido nos planos de metas em determinada área. A forma de atuação é elogiada
de processos na Justiça Federal. [...] Posso estar enganado, mas, infeliz-
mente, a minha percepção é que o garantismo aumenta de acordo com a
por grande parte dos entrevistados e participantes dos grupos focais. Alguns dos rela-
“importância” da autoridade envolvida. (PR/MS1, escrita). tos sugerem que o MPF deveria inspirar-se nesta forma de gerenciamento dos recursos
escassos e levar a uma ampla discussão sobre o princípio da obrigatoriedade da ação
Avalio como ruim por ser pautada, muitas vezes, por critérios políticos penal, a fim de concentrar nos casos mais graves e relevantes.
e, não, jurídicos. De outro bordo, repito que muitas denúncias chegam
frágeis, pautadas em investigações ruins, e isso dá margem a defesas po- Por outro lado, os procedimentos nem sempre possibilitam a persecução pe-
líticas. (PR/RJ1, escrita). nal, pois não seriam devidamente esclarecedores da autoria dos envolvidos nas frau-
des tributárias. A perspectiva arrecadadora dos procedimentos não coincide com os
Lamentavelmente, muitas vezes, a demora no julgamento nos Tribunais
parâmetros exigidos para o tratamento jurídico-penal dos casos. Os auditores deve-
Regionais ou Tribunais Superiores faz com que grande parte dos proces-
riam, na avaliação dos participantes da pesquisa, incorporar rotinas que auxiliassem
sos sejam atingidos pela corrupção que, na maioria das vezes, atinge a
pretensão punitiva. (PR/SP1, escrita). a futura persecução penal, a fim de evitar a instauração de inquéritos policiais, bu-
rocráticos e pouco efetivos.

O corpo técnico do Coaf é elogiado pelos sujeitos da pesquisa. Inspirado por


13 • A ATUAÇÃO E INTERAÇÃO COM AGÊNCIAS experiência internacional, faz parte do processo de institucionalização dos mecanis-
mos de controle das operações financeiras, medida imprescindível em investigações
E ORGANIZAÇÕES DE CONTROLE E INTELIGÊNCIA que envolvem crimes financeiros e lavagem de dinheiro. As rotinas estabelecidas para
a remessa de informações ao MPF não seriam, contudo, adequadas. Os relatórios de
Os sujeitos da pesquisa revelam impressões distintas sobre a atuação das agên- informação, em regra, seriam pouco esclarecedores do ponto de vista penal.
cias e organizações de controle de diferentes áreas da administração pública. Elogia-se
Entre os participantes do GF/SP, os relatórios do Coaf são criticados pela au-
a relevância das investigações realizadas nos procedimentos encaminhados ao MPF.
sência de foco. O documento deveria incluir elementos mais precisos de autoria e ma-
Por outro lado, aparecem distintas impressões sobre a qualidade e profundidade dos
terialidade. Mas os problemas seriam de distinta ordem, a legislação deveria ser modi-
relatórios de investigação ou inteligência e dos procedimentos administrativos (gru-
ficada a fim de facilitar o acesso a dados bancários.
pos focais em Pernambuco, São Paulo e Distrito Federal). Alguns dos relatos referem-
-se ao papel, especialmente da 2ª e 5ª Câmaras, de estimular a institucionalização de O grande problema do Coaf é justamente a falta de foco, né? Então, o
• Tomo 2 •

canais com as assim descritas “instituições parceiras”. Coaf trabalha da seguinte maneira: ele recebe informações de instituições

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

financeiras toda vez que você for a uma instituição financeira e realizar sitamos de alguma informação, ela tarda demasiadamente para ser pres-
uma transação considerada atípica; o banco é obrigado legalmente a avisar tada. No caso da CGU, é nítida a sua falta de estrutura para dar conta de
o Coaf, e essa informação chega ao Coaf e eles fazem um relatório. Às suas atribuições e, ainda, responder aos questionamentos do MPF, o que,
vezes consultam o banco de dados pra ver se tem mais e tal, e manda para em certa medida, também ocorre com o TCU. (PR/SP2, escrita).
o Ministério Público. Então, a partir daí, a partir da elaboração desse rela-
tório da inteligência, há uma atividade de investigação mais aprofundada. As percepções dos procuradores de São Paulo não se encontram isoladas. Os
Então, eles fazem uma divisão desses relatórios para vários órgãos, os quais sujeitos da pesquisa, em Recife, relatam os parceiros da investigação dos delitos econô-
não têm sequer atribuição para investigar aquilo ali. (PR1, GF/SP). micos e corrupção. Um dos participantes é incisivo em relação aos relatórios do Coaf.
As informações são genéricas e pouco ajudariam na atividade de investigação:
Uma sugestão, compartilhada por outros participantes do GF, seria que insti-
Eu vou fazer uma observação bem rápida. Eu acho que as informações do
tuições de controle e inteligência de diferentes áreas da administração pública fossem
Coaf... elas são paupérrimas. A gente tem que correr atrás daquela notí-
treinadas para realizar a investigação criminal. E, assim, auxiliar diretamente na pro-
cia, que é muito genérica, e decifrar aquilo que vem. Então, a partir dessas
positura das ações penais, prescindindo-se da atividade de investigação policial: informações a gente vai noticiar outros órgãos pra começar a instaurar o
Então, acho também que melhoraria muito o sistema de persecução penal inquérito, para começar a apurar se aquilo é verdade. (PR4, GF/PE).
no Brasil se você especializasse e desse poderes a diversas agências para
Nem sempre a documentação enviada pelas agências e instituições de controle
investigar. Então, você tem agências especializadas em lavagem de ativos,
é satisfatória. Um dos relatos de procurador com longa experiência na área sugere
agências especializadas em corrupção na administração pública, agências
evolução dos relatórios do Coaf:
especializadas em crimes de ordem tributária. [...] Eu estava falando aqui,
realmente você tem aqui a Polícia que faz a investigação criminal, e o E tem um trabalho de gestão de demandas mesmo, e isso depende da
chefe da investigação criminal é o delegado? (PR1, GF/SP). maneira como a demanda chega. Nós temos um leque de parceiros muito
amplo; se a gente pegar, desde os órgãos do Executivo, como o Coaf,
Na avaliação de um dos participantes do GF/SP, a formação jurídica não seria ade- Tribunal de Contas da União, passando por órgãos do Legislativo, então
quada para a investigação. A experiência norte-americana deveria inspirar o Brasil, a fim são órgãos com os quais a gente interage e que compõem de uma forma
de diversificar múltiplas agências que poderiam, de forma concorrente, realizar investiga- muito forte o nosso perfil; tem uma parte muito significativa da nossa
ções, sendo, inclusive, dotadas de prerrogativas para facilitar o acesso a dados bancários: demanda, principalmente nessa área de Combate à Corrupção, que vem
desses órgãos técnicos e, na verdade, eu já trabalho com esses órgãos há
Ele é Bacharel em leis [...] uma formação que... ela não te habilita, por si
mais de dez anos e eu tenho uma opinião muito positiva do Tribunal de
só, a investigar. Eu estava olhando no sítio do [...] tem lá, várias formações
Contas da União, mesmo o Coaf... Eu me recordo dos primeiros relató-
necessárias para você se candidatar ao FBI, agora pasmem: Direito não é rios que recebi do Coaf que eram muito mais simples do ponto de vista
uma delas, porque quem faz Direito nos Estados Unidos vai ser promotor, de quantidade de informação e de tratamento de conteúdo analítico, né?
vai ser juiz ou será advogado. Não será policial. Entendeu? Então assim (PR2, GF/PE).
você tem psicólogo economista contador e cada investigação possui um
tipo de expertise, né? [...] Então, nos Estados Unidos existem 50 agências O trabalho desempenhado pela Receita Federal é fonte de inspiração para al-
especializadas. [...] Mas também o seguinte: não adianta se você não der guns dos participantes do GF/PE. Haveria um padrão na forma de atuação que facili-
poder, e a Receita Federal, ela não tem poder de, por exemplo, sequer taria a interação e a utilização das informações:
fazer uma requisição direta para o Judiciário. Aí se instala o problema do
sistema judicial brasileiro. (PR1, GF/SP). Algumas instituições com que a gente interage... elas têm um nível de
comprometimento maior, por exemplo, quando a gente recebe as deman-
Durante a realização do trabalho de campo, outros parceiros do MPF são re- das da Receita elas, normalmente, têm um nível de instrução adminis-
lacionados. Um dos entrevistados, lotado em cidade do interior de São Paulo, desta- trativa muito melhor, por quê? Porque é um órgão que tem um processo
ca inexistência de estrutura da CGU para atender à demanda e critica a demora do de trabalho, uma rotina de trabalho, mais deliberada – você pega uma
Bacen em prestar informações: representação fiscal hoje, ela tem parâmetros, tem determinadas infor-
mações que não faltam, pode ser um auditor do Acre ou pode ser uma
• Tomo 2 •

Particularmente, tenho boa relação com a Receita Federal. No caso do auditoria... então ali, muitas vezes, a gente recebe um produto que já está
Bacen, além de os casos serem remetidos para a Capital, quando neces- muito próximo do que a gente precisa, não é? (PR1, GF/PE).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Outras agências e organizações não teriam o mesmo desempenho. Critica-se a de- Outras instituições aparecem como parceiras, tanto no interior quanto na capi-
mora no envio das conclusões extraídas nos procedimentos elaboradas por organizações tal pernambucana. Evidenciam-se, por outro lado, as divergências com outras institui-
como o TCU (PR2, GF/PE). Não raramente, as notícias seriam arquivadas pela prescrição: ções como a AGU:
A CGU, o escopo do trabalho é diferente, né; a Receita ela tem um pro- Em casos pontuais, a Polícia Rodoviária Federal auxiliou na apuração de
cesso administrativo em que ela vai fazer um julgamento administrativo corrupção em seus quadros. O INSS e a PFN também, no âmbito de suas
daquela questão e, muitas vezes, ela tem que esgotar aquilo ali; a mesma atribuições, já auxiliaram em casos de corrupção e sonegação. A AGU
coisa é o Banco Central, ele está fazendo uma atividade que não raras ve- não costuma auxiliar em nenhuma hipótese, ao menos nos casos em que
zes vai gerar um procedimento administrativo e, no final das contas, você atuei. (PR/PE2, escrita).
tem, praticamente, um processo com defesa, julgamento, formal mesmo.
A relação é boa. Há muita cooperação com o Coaf, a Receita Federal, a
Então o produto que vem desses órgãos chega refinado... e, muitas vezes,
CGU e o TCU. Com os demais órgãos também, mas em menor medida.
precisa de uma apuração complementar mais tópica, mais específica, que
A AGU por vezes assume posições contraditórias, ora atuando no com-
a gente pode fazer mais facilmente, né? (PR3, GF/PE).
bate à corrupção, ora optando por defender os gestores. Há dificuldade de
Um dos relatos sugere que, parte da articulação interinstitucional decorre da exis- compreender os critérios que determinam sua posição. (PR/PE4, escrita).
tência do Fórum de combate à Corrupção em Pernambuco, fundamental na aproximação: Tive excelentes atuações junto a outros órgãos, os quais, diferentemente
“Há relação estreita com a CGU e o TCU, em razão da existência do Fórum Permanente da PF, não competem com o MPF. Destaco a RFB e a CGU. Não adoto
de Combate à Corrupção de Pernambuco, do qual o MPF faz parte juntamente com tais ainda um procedimento padrão. Em casos mais corriqueiros o tratamen-
órgãos, dentre outros” (PR/PE1, escrita). A especialização no MPF, com a criação do NCC, to é mais formal. Em casos mais importantes, entro em contato e, muitas
teria outro efeito positivo. Um dos entrevistados destaca que um dos efeitos da criação do vezes, frutifica-se uma atuação conjunta profícua. (PR/PR3, escrita).
NCC foi a maior proximidade e interação com diferentes agências de controle:
Um dos entrevistados, lotado no DF, com experiência no MP estadual e 18 anos
Com a criação do Núcleo de Combate à Corrupção em Pernambuco, de experiência no MPF expõe sua visão:
a intensificação da participação da PR/PE no Fórum de Combate à
Corrupção e a realização de visitas institucionais, a relação com TCU, A relação com os órgãos parceiros é boa, com exceção da AGU, que tem
CGU, TCE, MP de Contas melhorou. No caso do Coaf, a relação se resu- atuado de forma isolada, com pauta própria, sem maior integração. [...]
me no recebimento dos Rifs e em pedido de informações a respeito dos cooperação, para identificação da melhor forma de desenvolvimento da
investigados. (PR/PE3, escrita). persecução. (PR/DF1, escrita).

A percepção de que o formato do NCC auxilia na consolidação de vínculos Outras instituições são mencionadas como parceiras: “Ministério Público Estadual,
com parceiros é compartilhada por procuradora lotada em um dos ofícios do NCC, Ministério Público de Contas e Tribunais de Contas Estaduais” (PR1/DF, escrita).
em Porto Alegre: Um dos entrevistados relata excelentes relações institucionais com órgãos de
Após a criação do NCC, em maio de 2013, realizamos uma série de con- controle e inteligência. Na prática, as comunicações raramente gerariam investigações
tatos (incluindo visitas) institucionais aos principais órgãos de apoio ao pelo MPF: “São distribuídos e avaliados, sendo que, como se sabe, a imensa maioria é
combate à corrupção (TCU, TCE, AGU, CGU, Receita-Espei e MPM). O conduzida a inquérito policial ou a imediato arquivamento. Ainda é pequeno o núme-
resultado foi bastante satisfatório, estabelecemos canais diretos (e bem ro de investigações internas do MPF” (PRR/DF1, escrita).
mais céleres) de contato com essas instituições, o que tem funcionado
muito bem. Há ainda a Rede de Controle/RS, em que tais órgãos se en-
contram periodicamente. (PR/RS1, escrita).
14 • A EXPERIÊNCIA DA ENCCLA
Um dos relatos aponta, por outro lado, que a independência funcional dificulta
a definição de estratégias conjuntas:
No transcorrer do trabalho de campo, os participantes da pesquisa também fa-
• Tomo 2 •

Também reputo pouco institucionalizada. Por vezes tais órgãos procuram zem referências à atuação da Enccla. Nem todos os entrevistados sugerem proximi-
o MPF e não é possível traçar rotinas ou estratégias de atuação por causa dade e conhecimento específico sobre a sua forma de atuação. Avalia-se que não have-
da divergência de entendimentos entre os membros. (PR/PE2, escrita). ria uma repercussão direta para aquele que atua na ponta. Nesse sentido: “Embora re-

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

conheça a importância para questões mais gerais, desconheço repercussão da Enccla pela ausência de mecanismos institucionais de interação. Embora muitos relatos apontem
no meu cotidiano. Não tenho elementos para avaliar” (PR/PE2, escrita). a evolução do papel das Câmaras na função coordenadora, uma das críticas recorrentes é
a escassa atividade de coordenação. Além disso, critica-se o que é retratado como posição
A experiência da Enccla é descrita como positiva por alguns dos procuradores,
dissociada das realidades locais. As Câmaras deveriam promover o debate sobre a necessá-
principalmente por estimular a interação entre diferentes órgãos. Avalia-se que a 2ª
ria seletividade das instituições na atuação penal, priorizando os casos mais graves.
Câmara tem incentivado a interlocução entre instituições que tradicionalmente pouco
dialogam entre si. Nesse sentido: A interação com os delegados da PF é representada como difícil e pouco ins-
titucionalizada. Escassas são as referências a interações diretas com peritos e agentes
A Enccla é um dos caminhos. Na área criminal melhorou a interlocução
da PF. As relações pessoais ainda predominariam nas experiências de atuação con-
e a relação com os órgãos [...]. Então, assim, eu acho que a 2ª Câmara...
juntas. Os participantes ressentem-se da falta de transparência da PF na definição das
ela tem melhorado a interlocução desses órgãos e, em alguns casos, pro-
duzem resultado. (PR2, GF/PE). prioridades. As grandes operações, muitas vezes, seriam deflagradas sem o necessário
acompanhamento do responsável pela persecução penal. O inquérito é criticado por
Extremamente positiva. Boa parte dos avanços no combate à lavagem de todos os procuradores como procedimento burocrático e ineficiente, particularmente
dinheiro deriva da Enccla e da pressão internacional. (PR/PE3, escrita). para a investigação da corrupção e dos delitos econômicos.
Acho fundamental, primeiramente, por buscar a integração dos diver- Em relação ao judiciário, predominam as críticas à morosidade e aos “critérios
sos órgãos envolvidos nessa persecução. Como resultado, a aproximação
diferenciados” para o julgamento dos delitos econômicos. A crítica é mais acirrada
dos atores, o intercâmbio de informações e também o aprofundamento
em relação ao desempenho dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais Superiores.
das pesquisas nos diversos subtemas. Tenho acompanhado os resultados
A especialização das varas é elogiada como necessária, mas nem todos os magistrados
divulgados pelos colegas participantes e considero a experiência ampla-
mente positiva. (PR/RS1, escrita).
teriam vocação para a matéria.

Na área de lavagem de dinheiro, a experiência da Enccla é extrema- Algumas instituições como a Receita Federal, o TCU, o Bacen e a CGU são elo-
mente positiva, ao contrário do que ocorre na temática da corrupção. giados pela qualidade do trabalho técnico. Os participantes enfatizam a necessidade
(PR/DF1, escrita). de prover treinamento para estas agências, a fim de aprofundar suas investigações de
forma a permitir a persecução penal pelo MPF. Assim, o inquérito policial seria pres-
Tem contribuído para o aprimoramento das instituições envolvidas na cindível em muitos casos que envolvem delitos econômicos e corrupção.
persecução penal, bem como no momento anterior do destaque na ne-
cessidade de acompanhamento, por exemplo por parte das instituições
financeiras, de suas operações, de modo a identificar potenciais riscos de
lavagem de ativos e todas as suas formas. (PR/PR4, escrita). REFERÊNCIAS
Brasil. MPF – combate à corrupção. Caso Lava Jato. Disponível em: <http://www.
CONSIDERAÇÕES FINAIS lavajato.mpf.mp.br>. Acesso em: 30 mar. 2015.

Costa, Arthur T. M. A discricionariedade no sistema de justiça criminal: uma análise


A realização do trabalho de campo permitiu aprofundar diferentes aspectos do de-
do caso do Distrito Federal. In: Misse, Michel (Org.). O inquérito policial no Brasil. Rio
sempenho do trabalho pelos membros do MPF. Notamos, em regra, que a distribuição das
de Janeiro: NECVU/IFCS/UFRJ, 2010, p. 191-236.
atribuições entre diferentes ofícios é objeto de grande interesse. A proposta de criação do
NCC é avaliada positivamente, embora não tenha sido aprovada em todas as capitais.
Machado, Bruno Amaral. Ministério Público: organização, representações e trajetó-
Há enorme insatisfação em relação ao suporte humano e técnico disponibilizado rias. Curitiba: Juruá, 2007a.
para as procuradorias. Avalia-se como insuficiente para atender a todas as demandas e,
• Tomo 2 •

especialmente, para a realização de investigações mais complexas. Os participantes, em      . Fiscalías. Su papel social y jurídico-político: una investigación etnográfi-
regra, ressentem-se de um distanciamento com os procuradores regionais da República, co-institucional. Barcelona: Anthropos, 2007b.

172 173
     . Representações sociais sobre o controle externo da atividade policial: cul-
tura organizacional e relações institucionais. Revista Brasileira de Ciências Criminais,
v. 88, jan./fev. 2011, p. 273-314.

     . Justiça criminal: diferenciação funcional, interações organizacionais e


decisões. São Paulo: Marcial Pons, 2014.

Misse, Michel (Org.). O inquérito policial no Brasil. Rio de Janeiro: NECVU/IFCS/ CAPÍTULO 6
UFRJ, 2010.
A INVESTIGAÇÃO E A PERSECUÇÃO PENAL NO
Nelken, David. White-Collar Crime. The International Library of Criminology, Criminal
Justice and Penology. Aldershot/Brookfield/ Singapore/Sydney: Dartmouth, 1994. DISCURSO DOS MAGISTRADOS FEDERAIS
Ratton, José Luiz. Refletindo sobre o inquérito policial na cidade de Recife: uma pes-
quisa empírica. In: Misse, Michel (Org.). O inquérito policial no Brasil. Rio de Janeiro:
NECVU/IFCS/UFRJ, 2010, p. 237-311.

Sutherland, Edwin H. White Collar Crime: The Uncut Version. New York: Holt
Bruno Amaral Machado
Rinehart and Winston, 1983. André Jakob
Carolina Souza Cordeiro

INTRODUÇÃO
Na fase qualitativa do trabalho de campo, privilegiamos as narrativas dos
atores/organizações que participam da divisão do trabalho jurídico-penal, incum-
bidos da investigação, da persecução penal e do julgamento dos delitos econômicos
e de corrupção (Machado, 2014). Neste capítulo, sistematizamos e analisamos os
relatos dos magistrados que participaram da pesquisa. Realizamos entrevistas em
profundidade e grupos focais com juízes federais, especialmente aqueles lotados
nos estados selecionados na pesquisa, entre maio de 2014 e maio de 2015. De ja-
neiro a abril de 2015, voluntariamente, sete magistrados enviaram relatos escritos.

A partir da técnica de entrevista em profundidade, entrevistamos quatro magis-


trados federais lotados nos estados do Paraná e de Pernambuco e no Distrito Federal.
Realizamos grupo focal com três magistrados no Distrito Federal e, finalmente, sete
magistrados enviaram relatos escritos sobre suas experiências em relação ao tema. Nas
entrevistas escritas, contamos com a colaboração de magistrados federais da 3ª e da 4ª
• Tomo 2 •

regiões, dos estados de São Paulo e do Paraná, e de magistrada lotada no Rio Grande
do Sul, com experiência anterior nos estados delimitados para a pesquisa.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Em razão do conhecimento detido e do ethos ocupado pelos sujeitos da pes- nicas, gravação ambiental, delações premiadas etc. Além disso, as defesas
quisa, buscamos compreender não apenas as distintas questões relacionadas à inves- são sempre mais detalhadas, são arroladas testemunhas em diversas lo-
tigação e à persecução penal, mas também as condições em que ocorrem as instru- calidades, são requeridas provas mais técnicas etc. Tudo isso leva a uma
ções e os julgamentos dos processos que apuram os crimes relacionados na pesquisa. demora maior nesses processos. (J14, SP, escrita).
Assim como foi observado nos capítulos anteriores, o objetivo é organizar, levando em A complexidade para a instrução processual não se restringe aos delitos eco-
consideração a relevância e o objeto da pesquisa, os relatos dos magistrados federais nômicos. Um dos relatos sugere a peculiaridade da produção probatória nos crimes
participantes. A proposta foi preservar os relatos mais longos e privilegiar as falas dos contra a Administração Pública:
membros da Justiça Federal. A análise sugere pistas sobre a cultura organizacional e a
construção de identidades profissionais, conforme proposto no Capítulo 5. Dificuldades para persecução penal dos crimes de corrupção... é questão
de comprovar a prática do crime pelo sujeito ativo, no caso o servidor
público, é difícil. Pois muitas vezes existe no Brasil aquela questão, o ser-
vidor colega. Existe a operação de aquela cegueira deliberada, fingir que
1 • ASPECTOS TÉCNICOS não vê, mesmo que o servidor não participe. Inclusive muitos, se for che-
fe, ele pode estar cometendo o crime de condescendência administrativa
de não denunciar. (J15, PE).
1.1 • ROTINAS, PRÁTICAS E PROCEDIMENTOS
Outro relato sugere o distanciamento do magistrado da investigação. O inqué-
rito policial tramita entre PF e MPF e, em regra, apenas no caso de medidas restritivas
Uma das preocupações que orientou a realização das entrevistas e dos grupos
de direitos necessárias para a investigação, como a quebra de sigilo bancário ou telefô-
focais foi compreender, a partir das narrativas, as principais rotinas e práticas relacio-
nico, o magistrado teria um contato detalhado com a investigação:
nadas aos crimes econômicos e à corrupção. Nosso foco inicial foi identificar rotinas,
práticas e procedimentos diferenciados e/ou específicos para a instrução e o julgamen- De um modo geral, nós temos os inquéritos policiais que são hoje conduzi-
to dos delitos selecionados na pesquisa. dos pelo Ministério Público, que tramitam exclusivamente pelo Ministério
Público e Polícia Federal. Esses inquéritos não são nem distribuídos na
Alguns dos relatos sugerem que não haveria exatamente rotinas e práticas diver- Justiça, somente chegam a nosso conhecimento quando há necessidade de
sas, mas especificidades quanto à instrução e ao julgamento: uma providência jurisdicional, alguma decisão, pedido de quebra, ou é pre-
ciso alguma medida constritiva nesse sentido. (J7, GF/DF).
Não há rotinas específicas. Há apenas um cuidado maior, para evitar nu-
lidades e para dar celeridade aos feitos. (J14, SP, escrita). O inquérito vai para a Justiça para ganhar um número, aí depois que ele
ganha um número, que entra no nosso sistema, é que tramita, entendeu, o
Uma das participantes da pesquisa pontua que não há rotinas distintas
inquérito policial. Então a Justiça tem um controle. Tem um crime e a auto-
para a instrução e o julgamento de cada tipo de crime apontado na pes-
ridade policial vai instaurar uma portaria para apurar aquele crime. Depois
quisa. (J9, SP, escrita).
que ele instaura, ele manda pro Judiciário, então a gente fica com... não é bem
Um dos participantes fala sobre o transcorrer da instrução processual. Seriam o controle, mas há pelo menos um registro desse inquérito. (J5, GF/DF).
constantes as medidas cautelares, como interceptações e quebras de sigilo bancário e Os relatos apontam a sobrecarga das Varas Federais com competência criminal,
fiscal, o que supõe grande quantidade de documentos de informações para análise. As não apenas aquelas que foram especializadas. A rotina de uma Vara Criminal é intensa
delações premiadas seriam cada vez mais frequentes e as defesas técnicas, mais deta- e grande parte do tempo é dedicada para a realização das audiências:
lhadas, com enorme quantidade de teses jurídicas e questões processuais. A tramita-
ção processual requereria cuidado redobrado a fim de evitar nulidades. Nesse sentido: A rotina de uma Vara Criminal [...] é uma rotina pesada, porque você
faz audiência pelo menos três vezes por semana. A gente tem um dado
Não diria que existam práticas diferentes, mas crimes mais complexos positivo de estrutura que é, embora aqui as Varas Criminais estejam sub-
costumam exigir diligências mais sofisticadas. É comum, por exemplo, a dimensionadas pela demanda, em Brasília eu acho que há pelo menos
expedição de pedidos de cooperação internacional para bloqueio de bens mais duas Varas Criminais, principalmente agora com a provável chegada
• Tomo 2 •

e tomada de depoimentos, o sequestro/arresto e a alienação antecipada de da penitenciária federal, nós temos lá a possibilidade de realizar quatro
bens, medidas investigativas mais invasivas, como interceptações telefô- juízes, concomitantemente, audiências. Porque cada Vara tem duas salas

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

de audiência estruturadas, cada uma entregue a um juiz, então isso faci- especializado em finanças ou contabilidade. A oitiva de testemunhas,
lita a tramitação do processo. Mas a rotina é uma rotina de audiência, de nestes casos, mostra-se menos importante e geralmente não traz gran-
trabalhar em cima do processo. (J6, GF/DF). des avanços. (J8, PR, escrita).

Alguns dos relatos pontuam a complexidade dos casos que envolvem delitos Alguns dos relatos especificam que as rotinas e práticas são aquelas estabeleci-
econômicos. Seriam frequentes os processos com diversos acusados e um número ele- das no Código de Processo Penal. Deve-se ater aos procedimentos para evitar possíveis
vado de testemunhas arroladas. Na prática, o modelo da audiência una, com concen- nulidades processuais. Outros participantes sugerem a importância do perfil do juiz
tração dos atos instrutórios, seria de difícil implementação: titular na construção de rotinas para o gerenciamento do trabalho cartorário, segundo
parâmetros da Corregedoria e do CNJ:
Acredito que, no geral, é a forma como essa sistemática foi estabelecida
pelo Código de Processo Penal... hoje em dia todo crime tem que passar É a lei que difere as rotinas e práticas da instrução e do julgamento para
pela instituição de audiência. A audiência foi criada pela nova lei, como a cada espécie de crime. Há rotinas específicas para determinadas hipóte-
forma de audiência una; praticamente nós sabemos que a audiência una ses (menor potencial ofensivo, crimes contra a vida, cidadãos com prer-
é muito difícil de existir na prática, porque ela, apesar de ser una na lei, rogativa de foro etc.) e um procedimento ordinário para a generalidade
há grande quantidade que nós temos de réus para ouvir, de testemunhas dos casos. O julgamento pode ser por juiz singular (maioria dos casos)
para ouvir, principalmente nos crimes que envolvem lavagem. Porque são ou por um órgão colegiado (indivíduos com prerrogativa de julgamento
crimes que sempre têm um crime antecedente, então muitas vezes a gente originário nos Tribunais). (J11, PR, escrita).
apura em concurso material... ambos. Os crimes então... são muitas as
testemunhas, são muitos os réus a serem ouvidos, então a instrução tem As rotinas cartorárias de qualquer Vara Federal (distribuição de servi-
essas peculiaridades. (J15, PE). dores, prioridades de julgamento, triagem processual, distribuição de
funções comissionadas, escolha do diretor de Secretaria, estipulação
A princípio, as rotinas e práticas cartorárias são as mesmas para todos de metas etc.) são fixadas pelo juiz federal titular. Este, por sua vez,
os crimes. O que se procura atentar é para a hipótese em que haja um há de seguir parâmetros da Corregedoria Regional, da Corregedoria
rito processual diferenciado, mas os tipos penais apontados correm sob Nacional, do CNJ e do CJF. Como se vê, há uma superposição de es-
o rito ordinário do CPP. Há uma cautela especial com a apreensão e truturas que burocratiza o trabalho. Dito isso, é possível fixar-se roti-
manutenção de bens e valores relacionados com práticas criminosas. E, nas específicas para crimes de corrupção, de acordo com os parâmetros
quando o fato envolva atuação administrativa (Banco Central, Receita mencionados. Do ponto de vista legal, porém, não há um tratamento
Federal etc.), tais apurações compõem os autos na forma de apensos. diferenciado para os casos de corrupção, que seguem a ordem penal e
Na Justiça Federal da 3ª Região, a Corregedoria Regional tem um pro- processual penal comum. (J11, PR, escrita).
vimento (Provimento Core n. 64/2005) que regulamenta as práticas e
rotinas cartorárias em caráter amplo. Outra questão relevante surge nos Por outro lado, ao divergir da visão predominante de que “não haveria rotinas
feitos que tramitam sob segredo de justiça, que exigem uma cautela adi- específicas”, um dos interlocutores relatou rotinas e práticas de instrução e julgamento
cional com o material protegido; essa questão se encontra regulada em diferenciadas para os crimes econômicos em relação à criminalidade comum:
atos normativos do CNJ. (J10, SP, escrita).
A vida em uma Vara que cuida desse tipo de crime é muito diferente de
Um dos sujeitos da pesquisa traz, contudo, experiência distinta em relação às roti- uma Vara que cuida de outras coisas. Por muitas razões. Bom, vamos ver
nas para atuação nos delitos econômicos, especialmente nos crimes financeiros. O grande se eu consigo estruturar algumas delas. Em primeiro lugar, na investiga-
número de informações e a complexidade dos documentos juntados aos autos demandam ção praticamente não se tem flagrante, então não precisa ser investigado.
a necessidade de assessor contábil para decodificação das informações financeiras: A investigação criminal no Brasil, historicamente, não é o nosso forte.
Julga-se muito processos que vêm de flagrante e muito pouco... processos
Existem determinadas rotinas específicas para os crimes financeiros, que vêm de investigação. E nesse tipo de crime a coisa é ao contrário: você
haja vista que os autos trazem ao juiz um volume muito grande de infor- precisa de uma investigação [...]. Os casos de grande volume... mesmo os
mações técnicas, geralmente oriundas do Banco Central, do Ministério de pequeno volume têm uma complexidade que não permite a desco-
Público Federal e da Receita Federal. Para estes casos, é importante que berta imediata, depende de investigação. Essa investigação, muitas vezes,
• Tomo 2 •

o juiz tenha assessoria contábil adequada de pelo menos um servidor envolve quebra de sigilo bancário, fiscal... por exemplo. (J4, PR).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

1.2 • PADRÃO PROBATÓRIO investigatória são fundamentais, né, para se fazer essa, para se trazer essas
conclusões. E o que mais, né? Em relação a sigilo telefônico, é quando o
crime está por acontecer, que são aqueles casos de se pegar o flagrante, o
As narrativas sugerem diferentes percepções sobre a prova necessária para
recebimento de propina em flagrante. Têm perícias documentais, perícia
formar a convicção do magistrado. Alguns dos participantes relatam padrões proba- contábil, que são essenciais também na fase de investigação. Têm regis-
tórios de acordo com a especificidade dos delitos. Enfatiza-se a relevância da prova tros, vistorias e registros in loco. Vamos supor, em um grande crime de
documental e da prova técnica (pericial). Outros relatos não identificam, exatamen- apropriação, em que se alega que aquele valor foi objeto de convênio para
te, padrões probatórios diferenciados e enfatizam a livre convicção do juiz. No en- a construção de dez escolas, visita-se o local para verificar se as escolas
tanto, sugerem práticas orientadas por expectativas em relação ao papel desempe- foram efetivamente construídas e a situação de cada uma. (J3, PE).
nhado pelo magistrado. Assim:
O inquérito policial, no qual se pretende a investigação de um fato, deve
Há um padrão de prova e a Polícia Federal claramente trabalha com esse promover diligências a fim de se verificar se o fato ocorreu, quem é o
padrão bem definido. Aí vai depender muito do entendimento do juiz, autor, ou autores, e qual a conduta praticada por cada pessoa. [...] Assim,
mas essa prova que a Polícia produz no inquérito serve para o Ministério várias diligências, de diferentes tipos, são necessárias: oitiva de testemu-
Público oferecer a acusação. (J6, GF/DF). nhas, quebra de sigilo bancário, quebra de sigilo fiscal, interceptação te-
lefônica, filmagem. Durante a instrução processual novas provas serão
A prova para os crimes financeiros geralmente é a prova documental. A produzidas e algumas serão renovadas, como depoimentos testemunhais.
oitiva de testemunhas e os interrogatórios não se mostram de grande va- No entanto, é imprescindível que o inquérito forneça elementos probató-
lia, salvo nos casos de organizações criminosas que contem com o siste- rios mínimos, que possibilitem o recebimento da denúncia pela presença
ma de delação premiada. (J8, PR, escrita). de justa causa. (J12, PR, escrita).

Para a maior parte dos crimes mencionados, a prova é documental. Corrupção financeira e lavagem de dinheiro, nesses casos de crimes con-
Todavia, os juízes criminais geralmente indeferem a produção de prova tra a Administração Pública, de corrupção, o leque se abre e, frequente-
pericial requerida pela defesa, com especial ênfase nos crimes tributá- mente, esses crimes... eles são secundados por perícias que, ao contrário
rios, dado que, segundo os advogados, dificulta ou mesmo impede a de- do que acontece em muitos outros casos, são perícias repetidas. Ou seja,
fesa efetiva dos acusados. (J8, PR, escrita). no caso de um laudo contábil, laudo contábil você produz quantos quiser,
porque o documento contábil que os peritos utilizaram continua lá salva-
Não há um padrão de prova para cada crime. Pode-se provar por todos guardado. É como um laudo num crime de licitação, onde se dispõe sobre
os meios legalmente admitidos e o tipo dela dependerá daquilo que se preço, e eles examinaram, observaram diversas planilhas, essas planilhas
precise conhecer provar para atestar a materialidade (existência do cri- estão lá pra você ver quantas vezes quiser ou, se quiser, nomear outro
me) e autoria delitivas, estas, sim, imprescindíveis para toda e qualquer profissional, da Engenharia por exemplo, um engenheiro, pra ele rever
instrução criminal. (J11, PR, escrita). aquelas planilhas. E essa prova da materialidade do crime vai poder ser
submetida ao contraditório pleno perante o juiz. É lógico que precisa ter
O relato de magistrado lotado em Pernambuco relaciona as medidas caute-
um bom motivo pra fazer a perícia, porque é caro, é custo e é demorado.
lares ainda na fase de investigação como instrumentos relevantes para a posterior
Eu, como juiz, não deferiria, só por amor ao contraditório, o refazimento
persecução penal. A instrução penal adequada depende de uma prévia investigação de uma perícia, você precisa dar uma justificativa [...]. (J6, GF/DF).
que traga elementos de convicção para os autos e que complementem a instrução.
Existem provas periciais que podem ser repetidas na fase judicial, o que pode gerar Via de regra eu ajo provocada pelo Ministério Público ou pela polícia,
atrasos na instrução processual: e as provas que normalmente se requer dizem respeito à perícia que,
eventualmente, não aconteceu ou à complementação de perícia já exis-
Numa fase de investigação, se se quer apurar conluio entre pessoas, geral- tente, muitas vezes provocadas pela Defensoria, pelos advogados. Eles
mente se fazem quebras de sigilo, sigilo telefônico, bancário. Sigilo ban- impugnam a prova porque eles dizem que não tiveram oportunidade de
cário é um instrumento fundamental para se saber qual foi o histórico participar da elaboração do laudo lá na fase policial e que então agora
daquelas contas das pessoas, o que entrou, o que saiu, e o sigilo fiscal, que em juízo eles têm dúvidas se isso aconteceu assim. Então pode surgir
• Tomo 2 •

é assim: compatibilizar os bens e a renda que a pessoa ostenta com aquilo necessidade de complementar aquele laudo que foi feito, ou de chamar
que ela declara. Então, assim, essas quebras de sigilo que são feitas na fase o perito pra ser ouvido, o que eles detestam. Eles perguntam: “Doutora,

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

por que vocês nos chamam se não vamos dizer nada diferente daquilo o requerimento obviamente observando o sistema acusatório, mas o
que está no laudo?”. (J2, PR). Ministério Público requerendo, o próprio juiz pelo sistema do Bacen
Jud, é uma grande ferramenta inclusive probatória e de pesquisa, in-
Um dos interlocutores discorre sobre a atuação judicial na fase de investigação. vestigação. Só o juiz tem acesso ao Bacen Jud, e através do Bacen
O magistrado marca o papel relevante de controle exercido pelo Judiciário e o papel Jud o juiz obtém o endereço dos réus, patrimônio dos réus, manda
constitucional assumido para a proteção de garantias fundamentais. O relato explicita, bloquear bens dos réus. (J15, PE).
também, o critério para concessão de medidas cautelares, o que sugere confiança em
relação à especialização da PF e predisposição para atender às representações policiais: Ao discorrerem sobre os delitos objeto desta pesquisa, os participantes men-
cionam a recorrência de requerimentos de medidas cautelares durante a fase inves-
A quebra de sigilo... bom, em tese a gente vai ver se tem a justa causa [...] tigatória. Com isso, não são raras as arguições de nulidades por ofensas a garantias
uma busca e apreensão, por exemplo, você tem um indicativo de que com constitucionais: “Nesses casos de licitações, né, em que a pessoa teve conluio com o
aquilo vai-se descobrir alguma coisa que vai ser relevante para a inves- prefeito e houve toda uma fraude para a apropriação de verbas, se faz quebra de sigilo,
tigação, se houve um indicativo de crime, que o crime passou por esse quebra de sigilo bancário” (J3, PE). Nesse sentido:
meio. Se o delegado já mostrou que aquela pessoa pode estar envolvida
naquele crime e que essa prova vai ser relevante para a investigação. É Nós temos os crimes de corrupção para serem desvendados e, via de
claro que cada juiz avalia isso com seus próprios standards. Então tem vez regra, ainda estão na fase de investigação, da interceptação telefônica,
que são mais rigorosos e outros que são menos rigorosos [...] a tendência, e as preliminares de interceptação telefônica, de nulidades, vêm reite-
sem dúvida, é por conceder. Também tem o fato de que a Polícia costuma radamente aqui no tribunal e todos têm que rebater: “Foi nula porque
trabalhar bem essa parte. A Polícia Federal se especializou bastante nis- demorou. Foi nula porque o juiz deferiu em relação à pessoa e pegou
so, então eles costumam trazer um cruzamento que vai demonstrar que outra, encontro fortuito de provas”. Preliminares que a gente conhece de
aquilo ali é necessário. (J4, PR). antemão que sempre vêm porque têm interceptação telefônica, e a inter-
ceptação telefônica é “uma prova igual a qualquer outra”. E os advogados:
As narrativas sugerem que a participação do Poder Judiciário na fase investiga- “Foi só com base na interceptação telefônica?”. Poxa, mas a interceptação
tória se restringe à função de “juiz de garantias” nas medidas invasivas que dependam telefônica é uma prova e não é só – mas é uma prova muito importante
da autorização judicial, como as interceptações telefônicas e quebras de sigilo bancário. pra mostrar quem articulava, quem era o chefe da organização. Então a
interceptação telefônica é uma prova da qual a gente não prescinde nesse
A gente defere também bastante interceptação telefônica. [...] Nesses
tipo de investigação. (J2, PR).
crimes financeiros há muita quebra de sigilo bancário e fiscal também.
Eu tenho usado bastante pra saber, nesses crimes de servidor público, Na avaliação de um dos sujeitos da pesquisa, a qualidade da investigação prévia
se a pessoa movimentou numerário superior àquilo que está declarado é determinante para a futura persecução penal. Por outro lado, o inquérito policial é
na Receita Federal. Então eu peço a declaração primeiro, para pegar de- prescindível e as provas devem ser repetidas durante a instrução processual:
claração fiscal, e aí vejo se o salário dele naquele ano foi correspondente
àquilo que ele movimentou nas instituições financeiras. Basicamente O inquérito é uma etapa pré-processual. Ele serve para colher dados que
isso. (J2, PR). se destinam a subsidiar uma futura ação penal. A sua eficácia dependerá
do juízo de valor que o titular da ação penal (Ministério Público ou ci-
Um dos relatos refere-se ao Bacen Jud, ferramenta de domínio do Banco dadão, em caso de ação privada) fará sobre o material que foi apurado, e
Central que possibilitaria ação direta do magistrado na produção probatória, sugerin- dessa avaliação pode resultar o início, ou não, de uma ação penal. A rigor,
do reflexão sobre o modelo acusatório e a posição do juiz no modelo brasileiro: o inquérito é prescindível à persecução e as provas nele colhidas necessi-
tam, via de regra, serem repetidas na fase judicial. (J11, PR, escrita).
Dependendo do tipo de crime que foi feito, por exemplo, em crimes que
foi atingido diretamente patrimônio da Administração, existem mui- Com relação às provas que um inquérito deve conter para auxiliar de ma-
tas provas importantes que podem ser coletadas no âmbito bancário, neira eficaz o julgamento de crimes contra a Administração Pública, tenho
extratos bancários, toda a movimentação que é feita... investimentos. a dizer que não há uma regra específica e que, dependendo das peculiari-
Tudo isso é fornecido com ordem de quebra de sigilo bancário, fiscal, dades de cada espécie delitiva, bem assim do tipo de consumação (material
• Tomo 2 •

que também é muito comum o juiz determinar quebra de sigilo fis- ou formal), a importância das provas varia, servindo ora as documentais de
cal. Muitas vezes a investigação é conduzida pelo próprio juiz, com maior valia, ora as orais como divisor de águas. Assim, eventuais processos

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

de sindicância e demais provas reunidas em data próxima ao evento são Nesse tipo de investigação, no mais das vezes, a prova até nem vem da
muito importantes em razão da maior fidedignidade entre o que é reunido inteligência, a prova vem de uma investigação anterior. Então se tem uma
e a proximidade temporal do contexto vivido, pois, além de os depoimen- investigação [...] pega aquelas pessoas que estão diretamente envolvidas.
tos serem mais detalhados, as demais provas documentais decorrem de [...] Fora isso, claro, a Polícia deveria fazer sempre uma investigação pré-
uma realidade ainda não modificada. (J13, RS, escrita). via antes de adotar qualquer medida que dependa da autorização judicial.
É um pressuposto da autorização judicial que tenha uma justa causa, se
De forma semelhante à identificada em outras pesquisas, os magistrados veem não, não serviria para nada. (J4, PR).
com desconfiança a prova inquisitorial (Misse, 2010; Machado, 2014). A materiali-
dade normalmente é trazida desde a fase policial. As perícias não devem, em regra, Por outro lado, alguns dos relatos trazem o princípio da livre convicção do juiz.
ser repetidas. A autoria depende de prova contundente, e a prova oral sem o crivo do O magistrado avalia o conjunto probatório de acordo com o caso em análise. Nas falas,
contraditório não deve embasar decretos condenatórios. A prova válida para a conde- reitera-se o poder de decisão e liberdade de interpretação do magistrado:
nação deve necessariamente ser realizada durante a fase judicial: Não se fala tanto em peso, né, hoje em dia se tem o livre convencimento.
É como se tudo fosse crime de ação penal pública, a maioria deles é de Então, às vezes, uma testemunha é fundamental, ela é essencial para o
ação penal pública, mas só serve para isso. Às vezes, eu tenho até dificul- desnude da questão e ela tem um peso total, digamos assim. Tanto é
dade de convencer pessoas próximas de mim de que isso é uma realidade, que pode acontecer de não ter valor nenhum aquele depoimento, mas
às vezes, tenho dificuldade de convencer até meu filho disso. Eu não julgo não significa que a prova testemunhal não tenha um peso, é um livre
com base em prova do inquérito, eu julgo com base em prova produzida convencimento. (J3, PE).
em juízo. Esse padrão, se você me perguntar assim: “A prova da Polícia
A discussão sobre as novas tendências do Direito Penal moderno também
Federal é boa?”. Eu diria: “É boa, sim, na maioria das vezes é boa, sim,
ocupou as falas de alguns dos participantes. Particularmente em relação ao papel
para o Ministério Público oferecer uma boa denúncia”. (J6, GF/DF).
assumido pelos atores que participam da divisão do trabalho jurídico-penal. Um
A necessidade de repetição da prova oral produzida na fase inquisitorial expõe, dos relatos explora questões dogmáticas com impacto na atuação do Judiciário. Os
ainda, a insuficiência da estrutura de muitas Varas Federais para a demanda: delitos econômicos seriam de perigo abstrato, o que implicaria mais dificuldade
para a instrução.
Mas depois essa prova precisa ser judicializada, e frequentemente é bem
judicializada, é possível judicializar. Aí interferem outras variáveis, e a A questão da prova nos crimes que tutelam bens jurídicos difusos é
maior variável pra mim, hoje, no Distrito Federal, eu só posso falar pelo bastante tormentosa para o Direito Penal porque o sistema penal e o
Distrito Federal, é que a demanda é bem superior à capacidade de tra- processual brasileiro fundamentam-se em um Direito Penal clássico e
balho do Judiciário. Então a minha demanda é bem superior à minha em crimes que deixam vestígios materiais. Por isso a questão da prova
capacidade de trabalho, de modo que hoje eu não consigo dar conta da dos crimes de perigo abstrato exige muita cautela por parte dos mem-
demanda. (J6, GF/DF). bros da Polícia e do Ministério Público; nem sempre é fácil a instrução
de certos casos, exigindo-se muita cautela dos operadores do Direito.
Em relação à questão da prova, o que vem da polícia, que já vem pronto e (J9, SP, escrita).
acabado, é a prova da materialidade do crime. Isso chega pronto pra nós,
e dificilmente há uma modificação dessa materialidade no curso da situ-
ação da instrução criminal. Já a prova da autoria, que realmente é muito
mais complexa sob o ponto de vista de conseguir elementos, isso tudo é
1.3 • O INQUÉRITO POLICIAL COMO INSTRUMENTO DE INVESTIGAÇÃO
judicializado, e aí também vai muito tempo. Essa parte não vem produzi-
da nos laudos periciais, não tem como fazer isso. (J7, GF/DF).
Em Survey realizado com os magistrados, Maria Tereza Sadek conclui que a
“crise da justiça” não é vista por eles como propriamente uma crise do Judiciário. Os
No transcorrer do trabalho de campo, os interlocutores da pesquisa manifestam magistrados identificam seu “entorno” como o maior responsável pelos problemas
diferentes visões sobre a produção da prova e a atividade de inteligência que poderia enfrentados por eles. Segundo a autora, “os obstáculos ao bom funcionamento do
deflagrar o início de investigação relevante. A relevância de uma investigação bem Judiciário localizam-se, sobretudo, em fatores externos à magistratura” (Sadek, 2010,
• Tomo 2 •

conduzida, que prepara o terreno para subsequentes medidas cautelares, surge como p. 19). Predomina a percepção de que as fases anteriores à aplicação da lei, como os
modelo ideal de atuação na atividade de investigação: inquéritos policiais, “não lhes dizem respeito” (Sadek, 2010, p. 39).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Entre as questões recorrentes nas falas dos magistrados participantes, ao dis- que uma coisa mal instruída dessa forma gerasse a absolvição ao invés de
correrem sobre a suposta existência de um padrão probatório na instrução dos crimes gerar maiores diligências e uma maior colheita de provas. (J3, PE).
focalizados nesta pesquisa, merece destaque a avaliação sobre a prova inquisitorial e o
Um dos participantes exime o Judiciário e outras instituições de responsabilida-
trabalho desempenhado pela PF e pelo MPF. Nesse sentido:
de pela demora nas investigações e, eventualmente, na instrução processual. A com-
Os inquéritos policiais trazem somente os elementos de convicção ne- plexidade da atividade probatória supõe estratégias diferenciadas e paciência:
cessários à apresentação de denúncia criminal em juízo e não raro con-
têm falhas. As interceptações telefônicas geralmente não são transcritas Esse tipo de investigação é feito para demorar... Não é que seja feito para
em sua integralidade e a Polícia Federal faz uma simples interpretação demorar, mas sempre demora. A demora é da natureza da investigação
de trechos que colhe nas interceptações, o que torna tudo muito subje- por crimes do colarinho branco. Porque justamente você precisa dessas
tivo. (J8, PR, escrita). camadas que se vão revelando. Você precisa de uma prova para chegar na
outra para chegar na outra. (J4, PR).
Em regra, os inquéritos policiais trazem indícios suficientes para a perse-
cução penal. Se o inquérito não trouxer indícios suficientes de convicção, Entre os magistrados, a discussão em torno do inquérito policial suscita diver-
o juiz deverá reconhecer a inépcia da denúncia. Durante a instrução cri- gências. Alguns dos participantes criticam a burocracia e a morosidade do inquérito
minal, o membro do Parquet deverá comprovar os fatos mediante o crivo policial. Argumentam que a versão inicial muitas vezes não se confirma. O estilo car-
do devido processo legal. (J9, SP, escrita). torial é definido como atrasado. Assim:
Uma das participantes sugere caso hipotético do que seria um “inquérito in- Os inquéritos, como regra, não produzem um material satisfatório. O
suficiente”. A magistrada recomenda rejeitar a denúncia, antecipando-se, em parte, a material nele colhido, quando sujeito ao contraditório na fase da ação
estratégia da defesa: penal, muitas vezes não se confirma. A maior falha do inquérito é a forma
de sua tramitação, com muitas rotinas burocráticas, idas e vindas entre os
Via de regra (o inquérito tem elementos suficientes para instrução), sim, órgãos envolvidos, num estilo cartorial atrasado e cujo fracasso já é um
em regra, sim. Quando não, eu penso ser caso de rejeição da denúncia,
fato consumado. (J11, PR, escrita).
até para oportunizar naquele momento que aquilo seja mais bem instru-
ído, mas acontece de passar também. Aí quando passa é um problema A relevância de uma investigação penal é destacada quando os sujeitos da pes-
sério na instrução para poder rever aquelas lacunas. Vamos supor: se fal- quisa contemplam em suas análises os delitos econômicos e, especialmente, as chama-
tou – não houve testemunhas, faltou apurar realmente que aquele crime das grandes operações. A complexidade dos fatos levados a julgamento supõe cautela
aconteceu na fase do inquérito – e a pessoa denuncia, faz uma acusação a
para a preservação do material probatório desde a fase inquisitorial. Eventuais equívo-
alguém baseada no mínimo. (J3, PE).
cos repercutem diretamente na instrução e no julgamento:
A magistrada participante exemplifica quando a investigação não propicia ele-
Um bom inquérito depende muito da diligência do delegado. De ma-
mentos mínimos de convicção sobre a materialidade e autoria: neira geral, os inquéritos demoram muito, o que prejudica a colheita das
Vamos supor um caso das escolas que não foram construídas e o valor provas. A PF tem bons peritos químicos, grafotécnicos e de voz. Ouvi
foi desviado, e que no inquérito passou ao largo ouvir as pessoas envolvi- dizer que em Brasília há um centro de alta qualidade de perícias da PF,
das – você não fez uma vistoria, você não verificou as contas para ver se não conheço. Não conheço a realidade das polícias estaduais. Às vezes,
houve prestação de contas nem nada e surge aquilo cheio de lacunas –, aí os crimes investigados são de difícil comprovação e a prova é mal feita.
vem a denúncia acusando todo mundo de tudo. A primeira alegação de Houve uma grande operação policial em Foz do Iguaçu, há anos atrás,
defesa, que uma defesa competente faria, é justamente que não tem prova para investigação de corrupção dos policiais rodoviários federais. O di-
nenhuma para amparar aquela ação penal, não tem prova da apropriação nheiro que eles pegavam de cada ônibus era pouco, cerca de R$ 200,00.
e não tem prova de nada. E o momento de se fazer essas provas é o inqué- Assim, nada foi constatado na quebra bancária. Além disso, havia muitas
rito, não é depois da ação instaurada. A rigor, você não teria ali elementos filmagens e muitas interceptações de telefone, mas só em um caso havia
nem para instaurar a ação nem para receber a denúncia, que o recebi- a filmagem da extorsão do ônibus e esta coincidia com uma gravação
mento já ia pressupor indícios de materialidade e de autoria. Então eu telefônica. Por esse fato, houve condenação. Infelizmente, em grandes
• Tomo 2 •

acho que o caminho mais correto seria rejeitar a denúncia, até para evitar operações essa situação é mais frequente: muitos elementos de prova no

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conjunto, mas, na hora de analisar a conduta de A no fato B, vê-se que A atuação do Judiciário no julgamento dos crimes econômicos e de corrupção
não há prova consistente, suficiente para condenação. (J12, PR, escrita). foi objeto de interesse acadêmico. Nesse campo, pesquisa pioneira na década de 1990,
orientada pela criminologia crítica, apontou a seletividade do sistema de justiça cri-
Por outro lado, a celeridade do inquérito é vista como potencialmente proble-
minal na investigação, na persecução penal e no julgamento dos crimes financeiros
mática. Ao menos um dos relatos demarca diferentes perspectivas de análise dos fatos
(Castilho, 1998). Recente pesquisa empírica, sob o enfoque da análise econômica do
entre juízes e delegados. Estes se convenceriam rapidamente. Sob o crivo do contradi-
Direito Penal, apontou a pouca efetividade do Judiciário no controle penal da corrup-
tório, o julgamento se tornaria mais complexo:
ção (Alencar; Gico Júnior, 2012).
A autoridade policial... ela se convence rápido, porque o inquérito tem
que ser rápido, é o princípio da celeridade. Não tem advogado, não tem Nos últimos anos, novos estudos sugerem que o discurso da impunidade deve ser
contraditório, então a autoridade policial ouve, ouve e “esse cara não me constantemente revisitado. Em pesquisa recente sobre a atuação dos Tribunais Regionais
convenceu, não, a justificativa está fraca”, e já indicia. Enquanto o juiz, Federais nos crimes contra o sistema financeiro, apontou-se que as condenações supe-
não, tem que ouvir advogado e é todo um procedimento, toda uma for- ram as absolvições (Machado, 2010). Conforme analisado neste estudo (Capítulo 1),
malidade, que vai realmente atrasando uma conclusão do processo. É ou- em recente tese de doutorado, Beck pesquisou as informações nas bases de dados de to-
vir precatória e advogado indicar prova, e a autoridade policial, não: “Isso dos os Tribunais Regionais Federais. Os dados encontrados pelo pesquisador permitem
aqui pra mim está bom, está ótimo”. (J5, GF/DF). estabelecer parâmetros comparativos de 2000 a 2012 (Beck, 2013, p. 323). Em resumo,
a partir das informações obtidas nos sítios dos Tribunais Federais, o autor analisou a
O relato sugere suposta expectativa do delegado de que ele (o magistrado) seja
também convencido, segundo as razões apresentadas no inquérito policial. Um dos jurisprudência relacionada aos crimes contra a ordem tributária, crimes de lavagem de
participantes descreve o que percebe como certo direcionamento do inquérito poli- dinheiro, crimes contra o sistema financeiro e aos crimes tipificados na Lei de Licitação.
cial, conforme as conclusões a que o delegado chegou em relação ao caso que tem em As principais conclusões sugerem que as condenações ultrapassam as absolvições em to-
mãos. Assim, o delegado atua segundo suas próprias convicções, o que nem sempre é dos os delitos econômicos analisados no período. O autor apresenta diferentes hipóteses
suficiente para o convencimento do juiz: explicativas. Uma das questões destacadas é a especialização das Varas em lavagem de
dinheiro e crimes contra o sistema financeiro após o ano de 2004 (Beck, 2013).
O que talvez possa acontecer, tentando colocar-me no lugar do delegado,
é que o delegado se convence por métodos diversos dos que o juiz ado- As conclusões acima referidas remetem ao debate sobre a seletividade do sis-
ta. Acho até do que do próprio acusador, a diferença mais pronunciada tema de justiça criminal e instigam novas pesquisas sobre a atuação das organizações
é com relação ao julgador. O delegado está lá investigando, o método da que participam da divisão do trabalho jurídico-penal. Durante a realização do traba-
investigação, se ele se convence que o investigado é o culpado, ele indi- lho de campo, os sujeitos da pesquisa apresentam distintas visões sobre a seletividade
cia o investigado e ponto final. Para ele está tudo resolvido. Se o cidadão do Judiciário, especialmente nos delitos econômicos. Alguns dos relatos apontam que
não for condenado, isso é uma deficiência do aparelho judicial, incluindo o grande parte dos casos que movimentam a Justiça Federal não deveriam receber trata-
Ministério Público, se me permite a expressão. Então o delegado, para ele, mento penal. De um lado, alguns delitos contra o sistema financeiro deveriam ser des-
fez o trabalho dele, e fez bem feito. Só que para o convencimento judicial
locados para o direito administrativo sancionador. De outro lado, algumas narrativas
isso ainda é pouco, você precisa ter elementos que de fato te deem justifi-
destacam a seletividade do sistema de justiça, que operaria de forma perversa ao punir
cativa suficiente para apontar pra alguém e dizer: “Você é o autor do crime,
os indivíduos mais débeis, o que justificaria a adoção de teses jurídicas para restringir
o crime foi provado e a prova é essa, o autor do crime é você”. (J6, GF/DF).
a incidência do Direito Penal. Nesse sentido:
O grosso é esse crime pequeno de falsificação de documento, esse é o gros-
1.4 • A INSTRUÇÃO E O JULGAMENTO DOS so. E são casos pontuais que demandam um trabalho. Eu vou falar um ne-
DELITOS ECONÔMICOS E DE CORRUPÇÃO gócio aqui que é meio polêmico, e normalmente eu nem falaria, mas acho
que crime contra o sistema financeiro não deveria ser crime. Deveria dar-se
mais poder pro Banco Central apurar isso lá e dar multa. Porque a opera-
Desde a obra seminal de Sutherland, identificamos pesquisas que apontam a se-
cionalização disso, pelo menos no Brasil, é dificílima. (J5, GF/DF).
letividade do sistema de justiça criminal no julgamento dos crimes de colarinho bran-
• Tomo 2 •

co. Embora no Brasil não exista um número elevado de estudos na área, as pesquisas É o eterno problema do Direito Penal. Você tipifica uma conduta para
realizadas sugerem diferentes perspectivas (Capítulo 1). você aplicar no Direito Penal, você fere uma série de comportamen-

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tos que, quando confrontados com o bem jurídico que você quer, são interior. Ações de improbidade têm sido cada vez mais comuns em muni-
absolutamente insignificantes. No caso do crime contra o sistema cípios do interior do Brasil. Nos últimos anos (dez anos), a Justiça Federal
financeiro, você fraudar um financiamento é um crime contra o experimentou um movimento de grande interiorização, compartilhando
sistema financeiro, quem vai responder por esse crime é o agricultor... ali, as competências antes limitadas aos grandes centros e capitais com mé-
de Luziânia, que pegou um financiamento a juros subsidiados para a fa- dias e pequenas cidades do interior do Brasil. (J11, PR, escrita).
zenda dele e aplicou 90% dentro do plano de aplicação e 10% ele resolveu
trocar a picape dele por um carro mais moderno. [...] Eu acredito que es- Especialmente ao longo da última década, outra tendência referida pelos par-
tão, de alguma maneira, selecionando. Eles estão de alguma forma crian- ticipantes foi a especialização das Varas. A criação e manutenção de uma estrutura
do artifícios pra matar isso no início, é o que eu faria. Insignificância. administrativa adequada para o julgamento da criminalidade complexa pautaram
Desclassifica para estelionato, manda pra Justiça comum e reza para que mudanças implementadas nas Varas Federais nos últimos anos. Houve recomenda-
prescreva no meio do caminho. Eu não vou processar isso porque, se eu ção do Conselho da Justiça Federal pela especialização das Varas com competência
tiver que processar isso, eu não processo mais nada. (J6, GF/DF). para crimes de lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro na Justiça
Federal. A especialização ocorreu nas distintas regiões da administração de
Justiça Federal, principalmente nas Varas localizadas nas capitais dos estados. Para
viabilizar a especialização e a continuidade do julgamento dos outros crimes, insti-
2 • MODELO ORGANIZACIONAL tuíram-se em alguns tribunais modelos de compensação:
Há uma compensação para os crimes contra o sistema financeiro e lava-
2.1 • INTERIORIZAÇÃO E ESPECIALIZAÇÃO DA JUSTIÇA FEDERAL gem de dinheiro, em razão da complexidade, então, se eu receber um pro-
cesso dessa espécie de crime, há uma compensação, eu deixo de receber
A forma de organização da Justiça Federal no Brasil engloba territórios com três processos de crimes comuns, três processos envolvendo os crimes
grande diversidade interna. A persistência da estrutura, a despeito da Emenda contra a Administração Pública. Tudo isso em razão da complexidade
Constitucional n. 73/2013, que cria novas regiões e reestrutura as já existentes, cuja dos fatos. É resolução, é uma resolução que faz essa compensação, e é pelo
eficácia foi suspensa por liminar em sede da ADI 5017 no STF, gera discussão entre os sistema, é automático. (J5, GF/DF).
participantes da pesquisa.
A especialização da Justiça Federal para a instrução e o julgamento dos deli-
Durante a realização do trabalho de campo, os sujeitos da pesquisa criticam tos econômicos, em especial os crimes de lavagem de dinheiro e contra o Sistema
as disparidades regionais e apontam diferenças importantes na estrutura material e Financeiro Nacional, ocorreu durante a década de 2000, conforme já referido nesta
humana. Alguns dos relatos apontam tendência de interiorização das Varas Federais. pesquisa. A especialização ocorreu principalmente nas Seções Judiciárias localizadas
O modelo formal, pretensamente uniforme, é moldado pelas especificidades locais. As em capitais e foram subsidiadas por resoluções do Conselho da Justiça Federal10.
expertises diferenciadas resultam, assim, da práxis associada ao desempenho prático
da atividade judicante em distintos contextos sociais:
10 Conferir, especialmente, o sítio do Conselho da Justiça Federal, no qual encontramos o relato
A Justiça Federal tem uma organização mais ou menos comum nas suas histórico oficial da especialização das Varas Federais – <www.cjf.jus.br> –, a Resolução n. 314 do
cinco subdivisões territoriais (cinco Tribunais Regionais Federais). As di- CJF, aprovada em 12 de maio de 2003, que previa no caput do art. 1º que: “Os Tribunais Regionais
ferenças se dão pela diversidade cultural e pelas peculiaridades regionais Federais, na sua área de jurisdição, especializarão varas federais criminais com competência exclu-
das localidades que integram os respectivos Tribunais. Por exemplo, é na- siva ou concorrente, no prazo de sessenta dias, para processar e julgar os crimes contra o Sistema
tural que a região amazônica concentre uma expertise maior em temas Financeiro Nacional e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores”. Essa resolução foi revo-
gada pela Resolução n. 273, de 18 de dezembro de 2013, que reiterou a especialização já prevista e
ambientais e que as regiões de fronteira (Sul e Norte, principalmente)
ainda previu no inciso II do art. 1º a criação de Varas Criminais especializadas em “[...] os crimes
concentrem maior expertise em crimes aduaneiros e de tráfico internacio-
praticados por organizações criminosas, independentemente do caráter transnacional ou não de
nal de armas e drogas. Grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, suas infrações, assim definidas no § 1º do art. 1º da Lei n. 12.850, de 2 de agosto de 2013”. A reso-
têm uma estrutura mais organizada para crimes financeiros e afins. O lução determinou, conforme parágrafo único do art. 1º, que: “Nas seções judiciárias onde houver
DF, a sua vez, concentra muitas ações coletivas, demandas relacionadas três ou mais varas federais com competência criminal exclusiva, a especialização a que se referem os
• Tomo 2 •

a sindicatos, ações de improbidade e servidores públicos como um todo. incisos deste artigo recairá em pelo menos duas delas, conforme o que dispuser o normativo de cada
A Região Nordeste tem uma vocação previdenciária forte nas cidades do tribunal regional federal”.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

O mapeamento organizacional que antecedeu o trabalho de campo indicou o se- camente transferidos, desde a fase do inquérito policial, para esta Vara
guinte panorama nas Seções Judiciárias objeto da presente pesquisa: a Seção Judiciária de em Curitiba. [...] Além das Varas Federais, Curitiba conta com quatro
Pernambuco conta com três Varas Criminais (4a, 13a e 36a Varas), sendo as duas primei- Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais (competentes até 60
ras competentes para julgar crimes de lavagem de dinheiro e contra o Sistema Financeiro SM e crimes de menor potencial ofensivo), mas toda a matéria criminal
Nacional, ao passo que a 36ª é competente para a execução penal e tribunal do júri. restante é da alçada do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o qual
congrega os três estados do sul do Brasil. (J8, PR, escrita).
Aqui em Pernambuco a gente tem três Varas especializadas Criminais.
Essas três Varas são a 4ª, a 13ª e a 36ª. Diante da necessidade da definição Na Justiça Federal do Paraná, há Subseções nas cidades com maior de-
das competências, todas as Varas recebem os crimes gerais, mas ficaram manda quantitativa. As competências dentro da subseção são determi-
a 4ª e a 13ª especializadas em lavagem de dinheiro e Sistema Financeiro nadas de acordo com as demandas qualitativas. Como, por exemplo,
Nacional, ou seja, elas pegam tudo, e o que for de lavagem de dinheiro índice de maior número de processos criminais ou previdenciários ou
e sistema financeiro vai para lá também. Nesta Vara aqui, que é a mais tributários. Foz do Iguaçu conta com três Varas Federais Criminais, uma
recente, há uma resolução do tribunal que diz que a mais recente sempre Previdenciária e duas Cíveis. Uma das Varas Criminais é especializada
vai ficar com a execução penal, que é a execução penal das três Varas. em contrabando/descaminho, em razão do alto índice desse tipo de cri-
Toda a fase depois do trânsito em julgado da sentença fica aqui. Aqui tem me na região, em virtude de ser fronteira com o Paraguai. Acredito ser a
a execução penal e uma especialização para os crimes dolosos contra a única Vara com esse tipo de especialização do Brasil. A Justiça Federal
vida, que é o júri federal, então fica aqui. (J3, PE). da 4ª Região tem como característica que a diferencia das outras regiões
a alta capilaridade, ou seja, presença significativa no interior dos estados
E pontua a relevância da especialização: que a compõem (RS, SC e PR). (J12, PR, escrita).

Essa especialização é necessária justamente para você realizar o andamento Na Seção Judiciária do Distrito Federal, a competência criminal é atribuída
do processo de uma forma com maior experiência. Então é assim, ela é di- a duas Varas (10a e 12a)13. A primeira é especializada para crimes de lavagem de di-
ferente, vamos supor, de uma Vara na Paraíba em que, hoje, esse ano é que nheiro e contra o Sistema Financeiro Nacional. A distribuição ocorre por um regime
foi criado uma Vara Criminal na Paraíba, mas até esse ano todas as Varas de compensação: para cada processo de lavagem ou contra o Sistema Financeiro
recebiam processos penais. Então não havia especialização, ela recebe tudo,
Nacional, quatro que envolvam os demais crimes são distribuídos para a 12ª Vara
só havia especialização lá para o juizado. Então as Varas Cíveis tinham exe-
Criminal. Nesse sentido:
cução fiscal, execução penal e ações penais também, tudo junto. (J3, PE).
Em todas as Varas nós temos juízes federais titulares, federais substitutos,
A Seção Judiciária do Paraná conta com três Varas Federais (12a, 13a e 14a)11 com
cada um tem seu gabinete e a distribuição é feita de modo objetivo, são
competência criminal. As primeiras são especializadas em crimes de lavagem de dinhei- números ímpares para juiz substituto e números pares para juiz titular. A
ro e contra o Sistema Financeiro Nacional e a última tem competência para execução nossa distribuição é sempre assim. A estrutura de equipe de pessoal, né?
penal. Vale destacar que as três acumulam competência para o julgamento dos demais Equipe de trabalho nós temos, em regra, dois servidores em cada gabine-
crimes federais12. Os participantes lotados em Varas Federais no Paraná explicitam suas te e mais uma secretaria, que tem um diretor de secretaria e mais cerca de
percepções sobre a especialização do Judiciário federal, particularmente na 4ª Região: oito servidores. (J7, GF/DF).
As Varas Federais em Curitiba são especializadas por matéria, contan- Eles deslocam para alguns lugares, às vezes, uma cidade de fronteira, por
do com três Varas Federais Criminais, uma das quais especializada em exemplo, que não tenha funcionário, que não necessite de tantos fun-
crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro. Todos os cionários, às vezes, ele desloca pra outros. É questão de gestão mesmo.
processos do Estado do Paraná envolvendo esta matéria são automati- Então, assim, nós temos várias realidades na Justiça Federal com o mes-
mo número para todos. Então são 14 servidores, o juiz e o juiz substituto.
[...] Então são 14 servidores hoje na Justiça Federal, que aí tem as dife-
11 Já respeitando a redistribuição determinada pela Resolução n. 99, de 11 de junho de 2013.
renciações. Uma Vara Cível tem as suas diferenças de supervisões, como
12 As informações acerca das Varas especializadas da Seção Judiciária do Paraná podem ser consul-
tadas no sítio da Justiça Federal paranaense – <www.jfpr.jus.br> – e no relatório Justiça ao alcance
• Tomo 2 •

de todos disponibilizado pela Justiça Federal no mesmo sítio. Entre os atos normativos citados, a 13 Informações disponíveis em: <http://portal.trf1.jus.br/sjdf/institucional/composicao/varas-
Resolução n. 99 do TRF 4ª Região, de 11 de junho de 2013, reorganizou a numeração das Varas. federais.htm>.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

a de assuntos. A Criminal tem suas dificuldades, cada uma delas tem sua Na nossa pesquisa, os participantes criticam a carência de apoio técnico para
dificuldade. (J1, DF). auxiliar na instrução processual: “As Varas Criminais contam com todo o apoio ne-
cessário, tendo sido agregado um corpo permanente de servidores. A principal defi-
Na Seção Judiciária de São Paulo, há três Varas especializadas em lavagem de
ciência é a falta de servidores com especialização na área técnica e contábil” (J8, PR,
dinheiro e delitos financeiros, além de Varas com competência para a matéria em
escrita). Nesse sentido:
Campinas e Ribeirão Preto14. As narrativas descrevem os modelos legais e pautam
a evolução recente das estruturas criadas e as diferenças entre as Varas Federais no A Justiça Federal não dispõe de estrutura técnica própria. As perícias em
interior e na capital: “As Varas Criminais localizadas no interior são, via de regra, de drogas, grafotécnicas ou de voz, por exemplo, são realizadas pelos peritos
competência mista (cível, criminal, previdenciária, execução fiscal)” (J9, SP, escrita). da Polícia Federal. As perícias técnicas da Polícia Federal costumam ser
Um dos participantes destaca a peculiaridade da administração de Justiça Federal na excelentes e rápidas. As perícias médicas previdenciárias costumam
capital paulista, onde seriam frequentes as grandes operações. Nesse sentido: ser de difícil execução, em razão da falta de especialistas que tenham in-
teresse econômico em realizar a tarefa. (J12, PR, escrita).
Na 3ª Região (SP e MS), há três Varas especializadas em lavagem de di-
nheiro e crimes financeiros em São Paulo (capital) e uma em Campo A estrutura que nós temos no gabinete não é uma estrutura muito boa,
Grande, com competência territorial para o estado todo. Além disso, não tem muitos servidores comigo trabalhando no processo. Eu gostaria
Campinas e Ribeirão Preto possuem uma Vara cada com especialização, de estar um pouco menos onerado em recolher informação do processo
apenas para o território da Subseção. (J14, SP, escrita). para trabalhar com a decisão do mérito do que eu estou hoje, mas, enfim,
essa é a realidade, a gente tem que lidar com a realidade. (J6, GF/DF).
Na capital de São Paulo há uma grande massa de casos, por assim di-
zer, mais simples e um percentual relativamente expressivo de casos com A insatisfação é recorrente nas narrativas que detalham o treinamento disponi-
maior repercussão social ou na mídia. No interior, os casos de grande bilizado para a atividade-fim. A deficiência técnica dos servidores para determinadas
repercussão são muito mais raros. De modo geral, no interior os casos são áreas deveria ser enfrentada urgentemente. Um dos relatos aponta, inclusive, a insufi-
relativamente mais simples. Além disso, boa parte dos advogados da ca- ciência de oficiais de justiça para execução dos atos processuais, com prejuízos impor-
pital é composta por profissionais muito qualificados e bem competentes, tantes para a prestação jurisdicional:
o que torna mais qualificada a atuação jurisdicional. No interior também
há bons advogados, mas não na mesma proporção. Há necessidade de O juiz trabalha praticamente apenas com sua assessoria. Não existe um
expansão, no interior, da Defensoria Pública da União, pois também con- apoio institucional externo. O que eu procurava fazer era ter um contato
tribui para melhorar a atividade jurisdicional. (J10, SP, escrita). direto com a PF, o Bacen e a CVM. Assim, tinha acesso a consultoria es-
pecializada. Mas isso não era algo formal, institucional. Isso tudo se perde
cada vez que um juiz deixa a Vara. (J14, SP, escrita).

2.2 • ESTRUTURA DE APOIO HUMANO E TÉCNICO Não existe um setor de apoio técnico na Justiça Federal nos moldes da
indagação, ou seja, como um quadro de servidores. O mais parecido com
As narrativas sugerem a necessidade de incremento do apoio humano e técnico isso se verifica em alguns locais, onde há uma contadoria para auxiliar
para as Varas Federais. As dificuldades relacionadas à instrução de crimes complexos em determinados casos onde possa ser necessário o conhecimento con-
como os crimes financeiros e a lavagem de dinheiro relacionam-se também à insufici- tábil. Em determinadas situações, são convocados peritos judiciais para
ência de servidores com expertise na área. atuação pontual, caso a caso, conforme a especialidade desejada. No caso
de réus estrangeiros, há a convocação de intérpretes para a realização das
Esse não é um problema recente nem se restringe ao Judiciário. Em pesquisa audiências. Peritos e intérpretes são terceiros alheios aos quadros funcio-
realizada na década de 1990, constatou-se o “constrangedor” problema do desapare- nais da Justiça Federal e integram um cadastro organizado pela Diretoria
lhamento da Polícia na apuração, decorrente do “pequeno número de peritos e do do Foro da Justiça Federal, sendo convocados conforme a necessidade.
despreparo dos delegados na condução de investigação que exija conhecimentos pro- Costumeiramente ouvimos reclamações de peritos e intérpretes que não
fundos do mercado financeiro” (Castilho, 1998, p. 259-260). recebem seus honorários em tempo razoável, além de se queixarem dos
baixos valores pagos. Há deficiência, pois, de profissionais, especialmente
• Tomo 2 •

de intérpretes, e a remuneração paga, em geral com atraso, afasta ainda


14 No âmbito do Estado de São Paulo, as informações foram extraídas do sítio <www.jfsp.jus.br>. mais as chances de ter um bom profissional à disposição. (J10, SP, escrita).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Aqui eu mencionaria assim: a principal deficiência é a quantidade de Justiça Federal no primeiro grau, porque você não tem assessores, na
oficiais de justiça. É muito pouco para o volume de processos, então a verdade você tem os do quadro. Você tem os cargos de confiança, que
gente não tem. Eu acho que no processo criminal, como demanda in- são muito baixos. (J1, DF).
timações pessoais frequentes, não tem como você presumir ciência da
pessoa, você tem que ir atrás e intimar. O trabalho do oficial de justiça é Na pesquisa de Castilho, apontou-se que a morosidade da instrução criminal
muito grande, então é muito difícil para a gente relacionar a quantidade influencia diretamente a seletividade do sistema de justiça nos crimes financeiros. Na
de expediente, que é imensa, com a quantidade de oficiais de justiça. Eu, sua avaliação, inspirada pelos estudos da criminologia crítica, torna-se mecanismo,
por exemplo, só tenho três para cumprir tudo, tudo o que se pode ima- deliberadamente ou não, funcional para a manutenção do modelo: “A morosidade de-
ginar. Então, assim, toda a região metropolitana, toda a área de jurisdi- corre de um lado da estrutura material do Judiciário e de outro, o mais relevante, de
ção da Vara, com três pessoas, se dividir, pra intimar todo mundo. Em vários fatores, ínsitos no processo, tais como a centralização do mesmo em um só juiz”
outros lugares tem central de mandados, mas eu também tenho minhas (Castilho, 1998, p. 277).
dúvidas. Eu acho que em todos os lugares isso é um grande problema,
essa parte de oficial de justiça. (J3, PE). Durante o trabalho de campo foi possível confrontar visões diferenciadas.
Alguns dos relatos reconhecem as melhores condições da Justiça Federal em relação
O relato de participante lotada em São Paulo explicita a realidade das Varas
à Justiça Estadual. Ainda assim, há distorções importantes, avalia-se, com repercus-
Federais mistas, que apresentam problemas estruturais importantes. Os casos mais
são direta para a instrução e o julgamento dos processos. Na alocação dos recursos
complexos, especialmente as chamadas grandes operações, podem inviabilizar o an-
escassos, os tribunais teriam prioridade em relação às Varas Federais. Outros sugerem
damento das Varas. Alguns crimes acabariam prescrevendo:
distorções entre as Varas em cidade do interior e nas capitais: “O juiz tem 13 servidores
A Vara mista de interior muitas vezes enfrenta problemas estruturais gra- para cuidar de todo o acervo da Vara. Na maioria das Varas, há apenas dois
ves quando recebe inquéritos muito volumosos e de grandes operações. A servidores cuidando do setor criminal, enquanto numa Vara especializada da capital há
Vara literalmente para de funcionar quando há operações de grande por- 13 servidores cuidando apenas de processos criminais” (J9, SP, escrita). Nesse sentido:
te. Uma solução para essa questão é a criação de mutirões para auxiliar
juízes com processos e inquéritos complexos, pois os processos criminais Comparativamente com as outras “Justiças”, pode-se dizer que a Justiça
prescrevem e uma Vara Federal não pode parar por causa de sobrecarga Federal tem um apoio técnico acima da média, organizando-se com um
de trabalho criada por processos vultosos. Em relação às mudanças, a quadro de servidores efetivo e qualificado. A qualidade e a especialização
única significativa que ocorreu nos últimos anos foi a criação de sistema variam de acordo com a região e com a atenção dispensada aos servidores
de controle concentrado por parte do CNJ. Nos dias atuais, as Varas têm que cada Tribunal dá. Há algumas distorções na distribuição do quadro
de informar o número de escutas telefônicas e de réus presos. Esse tipo de servidores, havendo Varas com muitos colaboradores e pouco trabalho
de informação aumenta ainda mais a burocracia do sistema criminal das e outras com muito trabalho e pouco colaboradores. (J11, PR, escrita).
Varas. (J9, SP, escrita).
Em relação à desproporção do apoio entre Varas Federais e os respectivos
O relato de participante lotado no DF aponta outro problema enfrentado. Tribunais, o participante critica a alocação dos recursos, o que evidenciaria a prioriza-
Quando há mudança na titularidade das Varas Federais, surgem as dificuldades para ção da cúpula no gerenciamento organizacional:
gerenciar as equipes de apoio:
Há também uma notória distribuição desproporcional entre o número de
Quando a gente aceita um desafio de ir pra uma Vara, metade dos fun- servidores dos Tribunais Regionais e o número de servidores das Varas,
cionários sai ou então se aposenta porque fica com medo, pois o juiz vai aqueles bem mais aquinhoados. Nos últimos anos tem-se observado um
trazer outros servidores. Isso dificulta porque a Justiça Federal tem esse retrocesso, com um êxodo muito grande de servidores em busca de uma
grande problema: quando o juiz toma posse, ele leva os melhores e dei- melhor relação custo X benefício no serviço público. Noto uma tendência
xa o buraco. Quando ele é removido, do mesmo modo, ele deixa alguns de desprofissionalização da Justiça Federal que, aos poucos, vai regredin-
funcionários; nesse caso, a juíza se aposentou, a diretora saiu, saíram do para práticas de gestão de pessoal ultrapassadas, com um incremento
muitos. Isso é bom para o trabalho do juiz, agora, assim, os servidores de colaboradores de fora do quadro efetivo (terceirizados, cedidos, requi-
• Tomo 2 •

todos são servidores de carreira aqui, nem há como haver nepotismo na sitados etc.). (J11, PR, escrita).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

2.3 • ESPECIALIZAÇÃO, EXPERTISE E A Posso falar apenas pelos crimes financeiros e de lavagem de dinheiro. Há
muito poucos cursos do Poder Judiciário nessa área. E aqueles que exis-
INSTRUÇÃO DOS DELITOS ECONÔMICOS tem são vagos. O mais importante não é o conhecimento jurídico. Isso se
adquire com livros – sobre o tema, aliás, quase todos os livros são ruins,
Alguns dos relatos do trabalho de campo apontam, em relação aos delitos tratam apenas de tudo o que já sabemos e não resolvem problemas práti-
econômicos, que o Judiciário “não está aparelhado para lidar apropriadamente com cos. O mais importante, na lavagem, é o conhecimento prático que se ad-
tais crimes, que exigem uma superespecialização” (J11, PR, escrita). Os magistrados quire nos julgamentos e nas conversas com os colegas: formas típicas de
participantes apontam a necessidade de especialização e de conhecimentos técnicos lavagem de dinheiro, funcionamento de sistemas característicos de atu-
para a instrução e o julgamento de crimes de alta complexidade. O conhecimento ação, exame de documentos, identificação de padrões, saber interpretar
relatórios do Coaf, informações da Receita etc. Nos crimes financeiros,
técnico não é, contudo, suficiente, pois a expertise surge também da experiência prá-
então, a situação é mais complexa. É preciso ter um conhecimento razo-
tica, da práxis judicial:
ável de contabilidade financeira, até para não julgar os casos de forma
É essencial na verdade, assim, para análise de documentos e tudo, para meramente “formal” e não se limitar a aceitar conclusões do Bacen. É
mim, o que é fundamental é você ter experiência anterior nesse tipo preciso estudar regulações do Bacen e da CVM. Ao meu ver, seriam mais
de causa. Causas tributárias, causas previdenciárias, você ter experi- relevantes encontros sobre temas específicos, como câmbio, mercado de
ência em como a coisa funciona na própria concessão dos benefícios. valores mobiliários, regras prudenciais de instituições financeiras, do que
Isso traz outra visão quando você vai julgar crimes relacionados a isso. congressos jurídicos. Eu procurava, como disse, obter essas informações
[...] Há uma necessidade nesses tipos (penais) de uma especialização diretamente dos órgãos, em conversas informais. (J14, SP, escrita).
por parte do magistrado, porque o que se forma nesses casos é uma
O relato de participante lotado no Paraná diverge quanto à ausência de curso e
teia muito grande. Então o juiz, que tem como atribuição a execução
sugere evolução nos últimos anos. A especialização levou ao incremento das deman-
penal, faz muitas audiências e tem uma série de processos que vêm das
outras Varas. (J3, PE). das por cursos de formação na área:
Logo que as Varas foram especializadas, eu lembro que os juízes pediram
Os relatos apontam a disparidade na especialização das Varas, com repercus-
muitos cursos pro Tribunal pra entender mercado de valores. A CVM
sões diretas sobre a prestação jurisdicional. O conhecimento prático, fruto da experi-
era um grande desconhecido, o que a CVM faz e os acordos de leniência.
ência profissional, seria determinante na prestação jurisdicional: Quando chega pro Ministério Público, já passou por todas aquelas ins-
Os estados menores não têm especializações, nem da própria Vara tâncias e eles fizeram inúmeros cursos, fizeram curso com o Coaf, com
Criminal. E havendo Vara Criminal também não haveria necessidade de a Receita Federal, com o Banco Central... eu lembro assim que foi uma
distinguir as competências criminais, por não ter volume de processos sucessão não só dos juízes, mas os servidores das Varas passaram por isso
que demandasse isso. Mas nos estados de maior população essa especiali- também, porque tem que ter servidores preparados pra lidar também. Foi
zação que eu comentei de execução penal e de lavagem de dinheiro sem- geral, foi pra juízes e servidores. O Tribunal tem mandado também esses
pre acontece. Em Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo. Rio de Janeiro tem servidores de Vara de Lavagem pra cursos que acontecem promovidos
acho que são nove Varas Criminais e, sendo nove, tem uma só de carta pelo Ministério da Justiça, pelo DRCI. Em matéria de lavagem de dinhei-
precatória e execução penal. Essa é totalmente apartada das outras, sabe? ro, eles fazem curso permanente de atualização. Então os servidores têm
E aí gera o lado bom: é que, especializando, você anda bem melhor com feito cursos, o Tribunal sempre investiu bastante nisso. Houve uma luta
os processos. (J3, PE). no início pra dotar essas Varas de estrutura. (J2, PR).

A vantagem da especialização não se resume aos últimos relatos. Ela também


propicia, avaliam os participantes, a ampliação da rede de relações com organizações 2.4 • PRIORIDADES E CRITÉRIOS
de controle e agências reguladoras com atuação na área financeira, contábil ou an-
ticorrupção. Critica-se a carência de cursos oferecidos pelo Judiciário voltados para Nos últimos anos, a definição de planos estratégicos passou a ocupar a agen-
a criminalidade econômica. Ao privilegiar-se os cursos de formação jurídica, não se da do Judiciário brasileiro. O CNJ tem recebido atenção dos meios de comunicação
• Tomo 2 •

busca a interdisciplinaridade necessária para atuação na área. O magistrado deve bus- de massa não apenas por sua atividade correcional, mas também pela construção de
car, pela troca de experiência, suprir eventuais falhas: agenda voltada para a definição de prioridades e metas.

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Os participantes não são unânimes em relação ao tema. Alguns são críticos so- Particularmente, eu fazia isso “no tato”. Não existia um critério for-
bre a forma como se definem as prioridades, muitas vezes dissociadas da base e dos mal. Mas havia em torno de 10% a 20% de processos que eu con-
contextos e realidades locais. As narrativas sugerem critérios diferenciados para a de- siderava mais relevantes – pela gravidade dos delitos, pelos valores
finição de prioridades, nem sempre em sintonia com as definidas pelo CNJ: envolvidos, pelo tempo transcorrido etc. – e procurava conferir-lhes
agilidade. (J14, SP, escrita).
Respondendo por mim e dentro da minha realidade de trabalho, posso
dizer que as prioridades são os casos de réu preso, seguidos pelos casos Alguns entrevistados minimizam a influência das metas na definição das priori-
em que se verifica iminente risco de prescrição. Em seguida, há priori- dades pelo magistrado. O que sugere, em alguns casos, insatisfação em relação ao papel
dades fixadas pelo Conselho Nacional de Justiça, que procuro atender o desempenhado pelo CNJ. “A atuação do CNJ geralmente é burocrática e não toma em
quanto antes, tais como “Meta 2”, “Meta 18”, entre outras. (J10, SP, escrita). consideração as peculiaridades regionais. Muitos dos conselheiros não têm a menor
noção de como funciona a Justiça Federal no Brasil” (J8, PR, escrita). Não raramente
Nos dias atuais, as prioridades do Poder Judiciário são indicadas pelo
os casos mais complexos, envolvendo delitos econômicos e corrupção, são preteridos e
CNJ por meio de metas. Nas Varas em que exerço jurisdição, eu aplico
os crimes de menor complexidade tramitam mais rápido e acabam ocupando a pauta:
metas pessoais. Uma delas é trabalhar para que o processo não prescreva
por culpa da morosidade do Judiciário. (J9, SP, escrita). Não existem critérios objetivos de atuação. O juiz das Varas Criminais
geralmente confere prioridade a partir de sua intuição pessoal sobre o
As prioridades são fixadas de acordo com os parâmetros anotados acima.
que seria mais importante. Não raro, crimes sem nenhuma importância
O CNJ, amiúde, fixa algumas metas, mas a magistratura de primeiro grau
passam à frente dos crimes mais complexos. Nos crimes de corrupção,
– que verdadeiramente é o alvo das metas – reclama que não é convocada
os quais em geral envolvem agentes públicos (políticos) e muitos acusa-
para participar desse planejamento. A experiência tem demonstrado que
dos em diferentes cidades, a instrução é difícil e acaba sendo postergada.
muitas das metas servem muitas vezes mais para satisfação dos órgãos de
Crimes menores (moeda falsa, por exemplo) acabam tendo uma veloci-
imprensa e da população em geral do que propriamente para um incre-
dade e uma prioridade porque são mais fáceis e aparecem nas estatísticas
mento da melhoria do sistema de Justiça. (J11, PR, escrita).
oficiais perseguidas pelas corregedorias e pelo CNJ. (J8, PR, escrita).
A diversidade das narrativas permite entrever os distintos critérios para defini-
Alguns dos participantes enfatizam o papel desempenhado pelo CNJ e reco-
ção da pauta de prioridades. Nem sempre a prioridade é definida pelo critério crono-
nhecem a necessidade do estabelecimento de metas para o Judiciário: “O CNJ tem-se
lógico ou pelo volume ou complexidade do caso sob análise:
esforçado para estabelecer parâmetros objetivos no tratamento dos processos pelos
Em uma Vara Criminal, geralmente a ordem de julgamento costuma obe- juízes. A existência de metas nacionais, na minha opinião, é excelente iniciativa” (J12,
decer à antiguidade dos processos. No entanto, processos mais novos po- PR, escrita). Nesse sentido:
dem ser julgados antes por uma série de fatores, como a proximidade da
prescrição ou porque a instrução foi mais curta e célere (processo de um Eu sempre digo isso tanto do CNJ quanto da Enccla. Sei que alguns
réu só, um fato imputado, poucas testemunhas, testemunhas residentes colegas ficam muito bravos, que têm que responder tantas informações
no local do juízo etc.). Além disso, processos com réu preso devem ter pro CNJ, porque a gente tem que dizer quantas interceptações telefô-
prioridade absoluta. (J12, PR, escrita). nicas teve no mês e quantas estão em curso, tem que informar o nú-
mero do processo de inquéritos, tem que preencher o cadastro de bens
Depende do caso, né? Assim, um caso, vamos supor, com 50 acusados, apreendidos. E eu sei que é muita informação pro mesmo número de
né, esse é um processo que demanda um cuidado maior. Ele é diferente funcionários pra fazer tudo. Eu reconheço isso, mas enquanto nosso
de um processo em que se tem um acusado e se trata de um processo sistema não fizer isso de forma automática, lamentavelmente, a gente
simples, de um valor ínfimo. Você não pode tratar da mesma forma um que passou por lá sabe, a gente conta com a atuação voluntária dos juí-
processo que envolve milhões e outro que envolve 500 reais. Eu não estou zes e servidores pra fazer isso. Então eu entendo que não é a forma mais
dizendo que são tratamentos diferentes no sentido de qualidade, mas a adequada, que a gente tem que evoluir pra essa extração automática de
prioridade e o cuidado para aquele caso são bem maiores, né? Então é dados. Enquanto isso não acontece, a gente tem que continuar colabo-
isso, né... dependendo da complexidade do caso, aí é necessário realmen- rando porque só assim se sabe o que se está fazendo e se podem fazer
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te haver um cuidado maior, uma celeridade maior. (J3, PE). políticas públicas voltadas pra isso. (J2, PR).

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Em relação ao CNJ, o papel inicial de atuação dele... é... ele iniciou como dos fatos, mas também pela alta qualificação dos demais partícipes da con-
um órgão censório, né, um órgão disciplinar, mas atualmente ele tem um dução de um feito criminal de tal natureza; em geral, serão grandes advoga-
papel fundamental de uniformização de questões administrativas. Então dos e procuradores altamente combativos a atuar, o que, sem dúvida, exige
o CNJ, hoje, eu vejo o CNJ de forma muito positiva, tanto sob o aspec- mais do Judiciário. Como juiz de primeiro grau, creio que o julgamento
to da questão disciplinar mesmo de você verificar que há uma correção de ações originárias pelos Tribunais possa contribuir para amenizar o viés
maior até dos tribunais, né, porque não havia quem julgasse os tribunais. crítico típico dos juízos de revisão, ao se colocarem como construtores do
Então hoje em dia... assim, abusos de tribunais você submete ao CNJ... e processo ao invés de auditores, sempre tendentes a procurar o erro, a falha.
padronização, uniformização de questões administrativas. Então essa é Bem ou mal, a impressão que tenho é de que os Tribunais têm-se esforçado
uma questão muito importante. (J3, PE). muito para cumprir sua função sistêmica. (J10, SP, escrita).

Alguns dos relatos avaliam positivamente a atuação dos Tribunais Regionais


e Superiores. Criticam-se, contudo, especialmente os Tribunais Superiores, que ado-
2.5 • A ATUAÇÃO DOS TRIBUNAIS REGIONAIS E SUPERIORES tariam o que é descrito como jurisprudência defensiva, inspirada por um modelo de
Direito Penal clássico, inadequado para a criminalidade complexa que engloba os de-
Os diversos relatos dos magistrados participantes possibilitam, também, apro-
litos da nossa pesquisa:
fundar o conhecimento acerca das representações sociais pertinentes às interações
intra e interorganizacionais. Os sujeitos da pesquisa avaliam a atuação dos Tribunais A atuação dos TRFs e dos Tribunais Superiores na instrução e no julga-
Regionais e Superiores não apenas nas competências recursais, mas, especialmente, mento de processos de corrupção e de delitos econômicos é satisfató-
naquelas relacionadas à competência originária em casos de foro privilegiado. Os re- ria. Todos os profissionais trabalham muito bem e respeitam as regras
latos evidenciam as distintas percepções sobre os Tribunais Regionais. As relações, constitucionais. O problema do sistema penal brasileiro é a jurispru-
sugerem as falas, dependem das diferentes administrações e do grau de participação dência defensiva criada pelos Tribunais Superiores. Esta é apegada a
tradições do Direito Penal clássico, e emperra a evolução do sistema
dos magistrados em estrutura descrita como hierarquizada.
penal brasileiro. Seria interessante comparar a jurisprudência das
Um dos relatos de magistrado lotado em Vara Federal do Recife sugere relação Cortes Superiores envolvendo Direito Penal nos países alienígenas e a
próxima com o Tribunal Regional da 5ª Região: jurisprudência penal brasileira; verificaríamos a forma como os casos
de sonegação, corrupção e delitos econômicos são tratados nos demais
Aqui a relação é excelente, na verdade, em termos até da segurança do juiz países; outro fato relevante é que casos de corrupção graves como o da
e tudo que se precisa, e tudo o Tribunal provê, sabe, não temos qualquer Petrobras não ocorrem em países de primeiro mundo e, quando ocor-
problema em relação a isso, então é uma interação direta, geralmente por rem crimes de corrupção nos citados países, eles são solucionados e
e-mail, né, ao corregedor, ao presidente do Tribunal. (J3, PE). punidos de forma exemplar. (J9, SP, escrita).

Outros relatos propiciam visão mais ampla sobre as variáveis envolvidas na cons- Alguns dos relatos são críticos em relação à atuação na instrução e no julgamen-
trução das relações intraorganizacionais e sugerem distintas representações sociais sobre to em casos de foro privilegiado. A atuação careceria da expertise adquirida com a prá-
o desempenho dos Tribunais, tanto Regionais quanto Superiores. Um dos relatos pontua xis diária na instrução processual, realidade distante das rotinas dos Tribunais. Assim:
a complexidade dos julgamentos nos processos de competência originária:
Tribunais, como regra, não têm vocação para a instrução de proces-
Como dito, são cinco Tribunais Regionais Federais. A interação depen- sos criminais (competência originária), pois trabalham em colegiado e
de da administração de cada qual e das peculiaridades culturais de cada não são acostumados com matéria de fato. Por esse motivo existe nos
região. Alguns mais abertos, outros mais fechados, uns menores, outros Tribunais Superiores a figura dos juízes instrutores, que são magistrados
maiores, uns mais inovadores, outros mais tradicionais. Como regra, os de primeiro grau requisitados para cumprirem a fase instrutória. Avalio
juízes de primeiro grau se ressentem numa maior participação na ad- a atuação dos Tribunais no julgamento dos crimes, seja de competência
ministração dos Tribunais, que hoje praticamente inexiste. O Judiciário, originária, seja de competência recursal, como insuficiente, como de re-
como se sabe, é um Poder muito hierarquizado. (J11, PR, escrita). gra o é o sistema judicial como um todo. (J11, PR, escrita).
• Tomo 2 •

De qualquer modo, casos de competência originária são, em essência, mais Participante lotado em Recife expõe a realidade da instrução de processos nos
complexos do que os de primeiro grau, não só pelo requinte e sofisticação casos de competência originária:

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O que eu acho é que nesses casos de competência originária os Tribunais Eu acho isso terrível... assim, acho que deveria haver um filtro bem maior
Superiores não detêm estrutura para fazer instrução, então as instruções sobre o que sobe para os Tribunais Superiores, né, até para eles terem
em regra se realizam em carta de ordem, né? Determina que o juiz faça uma questão mais humana de trabalho, né, prejudica a qualidade, tudo.
colheita daquelas provas, faça inquirição de pessoas e realização de inter- Então é isso... quem tem dinheiro para tá pagando advogado e recorrendo
rogatórios e depois pega esse material para fazer as decisões, isso acon- de tudo ganha com isso o processo ficar interminável, né, então, assim,
teceu no mensalão, acontece em regra, né, a instrução é difundida dessa daqui que volte para a pessoa ser executada, a pessoa nem lembra mais ou
forma. Vai diretamente para os juízes de primeiro grau fazerem, depois o prescreve, né? O problema é esse. (J3, PE).
ministro faz a análise. (J3, PE).
Tenho mais experiência vendo a atuação “de baixo” do que a partir do
E discorre sobre os prejuízos para a instrução: STJ – como disse, estou aqui há pouco tempo. Mas, a meu ver, falta aos
Tribunais Superiores um pouco da “vivência” da primeira instância. Em
Isso é um prejuízo do ponto de vista, assim, ele não é a própria pessoa que especial, houve algumas anulações de provas que, com o devido respeito,
fez a colheita da prova, que fez as perguntas e tal, há um certo prejuízo. ignoram a realidade do trabalho jurisdicional e a gravidade dos fatos.
Eu, como magistrada, vejo um distanciamento muito grande em relação (J14, SP, escrita).
à prova e essa distância muitas vezes prejudica um pouco a análise, a sua
interpretação do caso. Ela é um pouco diferente daquela de quem estava A morosidade dos Tribunais Superiores, particularmente nos casos mais
em contato direto com as pessoas, mas eu imagino que no esquema atu- complexos, que envolvem delitos econômicos, surge como um dos problemas cru-
al e na quantidade de competências que esses Tribunais têm atualmente ciais a ser enfrentado. Além disso, a interpretação extensiva conferida às hipóteses
não teria como ser diferente. O que é de se repensar é essa abrangência de cabimento de habeas corpus teria contribuído para o imenso volume de traba-
da competência originária para quem é corréu e não tem prerrogativa de lho na área penal:
foro, né, que às vezes eles admitem e ficam julgando todo mundo ali, e eu
acho isso sem sentido, e, se tem prerrogativa de foro, fica só aquela pessoa Tem muita coisa aguardando julgamento do STJ ou do STF pra transi-
ali para o julgamento originário. (J3, PE). tar em julgado. Os Tribunais realmente estão demorando bastante, o STJ,
principalmente. O volume de habeas corpus que eles recebem, eles não
A instrução dos processos criminais nas instâncias superiores é muito estão conseguindo julgar os recursos especiais na proporção que deveria.
deficitária, na medida em que são expedidas muitas centenas de cartas Eu acho que foi o alargamento que deram para o habeas corpus ao longo
precatórias, o que torna impossível aos julgados na esfera superior um do tempo, e hoje cada ministro recebe um volume semanal de habeas cor-
contato mais imediato com o conteúdo da causa. (J8, PR, escrita). pus de que ele não consegue dar conta. Se ele tiver que julgar só os habeas,
ele não vai julgar o resto – é uma opção porque a pessoa não consegue
Um dos relatos sugere desconfiança em decorrência da indicação política dos
com o mesmo grupo de servidores fazer as duas coisas. (J2, PR).
integrantes de Tribunais Superiores. Ressente-se de possível influência de escritórios
de advocacia, recorrente nos delitos econômicos e de corrupção envolvendo persona- E complementa sua análise crítica:
lidades do mundo político e empresários:
Então hoje se usa habeas corpus não só pra discutir questão de prisão, mas
O julgamento de recursos nas esferas superiores é visto com boa dose de nulidade de processo, sentença, regime prisional, então, o habeas hoje
desconfiança, diante do fato de que nos crimes graves agentes políticos e serve pra tudo, né? Então o ministro tentou fazer esse retorno do cami-
econômicos estão diretamente envolvidos e se fazem representar por po- nho do habeas, tem um voto célebre dele lá quando ele voltou do CNJ
derosos escritórios de advocacia em Brasília. O jogo político de indicação dizendo que eles estão fugindo da missão essencial, que é julgar recurso
para as vagas no STJ e no STF é visto como o principal combustível desta especial, pra julgar habeas corpus, que não há atuação do MP, porque no
desconfiança. (J8, PR, escrita). resto há de parte a parte, e o habeas está discutindo coisa que o juiz lá não
decidiu ainda. Então eles saltam instâncias que o juiz decidiu e o Tribunal
Outras críticas aparecem em relação ao desempenho dos Tribunais Regionais e ainda não – então ele faz toda essa construção pra dizer: “Temos que
Superiores. Ao menos um dos participantes é especialmente crítico em relação ao mo- limitar o uso do habeas corpus porque, se nós continuarmos assim, não
delo processual penal brasileiro. O excessivo número de recursos torna os julgamentos vamos fazer o que temos que fazer, que é julgar recurso especial, e a coisa
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“intermináveis” e afeta a prestação jurisdicional: não transita em julgado”. (J2, PR).

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3 • A ATUAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL Entre os relatos dos magistrados participantes predomina a imagem de “boa
relação” com a Polícia Federal. Alguns dos sujeitos da pesquisa destacam o que é des-
crito como relação de confiança: “A relação com os delegados da Polícia Federal ge-
A competência da Polícia Federal para apurar e reprimir infrações penais atri-
ralmente é próxima e se baseia no princípio da confiança recíproca” (J8, PR, escrita).
buída pela própria Constituição Federal de 1988 (art. 144, § 1o, I e IV), ao conferir-lhe
Um dos participantes refere-se à Delefin situada na capital paulista: “Os delegados da
o posto de polícia judiciária da União, inclui a investigação dos crimes de competência
Delefin/SP são muito profissionais e respeitam o trabalho do Poder Judiciário” (J14,
federal. Desse modo, o conhecimento de representações sociais acerca da atuação da
SP, escrita). Alguns dos relatos pontuam a qualidade do trabalho da PF, que depende,
Polícia Federal e de sua relação com o Judiciário é parte importante para a compreen- contudo, de interesse específico pelo caso:
são da instrução e do julgamento dos delitos federais.
Então voltando ao ponto inicial, eu não acho que a Polícia trabalhe mal,
Durante a realização do trabalho de campo, foi possível identificar a realização quando ela quer investigar ela investiga bem, porque a Polícia tem estru-
de evento conjunto entre magistrados federais e delegados da PF15. Certamente, um tura e elementos pra isso. Quando a investigação é bem feita, a acusação
dos indicativos de interação interorganizacional supõe observar a construção das re- tem que cumprir melhor esse ônus dela. (J6, GF/DF).
lações extraoficiais e para além dos trâmites processuais e comunicações burocráticas.
Uma das participantes demonstra otimismo em relação à troca de experiências. A nar- Em pesquisa anterior sobre o inquérito policial, evidenciou-se distanciamento
rativa sugere entusiasmo em relação à preparação técnica do corpo pericial: dos magistrados estaduais da investigação policial. Em alguns dos relatos os magistrados
revelam desconfiança e distanciamento da atividade policial e dos delegados de Polícia
No ano passado nós promovemos aqui um encontro de juízes dos três esta- Civil. Por outro lado, revelam sintonia com os promotores de Justiça, com quem teriam
dos com suas polícias técnicas. Eu organizei esse evento e nós fomos até lá proximidade desde os bancos universitários (Misse, 2010; Machado, 2014).
visitar os peritos, e eles não conheciam, nunca tinham visto juízes porque
a gente só se fala por papel. E nós também não sabíamos que os peritos Nesta pesquisa, alguns dos participantes avaliam que as relações “são boas”, mas
são tão preparados, porque são doutores e a maioria deles tem trabalhos os contatos com os delegados ocorrem unicamente quando há necessidade de cautela-
publicados. Então o corpo técnico da Polícia Federal é espetacular. [...] Eles res que dependam da autorização judicial:
ficaram encantados e querem continuar esse diálogo. Montaram uma roda
de debates de parte a parte. Que curiosidade os peritos tinham! [...] Então A relação é muito boa, o contato do juiz com o delegado em inquérito só
foi muito interessante, foi muito apreciado, foi muito interessante de parte a acontece hoje se houver pedidos extremos de quebra de sigilo ou coisas
parte. Eles fizeram indagações e nós fizemos indagações; a gente foi conhe- do tipo. Em todo o resto a tramitação é direta entre a PF e o MPF. Então
cer como eles trabalham dentro dos laboratórios, laboratórios de drogas, de o contato é mínimo, não é regra, o contato é mínimo mas muito positivo.
informática, de engenharia. Foi muito interessante. (J2, PR). O que se precisa da polícia, eu, pelo menos, não tenho menor problema
com a polícia. Ao contrário, a necessidade da justiça é sempre atendida.
Parte da curiosidade evidenciada na fala relaciona-se à ausência de comunicação A gente também tem meios de comunicações informais por e-mail e tal.
entre os envolvidos. O interlocutor indica a demanda dos peritos por feedbacks, retorno Pedido de informação de mandado de prisão, essas coisas assim são feitas
não institucionalizado e que poderia impulsionar formas de aprimoramento do trabalho: por e-mail. (J3, PE).

No ano passado teve, no comecinho do ano, um workshop da Polícia co- Um dos magistrados apontou a especificidade de Varas Federais situadas na
nosco, juízes, e o que eu percebi? A Polícia queria muito ter um feedback, tríplice fronteira:
assim, fora dos autos, do trabalho deles. [...] No workshop eu senti que a
intenção era saber, realmente, o que podem melhorar. Eles mostraram A relação profissional com os delegados em Foz do Iguaçu sempre foi
também o processo de produção de perícia, como eles fazem, todo o apa- ótima. Relação mais próxima com os delegados costuma ocorrer em ope-
rato. E tem todo o trabalho de provas que são produzidas na oportuni- rações policiais em que haja interceptação telefônica, em virtude de ser
dade mais adequada e que depois, com o passar do tempo, já não é mais necessário trabalho orquestrado quanto aos prazos, pedidos, momento
possível fazer essas provas. (J7, GF/DF). da deflagração etc. (J12, PR, escrita).

Por outro lado, há também críticas à atuação da Polícia Federal. Um dos relatos
• Tomo 2 •

15 Conferir: <http://www.cjf.jus.br/cjf/noticias-do-cjf/2014/novembro/cej-cjf-promove-primeiro-dia- ressente-se de que os delegados buscariam “facilitar seu trabalho” direcionando os pe-
logo-da-magistratura-federal-e-policia-federal>. didos para juízes federais que supostamente, na avaliação dos delegados, seriam “mais

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propensos a deferir medidas cautelares” nas investigações que conduzem. Na ótica A produção da prova surge como uma das dificuldades mais relevantes, tanto
dos participantes, aparentemente os juízes que deferem mandados de prisão, buscas e na fase policial quanto na fase de instrução: “É uma prova difícil de fazer porque não
quebras de sigilo são mais “bem-vistos” em geral pelos delegados da PF. Nesse sentido: é um padrão; nesses crimes de corrupção não há um padrão, tudo depende de como a
corrupção se dá, é difícil, e de quem traz o fato a conhecimento: se é da parte do cor-
A Polícia Federal, com essa mídia toda, o que ela faz é escolher o juiz
rompido ou do corruptor” (J2, PR). Nesse sentido:
com quem ela vai trabalhar. E ela vai escolher o juiz com base em que
critério? Com base nos critérios que facilitam o trabalho dela. Um bom Há dificuldade para provar o delito. Esses crimes são realizados de forma
juiz pra Polícia Federal, eu imagino, estou especulando, é um juiz que tem oculta. Sem a existência de um delator, sua descoberta é quase impossí-
facilidade em conceder prisão provisória. Porque sem mandado de prisão vel. Os principais problemas, a meu ver, são a demora e as técnicas de
e, principalmente, sem mandado de busca e apreensão, o delegado perde investigação. É preciso utilizar mais adequadamente as técnicas moder-
até o estímulo se não puder botar o pé na porta e sair com alguém. Eu nas – como interceptação e delação premiada. Mas, para isso, é preciso
vejo que eles ficam até decepcionados quando eu nego um pedido deles, respaldo dos Tribunais. (J14, SP, escrita).
ficam... com uma cara de tristeza! (J6, GF/DF).
Por outro lado, a diversidade das práticas relacionadas à criminalidade com-
plexa supõe variadas formas de atuação e nega a existência de um padrão probatório
3.1 • COMPLEXIDADE DA INVESTIGAÇÃO DA único. Os relatos enfatizam as novas formas de produção da prova, notabilizadas nos
últimos anos, como a delação premiada:
CORRUPÇÃO E DOS DELITOS ECONÔMICOS
Investigar crimes cometidos “às escuras”, como os de corrupção “lato sensu”,
As narrativas dos sujeitos da pesquisa apontam a complexidade das investiga- após a consumação do mesmo, é bastante difícil, servindo nestas situações o
ções e instruções processuais, especialmente em alguns dos delitos econômicos sele- rastro deixado pelos agentes antes e depois do ocorrido como prova, mesmo
cionados. Quando se trata da investigação dos crimes econômicos ou, mais especifi- que aparentemente desconectado do evento em si. Além disso, a palavra da
camente, dos crimes de corrupção e de lavagem, os relatos enfatizam dificuldades e vítima (não corrompida), ou até mesmo do corrompido, deve ser valorada
em maior grau do que ordinariamente, pois a escassez probatória por si só
inúmeras questões inter-relacionadas:
não deve ensejar a absolvição, apenas a prova isolada. Finalmente, saliento
Eu acho que desses crimes nominados o da lavagem de dinheiro é o de in- na presente pesquisa a importância da denúncia anônima ou delação
vestigação mais complexa. Por quê? Se for pegar a estatística dos proces- anônima, a qual durante muitos anos foi desprestigiada, mas, recentemente,
sos de lavagem na Vara, são pouquíssimos processos, mas cada processo tem adquirido maior força em razão dos “disque denúncia”, criados em
tem inúmeros apensos. É um de cooperação jurídica pra saber do dinhei- meio a uma onda de combate aos crimes de corrupção e de moralização
ro que está lá fora, o outro de busca e apreensão, o outro de quebra sigilo dos órgãos públicos. (J13, RS, escrita).
bancário, o outro de quebra de sigilo fiscal, via de regra, tem intercepta-
ção telefônica... Então são muitos apensos e, assim, as pessoas começam
Entretanto, a complexidade da investigação é apenas uma entre as diversas
a querer de volta o bem que está sequestrado, o bem que está bloqueado, dificuldades encontradas para a investigação dos crimes de corrupção e lavagem.
a conta que está bloqueada. Muitos e muitos apensos. Eles são processos Alguns dos relatos enfatizam a falta de autonomia financeira da PF. De um lado, o
extremamente trabalhosos porque quando o juiz for dar essa sentença ele superintendente local pauta as prioridades locais: “A forma como a PF define suas
tem que analisar todas essas situações, ele tem que determinar a perda prioridades toma em consideração a pauta de prioridades e a autonomia do superin-
ou não daqueles bens, a devolução ou não daqueles bens, então é uma tendente da PF local” (J8, PR, escrita). De outro lado, a falta de autonomia financeira
sentença super, supertrabalhosa. (J2, PR). surge como entrave relevante:
Nos crimes de lavagem, a própria estrutura da lavagem é um crime que A principal dificuldade da PF decorre da falta de autonomia financeira
foi criado como um crime parasitário, ele foi criado para ocultar um ou- plena das unidades da federação (Superintendências) para investigar e
tro crime. Então a engenhosidade dos criminosos é a maior possível, e deflagrar operações sem o aval de Brasília, especialmente quando altos
é um crime que é de ação múltipla, então temos vários tipos penais, há membros do Poder Executivo federal são os investigados. No caso de la-
• Tomo 2 •

vários verbos no tipo penal que preveem todas as formas possíveis para vagem de dinheiro raramente se vê um trabalho de cooperação técnica
poder enquadrar. (J15, PE). efetiva entre a PF local e instâncias internacionais. Estas deficiências não

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raro são superadas somente em juízo, quando o juiz acaba determinando 3.2 • INQUÉRITO, ESTRUTURA E PRIORIDADES DA PF
a produção desta prova técnica. (J8, PR, escrita).

Os relatos discorrem, também, sobre aspectos teóricos dos crimes selecionados Ao tratar da investigação dos crimes de lavagem de dinheiro, Mendroni, pro-
na pesquisa. Alguns dos participantes enfatizam que a dificuldade reside na peculiari- motor de Justiça do MP/SP com experiência no Gaeco, propõe que a criminalida-
dade dos crimes que tutelam mais de um bem jurídico, na variedade de objetos mate- de complexa demanda investigação estrategicamente organizada, qualificada como
riais passíveis de violação e na pluralidade de sujeitos passivos direta ou indiretamente “Planificação Estratégica”. Em face da “imensa gama de dados e informações que ne-
afetados. A demora para o início das investigações, fruto da peculiaridade dos atos de cessitam ser checadas, sistematizadas e analisadas, [...] o sucesso da investigação de-
corrupção, surge como complicador para a instrução processual: pende desta planificação e da estratégia escolhida” (Mendroni, 2015, p. 330).

O pior que eu acho é a falta de controle. Eu acho que na liberação de As narrativas dos sujeitos da pesquisa indicam que a pretendida excelência na
recursos, quando se liberam valores, eu digo, o momento de fiscaliza- atuação é prejudicada pela ausência de recursos materiais e humanos da PF para atuar
ção não é prévio, ele é posterior. Então quando já houve a liberação de nos casos mais complexos. Alguns dos relatos sugerem dificuldades materiais:
recursos, a apropriação fica muito difícil para a polícia resgatar esse
valor de volta. Então aquilo vai para a conta de terceiros, já sumiu re- Evidente que seria ideal que os inquéritos fossem mais completos, de-
almente o dinheiro. Eu acho que a dificuldade maior é essa e também talhados, mas há que se levar em conta a dificuldade natural de recur-
identificar quem está dentro do poder público, porque, enquanto a sos humanos e materiais que acomete a maior parte das polícias e seus
pessoa está dentro da máquina, essa informação de contrato de licita- setores. A prova do inquérito será submetida ao crivo do contraditório
ção, e toda a parte interna da Administração Pública, fica inacessível judicial e se não estiver consistente, o caso será de absolvição. Quanto
se o controle, se o fiscalizado é que tem o controle sobre aqueles do- a falhas do inquérito, em geral ocorrem pela demora no seu processa-
cumentos. Então geralmente isso só ocorre quando há uma mudança mento, o que faz perder a linha de investigação ou mesmo os objetos do
de gestão. Então... quando há uma mudança de gestão, isso já passou crime e seus praticantes, e pela falta de recursos materiais e humanos das
há muito tempo, desde a apropriação, desde que a coisa já aconteceu. polícias. Nesse ponto é que se vislumbra a necessidade de investimento e
Então a dificuldade é essa, voltar no tempo, tentar relembrar tudo, qualificação das polícias, no aspecto material e humano. (J10, SP, escrita).
reconstruir toda aquela situação e principalmente recuperar algum
Os sujeitos da pesquisa pontuam a atuação nos casos em que a PF considera
dinheiro, né? (J3, PE).
prioritários, como as grandes operações:
A dificuldade para a investigação de crimes de corrupção e delitos
Ela tem estrutura, tem conhecimento técnico pra isso, e nós temos se-
econômicos, pela Polícia e pelo MP, refere-se à natureza desses cri-
tores muito bem equipados. [...] Hoje eu digo que a Polícia Federal está
mes. Bens jurídicos de natureza difusa, crimes de perigo abstrato são
tecnicamente bem aparelhada, são pessoas com bastante conteúdo. [...]
complexos e envolvem uma rede de operações em que há conivência
É um quadro que é constantemente remanejado pra essas operações que
de muitas pessoas influentes e falta de atuação efetiva de órgãos fisca-
eles precisam fazer no País, mas que, quando se dedicam a trabalhar
lizadores. Os problemas enfrentados pela Polícia se refletem em toda a
naquela operação, eles se dedicam; eu não me lembro de anular alguma
instrução criminal. Os crimes não deixam vestígios materiais por causa
coisa em razão de inquérito malfeito, uma prova que não foi custodia-
de sua natureza difusa, e as vítimas são toda a sociedade, inclusive fu-
da devidamente, isso não existe. A Polícia Federal é uma Polícia muito
turas gerações. As provas técnicas são complexas e demoradas e caso
preparada. (J2, PR).
a pessoa investigada tenha acesso à informação ou contatos com o go-
verno, poderá facilmente obstaculizar a investigação, de forma indireta, De forma semelhante à descrita pelos membros do MPF, agentes e peritos da PF,
por meio de contatos políticos e tráfico de influência, fazendo com que alguns dos relatos são especialmente críticos em relação ao inquérito policial, aponta-
o processo atravanque, contribuindo para que ocorra no futuro nuli- do como burocrático e ultrapassado:
dade ou prescrição. Os problemas que ocorrem durante a investigação
perduram por toda a instrução criminal e prejudicam a solução final do A estrutura do inquérito policial está prevista no Código de Processo
processo crime. (J9, SP, escrita). Penal, que data de 1941. Logo, ele é arcaico, cartorial e burocrático, como
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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

é de se imaginar de um instrumento que foi pensado numa realidade de sos irrelevantes, absolutamente irrelevantes do ponto de vista penal. Eu diria
70 anos atrás. (J11, PR, escrita). que o trabalho é um trabalho razoável, um trabalho bom, quando a Polícia
Federal prioriza uma investigação, ela tem condição de realizar bem essa in-
Além disso, outros aspectos do modelo processual e da organização interna da vestigação, mas é um trabalho mal dirigido. (J6, GF/DF).
PF surgem nas falas. A deficiência mais relevante não seria o inquérito policial, mas a
forma como é conduzido: Os peritos da Polícia Federal são muito bons e, às vezes, eles vão parar
para fazer uma perícia numa moeda falsa, uma cédula de moeda falsa.
O inquérito policial deve apresentar indícios razoáveis de autoria, materiali- Nós temos muitos processos desses aqui da Polícia Federal, enquanto nos
dade do crime e de imputação do tipo penal. Penso que as deficiências são casos mais complexos eles não vão poder atuar até pelo limite de pessoal.
pontuais e elas decorrem do sistema penal brasileiro e da dificuldade estru- Então eu acho que essa não é uma coisa propositada, não é algo que seja
tural da Polícia brasileira, que não tem autonomia funcional. (J9, SP, escrita). escolhido. (J7, GF/DF).

O inquérito policial, em si, não constitui uma deficiência; o que prejudica A falta de continuidade e de organização para a investigação da criminalidade
a sua efetividade é a falta de estrutura para que seja conduzido em tempo complexa estaria associada também a questões organizacionais, sugerem as falas. Os
e modo adequados à peculiaridade dos crimes em tela. Com a tramitação padrões de produtividade exigidos fazem com que alguns casos, os “menos comple-
direta dos inquéritos entre Polícia e Ministério Público Federal, observa- xos”, rendam mais, pois alcançam mais altos níveis de produção:
mos uma agilização de procedimentos. Mas não em todos os casos. Sobre
as prioridades da Polícia Federal, é difícil traçar uma avaliação ampla de A impressão que eu tenho é que é mais fácil investigar determinados tipos
fora. (J10, SP, escrita). de crime, então isso rende e, vamos dizer assim, o seu trabalho rende mais,
então você apresenta uma estatística melhor em termos de produtividade.
Ressalte-se que os problemas advindos de questões internas superam o elemen- É mais fácil investigar um delito de moeda falsa, às vezes: a materialidade
to estrutural, mas também passam pelas limitações dos próprios agentes (lato sensu), já está ali e cai em suas mãos facilmente, um crime de roubo, onde o ladrão
que precisam de treinamento e expertise para sua atuação: “Nos últimos tempos, a às vezes é pego em flagrante. Agora, um crime contra a Administração
Polícia Federal tem dado maior prioridade a casos de corrupção e financeiros. Os po- Pública muitas vezes demanda uma investigação mais complexa, mais
liciais deveriam ter mais treinamento em questões financeiras” (J14, SP, escrita). Um demorada, um conluio. O licitante não passa recibo, então você tem que
dos relatos pontua, por outro lado, as deficiências da cooperação internacional: considerar o contexto e isso, naturalmente, é mais complexo. Não há como
fugir disso, e isso me parece que deveria indicar pro investigador, que de-
Penso que a Polícia deveria concentrar-se menos em meios tradicionais – veria concentrar os esforços dele, nesses tipos de delito, que, além de ter
como oitiva de pessoas – e se concentrar em verificações in loco, quebras de uma investigação complexa, muitas vezes, tem consequências muito mais
sigilo, interceptações etc. Falta uma estrutura técnica mais adequada para se- graves, muito mais drásticas do que as outras. E não é isso que ocorre
guir o dinheiro, em especial no exterior. Mas esse não é um problema da po- frequentemente. O que, às vezes, me parece claramente é que uma inves-
lícia, mas da nossa dificuldade de cooperação internacional. (J14, SP, escrita). tigação começa e depois essa investigação é descontinuada porque outra
começou, e essa outra depois é superada por uma terceira, por uma quar-
Um dos relatos dirige o foco ao que é avaliado como má condução da investi- ta, por uma quinta... (J6, GF/DF).
gação. Privilegiam-se, não raramente, os crimes de menor relevância ou impacto, e as
Varas seriam “inundadas com processos pouco importantes”:
Eu não avalio mal o trabalho da Polícia em termos de prova, em termos de
investigação. Eu diria que é um trabalho razoável em termos de produção de
4 • A ATUAÇÃO DO MPF
prova no âmbito da Polícia Federal, mas o que pra mim é muito visível é que
ele é um trabalho descontinuado e seletivo, no sentido de ser mal dirigido. No estudo realizado por Sadek, a pesquisadora indica que “a atuação do
Seletivo ele tem que ser, pelo menos ao meu ver, mas ele é muito mal dirigido Ministério Público é vista com reservas” pelos magistrados, especialmente “no que se
no sentido de que se investiga muito o que tem muito pouca importância e refere à promoção do inquérito civil, ação civil pública para proteção do patrimônio
se investiga pouco o que tem importância. E, quando se investiga pouco o público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos e à promo-
• Tomo 2 •

que tem importância, a tendência é essa investigação morrer, ir morrendo ção de inconstitucionalidade” (Sadek, 2010, p. 26). Apenas 38,2% dos juízes entrevis-
aos poucos, e as Varas Criminais serem entupidas com um monte de proces- tados avaliam positivamente a atuação do MPF (Sadek, 2010, p. 27).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Pesquisas realizadas sobre o inquérito policial no Brasil indicam distintas per- administrativo. Ou alguns já foram delegados da Polícia Federal, então
cepções dos magistrados sobre a atuação da Polícia e dos promotores de Justiça (Misse, têm conhecimento sobre investigação. Então o conhecimento deles é um
2010). Na nossa análise, a partir do trabalho de campo no DF, indicamos proximidade conhecimento bom. (J15, PE).
entre juízes e promotores de Justiça. Apontamos, de outro lado, o distanciamento em re-
Nem todos os relatos sugerem a proximidade. Alguns dos participantes descre-
lação aos delegados de polícia (Machado, 2014). Em análise sobre a atuação no controle
vem pouco contato dos magistrados com os membros do Ministério Público:
penal dos crimes financeiros, Castilho refere-se à Polícia e ao Ministério Público como
“os agentes principais do controle jurídico-penal no processo de definição e seleção se- Só (há contato com o Ministério Público) quando há uma necessidade de
cundária” (Castilho, 1998, p. 137). Em nossa proposta anterior, trata-se de organiza- intervenção, uma medida judicial. Agora, outras notícias de crime em que
ções que participam da divisão do trabalho jurídico-penal (Machado, 2014). não há instauração de inquérito, representações criminais, notícias, essas
sequer chegam ao nosso conhecimento, vão somente para o Ministério
Nesta pesquisa, as narrativas dos magistrados participantes sugerem percepções Público, tramitam, e somente quando vem o pedido de arquivamento ou
diferenciadas sobre a atuação dos procuradores da República. De um lado, predomi- oferecimento de denúncia, ou, ainda, pedido de alguma medida, é que é
nam as visões positivas, que exploram a preparação jurídica e a qualidade profissional distribuído. (J7, GF/DF).
dos membros do MPF. De outro lado, alguns dos relatos são críticos ao desempenho
dos procuradores, especialmente porque não direcionariam de forma adequada a in- Alguns dos relatos ressentem-se de um papel mais proativo dos procuradores da
vestigação policial. A persecução penal seria dirigida a crimes de pouca relevância, e República. O MPF deveria direcionar de maneira mais efetiva as investigações policiais.
algumas Varas Federais acabariam inundadas com processos penais que apuram fatos Além disso, deveria selecionar de modo mais racional os casos a ser objeto de ação penal:
de pouca relevância social. Eu seleciono, vamos dizer assim, algo em torno de 70% ou 80% dos pro-
cessos que eu tenho lá, no que depender de mim, não existiriam. Mas eu
Os relatos variam bastante. De forma semelhante à observada na pesquisa sobre
dependo do Ministério Público, que gosta de denunciar e denuncia mui-
o inquérito policial na Justiça Estadual (Misse, 2010; Machado, 2014), alguns dos
to, e dependo do Tribunal, que gosta de reformar minhas decisões, e re-
participantes sugerem relações de confiança com os procuradores, o que não ocorreria forma muito também. Eu tento convencer os procuradores da República
em relação aos advogados: a virem pro meu lado, e até não tenho o que reclamar porque eles hoje
A relação, até onde sei, baseia-se na confiança recíproca e o juiz em ma- estão bem mais seletivos, não tanto quanto eu gostaria, mas são bem mais
téria criminal federal geralmente dispensa um tratamento totalmente di- seletivos. Nessa pauta de vocês aí tem um item, crime de licitação. Crime
ferenciado ao MPF, o qual não é deferido aos advogados de defesa, geral- de licitação tem uma pena muito pequena, significa que prescreve rápido.
mente vistos com grande dose de desconfiança pelo juiz. (J8, PR, escrita). O crime de licitação hoje, pelo menos na [...], pra você ver uma conde-
nação, olha, vai ser difícil. Primeiro porque a prova deles é ruim, essa é
Na nossa pesquisa destacamos dos relatos do trabalho de campo a origem uni- uma prova mais complexa que nem sempre se faz. Segundo que às vezes
versitária comum entre juízes e promotores de Justiça. A proximidade é construída na tramitação ela é tão demorada, porque eu tenho esse e mais 800 pra
ao longo dos anos, o que não ocorre com os delegados de polícia (Machado, 2014). julgar... e a pena vai prescrever. (J6, GF/DF).
Neste estudo, alguns dos relatos discorrem sobre o alto nível técnico dos membros do
Ministério Público Federal:
4.1 • ARQUIVAMENTO
Nós temos um MP muito, muito preparado aqui no sul, sempre foi. No
Tribunal, idem, gente que vem pra sessão e pede preferência em processo
Em pesquisas realizadas sobre o inquérito policial no Brasil, uma das questões
e quer sustentar... eu sei que em outras regiões não acontece, mas aqui o
recorrentes é o distanciamento do magistrado da investigação policial. Os magistrados
pessoal é bem atuante, eles recorrem, eles usam recursos especiais, eles
recorrem e vão às audiências. São bem atuantes. (J2, PR). estaduais tendem a arquivar as promoções de arquivamento e ratificam as teses jurídi-
cas apresentadas pelos promotores de Justiça, encampando os argumentos apresenta-
Os procuradores têm um bom nível, têm um bom nível inclusive de en- dos (Machado, 2014).
tendimento. Porque, por exemplo, em crimes contra a ordem tributária,
• Tomo 2 •

temos vários procuradores que já foram auditores da Receita Federal, que Os relatos dos magistrados participantes desta pesquisa não sugerem diferenças
têm conhecimento sobre tributo, têm conhecimento sobre procedimento substantivas em relação às pesquisas anteriores. As narrativas apontam que raramente

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

os magistrados federais valem-se do procedimento previsto no art. 28 do CPP, sub- bém, uma vez apresentado o recurso, a chance da decisão não ser modifi-
metendo o procedimento à análise do procurador-geral da República. Sugerem-se pa- cada nesse sentido é muito pequena. (J7, GF/DF).
drões de atuação, rotinas nos procedimentos, que não destoam significativamente das
imagens trazidas pelos juízes estaduais: “A regra é se concordar com os arquivamentos,
respeitando a titularidade da ação penal pelo Ministério Público. O controle do arqui- 4.2 • ESTRUTURA DO MPF E A PERSECUÇÃO PENAL
vamento é, e deve ser, excepcional” (J11, PR, escrita). Nesse sentido:
O trabalho de campo aponta visão positiva dos magistrados participantes em
Em relação ao arquivamento, a tendência é concordar. Pode-se dizer que, relação não apenas ao preparo técnico dos procuradores, mas também à estrutura de
de maneira geral, o Ministério Público requer arquivamento em caso de
apoio do MPF. Alguns dos relatos sugerem, inclusive, melhores condições que a da
inviabilidade de apresentação de denúncia. Os outros requerimentos du-
magistratura federal. No entanto, a atuação concreta dependeria dos perfis dos profis-
rante a instrução criminal são analisados caso a caso na necessidade efe-
tiva da prova. (J12, PR, escrita).
sionais diretamente envolvidos com a investigação dos fatos. Avalia-se que nem todos
os procuradores seriam igualmente proativos e com perfil para controlar e direcionar
Outros relatos sugerem divergências pontuais especialmente em relação a teses as investigações, o que também repercute na qualidade das ações penais propostas:
jurídicas, como os critérios dos procuradores na utilização de princípios que restrin-
A estrutura do MPF é adequada para a investigação e a persecução penal
gem o espectro de intervenção penal, como o princípio da insignificância:
dos crimes indicados na pesquisa. Os membros do Parquet são prepara-
Geralmente eu tendo a concordar, mas a gente usa o art. 28. [...] Há ques- dos com eficiência para investigar e atuar na persecução penal. Hoje o
tões envolvendo insignificância, que também é matéria controvertida aqui MPF está mais estruturado que o Poder Judiciário. (J9, SP, escrita).
– o que é insignificância e o que não é. É matéria [...] do contrabando, do
Acredito que sim, que a estrutura deles (MPF) é muito boa, talvez seja a
descaminho, e até hoje a gente não tem pacificado nos Tribunais Superiores
melhor estrutura em termos de aparato físico. A estrutura do Ministério
a respeito disso; o Supremo diz uma coisa e o STJ diz outra, enquanto isso
Público é excelente. A questão da investigação é uma questão cultural
eu estou usando o art. 28 pra mandar lá pra Coordenadoria. Via de regra, o
também. A mudança de mentalidade, a mudança de posicionamento. A
que o MP propõe que se acolha, mas há questões que entram na convicção
daquilo que eu acho que deva seguir investigando ou não em relação ao que proatividade que o Ministério Público tem, por exemplo, em ações civis
eles pensam e, eventualmente, se usa o art. 28 do CPP. (J2, PR). públicas, a proatividade que eles têm nas ações de improbidade... existe
uma diferença em relação às ações penais. A investigação em que o pro-
Posso falar apenas por mim. Com relação aos arquivamentos, sim, prati- curador tem de ir a campo é muito tímida em relação ao que a Polícia
camente sempre (há concordância com os procuradores). Para quem en- Federal faz. Eles têm a possibilidade legal, mas é muito tímida em relação,
tende que o processo penal é essencialmente acusatório, essa medida seria por exemplo, a outros inquéritos civis que eles conduzem. Mas a estrutu-
até obrigatória. Além disso, a tendência é de uma discricionariedade cada ra física é boa. (J15, PE).
vez maior do MPF, que tem mesmo que se concentrar em casos maiores
e arquivar os insignificantes. Com relação aos outros requerimentos, não. Além disso, as narrativas sugerem a dependência do MPF em relação à produ-
Como em qualquer processo, avalio a pertinência do pedido, indeferindo ção probatória atrelada ao inquérito policial, o que revela, avaliam alguns dos partici-
aquilo que não tiver pertinência. (J14, SP, escrita). pantes, pouca autonomia investigativa:

Os participantes do grupo focal no Distrito Federal explicitam visão recorrente É necessário o trabalho da PF como uma coisa complementar. O
nas narrativas de outros sujeitos da pesquisa quanto ao arquivamento: “Eu já prome- Ministério não tem peritos, não tem estrutura de perito de ninguém para
ti ao procurador da República duas coisas. Primeiro, dificilmente aplicar o art. 28. fazer quebra de sigilo, de interceptações. Ele não tem essa estrutura, então
Segundo, se eu for aplicar alguma vez, eu aviso a eles antes para não submetê-los a é necessário o contato direto com a Polícia Federal. (J3, PE).
constrangimento na Câmara” (J6, GF/DF). Os problemas ou deficiências nos inquéritos policiais, mencionados pelos partici-
Eu ia comentar duas coisas, em seis anos eu usei o art. 28 duas vezes, só pantes, sugerem questões pontuais. De um lado, reconhece-se a relevância da qualidade
pra subsidiar a pesquisa. E outra coisa, os órgãos de revisão, de um modo da investigação preliminar, que repercute, avaliam alguns dos sujeitos da pesquisa, na
• Tomo 2 •

geral, segundo nosso Tribunal, a Câmara deles falava assim: “Foi pra lá”. qualidade da persecução penal. Nos casos que envolvem crimes contra a Administração
Não tem a chance de eles fazerem uma leitura, como nosso Tribunal tam- Pública, eventuais falhas na produção da prova seriam evidenciadas:

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

São casos assim, principalmente quando o poder público tem direto en- Nesta pesquisa, outras instituições foram incluídas a partir da análise dos ar-
volvimento, em que a fase investigatória é essencial para o desenvolvi- ranjos institucionais e do fluxo da notícia dos delitos econômicos e de corrupção, tais
mento, o sucesso da ação penal. O sucesso da ação penal vai depender como o Tribunal de Contas da União, a Controladoria-Geral da União, entre outras.
justamente de você amarrar toda essa prova no momento de investigação.
Então, assim, a Polícia Federal tem um papel fundamental nisso, e tam- O trabalho de campo sugere que as formas de comunicação institucionalizadas
bém o Ministério Público faz muito. Isso é bem mais comum nos crimes normalmente articulam organizações de controle com aquelas que atuam diretamente
contra a Administração Pública, de a investigação ser só no Ministério na investigação e persecução penal. Infere-se a construção de canais de comunicação
Público. E o que acontece quando é assim? Por que é assim? São casos de com o MPF, que direciona à PF para investigação, se necessária. Eventualmente, os ofí-
crimes formais em que você não vai avaliar muito os fatos, para estar in- cios são dirigidos tanto ao MPF quanto à PF. O magistrado toma contato direto com a
quirindo pessoas ou fazendo depoimentos e colhendo provas em campo, produção das referidas instituições por meio da documentação encaminhada na forma
como é o trabalho da Polícia Federal. (J3, PE). de pareceres técnicos ou procedimentos administrativos que instruem ações penais.
A qualidade da persecução penal, reitera interlocutor simpatizante de visão mi- As narrativas dos magistrados participantes sugerem canais institucionais para
nimalista do Direito Penal, supõe a seleção dos casos mais graves e que deveriam ser troca de informações e expressam a necessidade de construir mecanismos de compar-
levados ao Judiciário. A seletividade seria uma das chaves para compreender as deci- tilhamento de informações:
sões pela diversificação das estratégias penais:
A relação entre Judiciário e demais instituições é de cooperação e com-
O Ministério Público, falando sério, embora eu ache que tenha mudado partilhamento de dados e informações. É importantíssimo desenvolver,
pra melhor, o Ministério Público seleciona muito mal. É aquela ideia de fomentar e facilitar o intercâmbio de informações entre essas instituições
que todo crime tem que ser objeto, toda infração da lei penal tem que e o Judiciário, pois constituirão matéria probatória em eventuais proces-
ser objeto de denúncia. É aquela ideia de que no Direito Penal vigora o sos criminais, sendo submetidas ao contraditório. (J10, SP, escrita).
princípio da igualdade. Quer dizer, eu acho que o sujeito que trabalha no
sistema penal, quando ele trabalha seis meses, já não tem mais o direito Creio que seja importante desenvolver o compartilhamento de informa-
de acreditar nisso, de que há igualdade no Direito Penal, a não ser que ções com instituições estrangeiras de investigação e de regulação, espe-
ele queira ser hipócrita. E eu não sou hipócrita, e aqui o Direito Penal é cialmente no setor bancário e financeiro. (J10, SP, escrita).
aplicado, doa a quem doer. (J6, GF/DF).
O Coaf, conforme analisado neste volume, conta entre suas atribuições princi-
pais as de “disciplinar, aplicar penas administrativas e identificar as ocorrências suspei-
tas de atividades ilícitas previstas na lei”. Essa última atribuição associa-se diretamente
5 • A ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES DE à investigação e persecução penal dos crimes de lavagem ou ocultação de bens, dinhei-
ro e valores, conforme previsto no art. 15 da Lei n. 9.613/1998 (Betti, 2000, p. 63). O
CONTROLE, REGULAÇÃO E FISCALIZAÇÃO papel do Coaf e sua atuação surgem no relato a seguir transcrito:
O Coaf tem um trabalho excelente, um trabalho de inteligência financeira.
Além das organizações que participam da divisão do trabalho jurídico-penal,
O Coaf foi criado, inclusive, no Brasil, com base em tratado internacional.
outras agências, organizações e atores são relevantes para a compreensão ampla sobre
Ele se comprometeu internacionalmente a fazer o combate com inteligência
os contextos e as condições que possibilitam o início de investigações relacionadas financeira dos crimes de lavagem e transferência de valores. O Coaf é con-
aos delitos econômicos e à corrupção. Um dos focos desta pesquisa foi compreender tatado em casos grandes, de maior volume. A relação com o Coaf é uma
possíveis arranjos institucionais entre algumas dessas organizações e aquelas tradicio- relação boa, uma relação de fornecimento de informação, um órgão de inte-
nalmente associadas ao controle penal. ligência que fornece informação que tem uma estrutura muito boa. O que se
sabe é que o Coaf tem uma estrutura muito boa para poder... talvez seja uma
Em estudo realizado na década de 1990, Castilho rastreou 1.089 inquéritos po- estrutura com referência internacional, inclusive, de verificação, de transfe-
liciais que investigavam crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Constatou que rência de ativos, transferências internacionais de valores, operações com de-
o sistema informatizado da época não relatava quem havia feito a notitia criminis, em- pósitos, o grande combate que nós temos, a evasão de divisas, que são crimes
• Tomo 2 •

bora incluísse entre os possíveis notificantes o Banco Central, a Comissão de Valores previstos na lei como crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. A relação
Mobiliários, a Receita Federal, entre outras instituições (Castilho, 1998, p. 231). com o Coaf, de todo, é considerada boa. (J15, PE).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Alguns dos participantes destacam que, primordialmente, as comunicações são âmbito local e estas pessoas têm grande conhecimento sobre estes casos.
estabelecidas com o Ministério Público e com a Polícia Federal: “Quem tem que ter es- Seus depoimentos são, em geral, de grande valia nos casos de combate à
trutura para lidar com as informações do Coaf é a PF e o MPF, não o Judiciário, que as corrupção no serviço público. (J8, PR, escrita).
recebe somente para examinar os pedidos e processos” (J14, SP, escrita). Nesse sentido: A relação com o TCU, o TCU é uma relação muito importante, inclusive
Eu confesso que, no trâmite das ações, elas não fazem esse elo direto do para investigação direta de crimes contra o patrimônio, crimes contra a
Judiciário com o Coaf. Como a persecução penal é feita pelo MP, tudo Administração e, principalmente, a manipulação de verbas federais. Um
o que vem do Coaf passa pelo MPF ou pela PF. Há casos em que, em crime clássico aqui da Justiça Federal é o crime do Decreto-Lei n. 201, que
um caso sigiloso, a própria PF pede expressamente ao juiz o comparti- são os crimes de prefeito. Então, nesses crimes de prefeito, que são crimes
lhamento daquelas informações com os órgãos de controladoria e com muito assemelhados ao peculato, a descrição típica é quase igual à do pe-
o Coaf, para que através de um intercâmbio possa trazer o resultado e culato, mas pelo princípio da especialidade, o prefeito é julgado por esse
pronto. E nisso não há esse contato direto do Judiciário com eles. (J3, PE). decreto. Nesses crimes, existe uma grande participação e uma importância
muito grande da atividade administrativa do TCU, ao fornecer informa-
Alguns dos relatos pontuam que as informações do Coaf são de utilização res- ção financeira inclusive, informação contábil do quanto foi repassado para
trita pelo Poder Judiciário. Assim, não podem ser utilizadas como prova, apenas como aquele município, se aquele prefeito prestou contas ou não. (J15, PE).
“informações de inteligência”:
E especifica o contexto de atuação nos estados do Nordeste:
(As informações do Coaf) não podem ser utilizadas em processos judi-
ciais, elas são informações de inteligência. Se o Coaf recebe informação Todos os convênios que são feitos da União, de todos os ministérios com os
de que na Rússia aconteceu uma transação que, provavelmente, indica municípios do interior, especificamente do interior do Nordeste... existe uma
um crime de lavagem de dinheiro, ele usa essa informação de inteligência grande participação do poder público, da União, no fornecimento de valores
pra dizer: “Olha, Ministério Público, aqui temos alguma coisa que parece pra esse município, então a atividade do TCU é muito importante, existe uma
que precisa ser investigada”. E alguns membros do Ministério Público não relação muito grande. Inclusive na investigação de atividades de improbidade
aceitaram isso no início, eu acho que muito do desconhecimento do que administrativa, a não prestação de contas ao TCU, que deflagra a ocorrência
significa esse grupo e pra que ele serve. Do que adianta ter uma infor- de crime do prefeito, ou, também, ato de improbidade. (J15, PE).
mação que eu não vou poder usar? Ela é um ponto de partida, é como se
fosse uma informação anônima de alguém que está denunciando algu- Embora seja reconhecida a relevância do trabalho técnico, os relatos sugerem
ma coisa, é um ponto de partida e dali tem que se buscar a investigação. que quase não existem contatos institucionais, que se limitam a informações oficiais,
Então no início nós tivemos uma série de dificuldades, e a gente resolveu respostas a ofícios, esclarecimentos e documentos: “Tive pouco contato com informa-
trazer pra dentro do processo ao qual ele pertencia, porque a informação ções do TCU na minha atuação profissional, mas, quando isso ocorreu, me pareceram
não poderia ter vindo pro processo. Bom, passamos essa fase inicial, hoje de fácil entendimento, não havendo maiores dificuldades para tratá-las” (J14, SP, es-
todo mundo tem consciência de que é uma informação de inteligência crita). Nesse sentido:
que pode servir como ponto de partida de uma investigação, mas nunca
para ser utilizada como uma prova dentro de um processo penal. (J2, PR). O TCU vem mais sob a forma de informações, de acórdãos, resultado
de fiscalização de contas, e isso é remetido ao Ministério Público, que
Outras instituições são relevantes para a atuação das organizações do sistema usa aquelas informações pra mandar para o Judiciário. Então o contato
de justiça criminal, especialmente quando a investigação se dirige aos delitos eco- Judiciário e TCU é mínimo. Assim, só se precisar de algum ofício, alguma
nômicos e à corrupção. Uma das organizações que aparece de forma recorrente é o coisa assim, mas não existe nenhum elo direto nem necessidade. (J3, PE).
Tribunal de Contas da União:
Outras organizações são mencionadas pelos participantes segundo as experi-
Gostaria, por fim, de mencionar o importante trabalho desenvolvido pe- ências e trajetórias profissionais. Um dos participantes, magistrado federal em São
los técnicos da Receita Federal e também do TCU na persecução da cor- Paulo, recorda que a CVM presta auxílio técnico nos delitos relacionados ao mercado
rupção, diante de sua qualidade técnica e isenção de ânimo. As comissões de capitais. Eventualmente, até mesmo como assistente de acusação:
processantes no âmbito de cada um dos órgãos públicos também se mos-
• Tomo 2 •

tram de grande importância, pois geralmente são designados servido- A CVM tem sido um exemplo nesse campo, ao menos em SP. Firmou
res públicos de outras localidades para apurar os casos de corrupção no termos de cooperação técnica para atuação conjunta com o MPF, com

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

quem vem atuando como assistente de acusação em alguns casos. com a própria Administração, pelo fato de ter conhecimento jurídico
Além disso, já ofereceu alguns cursos para magistrados e servidores para fazer essa ponte com a própria Administração. (J15, PE).
na JF. (J14, SP, escrita).
Entre as organizações analisadas no capítulo dedicado aos arranjos institucio-
A proximidade sugerida na capital paulista não ocorreria em outras localidades, nais, a Receita Federal destaca-se pela forma de atuação e pelo papel determinante,
especialmente quando situadas fora do eixo Rio-São Paulo: “A atuação da CVM aqui é especialmente nos crimes tributários. Os sujeitos da pesquisa sugerem que as relações
muito pequena, [...] eu vejo também como da forma com o TCU, também através de são frequentes e de elevada qualidade técnica: “É boa a relação. A Receita Federal tem
ofícios de comunicações desse tipo, para coleta de informações” (J3, PE). passado a contribuir mais nos últimos tempos com processos criminais. Faz uma ex-
celente análise técnica” (J14, SP, escrita). Nesse sentido:
A CGU surge em alguns dos relatos quando o foco são os crimes contra a
Administração Pública, especialmente os atos de corrupção. De qualquer forma, as Em relação à Receita, é bastante frequente o contato. Ele é feito dire-
comunicações são institucionais, na forma de envio de informações e documentos: tamente, a gente tem um elo, um canal de comunicação direto com a
“(A relação com a CGU) é também através de informações, envio por ofício da notí- Receita, porque os crimes contra a ordem tributária têm as elegibilidades
cia. Vamos supor, o envolvimento de pessoas relacionadas ao poder público federal, suspensas quando o crédito está parcelado, então esse controle de parce-
a gente comunica à CGU e só, também, não tem um contato” (J3, PE). Nesse sentido: lamento dos créditos é feito direto com a Receita. A comunicação é direta,
por e-mail. (J3, PE).
Com a CGU, sobretudo nos casos de combate à corrupção, combate ao
peculato, existe uma relação. Mas aqui, na 5ª Região, a relação é mais A relação das Varas Criminais de Foz do Iguaçu com a Receita Federal é
distante. O número de casos que nós vemos aqui, da participação direta boa. A relação ocorre especialmente em dois momentos: 1) quebra de si-
e dos relatórios da CGU, é menor. Uma vez ou outra existe a participação gilo fiscal e 2) fornecimento de cálculo sobre tributos sonegados, a fim de
direta da investigação da CGU. (J15, PE). se verificar a existência ou não de tipicidade do crime de descaminho. A
quebra de sigilo fiscal ocorre em situações mais raras, geralmente na ins-
As narrativas apontam que a Advocacia-Geral da União (AGU) eventualmente trução de crimes em que haja indícios de ter havido aumento patrimonial
tem atuado como assistente de acusação, especialmente nos casos em que há o interes- em decorrência de crime, geralmente corrupção passiva. O fornecimento
se na recuperação de ativos da União. A experiência, ainda incipiente, é descrita como de cálculo sobre tributos que deveriam ter sido pagos, caso tivesse havido
relevante na instrução dos processos: importação irregular, é feito logo no início da instrução, a fim de se averi-
guar se o valor é acima de R$ 20.000,00. (J12, PR, escrita).
A AGU é mais um órgão de defesa da União, né? Eles atuam às vezes em
certos casos como assistentes de acusação, mas não é comum, não, é bem A Receita Federal tem um trabalho excelente, tem uma proximidade mui-
raro. A intervenção da AGU é posterior, depois da sentença condenatória, to grande com a Justiça Federal. Eles são muito rápidos, muito diligentes
que ou eles entram com a improbidade ou entram com a execução civil, ao responder aos reclamos, às ordens da Justiça Federal, sobretudo na
para reparação do dano ao erário, mas aqui na ação penal, não. (J3, PE). investigação de crimes tributários. Por exemplo, em todos os crimes tri-
butários, a lei penal do Brasil prevê, na maioria dos crimes tributários, o
Com a AGU existe um relacionamento na área criminal. A AGU não tem pagamento ou o parcelamento. Ele implica a suspeição da pretensão pu-
uma participação de destaque, ela tem uma participação quase ínfima ou nitiva ou a extinção da punibilidade. Então é uma constante aqui que seja
muito reduzida. Em alguns casos, a AGU passou a ter um papel proativo, oficiada a Polícia Federal para verificar se aquele réu do processo criminal
que é um papel elogiável, proativo, de recuperação de ativos, de ações na está parcelando o valor, se ele já pagou o valor. Porque se ele pagar o valor,
justiça pra recuperar esses bens que foram desviados, produtos de crime, em muitos crimes, como crime de sonegação mesmo, é extinta a punibili-
isso é um trabalho meio incipiente ainda, mas já está cada vez maior. dade e o processo criminal se extingue. Então a Receita Federal tem uma
Então existe esse relacionamento com a AGU de fornecer informações, relação muito boa e muito próxima com a Justiça Federal. (J15, PE).
provas emprestadas. A AGU fornece um material probatório muitas ve-
zes pro juízo... quando passam por pareceres da AGU, por exemplo, pro- Alguns dos relatos, contudo, sugerem que a comunicação depende muito das
cedimentos administrativos, de demissão de servidor, que já têm uma relações pessoais, pois nem sempre flui da mesma forma: “A comunicação, de uma
instrução grande e são trazidos como prova emprestada para o processo maneira geral, deixa a desejar, mas depende muito da proatividade do juiz e da Receita
• Tomo 2 •

criminal, a AGU tem uma participação nisso, uma interlocução nisso, Federal respectiva. Há locais em que a interação é muito boa” (J11, PR, escrita).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Em análise sobre o controle penal dos crimes financeiros, Castilho descreve o nam alguns problemas importantes enfrentados por muitas Varas Federais: a falta
Bacen como “agente executivo, que, de modo preponderante, determina a atuação dos de apoio técnico especializado e a escassa preparação, tanto de servidores quanto
demais [...]. Este e a Polícia Federal são os operadores fundamentais na construção da dos próprios magistrados, para a criminalidade complexa. Algumas das narrativas
criminalidade contra o Sistema Financeiro Nacional” (Castilho, 1998, p. 137). Os par- sugerem que o crescimento do número de processos criminais impõe a necessida-
ticipantes da nossa pesquisa mencionam também o papel desempenhado pelo Bacen, de de se repensar prioridades, dentro de certos limites operacionais, tarefa da qual
especialmente nos crimes financeiros e de lavagem de dinheiro. Nesse sentido: tem participado o CNJ.
Posso falar por mim. Minha relação com o Bacen era direta, eles inclusive Os participantes reconhecem as dificuldades para atuação da Polícia Federal nas
ficam na mesma quadra da JF em SP. Mas isso decorria de um esforço pes- investigações dos delitos econômicos e de corrupção e apontam entraves organizacio-
soal meu, não há estrutura adequada. Algumas informações do Bacen são nais importantes e a ausência de autonomia financeira, complicador para a investigação
bastante técnicas, mas eles não se furtavam a responder aos questionamen- de casos relevantes. Alguns relatos são especialmente críticos à forma de condução dos
tos a respeito. Porém, sem minha intervenção pessoal, às vezes isso demo-
inquéritos, mediante procedimentos burocráticos e morosos. Os sujeitos da pesquisa
rava muito. Além disso, o Bacen tem atuado como assistente de acusação
elogiam a estrutura e a qualidade técnicas dos membros do MPF. Em regra, sugere-se
em casos maiores de gestão fraudulenta. (J14, SP, escrita).
que os magistrados tendem a arquivar os inquéritos policiais, ratificando as teses apre-
Na descrição dos mecanismos de institucionalização entre Judiciário e Bacen, sentadas pelos procuradores da República. De outro ângulo, alguns dos relatos são espe-
algumas das falas referem-se ao sistema Bacen Jud: cialmente críticos sobre o que é descrito como “péssima seleção” dos casos que se tornam
objeto da persecução penal. O número elevado de casos pouco relevantes ou mesmo
Hoje o Bacen, que é o Banco Central, tem um sistema chamado Bacen
insignificantes acabaria prejudicando a tramitação dos casos mais importantes.
Jud, que é o contato direto do Judiciário com o Banco Central. Hoje se
faz através dessa rede, Bacen Jud, e pouquíssimas pessoas têm senha. É As narrativas indicam que os contatos e comunicações com organizações que
um sistema online de comunicação imediata com os bancos, então só o desempenham papéis relevantes em distintas fases da investigação de delitos econômi-
magistrado e alguém expressamente autorizado por ele teria uma senha cos e corrupção, como o Coaf, a CVM, o TCU, a CGU, o Bacen e a Receita Federal,
como essa. Aí você pode fazer o bloqueio direto na conta da pessoa e a
são escassos. Em regra, os contatos limitam-se a canais institucionalizados, intercâm-
coleta de informações, de saldo de conta, de registro de endereço, tudo
bio de informações e remessa de documentos e análises técnicas. Os relatos sugerem
através do Bacen Jud. Então essa ferramenta é fundamental, é essencial
que a interação seria mais frequente entre as referidas instituições e o MPF e a PF, uma
para qualquer órgão judiciário atualmente. (J3, PE).
vez que estão diretamente envolvidos na investigação e na persecução penal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS


A especificidade dos delitos econômicos e de corrupção, sugerem os relatos,
Alencar, Carlos Higino Ribeiro de; Gico Júnior, Ivo. Corrupção e judiciário – a (in)
leva à diversificação dos atos de instrução, o que torna difícil a consolidação de rotinas
eficácia do sistema judicial no combate à corrupção. In: Bottino, Thiago; Malan,
específicas. Assim, os procedimentos pautam-se pelos critérios estabelecidos na
Diogo (Coord.). Direito penal e economia. Rio de Janeiro: Elsevier; FGV, 2012. p. 59-80.
legislação processual penal. As narrativas permitem inferir, por outro lado, embora
não seja adequado apontar a existência de um padrão probatório, que os magistrados,
Beck, Francis Rafael. A criminalidade de colarinho branco e a necessária investigação
conforme experiências profissionais, sugerem provas mais relevantes segundo a
contemporânea a partir do Brasil: uma (re)leitura do discurso da impunidade quanto
peculiaridade dos casos. A complexidade dos fatos requer apoio técnico e a colaboração
aos delitos do “Andar de Cima”. Tese de doutorado. Universidade do Vale do Rio dos
de distintas organizações da Administração Pública.
Sinos – Unisinos. Programa de Pós-Graduação em Direito, São Leopoldo, RS, 2013.
No âmbito organizacional, os relatos avaliam positivamente a tendência de
especialização das Varas Federais para a instrução e o julgamento de crimes finan- Betti, Francisco de Assis. Aspectos dos crimes contra o sistema financeiro nacional no
• Tomo 2 •

ceiros e de lavagem de dinheiro. Contudo, os magistrados participantes relacio- Brasil: comentários às Leis 7.492/86 e 9.613/98. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

224 225
Castilho, Ela Wiecko V. de. O controle penal nos crimes contra o sistema financeiro
nacional: Lei n. 7.492, de 16.6.1986. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.

CEJ/CJF promove primeiro diálogo da magistratura federal e Polícia Federal. Conselho


da Justiça Federal, Brasília, 12 nov. 2014. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/cjf/
noticias/2014/novembro/cej-cjf-promove-primeiro-dialogo-da-magistratura-federal-
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CAPÍTULO 716 • PARTE 1
Machado, Bruno Amaral. Justiça criminal: diferenciação funcional, interações orga-
nizacionais e decisões. São Paulo: Marcial Pons, 2014. ORGANIZAÇÕES DE CONTROLE, REGULAÇÃO E
Machado, Maíra Rocha. Pesquisa em debate: a aplicação da lei de crimes contra o siste-
ma financeiro pelos tribunais brasileiros. Cadernos Direito GV, v. 7, n. 1, p. 107, jan. 2010.
FISCALIZAÇÃO: OS ARRANJOS INSTITUCIONAIS
Mendroni, Marcelo Batlhouni. Crime de lavagem de dinheiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
PARA ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO
Misse, Michel (Org.). O inquérito policial no Brasil. Rio de Janeiro: NECVU/IFCS/
E DOS DELITOS ECONÔMICOS
UFRJ, 2010.

Sadek, Maria Tereza. A crise do Judiciário vista pelos juízes: resultados de uma pes-
quisa quantitativa. In:       (Org.). Uma introdução ao estudo da justiça. Rio de
Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. p. 17-40. Antonio Henrique Graciano Suxberger

1 • APRESENTAÇÃO
Na abordagem dos arranjos institucionais entre os órgãos que manejam
informações relevantes à persecução penal da corrupção e dos delitos econômicos e
os órgãos que cuidam diretamente da conformação jurídica desses fatos no sistema
de justiça criminal, a apresentação das organizações surge como meio e expressão
jurídico-institucional desses atores.

As políticas públicas – ao abrangerem os planos, programas e ações dessas orga-


nizações – materializam a convergência entre o funcionamento dos órgãos de Estado e
a formação de seus respectivos arranjos institucionais. A política jurídica, por sua vez,
ocupa-se da compreensão do fenômeno governamental dentro ou a partir do Direito.
Interessa aqui, de modo mais próximo, não só a modelagem organizacional dos órgãos
• Tomo 2 •

16 Comentários e revisão: Bruno Amaral Machado e Cristina Zackseski.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

que tratam de informações e dados sensíveis à persecução penal da corrupção e dos legal dessas instituições na regulação, fiscalização e controle das ações que muitas ve-
delitos econômicos mas também o modo como esses órgãos se desincumbem dessas zes ensejam a persecução penal dos delitos econômicos e da corrupção em geral, seja
competências legalmente atribuídas a eles. pela ideia de que o fluxo de atuação do sistema de justiça, nesses tipos de crimes, deri-
va fortemente dos arranjos e das interações entre essas organizações entre si e também
Cuida-se, em rigor, de realizar uma aproximação da tecnologia jurídica inci-
com os atores do sistema de justiça criminal.
dente na realização do Estado (Coutinho, 2013). Para tanto, a descrição ora realizada
centrar-se-á na chamada tecnologia jurídica, isto é, a visualização dos arranjos, dos A metodologia compreendeu a análise de conteúdo, especialmente aquele pro-
sujeitos, dos instrumentos próprios de realização do direito (Calsamiglia, 1982). duzido pelas próprias instituições abordadas, por seus portais e sítios eletrônicos, além
de relatórios e dados disponibilizados publicamente. As entrevistas em profundidade
Para além da simples apresentação da roupagem jurídica desses órgãos ou da
realizadas com os integrantes das instituições igualmente forneceram relatos, vivências
narrativa fornecida pelos sujeitos que se ocupam das práticas desses atores situados
e experiências, além de permitirem, a partir de seus parceiros e correlatos na produção
na estrutura estatal de enfrentamento à corrupção e aos delitos econômicos, busca-se
de dados relevantes à persecução penal dos delitos econômicos e da corrupção, uma
exatamente a interação desses arranjos institucionais, ou seja, a compreensão do modo
visão externa das instituições abordadas. Os grupos focais realizados com procura­
como eles se apresentam e o que organizacionalmente significam essas modelagens
dores da República, juízes federais, agentes da Polícia Federal e delegados da Polícia
institucionais para as respectivas interações havidas entre si e para a representação que
Federal igualmente forneceram compreensão dinâmica das relações estabelecidas en-
assumem uns para os outros.
tre as distintas organizações que produzem, regulam e normatizam situações sensíveis
Os arranjos institucionais referem-se às organizações, formalizadas como à persecução penal desse tipo de criminalidade.
respostas a necessidades individuais e sociais, que guardam correspondência, de
um lado, ao modo pelo qual se concretizam ações coletivas e, de outro lado, ao A diversidade das organizações eleitas justifica-se pela natureza e pela qualidade
modo como as ações individuais se conformam como coletivas (Machado, 2014, das informações por elas manejadas para a persecução penal da corrupção e dos deli-
p. 25). As organizações (ou instituições) de controle, regulação e apuração de ilí- tos econômicos. Cada qual em seu âmbito regulatório e normativo exercita relevante
citos, como as aqui abordadas, substanciam reação a necessidades específicas de parcela na produção de informações que vão lastrear e verdadeiramente compor a pro-
racionalização, fiscalização e proteção do patrimônio público, bem assim de regula- moção da responsabilidade em juízo nesse tipo de criminalidade. Além disso, como
ção dos sistemas tributário e financeiro. Por isso, são elas construções sociais – que organizações regulatórias – Receita Federal, Banco Central, Comissão de Valores
se conformaram no tempo em resposta, inclusive, ao aumento da complexidade das Mobiliários, Conselho de Controle de Atividade Financeira, Controladoria-Geral da
relações de que cuidam –, cujos indivíduos exercitam suas competências a partir União e Tribunal de Contas da União –, guardam em comum o exercício de relevante
da interpretação de determinadas regras e igualmente da criação de outras para poder normativo, próprio da pormenorização das atividades por elas reguladas e con-
regular suas ações (Machado, p. 26). troladas, e conjugam o dever de comunicar ao Ministério Público Federal e à Polícia
Federal, cada uma ao seu modo, a ocorrência de ilícitos que guardem relevância pe-
A chave para a compreensão dessas organizações e instituições passa, portan- nal. Ver-se-á, do mesmo modo, que constituem instâncias e organizações igualmente
to, pela leitura de suas competências legais e, principalmente, pelas construções ou provocadas pelo Judiciário, pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal para
arranjos elaborados pelas interações entre os atores que as integram e que com elas apuro, explicação e detalhamento ou produção de informações complementares em
interagem. Essa conjugação dos objetivos organizacionais e particulares responde, por suas respectivas áreas de atuação.
meio da tensão e da dinâmica decorrente da interação entre as organizações, pela real
configuração da organização. É dizer: a leitura de suas posições sociais há de ser com- Busca-se, a partir do material colhido nas entrevistas exploratórias, questioná-
plementada pelo modo pelo qual as organizações realizam pautas de interação umas rios, grupos focais e entrevistas em profundidade, a compreensão sobre os modos de
com as outras. Como destaca Machado, “tanto as instituições quanto as posições so- interação desses grupos, bem assim indicar as razões para a maior ou menor efetivida-
frem alterações e são reformuladas” e “muitas das novas formulações são instituciona- de dessas relações interinstitucionais ou interorganizacionais.
lizadas, produzindo-se, assim, mudança social e cultural” (2014, p. 26).
A diversidade interna das organizações aqui eleitas para abordagem evidencia
Assim, a escolha da Receita Federal, do Banco Central, da Comissão de Valores que elas ocupam nichos diferenciados dentro da Administração Pública, mas foram
• Tomo 2 •

Mobiliários, do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, da Controladoria- elas selecionadas porque tocam diretamente ao tema central da pesquisa, qual seja, a
-Geral da União e do Tribunal de Contas da União justifica-se, seja pela competência investigação e a persecução penal dos delitos econômicos e corrupção.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

2 • RECEITA FEDERAL IX - realizar a previsão, o acompanhamento, a análise e o controle das re-


ceitas sob sua administração, bem como coordenar e consolidar as previ-
sões das demais receitas federais, para subsidiar a elaboração da proposta
2.1 • APRESENTAÇÃO E COMPETÊNCIAS LEGAIS orçamentária da União;

X - propor medidas destinadas a compatibilizar a receita a ser arrecadada


A Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) é órgão vinculado ao Ministério com os valores previstos na programação financeira federal;
de Estado da Fazenda. Sua atuação principal refere-se à administração dos tributos
de competência da União (inclusive os previdenciários e aqueles incidentes sobre o XI - estimar e quantificar a renúncia de receitas administradas e avaliar
os efeitos das reduções de alíquotas, das isenções tributárias e dos incen-
comércio exterior), que abrangem parte significativa das contribuições sociais do País.
tivos ou estímulos fiscais, ressalvada a competência de outros órgãos que
Além disso, subsidia o Poder Executivo Federal na formulação da política tributária
também tratam da matéria;
brasileira, previne e combate a sonegação fiscal, o contrabando, o descaminho, a pi-
rataria, a fraude comercial, o tráfico de drogas e de animais em extinção e outros atos XII - promover atividades de cooperação e integração entre as adminis-
ilícitos relacionados ao comércio internacional. trações tributárias do País, entre o fisco e o contribuinte, e de educação fis-
cal, bem assim preparar e divulgar informações tributárias e aduaneiras;
Essa é a descrição geral das atividades da Receita Federal. De modo mais deta-
lhado, nos termos do seu regimento interno, a Receita reúne as seguintes competên- XIII - realizar estudos para subsidiar a formulação da política tributária
e estabelecer política de informações econômico-fiscais e implementar
cias (Ministério da Fazenda, 2003, anexo, art. 1º):
sistemática de coleta, tratamento e divulgação dessas informações;
I - planejar, coordenar, supervisionar, executar, controlar e avaliar as ati-
XIV - celebrar convênios com órgãos e entidades da administração pú-
vidades de administração tributária federal e aduaneira, inclusive as rela-
blica e entidades de direito público ou privado, para permuta de informa-
tivas às contribuições sociais destinadas ao financiamento da seguridade
ções, racionalização de atividades, desenvolvimento de sistemas compar-
social e às contribuições devidas a terceiros, assim entendidas outras en-
tidades e fundos, na forma da legislação em vigor; tilhados e realização de operações conjuntas;

II - propor medidas de aperfeiçoamento e regulamentação e a consolida- XV - gerir o Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das
ção da legislação tributária federal; Atividades de Fiscalização - Fundaf, a que se refere o Decreto-Lei nº
1.437, de 17 de dezembro de 1975;
III - interpretar e aplicar a legislação tributária, aduaneira, de custeio
previdenciário e correlata, editando os atos normativos e as instruções XVI - negociar e participar da implementação de acordos, tratados e con-
necessárias à sua execução; vênios internacionais pertinentes à matéria tributária e aduaneira;

IV - estabelecer obrigações tributárias acessórias, inclusive disciplinar a XVII - dirigir, supervisionar, orientar, coordenar e executar os serviços
entrega de declarações; de administração, fiscalização e controle aduaneiros, inclusive no que diz
respeito a alfandegamento de áreas e recintos;
V - preparar e julgar, em primeira instância, processos administrativos de
determinação e exigência de créditos tributários e de reconhecimento XVIII - dirigir, supervisionar, orientar, coordenar e executar o con-
de direitos creditórios, relativos aos tributos por ela administrados; trole do valor aduaneiro e de preços de transferência de mercadorias
importadas ou exportadas, ressalvadas as competências do Comitê
VI - preparar e julgar, em instância única, processos administrativos de Brasileiro de Nomenclatura;
aplicação de pena de perdimento de mercadorias e valores e de multa a
transportador de passageiros ou de carga em viagem doméstica ou inter- XIX - dirigir, supervisionar, orientar, coordenar e executar as atividades
nacional que transportar mercadoria sujeita à pena de perdimento; relacionadas com nomenclatura, classificação fiscal e econômica e origem
de mercadorias, inclusive representando o País em reuniões internacio-
VII - acompanhar a execução das políticas tributária e aduaneira e estu- nais sobre a matéria;
dar seus efeitos sociais e econômicos;
XX - planejar, coordenar e realizar as atividades de repressão ao contra-
• Tomo 2 •

VIII - planejar, dirigir, supervisionar, orientar, coordenar e executar os bando, ao descaminho, à contrafação e pirataria e ao tráfico ilícito de en-
serviços de fiscalização, lançamento, cobrança, arrecadação e controle torpecentes e de drogas afins, e à lavagem e ocultação de bens, direitos e
dos tributos e demais receitas da União sob sua administração; valores, observada a competência específica de outros órgãos;
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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

XXI - administrar, controlar, avaliar e normatizar o Sistema Integrado de Figura 2


Comércio Exterior - Siscomex, ressalvadas as competências de outros órgãos;

XXII - articular-se com órgãos, entidades e organismos nacionais, in-


SECRETÁRIO RFB
ternacionais e estrangeiros que atuem no campo econômico-tributário,
econômico-previdenciário e de comércio exterior, para realização de es-
Secretário-Adjunto
tudos, conferências técnicas, congressos e eventos semelhantes;
Chefe de Gabinete
Coordenação-Geral de Planejamento,
XXIII - elaborar proposta de atualização do plano de custeio da segurida- Gabin
Organização e Avaliação Institucional
de social, em articulação com os demais órgãos envolvidos; Copav
Assessoria Especial
XXIV - orientar, supervisionar e coordenar as atividades de produção e dis- Asesp
Coordenação-Geral de Pesquisa e Investigação
seminação de informações estratégicas na área de sua competência, em es- Coordenação-Geral de Auditoria Interna
Copei
pecial as destinadas ao gerenciamento de riscos ou à utilização por órgãos e Audit Coordenação-Geral de
entidades participantes de operações conjuntas, visando à qualidade e fide- Cooperação e Integração Fiscal
dignidade das informações, à prevenção e ao combate às fraudes e práticas Assessoria de Comunicação Social Cocif
Ascom
delituosas, no âmbito da administração tributária federal e aduaneira; e
Corregedoria da Receita Federal do Brasil
Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros Coger
XXV - realizar e disseminar estudos e estatísticas econômico-tributários Cetad
e relativos à matéria de comércio exterior, em estreita colaboração com a
Secretaria de Política Econômica e com a Secretaria de Acompanhamento
Subsecretaria Subsecretaria Subsecretaria Subsecretaria Subsecretaria
Econômico, visando aprimorar os estudos e as políticas públicas a seu cargo. de Tributação de Arrecadação de Fiscalização de Aduana e de Gestão
e Contencioso e Atendimento Sufis Relações Corporativa
A Receita Federal conta com uma Coordenação-Geral de Pesquisa e Investigação, Sutri Suara Internacionais Sucor
denominada Copei, à qual compete prestar assessoramento estratégico e executar as ativi- Coordenação- Suari
Coordenação- -Geral de
dades de pesquisa e investigação na área de inteligência, em especial no combate aos cri- -Geral de
Coordenação- Coordenação- Coordenação-
-Geral de -Geral de Fiscalização Coordenação- -Geral de
mes contra a ordem tributária, inclusive os de natureza previdenciária, os de contrabando e Tributação Arrecadação Atendimento Cofis -Geral de
Cosit Programação
descaminho e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores. A finalidade da atuação e Cobrança e Educação Administração e Logística
Codac Fiscal Coordenação- Aduaneira
da Copei consiste na produção de conhecimentos para uso das unidades da RFB. Coordenação- -Geral de
Copol
Coaef Coana
-Geral de Programação
Contencioso Coordenação Coordenação-
e Estudos
Administrativo Especial de Coordenação- Coordenação- -Geral de
Copes
2.2 • ESTRUTURA E DIÁLOGO INTERINSTITUCIONAL Cocaj Ressarcimento,
Compensação
-Geral de
Gestão de
-Geral de
Relações
Tecnologia da
Coordenação Informação
e Restituição Cadastro Especial Internacionais Cotec
A estrutura da RFB é composta de 5 Subsecretarias, além das Superintendências Corec Cocad de Maiores Corin
Regionais, em número de 10, que abarcam as inspetorias especiais (11), as alfândegas Contribuintes Coordenação-
Comac -Geral de
(26), as delegacias (103) e as unidades de atendimento (403) espalhadas pelo territó- Gestão de
rio nacional. Vinculados diretamente ao gabinete do Secretário da RFB, autoridade Superintendências Pessoas
Cogep
máxima do órgão, estão o Subsecretário, o Chefe de Gabinete, a Assessoria Especial, Regionais
SRRF
a Coordenação-Geral de Auditoria Interna, a Assessoria de Comunicação Social, o (10)
Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros, a Coordenação-Geral de Planejamento,
Organização e Avaliação Institucional, a Coordenação-Geral de Pesquisas e Delegacias de Inspetorias Especiais Alfândegas Delegacias
Investigação, a Coordenação-Geral de Cooperação e Integração Fiscal e a Corregedoria Julgamento (11) (26) (103)
(14)
da RFB. Essas unidades, também identificadas como centrais, são classificadas como de Unidades de Atendimento
(403)
assessoramento direto do Secretário.
• Tomo 2 •

A visualização da estrutura da RFB pode ser feita por meio do seguinte organograma: Fonte: Sítio eletrônico da RFB

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

As 10 Superintendências da Receita Federal encontram-se espalhadas, reu- Divisão de Investigação (Divin), o Escritório de Pesquisa e Investigação (Espei) – um
nindo os estados do seguinte modo: 1ª Superintendência: DF, GO, MT, MS, TO; 2ª em cada uma das 10 regiões fiscais, que abarcam as chamadas Seções Especiais de
Superintendência: AC, AP, AM, PA, RO, RR; 3ª Superintendência: CE, MA, PI; 4ª Pesquisa e Investigação (Sapei) – e o Núcleo de Pesquisa e Investigação (Nupei).
Superintendência: AL, PB, PE, RN; 5ª Superintendência: BA, SE; 6ª Superintendência:
A Coordenação de Assuntos Estratégicos (Coast) cuida de administrar e su-
MG; 7ª Superintendência: ES, RJ; 8ª Superintendência: SP; 9ª Superintendência: PR,
pervisionar as atividades pertinentes à Divisão de Pesquisa (Dipes) e ao Serviço de
SC; 10ª Superintendência: RS. O quadro abaixo demonstra a distribuição das unidades
Aplicação Tecnológica (Seate). De modo esquemático, tem-se o seguinte:
da RFB nas respectivas Superintendências:

Figura 4
Figura 3
Divisão de
QUANTIDADE DE UNIDADES POR REGIÃO FISCAL Pesquisa
Coordenação – Dipes
1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª de Assuntos
TIPO DE UNIDADE TOTAL Estratégicos Serviço de
RF RF RF RF RF RF RF RF RF RF – Coast Aplicação
Alfândega 1 4 4 2 2 4 4 3 2 26 Tecnológica
– Seate
Agência 33 22 35 31 33 41 21 64 42 38 360 COORDENADORIA-GERAL
Divisão de
Delegacia Especial
1 1
DE PESQUISA E Investigação
de Fiscalização INVESTIGAÇÃO – COPEI – Divin
Escritório
Delegacia Especial
Escritório de Pesquisa Seção Especial
de Instituições 1 1 Coordenação de Pesquisa e Investigação de Pesquisa
Financeiras Operacional e Investigação – Espei – e Investigação
– Coope – Espei uma em cada – Sapei
Delegacia Especial Região Fiscal
de Maiores 1 1 1 3 Núcleo de
Contribuintes Pesquisa e
Seção de Investigação
Delegacia Especial – Nupei
Atividades
de Administração 1 1 Auxiliares
Tributária – Saaux
Delegacia 7 9 7 7 6 12 8 21 11 9 97
Nota: Quadro elaborado pelo autor
Delegacia de
2 1 1 1 1 2 1 3 2 1 15
Julgamento A Copei interessa aos arranjos institucionais para enfrentamento da corrupção
Inspetoria 6 15 6 3 1 1 2 9 12 55 e dos delitos econômicos porque ela cuida do modo de atuação do Departamento
de Operações Imobiliárias (DOI), principal instrumento de atuação articulada com o
Superintendência
Regional
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10 Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), como se verá a seguir. Nesse
sentido, confira-se a entrevista do representante do Coaf, o qual mencionou que a
Total Global 50 52 48 48 46 58 37 99 68 63 569
atuação do citado Conselho por meio do maior vulto ou mesmo de modo aleatório
Fonte: Sítio eletrônico da RFB busca checar operações consideradas suspeitas com os bens ostentados, por ele ou não,
que poderiam se prestar para eventual ação ilegal. Daí a conferência na Declaração de
A Coordenação-Geral de Pesquisa a Investigação (Copei) abrange: a Operações Imobiliárias. Se há disparate ou incoerência, tal informação passa a com-
Coordenação de Assuntos Estratégicos (Coast), a Coordenação Operacional (Coope) por um procedimento administrativo, e a própria RFB, seguidamente, comunica ao
• Tomo 2 •

e a Seção de Atividades Auxiliares (Saaux). A mencionada Coast reúne a Divisão de Ministério Público Federal ou à Polícia Federal. Sobre o manuseio das informações
Pesquisa (Dipes) e o Serviço de Aplicação Tecnológica (Seate). Já a Coope reúne a prestadas por intermédio do DOI, veja-se o relato de integrante do Coaf:

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

A gente recebe aquele monte de comunicações, dá umas sete mil por Anote-se que a matriz dessas apurações observa justamente o Cadastro de Pessoas
dia. Então, como é que a gente faz? Nós criamos... o nosso sistema aqui é Físicas (CPF) ou o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), de responsabili-
razoável, o sistema é bom […], eu chamo isso aí de análises concêntricas dade exatamente da RFB.
[…], quer dizer, quando eu pego esse volume de sete mil ocorrências,
várias coisas eu tenho regras pré-definidas. Tipo assim, um exemplo, um É certo que Coaf e RFB possuem algumas bases de informações integradas.
posto de gasolina. Vamos dizer que a característica dele seja depositar Contudo, o Coaf não dispõe de acesso às informações resguardadas pelo sigilo fiscal.
todo dia o caixa dele no final do dia. Então eu não vou fazer uma aná- Convém destacar que, para além da discussão a respeito do óbice legal ou constitucio-
lise individual sabendo que o perfil é esse. Então essas regras de perfil, nal de acesso à informação sigilosa, o Coaf menciona que não dispõe de corpo técnico
eu chamo regras de experimento, eu aplico automaticamente para todos ou mesmo de preparo específico para a chamada análise patrimonial, isto é, eventual
esses que eu tenho capacidade de definir individualmente, e depois eu descompasso entre as declarações prestadas e a realidade patrimonial do contribuinte
analiso isso no conjunto, porque às vezes você não pega no individual, que venha a ser investigado. Nesse sentido, o relato do representante do Coaf quando
mas no conjunto você pega […], no primeiro filtro ali, na primeira aná- questionado sobre a integração das bases de informação dos órgãos de controle e sua
lise, depois disso sobra um número pequeno de comunicações para as
compartimentação com Ministério Público, Polícia e Judiciário:
quais eu não consegui sistematizar regras individuais. Então, o que é que
eu faço? Eu distribuo de forma aleatória, randômica, para os analistas O caso, ele começa com uma comunicação, e essa comunicação, a ma-
que estão na área de análise, para que eles olhem uma a uma […]. E aí, triz de todo sistema é CPF/CNPJ [...]; por exemplo, se eu clicar no CPF,
se ele conseguir alguma explicação, tipo o cara movimentou dinheiro em eu recebi uma comunicação do Vinícius, aí, no que eu clico no CPF do
espécie e está dizendo que é compra de imóvel, ele vai lá no DOI, ele tem Vinícius, eu vou abrindo tudo que ele tem, tudo que estiver relacionado
acesso à DOI, à Declaração de Operações Imobiliárias da Receita. Olha, eu abro. […] Aí, só para você ver depois, aquilo que você falou, o banco
está aqui, está registrado. Ok, acabou o assunto. Senão, se ele não con- tem lá o filtro dele, o Coaf tem o filtro dele aqui. O filtro do Coaf o que
segue explicação, ele abre o tal de Caso. Caso é um dossiê, é uma pasta incorpora? Diversas bases de dados que o banco obviamente não tem, ou
virtual e vai juntar todas as pesquisas, que a gente tem a técnica de coleta não é do DNA dele ali. Então está ali o Cadastro Nacional de Empresa, a
ali, e vai gerar o tal Relatório de Inteligência que vai ser disseminado. DOI, o SIAPE, Sistema de Pessoal do Executivo, o CNIS, que é o Cadastro
Esse é o processo diário do Coaf. (Coaf/DF). Nacional de Informações Sociais, que é riquíssimo, que tem base de sa-
lário, tem empresas, quanto de empregado tem, Infoseg, de Segurança
A proximidade das unidades inseridas na Copei dá-se especialmente em relação à Pública, o TSE, do eleitor, e vários outros. Aqui é só um mosaico de al-
Divisão de Repressão a Crimes Financeiros (Dfin) do Departamento da Polícia Federal. guns setores, de algumas bases de dados. Quando a gente recebe a comu-
Por sua localização histórica no organograma da Polícia Federal e por sua centralidade nicação, clicou no CPF, ele varre isso aí.
em relação aos temas que guardam afinidade com a RFB, a Dfin acaba sendo a divisão
[…]
própria para diálogo interinstitucional entre RFB e Polícia Federal (Dfin/PF).
Não é bem assim e cada um (cada uma das instituições) está num estágio.
Por sua vez, a proximidade da RFB com o Coaf mostra-se principalmente
por meio do intercâmbio das informações oriundas da Declaração de Operações […]
Imobiliárias da Receita Federal (DOI). As ordens de trabalho, distribuídas aleatoria-
O Coaf pode fazer (integração das bases de dados) dentro da sua ativi-
mente para análise das comunicações de operações financeiras, usualmente realizam
dade. Por exemplo, o Ministério Público […] não tem integração de base.
o cotejo – “cruzamento” – das informações próprias de movimentos em espécie com Agora eles estão desenvolvendo grandes sistemas lá – tem o Simba, tem
as informações extraídas da DOI. É dizer: operações lançadas na DOI, na averi- vários, então eles estão avançando nisso. A Polícia também está fazendo
guação das comunicações de movimentações financeiras a atrair atenção do órgão um DW, laboratório de tecnologia, tudo nessa tentativa. Mas, a verdade é
específico, prestam-se para justificar montantes que normalmente escapariam do a seguinte, a crítica talvez das autoridades seja a seguinte: tem órgão que
que seja a atuação ordinária de contribuintes. O descompasso entre as informações tem acesso, sei lá, ao CNIS?, tem órgãos que não têm acesso a isso.
oriundas da DOI e as movimentações colhidas pelo Coaf usualmente ensejam a
[...]
abertura de casos (dossiês), que nada mais são que uma pasta virtual que reúne as
• Tomo 2 •

pesquisas e coletas que podem vir a ensejar a elaboração do Relatório de Inteligência O nível de segregação é diferenciado. E aí, uma defesa que se faz o tempo
a ser distribuído ou encaminhado à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal. inteiro, principalmente Ministério Público, Polícia, os que estão mais à

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frente da investigação, é o seguinte, como são base de dados de interesse Isso explica, em grande parte, a dificuldade noticiada nos relatos dos integran-
do Estado, que todos deveriam ter, não deveria ter proteção a esse sistema tes da Polícia Federal e do Ministério Público Federal a respeito do acesso aos dados
de informações, na medida em que você pode ter de forma indireta, in- para fins de persecução penal. Esses órgãos têm acesso aos dados que são relevantes
clusive. Por exemplo, o cara não tem acesso ao CNIS (Cadastro Nacional à descoberta de crimes, mas se orientam de acordo com as finalidades próprias que
de Informações Sociais), mas o Coaf tem; quer dizer, vai no relatório do eles possuem – nem sempre de acordo com a preocupação de prevenção, descoberta,
Coaf e não teria nenhuma dificuldade. (Coaf/DF).
elucidação e responsabilização pela prática de crimes. Isso se mostrará mais patente
É interessante notar que a compartimentação e o acesso às informações de que nos relatos a seguir mencionados.
dispõe cada um dos órgãos, a esta altura, guarda relevância com a finalidade desse Sobre a relação com a RFB – e também com os demais órgãos –, o relato de
acesso. Cada uma das instituições e órgãos tem acesso para os fins a que se destinam integrantes do Ministério Público Federal evidencia anseio de que todas os órgãos
esses órgãos e instituições. E esses fins, destaque-se, nem sempre guardam pertinência atuassem de modo similar ao da RFB.
com a persecução penal.
A relação eu avalio como muito boa, nós temos uma relação cordialida-
No relato do representante do Coaf – em cotejo com o acesso aos dados pró- de, de cooperação, e compreendemos os limites de cada uma das institui-
prios da RFB e outras bases –, vê-se que a questão do acesso, quando contextualiza- ções; por exemplo, a Receita Federal tem por sistemática feito a apuração
do com o interesse de acesso dos órgãos de persecução penal (Polícia e Ministério internamente e ela comunica ao Ministério Público sistematicamente – é
Público, principalmente), não se refere à ausência completa de integração, mas à falta tranquilo, nós gostaríamos que todas as outras instituições fizessem as-
de integração para os fins da persecução penal. Órgãos como RFB, Coaf, Bacen e sim; o INSS faz as apurações internas deles e comunica ao Ministério
outros têm acesso integrado, mas para as finalidades próprias de cada um desses ór- Público; o Coaf, da mesma forma, é feita uma verificação de alguma con-
gãos, o que não guarda identidade ou convergência com os interesses da Polícia ou do duta que dentro da avaliação dos parâmetros de normalidade deles ex-
trapola aqueles limites, é feita a comunicação ao Ministério Público. Isso
Ministério Público nessas informações.
acontece tranquilamente. Agora, os órgãos de controle interno de admi-
Olha só um exemplo: nós não temos acesso ao sigilo fiscal. Nós temos nistração, o órgão que concede a verba federal de qualquer ministério...
acesso a algumas bases da Receita, várias delas, mas não ao sigilo fiscal, a CGU, por exemplo, e o TCU, eles não têm essa determinação de fazer
nem queremos ter, por uma questão muito simples: a competência de essa comunicação ao Ministério Público. A primeira providência deles é
fazer [...] a análise patrimonial não é do Coaf. Ele não tem essa compe- reportar à própria administração a irregularidade para que seja sanada e
tência instalada aqui. Então, imagina eu ter acesso ao sigilo fiscal e ter que tal. Mais adiante, aí dão oportunidade para a pessoa prestar informações
fazer análise patrimonial? Coisas para que não formos formados, nós não e volta, ou seja, mais adiante quando estiver mais concreta a evidência de
temos equipe. Já a Receita tem. (Coaf/DF). que ali não é uma mera irregularidade e que ali pode ser caracterizado
um delito, então é formalizada uma comunicação – a crítica que nós fa-
Logo, para além da discussão a respeito da imposição de sigilo, vê-se falta de zemos é que o tempo vai passando e aí demora demais, e se o Ministério
estrutura, humana e material, para a análise que redunde na indicação de eventual Público tivesse recebido aqueles elementos anos antes... (PRR/RS).
prática criminosa (especialmente lavagem de dinheiro).
O problema, como se vê, parece residir no tempo da comunicação, para fins de
A narrativa sobre a integração das bases de dados e a preocupação finalística instar a persecução penal. Conquanto criticável o tempo dessas comunicações, a RFB
de cada um dos órgãos de acordo com suas áreas de atuação presta-se como expli- mostra-se célere nos contatos com o Ministério Público Federal, como se observa do
cação para um dos pontos mencionados nas narrativas dos membros do Ministério relato colhido de procurador regional da República com atuação na 4ª Região:
Público Federal sobre o caráter seletivo da atuação da RFB. A Receita tem atuação
[Sobre a crítica quanto à demora para instar o Ministério Público] Acho
marcada e, em regra, elogiada por sua qualidade, na indicação de cometimento de
que não, acho que é mais dos Ministérios mesmo; eu não sei dizer, mas eu
crimes em geral (corrupção e delitos econômicos) e, em particular, crimes contra a acho que não. O Bacen nesse ponto funciona bem, nos comunica bem a
ordem tributária. O acesso a dados pela RFB, contudo, direciona-se para a finalida- tempo, tem uma atuação preventiva também; a Receita também. Acho que
de própria de atuação da Receita. É dizer: o foco não é o de descoberta, apuração quem sofre mais são os próprios Ministérios, os órgãos concedentes... os
ou elucidação de fatos criminosos, conquanto no exercício da atividade rotineira se
• Tomo 2 •

órgãos que concedem a verba federal que têm o dever de fazer essa fiscali-
possam encontrar fatos que guardem relevância jurídico-penal. zação e essa prestação de contas, são os órgãos que mais sofrem atualmente

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

e mais a falta de servidores, não sei dizer, a CGU talvez, atualmente, órgãos A crítica, pois, dirige-se mais ao problema atinente à atual conformação legal e
pequenos talvez sim sofram com essa falta de pessoal. (PRR/RS). jurisprudencial sobre a configuração do crime do que ao tempo gasto pela RFB para
realizar a comunicação ao Ministério Público.
Especificamente sobre o início das apurações dos crimes contra a ordem tribu-
tária, confira-se o seguinte relato de integrantes do Ministério Público Federal colhido Além da questão referente ao tempo das comunicações e respectivas apura-
em entrevista exploratória: ções, vê-se que a exigência de complementação das informações prestadas pela RFB
ao MPF, muitas vezes por meio da instauração de inquérito policial, igualmente se
[Sobre a comunicação da RFB sobre eventual crime contra a ordem tri-
butária] O que demora muito também. É uma experiência concreta que
apresenta como um indicativo de que que a relação interorganizacional entre MPF e
a gente vem tendo em razão dessa necessidade de conclusão do procedi- RFB reclama aprimoramento.
mento administrativo/fiscal, com a inscrição da dívida e tal, se a dívida
Com efeito, a chamada sobreposição investigativa surge como tema de destaque ao
deve ser tornada definitiva... Há uma demora muito grande, temporal,
Ministério Público Federal. Trata-se da necessidade de instauração de inquérito policial
entre o momento em que você constata o fato, por exemplo, acontecen-
para produção ou complementação dos elementos de informação suficientes a lastrear
do na declaração no Imposto de Renda-2007, ano 2007, o que acontece?
Até a apuração da autoria hoje em dia é facilitada porque, basicamente,
ação penal dos fatos noticiados pela RFB. O tema mostra-se mais preocupante quando se
essas informações (declarações de imposto de renda) são encaminhadas mencionam os crimes societários, uma vez que, na visão dos integrantes do MPF, as in-
à Receita Federal por meio da Internet e, como você tem acesso, dá para formações trazidas pela RFB poucas vezes se mostram hábeis a indicar detalhes sobre a
detectar o IP – que é o Protocol – o computador daquela... ou então o de- participação concreta de cada um dos sócios de empresa envolvida na prática criminosa.
tentor da assinatura, junto ao provedor de Internet, que utilizou naquele
Essa preocupação já foi objeto de provocação da 2ª Câmara de Coordenação e
momento o computador para enviar declaração. Só que, com a demora
da tramitação do procedimento administrativo fiscal, isso demora cinco...
Revisão da Ordem Jurídica Criminal do MPF (2ª CCR). Em outubro de 2013, foi ins-
por volta de cinco anos para chegar ao nosso conhecimento e esses dados taurado procedimento, a partir de provocação deduzida por procurador da República
de armazenamentos de IP, geralmente, são mantidos... Há uma diferen- oficiante na cidade de Ribeirão Preto-SP, mencionando boa experiência de arranjo ins-
ça muito grande entre as diversas provedoras, porque não há um marco titucional. Na provocação, o procurador menciona a existência de normativa específica
legal sobre isso; agora a gente tem o marco legal da Internet, mas que para a comunicação de notícias de fatos criminosos pela RFB ao MPF. Contudo, embora
não está muito claro em relação à manutenção que hoje parece ter sido reconheça a qualidade do ato normativo que regula a comunicação – especificamen-
fixada em seis meses, algumas mantêm por cinco anos. Então, quando te, a Portaria RFB n. 2.439, de 21 de dezembro de 2010 (com as alterações posteriores
a gente faz a quebra do sigilo telemático para obter esse IP, as próprias que lhe foram impostas pela Portaria RFB n. 3.182, de 29.7.2011)17, o requerimento do
operadoras já não têm mais a informação. Então é, assim, uma loucura. procurador menciona que as comunicações oriundas da RFB ainda assim pecam pela
A gente está tentando orientar a Receita, já até mandei ofício, agora, para falta de atenção aos pontos que o MPF reputa pertinentes para subsidiar a manifestação
que, quando eles encaminharem as representações fiscais, elas já venham conclusiva sobre o ajuizamento da ação penal ou arquivamento da apuração. Nessa linha
com o IP de quem enviou aquela declaração para ver se a gente consegue
de ideias, a provocação menciona a experiência bem-sucedida consistente na realização
pelo menos com relação à autoria. O que acontece? Geralmente não é o
de palestra por integrante do MPF a auditores da RFB, para justamente permitir o apri-
contribuinte que envia ele próprio, ele contrata um contador. Os gran-
moramento das comunicações realizadas pela RFB. Na provocação, há destaque ao fato
des casos são assim, 700/800 contribuintes contratam um escritório de
contabilidade e ele insere algumas informações dentro da declaração de
de que, em que pese a previsão normativa esgotar o tema, as práticas das organizações
imposto de renda da pessoa física e ele mesmo envia a declaração. Muitas envolvidas redundam em comunicações que não atentam para as preocupações do MPF
vezes os contribuintes alegam que eles não tomaram conhecimento das ou em práticas arraigadas da mencionada sobreposição investigativa, isto é, em detri-
informações que foram fraudulentamente inseridas e, portanto, eventual- mento de uma elucidação imediata ou efetiva do fato notificado.
mente não haveria dolo na sonegação – a culpa maior seria do contador.
Mas, a gente tem dificuldade para identificar, realmente, quem foi que
17 O art. 3º da referida portaria menciona que os auditores da RFB, na comunicação dirigida ao MPF,
enviou. Agora, esses instrumentos a gente vem utilizando de forma muito devem atentar para o dever de: formalizar depoimentos ou declarações; apreender documentos; re-
incisiva; mas basicamente o que a gente envia para o delegado para fazer alizar perícias; identificar as pessoas responsáveis pelo ilícito penal; indicar testemunhas e gerentes
• Tomo 2 •

duas diligências que são principais: oficiar à Receita ou à Procuradoria da ou administradores da instituição financeira que possam ter concorrido para abertura de conta ou
Fazenda Nacional para ver se houve pagamento ou parcelamento desse movimentação de recursos sob nome falso, de pessoa física ou jurídica inexistente, ou de pessoa
débito e ouvir o contribuinte. Basicamente. (PR, EE/DF). jurídica liquidada de fato ou sem representação regular.

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A partir da provocação, que ensejou a instauração do Procedimento MPF n. senvolvido pelos técnicos da Receita Federal e também do TCU na persecução da cor-
1.00.000.014222/2013-87, a 2ª CCR, reconhecendo o acerto das colocações deduzidas rupção, diante de sua qualidade técnica e isenção de ânimo” (JF, PR). Especificamente
pelo procurador da República, mencionou que a prática das palestras pode, igualmen- no âmbito da Justiça Federal, a proximidade com a atuação da RFB é ainda mais des-
te, redundar na melhor implantação do “roteiro de atuação em crimes fiscais” publica- tacada. Como mencionado no relato colhido: “A Receita Federal tem um trabalho ex-
do pela Procuradoria Regional da República na 3ª Região. celente, tem uma proximidade muito grande com a Justiça Federal, eles são muito
rápidos, muito diligentes ao responder aos reclamos, às ordens da Justiça Federal, so-
Desse modo, vê-se que as práticas interorganizacionais, para se tornarem efeti- bretudo na investigação dos crimes tributários” (JF1/PE). O destaque ainda se refere à
vas e exemplares de bons arranjos institucionais, reclamam mais que a previsão nor- necessidade de informação atualizada quanto ao parcelamento ou pagamento de tri-
mativa que regule essas práticas. A própria provocação deduzida pelo procurador da butos, dada a sua implicação para a persecução dos crimes contra a ordem tributária.
República e também a 2ª CCR destacam que o aprimoramento da notícia deduzida A participação da Procuradoria da Fazenda Nacional, responsável pela cobrança judi-
pela RFB é prioridade da própria Receita, mas esse aprimoramento do arranjo insti- cial dos valores atinentes a dívidas tributárias, igualmente mostra-se relevante e opor-
tucional entre Receita e, decerto, outras organizações de fiscalização e controle passa tuna para as consequências advindas desses parcelamentos e pagamentos de tributos.
pela necessária aproximação interorganizacional com troca de experiências, experti-
ses, demandas e respostas, para algo além da fixação normativa e apriorística da prio- Mas esse contato, igualmente, mostra-se como razão para críticas. Elas se refe-
ridade de cada uma das organizações. rem à ausência de um contato especializado para os temas de interesse da jurisdição
penal e igualmente ao contato estritamente formal por meio de encaminhamentos
A partir do acesso às comunicações de movimentação financeira ensejadora de de ofícios ou comunicações processuais. Nesse sentido, confira-se a seguinte narra-
suspeita – de responsabilidade do Coaf –, Polícia Federal e Ministério Público podem tiva de um dos juízes federais entrevistados: “Não há relação pessoal. A relação é o
buscar o acesso ao chamado “dossiê integrado”, que cuida justamente de “integrar” as ofício, aí é o grande problema. Você manda e não sabe quem recebeu, às vezes volta,
informações atinentes às movimentações financeiras e seus reflexos nas informações tem uma dificuldade muito grande” (JF/DF).
colhidas a partir da fiscalização incidente na arrecadação tributária. Segundo a nar-
rativa do representante da Coaf/MF, o acesso a esse dossiê dá-se exatamente como De qualquer modo, a maior proximidade ou distância entre a RFB e as suas
complementação ou esclarecimento de informação alcançada no curso de investiga- inter-relações com a Justiça Federal parece variar de localidade para localidade. Em
ção pela Polícia ou pelo Ministério Público. entrevista colhida de juiz federal com atuação no Estado de Pernambuco, a notícia
é de elogiosa atuação próxima e frequente entre o juízo criminal e a Receita, com
Nota-se que muitas vezes a instância de provocação da RFB é o próprio Coaf, comunicação direta e pari passu das informações atinentes à persecução penal dos
quando este verifica movimentação financeira suspeita e, seguidamente, envia a in- crimes contra a ordem tributária. O caráter direto da comunicação dá-se por meio de
formação produzida para que a RFB apure eventual problema fiscal que justifique ou mensagem eletrônica (e-mail) ou mesmo por acesso direto para emissão de certidão
aprofunde a suspeita da movimentação fora do comum. de dívida ativa, pelo sistema Serpro e Infoseg:

A RFB tem convênios celebrados com o Bacen, com destaque para a avaliação Certo, em relação à Receita é bastante frequente o contato. Ele é feito
de risco e trocas de informações (e não só de acesso a bancos de dados conjuntos) e diretamente. A gente tem um elo, um canal de comunicação direto com
para intercâmbio de expertise, isto é, experiências válidas já desenvolvidas pelo Bacen a Receita porque os crimes contra a ordem tributária têm a exigibilidade
(do crédito) suspensa, quando o credito está parcelado, então esse contro-
a partir das movimentações dos diversos órgãos e atores desses arranjos institucionais
le de parcelamento dos créditos é feito direto com a Receita, e a comuni-
de enfrentamento da corrupção e dos delitos econômicos. Nesse ponto, quadra subli-
cação é direta e eu creio que atenda. (JF1/PE).
nhar o relato do representante da CVM, ao mencionar o seguinte:
Da parte dos Ministérios Públicos estaduais, convém destacar muitas das atu-
Só para concluir: independentemente de convênio, nós já estamos há algum
ações integradas com a RFB. Conquanto seja um órgão federal, com competências
tempo tendo discussões temáticas sobre eventos de interesse mútuo envol-
próprias de temas atinentes à União, a RFB guarda uma série de atividades de interesse
vendo Receita Federal e CVM, mas não no sentido de troca de informações,
no sentido clássico da palavra: é muito mais troca de expertises. (CVM 1/DF).
próximo dos órgãos de persecução penal com atribuição ou competência da Justiça co-
mum estadual. Nessa linha de ideias, merece destaque o Grupo Nacional de Combate
• Tomo 2 •

É importante destacar o prestígio ostentado pela RFB diante do Poder Judiciário. às Organizações Criminosas - GNCOC, que é grupo operacional composto pelos
Em destaque, os relatos oriundos de juízes dão conta da “importância do trabalho de- coordenadores dos Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado

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(Gaeco) dos Ministérios Públicos Estaduais e do Distrito Federal e Territórios. O Sem contar que alguns órgãos se reportam para nós [MPF] primeiro,
GNCOC tem por mote a atuação integrada e a cooperação interinstitucional e nessa TCU e algumas autarquias também… Abrem lá um procedimento e não
tarefa se inclui a proximidade com as informações produzidas pela RFB: mandam para a Polícia. Acho que isso decorre também, não sei se uma
coisa alimentou a outra, mas eu vim a saber que, por exemplo, a legislação
Eu sou bem mais recente no GNCOC, mas acho que duas palavras tributária em matéria de apuração de crimes tributários já fala que é ao
definem bem a atuação do GNCOC: integração e cooperação. Então Ministério Público [que se deve mandar]. Então, por exemplo, a Receita
você tem um grupo que te integra, e isso facilita o diálogo, a con- Federal detectou um crime, em vez de mandar para a Polícia, eles man-
versa com os outros Ministérios Públicos, porque se não houvesse dam para o Ministério Público. (Sub2/DF).
o GNCOC somente um MP de um estado conversaria com o outro.
Então há essa facilidade a ponto de trocar informação, trocar dados, Destaque-se, igualmente, que os primeiros contatos pessoais entre membros do
pedir um apoio operacional. Ministério Público Federal que se socorreram de dados da própria Receita Federal
deram-se justamente para a elaboração de análise patrimonial de investigados.
[...]
[...] eu lia o jornal, e o jornal denunciava frequentemente condutas ilí-
Hoje as instituições, de alguma forma, terminam se qualificando em citas. Tinha um sujeito, presidente de órgão público e tal... era cada vez
determinados temas, então é a questão da sinergia. Por que tu vais dis- mais evidente, então, eu pegava aquilo e mandava oficio para a Receita,
pender tempo, esforço, quando outra instituição já tem a expertise? Por ofício que quase que virou padrão hoje: “Que se verifique a regularidade a
que tu vais começar do zero uma coisa que já pode fazer com alguém evolução do patrimônio tal”, aí mandava... Nós não tínhamos organização
que já tem a expertise naquele determinado assunto? Então tu buscas em oficio, não tinha nada ainda, era muito pioneiro, com base naquilo se
isso. A Controladoria Geral da União é bastante parceira do Ministério abria uma investigação e se requisitava inquérito ou se oferecia denúncia
Público, a Polícia Federal, as Polícias Civis também são parceiras… direto, entende, denúncia direto. (Sub1/DF).
Porque houve um grande salto de qualidade no Brasil em que as ques-
tões corporativas que são relevantes, são importantes para qualquer A comunicação imediata e direta ao Ministério Público Federal, inclusive, é ob-
país, elas hoje estão em segundo plano, não preponderam sobre os jeto de elogio e de anseio de que os demais órgãos de controle procedessem tal como
interesses nacionais. Então, aquela questão corporativa, que eventual- faz a RFB. No entanto, há igualmente críticas quanto ao tempo gasto para a efetiva-
mente interessa ao Ministério Público, ela não é impeditiva de que eu ção da comunicação. Confira-se o relato colhido em entrevista com procurador da
sente à mesa e converse com outras instituições que eventualmente te- República atuante na região Sul do País:
nham uma posição corporativamente absolutamente contrária à minha.
Porque a profissionalização dessas pessoas, desses agentes, levou a que Nós estamos buscando essa integração. Eu reportei lá para o coordena-
a gente deixasse essas questões corporativas de lado e buscasse o traba- dor criminal (da RFB). Agora que passaram as eleições e serenaram os
lho em prol do bem comum, que no caso é a operação. A Polícia tem ânimos, a presidente foi muito simpática dizendo que vai continuar com-
expertise em lavagem de dinheiro? Então vamos buscar. Ah! A Receita batendo a corrupção e que ela está disponível. Então, vamos oficiar no-
Federal tem um tipo de atuação muito relevante em determinado tema? vamente o Ministério. Nós precisamos desse banco de dados, nós preci-
Então vamos buscar as informações e vamos trabalhar em parceria. Ah! samos verificar quem está recebendo indevidamente para poder repassar
O Ministério Público já desenvolveu já tem um roteiro, uma metodo- esse dinheiro para quem precisa, porque tem pessoas que precisam e não
logia de combate para determinada atividade criminosa? Então vamos estão recebendo; mas eu preciso desse cruzamento de informações: quem
buscar essa metodologia. (GNCOC/PI). recebe Bolsa Família é funcionário público? Porque seria uma maneira de
chegar nessa notícia de fato, porque a dificuldade que a gente está tendo é
As comunicações expedidas pela RFB, noticiando a possível prática de ilícitos pe- receber a informação, então a dificuldade também é essa, e o Estado tem
nais, em regra são dirigidas ao Ministério Público Federal. Aliás, esse destaque mostra-se que repassar as informações para que eu possa trabalhar.
ora por determinação legal, ora por uma tradição de comunicação efetivada entre eles.
[Sobre as razões do atraso para a chegada da informação] Muito volume
Na 7ª Câmara, eles têm lá uma ferramenta pela qual nós podemos checar de trabalho e poucos servidores. Eu tenho até um ofício de uma servido-
que existe um número maior de investigações que tiveram início para ra, que eu acho é do Ministério dos Transportes, em que ela pede descul-
• Tomo 2 •

certos tipos de crime e acho que esses aí de colarinho branco, essas coisas pas pela dificuldade de análise, por haver poucos servidores e um volume
assim, a porta de entrada é o Ministério Público Federal. excessivo de trabalho. É um número de verba muito grande e um

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volume de documentação muito grande. Seria preciso aparelhar melhor As atividades – ações – realizadas pela RFB de modo direto serão mais bem
esses órgãos para que eles tenham, efetivamente, condições para exami- descritas adiante.
nar essa documentação. Não vejo outro motivo, o motivo é esse: falta
gente lá dentro para fazer o trabalho; a documentação […] para o co-
nhecimento, da contabilidade e para gerir a matéria para poder analisar 2.3 • DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES
também não pode ser qualquer pessoa, né, e eles não dão conta do Brasil
inteiro porque o volume é muito grande.
A Receita Federal conta, atualmente, com ações e programas de diálogo in-
[Essa reclamação de demora é dirigida a outros órgãos?] Acho que não, terinstitucional. Embora a própria Receita Federal faça referência a essas iniciativas
acho que é mais dos ministérios mesmos; eu não sei dizer, mas eu acho como “ações” e “programas”, as hipóteses a seguir descritas parecem guardar melhor
que não. O Bacen nesse ponto funciona bem, nos comunica bem a tem- adequação aos conceitos de “projeto” e “programa”.
po, tem uma atuação preventiva também; a Receita também. Acho que
quem sofre mais são os próprios ministérios, os órgãos concedentes... Entende-se por “programa” o conjunto de atividades organizadas para serem
Os órgãos que concedem a verba federal, que têm o dever de fazer essa realizadas dentro de cronograma e orçamento específicos disponíveis para a imple-
fiscalização e essa prestação de contas, são os órgãos que mais sofrem mentação de políticas, ou para a criação de condições que permitam o alcance de
atualmente, e mais, a falta de servidores, não sei dizer, a CGU talvez, atu- metas políticas desejáveis (Ala-Harja; Helgason, 2000, p. 8). Por sua vez, “projeto”
almente órgãos pequenos talvez sim sofram com essa falta de pessoal. refere-se a um instrumento de programação para alcançar os objetivos de um pro-
grama. Envolve um conjunto de operações, limitadas no tempo, das quais resulta um
[...]
produto final que concorre para a expansão ou aperfeiçoamento da ação do governo.
Não saberia dizer [do Bacen], mas a Receita Federal não, me parece con- Quando essas atividades se realizam de modo contínuo ou permanente, elas passam a
seguir uma produção rápida. (PR/RS). ser denominadas “atividades” (Garcia, 1997, p. 6).
Para além dos contatos e apurações, vale destacar igualmente a necessária inte- Um programa, pois, é composto de diversos projetos. Por outro lado, o conjunto
gração da RFB com outros órgãos de enfrentamento dos crimes ora pesquisados por de programas que buscam objetivos comuns é entendido como “plano”. Ele ordena os
meio da distribuição dos laboratórios componentes da Rede Nacional de Laboratórios objetivos gerais e os desagrega em objetivos específicos, que serão os objetivos gerais
de Tecnologia (Rede-Lab). Os laboratórios são fisicamente instalados em instalações dos programas. O plano organiza as ações programáticas em uma sequência tempo-
de diversos órgãos, entre eles a RFB. ral, de acordo com a racionalidade técnica e as prioridades de atendimento (Cohen;
Hoje a gente tem instalados ou em instalação aproximadamente 43 la-
Franco, 2004, p. 86).
boratórios, em todos os estados da federação, distribuídos entre o A Secretaria da Receita Federal possui a competência administrativa, assim
Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal, Polícia Civil,
definida no inciso XX do art. 1º de seu Regimento Interno (Ministério da Fazenda,
Polícia Federal, Receita Federal. A gente está montando um laboratório
2012), para “planejar, coordenar e realizar as atividades de repressão ao contrabando,
na Bolívia, a gente já tem demonstração de interesse de alguns países, em
ao descaminho, à contrafação e pirataria e ao tráfico ilícito de entorpecentes e de dro-
especial da América do Sul. Também agora há interesse da Suíça. Um
dia desses eu quis conhecer e eventualmente instalar o laboratório nesses gas afins, e à lavagem e ocultação de bens, direitos e valores, observada a competência
países. Só que o laboratório, ao mesmo tempo em que é uma solução, específica de outros órgãos”.
é um problema. Não é um grande problema, mas por quê? Porque não
Essa atuação, por óbvio, reclama aproximação e atuação concertada com ór-
adianta ter todos esses softwares e hardwares se não tiver alguém para
gãos da Polícia, os Ministérios Públicos estaduais e Federal, bem assim o Poder
operar, alguém capacitado para operar. Então o que a gente verifica é que
em alguns locais a gente tem uma Ferrari e não tem piloto para a Ferrari,
Judiciário. Nessa linha de atuação, insere-se o programa intitulado “Operação
então o laboratório fica lá meio que fazendo uma coisa promocional; nós Fronteira Blindada”, que substancia um programa com caráter de permanência in-
temos o laboratório, mas não há efetividade prática. Em outros estados, serido no Plano Estratégico de Fronteiras do Governo Federal. Esse programa dá-se
não. Outros estados de fato usam o laboratório para fazer o cruzamento em atuação conjunta com as Forças Armadas, Polícias, Fazendas estaduais, Agências
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de dados e produzir conhecimento, e daí gerar alguma coisa útil para o Fiscalizadoras, Ministério Público (da União e dos Estados) e Poder Judiciário. As
processo. (DRCI/DF). atividades da “Operação Fronteira Blindada” encontram-se reunidas num hotsite, de-

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nominado pela Receita Federal de blog, que reúne as notícias e as iniciativas realizadas A Receita Federal ainda dispõe do Encontro Nacional de Administradores
no marco dessa atuação conjunta. Tributários (Enat). Trata-se de iniciativa surgida de modo disperso, em relação a al-
gumas unidades da Federação, e que foi mais bem formalizada a partir da inclusão do
O Plano Estratégico de Fronteiras do Governo Federal, por sua vez, é tratado inciso XXII no art. 37 da Constituição da República pela Emenda Constitucional n.
no Decreto n. 7.496, de 8 de junho de 2011, que o institui “para o fortalecimento da 42, de 19 de dezembro de 2003. O mencionado inciso estabelece o seguinte: “as admi-
prevenção, controle, fiscalização e repressão dos delitos transfronteiriços e dos delitos nistrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ati-
praticados na faixa de fronteira brasileira” (art. 1º). As diretrizes do plano abarcam a vidades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras
atuação integrada dos órgãos de segurança pública, da Secretaria da Receita Federal do específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão
Brasil e das Forças Armadas; e a integração com os países vizinhos. de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações
Os objetivos do mencionado plano são descritos da seguinte forma: a fiscais, na forma da lei ou convênio”.
integração das ações de segurança pública, de controle aduaneiro e das Forças A mencionada Emenda n. 42 representou importante consolidação institucio-
Armadas da União com a ação dos Estados e Municípios situados na faixa de nal aos órgãos de fiscalização tributária, em especial a Receita Federal, ao inserir na
fronteira; a execução de ações conjuntas entre os órgãos de segurança pública, Constituição o reconhecimento dos integrantes da carreira tributária como compo-
federais e estaduais, a Secretaria da Receita Federal do Brasil e as Forças Armadas; nentes das chamadas “carreiras de Estado”, isto é, realizadoras de atividade essencial ao
a troca de informações entre os órgãos de segurança pública, federais e estaduais, Estado e próprias de carreira específica. Demais disso, fixou a atuação tributária como
a Secretaria da Receita Federal do Brasil e as Forças Armadas; a realização de prioritária, inclusive por meio da destinação de recursos. Interessa aqui o mandado
parcerias com países vizinhos para atuação nas ações previstas no art. 1º; e a de atuação integrada estabelecido pela Constituição, a reclamar que a integração se
ampliação do quadro de pessoal e da estrutura destinada à prevenção, controle, dê, inclusive, com o compartilhamento de dados (cadastros e informações fiscais). O
fiscalização e repressão de delitos na faixa de fronteira. O decreto que institui o modo de compartilhamento, nos termos da Emenda, pode se dar tanto por meio de lei
plano, desde logo, enumera o rumo das ações que o comporão, especialmente (federal) como por convênio. O Enat mostra-se justamente como instrumento dessa
quando estabelece: ações de integração federativa entre a União e os estados e atuação compartilhada no âmbito nacional e internacional por meio de convênios e
municípios situados na faixa de fronteira; ações de cooperação internacional com formalização de parcerias. Para tanto, o Enat apresenta como objetivo o fortaleci-
países vizinhos; e a implementação de projetos estruturantes para o fortalecimento mento institucional não só da Receita Federal mas de todos os órgãos e instituições
da presença estatal na região de fronteira. voltados à administração tributária, aduaneira e fazendária de modo geral.
A responsabilidade pela concretização do plano é fixada em dois tipos de ga- Dentro dessa iniciativa, o Enat representa o Brasil nas assembleias gerais do
binetes: os Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteira (denominados de GGIF) e o Centro Interamericano de Administrações Tributárias (Ciat) – Inter-American Center
Centro de Operações Conjuntas (COC). Os GGIF cuidarão justamente das ações que of Tax Administrations. A conferência do ano de 2014 aconteceu exatamente na cida-
reclamem integração e articulação. Vale destacar que os GGIF poderão, inclusive, pro- de do Rio de Janeiro. A edição do ano de 2015, 49ª edição, no mês de maio em Lima,
por a criação de Gabinetes de Gestão Integrada em nível municipal, além de cuidar de Peru. Todo o material produzido no âmbito do Ciat encontra-se disponível em sítio
análises descritivas e normativas da política implementada. Nesse sentido, situam-se próprio, que reúne não só os produtos das conferências mas igualmente materiais de
como órgãos incumbidos de planejamento, formulação e avaliação das políticas im- seminários, oficinas e grupos de trabalhos (Ciat, 2015). Ainda no âmbito internacio-
plantadas nesse plano, justamente por meio da análise descritiva e normativa. nal, o Enat desenvolve um manual de cooperação e dispõe de diversas iniciativas de
cooperação técnica. Para além das iniciativas já existentes, o Enat ainda permite as
A análise de políticas, convém registrar, possui duas dimensões complementa-
chamadas “visitas técnicas”, as quais já foram realizadas por Moçambique, Bolívia e
res, mas que produzem conhecimentos distintos acerca de uma determinada política
Honduras ao longo do ano de 2014.
pública. São as dimensões descritiva, que proporciona o conhecimento sobre as causas
e as consequências das políticas públicas, e a normativa (também denominada dimen- No âmbito nacional, o Enat cuida de realizar anualmente o Encontro Nacional,
são de valor), que produz conhecimento acerca do valor das políticas no presente, no que produz destacadamente diversos protocolos de cooperação, celebrados entre a
passado ou para as gerações futuras. A análise de uma política, portanto, permite a União e diversas unidades federativas, a respeito de temas como: cadastro sincroni-
• Tomo 2 •

criação de conhecimento numa perspectiva crítica, orientado a melhorar a eficiência zado, emissão de notas fiscais por meio eletrônico, uniformização do cadastro na-
das escolhas entre as diversas alternativas de políticas (Dunn, 2007). cional de atividade econômica etc. Anote-se que tal padronização mostra-se muitís-

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simo relevante para a abordagem de tributos de competência municipal e estadual, A Receita Federal enumera como suas ações diversas operações em que atua-
que devem observar regramento mínimo dos órgãos de fiscalização e controle, em ram diversos órgãos de persecução penal conjuntamente. No curso do ano de 2013,
especial os órgãos de Receita. em relação ao enfrentamento da lavagem de dinheiro, a RFB enumerou as seguintes
operações de impacto, como resultado da atuação integrada com órgãos parceiros:
A importância de mencionar esses protocolos, quando se abordam os arran- Nações Unidas (junho de 2013); Alcatrão (agosto de 2013); Abdalônimo (agosto de
jos institucionais de atuação para o enfrentamento da corrupção e dos crimes e dos 2013); Esopo (setembro de 2013); Ablutio (outubro de 2013); Manirroto (novembro
delitos econômicos no Brasil, em particular dos crimes contra a ordem tributária, de 2013); Dealers (dezembro de 2013); Salt (dezembro de 2013).
consiste na padronização e na criação de rotinas de atuação e de trabalho em geral
em todo o território nacional. Anote-se que a RFB noticia tais ações e, na descrição dessas operações, refere-se
aos resultados obtidos, ora em conjunto com órgãos da Polícia, ora em conjunto com
As auditorias das administrações tributárias culminam na detecção de fraudes o Ministério Público, na esfera investigativa e no âmbito já do processo criminal:
fiscais e contábeis e também na prática de ações de prevenção e combate à lavagem de
dinheiro e outros crimes financeiros. O enfrentamento da lavagem de dinheiro dá-se
pela identificação e comunicação de atividades suspeitas e pela utilização desses indí- Tabela 1
cios ou suspeitas também no enfrentamento da evasão fiscal.
NOME DA
DESCRIÇÃO
A orientação das auditorias fiscais dirige-se à anormalidade ou movimentações OPERAÇÃO
atípicas nas seguintes situações: movimentações de numerários caracterizadas por Operação conjunta com a Polícia Federal e participação do Drug Enforcement Ad-
operações de transporte, câmbio, depósito e gastos; uso de tipologias de lavagem de ministration (DEA) dos Estados Unidos, da Guarda Civil Espanhola, das polícias
dinheiro já conhecidas; aumentos de lucros ou ganho de capital; posse de bens de alto de Portugal, Colômbia e Uruguai, prendeu 10 pessoas por tráfico internacional de
drogas. O nome da operação faz alusão às diferentes nacionalidades dos órgãos
valor (obras de arte, veículos de luxo, joias e antiguidades), contratos de empréstimos
que participaram da ação. No total foram denunciadas 17 pessoas pelo Ministério
atípicos e aumento patrimonial desproporcional à renda declarada. Transações atípi- Nações Unidas
Público Federal pelos crimes de tráfico internacional de drogas, associação para o
cas podem indicar possíveis operações de lavagem de dinheiro. Junho/2013
tráfico, associação para o financiamento do tráfico e lavagem de dinheiro.
Dois mandados foram cumpridos em Portugal. No decorrer da investigação
Para a RFB, “atípica” é a transação que “difere do padrão comum de um mer-
foram sequestrados pela Justiça Federal dois postos de gasolina, imóveis re-
cado específico ou de práticas reiteradas, levando-se em consideração seu passado, sidenciais e comerciais e parte de cotas societárias de outras empresas, bens
atividades corriqueiras ou lucros já declarados”. Nesse sentido, quanto maior o desvio avaliados em cerca de R$ 10 milhões.
no padrão esperado e quanto maior sua frequência, maior o risco de se deparar com As investigações começaram em outubro de 2012 com a descoberta de uma fá-
operações de lavagem de dinheiro. A própria RFB, em seu sítio eletrônico, indica os brica clandestina de cigarros, em Feira Nova-PE. Os cigarros falsificados eram
critérios para a movimentação que enseja suspeita de posse de recursos ilícitos, isto é, comercializados, principalmente, na região metropolitana e agreste do estado.
Alcatrão
Além dos crimes de falsificação e contrabando de cigarros, a investigação envolve
[...] características que possibilitam a ocultação e a justificativa para a Agosto/2013
sonegação fiscal, crimes contra a saúde pública, formação de quadrilha e lavagem
posse desses recursos ilícitos, o fluxo e a posse de dinheiro, bem assim de dinheiro. A operação reuniu 100 policiais civis, 35 policiais militares, 34 audi-
de ativos derivados: do fato de que a origem dos recursos não seja clara; tores da Secretaria Estadual da Fazenda e 22 auditores da Receita Federal.
do fato de que a identidade das partes não seja clara; das transações não A investigação se concentrou em uma concessionária de automóveis suspeita de
serem compatíveis com o perfil e renda do indivíduo observado; do fato sonegação fiscal milionária, a partir de indícios da prática dos crimes de sone-
de não existir razão lógica ou econômica que sirvam de base para as gação fiscal, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. Apurações preliminares
transações observadas. apontam indícios de omissão de receitas e rendimentos da ordem de R$ 300 mi-
Abdalônimo
lhões nos últimos cinco anos. Foram cumpridos quatro mandados de prisão, oito
Agosto/2013
Como já destacado, verificada a movimentação suspeita, a situação é imediata- conduções coercitivas e 24 mandados de busca e apreensão em residências e em-
mente comunicada ao Ministério Público Federal, para eventual persecução, além de presas pertencentes ao grupo investigado. A Justiça Estadual de Alagoas também
ensejar, conforme o caso, comunicações para os demais órgãos de informação finan- decretou o bloqueio de contas bancárias pertencentes aos suspeitos. Participaram
• Tomo 2 •

da operação 25 servidores da Receita Federal e 70 policiais federais.


ceira (Bacen, CVM).

250 251
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Vale o destaque de que os crimes mencionados nas ações conjuntas vão além daque-
Operação conjunta com a Polícia Federal, Ministério Público Federal e Contro- les próprios da atuação de inteligência da RFB. É dizer: o monitoramento das ações pela
ladoria-Geral da União com o objetivo de apurar indícios de prática de diversos
crimes, tais como fraude a licitações, corrupção, sonegação fiscal e lavagem de
Receita mostrou-se fundamental não apenas para a descoberta de infrações mas também
dinheiro. Foram cumpridos 31 mandados de prisão e 44 mandados de busca para medidas que se mostrassem efetivas na persecução de crimes além daqueles contra a
e apreensão em empresas, órgãos públicos e residências dos suspeitos. Parti- ordem tributária. Nesse sentido, confiram-se as medidas de caráter patrimonial e o rastreio
Esopo
Setembro/2013
ciparam da operação 30 servidores da Receita Federal, cerca de 200 policiais de bens supostamente produto, proveito ou instrumento das infrações noticiadas.
federais e 30 servidores da CGU. A Justiça Federal decretou também o seques-
tro de bens e o bloqueio de recursos financeiros dos suspeitos. Estima-se que
o prejuízo aos cofres públicos pode chegar a centenas de milhões de reais. As
ações foram realizadas nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambu-
co, Espírito Santo, além do Distrito Federal.
3 • BANCO CENTRAL DO BRASIL
Ação realizada no Mato Grosso do Sul em conjunto com o Grupo de Atuação 3.1 • APRESENTAÇÃO E COMPETÊNCIAS LEGAIS
Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). A operação foi resulta-
do de investigações para apurar crimes de lavagem de dinheiro, formação de
O Banco Central da República do Brasil, ou simplesmente Banco Central do
Ablutio quadrilha, falsidade ideológica e fraudes tributárias praticados por empresá-
Outubro/2013 rios suspeitos de envolvimento em diversas transações imobiliárias irregulares. Brasil (Bacen), é autarquia federal vinculada ao Ministério de Estado da Fazenda.
Foram cumpridos cinco mandados de prisão temporária e sete mandados de Criado pela Lei Federal n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964, o Bacen sucedeu a
busca e apreensão, além do bloqueio de diversos imóveis pertencentes a uma Superintendência de Moeda e do Crédito.
incorporadora de propriedade dos investigados.
A competência do Bacen, nos termos do art. 9º da Lei n. 4.595, é descrita como
Operação conjunta com a Polícia Federal, teve o objetivo de combater esquema “cumprir e fazer cumprir as disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor
perpetrado por organização criminosa suspeita de utilizar empresas de facto- e as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional”. Sua sede fica em Brasília,
Manirroto
ring para o cometimento de crimes contra a ordem tributária, contra o sistema Distrito Federal, mas possui representações nas capitais dos Estados do Rio Grande do
financeiro nacional e lavagem de dinheiro. O grupo investigado apresenta in- Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Ceará e Pará.
Novembro/2013
justificável evolução patrimonial, ostentando bens de luxo incompatíveis com
os rendimentos declarados à Receia Federal. O prejuízo aos cofres públicos pelo O Bacen assume papel central na composição do Sistema Financeiro Nacional.
não recolhimento dos tributos devidos foi estimado em R$ 20 milhões.
Compete a esta autarquia, exclusivamente, “exercer a fiscalização das instituições fi-
nanceiras e aplicar as penalidades previstas” (inciso IX do art. 10 da Lei n. 4.595) e é
Operação conjunta com a Polícia Federal com o objetivo de combater esquema
justamente essa competência legal que interessa amiúde para a persecução da corrup-
de importação fraudulenta de veículos e embarcações de luxo, nas cidades de
Dealers João Pessoa, Recife e Natal. O grupo é suspeito da prática de vários crimes,
ção e dos delitos econômicos.
Dezembro/2013 incluindo sonegação fiscal, contrabando e descaminho, evasão de divisas, falsi-
A chefia do Bacen incumbe a uma diretoria composta por cinco integrantes
dade ideológica, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. O prejuízo aos
cofres públicos pode ultrapassar R$ 20 milhões. escolhidos pelo Conselho Monetário Nacional e a um deles caberá a presidência da
autarquia. Vale registrar que só poderão ser designados à diretoria do Bacen aque-
Operação realizada para apurar indícios da prática de crimes de sonegação fis- les membros do Conselho Monetário Nacional que tenham sido “nomeados pelo
cal, falsidade ideológica, apropriação indébita previdenciária, formação de qua- Presidente da República, após aprovação do Senado Federal, escolhidos entre brasi-
Salt drilha, fraude à execução e lavagem de dinheiro. A suposta fraude, envolvendo leiros de ilibada reputação e notória capacidade em assuntos econômico-financeiros,
Dezembro/2013 “laranjas” e empresas inexistentes de fato, buscava burlar o bloqueio judicial com mandato de sete (7) anos, podendo ser reconduzidos”.
do faturamento de um grupo de empresas que já tinham inscrições em Dívida
Ativa superiores a R$ 400 milhões. O Bacen possui uma estrutura que pode ser visualizada no organograma
abaixo, elaborado a partir de seu regimento interno (Ministério da Fazenda, 2015,
Nota: Quadro elaborado a partir de informações extraídas do sítio eletrônico da RFB Regimento Interno do Bacen):
• Tomo 2 •

252 253
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Figura 5 Figura 6 • Banco Central do Brasil

BACEN
ESTRUTURA

Diretoria Unidades Unidade de Unidades Unidades e Órgãos


Colegiada Especiais de Assistência Centrais Componentes Colegiados
Assessoramento Direta e Descentralizados
à Superior Imediata ao Subordinadas Comissão
Presidente Administração Presidente ao Presidente Gerências de Ética
(Presi) (Presi) Administrativas do Banco
Diretor de
Adminis- Secretaria- Regionais Central
tração -Executiva Gabinete do Subordinadas do Brasil
(Secre) Presidente ao Diretor de Gerências (CEBCB)
Diretor de (Gapre) Comunicação Técnicas
Assuntos (Dirad) Regionais Comitê de
Procuradoria-
Internacionais -Geral do Estabilidade
e de Gestão Banco Central Subordinadas Procuradorias- Financeira
de Riscos (PGBC) ao Diretor de -Regionais e (Comef)
Corporativos Comunicações Procuradorias
Internacionais nos Estados Comitê de
Diretor de e de Gestão Política
Fiscalização de Riscos Monetária
Corporativos (Copom)
(Direx)
Diretor de Organização do
Sistema Financeiro e Controle de Subordinadas ao Diretor de
Operações do Crédito Rural Fiscalização (Difis)
Diretor de Política Subordinadas ao Diretor
Econômica de Organização do Sistema
Financeiro e Controle de
Diretor de Política Operações do Crédito Rural
Monetária (Diof)

Diretor de Regulação Subordinadas ao Diretor de


Política Econômica (Dipec)

Diretor de Relacionamento Subordinadas ao Diretor de


Institucional e Cidadania Política Monetária (Dipom)

Subordinadas ao Diretor de
Regulação (Dinor)

Subordinadas ao Diretor
de Relacionamento
Institucional e Cidadania
(Direc)

Nota: Quadro elaborado pelo autor a partir das descrições contidas no Regimento Interno
• Tomo 2 •

Para visualização do organograma do Bacen desde suas instâncias administra-


tiva, técnica e deliberativa, confira-se o seguinte quadro ilustrativo: Fonte: Sítio eletrônico do Bacen
254 255
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

3.2 • COMUNICAÇÕES DE PRÁTICAS CRIMINOSAS Figura 7 • Total de ofícios sobre crimes financeiros enviados
anualmente ao Ministério Público e Judiciário, por região
As comunicações de práticas criminosas, verificadas no exercício da atividade
fiscalizatória do Bacen, estão previstas em três diplomas legais (Lei n. 4.728/1965, Lei
n. 4.792/1986 e LC n. 105/2001).

O primeiro deles, Lei n. 4.728, de 14 de julho de 1965, disciplina o mercado de


capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento. Seu art. 4º, § 2º, estabelece
que o Bacen, tomando ciência de crime definido em lei como de ação pública, deverá
oficiar ao Ministério Público para a instalação de inquérito policial.

Por sua vez, a Lei n. 4.792, de 16 de junho de 1986, define os crimes contra o
Sistema Financeiro Nacional, prevê em seu art. 28 que o Bacen, ao verificar a ocor-
rência de crime previsto nessa lei, deverá comunicar ao Ministério Público Federal,
encaminhando-lhe os documentos necessários à comprovação dos fatos relatados.

Por fim, a Lei Complementar n. 105, de 10 de janeiro de 2001, dispõe sobre


o sigilo das operações de instituições financeiras. Ao detectar a possível ocorrên-
cia de crime definido nessa lei, o Bacen deverá informar ao Ministério Público, Fonte: Sítio eletrônico do Bacen
anexando à comunicação os documentos necessários à apuração ou à comprova-
ção dos fatos. Essa comunicação, segundo o texto legal, será feita pelo presidente De modo mais detalhado, as comunicações realizadas pelo Bacen podem ser
do Banco Central (art. 9º, § 1º). No entanto, admite-se que o presidente delegue assim visualizadas:
tal atribuição, no prazo máximo de 15 dias, a contar do recebimento do expe-
diente com as informações, com manifestação jurídica a lastrear tal posiciona-
mento, ao Diretor responsável pela área em que se vislumbrar o crime de ação
pública ou seus indícios. A delegação é prevista na Portaria n. 14.204, de 1º de
fevereiro de 2001.

A Procuradoria-Geral do Bacen implementou banco de dados específi-


co – nominado como Sisbacen – sobre as comunicações realizadas ao Ministério
Público, no qual são registrados o número do ofício que encaminhou a comuni-
cação, o número do processo administrativo instaurado para apuração dos fatos, o
destinatário do ofício no Ministério Público, a provável tipificação do crime e sua
capitulação penal, os nomes dos eventuais infratores, o andamento da comunicação
e o seu resultado etc. Esse banco alimenta estatísticas que são publicadas – resguar-
dado o sigilo das movimentações financeiras e os nomes dos envolvidos – no sítio
eletrônico da autarquia.

Confiram-se as maiores incidências de comunicação realizadas pelo Bacen:


• Tomo 2 •

256 257
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Figura 8 O gráfico a seguir contempla o número de ofícios para comunicações ao


Ministério Público e ao Judiciário, tomando-se por referência os anos de envio:

Figura 9

Fonte: Sítio eletrônico do Bacen

Nota-se o elevado número de comunicações no final da década de 1990, com


um decréscimo substancial especificamente no ano de 2001. Seguidamente, vê-se de-
créscimo considerável a partir do ano de 2007 até se alcançar a data mais próxima.
Em números mais detalhados, a considerar as unidades federativas em que realizada a
comunicação, tem-se o seguinte:

Fonte: Sítio eletrônico do Bacen


• Tomo 2 •

258 259
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Figura 10 balho de interesse dos órgãos de persecução penal.18 Essa atuação mais próxima da
Polícia Federal e do Ministério Público Federal dá-se por intermédio da Coordenação-
-Geral de Assuntos Penais da Procuradoria do Bacen, responsável justamente por esse
relacionamento celebrado entre Bacen e órgãos de persecução penal.

O avanço tecnológico tem facilitado a realização dessas comunicações, por um


lado, mas as dificuldades estruturais de atuação do Bacen, cada vez mais demandado
pelos agentes de persecução penal, centram-se especialmente na falta de material hu-
mano para cumprimento de suas finalidades.
Eventualmente, em casos muito específicos, a pedido normalmente do
Supremo Tribunal Federal ou do STJ, nós colocamos alguns servidores
pra estudar melhor a questão do uso de recursos. É muito difícil fazer isso
porque não é atribuição dos servidores do banco, mas está prevista na lei,
e a nossa lotação está cada dia mais complicada. O Banco Central até o
começo deste ano estava com a sua menor lotação da história. Chegamos
a ter oito mil e poucos funcionários entre 1977 e 1978, e hoje nós temos
menos de cinco mil. Apesar da evolução tecnológica, que facilitou muitas
coisas, realocar servidores, principalmente da área de fiscalização, para o
cumprimento de uma missão que é constitucional – preservar os direitos
do sistema financeiro – é extremamente complicado. E além de tudo é um
trabalho colaborativo, não é missão só. (Bacen1/DF).

Conquanto sejam muitas as comunicações, a temática da finalidade de atuação


– a exemplo do que ocorreu na abordagem da RFB – aqui também se faz presente. É
dizer: conquanto o Bacen se depare com indícios de práticas criminosas, a preocu-
Fonte: Sítio eletrônico do Bacen
pação de sua atuação não diz respeito à persecução penal em si, mas à fiscalização do
Quando se verificam os dados por região, vê-se a centralidade das comunica- sistema financeiro e à apresentação de medidas que previnam a utilização do sistema
ções nos Estados do Rio Grande do Sul e Paraná na Região Sul. Na Região Centro- em si para ilícitos em geral.
-Oeste, Goiás centraliza as principais incidências. No Nordeste, o protagonismo das O Banco Central não integra a rede de instituições tipicamente voltadas
comunicações refere-se ao Estado da Bahia. Na Região Norte, Tocantins reúne o maior para combater indícios contra a administração pública, porque não tem
número de comunicações. Em destaque, vê-se a variedade dos tipos penais indicados mandado legal para investigar crimes contra a administração pública.
nas práticas ilícitas detectadas pelo Bacen. Isso é óbvio. Quando a gente se depara aqui dentro com um delito, mes-
mo que seja praticado por servidor do banco ou terceirizado, nós co-
municamos às autoridades competentes; quando é instituição financeira,
comunicamos também ao Ministério Público. Mas tendo em vista que o
3.3 • DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES E DIÁLOGO INTERINSTITUCIONAL Banco Central deve preservar a solidez e a eficiência do sistema finan-

A atuação das Procuradorias do Bacen refere-se não apenas às comunicações


de ilícitos verificados na atividade fiscalizatória da autarquia, mas igualmente guarda 18 O relato do representante do Bacen deixa claro que “A nossa parte criminal toca não só a representa-
ção do Banco em ações criminais que o Banco participa como assistente de acusação – normalmente
pertinência com as habilitações do Bacen na qualidade de assistente de acusação em
comunicando ao Ministério Público os delitos – mas também acompanha servidores que vão servir
alguns processos criminais e com a indicação e o acompanhamento de servidores a como testemunhas; [dar] respostas ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Delegacia de Polícia;
• Tomo 2 •

serem indicados como testemunhas ou que sejam relevantes para a elaboração de tra- e também ouvir as demandas do Congresso em comissões parlamentares de inquérito” (Bacen1/DF).

260 261
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

ceiro, isso pressupõe que as instituições do sistema financeiro não sejam gindo a conta bancária, o próprio juiz criminal, ele tem uma forma de
usadas como canal para isso. Isso é bastante relevante. Portanto, quando o atingir diretamente a criminalidade, inclusive. Os bens que foram des-
Banco Central faz a disciplina do mercado, ele colabora de modo estrutu- viados, basta um clique, um clique com a senha do juiz no mouse, e uma
ral para tornar o sistema financeiro cada vez mais impermeável a práticas grande quantidade de informações bancárias é bloqueada. Existe um
ilícitas. Essa é uma das nossas missões, das nossas obrigações, e uma coisa grande lobby no Congresso para tentar tirar esse poder, ou no mínimo
que o Banco Central sempre busca fazer, ou seja: evitar que o sistema requerer que o juiz não possa fazer isso de ofício, mas que sim se prova-
financeiro seja usado para práticas ilícitas de todo tipo, mas os delitos de velmente for provocado pela acusação ou pelo autor, ou pelo credor. Mas
corrupção têm uma relevância muito grande. Por isso que a evolução na é uma ferramenta fantástica, inclusive para investigação de endereço, de
regulação que o Banco Central fez no sistema financeiro nesses quase 50 localidades, né? Quantas contas bancárias a pessoa tem, qual é o patrimô-
anos de existência foram voltadas para isso: preservar a rigidez e a efici- nio que a pessoa tem. Então é uma ferramenta fantástica. O Bacen Jud
ência do sistema financeiro. (Bacen1/DF). é uma ferramenta excelente que existe nesse convênio da Justiça Federal
com a Justiça em si e com o próprio Banco Central. (JF1/PE).
Na atuação específica de persecução da corrupção e dos delitos econômicos, cum-
pre destacar a relevante atuação do Bacen, que não se resume à comunicação de even- Os casos de corrupção igualmente ganharam nova dimensão na atuação fiscali-
tuais ilícitos penais. Os instrumentos de compartilhamento de dados e de aderência a zatória do Bacen com o advento da Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe
regras de fiscalização e controle do sistema financeiro têm permitido ao Bacen, ao longo sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de
dos anos, dispor de instrumentos valiosíssimos para a efetividade de medidas patrimo- atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Trata-se da chamada “Lei
niais no curso da persecução penal, de medidas relevantes ao Judiciário na esfera cível Anticorrupção”, que, entre tantas importantes medidas, consagrou a responsabilização
(como nas execuções civis e trabalhistas) e toda sorte de prevenção e combate a ilícitos. da pessoa jurídica que venha, ainda que por intermédio de seu preposto, a praticar ato
lesivo à Administração pública, fomentá-lo ou dele colher proveito. As medidas de
O Banco Central investiu, mas também facilita enormemente visar não fiscalização do empresariado, especialmente no sistema financeiro nacional, tocam de
só a parte do Bacen Jud, mas a investigação policial, a investigação do
modo muito próximo as competências de atuação do Bacen.
Ministério Público e a atuação da Justiça. A Justiça manda hoje uma or-
dem, primeiro se pede que se detecte onde a pessoa tem conta, então Na parte de convergência das legislações, essa lei que vem sendo chamada
você não precisa hoje mais circular aquela ordem judicial para todas as de “Lei da Empresa Limpa” por alguns, ou “Lei de Anticorrupção” por
instituições; pode haver quebra de sigilo, mas você só manda para as ins- outros – a Lei n. 12.846 de 2014 –, está tendo até muita reflexão sobre
tituições onde a pessoa efetivamente tem conta. Isso contribui para efeti- ela por conta desses escândalos que estão acontecendo aí. Tanto a Lei de
vidade também. (Bacen1/DF). Prevenção à Lavagem de Dinheiro quanto a Lei da Empresa Limpa tra-
tam da fiscalização compartilhada referente às operações entre o Estado e
O Bacen Jud é um instrumento de comunicação eletrônica entre o Poder a sociedade – o Estado agindo pelos seus agentes, e a sociedade pelas suas
Judiciário e as instituições financeiras bancárias, com intermediação, gestão técnica e instituições financeiras etc., o compartilhamento de atuação. Enquanto
serviço de suporte a cargo do Bacen. Por meio desse sistema, os juízes protocolizam que na lei de lavagem se fiscalizam as operações dos clientes, o problema
ordens judiciais de requisição de informações, bloqueio, desbloqueio e transferência de do controle interno, a auditoria, a prevenção de ilícitos, a comunicação
valores bloqueados, que são transmitidas às instituições bancárias para cumprimento e de operações suspeitas ao Coaf, na Lei 12.846 também tem: fiscalização
resposta. Os relatos colhidos de juízes convergem para elogios à celeridade e à garantia da conduta dos prepostos e empregados das instituições privadas; as ins-
de efetividade dos provimentos jurisdicionais por intermédio do Bacen Jud. É repre- tituições devem ter um setor de controle e auditoria fixos; e também se
sentativa a narrativa do juiz federal que se manifestou assim sobre o sistema integrado: incentiva a denúncia de irregularidades. O embaraço à fiscalização e à
investigação é considerado irregularidade nas duas áreas, tanto na área
O Bacen Jud é uma ferramenta muito interessante que nós temos. Existe financeira quanto na área da prevenção, da lei da empresa limpa. E nós
uma grande polêmica, atualmente, porque existe um projeto de lei – o temos, tanto num caso quanto no outro, uma coordenação entre os ór-
novo Código do Processo Civil está em debate no Congresso. Existe uma gãos estatais que lidam contra o assunto. Inclusive é bom assinalar que,
forte pressão de uma bancada que representa interesses do empresariado pela Lei Complementar n. 105, não constitui violação do dever de sigilo a
de tolher a possibilidade da utilização do Bacen Jud. Porque o Bacen comunicação às autoridades competentes da prática de ilícitos penais ou
• Tomo 2 •

Jud é uma ferramenta muito forte do juiz, é uma forma que o juiz pode administrativos. E, independentemente do disposto naquele artigo 1º, o
utilizar para bloquear todas as contas bancárias de uma empresa. E, atin- Banco Central através da CBN comunicará aos órgãos públicos as irregu-

262 263
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

laridades das instituições administrativas de que tem conhecimento, que A atuação do Bacen, em geral, é bastante elogiada por integrantes do Ministério
é o artigo 9º, ou indícios de sua prática. Nós somos também obrigados a Público Federal. A exemplo dessas considerações, colhe-se o relato de membro do MPF
comunicar ao Ministério Público, ou ao Fisco por exemplo, se há alguma com atuação no DF, que qualificou o trabalho da autarquia como “excelente”, ainda que
irregularidade. Então efetivamente essa é uma visão bem ampla da atua- a percepção de informações de modo compartimentado seja objeto de crítica (PR/DF).
ção do banco, e a atuação do Banco Central nas últimas décadas enfatizou
o aspecto prudencial, preventivo, com foco em monitoramento, controle Conquanto presentes os atos formais da atuação concertada dos diversos ór-
e mitigação de riscos, em linha com o melhor padrão internacional. A gãos de fiscalização, controle e persecução penal, os contatos pessoais (e informais)
medida de fiscalização do banco se pauta por uma visão sistêmica, mais dos integrantes das diversas instituições segue aparecendo como importante pon-
casuística – ampliação do monitoramento de ação mais intrusiva, abran- to de convergência nos relatos de experiências bem-sucedidas de arranjos institu-
gendo a revisão de conduta e com maior rigor do compliance e governan- cionais. O êxito dos contatos entre Bacen, Polícias, Ministério Público e Judiciário
ça responsável. (Bacen1/DF). passa igualmente pela especialização dos profissionais envolvidos. A qualidade da
Vale destacar que, regimentalmente, a elaboração de cabedal normativo diri- especialização passa pela destinação específica na alocação dos recursos humanos
gido à fixação de regras de conduta em relação a clientes (no sistema financeiro) e e também pelo contato mais próximo e contínuo com órgãos de informação e fis-
à prevenção de crimes de lavagem de dinheiro, ocultação de bens, direitos e valo- calização específica, como o Bacen. O relato do integrante do Bacen evidencia,
res é incumbência do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro (Denor) inclusive, que o estreitamento dessas relações tem ensejado uma qualificação das
– Ministério da Fazenda, Bacen, 2015, art. 116, I, c. comunicações realizadas, o que parcialmente explica a queda do número de comu-
nicações ao longo dos últimos anos.
A narrativa ofertada pelos profissionais do Bacen dá conta de um relacionamento
estreito e bastante sólido com o Ministério Público, Polícias e instâncias do Judiciário. O que acontece: operações financeiras, especialmente na parte de la-
vagem de dinheiro, elas podem se revestir de características altamente
[...] nós firmamos diversos convênios com vários órgãos, não só na par- complicadas. Não é simples, exatamente porque você quer esconder
te de uso do Bacen Jud, do CCS, mas convênios de outras áreas. Tem a origem do dinheiro. Se você quer esconder a origem do dinheiro,
um que está para sair com o Ministério Público na parte de Direito do você não vai fazer só um lançamento de um dinheiro que sai da con-
Consumidor; tem outros sobre troca de informações sistêmicas e assim ta de um bandido para uma conta sua e depois volta para conta do
por diante, com diversos órgãos. Nós temos convênio com a Receita bandido; esse é o mais simples. Sempre tem operações diferenciadas,
Federal, Conselho Nacional de Justiça, Conselho Nacional do Ministério normalmente estruturadas e complicadas, e até nós temos que atuar
Público – inclusive tem um recentíssimo com a Receita sobre avaliação de para verificar como aquilo é, entendermos e passarmos para Justiça
risco –, mas não são só para troca de informações, são convênios diver- a explicação necessária. Pela Lei Complementar n. 105, nós somos
sos sobre diversas assuntos, inclusive experiências válidas que nós temos obrigados a mandar para o Ministério Público as informações sobre
para algumas coisas, que nós já passamos para outros órgãos. Nós temos operações que nos pareçam criminosas, indícios com a documentação
sistemas internos que passamos também para outros órgãos a pedido, in- pertinente, o que obviamente não quer dizer que o Ministério Público
clusive para autarquias, para empresas públicas, e nesse aspecto o Banco vai entender aquela operação. Então nós mandamos normalmente os
Central é talvez um pouco privilegiado, porque ele tem uma equipe de processos com toda documentação possível, e, junto, as explicações
informática muito forte. A parte de planejamento do banco, gestão de que estão dentro dos processos. Mesmo assim, é claro que a especia-
projetos, é também muito estruturada, muito forte, e consegue muita coi- lização do Ministério Público e dos juízes ainda não é como poderia
sa nas áreas-meio que vão facilitar a atuação das áreas-fim. E sempre que ser. Já melhorou muito com as varas especializadas criminais para
possível, sempre que nos pedem, nós repassamos esses conhecimentos delitos contra o sistema financeiro. O ministro Dipp, quando era do
internos para fora. Então contatos não são só a parte formal; a parte for- Conselho de Justiça Federal, conseguiu passar para frente essa neces-
mal, de ofícios, ela é natural entre órgãos públicos. Mas existe um contato sidade, e os Tribunais Regionais Federais adotaram isso; realmente
informal muito forte quando é necessário, normalmente para tornar as isso foi uma coisa fantástica, contribuiu para especialização do juiz.
coisas mais efetivas e mais rápidas. E aí nós recebemos ligações de diver- Obviamente que, conseguindo a especialização do juiz, você conse-
sas áreas e ligamos também quando é preciso; quando estamos interessa- guiu também a especialização do Ministério Público que trabalha na-
• Tomo 2 •

dos em algo, vamos atrás também. (Bacen1/DF). quele juízo. E a Polícia Federal – aí já no esforço dentro da Enccla

264 265
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

– conseguiu que praticamente em todas as suas regionais exista um Atualmente, em todas as vezes que nós fazemos comunicação de crime,
núcleo ou uma delegacia de análise de crimes financeiros, e eles têm um servidor do banco, no mínimo, é chamado para depor, exatamente
uma diretoria específica de crimes financeiros. Isso é importante, para poder explicar o modus operandi e a quem beneficia, a quem preju-
porque desde o policial, o Ministério Público e o juiz, eles têm que dica. Nós sempre estamos às ordens, inclusive para a parte de instrução,
entender essas operações complexas. Mesmo assim, acontecem casos de levar mais informações à Polícia, ao Ministério Público. Às vezes
em que nós temos que colocar nossos servidores para conversar com se faz contato telefônico, ou então às vezes um servidor nosso vai lá, e
eles, para explicar, e em muitos dos casos nossos servidores de fisca- mesmo fora dos autos, ainda antes de o inquérito existir: “Como é que
lização são colocados como testemunhas de acusação. Nós acompa- foi isso? Me explique”, eles perguntam para a gente. Agora melhorou
nhamos, eles vão depor na Polícia, vão depor na Justiça, para mostrar muito, mas na época em que não havia as especializadas, eles não sa-
como se dá aquela operação, a quem beneficia; a forma, a estrutura biam nada sobre delitos financeiros, essas operações meio complicadas.
da operação foi feita assim, assim e assado para quê? para enganar Então nisso o Banco Central colabora sempre que pode, e eu acho que
quem? Às vezes para enganar o investidor, às vezes para enganar o funciona bem. (Bacen1/DF).
próprio Banco Central ou os outros supervisores. Então, nisso nós
colaboramos sempre. Agora, quem tem que fazer isso é o servidor da Convém destacar, contudo, uma crítica contundente dirigida à ausência de co-
ponta, servidor nosso que fez a inspeção com seu supervisor. Não é, municação quanto ao resultado das comunicações efetivadas pelo Bacen aos órgãos
por exemplo, quem assinou o ofício, porque quem assinou o ofício de persecução penal. Para além da compreensão do fluxo dessas comunicações, a au-
só assinou o ofício de comunicação – é um diretor, um ex-diretor, sência de retorno a respeito do êxito, falha, insuficiência etc. das informações transmi-
porque as pessoas saem. E os tempos de análise de uma operação des- tidas pelo Bacen tem prejudicado o incremento de melhorias ou avanços nos modos
sa às vezes demora; muda uma diretoria, não é mais aquela pessoa e de atuação da autarquia e suas comunicações. A experiência ofertada pelo integrante
ela, estando fora do Banco Central, é chamada para depor, [mas] não do Bacen mostra-se rica e até mesmo justifica – e recomenda – aprofundamento nos
vai saber muita coisa. Em determinadas épocas se assinaram muitos temas lançados na presente pesquisa:
ofícios de comunicação de crime; hoje até que está mais ou menos
estabilizado, exatamente por conta desse aperfeiçoamento da nossa Aí vem um outro problema: você não tem como fazer uma apuração
fiscalização. Mas acontece. (Bacen1/DF). adequada disso, desses fluxos; já até tentei. Por quê? Você faz a comu-
nicação, mas por outro lado nós (tomando só o exemplo do Banco
Demais disso, os números e sua diminuição nos últimos anos, bem assim como Central) fazemos doze mil e não sei quantas comunicações desde o
a elevada quantidade de comunicações no início da década de 2000 justificam-se pela começo do Banco Central, mas você não tem a dupla via, ou seja,
sucessão de legislação a respeito de temas que ensejaram o interesse e facilitaram a eu não sei o que está acontecendo lá na outra ponta. Por exemplo,
descoberta de práticas delituosas atinentes à obtenção de crédito rural. É o que se per- eu não recebo do Ministério Público a informação acerca do que ele
cebe da vivência dos profissionais do Bacen assim narrada: está fazendo com aquilo ali, até para eu avaliar se aquela informação
que eu preciso foi suficiente para me oferecer uma denúncia; ou se
Está no site do Banco Central a comunicação de crime pelo histórico; eu tenho que aprimorar meu processo de comunicação; ou mesmo se
o pico em 2001 foi pela grande quantidade de crédito rural, percepção eu não deveria comunicar, porque às vezes eu comunico um fato que
de empréstimo e desvio de finalidade do empréstimo. Alguns anos ele entende que é irrelevante. Então é isso, não temos como fazer essa
depois, entrou em vigor a Lei de Câmbio, que também foi razoável, comparação entre números de comunicações, inquéritos instaura-
mas sob a administração financeira não são tantos assim, não são mi- dos e ações penais instauradas, coordenações, absolvições... já é uma
lhares. (Bacen). grande dificuldade, coisa que você não vê em outros tipos de crime,
crimes comuns. (Bacen3/DF).
Essa dificuldade no manuseio das informações repassadas pelo Bacen esten-
de-se inclusive à produção da prova no curso do processo, dado que corriqueira- O Bacen atua com marcada proximidade em face da Divisão de Repressão
mente o corpo técnico da autarquia é chamado para explicar, em juízo, a maneira de a Crimes Financeiros (Dfin) do Departamento da Polícia Federal. Nesse sentido,
atuação e a compreensão das operações atinentes a práticas de ilícitos que tocam o confira-se a entrevista da autoridade responsável pela Dfin/PF, especialmente
sistema financeiro. por mencionar que o estreitamento do contato entre Polícia Federal e Bacen dá-
• Tomo 2 •

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

-se por intermédio da diretoria que cuida dos temas de investigação penal19. O Figura 11
contato é quase diário e guarda especificidade quando da realização de operações
que tocam de modo mais próximo instituições financeiras. Por força do contato
pessoal entre os responsáveis pelo Dfin e a Diretoria específica do Bacen, as
investigações policiais que tocam gestores de instituições financeiras são acom-
panhadas pari passu pelo Bacen.

Vê-se, pois, que, para além do exercício da competência legal de “comunicar” a


notícia de fato criminoso ao Ministério Público nas atividades de sua atuação, o Bacen
cuida igualmente de deslocar servidores e aparatos técnicos para subsidiar a apuração e
o processamento já em juízo desses fatos criminosos. Essa atuação esbarra na ainda clau-
dicante especialização dos profissionais do sistema de justiça criminal para atuação dos
delitos abrangidos na área de fiscalização e controle do Bacen, bem assim na ausência de
estrutura, especialmente o componente humano, para atendimento de todas as necessi-
dades de complementação dessas comunicações realizadas pela autarquia.

4 • COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS

4.1 • APRESENTAÇÃO E COMPETÊNCIAS LEGAIS


A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é autarquia que observa regime es-
pecial e apresenta-se vinculada ao Ministério da Fazenda. Tem personalidade jurídica
e patrimônio próprios. A peculiaridade de seu regime especial consiste no fato de que
ela é dotada de autoridade administrativa independente, isto é, não observa subordi-
nação hierárquica em relação ao Ministério da Fazenda, além de contar e autonomia
financeira e orçamentária. Ainda, seus dirigentes têm mandato fixo e estabilidade.

Criada pela Lei federal n. 6.385, de 7 de dezembro de 1976, a CVM reúne as


seguintes competências: fiscalizar, normatizar, disciplinar e desenvolver o mercado de
valores mobiliários no Brasil. Em 2013, a CVM formalizou seu atual plano estratégico,
no qual estabeleceu seus objetivos estratégicos a serem cumpridos até o ano de 2023,
ou seja, um planejamento fixado para um decênio.

19 “[…] Hoje em dia, por exemplo, há um contato muito estreito com Banco Central através da sua
diretoria na parte de investigação deles, um contato quase que diário trocando ideias, enfim, quando
a gente tem uma operação e quando chega na atuação de alguns gestores de Banco já vem a notícia,
e eles nos ligam, a gente já coloca eles em contato com os colegas” (Defin/DF). Fonte: Disponível no sítio eletrônico da CVM
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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

O mapa estratégico da CVM conjuga suas competências legais com os objetivos vinculados à Superintendência Geral. São quatro diretores e um presidente a
a serem atingidos no exercício das atividades fiscalizatória e normativa. Como se vê serem nomeados pelo presidente da República após indicação e aprovação em
dos pontos lançados, especialmente no campo dos “resultados”, a CVM orienta-se por sabatina pelo Senado Federal. A mencionada Lei n. 6.385 exige dos integran-
nortes de atuação que refletem a política nacional de valorização e respeito à higidez tes dessa diretoria “ilibada reputação e reconhecida competência em matéria
do mercado mobiliário. de mercado de capitais” e seus mandatos serão de 5 anos 22. A perda do cargo só
ocorre “em virtude de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou
As competências legais da CVM, até sua criação, eram exercidas pelo Banco
de processo administrativo disciplinar”. Sujeitam-se aos regimes de responsabi-
Central do Brasil. Com a edição da Lei federal n. 4.728, de 14 de julho de 1965, estabe-
lização penal e por improbidade administrativa. Demais disso, a inobservância
leceu-se no plano legislativo o “mercado financeiro e de capitais”. A necessidade de um
dos deveres do cargo igualmente pode ensejar a perda do cargo por meio de
órgão próprio e autônomo, voltado com maior especificidade ao mercado de capitais,
processo administrativo a ser instaurado e decidido pelo Ministro da Fazenda,
justificou a criação de autarquia em regime especial – a CVM – para exercitar aquelas
conquanto seja o processo conduzido por comissão especial a ser indicada pelo
atribuições até então realizadas pelo Bacen, que passou a se ocupar de modo precípuo
titular da pasta da Fazenda.
do mercado financeiro.
As competências legais da CVM são assim descritas: regulamentar, com
O mercado de capitais constitui a principal via de acesso à poupança públi-
observância da política definida pelo Conselho Monetário Nacional, as matérias
ca, seja ela oriunda dos indivíduos, seja originária dos denominados “investidores
expressamente previstas “nesta lei” e na lei de sociedades por ações; administrar
institucionais”, aquelas entidades que por decisão privada ou por força de lei invis-
os registros instituídos por “esta lei”; fiscalizar permanentemente as atividades e
tam nesse mercado. Desse modo, a atuação da CVM deve pautar-se por absoluta
transparência, pela visibilidade das operações das bolsas de valores e do chamado os serviços do mercado de valores mobiliários, bem como a veiculação de infor-
“mercado de balcão”, este assim denominado por operar com papéis de empresas mações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem, e aos valores nele
não cotadas nas mesmas bolsas, ou, se cotadas, sem apresentar a liquidez necessária negociados; propor ao Conselho Monetário Nacional a eventual fixação de limites
para serem levadas ao pregão. Por essa razão, ao menos em tese, há de se resguardar máximos de preço, comissões, emolumentos e quaisquer outras vantagens cobra-
a fidelidade dos dados fornecidos ao investidor sobre a empresa em que ele aplicará das pelos intermediários do mercado; fiscalizar e inspecionar as companhias aber-
seus recursos. Nisso consiste a função mais relevante da CVM: assegurar a garantia tas dada prioridade às que não apresentem lucro em balanço ou às que deixem de
de fidelidade desses dados. pagar o dividendo mínimo obrigatório (art. 8º da Lei n. 6.385/1976). Anote-se,
ainda, que a Lei expressamente ressalva dessa descrição a competência das Bolsas
A influência norte-americana no estabelecimento formal da CVM é fortemen- de Valores, das Bolsas de Mercadorias e Futuros, bem assim das entidades de com-
te sentida, até porque o mais sofisticado mercado de capitais do mundo ocidental é pensação e liquidação com relação aos seus membros e aos valores mobiliários
justamente o dos Estados Unidos da América. Nessa linha, vê-se igualmente marcada nelas negociados.
inspiração norte-americana nas Leis n. 4.728, de 196520; 6.404, de 197621; e na mencio-
nada Lei n. 6.385, que institui a CVM. Para tanto, a CVM organiza-se, de um lado, com o colegiado vinculado di-
retamente ao presidente e, de outro lado, com os chamados órgãos seccionais e os
A organização da CVM observa uma divisão interna entre seus órgãos de órgãos específicos. Os órgãos seccionais reúnem a Superintendência Administrativo-
modo a prestigiar as atividades diretamente vinculadas ao colegiado responsável -Financeira, a Procuradoria-Federal Especializada e a Auditoria Interna. Por sua vez,
pela direção da Comissão, bem assim a organizar as especificidades dos órgãos os órgãos específicos reúnem as Superintendências. O organograma a seguir reprodu-
zido permite uma visão geral da distribuição dos órgãos internos da CVM.
20 “Disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento”, como
consta da ementa.
22 Os mandados não são exercidos conjuntamente pelos integrantes da Diretoria. A cada ano deve ser
21 “Dispõe sobre as Sociedades por Ações”, como se observa da ementa. renovado um quinto dos membros do colegiado.
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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Figura 12 • Organograma Dada a estrutura organizacional da CVM, seus órgãos que guardam maior pro-
ximidade com a persecução da corrupção, em geral, e dos delitos econômicos são a
Superintendência de Normas Contábeis e Auditoria, a Superintendência de Processos
Diretor Diretor
PTE Diretor Diretor Sancionadores e Superintendência de Fiscalização Externa. A comunicação sobre a
PRESIDENTE
possível ocorrência de crime definido em lei como de ação pública, segundo o mesmo
Colegiado dispositivo legal que regula a atribuição do presidente do Bacen, cabe igualmente ao
presidente da CVM. De igual modo, a lei igualmente admite que o presidente da CVM
CGP ASA delegue tal competência, no prazo máximo de dez dias, a contar do recebimento do pro-
Chefia de Assessoria
Gabinete da de Análise cesso, com manifestação dos respectivos serviços jurídicos (art. 9º da Lei n. 6.385/1976).
Presidência e Pesquisa
No exercício de suas competências legais, os atos normativos expedidos pela CVM
assumem importância fundamental. Segundo a sistemática da própria autarquia, os diver-
SAD PFE ASC sos atos normativos que poderão ser editados pela CVM podem ser assim visualizados:
AUD
Superintendência Procuradoria Assessoria de
Auditoria
Administrativo- Federal Comunicação
Interna
-Financeira Especializada Social Figura 13
Órgãos Seccionais
INSTRUÇÃO
SGE Órgãos Específicos Regulamenta matérias previstas nas Leis n. 6.385/1976 e 6.404/1976
Superintendência
Geral DELIBERAÇÃO
Consubstancia decisão do Colegiado em matéria de sua competência

SIN OFÍCIO-CIRCULAR
SDM SEP
SFI Superintendência de
Superintendência de Superintendência de
Superintendência de Relações com Orientação aos regulados sobre normativos a serem cumpridos
Desenvolvimento de Relações com
Fiscalização Externa Investidores
Mercado Empresas
Institucionais DECISÃO CONJUNTA
SMI SOI Regulamenta matérias de competência comum entre a CVM e outros órgãos e/ou entidades dos mer-
SNC cados financeiro e de capitais
Superintendência de Superintendência de SPL
Superintendência de
Relações com o Proteção e Superintendência
Normas Contábeis e
Mercado e
de Auditoria
Orientação aos de Planejamento LEIS E DECRETOS
Intermediários Investidores
Conjunto de normas jurídicas relacionadas à criação e atuações normativa e de supervisão e fiscaliza-
ção da CVM no mercado de capitais
SPS SRB SRE SRI
Superintendência Superintendência Superintendência Superintendência NOTA EXPLICATIVA
de Processos Regional de de Registro de de Relações
Sancionadores Brasília Valores Mobiliários Internacionais Documento explicativo sobre as razões pelas quais o Colegiado da Autarquia aprovou norma e propôs
matéria, objeto de sua decisão, ao Conselho Monetário Nacional (CMN)

PARECER DE ORIENTAÇÃO
SSI
Superintendência Orientam os agentes do mercado e os investidores sobre matéria que cabe à CVM regular, além de
de Informática veicular as manifestações da Autarquia acerca de interpretação das Leis n. 6.385/1976 e 6.404/1976 no
interesse do mercado de capitais.
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Fonte: Sítio eletrônico da CVM Nota: Quadro elaborado pelo autor a partir das informações lançadas no sítio eletrônico da CVM

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Os crimes de maior proximidade com a atuação da CVM são caracterizados A FGV investigou o que acontece nos dez dias que antecedem o anúncio
pela profusão de elementos normativos na descrição típica. É dizer: os tipos penais que de resultados trimestrais de 56 empresas abertas brasileiras cujos papéis
guardam proximidade com as áreas de atuação da CVM são marcados por necessária estão entre os mais negociados da Bovespa. As ações de 21 delas se com-
complementação, dado que a descrição típica não satisfaz direta e objetivamente o portaram de maneira estranha pelo menos uma vez.
entendimento a respeito da conduta criminosa ali prevista. Por isso, mostra-se de todo As ações analisadas são muito negociadas. Para que um volume atípico
relevante a sistematização – por parte da CVM – de normas de conduta aos agentes e apareça, é preciso que haja uma grande quantidade de ordens de compra
às instituições com atuação do mercado de valores mobiliários. ou venda fora do padrão. Por isso, considero esse dado preocupante, diz
Thiago Bonato, um dos autores da pesquisa, feita em conjunto com o pro-
A já mencionada Lei n. 6.385/1976 passou a prever, graças às modificações rea- fessor William Eid. (Bronzatto, 2014).
lizadas pela Lei federal 10.303, de 31 de outubro de 2001, um capítulo específico com
tipos penais cuja objetividade jurídica se refere ao mercado de valores mobiliários. Os números colidem justamente na ausência de uma estrutura que se mostre
Trata-se dos crimes de manipulação do mercado; uso indevido de informações privile- adequada e suficiente para a CVM enfrentar os temas de alta complexidade e difusão.
giadas (o chamado insider trading); e exercício irregular de cargo, profissão, atividade Em comparação com o mercado norte-americano, um dos maiores do mundo, viu-se
ou função. Dada a natureza dos crimes que guardem pertinência com o mercado de em 2008 que um funcionário da CVM analisava aproximadamente 71 fundos e empre-
valores mobiliários, a competência para a processar e julgá-los é invariavelmente da sas abertas, ao passo que o funcionário no órgão congênere norte-americano cuidava
Justiça Comum Federal. Por conseguinte, a atribuição para a apuração e promoção das de aproximadamente 13 casos (Bronzatto, 2014).
respectivas ações penais é do Ministério Público Federal.
As soluções tecnológicas, igualmente, são um problema. Desde 2012, por força
de determinação expedida pelo TCU em 2006, a CVM vem desenvolvendo um siste-
ma próprio para atuação fiscalizatória que, até o momento, não se encontra acabado.
4.2 • DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES A consequência é grave: a quantidade de casos ignorados pela CVM é considerável
(Bronzatto, 2014).
O universo de ações fiscalizadas pela CVM que guardam relevância penal é ab-
surdamente volumoso quando contrastado com a equipe responsável pela identifi- Dada a forte vinculação dos temas atinentes aos mercados de valores mobiliários
cação e apuração das operações. Só no ano de 2013, quase meio bilhão de operações e financeiro, a atuação da CVM é marcada pela proximidade com a atividade do Bacen.
foram analisadas pela CVM, segundo dados fornecidos pelo órgão em matéria jorna- Colhe-se do relato de um dos integrantes da CVM importante narrativa sobre essa proxi-
lística (Bronzatto, 2014). midade das autarquias no exercício de suas respectivas funções. Veja-se o destaque para
que a atuação desta instituição seja necessariamente informada por uma preocupação de
Desse total, foram detectados 91.000 indícios de irregularidades em negócios inserção no panorama mais amplo, abrangente, de compreensão do mercado financeiro:
na Bolsa de Valores. Segundo Marcos Torres, diretor de autorregulação da Bovespa,
“o volume de irregularidades envolvendo o uso de informação privilegiada aumentou Mas, objetivamente, nosso trabalho principal [CVM] é identificar todos
junto com o crescimento do mercado de capitais no Brasil” (Bronzatto, 2014). os esquemas que vão causar qualquer espécie de reflexo no mercado de
valores mobiliários e, uma vez identificados, representar a CVM nesses
É sabido que a prática de uso de informações privilegiadas no mercado finan- trabalhos no sentido de melhor otimizar como esses eventos podem agre-
ceiro, além de ensejar tipificação penal, guarda relevância quanto à higidez e à credibi- gar valor ao nosso mercado e, também, criar possibilidades de participa-
lidade do próprio mercado. E o número de operações suspeitas, mesmo nas aquisições ção, para que se entenda uma série de peculiaridades envolvendo o mer-
que envolvem grandes empresas, é destacado. cado de valores mobiliários. Tentando dar um exemplo didático, existem
várias maneiras por que você pode chegar a um determinado ponto. No
Uma pesquisa do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio que diz respeito ao ponto que vai envolver nosso mercado, a gente tem
Vargas (FGV), feita a pedido de Exame, mostra que nem mesmo as maio- que justamente destrinchar aquelas peculiaridades inerentes ao nosso
res empresas da bolsa estão imunes a uso de informação privilegiada. É ambiente, para que a gente possa otimizar, maximizar, as variáveis nesse
sempre mais difícil detectar indícios de insider em ações muito negocia- sentido. Então, é óbvio que vão ter muitos trabalhos e vai ter que ter uma
das — por definição, o grande volume de transações ajuda a esconder interação com o outro parceiro nosso no sistema financeiro nacional, que
• Tomo 2 •

compras ou vendas suspeitas. é o Banco Central. Se a gente for resumir o que é o mercado financeiro,

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

do ponto de vista prático, você tem o mercado bancário, o mercado de É importante destacar que, além da menção expressa de comunicação ao
câmbio, o mercado de crédito e o mercado de capitais, de valores mobili- Ministério Público, a Lei Complementar n. 105 estabeleceu que, “o Banco Central
ários. […] Quando você fala por exemplo de bancos, corretoras de valo- do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários comunicarão aos órgãos públicos
res, distribuidoras de valores e administradoras de recursos de terceiros competentes as irregularidades e os ilícitos administrativos de que tenham conheci-
nesse ambiente, são instituições que têm um pé no Banco Central e um pé mento, ou indícios de sua prática, anexando os documentos pertinentes” (§ 2º do art.
na CVM, um duplo registro. Então, você tem uma corretora de câmbio,
9º). É dizer: tais comunicações circularão entre os órgãos com atribuição, de modo
títulos de registros de valores mobiliários que estão sob a supervisão do
mais amplo, de prevenir e sancionar tais ilícitos, sem que isso configure vulneração
Banco Central, que diz respeito ao mercado de câmbio, e da CVM, ligada
do sigilo inerente às operações.
ao mercado de valores mobiliários. Sem entrar no detalhe, estou mos-
trando para você como essa dinâmica é necessária, porque você não tem Essas comunicações realizadas pela CVM sobre ilícitos, em regra, são precedi-
que apenas pensar num reflexo aqui no mercado de valores mobiliários das de manifestação dos órgãos jurídicos da própria CVM. A experiência do integran-
ou no mercado de câmbio; tem que pensar no mercado como um todo,
te da CVM é precisa quanto ao iter dessas comunicações:
em termos de sistemas financeiros. (CVM1/DF).
A Lei Complementar n. 105 é a lei que trata do sigilo bancário de ope-
Conquanto sejam próximos, CVM e Bacen não ocupam espaços idênticos rações e serviços financeiros, e as informações que a CVM tem, por ser
no exercício de suas competências respectivas. A compreensão adequada de seus supervisora do mercado de valores mobiliários – as transações do merca-
espaços de competência legal faz-se, portanto, pelo entendimento a respeito do fun- do de valores mobiliários, quem é proprietário de ações –, tudo isso está
cionamento do próprio sistema financeiro. Há um espaço de interação, mas não de protegido por sigilo bancário. Então, nessa lei está incluído que a CVM,
confusão das competências. detectando um crime de ação penal pública, isso passa pela Procuradoria,
que faz uma análise, e depois é encaminhado para o Ministério Público
Também o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) guarda pro- Federal. Isso é, eu diria assim, o padrão legal, o que está previsto em lei e
ximidade com a atuação da CVM. que sempre foi feito. (CVM2/DF).
Só para frisar também, nessa questão de lavagem de dinheiro, a CVM A experiência de interação entre CVM e Ministério Público Federal observa
é um dos membros do Coaf, ou seja, ela está inserida no sistema de desde relações fixadas na identidade de seus interlocutores – isto é, relações pessoais
prevenção à lavagem de dinheiro com os membros do Coaf. Na Lei
– até a formalização de experiências bem-sucedidas como ensejadores de arranjos for-
9.613, ela é um dos supervisores que baixa regras para os seus su-
malizados. Tem-se exemplo de acordo de cooperação celebrado justamente para asse-
pervisionados em comunicações de operações suspeitas, políticas de
gurar maior celeridade e proximidade na interlocução das organizações. Vale destacar
relação ao cliente. Então, ela está inserida diretamente, por lei mesmo,
no sistema de prevenção à lavagem de dinheiro, o que faz também
a crítica veiculada na fala do integrante da CVM, ao mencionar que a independência
com que sua participação seja relevante tanto na Enccla quanto nos particularizada dos integrantes do MPF, por vezes, representa embaraço no diálogo
outros grupos de trabalho – Gafi, Gafisud, Ecosul... enfim, todos interinstitucional, de modo que os instrumentos formalizados de atuação conjunta
que digam respeito a isso. (CVM2/DF). (de que é exemplo o termo de cooperação) mostram-se relevantes para a superação ou
atenuação dos problemas advindos dessa interação interinstitucional.
A previsão legal de comunicação de possíveis práticas criminosas pela CVM
já decorria da Lei Federal n. 6.385 de 1976. Quando verificar no exercício de suas Em 2005, 2006, nós fomos procurados na CVM por um grupo de traba-
funções, exatamente como ocorre com o Bacen, a ocorrência de crime definido em lho que tinha sido criado pelo Ministério Público Federal, e esse grupo
de trabalho era sobre mercado de capitais. Foi em 2006, 2007, por aí. E
lei como de ação pública, ou indícios da prática de tais crimes, a CVM informará ao
quando eles nos procuraram [foi] no intuito de reclamar que na verdade
Ministério Público, juntando à comunicação os documentos necessários à apuração
a gente mandava coisas que chegavam tardiamente, ou a gente mandava
ou comprovação dos fatos. É o que impõe o art. 9º da Lei Complementar n. 105, de 10 coisas que entravam em lugar errado e eles não tinham como ter acesso
de janeiro de 2001, que “dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras”. específico. Nesse momento a gente começou a interagir mais com esse
O mesmo diploma legal, ainda, sublinhou o dever legal de as instituições financeiras grupo de trabalho para tentar ver em que momento a gente podia oti-
efetivarem “comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou mizar, ter pessoas pontuais para trocar informações, o famoso telefone
• Tomo 2 •

administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que en- vermelho, para criar mesmo um relacionamento mais próximo. Então no
volvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa (art. 1º, § 3º, inciso IV). Ministério Público Federal, como cada membro é um membro em si, tem

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

independência e autonomia, você não consegue fazer um diálogo com o A relação com a Polícia Federal, segundo a narrativa dos integrantes da CVM, não
Ministério Público como um todo. Você podia ter um relacionamento se mostra tão próxima como a narrada com o Ministério Público Federal. A razão dessa
com uma chefia, mas você não tinha um relacionamento como um todo. possível distância refere-se ao fato de que a Lei Complementar n. 105, ao mencionar a
E a gente começou a fazer esse trabalho, começamos a trocar ideias, fazer comunicação, não traz expressamente menção à Polícia Federal. Por conseguinte, para
reuniões periódicas, até que surgiu uma primeira oportunidade de tra- observância do dever de sigilo – e sua garantia nuclear de não circulação da informação
balho efetivamente conjunto entre Ministério Público Federal e CVM,
para além daqueles legalmente autorizados a flexibilizar o dado sigiloso –, impor-se-ia a
que foi no caso de uso de informação privilegiada envolvendo ações da
comunicação ao MPF, para, se for o caso, este efetivar a comunicação à Polícia Federal.
empresa Ipiranga. Ela dá nome ao caso, mas ela não tem nada a ver com
o caso; quem tem a ver são os investidores, mas foi no caso da Ipiranga. De qualquer modo, para além do repasse da informação sigilosa em si, os relatos
Numa sexta-feira teve uma oscilação muito grande nos papéis, a CVM dão conta de que o estreitamento dos contatos entre CVM, MPF e Polícia Federal vão
perguntou para companhia o que estava acontecendo, a companhia fa- além da simples comunicação. Nas experiências bem-sucedidas, os arranjos institu-
lou que nada. No domingo foi anunciada uma operação societária, e na
cionais exitosos observam intercâmbio de experiências, troca de expertises, elaboração
segunda-feira as ações pararam, e por isso a gente tinha indícios claros de
de capacitação e treinamentos conjuntos e, especialmente, abordagem da informação
que tinha tido vazamento de informações privilegiadas, e a gente falou:
com acuro qualitativo, em lugar do acesso integral à informação muitas vezes não tra-
Vamos tentar fazer uma ação autuativa chamando o Ministério Público.
Então na verdade na segunda-feira a gente teve acesso às pessoas que
balhada pelo órgão especializado.
negociaram na sexta e venderam na segunda; na quarta-feira de manhã Com relação à Polícia Federal, um ponto inicial é que, como a atividade
nós teríamos a liquidação financeira – ou seja, as pessoas que venderam que interessa é o envio de informações sigilosas, e a lei não fala em vir
as ações e botaram o dinheiro no bolso poderiam sumir, desaparecer, fa- para Polícia Federal (a lei fala em ir para o Ministério Público Federal),
zer o que quisessem –, e a gente na terça-feira, no decorrer do dia, teve a a gente sempre teve um contato com a Polícia Federal, mas por outro
confirmação de quem negociou na sexta para segunda para gente poder lado sempre teve a PF querendo informações que a gente não podia dar.
fazer essa autuação. A gente entrou em contato com o Ministério Público, A gente falava: “Ou você tem uma ordem judicial para isso, ou eu tenho
o procurador regional da República que estava em Brasília pegou o avião que mandar para o Ministério Público e o MP manda para vocês”. Não
e foi trabalhar conosco no Rio, e nós ajuizamos na terça-feira à noite essa necessariamente o Ministério Público e a Polícia Federal falam a mes-
medida cautelar conjunta. Conseguimos o bloqueio referente na época a ma língua. A gente já teve casos em que se mandou para o Ministério
quatro investidores (ou dois investidores e depois foram mais dois) que Público Federal, os policiais federais queriam atuar no caso criminal
eram suspeitos de terem usado informações privilegiadas. Desses investi- imediatamente, e o procurador da República falou: “Ah, eu não acho
dores um foi condenado pela CVM e pelo Ministério Público (não tenho que precisa de abertura de inquérito agora. Não vou encaminhar para
como precisar isso agora), e a gente começou esse trabalho. Esse trabalho Polícia Federal”. Os policiais ficaram cobrando da gente, “Olha, eu man-
foi bastante comentado, bastante exitoso, e a gente caminhou para um dei”. Então existe esse problema de informações. O que a gente fez então?
termo de cooperação técnica com o Ministério Público Federal, que foi Passando um tempo, a gente pensou em fazer também um convênio com
assinado em 2008 e que já foi renovado em 2013. Desde então a gente a Polícia Federal. Fez esse convênio de cooperação técnica e basicamen-
tem reuniões quase que periódicas, um contato muito maior, e isso fa- te a gente tem essa troca de informações não sigilosas, troca de experi-
cilita mais o trânsito no Ministério Público Federal como um todo. Na ências, que é muito importante, e essas questões de treinamento. Então
verdade, mesmo quando o procurador não está inteirado da questão e desde então, praticamente a gente faz anualmente um treinamento com
vem conversar conosco, e às vezes ele vem muito armado, a gente já vol- a participação da SEC (Securities Exchange Comission), do FBI; a gente
ta para ele: “Olha, nós temos um convênio de cooperação técnica, um traz para cá treinamentos em conjunto com a Bolsa e com outros; a
intercâmbio de cooperação, a gente vai até ele, senta, mas o Ministério gente faz sempre esses treinamentos e coloca a Polícia Federal nessa con-
quer um contato mais direto”. Desde lá a gente teve mais duas ações civis versa. Com a Polícia Federal a gente tem como fazer esse envio imediato
públicas feitas em conjunto. A gente já teve atuação conjunta em diver- de informações, mas o que a gente tenta sempre nesses contatos é fazer
sos pontos criminais também como assistente de acusação, fornecimento uma triangulação. Então, a gente sempre busca estar com os Procuradores
de subsídios necessários para uma informação, participação em todos os da República sempre que possível; lógico, eles têm suas agendas de atri-
treinamentos que a CVM faz para os seus funcionários. A gente oferece buição, mas a gente sempre busca contatos para atalhar esse caminho com
• Tomo 2 •

vários para o Ministério Público Federal. (CVM2/DF). a Polícia Federal, Ministério Público Federal e CVM. E ultimamente tem

278 279
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

melhorado bastante essa conversa. Por exemplo, de vez em quando um Vale destacar que as comunicações para provocação da ação interinstitucional
delegado liga para gente e fala: “Eu estou tentando chegar a esse tipo de não observam necessariamente a origem na CVM para seguida provocação do MPF
informação. Qual o melhor caminho?” E a gente fala: “O melhor caminho ou da Polícia Federal. O caminho inverso igualmente se dá, quando MPF ou Polícia
é: não peça isso tudo que você está pedindo, porque senão você vai carre- Federal provocam a CVM para que a autarquia verifique a possível ocorrência de cri-
gar um caminhão de informações que não vai servir para nada”. Então a me. As comunicações, atualmente, observam meio eletrônico de modo geral. A nar-
gente orienta: “Nessa ponta deve agir dessa forma”. A gente tenta dar essa
rativa do representante da CVM menciona que essas provocações surgidas da Polícia
orientação até para manter o diálogo, para que depois no caminho legal,
Federal ou do MPF não permitem a troca de dados que observem sigilo. A comuni-
via quebra judicial ou outras formas legais, eles possam ter acesso. Mas a
cação que não vulnere o sigilo só pode ocorrer se decorrente do procedimento a ser
gente não passa nada, a gente auxilia eles, coisa que historicamente não
acontecia. O Ministério Público Federal e a Polícia Federal mandavam instaurado pela CVM, a fim de atrair o autorizativo legal de comunicação de ilícito
um cara e falavam assim: “Eu quero todos os processos envolvendo fula- penal, uma vez que esta comunicação não implica violação de sigilo.
no”. Aí a gente falava: “Você tem certeza que você quer? São 17 processos Hoje em dia normalmente isso é feito por meio eletrônico; eles pedem
que vão dar 40 volumes. É isso mesmo que você quer?”. Porque o processo que seja feito por meio eletrônico, mas diversas vezes é feito por meio
tem mapa de operação, quinhentos milhões de coisas, quinhentos mi- físico também, então depende muito. E sempre que eles pedem uma
lhões de documentos, aí o sujeito pega e fala: “Ah, não adianta. Eu queria coisa em específico a gente tenta adiantar, acertar o que vai ser encami-
mais documento”; aí a gente: “Então faz uma coisa: pede um relatório, nhado... muitas vezes a gente tenta fazer isso também. Mas normalmen-
pede isso, pede aquilo, e a gente vai te mandar 100 páginas. A gente tenta te o que acontece? Quando eles fazem um pedido de apuração, se nor-
resolver tudo, e depois se você quiser você vai vir pegar manualmente”. Eu malmente não tiver tido uma ação prévia à nossa de crime, a gente não
vivi uma parte dessa época que era muito isso, me dá cópia de tudo. Não pode mandar para o Ministério Público as informações protegidas pela
fazia sentido, era uma gastação de dinheiro, papel para lá e para cá, e o Lei Complementar 105; eles quebram todos os sigilos, mas não o da Lei
sujeito não tinha nem a capacidade de entender aquilo – acho que nem a Complementar 105. Agora, o que muitas vezes acontece é que, quando
gente. Mas hoje em dia o diálogo está muito melhor. (CVM2/DF). eles nos demandam, eles trazem elementos para que nós possamos ve-
A CVM, para além dessas comunicações e trocas de experiências, tem igual- rificar o indício de crime, então eles trazem elementos para a instaura-
ção do procedimento nosso, que leva a uma conclusão que pode levar a
mente buscado a habilitação – ao menos nos casos mais importantes e de maior vulto
mandar de volta para eles. Então, tem todo esse ponto de comunicação
– como assistente de acusação na persecução penal de grandes operadoras do mercado
que a gente tenta fazer para auxiliar ao máximo. E, quando não alcança,
de valores mobiliários. Essa presença mostra-se relevante, seja pela interação da CVM
a gente mesmo conversa: “Olha, pede para o juiz”. A gente não briga, eu
com os órgãos similares de fiscalização e acompanhamento dos mercados estrangei- defendo o que eu posso mandar para ver se vai no mesmo dia. A gente
ros – Securities Exchange Comission (SEC) – (dos Estados Unidos da América, por tenta otimizar ao máximo a ação, ainda assim a gente tem muito trabalho
exemplo, e órgãos de outros países em geral), seja pelo auxílio técnico na fixação da nesses crimes, mas a gente também já teve participação em outras ques-
responsabilidade patrimonial e apuração dos danos. tões também. (CVM2/DF).

Os crimes que reclamam atenção da CVM são justamente aqueles descritos na O manejo da informação específica, de caráter técnico, é igualmente objeto de
Lei n. 6.385/1976: manipulação de mercado e uso de informação privilegiada. Na per- realce nos relatos colhidos dos representantes da CVM. Embora haja destaques indi-
secução penal desses fatos, a expertise da CVM mostra-se imprescindível: vidualizados de integrantes do Ministério Público Federal e da Polícia Federal com
maior domínio dos temas atinentes à atuação da CVM, a notícia geral é de que o ma-
Na verdade a gente atua com maior enfoque na expertise, então são os
crimes contra o mercado de capitais que estão previstos na Lei 6.385, que nejo das informações produzidas pela CVM encontra suficiente respaldo técnico para
são principalmente manipulação de mercado e uso de informação pri- entendimento, manejo e otimização dos dados. Há relato de evolução, nesse ponto,
vilegiada. Esses são os dois crimes que têm um trabalho mais próximo, para destacar que, em comparação com o passado, os integrantes do MPF passaram
que é onde precisa de nossa expertise na formação da opinião, do co- a ostentar uma elogiada expertise dos temas manejados pela Comissão. Essa melhor
nhecimento. Principalmente nos crimes da Lei 6.385, a gente atua mais qualificação, embora seja relevante para a atuação nacional do Ministério Público,
• Tomo 2 •

próximo do Ministério Público e da Polícia. (CVM2/DF). guarda maior concentração nas unidades do MPF da região Sudeste e central.

280 281
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

É muito comum que o procurador depois ou o delegado entre em conta- Há quem diga que a competência para julgar os crimes da Lei 6.385 é
to, converse por telefone, tente proximidade com o que ele não entende, estadual; nós defendemos que é federal, e o MPF também defende [...]
e a gente busca não mandar uma informação, um relatório que não seja Mas o que nós buscamos também junto à Justiça Federal e à Justiça
autoexplicativo. Muitas vezes a informação já é pedida com um nível de estadual, já que nós temos interesse muitas vezes em auxiliar nas causas
detalhe que mostra que eles sabem o que estão pedindo. O que acontece julgadas envolvendo nossos critérios, é a gente ter um relacionamento
é que a gente busca mandar a informação com a explicação da área téc- muito bom com eles, com a Escola de Magistratura, tanto federais quan-
nica, com alguma coisa. Então, eu entendo que não existe esse problema to estaduais. A gente já fez alguns cursos com a Escola de Magistratura
de compreensão; pode existir uma necessidade de aprofundamento em do Rio de Janeiro, com a Emarf também, buscando levar conhecimento
alguns casos, mas esse problema de chegar e falar “Não entendi nada” ao mercado dos juízes federais e estaduais, então a gente tem um conta-
eu acho que não acontece hoje em dia, não. A gente lida muito com as to muito próximo com eles.
Delefins – que são delegacias especializadas – no Rio, São Paulo e em
Com relação às instâncias estaduais, há previsão na Lei 6.385, que trata
Brasília; a gente lida com pessoas que têm uma capacidade, com parce-
da chamada para se manifestar em processos, mas em temas da Justiça
ria internacional e com o Ministério Público Federal. No Rio de Janeiro,
estadual que envolvam matérias da nossa competência e envolvam a apli-
a gente tem o pessoal da área de crimes financeiros. Em São Paulo, a
cação da Lei 6.404, mercado de capitais, um acionista versando sobre o
gente tem procuradores especializados na área de crimes financeiros...
outro... o juiz pode nos acionar isso como um amicus curiae, como um
Tudo bem, estou lidando com Rio de Janeiro e São Paulo; já lidei com o
amigo da corte, para um trabalho pericial. Ou seja, a gente é chamado,
Sul um pouco, mas a gente não tem uma massa crítica já para trabalhar se há interesse, para tentar auxiliar o juiz naquela matéria. Então isso é
com procurador no Acre, procurador que está no Mato Grosso, aqui em uma função importante que a gente tem, que nos leva a ter proximida-
Teresina... Não sei, a gente não tem material disso. (CVM2/DF). de, principalmente no Rio e em São Paulo. Em São Paulo não tem, mas
no Rio tem as varas empresariais, então a gente tem um contato muito
A centralidade dos estados da região Sudeste e também no Centro-Oeste é
próximo com os juízes das varas empresariais. Também não é raro que
confirmada igualmente pelo fato de que outras regiões não guardam tantas incidên-
um juiz ligue para CVM e fale: “Estou com uma dúvida aqui. Será que
cias de práticas mais próximas das atribuições da CVM. O relato de Juiz federal com podem me mandar um técnico para me ajudar a entender, a compreender
atuação na 5ª Região (Região Nordeste, precipuamente), mais especificamente em essa operação?”. E muitas vezes a gente vai lá, senta com o juiz, leva um
Pernambuco, lastreia essa percepção: técnico para explicar tintim por tintim aquela operação, aquela estrutura
societária, A que controla B, que tem ações de C, que tem o fundo de
Com a CVM também [há interação]. É menor porque, aqui na quinta re-
investimento, e tal... Então a gente auxilia bastante também, a gente tem
gião, a quantidade de valores mobiliários, a forma como vai ser manipu-
uma proximidade muito grande. (CVM2/DF).
lado, como vai ser vendido... os crimes, envolvendo o mercado de valores
mobiliários são menores, a quantidade de casos que nós vemos por aqui Essa interação com o Poder Judiciário é confirmada pelo relato colhido de juízes
é bem menor. (JF1/PE). federais com atuação na Região Sul do País.
Também não. Assim, a atuação da CVM aqui é muito pequena, eu acho Hoje em dia os processos, da 4ª região por exemplo, são todos eletrôni-
até que um juiz especializado em lavagem poderia trazer mais pormeno- cos, então, se a gente quiser contar com alguém, em algum lugar, a gente
res em relação à atuação com a CVM, mas assim eu vejo também como não precisa dessa aproximação física, por exemplo, a CVM é no Rio e
da forma com o TCU, através de ofícios de comunicações desse tipo para quando a gente precisa saber alguma coisa da CVM, normalmente as in-
coleta de informações. (JF2/PE). vestigações da CVM correm no Rio mesmo, a gente liga para eles e con-
versa – tem uma boa interação. (JF1/RS).
A controvérsia atinente à definição de competência para o processo e o julga-
mento dos crimes descritos na Lei n. 6.385/1976 tem levado a CVM a buscar o es- Além da interação com os atores do sistema de justiça criminal, a CVM ainda
treitamento de seus contatos igualmente com órgãos da Justiça comum estadual, em compõe o Coremec – Comitê de Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiro,
especial as Escolas da Magistratura estaduais. Independentemente dessa controvérsia, de Capitais, de Seguros, de Previdência e Capitalização, juntamente com o Bacen,
cabe o destaque de que os integrantes da CVM e do MPF, de modo uníssono, têm Previc e Susep –, órgão de caráter consultivo, de composição plúrima, estabeleci-
• Tomo 2 •

sustentado que os crimes que tocam o mercado de valores mobiliários devem ser com- do pelo Decreto n. 5.685, de 25 de janeiro de 2006. A CVM, igualmente, integra um
preendidos na competência da Justiça Comum Federal. espaço de interação internacional, de modo conjunto com seus similares – isto é, ór-

282 283
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

gãos de competências assemelhadas – de outros países. Nesse sentido, a International


Organization of Securities Comission (Iosco) apresenta-se como foro para reunião des-
5 • CONSELHO DE CONTROLE DE ATIVIDADES FINANCEIRAS
ses órgãos similares à CVM nos países com que o Brasil mantém relação.
5.1 • APRESENTAÇÃO E COMPETÊNCIAS LEGAIS
O Coremec na verdade é um fórum de discussão dos quatro regula-
dores do sistema financeiro – Susep, Cvm, Previc e Banco Central. É
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) é a unidade de inte-
um fórum em que são trocadas informações, são deliberadas ações pro-
gramáticas ou práticas, trabalhos em grupo... Esse é um fórum bastante
ligência financeira do Brasil. Trata-se de órgão estabelecido no âmbito do Ministério
importante para discussão até de segurança do mercado como um todo. da Fazenda pela Lei federal n. 9.613, de 3 de março de 199823, “com a finalidade de dis-
[...] A Iosco é uma organização da CVM – Organização Internacional ciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências
das Comissões de Valores. É uma associação com sede em Madri, na suspeitas de atividades ilícitas”. A descrição das competências legais do Coaf ainda
Espanha, que congrega todas as CVMs. Em tese todas as CVMs do mun- abrange a tarefa de “coordenar e propor mecanismos de cooperação e de troca de
do se organizam para troca de informações, busca de dados, de assuntos informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à ocultação ou dissi-
que estão afligindo o mercado por inteiro, e isso possibilita muito a troca mulação de bens, direitos e valores”. Como se vê, seu papel nos arranjos institucionais
de informações para fins práticos de investigação de irregularidades. [...] para o enfrentamento da corrupção e dos delitos econômicos revela-se central, dado
Existem grupos de trabalho lá [na Iosco] que estão explorando deter- seu protagonismo na formulação de ações de articulação interinstitucional.
minados temas, que não vai envolver informação sigilosa, mas expertise
e visões. (…) E com relação às associadas, pelo memorando multilateral A composição do Coaf é plural, isto é, decorre de colegiado formado por inte-
a gente tem a obrigação também de intercâmbio de informações, inclu- grantes oriundos de diversos órgãos. O art. 16 da Lei n. 9.613/1998 descreve os seus
sive sigilosas, para fins de supervisão específica de fiscalização. Então às integrantes e seus respectivos órgãos de origem:
vezes eles podem nos pedir para encaminhar para eles as informações
sobre determinado investidor nacional e nós encaminhamos. Você tem O Coaf será composto por servidores públicos de reputação iliba-
essa previsão de fiscalização na Lei Complementar 105, assim como nós da e reconhecida competência, designados em ato do Ministro de
às vezes também pedimos para eles informações sobre investidores lá de Estado da Fazenda, entre os integrantes do quadro de pessoal efeti-
fora para podermos atuar aqui, então existe esse intercâmbio. A gente vo do Banco Central do Brasil, da Comissão de Valores Mobiliários,
tem uma relação forte também com os autorreguladores do mercado. O da Superintendência de Seguros Privados, da Procuradoria-Geral da
mercado de capitais tem essa previsão de ter os autorreguladores, de ter a Fazenda Nacional, da Secretaria da Receita Federal do Brasil, da Agência
indústria se regulando, tendo normas específicas. (CVM2/DF). Brasileira de Inteligência, do Ministério das Relações Exteriores, do
Ministério da Justiça, do Departamento de Polícia Federal, do Ministério
O mais relevante, destaque-se uma vez mais, surge como a troca de experiên- da Previdência Social e da Controladoria-Geral da União, atendendo à
cias, de ações e projetos bem-sucedidos, enfim, expertises entre as diversas organi- indicação dos respectivos ministros de Estado.
zações de temática específica de enfrentamento da corrupção e dos delitos econô-
O Estatuto do Coaf é estabelecido no Decreto 2.799, de 8 de outubro de 1998.
micos. Confira-se o relato do representante da CVM, quando menciona a interação
O Plenário do Coaf, isto é, sua composição total, conforme consta do sítio eletrônico
com a Receita Federal do Brasil:
do Coaf, é composto por um representante dos órgãos e entidades, num total de 11
Só para concluir: independentemente de convênio, nós já estamos há algum – Superintendência de Seguros Privados (Susep), Agência Brasileira de Inteligência
tempo tendo discussões temáticas sobre eventos de interesse mútuo envol- (Abin), Receita Federal (RFB), Banco Central (Bacen), Procuradoria-Geral da
vendo Receita Federal e CVM, mas não no sentido de troca de informações, Fazenda Nacional (PGFN), Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf),
no sentido clássico da palavra, é muito mais troca de expertises. Um dia a gen- Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Previdência Social, Controladoria-Geral
te vai alcançar esse ponto, mas no momento é muito mais troca de expertise
da União (CGU), Ministério das Relações Exteriores (MRE), Ministério da Justiça
sobre determinados temas de interesse comum. (CVM1/DF).
(MJ), Polícia Federal (PF).
Enfim, a importância dos arranjos institucionais mostra-se exatamente na compre-
ensão mútua dos espaços de convergência (e de divergência), a fim de que essas vivências
• Tomo 2 •

23 Segundo sua ementa, a Lei n. 9.613/1998 “Dispõe sobre os crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens,
possam ser compartilhadas e, por certo, criar as condições que melhor otimizem o diálogo direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei;
interinstitucional e a interação organizacional para além do simples intercâmbio de dados. cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Coaf, e dá outras providências”.

284 285
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

A Presidência do Coaf é exercida por servidor indicado pelo Ministro da Fazenda existência de crimes previstos nesta Lei, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer
e nomeado pelo Presidente da República. Trata-se de cargo de dedicação exclusiva, assim outro ilícito”. Em outras palavras, se o resultado das análises indicar a existência de fundados
como os Conselheiros, conta com mandato de três anos, permitida a recondução. indícios de lavagem de dinheiro, ou qualquer outro ilícito, os RIFs respectivos devem ser
encaminhados aos órgãos de Polícia respectivos e ao Ministério Público. A comunicação do
O intercâmbio de informações pelo Coaf é disciplinado no art. 11 de seu
RIF, nos termos da Lei Complementar n. 105, dada a veiculação de possível prática de fato
Estatuto. Segundo ali consta, prestarão as informações e a colaboração necessárias ao
criminoso, não configura vulneração do sigilo. O conteúdo do RIF, sim, é protegido por si-
cumprimento das atribuições do Coaf e sua Secretaria-Executiva os seguintes órgãos:
gilo constitucional, inclusive nos termos da Lei Complementar n. 105, de 2001. A incidência
Bacen, CVM, a Superintendência de Seguros Privados (Susep), o Departamento de
de diploma legal específico sobre o caráter da informação por ele veiculada afasta do RIF as
Polícia Federal (DPF), a Subsecretaria de Inteligência da Casa Militar da Presidência
classificações trazidas pela Lei federal n. 12.527, de 18 de novembro 2011 (Lei de Acesso à
da República e os demais órgãos e entidades públicas com atribuições de fiscalizar e
Informação)24. O destinatário do RIF fica responsável pela preservação do sigilo.
regular as pessoas sujeitas às obrigações referidas nos arts.10 e 11 da Lei n. 9.613/1998.
A elaboração do RIF pode ser espontânea, também denominada “de ofício”, ou
A organização do Coaf observa a seguinte estruturação: decorrer de intercâmbio. No primeiro caso, o RIF é elaborado por iniciativa do Coaf,
resultante da análise de comunicações recebidas ou de denúncia. Já no segundo caso,
Figura 14 o RIF é elaborado para atendimento a solicitação de intercâmbio de informações, por
autoridades nacionais ou por Unidades de Inteligência Financeira.
PLENÁRIO DO
CONSELHO A Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998, estabelece os sujeitos obrigados a rea-
lizarem comunicações e a manterem registros de comunicações financeiras, além de
Gabinete Presidente detalhar no que consiste a comunicação de operações financeiras.

Diretoria de Figura 15
Secretaria
Análise e
Executiva
Fiscalização LEI N. 9.613/1998
Coordenação-Geral Coordenação-Geral
Coordenação-Geral Coordenação-Geral
de Inteligência de Intercâmbio Tipificação do crime de Instituição de controles para Instituição de controles para
de Normas de Supervisão
Financeira de Informações lavagem de dinheiro prevenção à lavagem de dinheiro prevenção à lavagem de dinheiro

Coordenação-Geral Coordenação-Geral Coordenação-Geral


Coordenação-Geral
de Processo de Desenvolvimento de Análise Tipo penal e Pessoas Inteligência
de Análise Tática Obrigações Supervisão
Administrativo Institucional Estratégica disposições sujeitas aos Financeira
processuais mecanismos
Coordenação-Geral de controle Regular
de Tecnologia Receber
Responsabilidade setores
de Informação Políticas e econômicos
administrativa
Identificação Analisar
(sanções) procedimentos
Fonte: Sítio eletrônico do Coaf de clientes
específicos Fiscalizar
Disseminar setores
O resultado das análises de inteligência financeira decorrentes de comunicações re- Manutenção
Comunicação econômicos
cebidas, de intercâmbio de informações ou de denúncias, é registrado em documento de- de operações
de registros
financeiras
nominado Relatório de Inteligência Financeira (RIF). O RIF é instrumento fundamental Aplicar penas
administrativas
na realização das comunicações ensejadoras da persecução dos atos de corrupção e delitos
econômicos em geral. Trata-se exatamente do documento encaminhado para conhecimen-
to do Ministério Público e da Polícia Federal nos casos de indícios de atividade criminosa. 24 A Lei de Acesso à Informação, segundo registra sua ementa, “Regula o acesso a informações previsto
• Tomo 2 •

no inciso XXXIII do art. 5.º, no inciso II do § 3.º do art. 37, e no § 2.º do art. 216 da Constituição
A redação do art. 15 da Lei n. 9.613/1998 deixa claro que o Coaf “comunicará às au- Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de
toridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências”.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

A Lei n. 9.613/1998 estabelece amplo rol de pessoas sujeitas aos mecanismos


PESSOAS SUJEITAS AOS MECANISMOS DE CONTROLE (ART. 9º)
de controle. A descrição das atividades realizadas que sujeitam a pessoa – física ou
jurídica – aos mecanismos de controle da mencionada lei encontra-se exposta em III - as administradoras de cartões de credenciamento ou cartões de
crédito, bem como as administradoras de consórcios para aquisição de
seu art. 9º. Os quadros a seguir descrevem as pessoas obrigadas a comunicar a ope-
bens ou serviços;
ração financeira, as atividades sujeitas a identificação e registro e no que consistem
as comunicações obrigatórias. IV - as administradoras ou empresas que se utilizem de cartão ou
qualquer outro meio eletrônico, magnético ou equivalente, que
permita a transferência de fundos;
Figura 16 V - as empresas de arrendamento mercantil (leasing) e as de fomento
comercial (factoring);
Quem está obrigando VI - as sociedades que efetuem distribuição de dinheiro ou quaisquer
a comunicar? bens móveis, imóveis, mercadorias, serviços, ou, ainda, concedam
descontos na sua aquisição, mediante sorteio ou método assemelhado;

COMUNICAÇÕES DE O que identificam?


VII - as filiais ou representações de entes estrangeiros que exerçam no
OPERAÇÕES FINANCEIRAS Brasil qualquer das atividades listadas neste artigo,
ainda que de forma eventual;
VIII - as demais entidades cujo funcionamento dependa de
O que comunicam? autorização de órgão regulador dos mercados financeiro, de câmbio, de
capitais e de seguros;
IX - as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras,
É o art. 9º da Lei n. 9.613/1998 que minudencia as pessoas sujeitas aos meca- que operem no Brasil como agentes, dirigentes, procuradoras,
nismos de controle. O sistema financeiro nacional, conquanto seja integrado por par- Sujeitam-se às comissionárias ou por qualquer forma representem interesses de ente
ticulares, observa a regulação estatal minudente e, no caso das operações financeiras, mesmas obrigações: estrangeiro que exerça qualquer das atividades referidas neste artigo;
o modelo de responsabilização centrado nas obrigações assumidas pelos particulares X - as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam atividades de promoção
que se lançam nesse tipo de atividade. Confira-se a descrição das pessoas – a partir das imobiliária ou compra e venda de imóveis;
atividades exercidas – que se sujeitam aos mecanismos de controle. XI - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem joias, pedras e
metais preciosos, objetos de arte e antiguidades;
Tabela 2 XII - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de luxo
ou de alto valor, intermedeiem a sua comercialização ou exerçam
PESSOAS SUJEITAS AOS MECANISMOS DE CONTROLE (ART. 9º) atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie;

Pessoas físicas ou I - a captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de XIII - as juntas comerciais e os registros públicos;
jurídicas que exerçam, terceiros, em moeda nacional ou estrangeira; a) de compra e venda de imóveis,
de modo principal ou II – a compra e venda de moeda estrangeira ou ouro como ativo estabelecimentos comerciais
acessório, em caráter financeiro ou instrumento cambial; XIV - as pessoas físicas ou ou industriais ou participações
permanente ou eventual, jurídicas que prestem, mesmo societárias de qualquer natureza;
cumulativamente ou não, III - a custódia, emissão, distribuição, liquidação, negociação, que eventualmente, serviços
as seguintes atividades: intermediação ou administração de títulos ou valores mobiliários. b) de gestão de fundos, valores
de assessoria, consultoria,
mobiliários ou outros ativos;
contadoria, auditoria,
I – as bolsas de valores, as bolsas de mercadorias ou futuros e os
aconselhamento ou assistência, de c) de abertura ou gestão de
Sujeitam-se às sistemas de negociação do mercado de balcão organizado;
qualquer natureza, em operações: contas bancárias, de poupança,
mesmas obrigações: II - as seguradoras, as corretoras de seguros e as entidades de investimento ou de
• Tomo 2 •

previdência complementar ou de capitalização; valores mobiliários;

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

As comunicações realizadas pelas pessoas sujeitas aos mecanismos de controle


PESSOAS SUJEITAS AOS MECANISMOS DE CONTROLE (ART. 9º)
deverão observar a seguinte dinâmica:
d) de criação, exploração ou
gestão de sociedades de qualquer
XIV - as pessoas físicas ou natureza, fundações, fundos fi- Tabela 4
jurídicas que prestem, mesmo duciários ou estruturas análogas;
que eventualmente, serviços
e) financeiras, societárias COMUNICAÇÃO DAS OPERAÇÕES FINANCEIRAS PELAS PESSOAS
de assessoria, consultoria, SUJEITAS AOS MECANISMOS DE CONTROLE (ART. 11)
ou imobiliárias; e
contadoria, auditoria,
aconselhamento ou assistência, de f) de alienação ou aquisição de a) de todas as transações em
qualquer natureza, em operações: direitos sobre contratos relacio- moeda nacional ou estrangeira,
nados a atividades desportivas títulos e valores mobiliários,
Sujeitam-se às Essas comunicações
ou artísticas profissionais; títulos de crédito, metais, ou
mesmas obrigações: devem ser acompanhadas
XV - pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermedia- II - deverão comunicar ao Coaf, qualquer ativo passível de ser
das informações dos clien-
ção, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de trans- abstendo-se de dar ciência de tal convertido em dinheiro, que
tes envolvidos segundo
ferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares; ato a qualquer pessoa, inclusive ultrapassem o limite fixado pela
cadastro atualizado.
àquela à qual se refira a informa- autoridade competente e nos
XVI - as empresas de transporte e guarda de valores; ção, no prazo de 24 (vinte e quatro) termos de instruções por
XVII - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de alto va- horas, a proposta ou realização: esta expedidas; e
lor de origem rural ou animal ou intermedeiem a sua comercialização; e
b) das operações que, nos termos de instruções emanadas das
XVIII - as dependências no exterior das entidades mencionadas neste arti- autoridades competentes, possam constituir-se em sérios indí-
go, por meio de sua matriz no Brasil, relativamente a residentes no País. cios dos crimes previstos nesta Lei, ou com eles relacionar-se.

Assim, descritas as pessoas sujeitas aos mecanismos de controle, convém desta-


III - deverão comunicar ao órgão regulador ou fiscalizador da sua atividade ou, na sua falta, ao Coaf,
car quais são as ações que a elas incumbem para a verificação de eventuais ilícitos no na periodicidade, forma e condições por eles estabelecidas, a não ocorrência de propostas, transações
exercício das atividades financeiras. ou operações passíveis de serem comunicadas segundo a descrição acima.

Tabela 3 As comunicações encaminhadas pelos setores obrigados pela Lei n. 9.613/1998


são recebidas pelo Sistema de Controle de Atividades Financeiras (Siscoaf).
IDENTIFICAÇÃO DOS CLIENTES E MANUTENÇÃO DE REGISTROS PELAS Programado com regras de inteligência previamente definidas, o sistema efetua, ele-
PESSOAS SUJEITAS AOS MECANISMOS DE CONTROLE (ART. 10) tronicamente, uma análise sistêmica e distribui as comunicações que deverão ser tra-
I - identificarão seus clientes e manterão Se o cliente é pessoa jurídica, a identificação tadas individualmente pelos analistas. Todas as comunicações recebidas e as análises
cadastro atualizado, nos termos de instruções abrangerá seus proprietários e as pessoas físicas realizadas são armazenadas no próprio Siscoaf, o que possibilita a construção de uma
emanadas das autoridades competentes; autorizadas a representá-la. base de dados com volume crescente de informações, utilizadas como subsídios para a
II - manterão registro de toda transação em moeda nacional ou estrangeira, títulos e valores mo- realização das análises subsequentes.
biliários, títulos de crédito, metais, ou qualquer ativo passível de ser convertido em dinheiro, que
ultrapassar limite fixado pela autoridade competente e nos termos de instruções por esta expedidas;
Além dessa base de dados, o Coaf utiliza outras fontes de informações
como, por exemplo, rede Infoseg (base de inquéritos), Cadastro de Pessoas Físicas
III - deverão adotar políticas, procedimentos e controles internos, compatíveis com seu porte e volu-
(CPF), Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), Declaração de Operações
me de operações, que lhes permitam atender ao dever de comunicar as operações financeiras;
Imobiliárias (DOI), Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos
IV - deverão cadastrar-se e manter seu cadastro atualizado no órgão regulador ou fiscalizador e, na (Siape), Sistema de Informações Rurais (SIR), Cadastro Nacional de Informações
falta deste, no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf),
Sociais (CNIS), Cadastro Nacional de Empresas (CNE), Análise das Informações de
na forma e condições por eles estabelecidas;
Comércio Exterior (Alice Web), Base de Grandes Devedores da União, Bases do TSE,
• Tomo 2 •

V - deverão atender às requisições formuladas pelo Coaf na periodicidade, forma e condições por Declaração de Porte de Valores (e-DPV), entre outras. A maioria dessas bases de da-
ele estabelecidas, cabendo-lhe preservar, nos termos da lei, o sigilo das informações prestadas.
dos está integrada ao Siscoaf.

290 291
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Por meio da análise individualizada, o conteúdo das comunicações recebidas câmbio de informações também com as Unidades de Inteligência Financeira (UIF)
dos setores obrigados é avaliado e relacionado com outras informações disponíveis. integrantes do Grupo de Egmont25.
Quando detectados sinais de alerta, é calculado o risco inerente à comunicação. Esse
Para o intercâmbio, a UIF deve estar autorizada por lei a trocar informações
cálculo é efetuado de forma automatizada, pela Central de Gerenciamento de Riscos e
de inteligência financeira com as congêneres estrangeiras e possuir salvaguardas
Prioridades (CGRP). De acordo com o risco apurado na CGRP, são abertas pastas vir-
adequadas – incluindo disposições de confidencialidade – para assegurar que as
tuais, chamadas “Caso”, para aprofundamento da análise. Além do cálculo do risco das
trocas de informações estejam de acordo com os princípios fundamentais, nacio-
comunicações, a CGRP efetua o gerenciamento e a hierarquização dos Casos abertos,
nais e internacionais, e em conformidade com as suas obrigações em matéria de
permitindo a priorização daqueles com risco mais alto.
proteção do sigilo do dado ou informação.
O resultado das análises é registrado em documento denominado Relatório
Aplicam-se ao intercâmbio com Unidades de Inteligência Financeira os mes-
de Inteligência Financeira (RIF), o qual, como já mencionado, é encaminhado
mos requisitos exigidos para o intercâmbio com autoridades nacionais. Além desses,
para conhecimento do Ministério Público e da Polícia Federal nos casos de indí-
são também necessárias informações sobre a existência de relação entre as pessoas, ou
cios de atividade criminosa.
o caso suspeito, e o país alvo da solicitação.
A cooperação e a troca de informações com as autoridades competentes mos-
Em atenção ao dever legal de sigilo, as informações trocadas entre as Unidades
tram-se importantes para viabilizar ações rápidas e eficientes na prevenção e no com-
de Inteligência Financeira não podem ser divulgadas sem o consentimento prévio e
bate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. O intercâmbio de infor-
formal da UIF requerida. O sistema que realiza essa troca de informações – intercâm-
mações é disciplinado pelo art. 15 da Lei n. 9.613/1998: “O Coaf comunicará às auto-
bio – é o Sistema Eletrônico de Intercâmbio (SEI), mantido pelo Coaf e operaciona-
ridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir
lizado mediante acesso pessoal e intransferível dos integrantes do rol de “autoridades
pela existência de crimes previstos nesta Lei, de fundados indícios de sua prática, ou competentes para investigação de ilícitos penais, em especial os de lavagem de dinhei-
de qualquer outro ilícito”. ro e financiamento ao terrorismo”, em referência ao art. 15 da Lei n. 9.613/1998.
Para fundamentar a conclusão pela existência do crime de lavagem de dinheiro, O enfrentamento da lavagem de dinheiro, conquanto tenha como marco legal a
de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito, condição imposta no Lei n. 9.613/1998, experimentou modificação substancial por meio da Lei n. 12.683, de
mencionado art. 15, o Coaf sistematiza os seguintes requisitos para o intercâmbio: a 9 de julho de 2012, conforme explicita sua ementa, e alterou a Lei de 1998, “para tornar
solicitação deve ser apresentada por autoridade competente para apuração (investiga- mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro”. A Lei de 1998,
ção) do crime de lavagem de dinheiro ou de qualquer outro ilícito ou por autoridade vale lembrar, decorreu do compromisso assumido pelo Brasil na Convenção de Viena,
responsável pelo procedimento de investigação objeto do pedido. Ainda, a solicitação nominada como “Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias
deve conter: o número e a natureza do procedimento de investigação instaurado; in- Psicotrópicas” e celebrada em 1988. Essa convenção foi devidamente internalizada no
formações sobre os fundados indícios da existência do ilícito sob investigação, com in- ordenamento nacional pelo Decreto n. 154, de 26 de junho de 1991.
dicação do respectivo tipo penal; identificação das pessoas envolvidas na investigação,
com indicação do nome e do CPF ou CNPJ, conforme o caso. O crime de lavagem de dinheiro caracteriza-se por um conjunto de operações
comerciais ou financeiras que buscam a incorporação, na economia de cada país, de
Vê-se, portanto, que o Coaf ora provoca a atuação da Polícia Federal e do modo transitório ou permanente, de recursos, bens e valores de origem ilícita. Essas
Ministério Público, ora é provocado para relatos a respeito de operações financei-
ras que se mostrem suspeitas. Cumpre observar que, na linha dos relatos colhidos
25 Grupo de Egmont é a expressão utilizada para referência ao organismo que reúne as unidades de
e reproduzidos ao longo do presente capítulo, a informação – formalizada na for-
inteligência financeira (UIFs) que se reúnem regularmente para buscar formas de cooperar entre
ma desse intercâmbio – não vulnera a garantia do sigilo bancário e fiscal, dada a si, especialmente na área de intercâmbio de informações, treinamento e troca de experiências. O
suspeita de prática criminosa. grupo reúne hoje 147 UIFs em operação, além de outras que se encontram em fase de implantação.
A expressão remonta à reunião ocorrida no ano de 1995 no Palácio de Egmont Arenberg, na cidade
O intercâmbio de informações com autoridades nacionais é realizado por de Bruxelas, Bélgica, que fixou a atuação conjunta dessas UIFs como estímulo à cooperação interna-
meio do Sistema Eletrônico de Intercâmbio (SEI), no Siscoaf, ou por meio de
• Tomo 2 •

cional. A listagem completa dos países integrantes do Grupo de Egmont, os materiais produzidos e
correspondências (ofícios). Além das autoridades nacionais, o Coaf realiza inter- os eventos por ele realizados encontram-se no sítio eletrônico <http://www.egmontgroup.org/>.

292 293
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

operações observam dinâmica que envolve, numa abordagem de pretensão didática, A integração entre as ações fiscalizatórias, os sujeitos responsáveis pelas opera-
três fases independentes que, com frequência, ocorrem simultaneamente. ções financeiras e o dever de comunicar operações que guardem suspeita de ilicitude
compõem a sistemática de comunicações realizadas pelo Coaf e sua interação com os
A Lei n. 12.683, de 2012, trouxe importantes modificações para a prevenção
atores responsáveis pela persecução da corrupção e dos delitos econômicos em geral.
e combate à lavagem de dinheiro: a extinção do rol taxativo de crimes antecedentes,
admitindo-se agora como crime antecedente da lavagem de dinheiro qualquer infra- O Coaf ainda exerce importante atribuição no enfrentamento do financia-
ção penal; a inclusão das hipóteses de alienação antecipada e outras medidas assecura- mento à atividade terrorista. Este enfrentamento guarda íntima vinculação com o
tórias que garantam que os bens não sofram desvalorização ou deterioração; inclusão enfrentamento da lavagem de dinheiro. Os atentados terroristas de grandes propor-
de novos sujeitos obrigados, tais como cartórios, profissionais que exerçam atividades ções no plano internacional ocorridos na última década, especialmente quando se-
de assessoria ou consultoria financeira, representantes de atletas e artistas, feiras, entre diados nos países centrais, conduziram à intensificação da cooperação mútua contra
outros; e aumento do valor máximo da multa para R$ 20 milhões. o terrorismo e seu financiamento.
Essas mencionadas “fases” da lavagem de dinheiro podem ser apresentadas do modo As organizações do Sistema das Nações Unidas (ONU), logo após os atenta-
que se segue. Para disfarçar os lucros ilícitos sem comprometer os envolvidos, a lavagem de dos de 11 de setembro de 2001, mobilizaram-se para intensificar o enfrentamento do
dinheiro realiza-se por meio de um processo dinâmico que requer: primeiro, o distancia- terrorismo. Em 28 de setembro de 2001, o Conselho de Segurança da ONU adotou a
mento dos fundos de sua origem, evitando uma associação direta deles com o crime; segun- Resolução n. 1.373, para dificultar ou mesmo impedir o financiamento do terrorismo,
do, o disfarce de suas várias movimentações para dificultar o rastreamento desses recursos; criminalizar a coleta de fundos para este fim e congelar imediatamente os bens finan-
e, terceiro, a disponibilização do dinheiro novamente para os criminosos depois de ter sido ceiros dos terroristas. Adicionalmente, o Conselho de Segurança também adotou me-
suficientemente movimentado no ciclo de lavagem e poder ser considerado “limpo”. didas de combate à proliferação de armas de destruição em massa, consubstanciadas
na Resolução n. 1.540, de 28 de abril de 2004.
Os mecanismos mais utilizados no processo de lavagem de dinheiro envolvem
essas três etapas, a serem compreendidas nos termos do quadro a seguir. Assim, o Conselho de Segurança obrigou os Estados, entre eles o Brasil,
a interromperem qualquer apoio a agentes não estatais para o desenvolvimento,
Figura 17 aquisição, produção, posse, transporte, transferência ou uso de armas nucleares,
biológicas e químicas e seus meios de entrega. Em 2006, seguindo o empenho in-
ternacional para conter o terrorismo, a Assembleia Geral adotou por unanimidade
a Estratégia Antiterrorista Global da ONU. Essa estratégia define uma série de
medidas específicas para combater o terrorismo em todas suas vertentes, em nível
nacional, regional e internacional.

Igualmente, o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e


o Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF), após os atentados de 2001, expan-
diu seu mandato para poder tratar também da questão do financiamento dos atos
e organizações terroristas, bem como das questões referentes ao financiamento da
proliferação de armas de destruição em massa. Assim, foram criadas recomendações
específicas para combate ao financiamento do terrorismo. Atualmente, essas reco-
mendações fazem parte das 40 recomendações do Gafi e são apresentadas na seção
“C - Financiamento do Terrorismo e Financiamento da Proliferação” da referida
publicação (Brasil, Coaf, Padrões, 2012).

O Grupo de Egmont tem atuação próxima do esforço brasileiro de enfrenta-


mento ao financiamento do terrorismo, a fim de permitir o bloqueio de recursos ma-
• Tomo 2 •

teriais e financeiros de terroristas. Vale lembrar que o Brasil é signatário da Convenção


Internacional para a Supressão do Financiamento do Terrorismo, a qual foi internalizada
no ordenamento pátrio por meio do Decreto n. 5.640, de 26 de dezembro de 2005.
294 295
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

O Coaf coordena a participação brasileira em diversas organizações multigo- funcionam, que chegam lá e já fazem triagem automática, distribuem os
vernamentais de prevenção e enfrentamento ao financiamento do terrorismo. Busca, processos para os analistas. Ele já tem uma inteligência computacional
com isso, internalizar as discussões e orientações de como implantar as recomenda- [...]. Eu acho que ele tem 250 regras ou mais. Eles têm várias regras de
ções dos organismos internacionais, com o objetivo de se adequar às melhores práticas comportamento financeiro. (Peritos, GF/DF).
adotadas para enfrentar de forma efetiva os delitos financeiros. Além disso, dada a O grande número de investigações instauradas a partir das comunicações do
competência do Coaf para disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, exami-
Coaf é igualmente objeto de destaque dos relatos colhidos ao longo da pesquisa.
nar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas, além de comunicar às
autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis quando esse O Coaf, no trabalho de monitoramento deles, na medida em que vai
Conselho concluir pela existência ou fundados indícios de crimes de “lavagem” de di- identificando as situações suspeitas, ele vai informando ao Ministério
nheiro e financiamento do terrorismo, a citada instituição editou a Resolução n. 15, de Público e à Polícia, e esses informes do Coaf dão origem a uma grande
28 de março de 2007, a qual estabelece procedimentos a serem observados pelas pes- quantidade de inquéritos na Polícia Federal, portanto, alimenta nossa cai-
soas físicas e jurídicas reguladas por ela sobre a operações ou propostas de operações xinha lá, muitas vezes sem a gente saber, inclusive, porque normalmente é
ligadas ao terrorismo ou seu financiamento. um documento que não vai nem para os autos, há uma recomendação de
que esse documento é de Inteligência [...]. Criaria algum tipo de proble-
Para atender às recomendações do Gafi, o Coaf tem, ainda, buscado partici- ma processual, inclusive está lá uma recomendação, vem até no relatório,
pação efetiva nas discussões a respeito da tipificação do crime de terrorismo em curso dizendo: não inclua nos autos esse documento. (Peritos, GF/DF).
no Congresso Nacional26.
A distinção entre o que seja a informação produzida a título de inteligência
financeira – atuação principal do Coaf – e informação a ser utilizada para os fins da
persecução penal é objeto de crítica nos relatos colhidos nos grupos focais.
5.2 • DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES
[Sobre a inclusão, ou não, da informação de inteligência nos autos de inves-
De modo geral, o Coaf, especificamente sobre os arranjos institucionais que o tigação criminal] Tem que incluir mesmo, porque é a peça inaugural do pro-
envolvem, tem atuação muito elogiada por seus interlocutores. Sua atuação chega a ser cesso. Eu não vejo motivo nenhum para que não se coloque, está respaldado
qualificada como “espetacular” (Peritos, GF/DF), além de merecer encômios desde sua pela Lei, Lei de Combate à Lavagem de Dinheiro […]. É um preciosismo
atuação diária até mesmo suas matizes de origem. desnecessário, ao meu ver. O Coaf para mim é um tipo de instituição im-
portada que deu certo. É uma ideia importada que deu certo e que demons-
[...] você tem três modelos de Unidade Financeira de Inteligência. Você tra que a gente devia usar melhor o que existe mundo afora. Porque a Lei de
tem o administrativo, que é o nosso, tem o judicial, tem o policial e Lavagem de Dinheiro só foi instituída no Brasil por uma pressão interna-
tem o misto. […] O modelo brasileiro é o administrativo. […] quan- cional, porque o Estado brasileiro não tinha interesse, não queria e houve
do nasceu lá pelo Gafi, essas estruturas, essas unidades financeiras de até resistência. Foi num daqueles contextos de acordo com o FMI, em que
inteligência, cada um foi adotando um modelo, mas depois foram en- houve a exigência de que se aprovasse a Lei de Lavagem de Dinheiro aqui e
tendendo que o mais efetivo é o modelo administrativo, que é o nos- se instituísse toda a sistemática de combate à lavagem de dinheiro. Então, foi
so. Uma unidade única, que é pré-requisito da unidade financeira de uma coisa que veio de uma imposição por conta de uma conjuntura econô-
inteligência, centralizada. […] O nosso realmente ele funciona como mica desfavorável do Brasil, na época, e que acabou que é uma das melhores
relógio, enxuto, ele dá conta... [...] Ele é muito ajudado pela automação coisas que nós temos hoje. (Peritos, GF/DF).
das nossas instituições financeiras, que é o principal alimentador do
Coaf. [...] É automático. Ele é facilitado porque ele tem acesso ao banco As comunicações realizadas pelo Coaf, contudo, ao menos para os estritos fins
de dados da Receita, ele faz consultas, e a nossa Receita é a mais bem in- de persecução penal, não passam ao largo de críticas. Elas se dirigem, em geral, ao
formada do mundo, eu acho. Então tem muita informação. Ele tem uma conteúdo dos relatórios e comunicações realizados ao Ministério Público. Os relatos
estrutura muito boa, sistemas excelentes, é enxutinho ali, sistemas que mencionam que, muitas vezes, as comunicações de operações suspeitas não guardam
proximidade com juízo de tipicidade penal – este a orientar toda atividade investiga-
tória no âmbito penal. De qualquer modo, ainda que traga a notícia de fato criminoso,
• Tomo 2 •

26 Entre outros, destaque-se o Projeto de Lei do Senado n. 499, de 2013, que “define crimes de terroris-
mo e dá outras providências”. vê-se que a comunicação do Coaf, por si só, não pode se prestar lastrear a persecução

296 297
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

penal, como se observa da vivência exteriorizada por delegados de Polícia com atua- Está se criando uma cultura de que, para iniciar uma investigação for-
ção específica nesse tipo de crime: mal, que é o inquérito policial, tem que ter um determinado número de
informações, um mínimo de evidência de um crime. Então, já há algum
E o Coaf tem uma situação interessante que nunca se resolve, que é o tempo, pelo menos internamente aqui na Polícia Federal, [temos] uma
que Coaf comunica? O Coaf comunica crime? Ninguém sabe o que o cultura de procurar, de alguma maneira, por exemplo, no caso de um
Coaf comunica, porque o próprio Coaf não se posiciona para saber se relatório de inteligência financeira do Coaf, buscar mais evidências, em
ele está comunicando crime… então ele passa informações de operações planos iniciais, para formalizar a investigação a partir do inquérito poli-
suspeitas, eu acho, para quem tem uma vivência no crime, e aí você fica cial. Porque esse tipo de relatório, a investigação formal para ele, quando
encontrando atipicidades ali no relatório. [...] Certo, mas e aí? Ele está me realmente ele dá conta de notícia de crime, fatalmente vai ensejar medi-
dizendo o quê? Que fulano cometeu algum tipo de crime? [...] Existem das judiciais, como quebra de sigilo fiscal e bancário, que, pelos menos na
informações valiosíssimas ali, mas existe esse problema que não tem so- maioria dos casos, demanda isso. Então isso realmente só pode ser feito
lução até hoje, definir exatamente o que é que eles estão comunicando. E numa investigação formal, que, no caso nosso aqui da Polícia, se desen-
isso tem um problema grave, porque a gente já teve operações policiais
volve no inquérito policial. (DPF, GF/PE).
que foram anuladas por conta de seu início a partir do relatório do Coaf.
No STJ, a Boi Barrica27, em que a Polícia Federal iniciou a partir de um Ainda sobre a distinção da informação de inteligência recebida do Coaf e
relatório fornecido pelo Coaf, mas o STJ entendeu que aquilo não era a eventual notícia de fato criminoso, confira-se o seguinte relato colhido em grupo
comunicação de um crime, havia simplesmente sugestões de atipicidades, focal de Delegados da PF:
suspeitas, mas não... Então, é difícil classificar exatamente o que é que o
Coaf está comunicando. (DPF, GF/PE). [...] diariamente nós recebemos relatórios fiscais produzidos pelo Coaf
que são informações de transações suspeitas, determinada pessoa jurídi-
Vale destacar que a exigência da instauração de investigação formalizada a par- ca ou pessoa física que fazem ali uma movimentação financeira comple-
tir das comunicações realizadas pelo Coaf é reflexo da compreensão exteriorizada tamente fora do padrão dela com características estranhas, e aí é produ-
pelos Tribunais Superiores a respeito do que seja necessário a lastrear a apuração dos zido esse relatório de inteligência. Não é uma notícia-crime, não traz ele-
tipos noticiados pelo Coaf. Nesse sentido, merece atenção o seguinte excerto das de- mentos de materialidade e você tem uma possível autoria e recebe aquilo,
clarações colhidas em grupo focal de delegados da Polícia Federal: aquilo não necessariamente quer dizer que é um crime, é uma transação
suspeita, para você serve como informação de inteligência. (DPF, GF/PE).

27 O caso mencionado durante o grupo focal é o julgamento do Habeas Corpus n. 191.378/DF, julgado Vale destacar que as informações repassadas pelo Coaf, quando da notícia de
pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em 15 de setembro de 2011. A ementa do julgado vei- possível prática criminosa, nem sempre observaram a mesma modelagem ou a mesma
cula trecho que contextualiza o destaque colhido do delegado da PF no grupo focal: “[...] 2. Quanto
formatação. Aliás, as informações têm observado evolução qualitativa, como se nota
à instauração de inquérito policial resultante do Relatório de Inteligência Financeira encaminhado
pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), nada há que se questionar, mostrando do relato colhido de procurador da República em grupo focal:
ele totalmente razoável, já que os elementos de convicção existentes se prestaram para o fim coli-
Eu já trabalho com esses órgãos há mais de dez anos e eu tenho uma opinião
mado. 3. Representação da quebra de sigilo fiscal, por parte da autoridade policial, com base unica-
mente no Relatório de Inteligência Financeira encaminhado pelo Conselho de Controle de Atividades
muito positiva do Tribunal de Contas da União, mesmo o Coaf... eu me re-
Financeiras (Coaf). Representação policial que reconhece que a simples atipicidade de movimentação cordo dos primeiros relatórios que recebi do Coaf, que eram muito mais
financeira não caracteriza crime. Não se admite a quebra do sigilo bancário, fiscal e de dados telefô- simples do ponto de vista de quantidade de informação e de tratamento de
nicos (medida excepcional) como regra, ou seja, como a origem propriamente dita das investigações. conteúdo analítico. Hoje, quando a gente olha o relatório, ele dá informação
Não precedeu a investigação policial de nenhuma outra diligência, ou seja, não se esgotou nenhum mais bem trabalhada seja no quesito conteúdo, seja no quesito analítico.
outro meio possível de prova, partiu-se, exclusivamente, do Relatório de Inteligência Financeira enca-
minhado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para requerer o afastamento [...]
dos sigilos. Não foi delineado pela autoridade policial nenhum motivo sequer, apto, portanto, a de-
monstrar a impossibilidade de colheita de provas por outro meio que não a quebra de sigilo fiscal. Não
Não é toda operação suspeita ou atípica que é encaminhada... atípica,
demonstrada a impossibilidade de colheita das provas por outros meios menos lesivos, converteu-se, porque existe uma certa diferença. Então, o que acontece? Eles fazem
ilegitimamente, tal prova em instrumento de busca generalizada. Idêntico raciocínio há de se estender uma análise disso e a partir de quando eles entendem que, realmente,
• Tomo 2 •

à requisição do Ministério Público Federal para o afastamento do sigilo bancário, porquanto referente existem indicativos de que pode ser produto de lavagem, eles encami-
à mesma questão e aos mesmos investigados” (Brasil, STJ, 2011). nham, e a gente vai ter que analisar e tratar isso, o caminho é investigar.

298 299
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

[...] Um aspecto importante é que me parece que a qualidade do trabalho


do Coaf melhorou e me parece, também, que a qualidade da comunica-
DATA: 31.3.2015
ção que o Banco faz ao Coaf melhorou. JAN  FEV MAR TOTAL
[...] o Coaf melhorou o padrão do relatório, e a Receita Federal melhorou Minas Gerais 6.251 9.993 8.811 25.055
o padrão da representação fiscal geral nos últimos anos. Todos esses proce- Espírito Santo 908 1.579 1.238 3.725
dimentos de trabalho são regrados. Não adianta eu chamar uma pessoa do
Rio de Janeiro 6.293 10.023 8.932 25.248
Coaf aqui para dizer assim: “Vamos tratar [...] algumas regras desse tipo”,
ele vai dizer: “Se quiser que eu faça dessa forma eu faço, se quiser que eu São Paulo 30.660 47.753 41.479 119.892
faça assado eu faço”. Então, do ponto de vista de interlocução e de gestão, eu SUDESTE 44.112 69.348 60.460 173.920
acho que os órgãos centrais melhoraram bastante. (PR, GF/DF).
Paraná 3.502 5.722 5.584 14.808
Se, de um lado, houve evolução qualitativa, é válido analisar, de outro lado, os núme- Santa Catarina 3.018 4.812 4.356 12.186
ros das comunicações tal como divulgadas pelo próprio Coaf. Confira-se o quadro a seguir:
Rio Grande do Sul 5.784 9.099 7.987 22.870
SUL 12.304 19.633 17.927 49.864
Tabela 5
Mato Grosso 677 1.168 1.194 3.039
DATA: 31.3.2015 Mato Grosso do Sul 839 1.443 1.229 3.511

JAN  FEV MAR TOTAL Goiás 1.877 3.010 2.742 7.629

Acre 234 373 348 955 Distrito Federal 830 1.578 1.530 3.938

Amazonas 1.422 2.453 2.212 6.087 CENTRO-OESTE 4.223 7.199 6.695 18.117

Pará 1.913 3.052 2.835 7.800 Não Informada 0 0 0 0

Rondônia 446 961 726 2.133 Total 76.925 122.895 107.993 307.813

Amapá 252 445 380 1.077 Fonte: SisCoaf – Disponível no sítio eletrônico do Coaf
Roraima 208 377 343 928
Especificamente nos anos de 2011 a 2014, são esses os números atinentes às
Tocantins 321 501 278 1.100
comunicações realizadas por unidade da Federação:
NORTE 4.787 8.171 7.122 20.080
Maranhão 969 1.821 1.368 4.158 Tabela 6
Piauí 891 1.282 1.099 3.272
Ceará 2.174 3.340 3.063 8.577
COMUNICAÇÕES RECEBIDAS POR UF
Rio Grande do Norte 903 1.263 1.126 3.292 DATA: 31.12.2014
Paraíba 677 1.061 890 2.628 2011 2012 2013 2014
Pernambuco 2.041 3.593 3.023 8.657 Acre 1.891 2.502 2.622 3.103
Alagoas 539 829 774 2.142 Amazonas 17.857 20.873 23.494 25.452
Sergipe 1.006 1.532 1.291 3.829 Pará 18.333 25.0 70 26.499 28.593
Bahia 2.309 3.813 3.155 9.277 Rondônia 7.091 9.286 9.123 8.068
• Tomo 2 •

NORDESTE 11.499 18.544 15.789 45.832 Amapá 2.937 4.089 3.840 4.701

300 301
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

A conjugação dos relatos colhidos, fundamentais para permitir a compreensão


COMUNICAÇÕES RECEBIDAS POR UF
da interação do Coaf com os órgãos incumbidos da persecução penal, dão mostra
DATA: 31.12.2014 de que a mantença ou mesmo diminuição do número de comunicações não significa
2011 2012 2013 2014 menor interação entre esses órgãos. Ao revés, a maior efetividade da interação – as-
segurada pelos arranjos formais e informais ou por iniciativas como a Enccla – tem
Roraima 1.883 2.440 2.947 3.989
permitido melhor aproveitamento qualitativo das comunicações e isso não se afere
Tocantins 3.984 5.453 3.974 3.676 apenas pelo número de comunicações realizadas.
NORTE 53.976 69.713 72.499 77.582
O contato mais próximo do Coaf com a Polícia Federal dá-se justamente por
Maranhão 13.779 17.815 16.227 16.065 intermédio da Divisão de Repressão a Crimes Financeiros (Dfin). A centralidade des-
Piauí 6.307 7.831 10.293 12.485 ta Divisão, hoje compartilhada com as Divisões Fazendária e de enfrentamento ao trá-
Ceará 26.568 35.140 34.386 32.328
fico de entorpecentes, acabou fixando uma prática de ascendência da Dfin em relação
aos demais setores da Polícia Federal no contato e manejo das informações produzidas
Rio Grande do Norte 8.285 11.152 11.905 12.218
pelo Coaf para fins de apuração penal.
Paraíba 8.052 10.299 11.021 10.181
Nós temos um contato muito bom, inclusive sou conselheiro do Coaf.
Pernambuco 30.194 56.863 57.648 33.611
A Dfin, até semana passada, era um órgão central do Departamento de
Alagoas 6.934 8.981 8.655 8.407 Policia Federal junto ao Coaf e hoje nós dividimos essa parte de entor-
Sergipe 7.503 8.204 9.650 11.652
pecentes e a parte fazendária. Então, hoje, na árvore dos órgãos que se
relacionam com o Coaf dentro da Policia Federal, você tem a Dfin, que
Bahia 37.560 46.140 39.941 32.455 ainda exerce uma ascendência pelo fato de estar aí mais de dez anos em
NORDESTE 145.182 202.425 199.726 169.402 contato estreito com o Coaf e de ser, digamos assim, o administrador
máster, eu sou conselheiro junto ao Coaf, mas também as difusões do
Minas Gerais 94.371 127.228 105.170 92.231
Coaf em que você detecta transações financeiras envolvendo tráficos ou
Espírito Santo 16.374 24.004 19.156 14.317 da parte de coordenação de Polícia Fazendária e Financeira são enviadas
Rio de Janeiro 144.733 157.497 116.369 99.432 diretamente para essas áreas, são três áreas. Então você tem um contato
muito estreito com o Coaf. (Dfin/DF).
São Paulo 548.094 571.944 459.656 427.875
SUDESTE 803.572 880.673 700.351 633.855 A difusão das informações produzidas pelo Coaf à Polícia Federal, portanto, dá-
-se com observância desses três troncos de centralidade da Polícia Federal: Fazendária,
Paraná 76.027 116.420 76.734 56.395
Dfin e enfrentamento ao tráfico de entorpecentes.
Santa Catarina 45.897 74.868 61.311 47.329
Aqui, como é um órgão central, conseguimos ter essa visão macro do que
Rio Grande do Sul 70.598 107.162 89.426 87.173
acontece em termos de Brasil e mesmo no exterior em relação à parte dos
SUL 192.522 298.450 227.471 190.897 crimes contra sistema financeiro. A gente tem essa visão e a gente busca
Mato Grosso 16.639 21.725 15.089 12.339 identificar principais tipologias de cada estado e através dos diálogos com
os colegas a gente busca fomentar trabalho, por exemplo, você pega o
Mato Grosso do Sul 12.656 17.439 15.013 12.500
mapa do Brasil e o grosso dos crimes financeiros era em São Paulo e Rio,
Goiás 30.822 39.494 34.501 31.548 onde tem Bolsas de Valores pujantes e onde nós temos os grandes bancos
Distrito Federal 33.303 56.809 21.557 16.418 – então o nosso trabalho, até então, se concentrava muito ali o grosso do
nosso trabalho. Então a gente estava sempre em contato com estes esta-
CENTRO-OESTE 93.420 135.467 86.160 72.805
dos; mas hoje, quando você pega os demais estados, você consegue fazer
Não Informada 415 722 26 0 certas leituras, né? Nós temos os estados do norte, onde nós temos dois
• Tomo 2 •

Total 1.289.087 1.587.450 1.286.233 1.144.541 estados muito pujantes, o Amazonas e o Pará, com especificidade com
questões ali da área do sistema crime financeiro. Você olha para região
Fonte: SisCoaf – Disponível no sítio eletrônico do Coaf Sul e você identifica alguma tipologia; no Centro-Oeste e Sudeste, Sudeste

302 303
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

eu já mencionei, da mesma forma. Então aqui na Divisão nós tentamos tudo aquilo que é possível fazer a gente está tentando fazer em termos
buscamos realizar esse trabalho de indução ao identificar tipologias, ao dessa harmonização, evitar alguns descompassos. Estou te dando um
identificar novas práticas de crimes da nossa atribuição. (Dfin/DF) exemplo entre vários; você tem um convênio que cobre toda a esfera
de atuação conjunta da CVM com o Banco Central justamente para
As informações prestadas pelo Coaf não chegam diretamente ao Poder estar otimizando criar um azeite nessa relação. As trocas de informa-
Judiciário. Em geral, são elas intermediadas pelo Ministério Público ou pela Polícia ções também dentro da Lei 105 são claras, mas a gente precisa tentar
Federal, responsáveis pela persecução em geral dos crimes de lavagem de dinheiro. encontrar um processo mais racional para que as informações possam
Assim, os RIFs, quando chegam ao Judiciário, observam encaminhamento ou do acontecer, e esse trabalho está sendo feito não apenas no sentido nor-
Ministério Público ou da Polícia Federal. mativo como no sentido operacional, no sentido regulatório mais am-
plo. Não querendo entrar muito em detalhes, mas você sabe também
Eu conheço assim o trâmite das ações, elas não fazem esse elo direto do que na verdade existem dois Coafs: a unidade de inteligência finan-
Judiciário com o Coaf. Como a persecução penal é feita pelo Ministério ceira clássica, que visa justamente receber e analisar as comunicações
Público, tudo o que vem do Coaf passa pelo Ministério Público, ou pela suspeitas de crimes econômicos, que estão sujeitas à Lei 9.613, e quan-
Polícia Federal. Há caso em que, se sigiloso, a própria Polícia Federal pede do eles analisam esses eventos e identifica-se que há uma tipicidade
expressamente ao juiz o compartilhamento daquelas informações com os mais aguda, você monta um relatório de crime financeiro e aí inicia-
órgãos de controladoria e com o Coaf, para que, por meio de um inter- -se a investigação propriamente dita, onde a Polícia e o Ministério
câmbio, possa trazer o resultado. Não há esse contato direto do Judiciário Público e cada um vai fazer seu papel. A CVM simplesmente está in-
com eles [Coaf] não. (JF1/PE). serida nessa rede de inteligência financeira, e nosso trabalho é justa-
mente regulamentar, normatizar, supervisionar o mercado de valores
O relato prestado pelo representante da CVM dá mostras de que a composição
mobiliários. A lei é clara: as comunicações têm que ser endereçadas ao
plural do Coaf resulta na difusão de objetivos na atuação desse Conselho. É dizer: o Coaf, mas dentro dos parâmetros estabelecidos pelo seu supervisor, e
Coaf cuida, por óbvio, das questões de inteligência financeira, mas igualmente atenta a CVM está trabalhando junto com o Coaf, muitas vezes no sentido
para o trabalho de supervisão, normatização e fiscalização daquilo que extrapola a ve- de tentar identificar como é que esse processo pode ser racionalizado.
rificação de ilícitos penais. E a composição plural reflete justamente essa preocupação Muitas vezes a gente está acompanhando o Coaf nas delegações do
que vai além da verificação de tipos penais. A otimização das estruturas, portanto, tem Gafi, do Gaflat, que é tipo o Gafisud; [...] Então uma coisa é nós
por preocupação a elaboração de um arranjo institucional hábil a permitir que cada termos aqui o nosso trabalho de normatizar a questão da prevenção à
um dos integrantes do Conselho cumpra da melhor forma seus objetivos e compe- lavagem de dinheiro no que diz respeito às peculiaridades envolven-
tências legais. Confira-se a narrativa sobre essa interação entre Bacen, CVM, MPF e do o mercado de valores mobiliários. Nós conhecemos o mercado,
Polícia Federal no âmbito do Coaf: entendemos quais são os detalhes, e sempre que possível visamos nor-
matizar aquilo que é pedido dentro do âmbito da Lei 9.613. Eu, como
No caso do Banco Central, o relacionamento diferente do Ministério CVM, tenho acesso às comunicações e operações suspeitas e oriundas
Público e da Polícia Federal tem a fronteira administrativa do crime do mercado de valores mobiliários, consigo chegar a tudo que me diz
propriamente dito. Como eu te falei, a gente [CVM] está dentro da su- respeito, e aquela informação também nos é útil para efeitos de super-
pervisão do mercado financeiro, e a gente tem diversas ações a título visão. Nada impede um gato chegar ao Coaf e aquilo virar um RIF ou
de um convênio já celebrado para justamente otimizar essa relação. não. Ok. Subsidiariamente – não estou discutindo crime –, se aquela
Otimizar não significa deixar de fazer as coisas, mas como fazer de informação pode me dar alguma luz sobre um evento relacionado ao
tal maneira que você gere o menor custo possível. Isso não significa uso de informação privilegiada – manipulação de preços, uso de prá-
que você está simplesmente querendo só reduzir custos, mas pensar ticas não equitativas e assim sucessivamente –, a gente vai utilizar isso
de maneira racional. Por que eu tenho que pedir duas vezes a mesma daí num apoio em qualquer processo de supervisão nossa. E o Coaf
coisa se eu posso pedir uma ou duas coisas de uma maneira mais dire- está trabalhando com a CVM não apenas no âmbito da Enccla mas
ta? Então vamos parar um tipo de ação que a gente está fazendo hoje; também tivemos duas oportunidades de processos de capacitação, vi-
você tem uma norma expedida pelo Banco Central, outra da CVM, e a sando melhor orientar o nosso público no mercado de valores mobi-
gente está trabalhando visando o quanto possível harmonizar os con- liários sobre como é que são esses caminhos de prevenção à lavagem
• Tomo 2 •

ceitos, harmonizar os conteúdos. Óbvio que vão ter situações pecu- de dinheiro no âmbito da Lei 9.613. Não existe apenas uma questão
liares no Banco Central que não vão otimizar nada, e vice-versa, mas de fazer por fazer, mas a melhor maneira de agregar valor ao trabalho

304 305
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

de inteligência financeira é o trabalho de supervisão da CVM. Como Poderia, sem dúvida nenhuma. Mas hoje há uma necessidade muito
disse, tem dois Coafs: você tem o segundo Coaf que é o trabalho do grande de gente nas instituições. Fora isso eu acho que o Brasil hoje está
supervisor de prevenção à lavagem de dinheiro para crimes econômi- mais ou menos bem distribuído, tem um MP com uma parte especia-
cos que não possuem um supervisor próprio. Nesse trabalho que você lizada em crimes financeiros e na corrupção, tem um Poder Judiciário
faz a representação da CVM no conselho do Coaf, entre outras coisas, com varas especializadas no combate à corrupção e lavagem, tem uma
participamos de dois processos no que diz respeito ao Coaf supervi- PF com delegacias especializadas, a gente tem o Coaf, o BC e a CVM
sor desse segmento. (CVM1/DF). com áreas destinadas à prevenção desses crimes. Então eu não acho
que o Brasil esteja mal aparelhado, mal distribuído ou mal organizado
O Coaf, igualmente, tem ações que refletem as recomendações oriundas do para combater esses crimes. Pelo contrário, como eu falei, eu fui para a
Gafi. É certo que nem todas guardam proximidade ou mesmo pertinência com o atu- Suíça no mês passado e eles não têm uma ferramenta como a gente tem
al contexto experimentado no País, mas elas refletem inclusive o reconhecimento do no laboratório. Muitos países não têm os CCES, que é aquele cadastro
esforço realizado pelo Coaf para adequar o panorama nacional às exigências interna- de correntistas do Banco Central. Então a gente não está mal estrutura-
cionais de enfrentamento à criminalidade por intermédio da inteligência financeira. O do, não. A questão é de acabar um pouco com a questão do funciona-
relato do representante do DRCI do Ministério da Justiça é rico nesse sentido. lismo público. E outra, como no Brasil hoje, não estou dizendo se isso
é certo ou errado, mas temos a obrigação de investigar qualquer notitia
Assim, aquelas recomendações técnicas [do Gafi], todas elas a gen-
criminis, isso sobrecarrega sobremaneira todas as instituições. Então a
te tenta cumprir da melhor forma possível. Então, a gente teve vá-
gente tem, por exemplo, mil investigações que envolvem uma nota de
rias mudanças normativo-internas da CVM, do Banco Central, do
dois reais falsa, uma moeda que foi achada que está mal cunhada, com
Coaf, para se adequar às recomendações. Mas tem outras que não
falso testemunho a gente sempre trabalha, e o caso de corrupção do
são meramente técnicas, são políticas. Então é o caso de se tipificar o
grande banco e desvio de dinheiro público. A gente quer tratar todos
terrorismo? Por exemplo, é o caso de se tipificar o financiamento ao
da mesma forma, a gente não consegue focar. O ideal seria ter um de-
terrorismo? Se politicamente se entender que não é o caso, o Brasil
legado ou um procurador focado só no caso da operação ABC que está
deixa de cumprir com várias recomendações. Então hoje o Brasil só
tendo, mas não dá, porque ele tem o caso ABC mas tem aqueles mais
está nesse processo de acompanhamento por conta do terrorismo; a
dez, vinte, cem investigações que ele tem que lidar. Pois lá, ou se separa
verdade é essa. Se fosse só pela lavagem, apesar de o Brasil não ser um
um cara só para aquilo... Os outros ficam sobrecarregados com aqueles
país perfeito, está adequado às recomendações do Gafi. A questão
assuntos que não dão em nada. Isso deveria ser… esse é um dos gran-
principal são as recomendações com relação ao terrorismo, porque
des problemas. Porque tem um estudo, salvo engano de um sociólogo,
tem recomendação que os países deveriam tipificar o financiamento
que mostra que 90% dos inquéritos não dão em nada, mas obviamente
ao terrorismo, os países deveriam criar mecanismos administrativos
não vão dar em nada. (DRCI/DF).
para o bloqueio dos recursos provenientes de organizações terroristas
de acordo com a ONU, e aí é uma questão mais política, se se deve ou A dificuldade relatada no sentido de que não se consegue focar ou destacar
não tipificar o terrorismo. (DRCI/DF). os casos de atuação mais grave do conjunto de atuações obrigatoriamente rea-
A temática da falta de uma estrutura adequada é igualmente presente nos rela- lizadas pelas organizações, especialmente a Polícia, já foi analisada no capítulo
tos colhidos ao longo da pesquisa. As críticas não se dirigem tanto à falta de estrutura, anterior (“Os discursos dos policiais federais”), para o qual se remete o leitor. A
mas efetivamente à falta de pessoal e à ausência de uma atuação dirigida ou fixada em obrigatoriedade da persecução penal nos crimes de ação penal pública, que nor-
prioridades a serem observadas. Colhe-se da vivência, por exemplo, do representante mativamente não autoriza distinção ou fixação de atuação prioritária num ou nou-
do DRCI uma robusta crítica ao postulado da obrigatoriedade, segundo o qual não tro sentido, repetidamente aparece nos relatos colhidos como um obstáculo ou
se admite juízo de oportunidade na eleição do que se deve apurar e processar de um entrave para atuações mais efetivas nos casos mais importantes, dado o dispêndio
modo geral. Isso inviabilizaria o melhor aproveitamento dos escassos recursos hu- de estrutura, energia e material humano para casos que, no conjunto, não se mos-
manos e impossibilitaria, igualmente, uma atuação mais dirigida aos temas de maior tram hábeis a merecer atenção ou preocupação das organizações de controle e
relevo no enfrentamento da corrupção e dos delitos econômicos. fiscalização e dos sujeitos próprios da persecução penal.

O Coaf ainda exercita protagonismo nas atividades próprias da Enccla, como


• Tomo 2 •

[...] outro problema é que apesar disso há, de fato, uma falta de pesso-
al. Poderia ser minimizada se todos trabalhassem de forma correta? se verá em capítulo próprio.

306 307
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

6 • CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO A Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção (STPC) atua na for-


mulação, coordenação e fomento a programas, ações e normas voltados à prevenção
da corrupção na administração pública e na sua relação com o setor privado. Entre
6.1 • APRESENTAÇÃO E COMPETÊNCIAS LEGAIS suas principais atribuições, destacam-se a promoção da transparência, do acesso à
informação, do controle social, da conduta ética e da integridade nas instituições
A Controladoria-Geral da União (CGU) é Ministério que integra a Presidência públicas e privadas. Promove também a cooperação com órgãos, entidades e orga-
da República, tal como previsto expressamente na Lei n. 10.683 de 28 de maio de nismos nacionais e internacionais que atuam no campo da prevenção da corrupção,
2003. Incumbe à CGU assistir direta e imediatamente ao Presidente da República no além de fomentar a realização de estudos e pesquisas visando à produção e à disse-
desempenho de suas atribuições quanto aos assuntos e providências que, no âmbito minação do conhecimento em suas áreas de atuação.
do Poder Executivo, sejam atinentes à defesa do patrimônio público, ao controle
A Secretaria Federal de Controle Interno (SFC) exerce as atividades de órgão
interno, à auditoria pública, à correição, à prevenção e ao combate à corrupção, às
central do sistema de controle interno do Poder Executivo Federal. Nesta condição,
atividades de ouvidoria e ao incremento da transparência da gestão no âmbito da
fiscaliza e avalia a execução de programas de governo, inclusive ações descentrali-
administração pública federal.
zadas a entes públicos e privados realizadas com recursos oriundos dos orçamentos
O titular da CGU é o ministro de Estado chefe da Controladoria-Geral da da União; realiza auditorias e avalia os resultados da gestão dos administradores
União. Sua estrutura básica guarda a seguinte modelagem: Gabinete, Assessoria públicos federais; apura denúncias e representações; exerce o controle das operações
Jurídica, Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção, Comissão de crédito; e, também, executa atividades de apoio ao controle externo.
de Coordenação de Controle Interno, Secretaria-Executiva, Corregedoria-Geral da A Corregedoria-Geral da União (CRG) atua no combate à impunidade na
União, Ouvidoria-Geral da União e duas Secretarias, sendo uma delas a Secretaria Administração Pública Federal, promovendo, coordenando e acompanhando a exe-
Federal de Controle Interno. Para além das competências próprias de controle inter- cução de ações disciplinares que visem à apuração de responsabilidade administra-
no da Administração Pública, a CGU expressamente tem a competência de encami- tiva de servidores públicos. Atua também capacitando servidores para composição
nhar à Advocacia-Geral da União os casos que configurem improbidade adminis- de comissões disciplinares; realizando seminários com o objetivo de discutir e disse-
trativa e todos quantos recomendem a indisponibilidade de bens, o ressarcimento minar as melhores práticas relativas do exercício do Direito disciplinar; e fortalecen-
ao erário e outras providências a cargo daquele órgão (AGU), bem como provocar, do as unidades componentes do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal
sempre que necessária, a atuação do Tribunal de Contas da União (TCU), da Receita (SisCOR), exercendo as atividades de órgão central deste sistema.
Federal, dos órgãos do sistema de controle interno do Poder Executivo Federal e,
A Ouvidoria-Geral da União (OGU) exerce a supervisão técnica das unida-
quando houver indícios de responsabilidade penal, do Departamento de Polícia
des de ouvidoria do Poder Executivo Federal. Com esse propósito orienta a atua-
Federal e do Ministério Público, inclusive quanto a representações ou denúncias que ção das unidades de ouvidoria dos órgãos e entidades do Poder Executivo Federal,
se afigurarem manifestamente caluniosas. examina manifestações referentes à prestação de serviços públicos, propõe a ado-
Assim, a CGU mostra-se estruturada em quatro unidades finalísticas, ção de medidas para a correção e a prevenção de falhas e omissões dos responsá-
veis pela inadequada prestação do serviço público e contribui com a disseminação
que atuam de forma articulada, em ações organizadas entre si: Secretaria de
das formas de participação popular no acompanhamento e fiscalização da presta-
Transparência e Prevenção da Corrupção (STPC), Secretaria Federal de Controle
ção dos serviços públicos.
Interno (SFC), Corregedoria-Geral da União (CRG) e Ouvidoria-Geral da União
(OGU). A estrutura regimental da CGU é estabelecida pelo Decreto n. 8.109, de O organograma a seguir permite visualizar a estrutura de funcionamento
17 de setembro de 2013. da CGU:
• Tomo 2 •

308 309
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Figura 18 Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais,


que funciona como instrumento que visa combater os atos de corrupção na esfera
do comércio internacional, bem como adotar ações que assegurem a cooperação
MINISTRO DE ESTADO
entre os países signatários. A convenção da OCDE, firmada em 17 de dezembro de
CHEFE DA CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO
1997 e em vigor desde o ano de 1999, foi ratificada pelo Brasil em 15 de junho de
2000 e finalmente internalizada por meio do Decreto Presidencial n. 3.678, de 30
Conselho de Comissão de Comissão de
de novembro de 2000.
Transparência Pública e Coordenação de Coordenação de
Combate à Corrupção Correição Controle Interno A CGU é responsável por coordenar as avaliações em que o País é analisado
CTPCC CCC CCCI ou analisador, além de conduzir a participação brasileira no Grupo de Trabalho so-
bre Suborno da OCDE. Para garantir a eficácia dos termos da citada convenção, os
Estados realizam uma avaliação por pares de maneira sistemática, coordenada pelo
Assessoria Jurídica Gabinete
Asjur CGCGU Grupo de Trabalho sobre Suborno da OCDE, responsável por monitorar a adoção de
medidas para implementação da Convenção nos países signatários.
Secretaria-Executiva
SE Confira-se o relato fornecido por membro do Ministério Público Federal com
Assessoria de Assessoria para
Comunicação Social Assuntos Internacionais atuação na segunda instância da Justiça Federal e larga experiência junto à Enccla.
Gabinete
SE/GAB
Ascom Aint Quando menciona o acréscimo do enfrentamento da corrupção às atribuições
da Enccla, há destaque claro pelo papel então assumido pela CGU nos arranjos
interinstitucionais e na canalização da participação brasileira no debate internacional.
Diretoria de Diretoria de Diretoria de Planejamento
Diretoria de Pesquisas e [...] quando a corrupção entra na questão, aí surge um outro ator, que é
Gestão Sistemas e Desenvolvimento
Informações Estratégicas
Interna e Informação Institucional a CGU, que, inclusive, é quem representa a União, por exemplo, nessas
DIE
DGI DSI Diplad convenções na OCDE. Porque, do ponto de vista do executivo, a agência
Áreas Administrativas Áreas Estratégicas do combate à corrupção é a CGU. Então, por exemplo, é à CGU que a
gente tem que prestar informações, como a gente foi avaliado ano passa-
do para a convenção da OCDE, que você tem que colher informações e
tal, quem colhe as informações e sistematiza é a CGU. Então tem pessoas
Secretaria de Transparência e Ouvidoria-Geral Corregedoria-Geral Secretaria Federal da CGU, da AGU também, então tem lá uma equipe. (PRR, SP).
Prevenção da Corrupção da União da União de Controle Interno
STPC OGU CRG SFC
O processo de monitoramento possui, até o momento atual, três fases. Na pri-
Áreas Finalísticas meira fase, realizada em 2003, a legislação dos Estados Partes foi objeto de aferição, ex-
clusivamente sob o aspecto da adequação normativa aos termos da convenção. Na se-
gunda fase do monitoramento da implementação dos termos da convenção da OCDE,
Controladorias Regionais da
CGU nos Estados em maio de 2007, foram analisados os avanços concretos e efetivos promovidos nos
países signatários, referentes às recomendações da primeira fase e à própria convenção.
Fonte: Sítio eletrônico da CGU.
Em 2009, por meio do follow-up da segunda fase de avaliação, o Grupo de Trabalho so-
bre Suborno de Transações Comerciais da OCDE avaliou o Brasil quanto à implemen-
A CGU assume papel relevante na representação do Governo brasileiro em fo- tação da Convenção de Combate ao Suborno de Funcionários Públicos Estrangeiros
ros internacionais de discussão sobre temas como combate à corrupção, governança sob dois aspectos: 1) prevenção, detecção e conscientização; e 2) investigação, proces-
pública e promoção da transparência. samento e sanções. Na terceira fase, pela qual o Brasil passa atualmente, são aferidos os
avanços concretos promovidos pelos países, referentes às recomendações da segunda
• Tomo 2 •

No âmbito da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento fase de avaliação, por meio dos casos concretos de responsabilização de pessoas físicas
(OCDE), merece destaque a Convenção sobre o Combate da Corrupção de e jurídicas por atos de corrupção internacional nos tribunais nacionais.

310 311
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

O processo de avaliação é realizado, primeiramente, por meio de respostas a


RESPONSABILIZAÇÃO DE
um questionário padrão e outro específico para o país, enviado pelos avaliadores, que
PESSOAS JURÍDICAS POR A responsabilização de pessoas jurídicas deve seguir os ditames e
são membros da Secretaria do Grupo de Trabalho da OCDE sobre Corrupção e au-
ATOS DE CORRUPÇÃO DE limites dos ordenamentos jurídicos internos das partes, podendo
toridades apontadas por dois países parte da convenção. Posteriormente, os avalia- ser ela estabelecida nas esferas penal, civil e/ou administrativa.
FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS
dores visitam os países que estão sendo monitorados e verificam, pessoalmente, se ESTRANGEIROS (ART. 2º)
os avanços apontados no relatório estão efetivamente sendo promovidos. Para isso,
Para a convenção da OCDE, é importante que o tipo de medida
são feitas reuniões com representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário,
de responsabilização que será adotada pelo Estado Parte (penal,
do Ministério Público, além de representantes de órgãos e entidades cujas atribuições administrativa e/ou civil) seja capaz de acarretar a aplicação de
APLICAÇÃO DE PENAS
estejam ligadas aos temas da convenção e da sociedade civil e de entidades privadas. penas efetivas, de modo a dissuadir os agentes públicos e a inicia-
EFETIVAS, PROPORCIONAIS
A responsabilidade, dentro do Governo brasileiro, pelos temas da OCDE é da CGU. tiva privada do cometimento de atos futuros de corrupção. Ainda,
E DISSUASIVAS DE MODO A as sanções devem abranger medidas necessárias a garantir que
Os principais temas relativos à OCDE, a cargo da CGU, podem ser resumidos GARANTIR A EFETIVIDADE DA o suborno e o produto da corrupção de um funcionário público
em seis pontos. Os países signatários da convenção da OCDE acordaram em com- CONVENÇÃO (ART. 3º) estrangeiro, ou o valor dos bens correspondentes a tal produto,
estejam sujeitos a retenção e confisco, ou que sanções financeiras
partilhar a responsabilidade de combater a corrupção de funcionários públicos es-
de efeito equivalente sejam aplicáveis.
trangeiros. O quadro a seguir ilustra essas preocupações fundamentais oriundas do
compromisso internacional: Cada Parte deverá tomar todas as medidas necessárias ao estabe-
lecimento de sua jurisdição em relação à corrupção de um funcio-
nário público estrangeiro, quando o delito é cometido integral ou
Tabela 7 parcialmente em seu território. A investigação e a abertura de pro-
JURISDIÇÃO (ARTS. 4º E 5º) cesso por corrupção de um funcionário público estrangeiro estarão
Por meio do seu artigo primeiro, a convenção incita cada Parte sujeitas às regras e princípios aplicáveis de cada país, não devendo,
a estabelecer como delito criminal o fato de qualquer pessoa in- contudo, ser influenciadas por considerações de interesse econômi-
tencionalmente oferecer, prometer ou dar qualquer vantagem pe- co nacional, pelo efeito potencial sobre as relações com outros Es-
cuniária indevida ou de outra natureza, seja diretamente ou por tados ou pela identidade de pessoas físicas ou jurídicas envolvidas.
intermediários, a um funcionário público estrangeiro, para esse Cada Estado Parte da convenção deve estabelecer um tratamen-
funcionário ou para terceiros, causando a ação ou a omissão do to legislativo nacional sobre livros e registros contábeis, contas e
funcionário no desempenho de suas funções oficiais, com a finali- declarações financeiras de empresas, estabelecendo penalidades
dade de realizar ou dificultar transações ou obter outra vantagem CONTABILIDADE (ART. 8º) civis, administrativas criminais efetivas, proporcionais e dissua-
ilícita na condução de negócios internacionais. sivas pelas omissões e falsificações em livros e registros contábeis,
A fim de facilitar o entendimento da disposição acima, o artigo con- contas e declarações financeiras.
ESTABELECIMENTO DO ceitua: funcionário público estrangeiro; país estrangeiro; e “a ação ou
Cada Parte deverá prestar pronta e efetiva assistência jurídica à
a omissão do funcionário no desempenho de suas funções oficiais”.
DELITO DE CORRUPÇÃO DE outra Parte para o fim de condução de investigações e processos
FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS Para o propósito da convenção: criminais instaurados pela Parte requerente sobre delitos abran-
ESTRANGEIROS (ART. 1º) a) “funcionário público estrangeiro” significa qualquer pessoa res- ASSISTÊNCIA JURÍDICA gidos pela presente convenção e para o fim de condução de pro-
ponsável por cargo legislativo, administrativo ou jurídico de um RECÍPROCA (ART. 9º) cessos não criminais contra uma pessoa jurídica por atos também
país estrangeiro, seja ela nomeada ou eleita; qualquer pessoa que abrangidos por esta convenção. As partes não devem recusar a
exerça função pública para um país estrangeiro, inclusive para re- prestar assistência mútua jurídica em matérias criminais do âmbi-
presentação ou empresa pública; e qualquer funcionário ou repre- to da convenção sob a alegação de sigilo bancário.
sentante de organização pública internacional;
b) “país estrangeiro” inclui todos os níveis e subdivisões de gover- Vale destacar a importância da edição da Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013,
no, do federal ao municipal; para a consecução dessas preocupações formalizadas pela OCDE. Essa lei, “sobre a
c) “a ação ou a omissão do funcionário no desempenho de suas responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra
funções oficiais” inclui qualquer uso do cargo do funcionário pú- a administração pública, nacional ou estrangeira”, trouxe novidades como a respon-
• Tomo 2 •

blico, seja esse cargo, ou não, da competência legal do funcionário.


sabilização objetiva da pessoa jurídica, nos âmbitos administrativo e civil, por atos

312 313
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

lesivos que sejam praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não, sem pre- A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção tratou de diversos aspec-
juízo e independentemente da responsabilização individual daqueles que participem tos do tema corrupção, sendo dividida em quatro eixos principais: medidas preventi-
do ilícito. Inovou, ainda, no direito brasileiro ao dar melhores contornos ao acordo de vas, penalização e aplicação da lei, cooperação internacional e recuperação de ativos.
leniência28 e fomentar ações de compliance29.
A atividade disciplinar da CGU é objeto de destaque na sua inserção no Poder
O Grupo de Trabalho sobre Suborno de Transações Comerciais Internacionais Executivo federal. A correição é uma das áreas de atuação fundamentais da CGU e
foi criado em maio de 1994 pelo Comitê sobre Investimento Internacional e Empresa consiste nas atividades relacionadas à apuração de possíveis irregularidades cometidas
Internacional da OCDE. Esse grupo é composto por especialistas dos países signatá- por servidores públicos e à aplicação das devidas penalidades. A unidade da CGU res-
rios e se reúne quatro vezes por ano, em Paris, cidade sede da OCDE, para monitorar ponsável por essas atividades é a já mencionada Corregedoria-Geral da União (CRG).
o cumprimento da convenção em todos os Países Parte.
O Decreto n. 5.480, editado no ano de 2005, estabeleceu o sistema de correição
Ainda no plano internacional, merece destaque a atuação da CGU para a efeti- do Poder Executivo Federal, integrado pela CRG como órgão central, pelas unidades
vação da Convenção de Mérida no Brasil. Diante da necessidade de um instrumento específicas de correição junto aos ministérios, como Unidades Setoriais, e pelas uni-
independente, completo e vinculante, que abrangesse a prevenção, a criminalização, dades específicas de correição que compõem as estruturas dos ministérios, autarquias
a cooperação internacional e a recuperação de ativos em matéria de enfrentamento à e fundações como Unidades Seccionais. Assim estruturado, o sistema objetiva inte-
corrupção, a Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio da Resolução n. 55/6, do grar as atividades de correição no âmbito do Poder Executivo Federal e observa a se-
ano de 2000, decidiu estabelecer um comitê com a tarefa de elaborar uma minuta de guinte apresentação: Órgão Central – Corregedoria-Geral da União (CRG); Unidades
convenção. A Convenção da ONU contra a Corrupção foi assinada em 9 de dezem- Setoriais e Seccionais; e Comissão de Coordenação de Correição.
bro de 2003, na cidade de Mérida, no México e, por isso, tornou-se conhecida como
Convenção de Mérida. A data de assinatura – 9 de dezembro – é celebrada como Dia A CRG está organizada em três Corregedorias-Adjuntas, que coordenam as
Internacional de Luta contra Corrupção em todo o mundo. A Convenção foi interna- atividades desempenhadas pelas Corregedorias-Setoriais, e um Gabinete que presta
lizada no ordenamento pátrio por meio do Decreto n. 5.687, de 31 de janeiro de 2006. apoio ao Corregedor-Geral no desempenho de suas atribuições. As Corregedorias-
-Adjuntas organizam-se segundo as áreas de governo.

28 O acordo de leniência era previsto na Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994, e se referia à colaboração
efetiva com investigações e processos administrativos a cargo da Secretaria de Direito Econômico. Tabela 8
As disposições do acordo de leniência foram revogadas pela Lei n. 12.529, de 30 de novembro de
2011 (Lei Anticorrupção), que deu novos contornos ao instituto, inclusive passando a nominá-lo Coordena as Corregedorias-Setoriais dos Ministérios da Agricultu-
como programa de leniência. Hoje, o acordo de leniência dirige-se às pessoas físicas e jurídicas res- CORREGEDORIA- ra, Pecuária e Abastecimento e da Pesca e Aquicultura (CSMAPA/
ponsáveis pela prática dos atos previstos na Lei Anticorrupção que colaborem efetivamente com as MPA); dos Ministérios do Desenvolvimento, Industria e Comércio
-ADJUNTA DA Exterior e do Turismo (CSMDIC/Mtur); do Ministério do Desen-
investigações e o processo administrativo. Atendidos os requisitos legais, e cumprido o acordo de le-
ÁREA ECONÔMICA volvimento Agrário (CSMDA); do Ministério da Fazenda (CSMF);
niência, a ação punitiva da administração pública contra o infrator poderá ser extinta ou as sanções
decorrentes dessa ação poderão ser reduzidas de um a dois terços. São consideradas, nessa gradação, (COREC) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (CSMP); e do
a efetividade da colaboração prestada e a boa-fé do infrator no cumprimento do acordo de leniência. Ministério das Relações Exteriores (CSMRE).
O acordo de leniência tem efeitos que se estendem, inclusive, à esfera penal. A celebração do acordo, Coordena as Corregedorias-Setoriais do Ministério das Cidades
nos crimes da Lei n. 8.137/1990, nos crimes relacionados à prática de cartel, nos tipificados na Lei
CORREGEDORIA-
(CSMCID); do Ministério das Comunicações (CSMC); dos
n. 8.666/1993 e no art. 288 do Código Penal, enseja a suspensão do curso do prazo prescricional e -ADJUNTA DA
CRG ÁREA DE INFRA-
Ministérios da Defesa e da Ciência e Tecnologia (CSMD/MCT); do
impede o oferecimento de ação penal em desfavor do beneficiário do acordo. Ao fim, se cumprido o Ministério do Meio Ambiente (CSMMA); do Ministério de Minas
acordo de leniência, extingue-se a punibilidade dos crimes mencionados. ESTRUTURA e Energia (CSMME); do Ministério dos Transportes (CSMT); e do
29 O compliance se refere ao procedimento a ser implantado por pessoas jurídicas para garantir a con- (CORIN) Ministério da Integração Nacional (CSMI).
formidade de suas condutas às exigências de determinada jurisdição ou setor. Seu objetivo consiste
Coordena as Corregedorias-Setoriais do Ministério das Cidades
no planejamento de atividades pelo particular (pessoa jurídica), tais como a revisão de políticas
(CSMCID); do Ministério das Comunicações (CSMC); dos
internas, código de ética e conduta e gestão de risco, para obter uma difusão da cultura da integri- CORREGEDORIA-
Ministérios da Defesa e da Ciência e Tecnologia (CSMD/MCT); do
dade no ambiente da empresa. O artigo 7º, inciso VIII, da Lei Anticorrupção prevê a consideração, -ADJUNTA DA ÁREA
• Tomo 2 •

Ministério do Meio Ambiente (CSMMA); do Ministério de Minas


no momento da aplicação das sanções, da “existência de mecanismos e procedimentos internos de SOCIAL (CORAS) e Energia (CSMME); do Ministério dos Transportes (CSMT); e do
integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de
Ministério da Integração Nacional (CSMI).
ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”.

314 315
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

As competências da CRG, na qualidade de órgão central do SisCOR, são des- e a Corregedoria Setorial dos Ministérios da Cultura e do Esporte (CSMinC/ME). A
critas no Decreto n. 5.480 do seguinte modo: I - definir, padronizar, sistematizar e CGU conta atualmente com 20 Corregedorias-Setoriais subordinadas à Corregedoria-
normatizar, mediante a edição de enunciados e instruções, os procedimentos atinentes -Geral da União (CRG).
às atividades de correição; II - aprimorar os procedimentos relativos aos processos
As Corregedorias Seccionais são unidades específicas de correição nos órgãos
administrativos disciplinares e sindicâncias; III - gerir e exercer o controle técnico
que compõem a estrutura dos ministérios e de suas entidades vinculadas. São subor-
das atividades correcionais desempenhadas no âmbito do Poder Executivo Federal;
dinadas às autoridades dos respectivos órgãos no desempenho de suas funções e sujei-
IV - coordenar as atividades que exijam ações conjugadas das unidades integrantes do
tam-se à orientação normativa da CRG, como órgão central do SisCOR, e à supervisão
sistema de correição; V - avaliar a execução dos procedimentos relativos às atividades
técnica das respectivas Corregedorias Setoriais.
de correição; VI - definir procedimentos de integração de dados, especialmente no
que se refere aos resultados das sindicâncias e processos administrativos disciplina- A competência dessas Unidades Setoriais e Seccionais é assim descrita no
res, bem como às penalidades aplicadas; VII - propor medidas que visem a inibir, a Decreto n. 5.480: I - propor ao órgão central do sistema medidas que visem a defini-
reprimir e a diminuir a prática de faltas ou irregularidades cometidas por servidores ção, padronização, sistematização e a normatização dos procedimentos operacionais
contra o patrimônio público; VIII - instaurar sindicâncias, procedimentos e processos atinentes à atividade de correição; II - participar de atividades que exijam ações conju-
administrativos disciplinares, em razão: a) da inexistência de condições objetivas para gadas das unidades integrantes do sistema de correição, com vistas ao aprimoramento
sua realização no órgão ou entidade de origem; b) da complexidade e relevância da do exercício das atividades que lhes são comuns; III - sugerir à CRG procedimentos
matéria; c) da autoridade envolvida; ou d) do envolvimento de servidores de mais de relativos ao aprimoramento das atividades relacionadas às sindicâncias e aos processos
um órgão ou entidade; IX - requisitar, em caráter irrecusável, servidores para com- administrativos disciplinares; IV - instaurar ou determinar a instauração de proce-
por comissões disciplinares; X - realizar inspeções nas unidades de correição; XI - re- dimentos e processos disciplinares, sem prejuízo de sua iniciativa pela autoridade a
comendar a instauração de sindicâncias, procedimentos e processos administrativos que se refere o art. 143 da Lei n. 8.112, de 199030; V - manter registro atualizado da
disciplinares; XII - avocar sindicâncias, procedimentos e processos administrativos tramitação e resultado dos processos e expedientes em curso; VI - encaminhar à CRG
disciplinares em curso em órgãos ou entidades do Poder Executivo Federal, quando dados consolidados e sistematizados, relativos aos resultados das sindicâncias e pro-
verificada qualquer das hipóteses previstas no número VIII, inclusive promovendo cessos administrativos disciplinares, bem como à aplicação das penas respectivas; VII
a aplicação da penalidade cabível; XIII - requisitar as sindicâncias, procedimentos e - supervisionar as atividades de correição desempenhadas pelos órgãos e entidades
processos administrativos disciplinares julgados há menos de cinco anos por órgãos submetidos à sua esfera de competência; VIII - prestar apoio à CRG na instituição e
ou entidades do Poder Executivo Federal, para reexame; e XIV - representar ao supe- manutenção de informações, para o exercício das atividades de correição; e IX - pro-
rior hierárquico, para apurar a omissão da autoridade responsável por instauração de por medidas à CRG visando à criação de condições melhores e mais eficientes para o
sindicância, procedimento ou processo administrativo disciplinar. exercício da atividade de correição.

Já em relação às Unidades Setoriais e Seccionais, cada Corregedoria-Setorial Já a Comissão de Coordenação de Correição é um colegiado de autoridades
supervisiona as unidades correcionais de um ministério. As Corregedorias Seccionais que atua como uma instância consultiva e tem como objetivo promover a integração
são unidades específicas de correição nos órgãos que compõem a estrutura dos minis- e uniformizar entendimentos dos órgãos e unidades do sistema de correição do Poder
térios e de suas entidades vinculadas. Executivo. Ela é presidida pelo ministro-chefe da CGU e tem em sua composição o

As Corregedorias-Setoriais são unidades da CGU que exercem, entre outras,


30 Diz o artigo legal que “A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada
a função de supervisão técnica das Unidades Seccionais do SisCOR no ministério a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar,
a que se relacionam. Cada Corregedoria-Setorial supervisiona as unidades corre- assegurada ao acusado ampla defesa.” Essa apuração, “por solicitação da autoridade a que se refere,
cionais de um ministério e de seus órgãos e entidades vinculados. Há casos em que poderá ser promovida por autoridade de órgão ou entidade diverso daquele em que tenha ocorrido
uma Corregedoria-Setorial acompanha dois ministérios, como Corregedoria-Setorial a irregularidade, mediante competência específica para tal finalidade, delegada em caráter perma-
nente ou temporário pelo Presidente da República, pelos presidentes das Casas do Poder Legislativo
dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e da Pesca e Aquicultura
e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, no âmbito do respectivo Poder,
(CSMAPA/MPA); Corregedoria-Setorial dos Ministérios do Desenvolvimento, órgão ou entidade, preservadas as competências para o julgamento que se seguir à apuração”. Essa
• Tomo 2 •

Indústria e Comércio Exterior e do Turismo (CSMDIC/Mtur), a Corregedoria-Setorial previsão legal de promoção da responsabilidade por órgão diverso daquele inserido no órgão dá azo
dos Ministérios da Defesa e da Ciência e Tecnologia e Comunicações (CSMD/MCT) à atuação da CRG como órgão central de atividade disciplinar.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

secretário-executivo da CGU, o corregedor-geral da União e os corregedores-adjuntos Durante a realização das atividades, a CGU – com o auxílio de suas Unidades
(representando a CRG), três corregedores-setoriais e três corregedores seccionais. Os Regionais – mantém o foco no aprimoramento da gestão e da execução das políticas
representantes das unidades setoriais e seccionais são designados pelo ministro de públicas, visando à melhoria da prestação de serviços públicos.
Estado chefe da Controladoria-Geral da União.
Relativamente às Demandas Externas, compete à CGU dar o devido trata-
A competência da Comissão de Coordenação de Correição, sempre nos mento às representações ou denúncias relativas à lesão ou ameaça de lesão ao pa-
termos do Decreto n. 5.480, abrange as seguintes atividades: I - realizar estudos e trimônio público recebidas. Cabe ainda à CGU, por meio da Secretaria Federal de
propor medidas que visem à promoção da integração operacional do sistema de Controle Interno (SFC), a execução das ações de controle pertinentes. Entendem-se
correição, para atuação de forma harmônica, cooperativa, ágil e livre de vícios bu- por Demandas Externas as denúncias, as requisições de ações de controle e os pedidos
rocráticos e obstáculos operacionais; II - sugerir procedimentos para promover a de informação acerca da aplicação de recursos públicos federais encaminhados à CGU
integração com outros órgãos de fiscalização e auditoria; III - propor metodologias por administradores públicos, representantes de entidades, cidadãos e outros. Os tra-
para uniformização e aperfeiçoamento de procedimentos relativos às atividades do balhos são consolidados no Relatório de Demandas Externas, o qual é encaminhado
sistema de correição; IV - realizar análise e estudo de casos propostos pelo titular ao gestor para que se manifeste sobre as impropriedades/irregularidades apontadas.
do órgão central do sistema, com vistas à solução de problemas relacionados à lesão Os resultados constam também dos relatórios anuais de auditoria sobre a prestação de
contas dos responsáveis pelos órgãos ou entidades, os quais são enviados ao Tribunal
ou ameaça de lesão ao patrimônio público; e V - outras atividades demandadas pelo
de Contas da União e, ainda, se for o caso, à Polícia Federal e ao Ministério Público. No
titular do órgão central do sistema.
tópico a seguir, ver-se-á de modo mais detalhado a indicação numérica das Demandas
Na abordagem dos arranjos institucionais para o enfrentamento da corrupção Externas ensejadoras de ações da CGU.
e dos delitos econômicos em geral, o maior destaque de atuação da CGU refere-se às
As chamadas auditorias especiais são aquelas ações de auditoria realizadas
atividades de auditoria e fiscalização.
por iniciativa própria da CGU ou mediante provocação de outro órgão do Governo
A CGU, por meio de sua Secretaria Federal de Controle Interno (SFC), exerce Federal. Constituem importante atividade da CGU e mostram-se condicionadas às
as atividades de órgão central do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo possibilidades materiais de expansão das atividades do órgão.
Federal. Nesse sentido, cabe à CGU avaliar a execução de programas de governo; com- Por sua vez, as chamadas Operações Especiais são assim nominadas para indi-
provar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e à eficiência, da gestão car aquelas realizadas em conjunto com a Polícia Federal e o Ministério Público (tanto
dos administradores públicos federais; exercer o controle das operações de crédito e, os Ministérios Públicos estaduais quanto os ramos do Ministério Público da União).
também, exercer atividades de apoio ao controle externo31.
A CGU ainda realiza papel central na análise e avaliação dos programas do
As ações investigativas da CGU consistem em trabalhos especiais, dotadas de Governo Federal. Convém destacar que há diferentes maneiras de realizar uma ava-
processos, procedimentos e instrumentais específicos, os quais propiciam condições liação de política pública (gênero maior de que os planos são espécie). Uma delas
para o desenvolvimento de trabalhos com enfoque ainda mais forte no efetivo comba- é a avaliação acadêmica, mais formal, com interesse no estudo da efetividade das
te à corrupção. Respeitadas as competências e atribuições de cada um, a CGU busca políticas, seus impactos e benefícios; outra forma é a avaliação promovida durante o
atuar proximamente à Polícia Federal, ao Ministério Público, ao Tribunal de Contas período de implementação das políticas e programas governamentais, com foco na
da União, ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras, entre outros, para o análise de sua eficiência e eficácia (Cunha, 2006). Essas avaliações observam distin-
controle do dinheiro público e o enfrentamento da corrupção. tas categorizações, que respondem a critérios atinentes ao sujeito que a realiza (in-
terna, externa, mista, participativa), à natureza (formativa, somativa), ao momento
Na CGU, essas ações investigativas são executadas em três frentes distintas de
de sua realização (ex ante, ex post), aos problemas e perguntas a que respondem (de
trabalho: Demandas Externas, Auditorias Especiais e Operações Especiais.
processos, de impactos ou resultados).

No caso da CGU, a Secretaria Federal de Controle Interno (SFC), que é órgão


31 O apoio ao controle externo, de incumbência do Tribunal de Contas da União no âmbito federal, é
tarefa fixada pela Constituição (art. 74) aos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo. Todos devem integrante da estrutura da CGU, em conjunto com as unidades regionais, realiza em
• Tomo 2 •

manter sistema de controle interno com a finalidade de apoiar a missão institucional do controle todo o território nacional verificações in loco dos recursos públicos federais, sejam
externo realizado pelas Cortes de Contas. aqueles aplicados diretamente pelo Governo Federal, sejam aqueles administrados

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

por estados, municípios ou terceiro setor, quando recebedores de transferências dos beneficiária. Os trabalhos têm por base o ferramental estatístico disponível para a pre-
ministérios. Essas verificações seguem dois padrões de atividades com metodologias paração de amostras representativas dos universos específicos das ações de governo.
distintas: avaliação da execução de programas de governo e programa de fiscalização
Verificações nos órgãos federais responsáveis pela formulação e controle primá-
por sorteios públicos.
rio da política pública também são realizadas pela SFC, bem como análises em bases
Relativamente ao primeiro, os programas de governo são avaliados mediante de dados críticas para o funcionamento das políticas públicas avaliadas.
amostras aleatórias e probabilísticas que representam o universo de recursos aplica-
É crescente a preocupação da CGU em dar transparência e publicidade aos
dos. A seleção ocorre por hierarquização de todos os programas constantes da Lei
resultados dos trabalhos realizados pelo órgão. Para cada programa acompanhado
Orçamentária Anual (LOA), utilizando critérios de relevância, materialidade e critici-
será elaborado um documento denominado “Relatório de Avaliação da Execução de
dade. O trabalho de campo acontece ao longo do ano, de acordo com as fiscalizações
Programas de Governo – RAv” com o intuito de divulgar ao público externo o resulta-
planejadas pela CGU, que já avaliou programas como Bolsa Família e Expansão da
do dos trabalhos na avaliação da execução de programas de governo.
Rede Federal de Educação.
Por sua vez, o Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos presta-se como
O conjunto de verificações realizadas pelo Programa de Fiscalização por
iniciativa do Governo federal para inibir a corrupção entre gestores de qualquer es-
Sorteios Públicos, por sua vez, permite à CGU avaliar o correto uso dos recursos
fera da administração pública. Criado em abril de 2003, esse programa usa o mesmo
federais transferidos a municípios em todas as regiões do País. O sorteio utiliza o
sistema de sorteio das loterias da Caixa Econômica Federal para definir, aleatoria-
sistema de loterias da Caixa Econômica Federal, com a fiscalização ocorrendo no
mente, as áreas municipais e estaduais a serem fiscalizadas quanto ao correto uso dos
período de uma semana sobre os recursos destinados a áreas sociais como educação,
recursos públicos federais.
saúde e desenvolvimento social e combate à fome. Confira a lista de municípios por
sorteios e os relatórios de auditoria. A cada sorteio são definidos 60 municípios, onde os auditores da CGU exa-
minam contas e documentos, além de fazerem inspeção pessoal e física das obras e
Especificamente quanto à avaliação dos programas de governo, a metodologia
serviços em realização. Durante os trabalhos, o contato com a população, diretamente
utilizada pela CGU visa a avaliar a execução dos programas federais, o alcance dos
ou por meio dos conselhos comunitários e outras entidades organizadas, estimula os
objetivos e a adequação do gerenciamento, tendo as seguintes fases iniciais: mapea-
cidadãos a participarem do controle da aplicação dos recursos oriundos dos tributos
mento das políticas públicas; hierarquização dos programas de governo; e priorização
que lhes são cobrados. Fazem parte do sorteio municípios com até 500 mil habitantes,
de ações de governo para avaliação. Isso permite ao controle interno mapear as políti-
exceto as capitais estaduais.
cas públicas e estabelecer, a partir de critérios de materialidade, relevância e risco, um
ranking dos programas de governo, de forma a priorizar as atividades a serem desen- A CGU ainda tem importante atuação na avaliação da gestão dos administrado-
volvidas. Para cada ação governamental priorizada, desenvolve-se estudo acerca de res, especialmente na elaboração das contas da Presidência da República. Atua na com-
suas formas de execução e definem-se as questões estratégicas que serão respondidas provação da legalidade e dos resultados da gestão orçamentária, financeira e patrimonial
ao longo da avaliação. nos órgãos e entidades da Administração Federal. Por força do que dispõe o inciso II do
art. 74 da Constituição, diversas atividades da CGU estão relacionadas com a comprova-
Após o detalhamento da abordagem de avaliação, as verificações in loco são re-
ção da legalidade e a avaliação dos resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão or-
alizadas, e ocorre a consolidação e a análise das verificações, viabilizando a elaboração
çamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da Administração Federal.
e a apresentação aos gestores federais de relatórios de acompanhamento (os chamados
RAc), que contêm recomendações discutidas em conjunto com os responsáveis pela No exercício da avaliação da gestão dos administradores, duas atividades da
execução das ações de governo avaliadas. Por fim, ocorre o ciclo de monitoramento CGU assumem posição de destaque: as auditorias anuais de contas e as tomadas
das providências adotadas. de contas especiais.

Quanto à execução das ações de controle, a CGU realiza, por meio da SFC e das A auditoria anual de contas realizada no âmbito do controle interno visa verifi-
unidades regionais nos estados, ações de controle in loco em todo o território nacional car as informações prestadas pelos administradores públicos federais, bem como ana-
com o objetivo de verificar a execução dos programas de governo tanto com as auto- lisar os atos e fatos da gestão, com vistas a instruir o processo de prestação de contas
• Tomo 2 •

ridades responsáveis pela gestão dos recursos em nível local quanto com a população que subsidiará o julgamento pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

A Tomada de Contas Especial (TCE) é um instrumento de que dispõe a para a correta aplicação dos recursos públicos nesta área. A folha de pagamentos dos
Administração Pública para ressarcir-se de eventuais prejuízos que lhe forem causados, servidores públicos civis do Poder Executivo custa aos cofres públicos aproximada-
sendo o processo revestido de rito próprio e somente instaurado depois de esgotadas as mente R$ 97 bilhões por ano, e a Auditoria de Pessoal trabalha para que esse valor
medidas administrativas para reparação do dano. Nos termos da Instrução Normativa/ esteja sempre dentro dos limites estabelecidos em lei, providenciando o retorno aos
TCU n. 71, de 28.11.2012, compete à Secretaria Federal de Controle/CGU, na emissão cofres públicos dos pagamentos considerados ilegais pela CGU.
do Relatório e Certificado de Auditoria sobre processos de Tomadas de Contas Especiais,
manifestar-se sobre a adequada apuração dos fatos, indicando, inclusive, as normas ou Há mais. A CGU, por meio da sua Secretaria Federal de Controle Interno (SFC),
regulamentos eventualmente infringidos, a correta identificação do responsável e a pre- igualmente realiza o papel de agente responsável pelo processo de ratificação dos dados
cisa quantificação do dano e das parcelas eventualmente recolhidas. constantes do Relatório de Gestão Fiscal, que contém informações relativas à despesa
total com pessoal, dívida consolidada, concessão de garantias e operações de crédito,
A CGU ainda dispõe das auditorias de acompanhamento de gestão, que se tra- entre outras. Tudo em conformidade com a Lei Complementar n. 101, de 2000 (Lei de
duzem no acompanhamento contínuo e sistemático dos atos de gestão para prevenir Responsabilidade Fiscal).
desvios e evitar a má aplicação de recursos públicos. Essas auditorias são importante
instrumento de interação com os administradores públicos para agregar valor à ges- Por fim, incumbe à CGU criar mecanismos para monitorar os gastos dos re-
tão, prevenir desvios ou evitar a má aplicação de recursos públicos, com a finalidade de cursos públicos. Trata-se de tarefa relevante para a prevenção da corrupção, e isso
manter o acompanhamento contínuo e sistemático dos atos de gestão em geral. se faz pela elaboração de informações estratégicas. Produzindo-as e aprimorando as
respectivas ferramentas para seu manuseio, a CGU gera conhecimento para subsidiar
A CGU é igualmente responsável pela realização de auditorias de avaliação de e acelerar a tomada de decisões por parte dos gestores públicos.
desempenho e conformidade dos contratos de empréstimo e doação firmados com
organismos internacionais de financiamento. Além disso, analisa os projetos de co- Um instrumento fundamental para prevenção da corrupção e melhoria da ges-
operação técnica internacional executados por órgãos e entidades da Administração tão é o Observatório da Despesa Pública (ODP). A unidade, criada pela CGU em
Pública Federal em parceria com organismos internacionais cooperantes. 2008, aplica metodologia científica para o monitoramento dos gastos públicos. Entre
os temas monitorados incluem-se as licitações públicas, os gastos com cartão corpora-
Os projetos federais auditados e as auditorias realizadas ensejaram a expe- tivo, despesas com diárias e passagens e terceirização. São emitidos alertas de transa-
dição de diversas recomendações pela CGU, dirigidas à necessidade de implemen- ções que se enquadram em alguma das dezenas de tipologias de ilícitos mapeadas, em
tação de melhorias na gestão dos projetos. Alguns aspectos se destacam nas reco- geral utilizadas nas auditorias da CGU.
mendações: a) aprimoramento dos controles sobre a execução física/financeira do
projeto, focando o atingimento dos objetivos e metas finalísticos; b) construção e
apresentação dos relatórios de progresso, com enfoque nos resultados e na efetivi- 6.2 • DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES
dade das atividades implementadas pelos projetos; c) readequação no planejamento
das aquisições, de sorte a propiciar garantia de que os bens e serviços contratados Apesar da relevância de suas competências, a CGU tem experimentado ao lon-
guardam conformidade com as condições de elegibilidade e são adequados às fina- go dos anos severas restrições orçamentárias em relação às suas chamadas despesas
lidades e méritos de cada projeto; d) aprimoramento da sistemática de contratação discricionárias. O quadro a seguir dá mostra das despesas discricionárias da CGU e
de consultores, com reforço do acompanhamento sobre os produtos entregues, de seu espaço orçamentário:
modo a garantir que estejam conformes às necessidades identificadas e que não es-
tejam relacionados à realização de atividades típicas do órgão executor; e) reforço no Tabela 9
controle da concessão e prestação de contas de convênios/cartas de acordo, mecanis-
mos de descentralização da intervenção pretendida com o projeto. DESPESAS DISCRICIONÁRIAS
A Auditoria de Pessoal, também a cargo da CGU, tem por objetivo verificar 2010 2012 2014 2015 (PROJEÇÃO)
a legalidade dos pagamentos dos servidores públicos federais no âmbito do Poder 90 milhões 78 milhões 89 milhões 84 milhões
Executivo. A despesa com pessoal representa o segundo maior dispêndio da União,
• Tomo 2 •

perdendo apenas para a Previdência Social, o que requer da CGU atenção especial Fonte: Sítio eletrônico da CGU

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

É importante sublinhar que, a par da ausência de crescimento ou aumento dos para ir a todos os cantos do País, os rincões todos desse País, para saber
valores destinados às despesas discricionárias da CGU, seu número de ações de con- o que estão fazendo com o dinheiro federal nas coisas mais importantes
trole tem diminuído ao longo dos anos. para o povo, como saúde, educação. […] Em compensação, utilizamos
essa mesma mão de obra que deixou de se deslocar para fiscalizar as gran-
des obras a partir das capitais. (Garcia, 2014).
Tabela 10
As Demandas Externas respondem por substancial parte das atividades realiza-
AÇÕES DE CONTROLE das pela CGU. Entre 1º de janeiro de 2011 e 15 de dezembro de 2014, 12.954 documen-
2010 2011 2013 tos relacionados a demandas externas foram tratados no sistema acompanhamento de
demandas da CGU, sendo, em sua grande parte, conforme se observa no gráfico e no
5000 2000 1000
quadro a seguir, referente aos assuntos “Solicitação de informação” e “Solicitação de
Nota: Tabela elaborada pelo autor a partir de dados disponíveis no sítio eletrônico da CGU documento”. Confira-se o quadro a seguir:

O relato colhido do então Ministro de Estado responsável pela CGU até o final
de 2014, Jorge Hage Sobrinho, evidencia a diminuição dos valores destinados à pasta
Figura 19
a título de despesa discricionária nos últimos anos, em contraste com os valores recu-
perados ou mesmo não perdidos por força de ação preventiva.
São as consequências inevitáveis das restrições de recursos do Governo.
O ano de 2013 foi realmente complicado. Houve cortes em todos os ór-
gãos. E em 2014 não houve propriamente um contingenciamento porque
o orçamento inicial já era tão baixo que não tinha mais onde cortar.

[...]

[Sobre as despesas discricionárias] É orçamento que a gente usa para o


deslocamento dos auditores, para viajar por este País inteiro, que a gente
usa para as fiscalizações, as obras, as prefeituras etc. Despesas de custeio
normais e os investimentos em tecnologia, aparelhamento, é tudo isso
que sai dessa despesa discricionária. Representa 0,05% do orçamento dis-
cricionário da União. É um percentual ínfimo do orçamento que temos
que controlar. [...] Em média 2 bilhões por ano, é a média dos últimos 3
anos, o que deixou de ser desviado por força direta das ações da CGU,
sem contar aquilo que deixa de ser desviado pelas medidas de transpa-
rência. (Garcia, 2014).

Quando confrontado com a diminuição do número de ações de controle a


partir de sorteios públicos, o então Ministro da CGU sublinhou o impacto da dimi- Nota: Inclui outras diligências, solicitações e encaminhamentos de informações. Disponível no sítio ele-
nuição dos valores próprios de orçamento discricionário. No ano de 2010, a CGU trônico da CGU
registrou 5000 ações; no ano de 2011, 2000; no ano de 2013, 1000, como bem de-
Essas demandas são classificadas também quanto à procedência. Nota-se a par-
monstra a tabela acima.
tir do quadro a seguir que o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério da Justiça,
Essa é uma atividade [ações de controle] que depende muito das despe- por seu Departamento da Polícia Federal (DPF), e o Tribunal de Contas da União
sas de deslocamento: passagens, diárias, aluguel de veículos, combustível (TCU) são os mais frequentes demandantes dos trabalhos da Controladoria.
• Tomo 2 •

324 325
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Figura 20
QUANTIDADE QUANTIDADE
QUANTIDADE DE QUANTIDADE DE
UF DE AÇÕES DE UF DE AÇÕES DE
MUNICÍPIO MUNICÍPIO
CONTROLE CONTROLE
AM 11 44 PI 49 128

AP 3 19 PR 45 120

BA 72 239 RJ 25 206

CE 52 206 RN 16 52

DF 1 124 RO 15 29

ES 13 34 RR 9 64

GO 57 186 RS 30 105

MA 56 291 SC 29 55

MG 77 224 SE 38 239

MS 20 97 SP 66 205

Nota: Inclui demandas de cidadãos e suas entidades representativas, bem como de advogados, empresas MT 70 243 TO 28 62
privadas, sindicatos, partidos políticos etc. Quadro disponível no sítio eletrônico da CGU
PA 31 128 Total 941 3.537
Entre 1º de janeiro de 2011 e 15 de dezembro de 2014, foram concluídas 3.537
Nota: Tabela elaborada com dados disponibilizados no sítio eletrônico da CGU.
ações de controle visando à verificação dos fatos apontados nas demandas externas
recebidas. Os programas governamentais fiscalizados são os mais diversos. Os mais O gráfico a seguir dá mostra das ações realizadas por demandas externas segun-
frequentes: “Brasil Escolarizado” (332 ações de controle concluídas), “Turismo Social do a região em que ocorrida:
no Brasil: Uma Viagem de Inclusão” (303) e “Atenção Básica à Saúde” (174).

Um total de 941 municípios foram fiscalizados pela CGU, havendo uma maior Figura 21
concentração das ações de controle nas seguintes unidades da Federação: Minas
Gerais (77 dos municípios fiscalizados), Bahia (72), Pernambuco (71), Mato Grosso
(70) e São Paulo (66). Do mesmo modo, em relação à quantidade de ações de controle,
destacam-se os seguintes estados: Maranhão (291), Mato Grosso (243), Bahia (239),
Sergipe (239) e Pernambuco (232).

Tabela 11

QUANTIDADE QUANTIDADE
QUANTIDADE DE QUANTIDADE DE
UF DE AÇÕES DE UF DE AÇÕES DE
MUNICÍPIO MUNICÍPIO
CONTROLE CONTROLE
• Tomo 2 •

AC 3 12 PB 27 84

AL 27 109 PE 71 232
Fonte: Sítio eletrônico da CGU
326 327
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

A atuação da CGU em 941 municípios, mediante a realização de 3.537 ações Operação Sinapse (PR), Operação Esopo (MG), Operação Cabipe (AL), Operação
de controle, deu origem a 1.085 relatórios de Demandas Externas no período de 2011 Cheque Branco (MA), e Operação Usura II (MA).
e 2014. Desse conjunto, já foram publicados 330 relatórios após a Lei de Acesso à
No ano de 2012, são indicadas as seguintes operações conjuntas: Operação A
Informação, considerando os critérios estabelecidos na Portaria CGU n. 1.613, de 26
Ordem dos Pegadores (PA), Operação Alien (MA), Operação Amaltéia (PB), Operação
de julho de 2012, que fixou, entre outras disposições, as seguintes condições para pu-
Aquisição de Alimentos – Serra Talhada (PE), Operação Boca de Lobo (BA), Operação
blicação dos relatórios no sítio eletrônico da CGU: manifestação do demandante sobre
em Clínicas Radiológicas (RO), Operação Decoada (MS), Operação Desvelação (TO),
a possibilidade de divulgação do relatório, manifestação da unidade examinada; e re-
Operação Gabarito (PB), Operação Gaia (MS), Operação Gaia II (MS), Operação
messa ao gestor federal para adoção das providências cabíveis.
Gangrena (PI), Operação Insônia (AM), Operação Lee Oswald (ES), Operação Liceu
Relativamente às chamadas Operações Especiais, o ano de 2015 traz a realiza- – IFPA (PA), Operação LogOff (PB), Operação Nosferatu (PI), Operação Pão e Circo
ção da denominada “Operação Limus”. Realizada no Estado do Amapá, essa operação (PB), Operação Pão e Circo II (PB), Operação Resgate (PE), Operação Saneamento
conjunta realizada entre a CGU, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, em (TO), Operação Boca de Lobo (PA), Operação Gol de Mão (SP), Operação Fonte Seca
21 de janeiro, desarticulou um esquema de fraude no Programa Bolsa Família, prati- (PA), e Operação Endemia (RO).
cado por servidores municipais da capital Macapá. As investigações da CGU, iniciadas
A proximidade da CGU em relação às operações efetivadas pelos Ministérios
em outubro de 2014, indicaram a inserção irregular de beneficiários, por meio da ma-
Públicos estaduais é confirmada pelo relato colhido dos representantes do Grupo
nipulação do cadastro único para programas sociais do Governo Federal. Até o mês
Nacional de Combate às Organizações Criminosas – GNCOC, vinculado ao
de abril, estima-se a inclusão irregular de 800 a 1.000 famílias, o que representa um
Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e
prejuízo potencial da ordem de R$ 1,7 milhão. A operação consistiu no cumprimento
da União – CNPG:
de três mandados de prisão temporária, quatorze de busca e apreensão, seis de con-
dução coercitiva, e nove afastamentos do exercício de função pública. Os envolvidos Todas as instituições com que o GNCOC trabalha: CGU é uma gran-
nas fraudes podem responder pelos crimes de inserção de dados falsos em sistema de parceira; Coaf é essencial; Polícia Federal... Se tivéssemos que
de informações, estelionato contra o poder público federal, falsificação de documen- listar as principais: CGU, Polícia Federal, Coaf, Receita, CVM tam-
to público, falsidade ideológica, peculato, organização criminosa, corrupção passiva, bém. [...] hoje nós temos o Coaf, que é um dos grandes parceiros,
corrupção ativa e prevaricação. CGU, a AGU às vezes – quando precisa de uma medida, principal-
mente – a Polícia Federal, as Polícias Civis, várias, naturalmente,
No ano de 2014, a CGU registrou as seguintes operações conjuntas32: Operação Bacen etc. (GNCOC/PI).
Barnum (MS), Operação Fidare (MT), Operação Papel Timbrado (PB), Operação
Trama (RO), Operação Dr. Lao (MT), Operação 13 de Maio (BA), Operação Nota Relativamente às atividades de controle interno, dada a centralidade da CGU
Zero (RJ), Operação Vista Mar (BA), Operação POP (SE), Operação Júlio César (PE), para essa atividade no âmbito do Poder Executivo Federal, merece destaque o número
Operação Kamikaze (MT), Operação São Cristóvão (DF), Operação Marco Zero (RJ), de auditorias anuais de contas.
Operação Ajuricaba (RO), Operação Plateias (RO), Operação Geist (MA), Operação
Invictus (PE), Operação Farnel (AL), e Operação Coronel Murta (MG). Tabela 12 • CGU – Realizações das Auditorias Anuais de Contas
No ano de 2013, foram realizadas as seguintes operações conjuntas: Operação
  2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Paralelo 31-S (RS), Operação Pau-Brasil II (RO), Operação Premier (PB), Operação
Cactus (CE), Operação Sangue Frio (MS), Operação Pronto-Socorro (PE), Operação Adm. Direta 890 943 995 987 838 286 254 322 212 217 173
Martelo (AM), Operação Queops (BA), Operação Confictus (AP), Operação 8.666
(RO), Operação Pau-Brasil (RO), Operação 1905 (SP), Operação Teto de Vidro (MS), Adm. Indireta 338 289 321 335 342 233 264 320 361 315 259

TOTAL 1.228 1.232 1.316 1.322 1.180 519 518 642 573 532 432
32 As denominações indicam o nome da operação e a unidade da Federação em que realizada. Todas
• Tomo 2 •

as operações encontram-se descritas no sítio eletrônico da CGU. Fonte: CGU - Sistema Ativa – disponível no sítio eletrônico da CGU

328 329
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Por sua vez, em relação aos Relatórios de Execução de Programas de Até a 39ª edição, cujo sorteio foi realizado em 2014, a CGU já alcançou 2.144
Governo – os denominados RAv –, nos últimos anos, a CGU avaliou programas municípios sorteados, o que corresponde a 38% do total de municípios brasilei-
como o Bolsa Família, Saúde da Família, Expansão da Rede Federal de Educação, ros, de modo a englobar recursos públicos federais superiores ao montante de R$
Integração da Bacia do São Francisco - Eixo Leste e Norte, Fundo de Manutenção 21 bilhões. Nos exercícios de 2008 e 2009, foram realizados dois sorteios especiais
e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da para fiscalização de 110 municípios beneficiados com recursos do Programa de
Educação (Fundeb), entre outros.
Aceleração do Crescimento (PAC), na área de saneamento e habitação, envolvendo
Os relatórios apresentam inicialmente o contexto em que a política pública recursos superiores ao montante de R$ 624 milhões. No período entre 2004 e 2008,
está inserida, a descrição de seu funcionamento com os avanços que têm sido ob- o Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos foi estendido à fiscalização da apli-
tidos. Em seguida, o relatório apresenta a estratégia de avaliação, o diagnóstico do cação de recursos federais pelos Estados, foram realizadas oito edições do Sorteio
controle interno, as recomendações acordadas com o gestor. Ao final, o documen- de Estados, resultando 77 fiscalizações conduzidas pela CGU, que contemplaram
to destaca as melhorias implementadas, evidenciando efetividade dos trabalhos recursos da ordem de R$ 8,2 bilhões.
realizados pela CGU.
Os relatórios contendo os resultados dos sorteios são encaminhados aos
O fluxo de atuação da CGU na tarefa de avaliação da execução dos programas
Ministérios gestores das políticas públicas, de modo a possibilitar a adoção de
governamentais pode ser assim visualizado:
providências para a correção de desvios verificados. Os resultados, além disso,
subsidiam a avaliação dos programas de governo e a implementação de melho-
Figura 22 rias eventualmente identificadas como necessárias. Os relatórios são encami-
nhados, também, a órgãos de defesa do Estado, para que atuem no âmbito de
suas competências.

As Auditorias Anuais de Contas realizadas em 2015 referem-se à prestação de


contas dos gestores federais relativas ao exercício de 2014 e são regulamentadas pela
Portaria CGU n. 552, de 4 de março de 2015, bem como pelos normativos publicados
pelo Tribunal de Contas da União anualmente.

Confira abaixo a quantidade de auditorias realizadas em cada exercício, sobre as


contas relativas ao ano anterior.

5º – Itamari-BA; 6º – Curaçá-BA; 7º – Boninau-BA; 8º – Vereda-BA; 9º – Formigueiro-RS; 10º –


Lagoa Bonita do Sul-RS; 11º – São João do Polêsine-RS; 12º – Vera Cruz-RS; 13º – Nuporanga-SP;
14º – Guaraci-SP; 15º – Paranapuã-SP; 16º – Lupércio-SP; 17º – Juquitiba-SP; 18º – Itajobi-SP;
19º – Tiros-MG; 20º – Josenópolis-MG; 21º – Biquinhas-MG; 22º – Jenipapo de Minas-MG; 23º –
Itambacuri-MG; 24º – Canaã-MG; 25º – Matias Barbosa-MG; 26º – Pedra Branca do Amapari-AP;
27º – Uiramutã-RR; 28º – Humaitá-AM; 29º – Miracema-RJ; 30º – Cristinápolis-SE; 31º – General
Fonte: Sítio eletrônico da CGU. Maynard-SE; 32º – Pancas-ES; 33º – Sete Quedas-MS; 34º – Paripueira-AL; 35º – Goianésia do
Pará-PA; 36º – Medicilândia-PA; 37º – Porto dos Gaúchos-MT; 38º – Nazaré-TO; 39º – Caicó-
O Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos já se encontra em sua 40ª RN; 40º – Nova Cruz-RN; 41º – Severiano Melo-RN; 42º – Itapagé-CE; 43º – Chaval-CE; 44º
edição: a data do último sorteio foi 2 de fevereiro de 201533. – Martinópole-CE; 45º – Ararendá-CE; 46º – Afogados da Ingazeira-PE; 47º – Ferreiros-PE; 48º
– Cachoeirinha-PE; 49º – Presidente Médici-MA; 50º – Maranhãozinho-MA; 51º – Imaculada-
PB; 52º – Riachão do Bacamarte-PB; 53º – Capitão de Campo-PI; 54º – Simplício Mendes-PI;
• Tomo 2 •

33 No ano de 2015, a projeção de fiscalização dirige-se aos seguintes municípios: 1º – Rio Branco 55º – Itajá-GO; 56º – Americano do Brasil-GO; 57º – Jaraguá-GO; 58º – Nova América-GO; 59º
do Ivaí-PR; 2º – Nossa Senhora das Graças-PR; 3º – Pinhalão-PR; 4º – Antônio Cardoso-BA; – Trombudo Central-SC; 60º – Mondaí-SC.

330 331
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Tabela 13 • CGU – Realizações das auditorias anuais de contas Tabela 15

ANO 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 TOTAL
Administração Projetos Federais
890 943 995 987 838 286 254 322 212 217 173 175 153 131 92 70 55 62 738
Direta Auditados
Administração Auditorias
338 289 321 335 342 233 264 320 361 315 259 440 301 264 185 142 135 169 1636
Indireta Realizadas
TOTAL 1.228 1.232 1.316 1.322 1.180 519 518 642 573 532 432
Fonte: Sítio eletrônico da CGU
Fonte: CGU – Sistema Ativa – disponível no sítio eletrônico da CGU
A diferença entre o número de projetos e as auditorias efetivamente realizadas
Em relação às Tomadas de Contas Especiais (TCE), a SFC da CGU realizou decorre da necessidade de realização de auditorias descentralizadas, quando os proje-
auditorias, totalizando 22.354 análises no período de 1° de janeiro de 2002 a 31 de tos são coexecutados por entes municipais ou estaduais. De acordo com a tabela aci-
dezembro de 2014. Dessas análises, 17.856 contas foram consideradas irregulares. ma, há uma gradual redução de projetos de recursos externos no âmbito do Governo
Dessa forma, esses processos foram encaminhados ao Tribunal de Contas da União Federal. No caso da Cooperação Técnica Internacional, essa redução deriva dos ajustes
(TCU), para julgamento, com retorno potencial aos cofres do Tesouro Nacional da realizados ao longo da última década, quando os projetos de cooperação passaram a
ordem de R$ 13,194 bilhões. ser mais rigorosamente focados em atividades de efetiva assistência técnica, conforme
determina o Decreto n. 5.151, do ano de 2004. No caso de projetos de financiamento
Os 4.498 restantes referem-se a análises de processos que foram devolvidos, em
externo, a condição do País como credor externo líquido é refletida na redução da
diligência, aos órgãos/entidades instauradores para revisão e/ou complementação de
demanda por financiamentos externos.
dados. Nesse mesmo período, foram expedidos 2.948 ofícios em atendimento a dili-
gências originárias do Tribunal de Contas da União, do Ministério Público Federal, da No que interessa às ações de controle na área de pessoal, merecem destaque as
Advocacia-Geral da União, da Justiça Federal e do Departamento de Polícia Federal. seguintes atividades da CGU:

Tabela 14 • Análises de processos de Tomadas de Contas Especiais (TCEs) efetuadas pela CGU Tabela 16
DILIGENCIADAS Em atenção ao Decreto n. 8.109, de 2013, que aprovou a Estrutura Regimental
ANÁLISES DE CERTIFICADAS RETORNO
EXERCÍCIOS AO ÓRGÃO da CGU, a área responsável pelas despesas com pessoal da CGU realiza os tra-
TCES EFETUADAS AO TCU POTENCIAL R$ balhos de análise da consistência da folha de pagamentos dos órgãos da Admi-
DE ORIGEM ANÁLISE DA
nistração Pública Federal. Essa atividade consiste na verificação da legalidade
2002 - 2008 11.804 2.594 9.210 3.546.977.530,81 CONSISTÊNCIA dos pagamentos dos servidores públicos federais das unidades jurisdiciona-
2009 1.605 328 1.277 702.738.553,22 DA FOLHA DE das, constantes do banco de dados do sistema de Administração de Recursos
PAGAMENTO Humanos do Governo Federal (Siape), utilizando-se também outros sistemas
2010 1.481 375 1.106 1.685.274.158,37
corporativos do governo, como o Sistema Integrado de Administração Finan-
2011 1.149 405 744 1.783.167.841,61 ceira do Governo Federal (Siafi).
2012 1.688 414 1.274 1.453.300.009,34
As trilhas de auditoria de pessoal, criadas pela Controladoria, constituem indí-
2013 2.127 204 1.923 2.520.489.158,45 cios de irregularidades nas folhas de pagamentos das unidades jurisdicionadas
2014 2.500 178 2.322 1.502.109.643,34 a serem apurados nos trabalhos de auditoria. São realizados levantamentos e
TRILHAS DE cruzamentos de informações do Siape para elaborar Indicadores na Área de
TOTAL 22.354 4.498 17.856 13.194.056.895,14
AUDITORIA Pessoal a serem utilizados nos trabalhos de Análise da Consistência da Folha
DE PESSOAL de Pagamento e das Auditorias de Avaliação e Acompanhamento da Gestão.
Nota: Atualizado até 31.12.2014. Disponível no sítio eletrônico da CGU
Outros indicadores são gerados em decorrência das diligências formuladas nos
Relativamente às auditorias nos contratos e financiamentos externos, a CGU processos de concessão de aposentadorias e pensões, bem como das impro-
• Tomo 2 •

priedades apontadas nas auditorias realizadas pela própria CGU.


realizou mais de 160 auditorias no ano de 2013 e analisou mais de 60 projetos federais:

332 333
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

FISCALIZAÇÕES A CGU analisa os processos de aposentadorias e pensões nos próprios órgãos, ADMISSÃO 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014*
evitando assim o trâmite de processos e agilizando as análises. Esse método per-
NOS PROCESSOS DE mite o aumento de encaminhamento ao Tribunal de Contas da União (TCU) do
APOSENTADORIA, maior número de pareceres pela legalidade (aproximadamente 80% das aposen-
Legal 44.096 63.394 64.902 55.365 298.153 59.118 61.614 49.859
PENSÕES, tadorias e 90% das pensões), evitando diligências e impedindo o aumento dos
ADMISSÕES E estoques internos de processos. A quantidade de processos analisados é tam- Com falha 4.608 6.395 5.735 12.469 15.536 11.460 9.914 11.041
DESLIGAMENTO bém maior nos órgãos – ganho de produtividade de aproximadamente 60% –,
haja vista que os problemas são resolvidos diretamente no local da análise. Por
DOS SERVIDORES Ilegal 900 2.726 1.593 910 3.472 463 284 254
conseguinte: não há tramitação de processos, pois estes ficam no próprio órgão;
PÚBLICOS há menor quantidade de diligências; ocorre encaminhamento ao TCU de maior
FEDERAIS quantidade de pareceres; há maior proximidade com o gestor. TOTAL 49.604 72.515 72.230 68.744 317.161 71.041 71.812 61.154

No período de 2007 a 2014, foram analisados os seguintes quantitativos de Nota: Dados consolidados até o final do 2º Semestre de 2014 – sítio eletrônico da CGU
atos de pessoal:
Quanto à elaboração de informações estratégicas, o Observatório da Despesa
Pública (ODP) apresenta-se como unidade permanente da CGU voltada à produ-
Tabela 17 ção de informações que visam a subsidiar e a acelerar a tomada de decisões estraté-
gicas, por meio do monitoramento dos gastos públicos. Os trabalhos sobre o tema
APOSENTADORIA 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014* eleito para ser apurado pelo ODP se iniciam com a montagem de um mapa mental
pelo Grupo de Ligação, onde são explorados e registrados os meios necessários ao
cumprimento dos objetivos do projeto, como fontes de informação, articulações
Legal 11.773 9.940 12.823 14.386 16.651 14.495 13.154 9.997
externas necessárias e planejamento das macroatividades a serem desenvolvidas
pela equipe. O mapa mental deriva a lista inicial de trilhas e indicadores, com
Com falha 3.456 3.937 5.379 5.234 6.495 8.336 4.394 4.404 as respectivas fontes de informação e suas principais características, qualidade,
porte e disponibilidade. Essas trilhas são desenvolvidas com base em pesquisas e
Ilegal 673 633 660 573 1.118 787 455 721 contatos com os provedores de informação para elaboração da proposta de esco-
po detalhado do projeto ao Conselho de Análise. A proposta inclui as hipóteses
TOTAL 15.902 14.510 18.862 20.193 24.264 23.618 18.003 15.122 levantadas pela equipe no estudo desse tema e as ações de campo sugeridas para a
validação dos resultados obtidos.

Com a proposta aprovada e priorizada pelo Conselho de Análise, inicia-se a


PENSÃO 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014* fase de obtenção das informações necessárias, já considerando a biblioteca de fontes
de informação existentes no ODP e os canais da CGU junto aos detentores e especia-
Legal 7.937 7.832 8.207 7.944 7.632 6.975 6.701 5.543 listas em bases de dados. À medida que as bases são obtidas, a Unidade de Produção e
Memória (UPM) trabalha sua modelagem e executa os processos de carga de informa-
Com falha 1.759 2.032 1.983 2.380 2.442 3.288 1.808 1.799 ções (denominados ETL) para as bases de dados necessárias às análises.

Com os dados carregados nos bancos de dados do ODP e com as correlações


Ilegal 147 111 252 212 229 254 200 137 estabelecidas entre essas bases, inicia-se a fase de investigação dos dados com as ferra-
mentas de processamento analítico de dados (Olap), datamining e análise investigati-
TOTAL 9.843 9.975 10.442 10.536 10.303 10.517 8.709 7.479 va. Usualmente essa fase permite que se confirme ou refute hipóteses iniciais e permite
que seja feito um natural ajuste nas trilhas.
• Tomo 2 •

334 335
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Como conclusão, o Grupo de Ligação e a UPM apresentam os resultados do Figura 23


tema ao Conselho de Análise, que atua como a instância responsável por decidir as
próximas etapas, a estratégia da difusão da informação a outros órgãos do governo e/ TCU
ou imprensa, o aprofundamento da análise, a ampliação da amostra de campo e a mu- Colegiados Plenário
dança legal e/ou normativa, entre outras definições. O Conselho de Análise também
define se o tema passará ou não a ter monitoramento sistemático e periódico por meio 1ª Câmara 2ª Câmara
da criação de indicadores próprios.
Comissão de Comissão de
Definida a estratégia de difusão de informações pelo Conselho de Análise, são Regimento Jurisprudência
elaborados os relatórios e comunicados internos e externos para as áreas afetadas
pelo estudo. A divulgação para os meios de comunicação compete à Assessoria de Autoridades
Comunicação da CGU, que elabora a visão jornalística da análise dos dados, visando Ministros- Vice-Presidência Ministério
Ministros Presidência
facilitar a compreensão do tema para a sociedade. -Substitutos (Corregedor) Público

Gabinetes Gabinetes Gabpres Gabinetes Gabinetes

7 • TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO Órgãos Colegiados Seplan Gabinete do


da Secretaria Corregedor
do TCU Secoi
7.1 • APRESENTAÇÃO E ESTRUTURA
Museu
Segepres
O Tribunal de Contas da União (TCU) é órgão de controle externo das Espaço
Adgepres Adgeti Cultural
contas do Poder Executivo e do Poder Judiciário. Sua criação remonta ao século
Apoio Seses Segedam
XIX, logo quando da proclamação da República. Seu ato de origem é o Decreto
estratégico
n. 966-A, de 7 de novembro de 1890, de iniciativa do então Ministro da Fazenda, ISC Ouvidoria Adgedam
Rui Barbosa. Previsto na Constituição de 1891, o TCU só veio a ser instalado em Seadmin Segep
STI Conjur
1893, já no governo de Floriano Peixoto.
Setic Aspar Secof Sesap
Com a Constituição de 1988, o TCU teve a sua jurisdição (anômala) e Secom Aceri Selip Senge
competência substancialmente ampliadas. Recebeu poderes para, em auxílio ao Assessoramento Segecex
Serint Semec
Congresso Nacional, exercer a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, ope- especializado
racional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, Adgecex Seginf
quanto à legalidade, à legitimidade e à economicidade e a fiscalização da aplica-
ção das subvenções e da renúncia de receitas. Assim, qualquer pessoa física ou Cosocial Codesenvolvimento Coestado Coinfra Serur
jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre SecexEducação SecexDesenvolvimento SecexDefesa SeinfraUrbana
dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em SecexSaúde SecexFazenda SecexAdministração SeinfraRodovia
nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária tem o dever de prestar SecexPrevidência SecexAmbiental Selog SeinfraHidroferrovia
contas ao TCU.
Secretarias da Semag Sefti SeinfraAeroTelecom
Região Nordeste
Apresenta-se a seguir o organograma do TCU e, logo após, suas competências Secretarias da Sefip SeinfraElétrica
serão tratadas conjuntamente com as suas atividades. Região Norte
Secretarias da SeinfraPetróleo
Região Sul
SecexEstataisRJ
• Tomo 2 •

Secretarias da Região
Centro Oeste Secretarias da
Secretaria Região Sudeste

Fonte: Sítio eletrônico do TCU


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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

7.2 • DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES Tribunal providenciará a imediata remessa de cópia da documentação pertinente ao
Ministério Público da União, para ajuizamento das ações civis e penais cabíveis”. A
O TCU – por seu corpo técnico e, claro, por seus Ministros – tem acesso garan- referência é aos casos em que o julgamento de contas irregulares pelo TCU indique
tido às contas públicas em nível de parlamentar (membros do Congresso Nacional), “dano ao Erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico” ou “desfal-
isto é, acessa todos os dados do Siafi, analíticos ou sintéticos, de toda e qualquer uni- que ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos” (respectivamente, letras “c” e
dade gestora34. É o nível mais elevado de acesso a informações do Siafi35. Há restrições “d” do inciso III do art. 16).
atinentes a movimentações de cartões corporativos, especialmente nos temas acober- Os relatos obtidos na pesquisa dão conta de que todas as comunicações de irregu-
tados por segurança nacional36. De resto, o TCU dispõe da possibilidade de acompa-
laridades dão-se ao Ministério Público Federal, para posterior apuração. Não há notícia
nhar pari passu todas as movimentações de contas públicas por meio do Siafi.
de encaminhamentos à Polícia Federal ou mesmo a outros órgãos de apuração sem que
Os relatos obtidos no curso da pesquisa mencionam pluralidade de atos formais antes essas comunicações já não tenham sido feitas ao Ministério Público Federal.
que estabelecem parcerias, comunicações mais facilitadas ou mesmo cooperações entre [...] alguns órgãos eles se reportam para nós primeiro: TCU, algumas au-
Tribunal de Contas da União e Ministério Público Federal. Por todos, convém mencionar tarquias também… não mandam para a Polícia. Acho que isso decorre
o “Convênio de Cooperação Técnica e Assistência Mútua entre o Tribunal de Contas da também, não sei se uma coisa alimentou a outra, mas eu vim a saber que,
União e o Ministério Público Federal”, celebrado em 30 de setembro de 2002 e firmado por exemplo, a legislação tributária em matéria de para fins penais para
pelos então presidente do Tribunal de Contas da União e procurador-geral da República. crimes tributários a própria lei já fala que é ao Ministério Público; então,
O Convênio foi publicado no Diário Oficial da União de 11 de novembro de 2002 e tem por exemplo, a Receita Federal detectou um crime, em vez de mandar
recebido aditivos para prorrogação de seu prazo inicialmente bienal de vigência. para a Polícia, eles mandam para o Ministério Público. [...] Então você vê,
por exemplo, o INSS. Há um tempo atrás o TCU os obrigou a remeter ao
De qualquer forma, as comunicações têm se limitado à observância do que dis- Ministério Público a documentação. Então acaba que nós somos o prin-
põe o art. 16, § 3º, da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei 8.443/1992), cipal destinatário. (Sub1/DF).
que preceitua “Verificada a ocorrência prevista no parágrafo anterior deste artigo, o
Já em relação às comunicações oriundas do próprio Ministério Público, os rela-
tos dão conta de que a maior parte das provocações referem-se à atuação do Ministério
34 O Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) é o sistema informatizado que contabiliza
Público Federal na área de educação. Trata-se de informação compatível com a atu-
e controla toda a execução orçamentária e financeira da União. Por meio de acesso a ele, seus usuá-
rios fazem registros e consultas. O Sistema deve ser acessado, preferencialmente, por servidores pú- al estrutura normativa do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
blicos vinculados diretamente ao órgão responsável pelos lançamentos no sistema ou por ele requi- Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), criado pela Emenda
sitados. Em casos excepcionais, usuários terceirizados poderão, sob autorização expressa do titular Constitucional n. 53/2006 e regulamentado pela Lei n. 11.494/2007. O montante de re-
da Unidade Gestora, ser cadastrados no Siafi. É possível que entidades privadas tenham acesso ao cursos manejados, oriundos da transferência da receita resultante de impostos, indica
Siafi, desde expressamente autorizadas por lei e observados os processos de cadastro e habilitação.
a premência da articulação entre Ministério Público Federal e Tribunal de Contas da
Os pormenores de acesso ao Siafi são regulamentados na Norma de Execução n. 1, de 22/6/2011,
expedida pela Coordenadora-Geral de Sistemas e Tecnologias de Informação, vinculada à Secretaria União. Some-se a isso a compreensão fixada pelo Supremo Tribunal Federal de que,
do Tesouro Nacional. Já o próprio Siafi é estabelecido pela Instrução Normativa da Secretaria do dado o caráter nacional da política de educação, compete à Justiça Comum Federal
Tesouro Nacional n. 3, de 23.5.2001, publicada no Diário Oficial da União de 31.5.2001. processar e julgar os crimes que envolvam desvios de verbas da educação37.
35 São nove os níveis de acesso ao Siafi. O TCU dispõe justamente do acesso em nível 9.
36 O Decreto n. 5.355, de 25.1.2005, dispõe sobre a utilização do Cartão de Pagamento do Governo 37 Após considerável período de controvérsias, o Supremo Tribunal Federal, no ano de 2011, consoli-
Federal (CPGF) pelos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fun- dou uma compreensão que manifesta o difícil cotejo dos arranjos institucionais próprios do contro-
dacional, para pagamento de despesas realizadas nos termos da legislação vigente. Após a edição le formal de desvios de verbas públicas nos temas de educação. Quando se cuidar de apuração cível,
da Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527/2011), estabeleceu-se controvérsia sobre o alcance da isto é, que verse sobre prática de improbidade administrativa, a competência seria fixada na Justiça
publicidade sobre os gastos com o chamado CPGF (popularmente nominado “cartão corporativo comum estadual e, por conseguinte, a atribuição seria dos Ministérios Públicos estaduais. Por sua
governamental”). No plano federal, fixou-se o entendimento de que os gastos com o Cartão ob- vez, na apuração dos crimes que envolvessem essas verbas oriundas da educação, a competência
servariam o Termo de Classificação da Informação (TCI), a que se refere o Decreto n. 7.724/2012 para processar e julgar o crime seria da Justiça Comum Federal e a atribuição, por conseguinte,
• Tomo 2 •

(regulamenta a Lei de Acesso à Informação), como medida de resguardo aos temas que tocassem à seria do Ministério Público Federal. São ilustrativos dessa compreensão os julgamentos havidos
Segurança Nacional (art. 3.º, inc. IV, do Decreto 7.724). no Habeas Corpus n. 100.772, pela Segunda Turma do Tribunal e de relatoria do ministro Gilmar

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

A prática do follow up, isto é, do acompanhamento das articulações estabelecidas [...] seria uma espécie de mapeamento dos resultados dos processos do
para troca de informações ou mesmo de dados, ainda se mostra incipiente. Os relatos co- TCU [sobre o destino das informações passadas]. O que temos é um
lhidos nas entrevistas dão conta de que muito raramente o Tribunal de Contas da União mapeamento de quantos recursos conseguimos economizar, mas mapea-
é informado do resultado das ações promovidas pelo Ministério Público Federal e, de mento criminal não temos, não. (TCU/DF).
igual modo, poucas são as vezes em que o Ministério Público Federal questiona o resul- A respeito do preparo técnico do Ministério Público Federal para o manejo das
tado das comunicações realizadas ao TCU sobre eventuais irregularidades. Note-se que, informações produzidas pelo TCU, a narrativa fornecida pelo representante do TCU
atualmente, com a implantação dos processos eletrônicos, a troca dessas informações dá mostra de que, se há contato para esclarecimento ou complementação da informa-
seria materialmente facilitada, embora não se perceba – por conta dessa facilidade – um ção, ele se mostra bem-sucedido. Contudo, esse estreitamento observa dinâmica que
incremento no acompanhamento das provocações mútuas entre TCU e MPF. responde caso a caso.
O relato colhido da entrevista com representante do TCU evidencia a necessi- Eu creio que talvez seja maior a dificuldade no caso de obras. Muitos
dade de uma atuação mais próxima entre Polícia Federal, Ministério Público Federal e números, planilhas… O Tribunal tenta fazer da maneira mais explicada
TCU, especialmente com os órgãos técnicos deste – de modo direto e mais concertado. possível. Há caso de membro do MP vir aqui e pedir que a gente ex-
plique. A gente abre a planilha de custo e explica. Mas depende muito
A narrativa dá mostra que a maior parte das interações com o Ministério do interesse do membro do MP de vir aqui e querer se aprofundar. Às
Público se verificam na área da educação: muitas provocações partem do vezes marca audiência com o ministro para vir aqui, como ocorreu na
Ministério Público para que o TCU exercite sua competência fiscalizatória. Nesse questão dos quilombolas.
sentido, afirma textualmente o representante do TCU: “Recebemos bastante repre-
sentações do MP, principalmente da educação” (TCU/DF). Eu acho que seria a ideia de tentar estabelecer um canal de comuni-
cação para que isso fosse algo contínuo, constante. Por mais que as
Sobre o envio de autos, especialmente as peças de informação produzidas no decisões saiam bem especificadas, tem coisas que são muito técnicas.
âmbito do TCU, a narrativa fornecida na entrevista do representante do TCU dá conta Temos no gabinete colegas que são engenheiras para quando a coisa
de que a digitalização das peças informativas tem facilitado o intercâmbio interinstitu- aperta. Mas acho que a questão é mais de interesse de querer enten-
cional: “[...] Não é muito comum [pedido de informações do Ministério Público ou do der realmente a questão a fundo. […] você tem que compreender a
engenharia e colocar na área jurídica. No gabinete, todos têm duas
Judiciário dirigido ao TCU], mas já aconteceu. Se pedir, com processo eletrônico agora
faculdades, especialmente relacionadas com áreas como contabilida-
fica tudo mais fácil, basta trazer o pendrive que passamos tudo” (TCU/DF).
de, engenharia, especialmente por causa das obras. Acredito ser difícil
A experiência vivenciada mostra que o envio de informações do TCU ao ainda para o MP, que são exímios juristas, mas na parte do cálculo é
Ministério Público, em geral, observa decisão do colegiado – e não a agilidade de in- mais difícil. (TCU/DF).
tercâmbio direto entre os órgãos técnicos do TCU e o Ministério Público. Por outro Especificamente sobre a ausência de interação entre os corpos técnicos do TCU
lado, o TCU não recebe informações sobre o destino dado às informações repassadas. e os órgãos de persecução penal, merece destaque o seguinte excerto do relato forne-
Saindo daqui [a informação], não temos muito controle. Antes de sair cido pelo representante do TCU:
daqui, detectado desvio, fraude, que pode configurar crime ou não, o ór-
A solicitação é pontual e casual. Na verdade, não é comum… da Polícia,
gão colegiado manda. Sempre o colegiado, o relator não tem competência principalmente. Quem faz muita solicitação para nós é a Câmara e o
para isso. É decisão de todos, unívoca. A unidade técnica específica envia Senado. Sempre aparece na mídia. O TSE também solicitou para a presta-
os dados para a Procuradoria-Geral respectiva. ção de contas das eleições de Presidente. Agora, Polícia e membro de MP,
muito difícil. Não tem nem exemplo para te fornecer. (TCU/DF).
Mendes, em 22 nov. 2011, e a Ação Cível Originária n. 1.109, pelo Tribunal Pleno, relatada pela mi-
Narra contatos próximos de membros do Ministério Público Federal com al-
nistra Ellen Gracie, seguindo-se a designação do ministro Luiz Fux para a redação do acórdão, em 5
out. 2011. Essa “repartição” de competências, a depender do tipo de persecução de que se trata, cível guns dos ministros do Tribunal de Contas da União. Menciona, contudo, que tais con-
ou penal, mostra a relevância de arranjos muito bem articulados para o êxito da repressão formal a tatos se dão sempre no nível da instância decisória, isto é, os ministros, e não direta-
• Tomo 2 •

esses tipos de abusos. mente com o corpo técnico do TCU.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Em relação aos dados atinentes a informações bancárias e de movimentações Procuradoria da República. [...] Por intermédio do tribunal e iniciativas
financeiras, a dificuldade de acesso a estes, muito por conta do sigilo, tem-se mostrado isoladas, em cada caso concreto. Muito mais de fora para dentro que da-
um problema para o exercício da atividade fiscalizatória pelo TCU. qui de dentro para fora. (TCU/DF).

Não, a gente não acessa. […] O que acontece: na Receita Federal aces- Essa necessidade de estreitamento das relações entre Ministério Público Federal
samos só o sistema de CPF deles. Movimentação financeira nós não e TCU é igualmente percebida por integrantes do Ministério Público Federal. Confira-
acessamos. Não tem nenhuma maneira de fazer isso. se a narrativa colhida de um subprocurador-geral da República com atuação nos ór-
gãos setoriais do Ministério Público Federal (as Câmaras de Coordenação e Revisão):
Com relação a documento sigiloso, o TCU tem um certo problema aí. Por
exemplo, o Bacen costuma barreirar bastante documento para nós e isso [Quanto à interação interinstitucional] Sim, tanto no setor público quan-
atrapalha a investigação. Nós temos uma coisa não muito bem resolvida to no privado, nós no setor público temos parceiras bem amplas, um le-
em relação a isso [sigilo]. Para ser mais objetivo: não acompanhamos mo- que bem amplo de parceiras. A câmara integra a Enccla, integra a GGI,
vimentação financeira, não temos essa interface com a Receita Federal. que é o grupo gestor estratégico, gestor da Enccla, a câmara tem acordos
de cooperação com a CGU, que aliás têm sido bastante profícuos no caso
[Sobre o acesso às contas e movimentações financeiras de titularidade
atual da operação lava a jato, o que nós temos atuado na área de coopera-
de órgãos públicos] Aí nós temos acesso. Você conhece o Siafi? Isso nós
ção... e evidentemente essa área de coordenação envolve o diálogo perma-
temos acesso a tudo, a senha é a nível parlamentar. O que você vai ter res-
nente com a CGU, que está atuando muito na questão da leniência. Nós
trição é à questão de cartão corporativo e naquilo que envolve segurança
temos acordo de cooperação com o Tribunal de Contas da União também
nacional, aí você vai ter restrição. (TCU/DF).
na parte de controle externo, na parte de controle de verificação de contas
O TCU não dispõe de um contato próximo e específico com a CVM. O relato públicas, na irregularidade de aplicação de recursos públicos e parceiras
do representante da CVM dá conta de que as informações que são de titularidade da com organismos da sociedade civil.
autarquia são devidamente repassadas, mas não há um conjunto de operações forma- [...]
lizadas, práticas institucionalizadas ou atos formalizados para uma atuação conjunta
ou arranjo institucional específico. Essa tarefa que não aparece no papel é muito importante, ela é muito sen-
sível, é aquela coisa de você aplainar o caminho, facilitar a comunicação
No TCU a gente não tem um trabalho específico no plano de informações; de forma que as partes envolvidas, os protagonistas da atuação, quebrem
elas são institucionalizadas. O TCU faz as requisições, nós sempre aten- um pouco a formalidade e o distanciamento e passem a se olhar como
demos, buscamos ser o mais proativo possível, inclusive estamos abertos parceiros e não como meramente interlocutores formais, né, e isso é posi-
para reuniões, troca de informações. Então é comum que as pessoas do tivo no contato com os outros órgãos de controle. (Sub3, DF).
TCU nos busquem para buscar informações, e nós buscamos todas as
informações necessárias. Mas ao contrário [do que se perguntou] nós Mais uma vez, nota-se que os bons casos de arranjo institucional bem-sucedido
não temos algo específico que detalhe esse relacionamento, então é muito derivam justamente do estreitamento da comunicação, da compreensão mútua dos
caso a caso. Eles estão com um processo específico, vêm até nós, pedem a problemas, demandas e prioridades das organizações envolvidas, a fim de que – a par-
informação, nós sugerimos reuniões ou eles mesmos pedem... não há um tir dessa compreensão recíproca – se percebam quais os pontos de maior ou menor
trabalho específico como no Ministério Público Federal. (CVM2/DF). atenção segundo as prioridades de cada organização.
É válido destacar a ausência de relatos sobre interação imediata entre o Ministério Nos relatos colhidos no curso da pesquisa, embora o TCU seja elogiado pela
Público junto ao Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Federal. Perguntado qualidade das informações que produz, sua atuação não é livre de críticas. Na vivência
sobre o assunto, confira-se o relato fornecido pelo representante do TCU: de juízes federais com atuação na região Sul do País, colhe-se crítica dirigida ao fato
Essa comunicação facilitada pode até haver, mas não é algo institucio-
de que as informações tratadas pelo TCU usualmente revelam-se reprodução de ma-
nal, isto é, um canal que funcione com uma troca de informação. Pode terial já produzido por outros órgãos: “[…] Eu nunca precisei do TCU. Eles não têm
ser uma situação de o MPjTCU ir à PGR ou de a PGR vir aqui. Mas eu uma Corte, tudo que eles sabem é de segunda mão, nada contra o TCU, mas o TCU
vejo mais comum a PGR ir direto a quem decide: o julgador. Até porque não nos ajuda e a gente precisa de coisa de primeira mão, precisa saber como a coisa
• Tomo 2 •

o MPjTCU faz parte do MP, mas é um órgão do TCU, é órgão parece- funciona porque você precisa saber […]” (JF2/RS). Afirmando que o contato dá-se ex-
rista do TCU. Até o concurso é separado. Ele é equiparado em tudo à clusivamente por meio das comunicações formalizadas de decisões, sem arranjos mais

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próximos ou um contato mais estreito entre Judiciário e TCU, confira-se o seguinte a descrição típica dele é quase igual do peculato, mas pelo princípio da
relato de juiz federal com atuação na 5ª Região (Pernambuco): especialidade o prefeito é julgado por esse decreto. Nesses crimes, existe
uma grande participação e uma importância muito grande da ativida-
É, com o TCU, o contato vem mais sob a forma de informações. Sob acór- de administrativa do TCU, ao fornecer informação financeira inclusive,
dãos, resultado de fiscalização de contas, e isso é remetido ao Ministério informação contábil do quanto foi repassado para aquele município, se
Público, que usa aquelas informações para mandar para o Judiciário. aquele prefeito prestou contas ou não. Todos os convênios que são feitos
Então, o contato entre o Judiciário e o TCU é mínimo. Assim, só se pre- pela União, de todos os ministérios com os municípios do interior, espe-
cisar de algum ofício, alguma coisa específica, mas no geral não existe cificamente do interior do Nordeste, existe uma grande participação do
nenhum elo direto nem necessidade. (JF1/PE). poder público, da União, no fornecimento de valores para esse município,
então a atividade do TCU é muito importante, existe uma relação muito
Convém destacar a ausência de relacionamento mais próximo do TCU com os
grande. Inclusive na investigação de atividades de improbidade adminis-
órgãos de controle financeiro (Bacen), de valores mobiliários (CVM) ou mesmo de in-
trativa, a não prestação de contas ao TCU, que deflagra a ocorrência de
teligência financeira (Coaf). O relato do integrante do TCU é destacado nesse ponto:
crime do prefeito, ou também, ato de improbidade. (JF1/PE).
[Questionado sobre a interação com órgãos de controle financeiro e de
valores mobiliários] Não… deveria ter, principalmente com Coaf, por
De qualquer modo, também as comunicações realizadas pelo TCU são objeto
causa das movimentações financeiras. [...] Eu acho que não tem nada em de críticas dos profissionais com atuação dirigida à persecução penal. Elas se dirigem, de
relação ao Coaf, se tivesse eu saberia, pois é muito importante a questão modo duro, aos dissensos eventualmente existentes entre a percepção de irregularidades
de movimentação financeira. Acho que com o Coaf seria ótimo. Nesse e a conclusão, aparentemente injustificável, de regularidade das contas de gestores (espe-
tempo que estou aqui nunca vi pedidos dirigidos ao Coaf, nem pelo mi- cialmente os gestores municipais que manejam verbas federais). Veja-se o relato colhido
nistro nem por decisão Colegiada. Você fica bem limitado ao que está no de delegados da Polícia Federal no segundo grupo focal realizado em Brasília:
papel mesmo. Até porque talvez o que implicaria uma análise fraudulenta
de contrato… Vamos supor os recebimentos inexplicados que recebemos Como é que funciona o TCU? O TCU tem duas partes. Tem a parte téc-
de determinadas contas de pessoas, caminham muito para inquérito, de- nica e tem a conclusão. A parte técnica é sensacional. A conclusão é o
pois para a ação penal, se for o caso. Por não ser de nossa competência, o episódio final dos Trapalhões. Por quê? É a sentença suicida. É a sentença
TCU não avança muito. É lógico que isso ia subsidiar muito mais nosso suicida. Então, teve erro aqui, erro aqui, erro aqui, erro aqui, erro aqui,
processo. Se um membro do MP pegasse um processo desses e, subsidia- mas, no final, tá tudo belezinha.
do com tantos elementos, ele teria mais chance de apresentar ação robus-
– Aprova com ressalva…
ta… porque isso dá trabalho. (TCU/DF).
– Aí chega e manda para gente. Ok, meu irmão, se está tudo belezinha,
A narrativa fornecida por um juiz federal dá conta do aumento da importância você mandou para mim para quê? Porque aí fica praticamente impossível
das informações transmitidas pelo TCU para persecução penal dos crimes praticados você justificar ao juiz qualquer medida invasiva. Ah, eu vou representar,
por prefeitos e contra o patrimônio em geral da Administração Pública. Confira-se o mas aí o TCU concordou com as contas apresentadas. Por que concor-
relato transcrito da entrevista: dou? Porque a conclusão é essa.
A relação com o TCU: o TCU é uma relação muito importante, inclusive – E também tem outras coisas, por exemplo, as prefeituras, para receber
para investigação direta de crimes contra o patrimônio da administração, recurso, quando muda de gestão. O que acontece? O gestor anterior some
crimes contra a administração e, principalmente, a manipulação de ver- com os papeis todos. E aí chega o próximo, e a primeira coisa que o novo
bas federais. Um crime clássico (comum, usual) aqui da Justiça Federal prefeito faz é representar contra o gestor anterior em todas as instâncias,
é o crime do Decreto-Lei lá, 20138, que é dos crimes de prefeito. Então, porque, senão, ele tem os recursos bloqueados. Então você tem uma chu-
esses crimes de prefeito, que são crimes muito assemelhados ao peculato, va de inquéritos que, às vezes, não tem nada.

– E não pontua o que aconteceu, tipo assim, procura aí, que tem alguma coisa.
38 A referência é ao Decreto-Lei n. 201, de 1967, que define os crimes de responsabilidade prati-
• Tomo 2 •

cados por prefeitos. – Não, ele representa, porque ele quer receber o recurso.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

[...] o TCU deu a quitação, aprovou as contas e justifica o porquê da dife-


rença de preços, o porquê e diz: “Olha, aqui nós estamos quites, não
– É porque ele, o prefeito, ele tem que representar, porque, senão, ele vai
temos um prejuízo, não temos nada”; nesse caso o Ministério Público
perder o recurso. Então, a pior coisa que tem para o prefeito, imagina, o
insiste que houve um conluio, que houve realmente […]. Nesse caso a
prefeito assume e deixa de receber verba da educação e tal! (DPF, GF2/DF).
Polícia Federal não teve participação, nesse caso específico não houve
De qualquer forma, há relatos igualmente colhidos de evolução no trabalho conjun- instauração de inquérito. Houve essa notícia que recebe o nome de re-
to interinstitucional, como se observa da narrativa colhida de agentes da Polícia Federal: presentação, então tem esse procedimento que foi direto ao Ministério
Público e, com base naqueles elementos, o Ministério Público chegou
Acho que a integração entre os órgãos nos últimos dez anos melhorou à conclusão de que tinha elementos suficientes para oferecer uma de-
muito. Antes era uma coisa esparsa, muito individual; hoje está traba- núncia. Se eles entendessem que não havia e precisasse de diligência da
lhando em conjunto. Pode melhorar? Pode melhorar. Não chegou à ex- Polícia, então instaurariam o inquérito e a partir daí novas diligências
celência, mas melhorou muito. Bacen, Coaf, TCU, CGU, Ministério investigativas seriam realizadas. (JF, GF/DF).
Público, Anvisa... Esses órgãos criaram dentro da estrutura deles grupos
de inteligência, de investigação. Não com a figura policial, mas com a fi- Mais adiante, no mesmo grupo focal, o trabalho do TCU é elogiado.
gura investigativa, e com esse trabalho deles lá, eles passaram a casar com
Eu não tenho condições de avaliar isso porque chega para nós uma parte
esse trabalho nosso. (APF, GF/DF).
pequena do trabalho do TCU, aquela que repercutiu criminalmente, e
A despeito da duríssima crítica dirigida às conclusões do TCU, vê-se dos relatos repercute criminalmente porque o Ministério Público entendeu de perse-
colhidos de juízes federais que essas decisões guardam relevância no convencimento guir a repercussão criminal. Então naquilo que chega e eu vejo que é um
sobre fatos criminosos que igualmente observaram fiscalização da Corte de Contas. exame bem pormenorizado, um exame técnico, cuidadoso, então, nesse
sentido ele ajuda. (JF, GF/DF).
Está acontecendo um pouco isso no Judiciário, ao meu ver, no crime de
licitação, quando eu vejo que a pena é baixa, então, quando chegam es- Nos elogios dirigidos ao trabalho do TCU, a excelência dos trabalhos realizados
ses crimes para mim, a primeira coisa que eu faço: “Vamos olhar o que pelo TCU, vale destacar, não decorre da roupagem jurídica de sua elaboração ou mes-
a TCU já julgou sobre isso”. Se o TCU aprovou a conta ou, por exemplo, mo de abordagem estritamente vinculada ao Direito. Veja-se o seguinte relato colhido
aprovou com ressalva, eu já nem início ação penal, eu já extingo ali de de peritos da Polícia Federal:
cara e quase sempre acontece isso. Assim, eu falo que está muito difícil
o crime de licitação prosseguir porque o TCU... Alguns dizem :“O TCU Receita Federal, Banco Central, TCU, são órgãos de excelência, eles
é uma mãe, aprova as contas, mas não ressalva”. Eu acho assim: é o se- fazem trabalhos excelentes, e para você entrar lá você não precisa
guinte, ele [TCU] é a corte de contas. Se ele aprovou, o Direito Penal é ter nenhuma formação específica. Eu acho isso fantástico. Dentro da
última ratio, se ele aprovou, então não há crime. Princípio da insignifi- perspectiva de conhecimento não tem fronteira. [...] Eu acho que o in-
cância ou aplico qualquer outra coisa lá para não prosseguir. Primeiro, vestigador poderia ser um cara como é com o pessoal do TCU, Receita
eu tenho que lidar muito rápido com isso e, às vezes, não tem como, só e Banco Central: “Olha, venha com a formação que você tiver, passe
se atropelar o contraditório e, então, a gente sabe mais ou menos como na minha prova, comprove que você estudou tal assunto e você está
funciona a Justiça. admitido”. (Peritos, GF/DF).

[...] Vê-se, pois, que as informações produzidas pelo TCU, quando dirigidas ao
Ministério Público Federal, deveriam, por um lado, observar maior proximidade
Às vezes é uma análise contábil e fiscal mesmo, e nesse caso o TCU dá a
institucional, isto é, para além da simples comunicação formal, de sorte a permitir
aprovação, faz aquela análise, e nos casos de licitação, em que nós temos
igualmente troca de experiências, intercâmbio de expertises e horizontalização das co-
sempre a decisão do TCU, é nesse sentido de analisar, e eles informam:
“Houve a prestação de contas, houve a prestação do serviço, não de- municações. De outro lado, a demanda de follow-up, isto é, comunicação acerca das
tectamos prejuízo, não detectamos […]”. Então provar, querer provar consequências advindas das informações prestadas pelo TCU na persecução penal e
depois de tudo isso que o TCU não detectou e houve, ainda assim, por maior interação entre as instâncias criminal e administrativa igualmente mostram-se
• Tomo 2 •

trás, um conluio ... Coincidentemente eu estou com esse caso na minha providências a serem realizadas para aprimoramento dos arranjos institucionais que
mesa, estou com caso exatamente examinando isso, e a questão é que envolvem o TCU e a persecução da corrupção e dos delitos econômicos.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

CONSIDERAÇÕES FINAIS em juízo, ainda que diversos sejam os problemas específicos para a persecução penal
dos delitos tributários. Sobreleva-se, pois, a importância da Receita como órgão de
gênese e aprimoramento de informação relevante à persecução penal dos delitos eco-
A abordagem dos arranjos institucionais evidencia o acerto da advertência de
nômicos e da corrupção em geral.
que, nas organizações, as decisões são justificadas com base em premissas decisórias,
isto é, as decisões são apresentadas como consequências de resoluções anteriores. De igual modo, os relatos a respeito do Coaf, especialmente quando menciona-
Desse modo, na interação, as comunicações são atribuídas às pessoas. Esses arranjos dos à luz das experiências bem-sucedidas de operações conjuntas e ações compartilha-
interacionais produzem decisões para as organizações ou instituições e assumem pa- das, mostram-se como dado positivo e de bom arranjo institucional.
pel central na reprodução organizacional (Machado, 2014, p. 43).
O diálogo interorganizacional que considera apenas a comunicação protocolar,
Por suas conformações próprias, verifica-se um baixo grau de interação efetiva em regra por meio de ofícios, relevou-se esgotado e pouco eficiente. Para além de ne-
entre as organizações ocupadas de controlar, regular e fiscalizar setores estratégicos cessárias reformas legislativas, para aclarar temas ainda incertos como o tratamento do
ao enfrentamento da corrupção e dos delitos econômicos. Suas funções de subsidiar sigilo e outras informações sensíveis, o compartilhamento de experiências e o estrei-
o exercício da atividade persecutória em juízo, seja instando procedimentos de inves- tamento do contato pessoal entre os sujeitos responsáveis pelas organizações têm-se
tigação, seja lastreando ações judiciais, observam agenda de priorização própria. É mostrado como medidas simples e reputadas como efetivas para aprimoramento dos
perceptível, em geral, a insatisfação com a abordagem não prioritária do levantamento arranjos institucionais da persecução penal da corrupção e dos delitos econômicos.
de informações voltado à persecução penal. É dizer: há compartilhamento de informa-
ções, há provocações recíprocas das organizações, mas o norte da abordagem observa As relações verificadas entre as organizações indicadas e os sujeitos da perse-
a agenda própria das instituições e não necessariamente a conjugação de uma agenda cução penal (juízes, Polícia e Ministério Público) observam vetores, de uma parte,
comum ou mesmo destinada precipuamente à persecução penal. oriundos das comunicações realizadas pelos órgãos ao Ministério Público e à Polícia
e, de outra parte, das demandas manifestadas pela Polícia Federal, pelo Judiciário e,
O enfrentamento dos delitos econômicos e próprios da corrupção reclama nível especialmente, pelo Ministério Público Federal às organizações aqui retratadas.
de preparo e instrumentos para interação organizacional que fogem do ordinário da
previsão legal e da conformação das próprias organizações. Por isso, as bem-sucedidas No primeiro caso, a falta de uma agenda comum dificulta, especialmente na
experiências de interação interinstitucional observam o intercâmbio de experiências, ótica dos receptores das provocações atinentes a indícios de prática criminosa, o apro-
de aproximação dos sujeitos envolvidos e compartilhamento, ainda que informal, de veitamento imediato e efetivo das informações, as quais, conquanto se justifiquem por
estratégias e possibilidades de atuação. veicularem indícios de prática criminosa, nem sempre são apresentadas de modo mais
útil ou em maior conformidade segundo a preocupação jurídico-penal de análise dos
O problema, segundo as avaliações recíprocas dos sujeitos organizacionais, re- fatos noticiados. Evidencia-se, em situações assim, uma conformação reativa desses
side na falta de uma agenda comum. O exercício das atividades regulatórias, fiscaliza- órgãos de persecução penal em relação às notícias ou informações trazidas pelas orga-
tórias e de controle dirige-se a razões próprias de cada uma dessas instituições. Como nizações de controle, regulação e fiscalização.
resultado, Polícia Federal, Ministério Público Federal e juízes federais se queixam do
fato de que, muitas vezes, as comunicações e dados por eles recebidos não se mostram Por sua vez, no segundo caso, isto é, nas hipóteses em que a provocação para
prontamente úteis ou imediatamente relevantes para a indicação específica da atuação acompanhamento técnico, fornecimento de informações complementares ou substra-
criminal. De igual modo, a ausência de compreensão das razões que orientam a atu- to instrumental deriva de apurações realizadas pela Polícia Federal ou diretamente
ação dessas organizações é objeto de alerta por seus atores, que se veem demandados pelo Ministério Público, esse tipo de interação esbarra na alegação de falta de estrutura
muitas vezes de modo pouco efetivo para a adequada elucidação de operações, ações humana e material, de molde a impedir o deslocamento de servidores ou mesmo des-
ou fatos noticiados que guardem suspeita de prática criminosa. tinação de aparato para caso específico.

Nesse ponto, merece destaque a Receita Federal do Brasil (RFB) justamente por A abordagem das organizações de fiscalização e controle – quando se tem em
sua indicação, em diversos relatos, como exemplo de atuação a partir da eleição de conta os processos de interação delas com os agentes da persecução penal, com destaque
prioridades e de agendas conjugadas entre as organizações de modo convergente. A à Polícia Federal e ao Ministério Público – traz, conquanto pontuais, bons exemplos de
• Tomo 2 •

atuação da RFB a partir de prioridades estabelecidas figura como elemento positivo, arranjos institucionais. Retome-se, para mencionar um dos casos, a experiência da 2ª
elogiável, nos diversos relatos colhidos dos atores mais próximos da persecução penal Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que reconhece a insuficiência da previsão

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

de ato normativo interno que regula as minúcias das comunicações oriundas da RFB e      . Ministério de Estado da Fazenda. Secretaria do Tesouro Nacional.
dirigidas ao MPF e indica a necessidade de aproximação interorganizacional por meio Norma de Execução n. 1, de 8 jan. 2015. Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.
de palestras, cursos e espaços de troca de experiências e demandas entre ambos. gov.br>. Acesso em: 5 fev. 2015.

Desse modo, em relação às organizações retratadas, por maiores que sejam as      . Tribunal de Contas da União. Convênio de Cooperação Técnica e
diferenças que guardem entre si, o compartilhamento de expertises, boas práticas e Assistência Mútua entre o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Federal,
ações bem-sucedidas, muitas vezes calcadas nas qualidades pessoais ou nos arranjos de 30 set. 2002. Diário Oficial da União, Seção 3, 11 nov. 2002, p. 82.
particularizados de cada uma das ações, tem indicado que há muito o que melhorar,
mas igualmente que é possível estreitar e aprimorar os arranjos institucionais para os      . Superior Tribunal de Justiça. Sexta Turma. Habeas Corpus 191.378/DF,
fins próprios da persecução penal. julgado em 15 set. 2011, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior. DJe de 5 dez. 2011.

     . Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Ação Cível Originária 1.109/
GO, julgado em 5 out. 2011, Relatora Ministra Ellen Gracie, Relator para o acórdão
REFERÊNCIAS Ministro Luiz Fux. DJe de 6 mar. 2012.

Ala-Harja, Marjukka; Helgason, Sigurdur. Em direção às melhores práticas de ava-      . Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Habeas Corpus 100.772/
liação. Revista do Serviço Público, ano 51, n. 4. Brasília: Enap, out./dez., 2000. GO, julgado em 22 nov. 2011, Relator Ministro Gilmar Mendes. DJe de 3 fev. 2012.

Brasil. Decreto n. 7.496, de 8 de junho de 2011. Institui o Plano Estratégico de Fronteiras. Bronzatto, Thiago. Crime na bolsa. Revista Exame, edição 1072, 3 set. 2014.
Texto atualizado. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 10 fev. 2015. Disponível em: <www.exame.abril.com.br>. Acesso em: 25 mar. 2015.

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Interno do Banco Central do Brasil. Portaria 84.287, de 27 fev. 2015. Disponível em: Suárez, n. 22, 1982, p. 235-276.
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Cohen, Ernesto; Franco, Rolando. Avaliação de projetos sociais. Rio de Janeiro:
     . Ministério de Estado da Fazenda. Conselho de Controle de Atividades Vozes, 2004.
Financeiras do Brasil – Coaf. Padrões internacionais de combate à lavagem de dinheiro
e ao financiamento do terrorismo e da proliferação: as recomendações do Gafi. Fev. Coutinho, D. O. Direito nas políticas públicas. In: Marques, Eduardo; Faria, Carlos
2012. Disponível em: <http://www.coaf.fazenda.gov.br/>. Acesso em: 25 mar. 2015. Aurélio Pimenta de (Orgs). Política pública como campo disciplinar. São Paulo: Unesp, 2013.

     . Ministério de Estado da Fazenda. Secretaria da Receita Federal. Regimento Cunha, Carla Giane Soares da. Avaliação de políticas públicas e programas governa-
Interno da Secretaria da Receita Federal. Portaria MF n. 203, de 14 mai. 2012. Anexo. mentais: tendências recentes e experiências no Brasil. Universidade Federal do Pará.
Trabalho do curso “The Theory and Operation of a Modern National Economy”.
     . Ministério de Estado da Fazenda. Secretaria da Receita Federal. Programa Minerva. George Washington University, 2006.
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350 351
Garcia, Rodrigo Coutinho. Avaliação de ações governamentais: pontos para um co-
meço de conversa. Brasília: Ipea/Cendec, out. 1997.

Machado, Bruno Amaral. Justiça Criminal: diferenciação funcional, interações orga-


nizacionais e decisões. São Paulo: Marcial Pons, 2014.

CAPÍTULO 739 • PARTE 2


A EXPERIÊNCIA DA ENCCLA:
ORGANIZAÇÕES E GOVERNANÇA

André Jakob

1 • APRESENTAÇÃO
A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro
(Enccla) apresenta-se como uma extensa articulação de órgãos públicos dos três po-
deres e das três esferas de governo, agindo em esforço comum no combate à lavagem
de dinheiro e à corrupção. Criada em 2003 por iniciativa do Ministério da Justiça
(MJ), a Enccla40 hoje é apresentada como uma estratégia de sucesso que desenvol-
veu, ao longo desses anos, diversos resultados positivos em seu campo de atuação
(Enccla, 2015). Devido à natureza de sua agenda e de suas instituições participantes,
tal mecanismo de articulação se torna relevante na investigação de crimes contra a
Administração Pública no Brasil, uma vez que se configura como um importante me-
canismo de inteligência concernente aos órgãos que exercem esta função.

Dessa forma, propõe-se aqui analisar como a Enccla opera, dando centralidade
aos modos de interação de suas instituições. Tal tarefa não pode perder de vista que a
qualidade da articulação entre os presentes órgãos tem grande poder de influência em

39 Comentários e revisão: Bruno Amaral Machado e Cristina Zackseski.


• Tomo 2 •

40 A sigla original era Encla, não abarcando “Corrupção”, como será explicado adiante.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

seus trabalhos cotidianos de investigação e controle de crimes contra a Administração


Pública e no combate à lavagem de dinheiro e à corrupção.
2 • VISÃO GERAL DA ENCCLA
A articulação entre múltiplos órgãos é tema típico da literatura sobre teorias 2.1 • CONJUNTURA INTERNACIONAL E INTERNALIZAÇÃO
das organizações, redes de políticas públicas e governança. Primeiramente, nota-
-se que as organizações desempenham papel relevante na estruturação social con- Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que, em seu início, a estratégia não abar-
temporânea, uma vez que pautam a construção de múltiplas identidades organiza- cava o tema da corrupção, restringindo-se unicamente ao combate à lavagem de di-
cionais. Assim, tais identidades se constituem em um constructo social relevante, nheiro – ou Anti-Money Laundering (AML)41. A referência à AML, ou antilavagem,
que serve de base para o entendimento de interações intra e interorganizacionais é pertinente na medida em que se constituiu como um regime global de proibição a
(Machado, 2014). partir da década de 1980, decorrente de um debate de cooperação jurídica interna-
Em segundo lugar, as relações interorganizacionais vêm sendo objeto de cional que assumia a incapacidade de atuação isolada no combate à criminalidade
estudo específico nas abordagens de redes de políticas públicas. Na verdade, tal organizada. Essa percepção veio a partir de uma mudança relevante de paradigma: o
reconhecimento, por parte de agências internacionais, das organizações criminosas
abordagem transcende o uso apenas pelas ciências sociais, sendo empregada socio-
como análogas a empresas capitalistas que visam ao lucro.
logicamente na investigação de padrões de interação entre diversos atores. Dito de
forma resumida, uma rede constitui-se em um conjunto de relações relativamente A internacionalização da AML e a consequente mudança de paradigma citada re-
estáveis, interdependentes e não hierárquicas entre atores distintos, em que a coo- metem principalmente às Convenções das Nações Unidas: em 1988, contra o Tráfico Ilícito
peração entre eles é tida como o melhor caminho para a perseguição de um objetivo de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas; e em 2000, contra a Criminalidade
comum (Börzel, 1998). Organizada Transnacional (Araújo, 2012). Tal mudança de paradigma foi notável porque
permitiu outras formas de repressão dos Estados a esses tipos de atividades criminosas.
Por fim, governança é termo usado de formas variadas na academia, possuin-
do como denominador comum a investigação de aspectos interativos do Estado. Antes do reconhecimento do crime organizado como empresa capitalista, em ge-
Governança diz respeito à capacidade dos agentes políticos de tornar programas ope- ral, as ações de repressão desses delitos se limitavam à criminalização de indivíduos e à
ráveis por meio da influência, aliança ou coopção de recursos dos quais não possuem apreensão de ilícitos. Em se tratando de organizações complexas que lucram com a prá-
controle direto (Rose; Miller, 1992). Dito isto, a presente análise lida com os três tica de crimes, essa forma de reação do Estado tinha capacidade limitada de impacto em
vieses como sendo indissociáveis, ao passo que interpretam as ações do Estado a partir suas atividades. Assim, o diagnóstico oriundo de debate internacional era de que, além
de seu aspecto relacional, englobando a diversidade de atores envolvidos com esforços dessas ações, de igual ou maior importância era a “asfixia patrimonial” dessas organiza-
contraditórios ou unidirecionados em alguma medida (Jakob, 2014). ções (Madruga, 2012). É justamente a partir dessa percepção que a AML se reproduziu
globalmente, uma vez que as movimentações financeiras e as práticas criminosas ante-
A partir deste marco teórico, buscou-se compreender a estrutura de governança
cedentes são consideradas transnacionais por natureza (Araújo, 2012).
da Enccla, tendo em vista sua articulação por meio de redes interorganizacionais.
Como é próprio das redes de políticas públicas, a Enccla possui um objetivo delimi- Esse “regime internacional de proibição” (Nadelmann, 1990) resultou na cria-
tado: o combate à lavagem de dinheiro e à corrupção. De tal maneira, a perseguição ção, em 1989, do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi) – também referido
desse objetivo depende da capacidade de gerenciamento desta rede, uma vez que o fato como Financial Action Task Force (FATF). Dito brevemente, o Gafi nasceu como uma
de haver interdependência e cooperação de atores em prol de um objetivo comum não instância de cooperação entre Estados interessados no combate à lavagem de dinhei-
implica a falta de assimetrias de poder entre eles (Calmon; Costa, 2013). Portanto, ro, servindo como canal de troca de informações entre as Unidades de Informação
a presente pesquisa procurou analisar a Enccla, enquanto rede, com base principal- Financeira (UIF) de vários países. Além dessa função, o Gafi se utiliza de 40 recomen-
mente em aspectos como sua história, principais atores envolvidos, institucionaliza- dações para os Estados-membros, que servem tanto como guia de padronização de
ção, sustentabilidade, estrutura e instrumentos de coordenação. Tais elementos foram
levantados a partir de revisão bibliográfica, entrevistas semiestruturadas com alguns 41 A AML foi traduzida aqui para “antilavagem”, sendo sinônimas neste texto. Entretanto, optou-se por
atores que participam da estratégia e observação in loco da Enccla 2015, ocorrida em utilizar-se o primeiro termo quando em contexto internacional e o segundo quando em contexto
• Tomo 2 •

Teresina-PI em novembro de 2014. nacional. Ambas as formas estão em conformidade com a literatura utilizada.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

ações e jurisdição quanto como mecanismos de avaliação. O cumprimento insatisfató- res. Contudo, nas palavras de Araújo (2012), mesmo com a instalação dos elementos
rio dessas recomendações pode taxar os países em questão como não colaborativos42, jurídicos da antilavagem, não havia a cultura institucional de articulação para a elabo-
o que pode custar a continuidade de participação no Gafi e provocar uma atenção ração e execução dessas ações. Segundo o autor, foi diante da dificuldade dos órgãos
diferenciada por parte de instituições financeiras internacionais ou de outras naciona- persecutórios em lidar com casos de lavagem de dinheiro individualmente que a estra-
lidades (Araújo, 2012). tégia foi desenvolvida.

Ressalte-se que os acordos e recomendações até aqui comentados objetivavam É importante notar que ações de antilavagem diziam respeito a uma multipli-
o combate à lavagem de dinheiro e, por consequência, do crime organizado – em es- cidade de órgãos públicos, como o Coaf, o Departamento de Recuperação de Ativos
pecial, o tráfico de drogas. Devido à conjuntura internacional do início dos anos 2000, e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), a Polícia Federal (PF), o Ministério das
esses instrumentos de cooperação internacional adicionaram o financiamento do ter- Relações Exteriores (MRE), a Controladoria-Geral da União (CGU) e órgãos com in-
rorismo no rol de suas preocupações. Assim, utilizando-se dos debates anteriores acer- dependência administrativa, como o Ministério Público e o Poder Judiciário, entre
ca da AML, os Conselhos de Segurança das Nações Unidas de 1999 e 200143 estende- outros. Ainda que cada um destes tivesse competências específicas, a multiplicidade
ram as técnicas desenvolvidas nesse tema para o contrafinanciamento do terrorismo44. de atores fazia com que o conflito de atribuições fosse inevitável (Madruga, 2012).
Naquele momento, às 40 recomendações do Gafi acrescentaram-se mais nove.
De posse desse diagnóstico, a Encla foi desenvolvida para ser uma instância de
As resoluções citadas sobre AML e contrafinanciamento do terrorismo foram aprimoramento da atuação do Estado na antilavagem, no formato de fórum de arti-
internalizadas pela legislação brasileira seguidamente às convenções internacionais, culação e atuação conjunta entre órgãos competentes. Secretariado pelo Ministério da
o que pode ser interpretado como um indicativo de comprometimento do Estado Justiça, além de Coaf, PF, MRE, CGU, DRCI, Ministério Público e Poder Judiciário,
brasileiro na temática e/ou em relação aos acordos internacionais. No que tange à participaram do primeiro encontro a Secretaria Nacional de Justiça, os Conselhos
AML, a Convenção de Viena de 1988 foi promulgada pelo Decreto n. 154/1991 e a da Justiça Federal e Nacional de Justiça e os órgãos regulatórios do sistema finan-
Convenção de Palermo de 2000, pelo Decreto n. 5.015/2004. As Resoluções n. 1.267 ceiro, como Banco Central (Bacen), Comissão de Valores Imobiliários (CVM) e
e n. 1.373 do Conselho de Segurança das Nações Unidas foram internalizadas pelos Superintendência de Seguros Privados (Susep).
Decretos n. 3.267/1999 e n. 3.976/2001 (Araújo, 2012). Vale acrescentar que a cria-
ção do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), unidade de inteligên- Conforme relatado em entrevista, acrescenta-se que nesse fórum pioneiro o
cia financeira brasileira, e do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação padrão de participação envolveu órgãos mais centrais, representados na reunião por
Jurídica Internacional (DRCI), respectivamente em 1998 e 2004, pode ser interpretada grandes autoridades. A evolução do padrão institucional de participação na Encla
como parte desse processo de internalização. será alvo de análise mais adiante, cabendo por ora observar que houve um movimento
acentuado de expansão de instituições participantes, de modo que atualmente a estra-
tégia conta com o envolvimento de mais de 60 órgãos.
2.2 • DE ENCLA A ENCCLA Antes de prosseguir, entretanto, vale destacar o ano de 2006 como momento
relevante, devido à inclusão da corrupção como tema de competência da estratégia. A
Em 2003, no contexto de internalização de convenções discutido anteriormen- anticorrupção possui um panorama mais complexo que a antilavagem, uma vez que
te, surge a Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro (Encla). Tal es- envolve uma dimensão moral de percepção política. Tradicionalmente, a corrupção é
tratégia estava alinhada com as prerrogativas internacionais de combate ao crime or- atribuída a condutas isoladas de favorecimento pessoal indevido por meio de recursos
ganizado por meio da asfixia patrimonial (Madruga, 2012). Entretanto, assim como públicos, tida como problema ético a ser corrigido por meio de políticas criminais
as ações dessa natureza dependem de cooperação transnacional, em âmbito nacional internas (Araújo, 2012). O tema enseja ainda outros atores interessados, incluídas aí
há necessidade de articulação entre órgãos de diversas competências, esferas e pode- organizações da sociedade civil.

Diante disso, nota-se que a anticorrupção adquire uma dimensão administra-


42 Non Cooperative Countries and Territories (NCCT).
tiva, que ultrapassa seu aspecto criminal. Administrativa porque envolve discussões
43 Resoluções n. 1.267 e n. 1.373, respectivamente. acerca de prevenção, transparência, sanções administrativas, reforma política e do
• Tomo 2 •

44 Counter Terrorism Financing (CTF). Estado. Contudo, ao que interessa à Enccla, a corrupção foi incorporada como um

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

dos crimes que antecedem a lavagem de dinheiro (Araújo, 2012), ou seja, compreen- produção de conteúdo e informação; criação e integração de banco de dados e pro-
de-se que os ganhos ilícitos com a corrupção passam por procedimentos de lavagem postas normativas de anteprojetos de lei; e alterações legislativas (Ribeiral, 2013d).
de dinheiro semelhantes àqueles provenientes de organizações criminosas. Mais do
Por fim, chama atenção o enfoque dado a demandas institucionais que respon-
que isso, é própria do processo de expansão de tais organizações a infiltração de diver-
dem a exigências externas, em conformidade com acordos internacionais firmados
sas maneiras no Estado. Isso é relevante na medida em que, para a Enccla, o tema da
pelo Estado brasileiro. Nesse quesito, destaca-se o Gafi como principal entidade cujas
corrupção estava estritamente interligado com a antilavagem (Araújo, 2012).
recomendações orientam as metas e ações da Enccla (Ribeiral, 2013d). Isso é per-
ceptível quando se considera que, nas referências a entidades internacionais presentes
nos doze relatórios de ações ou metas disponíveis entre 2004 e 2015, o Gafi é mencio-
2.3 • ENCCLA 2015
nado diretamente em sete45.
Com base no breve levantamento histórico realizado, é preciso ater-se aos me- Quanto ao formato das reuniões, houve algumas mudanças ao longo dos anos.
canismos de funcionamento da Enccla. Conforme mencionado, havia a percepção De início, os órgãos presentes eram divididos em uma série de GTs, cada um com de-
dos órgãos envolvidos com a antilavagem, especialmente o Ministério da Justiça, sobre terminado eixo temático, responsável, por sua vez, pela elaboração de um conjunto de
a impossibilidade de se realizar ações efetivas de forma isolada. Contudo, diante da metas específicas. Posteriormente, a Enccla passou a dividir-se em apenas dois gru-
variedade de competências e hierarquias desses órgãos, a construção da cooperação pos: Lavagem de Dinheiro e Corrupção. Há de se acrescentar que em 2010 foi criado
pode ser considerada um processo complexo. o Gabinete de Gestão Integrada (GGI), formado oficialmente por 2246 órgãos com o
intuito de acompanhar as ações da Enccla e preparar as reuniões anuais47.
É importante ter em vista que a Enccla, formalmente, não é um ente da
Administração Pública (Araújo, 2012). Pode-se dizer que ela existe, na prática, ape- É interessante notar que há semelhanças entre o formato adotado pela Enccla e
nas nos momentos de reunião entre os órgãos participantes. Esses momentos, desde o utilizado pelas conferências nacionais de diversas temáticas. Dito de forma breve, as
o início, ocorrem uma vez ao ano, normalmente durante uma semana de novembro. conferências são processos participativos convocados pelo Poder Executivo, visando à
Nas reuniões, as instituições presentes dividem-se em Grupos de Trabalho (GTs), res- elaboração de propostas de políticas públicas. Nesse sentido, assemelham-se a eventos,
ponsáveis por discutir e elaborar coletivamente medidas a serem desempenhadas ao embora pressuponham uma construção processual anterior (Teixeira; Souza; Lima,
longo do ano seguinte. De 2004 a 2008, essas medidas eram denominadas “metas” e 2012). Assim, no momento último do processo conferencial, as organizações partici-
cada uma era acompanhada de um órgão responsável. A partir de 2009, as “metas” pantes, predominantemente da sociedade civil, reúnem-se e constroem coletivamente
passaram a se chamar “ações” e a apresentar uma lista de instituições denominadas as propostas tidas como mais relevantes na temática debatida.
“colaboradoras”, além de conterem o órgão responsável.
Para além da literatura e das entrevistas, essa semelhança pôde ser percebida
O resultado supremo das reuniões da estratégia são essas metas e ações que os presencialmente. A Enccla 201548, ocorrida em Teresina-PI entre os dias 18 e 21 de
órgãos participantes se comprometem a realizar após cada encontro, catalogadas e novembro de 2014, foi acompanhada e serve de base para compreensão das dinâmicas
divulgadas em sítio próprio. A análise da estruturação de procedimentos relativos à de articulação da estratégia como um todo. Nessa edição, participaram mais de 60
dinâmica interna das metas e ações será realizada adiante, mas é importante perceber órgãos públicos, muitos levando dois ou mais representantes.
que elas têm um caráter prospectivo, relacionando-se ao que as organizações preten-
dem fazer ao longo do ano seguinte. Por ora, é pertinente deixar claro que não há
45 O Gafi não é mencionado diretamente nos relatórios de 2004, 2005, 2008, 2009 e 2011. Entretanto,
informações objetivas sobre a efetividade de realização. não significa que suas recomendações não foram objeto de discussão das respectivas Encclas, uma
vez que algumas delas se inserem nos relatórios no formato de demandas internas.
De forma resumida, cada meta ou ação possui um órgão declaradamente coor-
denador e outros considerados colaboradores. A inscrição nesses papéis é voluntária e 46 Este número varia de acordo com a referência utilizada. Aqui se utilizou como base o Manual do
Participante da Enccla 2015.
tem a ver com a vocação das instituições. Além disso, a formulação e a eleição das me-
tas e ações são coletivas e realizadas por consenso, de forma que o teor destas possa ser 47 O GGI tem um papel central e complexo na Enccla e será alvo de explanação mais aprofunda-
considerado um bom indicativo das prioridades da Enccla em geral. Com base nisso, da a seguir.
• Tomo 2 •

os resultados da estratégia dividem-se entre especialização e formação de servidores; 48 Cada Enccla é numerada com o ano subsequente do encontro.

358 359
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

O primeiro dia de reunião foi marcado unicamente pela plenária de abertura, Ao se afirmar que a Enccla se constitui em uma rede interorganizacional, é im-
liberada ao público e à imprensa. Essa plenária, presidida por membros do GGI, con- portante ter em vista que essa composição engloba atualmente mais de 60 organizações.
sistiu na retrospectiva das ações propostas no ano anterior, em que a Enccla 2014 A falta de definição precisa no quantitativo de membros ocorre devido à variabilidade
aprovou 14 ações, cada uma com um produto final a ser obtido. Cada ação possuía ao e irregularidade de participação, ainda que se possa dizer que esse número se manteve
menos um órgão coordenador, cabendo a este a apresentação do que foi desenvolvido semelhante em todas as reuniões da estratégia – com exceção de sua primeira edição.
ao longo do ano em favor do cumprimento da ação, entre reuniões, acordos, dificulda-
Como foi sugerido, a primeira reunião da estratégia se realizou com os órgãos
des etc. Assim, o órgão coordenador era responsável por demonstrar a seus pares se o
centrais da antilavagem, representados por figuras de alto escalão de suas respectivas
respectivo produto previsto foi cumprido ou quais motivos impediram a sua realiza-
instituições. Segundo entrevistados, em decorrência desse nível de representação e da
ção. A partir disso, os outros órgãos podiam manifestar-se, tirando dúvidas, fazendo
temática proposta, houve de imediato grande demonstração de interesse de várias or-
críticas variadas ou prestando esclarecimentos. Após a apresentação e as eventuais ma-
ganizações em participar da estratégia.
nifestações, a ação era tida como aprovada por unanimidade e passava-se à próxima.
A primeira Enccla foi bastante reduzida, tinha representantes do
Quando esse procedimento alcançou a última ação, a plenária de abertura foi Ministério Público, da Justiça Federal, dos órgãos reguladores, do Coaf,
dada por encerrada, e as atividades a partir de então foram voltadas à discussão de do Ministério da Justiça. Realmente foi bem reduzida e num nível em que
propostas para ações prospectivas, o que preencheu dois dias de reunião. Como suge- alguns órgãos estavam representados pelos seus chefes. Isso foi relevante.
rido anteriormente, as organizações presentes se dividiram em dois grandes grupos, Mas é óbvio que isso não pode ser repetido todos os anos. Nos últimos
um destinado a debater ações de antilavagem e outro, de anticorrupção. Esse momen- anos eles têm ido apenas para a plenária de encerramento. Mas o que
to não foi aberto ao público, visto que se tratava de assuntos tidos como sigilosos. aconteceu: a partir do segundo ano, a Enccla recebeu uma projeção dos
Dessa maneira, utilizando-se critérios de consenso e voluntariedade, foram elaboradas órgãos públicos. Diversos órgãos que não tinham estado na primeira vez
e aprovadas as ações a serem desempenhadas no ano seguinte, além de definidos seus solicitaram participação. (Servidor – Bacen).
respectivos órgãos coordenadores e colaboradores. A partir de então, a Enccla passou a receber solicitações de ingresso, fazendo com
O último dia de encontro foi marcado pela plenária final, novamente aberta ao que seu número de participantes se expandisse. Assim, a estratégia considera a si mesma
público e à imprensa. Com formato semelhante ao da abertura, a plenária final, por uma comunidade aberta, sendo o único critério de aceite dessas solicitações a capacidade
sua vez, foi marcada por solenidades. Após execução do hino nacional, entrega de pre- de contribuição com as ações. Nota-se que esse critério surgiu de problemas passados, em
miações e homenagens a profissionais e personalidades presentes, foram apresentadas que instituições sem preparo ou interesse de participação efetiva tumultuaram reuniões.
as 15 ações da Enccla 2015. Foram convidados primeiro aqueles órgãos que atuavam mais fortemen-
te no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, como por exemplo
Coaf, Banco Central, Ministério Público, Poder Judiciário, CVM, DRCI
e outros. A partir daí, num primeiro momento, todos aqueles órgãos
3 • ENCCLA EM REDE públicos que tiveram interesse em participar da Enccla foram aceitos.
O que acontece é que houve necessidade de se racionalizar a estratégia.
Segundo Rocha (2008), a Enccla adota o formato de redes interorganizacio- Por que racionalizar a estratégia? Porque começou a aparecer muita gen-
nais de políticas públicas, seguindo a tendência metodológica de atuação do regime te indo para participar e algumas dessas pessoas, esses órgãos, tinham
global da AML. Esse formato opõe-se ao modelo de organização burocrática, pri- pouco a contribuir. Eles queriam mais falar que participavam da Enccla
vilegiando relações horizontais e dinâmicas, em contraposição a um modelo tradi- que ter uma contribuição efetiva. A partir de então, a gente fez o seguinte:
quem quer participar informa por que quer participar e no que pode con-
cional, hierárquico e normativo. Dessa forma, a Enccla se coloca como “vetor de
tribuir. Se ele mostrar que pode contribuir, não tem problema nenhum
política criminal” (Araújo, 2012, p. 67), ou seja, procura mobilizar em uma mesma
em participar da Enccla. (Servidor – DRCI).
direção os recursos políticos espalhados entre diversos atores. Essa concepção en-
tende que a atuação isolada de qualquer instituição condiz com uma visão inefi- É importante frisar que a estratégia não conta com a participação da sociedade
• Tomo 2 •

ciente em comparação com métodos interdependentes (Börzel, 1998), sendo estes civil. Na realidade, este é um ponto de pauta atual, em que se discute se deve ou não
preferíveis na condução de políticas públicas. haver tal participação e, caso se opte positivamente, de que forma esta deve ser realizada.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Houve uma discussão maior em relação à sociedade civil, se deveria ou não é formado por 22 organizações52, composição que é vista com certa naturalidade pelos
participar da Enccla. Daí é uma questão um pouco mais delicada. Por que entrevistados: fazem parte do GGI os membros tidos como mais centrais ou partici-
é um pouco mais delicada? Porque, como o próprio nome diz, a sociedade pativos da Enccla.
civil é civil, e muitas das coisas que são discutidas dentro da Enccla são
sigilosas. Troca de dados de questões sigilosas que a gente não pode sim- A gente criou o tal do GGI. O GGI era, salvo engano, 19 ou 20 daqueles que
plesmente abrir para quem não está autorizado, por uma questão de dever de fato eram mais atuantes na Enccla. A partir daí, o que acontece: os órgãos
legal de sigilo. O que foi pensado e a gente deve colocar em prática este ano do GGI são aqueles que sem dúvida nenhuma têm mais participação nas
é fazer um encontro com a sociedade civil para que esta traga a visão dela ações da Enccla, as ações de fato, as reuniões das ações de fato [...]. A grande
maioria dos participantes ativos são os caras do GGI. (Servidor – DRCI).
sobre o combate à corrupção e lavagem. E, a partir da visão da sociedade
civil, a gente traz isso para a Enccla para tentar não olhar só com os olhos Outro ponto relevante é que os atores que integram o GGI de alguma forma re-
do Estado mas também com os olhos da sociedade civil. E a partir daí va- presentam uma classe institucional anterior a essa instância. Isso porque a Enccla é
mos ver como isso se desenvolve. Eu sei que isso que eu estou falando é composta por organizações de diversos níveis da Administração Pública, inclusive das
polêmico, mas a questão de trazer a sociedade civil em massa para dentro
três esferas de governo. Assim, se uma determinada instituição está presente na Enccla
de uma estratégia de combate ao crime é complicada. (Servidor – DRCI).
concomitantemente por meio de organizações das esferas estadual, federal, de associa-
A polêmica em torno da participação da sociedade civil baseia-se no sigilo de ções profissionais e de divisões internas, o GGI conta com a participação de uma úni-
certas informações tratadas. Isso tem a ver com a tendência da Enccla em se focar na ca legenda correspondente, evitando a saturação de representatividade. Dessa forma,
lavagem de dinheiro e na dimensão criminal da corrupção, que por sua vez se espelha presume-se legitimidade nas decisões do GGI perante todos os membros da Enccla.
também nos métodos antilavagem. É bom salientar que as ações dessa natureza são A composição do GGI foi aprovada pela plenária com todo mundo.
eminentemente federais, inclusive voltadas à interlocução com o exterior, conforme Então, por exemplo, a gente pegava Ministério Público. Tem Ministério
comentado anteriormente. Nesse sentido, cabe aqui destacar brevemente as experi- Público de São Paulo, de Minas, do Rio... A gente trocou tudo isso pelo
ências da Rede de Controle da Gestão Pública (RCGP)49, do Fórum Permanente de CNMP, o Conselho Nacional do Ministério Público, que representa todo
Combate à Corrupção (Focco)50, do Movimento Articulado de Combate à Corrupção o Ministério Público. A Justiça Federal de São Paulo, de Minas... Trocou
(Marcco)51 e do Comitê Estadual Rondônia Contra a Corrupção (Cercco). Embora tudo isso pelo Conselho da Justiça Federal ou pelo Conselho Nacional
de Justiça. Todos acabam de certa forma estando representados. A ideia
cada uma dessas instâncias tenha uma peculiaridade, atenta-se que todas são tidas
é que a GGI, ao invés de ter dez membros do Ministério Público, um
como redes locais de articulação formadas em semelhança com a Enccla. Nesse
de cada estado, passe a ter um, o CNMP. O que é até bom, na verdade,
sentido, diferem-se pela participação da sociedade civil e pelas discussões voltadas à para equilibrar um pouco a discussão. Porque quando tinha dez caras
dimensão administrativa da corrupção (Ribeiral, 2013c). Dessa forma, “no âmbito do Ministério Público, ele acabava tendo uma certa... não vantagem,
estadual, vários estados desenvolveram esses grupos, muitos com a sociedade civil, mas conseguia impor o que era melhor para ele. Agora não, tem um do
baseados na questão do controle social” (Membro – CNJ). Ministério Público, um do Poder Judiciário, um da Polícia, um do Banco

52 Segundo o Manual do Participante da Enccla 2015, integraram o GGI em 2014 as seguintes insti-
3.1 • GGI EM REDE tuições: Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Advocacia-Geral da União (AGU), Banco Central
(Bacen), Controladoria-Geral da União (CGU), Conselho da Justiça Federal (CJF), Conselho
O procedimento de permissão de ingresso mencionado é feito pelo GGI, que Nacional de Justiça (CNJ), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Conselho Nacional dos
assume o papel de coordenação da Enccla. Conforme relatado anteriormente, o GGI Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), Conselho de Controle
de Atividades Financeiras (Coaf), Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Departamento de Polícia
Federal (DPF), Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Ministério da Justiça, Ministério Público
49 Presente nos estados do Paraná, Bahia, Mato Grosso, Maranhão, Ceará e Amazonas. Federal (MPF), Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), Ministério da Previdência
Social (MPS), Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), Superintendência Nacional de
50 Presente nos estados da Paraíba, Alagoas, Pernambuco, Goiás, Acre, Roraima e Tocantins.
Previdência Complementar (Previc), Receita Federal do Brasil (RFB), Superintendência de Seguros
• Tomo 2 •

51 Presente no Rio Grande do Norte e no Rio Grande do Sul. Privados (Susep), Tribunal de Contas da União (TCU) e Justiça Estadual.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Central, um da CVM... Essa que foi a ideia de condução do GGI [...]. se tem alguma mudança, se não tem... Então o GGI de fato faz esse con-
A Ajufe não faz parte da GGI, a ANPR não faz parte, a ADPF não faz trole sobre as ações que estão em andamento. (Servidor – DRCI).
parte... Por quê? Porque a gente já tem o Ministério Público representado
pelo CNMP; o Poder Judiciário, pelo CNJ; a Polícia Federal, pela Polícia No caso da preparação da Enccla seguinte, o GGI elabora previamente ações
Federal. (Servidor – DRCI). para as discussões dos grupos. Portanto, os debates que ocorrem nas reuniões anuais
da estratégia são fruto de um trabalho anterior, ainda que algumas dessas ações pre-
Como pode ser percebido, a variedade e a amplitude de organizações citadas viamente elaboradas possam ser rejeitadas pelo grupo maior. Mesmo que não haja im-
fazem do GGI, por si só, uma rede circunscrita na rede maior: a Enccla. A exis- pedimentos para a proposição de novas ações, pode-se dizer que as ações aprovadas e
tência dessa cúpula menor de coordenação é justificada principalmente por motivos divulgadas na plenária final da Enccla são fruto de adaptação e refinamento daquelas
logísticos: dada a amplitude da estratégia, é necessário que haja uma esfera menor de elaboradas nas reuniões do GGI.
articula­ção para fins práticos e administrativos.
O GGI trouxe para ele o poder de fazer as reuniões prévias à plenária da
A GGI é o seguinte: a gente não poderá reunir de três em três meses 180 Enccla, estudar o que deve ser discutido na Enccla e propor lá sem,
pessoas. Então você reúne 15 a 20 e tem muito mais eficiência. E daí não obviamente, fechar as portas para outras ideias de quem não é do GGI.
estão presentes as associações, só os órgãos públicos. Nós facilitamos a Eles podem ir e colocar. Mas a gente tem percebido na prática que o que
gestão, somos o grupo de gestão. (Servidor – Bacen). o GGI antes pensa e leva é o que tem sido aceito. Novas propostas feitas lá
na hora por não integrantes do GGI são raras. (Servidor – DRCI).
De qualquer forma, enquanto a Enccla se reúne uma vez ao ano, o GGI possui
encontros bimestrais. Nesses encontros, competem aos membros presentes duas fun- Essa dupla função demonstra a centralidade do GGI na coordenação da
ções principais: monitoramento das ações em curso e preparação da Enccla seguinte. Enccla enquanto rede interorganizacional. Contudo, conforme mencionado, o GGI
Além disso, são de competência do GGI atividades secundárias, como a aprovação de é ele mesmo uma rede particular, que possui sua própria estrutura de coordenação. A
solicitação de ingresso por parte de novos membros e o acompanhamento de procedi- coordenação do GGI, por sua vez, é de responsabilidade do DRCI. Este departamento
mentos externos, tais quais as avaliações do Gafi. assume a posição de secretaria executiva da estratégia, ficando a cargo de tarefas mais
burocráticas de administração, como produção de atas, ofícios, convites, memórias,
Por monitoramento das ações em curso entende-se o controle que o GGI faz
entre outros (Ribeiral, 2013a). A centralidade do DRCI na Enccla e no GGI remete
juntamente com os órgãos coordenadores das ações. Conforme mencionado, cada
ao período de nascimento da estratégia, por se situar no Ministério da Justiça e, prin-
ação possui órgãos coordenadores e colaboradores, cabendo aos primeiros a respon-
cipalmente, por ter sido criada com o intuito específico de recuperação de ativos e
sabilidade pelo seu desenvolvimento – sempre com o intuito de obtenção de um pro-
cooperação internacional nos moldes da AML.
duto final, de acordo com o que foi definido coletivamente na Enccla. Tal produto é
apresentado aos pares na edição seguinte da estratégia, na forma de um relatório final. A Enccla surge como uma estratégia e tem a ver um pouco com a ques-
Contudo, o GGI monitora o desenrolar da ação ao longo do ano, sempre com seu ór- tão de autoridade... Por que o DRCI foi secretariar e tal? Porque essa é
gão coordenador. Dessa forma, é possível identificar se este está cumprindo os acordos uma estratégia de combate à lavagem de dinheiro. O Executivo cria isso
firmados, executando os procedimentos previstos e coordenando satisfatoriamente os muito em decorrência das demandas das convenções internacionais. E
órgãos colaboradores. No caso de desempenho insatisfatório dos coordenadores ou de todas essas convenções de combate à corrupção e de combate à lavagem
outras dificuldades imprevistas, o monitoramento do GGI possibilita que ele mesmo dizem que os Estados têm que ter uma estratégia, então o Márcio Thomaz
intervenha, de modo que a execução da ação não seja prejudicada. Esse procedimento Bastos, quando era ministro, criou uma estratégia e colocou o GGI no
MJ, entendeu? O DRCI tem a questão também de... nos nossos acordos
é tido como fundamental para o bom desenvolvimento das ações.
internacionais, de cooperação, tem a questão da autoridade. Então eles
O GGI tem feito reuniões trimestrais ou bimestrais. Uma das pautas obri- são a autoridade central, e dentro é o DRCI que tramitaria os pedidos
gatórias do GGI é o acompanhamento das ações que estão ocorrendo no de cooperação. Por quê? Porque era de lavagem, e a lavagem tinha a ver
ano, bem como o encaminhamento de ações anteriores. Então, por exem- com a cooperação. Então do ponto de vista da União, a lavagem estava
plo, definiram-se 13 ações para fazer agora em 2015. Toda reunião o GGI muito ligada à evasão, que estava ligada à cooperação internacional de
vai conversar, ou em algum momento vai passar cada uma das 13 ações recuperação de ativo. Então era isso. Porque na verdade é isso, o DRCI é
• Tomo 2 •

para conversar sobre o que está sendo feito, se está andando, se não está uma secretaria do GGI, ficou porque foi a forma como ficou na origem,
andando, se o coordenador está coordenando, se ele é adequado, se não é, e aí para os outros até hoje ficou conveniente assim. (Membro – CNJ).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

3.2 • AÇÕES EM REDE O Banco Central não poderia coordenar um grupo que tem a ver mais
com a atuação do INSS, por exemplo. (Servidor – DRCI).
Mencionou-se neste estudo que a Enccla é uma forma de articulação Assumir a responsabilidade por uma ação não significa apenas executar as tare-
institucional arquitetada principalmente por meio de um encontro anual específico. O fas previstas. Como mencionado, as ações estão sujeitas a um controle e cabe ao órgão
objetivo primordial desse encontro é traçar coletivamente ações a serem desenvolvidas coordenador enviar relatórios periódicos ao GGI, onde as instituições de sua composi-
ao longo do ano. Além disso, a formulação das ações inclui a determinação de qual ção os analisam com o intuito de avaliar se a ação está sendo bem conduzida. A tarefa
organização53 assume a responsabilidade por elas e quais órgãos devem atuar como do órgão coordenador, então, vai além do maior protagonismo na condução da ação:
colaboradores. Esse formato de articulação denota outro aspecto da intersecção de da mesma forma que os membros do GGI exercem a função de pontes para outras or-
redes que forma a estratégia, uma vez que cada ação constitui uma rede em particular. ganizações, o coordenador pode ser considerado uma ponte para os colaboradores da
ação. Assim, como cada ação é uma rede particular, cabe ao órgão coordenador articu-
Tendo em vista que a Enccla se aponta como uma rede unidirecionada de múl-
lar e integrar os atores colaboradores na perseguição das tarefas previstas. Em muitos
tiplas instituições em prol do combate à lavagem de dinheiro e à corrupção (Araújo,
casos, dado o perfil técnico de muitos dos participantes, a posição de colaboração se
2012), tal unidirecionalidade exige uma análise mais aprofundada. Na realidade, ape-
aproxima de uma assessoria técnica.
nas de forma branda é possível definir a estratégia como um vetor de políticas públi-
cas, tal qual se propõe. Isso porque a Enccla, por si só, pode ser encarada mais como Quando você é o coordenador, você é o responsável por fazer aquele ne-
uma metodologia de articulação do que como uma instância voltada a práticas con- gócio andar, normalmente o coordenador é o responsável pelo ato pro-
cretas, o que é o oposto das ações. De modo bastante prático, cada ação traz consigo priamente dito. [...] E se precisa de colaboradores que efetivamente te-
objetivos específicos, com atores envolvidos bem demarcados. Nesse sentido, as ações nham o conhecimento técnico e prático daquilo que você está fazendo.
são vistas como força-tarefa, o que pode ser considerado sinônimo do que se pretende (Membro – CNJ).
por vetor de políticas públicas (Ribeiral, 2013a). Dessa maneira, cada ação possui um O colaborador não tem responsabilidades executivas, ele tem responsa-
planejamento, uma execução e uma relatoria própria, em que o órgão coordenador bilidades técnicas. Ele tem que levar a sua expertise para a discussão nos
desempenha papel de maior responsabilidade. grupos, adotar alguma providência. (Servidor – Bacen).
O coordenador (das ações) marca as reuniões, encaminha pro DRCI os
pedidos de convocação das pessoas, vê se tem algum órgão que não está
na ação que precisa ser chamado, nem que seja para esclarecer algum 3.3 • REDES PARALELAS E IDENTIDADE PROFISSIONAL
assunto, prepara o relatório e conduz a ação no GGI. (Servidor – Bacen).
Outra intersecção de redes presente na Enccla está no perfil das instituições
Em teoria, os órgãos coordenadores adquirem esta posição mediante volun- que a compõem. Integram a estratégia organizações de diversas ordens, entre autar-
tarismo. Contudo, segundo relatos de entrevistados, escolhem-se as instituições que quias, secretarias, departamentos, conselhos, associações profissionais etc. Neste que-
“naturalmente” são mais indicadas para aquela ação, ou seja, identifica-se o órgão sito, destacam-se algumas legendas presentes, como o Grupo Nacional de Combate às
cuja missão institucional e expertise mais se aproximam das tarefas e dos objetivos em Organizações Criminosas (GNCOC) e o Coaf. Isso porque ambos se constituem como
questão. Em caso da falta de voluntarismo espontâneo, o constrangimento dos demais instâncias de articulação paralelas à existência da Enccla, mas com objetivos próximos.
atores presentes determina qual órgão assume a posição de coordenação da ação. Há
de se frisar que o mesmo ocorre para os colaboradores. O Coaf é um conselho vinculado ao Ministério da Fazenda, composto por 11
órgãos, todos eles presentes também na Enccla: Bacen, CVM, Abin, MRE, RFB, MPS,
Algumas vezes eles (coordenador e colaboradores) são escolhidos por Susep, CGU, PGFN, DPF e MJ. Conforme relatado, o Coaf foi criado em 1998 em razão
candidatura, outras vezes não, porque a meta tem muito a ver com a atua- da inserção do Brasil nos acordos internacionais de AML. Dessa forma, possui a missão
ção daquele órgão. Então determinado coordenador é escolhido em razão
de controle do mercado financeiro, no sentido de examinar operações suspeitas de lava-
da matéria, do assunto que tem mais a ver com a atuação daquele órgão.
gem de dinheiro. O GNCOC, por sua vez, é uma instância de articulação formada por
profissionais de vários segmentos dos Ministérios Públicos, tendo em comum o fato de
• Tomo 2 •

53 Algumas ações possuem coordenação conjunta de dois órgãos. lidarem com a temática de crimes tributários, lavagem de dinheiro e tráfico.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Os exemplos citados podem ser interpretados como estratégias integrativas de pressupõe uma variedade análoga de identidades institucionais. Ocorre que, sem me-
combate à lavagem de dinheiro e/ou à corrupção paralelas à Enccla. Isso sinaliza uma nosprezar as diferentes visões institucionais que se entrechocam nas reuniões, os ato-
tendência anterior de formação de metodologias intersetoriais por parte dos órgãos, res presentes mostram um saber profissional muito semelhante entre si. Isso significa
em que foram criadas instâncias diversas de atuação conjunta. Obviamente, o padrão dizer que há algo próximo de uma identidade técnica em comum entre os participan-
de articulação varia de acordo com cada caso, mas é interessante observar que a coo- tes da estratégia, independente das inscrições institucionais de cada um, de modo que
peração entre diferentes órgãos e setores não é tanto uma inovação da Enccla, porém a Enccla forma uma verdadeira “comunidade epistêmica” (Araújo, 2012, p. 73). Sob
algo que já urgia a seus diferentes membros. esse ponto de vista, para além de uma rede voltada ao combate à lavagem de dinheiro
e à corrupção, a estratégia pode ser interpretada como um evento de formação e/ou
A partir dos exemplos citados, demonstra-se que o GNCOC já se estruturava
consolidação de identidades profissionais.
como rede de membros de diferentes Ministérios Públicos, da mesma forma que
o Coaf era uma rede interinstitucional de controle do mercado financeiro. Nesse
sentido, a Enccla pode ser analisada menos em termos de uma estratégia histórica 3.4 • A IMPORTÂNCIA DA INFORMALIDADE
de articulação e mais como um complemento e uma extensão de tendências integra-
tivas já em curso. Conforme registrado anteriormente, organizações estruturam identidades,
Outro aspecto interessante da multiplicidade de redes que compõem a Enccla comportamentos e formas de interação social. Contudo, a dinâmica social produz es-
é a participação de diferentes níveis de representantes pertencentes a um mesmo ór- paços não regulamentados, gerando “esquemas organizativos não-oficiais, configuran-
gão, ainda que sob siglas diversas. Neste caso, destaca-se a presença de escalões distin- do-se uma organização real” (Machado, 2014, p. 17). Dessa forma, pode-se dizer que
tos, portanto, de variadas hierarquias intraorganizacionais, numa instância de discus- há uma contraposição entre a organização real e a oficial, gerada pela falta de sinergia
são e deliberação horizontal. entre os objetivos particulares dos indivíduos e os oficiais da organização, algo que
afeta tanto as relações intrainstitucionais quanto as interinstitucionais. Desse modo,
Entre os participantes da Enccla, a gente vê diversas hierarquias de ins- numa análise de redes como a Enccla, é importante ter em vista os rearranjos rela-
tituições. Por exemplo, vai a CVM, vai o Banco Central e vai o departa- cionais entre seus participantes.
mento de não sei o que de outro órgão. O DRCI, por exemplo, que é um
departamento, senta numa mesa com uma secretaria que tem um status Assim, um dos aspectos relevantes da estratégia é que ela goza de uma dose
maior, com um servidor da Câmara... então, primeiro, as instituições não “saudável” de informalidade. Nesse sentido, é notável o fato de a Enccla não contar
necessariamente são da mesma hierarquia. (Servidor – DRCI). com instrumentos formais como regulamentos, estatutos, decretos, portarias etc. É
importante acrescentar que tal informalidade se contrapõe ao modelo tradicional
Além disso, nota-se a participação concomitante de associações profissionais
de cooperação administrativa, “com grupos de trabalho formalmente constituídos,
das respectivas instituições, como é o caso da Associação dos Delegados de Polícia
publicados no Diário Oficial, prazos oficiais e zelos hierárquicos” (Madruga, 2012,
(ADPF) e da DPF. Dessa forma, percebe-se que a mesma classe está representada tam-
p. 35). Pelo contrário, a estratégia optou por adotar mecanismos não impositivos de
bém em níveis diferentes.
articulação, como consenso e voluntarismo – ainda que se tratasse de organizações
Na realidade, uma análise do perfil de profissionais que fazem parte da Enccla com diferentes posições hierárquicas.
demonstra que há uma semelhança de expertise profissional que transcende os órgãos
Segundo Börzel (1998), a predominância da informalidade das relações entre
representados. O profissionalismo é um aspecto relevante na análise das organizações.
os atores caracteriza a governança por meio de redes. Esse aspecto, por sinal, é um
Por profissão, entendem-se a expertise, o domínio ou o monopólio de determinada
dos fatores que qualificam as redes como um aprimoramento da eficiência política. A
área de conhecimento por um grupo (Machado, 2014). Nesse sentido, chama a aten-
informalidade, neste sentido, contrapõe-se à burocracia como método principal de co-
ção a predominância de um saber profissional voltado ao universo financeiro, que
municação interinstitucional, tida como ineficiente. Essa dicotomia entre burocracia e
acaba se constituindo em lugar-comum na estratégia, inclusive entre membros de or-
informalidade é aparente nas transformações que a Enccla provocou no que tange às
ganizações de cunho jurídico ou policial.
comunicações cotidianas entre os representantes dos seus órgãos participantes. Uma
Obviamente, tais conhecimentos são basilares para a atuação na antilavagem. das principais conquistas da estratégia, segundo entrevistados, está na consolidação de
• Tomo 2 •

Contudo, cabe observar que a multiplicidade de organizações participantes na Enccla vínculos pessoais entre profissionais de diferentes instituições e localidades.

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A comunicação normalmente é feita por ofício. O que não quer dizer A evolução das interações interorganizacionais por meio de contatos pessoais
que... quer dizer, a Enccla tem um papel importantíssimo, a Enccla e informais possui outro aspecto relevante. Foi mencionado anteriormente que, no
conseguiu quebrar muitos feudos, quebrar muitas prevenções que um contexto específico das ações, os órgãos colaboradores atuam de forma semelhante a
órgão tinha com o outro. E ela possibilitou conhecimento das pessoas. uma assessoria técnica em relação aos órgãos coordenadores. Contudo, o advento das
Quer dizer, uma pessoa conhecia a outra. E as pessoas sabem com quem relações pessoais leva esse contexto para além das ações determinadas na Enccla.
devem lidar para tratar de determinado assunto. Nós recebemos ligações
telefônicas ou e-mails de juízes, Ministério Público, delegados, ou eles Do ponto de vista prático, alguém liga pra mim: “Oi, eu sou delegado da
vêm conversar aqui conosco, ou nós vamos no gabinete para tratar de Polícia Federal. Você pode me ajudar a entender isso aqui?” Sob o ponto de
determinados assuntos específicos. A Enccla teve um papel fundamen- vista técnico, vou orientá-lo para ele interpretar como funcionou determi-
tal nisso de tornar conhecidas as pessoas encasteladas, nos feudos, sem nada operação sem entrar em detalhes – sigilo de quem comprou, quem
querer se misturar com os outros, sem querer trabalhar em cooperação. deixou de comprar –, até porque ele tem suas informações confidenciais
Nestes últimos 12 anos de Enccla isso melhorou consideravelmente. e eu não estou habilitado a indiciar nada pra ele de informação sigilosa.
Então a comunicação se dá não apenas na parte formal. A parte formal é Mas trocar figurinhas do ponto de vista técnico, isso acontece com muita
natural entre órgãos, através de ofícios, mas existe um contato informal regularidade [...]. Informalmente existe essa “troca de figurinha” numa es-
muito forte que é necessário, principalmente para tornar as coisas mais tatística até maior. O que eu chamo de “troca de figurinha”? É essa troca de
rápidas. (Servidor – Bacen). informação abertamente, sem quebra de sigilo. (Servidor – CVM).

Assim, percebe-se uma flexibilização das tecnologias de informação, no sentido Assim, pode-se perceber que a possibilidade de contato direto entre os par-
da substituição do ofício pelo telefone como instrumento prático de trabalho. A partir ticipantes da Enccla é vista como uma evolução na integração entre os órgãos, na
disso, o ofício passou a ser uma ferramenta que serve apenas às prerrogativas buro- medida em que promovem agilidade na comunicação e condução de procedimentos.
cráticas do serviço público, ao passo que a integração real entre os atores é feita por Ademais, a constituição da estratégia enquanto comunidade epistêmica faz com que
meio do “famoso telefone vermelho”54 (Servidor – CVM). Nesse sentido, enquanto o esses contatos qualifiquem os procedimentos cotidianos do ponto de vista técnico.
primeiro método é formal e lento, o segundo é informal e dinâmico.

Atenta-se que esse método informal de integração depende da existência de re-


lações pessoais entre os profissionais de diferentes órgãos. Contudo, o estabelecimento CONSIDERAÇÕES FINAIS
efetivo de vínculos pessoais depende da continuidade dos mesmos indivíduos como
representantes das respectivas instituições. Esse pode ser considerado um aspecto em A partir do que foi relatado, nota-se que a Enccla é uma forma ampla e com-
transição da Enccla no sentido de consolidar mecanismos que diminuam a rotativi- plexa de articulação entre órgãos envolvidos no combate à lavagem de dinheiro e à cor-
dade de seus membros. É importante frisar que tal rotatividade é vista também como rupção. Dessa maneira, a estratégia é aclamada como uma instância importante para a
algo que atrapalha as discussões da estratégia. atuação conjunta do Estado na repressão dessas atividades criminosas. Enquanto tal, é
atribuída como estratégia efetiva tanto por seus participantes quanto por seus observa-
Eu notava na Enccla, e ainda noto, uma rotatividade muito grande
dores – como é o caso do próprio Gafi, em relatório oficial (Gafi, 2010). Entretanto,
de representantes. Hoje reduziu muito. Em alguns órgãos a gente sabe
é importante frisar que a Enccla se forma com base em uma agenda específica de
quem é a pessoa porque a gente vê, e a gente está aqui todo ano. Mas
cooperação internacional e antilavagem, a partir da qual admite também a dimensão
em outros órgãos sempre estavam girando: delegados da PF estavam
criminal da anticorrupção.
trabalhando ali, depois mudavam e era outro. Representante do MP
mudava e era outro. Na AGU mudava e era outro... E assim por diante. Mais do que uma rede interinstitucional, foi defendido nesta pesquisa que a
Em alguns órgãos a gente vê que mandam pessoas que vão lá sem saber estratégia se constitui numa superposição de múltiplas redes, como uma amálgama de
de nada do passado da Enccla e ficam remoendo assuntos já tratados
padrões de interação entre os diversos atores participantes. Hipoteticamente, a exten-
e remoídos, ações já feitas etc., o que atrapalha o desenvolvimento das
são de uma rede possui relação direta com a sua complexidade à medida que suas inte-
ações. (Servidor – Bacen).
rações se multiplicam. A partir disso, a rigor, a abordagem de redes pode ser aplicada
• Tomo 2 •

da maneira mais global possível, uma vez que todos os atores estão interconectados em
54 Analogia com a linha de comunicação direta entre Moscou e Washington durante a Guerra Fria. alguma medida (Granovetter, 1983).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Contudo, foi utilizada neste estudo uma perspectiva de intersecção de redes, Embora a criação de bancos de dados comuns, a compartimentalização de in-
tendo em vista que a literatura sobre políticas públicas considera redes como formações e os acordos de cooperação figurem nos relatórios de metas e ações da
relações razoavelmente estáveis e cooperativas de diferentes atores que perseguem Enccla, esses aspectos de articulação interinstitucional não foram alvo de destaque
objetivos comuns. Nesse sentido, a Enccla, sob o aspecto de encontro anual e dos entrevistados. Ao contrário, para estes, a possibilidade de interação pessoal apa-
com os objetivos amplos da antilavagem e anticorrupção, pode ser considerada um rece com maior relevância e utilidade no desempenho cotidiano de suas funções. Não
sistema amplo de articulação – ao passo que contempla múltiplas redes, com seus que um contradiga o outro, mas é a partir desse ponto que as formas de articulação
próprios padrões de integração e objetivos mais específicos e delimitados. burocráticas, tidas como ineficientes, dão lugar a métodos mais rápidos e eficientes.
É pertinente recordar que a Enccla baseia-se nas prerrogativas de consenso e
voluntarismo, ao mesmo tempo em que se pretende firmar como vetor unidirecionado
de políticas públicas (Araújo, 2012). Essa tarefa pode parecer difícil, tendo em vista REFERÊNCIAS
o número elevado e irregular de organizações que participam da estratégia, explicado
em parte por sua abertura. No entanto, foi demonstrado que esse aparente obstáculo
Araújo, F. D. Uma análise da Estratégia Nacional Contra a Corrupção e a Lavagem de
é contornado por um núcleo bem instituído que atua como cúpula gestora. O GGI, ao
Dinheiro (Enccla) por suas diretrizes. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília,
incluir um representante de cada classe ou órgão inscrito na Enccla, acaba por adqui-
v. 2, n. 1, p. 53-82, jan./jun. 2012.
rir razoável legitimidade de coordenação perante todas as instituições.

Conforme mencionado, os recursos necessários para perseguição de determi- Börzel, T. A. Organizing Babylon – on the different conceptions of policy networks.
nado objetivo político estão espalhados entre diversos atores, e a articulação em re- Public Administration, Oxford, v. 76, n. 2, p. 253-273, 1998.
des pode ser considerada como mecanismo de mobilização desses recursos (Börzel,
1998). No caso tratado nesta pesquisa, as diretrizes da antilavagem e anticorrupção Calmon, P. C. D. P.; Costa, A. T. M. Roteiro para elaboração de estudos de caso. [S.l.]:
dependem de uma estratégia ampla como a Enccla, nos moldes das metodologias Escola Nacional de Administração Pública, 2010.
acordadas em âmbito internacional (Araújo, 2012). Entretanto, apesar de tal ampli-
tude, as instituições inscritas no GGI e na coordenação das ações ocupam papéis mais      . Redes e governança das políticas públicas. Brasília: [s.n.], 2013.
centrais na estratégia, possibilitando que as demais atuem de forma semelhante a um
assessoramento técnico. Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla).
Disponível em: <http://enccla.camara.leg.br/quem-somos>. Acesso em: 12 mar. 2015.
O aspecto técnico, inclusive, é um elemento basilar da Enccla. Devido ao cará-
ter temático da estratégia, há uma expertise em economia financeira e controle de mer-
Granovetter, M. The strength of weak ties: a network theory revisited. Sociological
cado comum entre todos os participantes. Pode-se dizer que essa expertise constitui
Theory, New Haven, v. 1, p. 201-233, 1983.
uma identidade profissional que transcende, em alguma medida, as identidades insti-
tucionais dos atores, aproximando-os uns dos outros. Isso não quer dizer que as inte-
Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento
rações não sejam permeadas por eventuais conflitos de ordem institucional. Contudo,
do Terrorismo (Gafi). Relatório de avaliação mútua: prevenção à lavagem de dinhei-
uma das realizações da Enccla está ligada à formação ou consolidação desta como
ro e combate ao financiamento. [S.l.]: FATF/OECD, 2010.
comunidade epistêmica.

Habitualmente, a informalidade em relações institucionais é apontada como Jakob, A. C. Governança, redes de políticas públicas e participação social: uma inter-
aspecto negativo da Administração Pública. Surpreendentemente, os elementos de in- seção de literaturas. PÓS: Revista Brasiliense de Pós-Graduação em Ciências Sociais,
formalidade presentes na Enccla são referidos como aspectos positivos na integração Brasília, v. 13, n. 2, p. 100-120, 2014.
entre os órgãos. Isso porque a possibilidade de formação de vínculos pessoais entre
profissionais com áreas semelhantes de atuação em diferentes instituições é apontada Machado, B. A. Justiça criminal: diferenciação funcional, interações organizacionais
• Tomo 2 •

como fator que dá celeridade às tarefas cotidianas. e decisões. São Paulo: Marcial Pons, 2014.

372 373
Madruga, A. Origens da Enccla. In: Brasil, D. R. C. I. Enccla: 10 anos de or-
ganização do Estado brasileiro contra o crime organizado. Brasília: Ministério da
Justiça, 2012. p. 34-35.

Nadelmann, E. Global prohibition regimes: the evolution of norms in international


society. International Organization, Cambridge, v. 44, n. 4, p. 479-526, 1990.

Ribeiral, T. B. Relatório técnico de análise crítica da estrutura e metodologia de LISTA DE SIGLAS


trabalho. Brasília: Ministério da Justiça, 2013a.

     . Formulação do plano de comunicação da Enccla. Brasília: Ministério


da Justiça, 2013b.
Abin: Agência Brasileira de Inteligência
     . Relatório técnico contendo identificação de iniciativas assemelhadas à ADPF: Associação dos Delegados de Polícia Federal
Enccla quanto ao combate à corrupção e à lavagem de dinheiro no âmbito estadual.
AGU: Advocacia-Geral da União
Brasília: Ministério da Justiça, 2013c.
AML: Anti-Money Laundering
     . Relatório técnico contendo proposta de melhoria da Enccla com relação Bacen: Banco Central do Brasil
à metodologia de trabalho e outros aspectos relevantes identificados. Brasília: Ministério Cercco: Comitê Estadual Rondônia Contra a Corrupção
da Justiça, 2013d.
CGU: Controladoria-Geral da União
Rocha, L. G. O combate à corrupção em redes interorganizacionais: um estudo da CJF: Conselho da Justiça Federal
estratégia nacional de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro. Revista da CGU, Coaf: Conselho de Controle de Atividades Financeiras
Brasília, n. 5, p. 70-82, dez. 2008.
CNJ: Conselho Nacional de Justiça
Rose, N.; Miller, P. Political power beyond the state: problematics of government. CNMP: Conselho Nacional do Ministério Público
The British Journal of Sociology, v. 2, p. 173-205, jun. 1992. CNPG: Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do
Ministério Público dos Estados e da União
Teixeira, A. C. C.; Souza, C. H. L.; Lima, P. P. F. Arquitetura da participação no Brasil: CTF: Counter Terrorism Financing
uma leitura das representações políticas em espaços participativos nacionais. Rio de
Janeiro: Ipea, 2012. CVM: Comissão de Valores Imobiliários
DPF: Departamento de Polícia Federal
DRCI: Departamento de Recuperação de Ativos e
Cooperação Jurídica Internacional
Enccla: Estratégia Nacional de Combate à
Corrupção e à Lavagem de Dinheiro
Encla: Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro
FATF: Financial Action Task Force
Focco: Fórum Permanente de Combate à Corrupção
• Tomo 2 •

Gafi: Grupo de Ação Financeira Internacional

374 375
GGI: Gabinete de Gestão Integrada
GNCOC: Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas
GSI: Gabinete de Segurança Institucional
GT: Grupo de Trabalho
Marcco: Movimento Articulado de Combate à Corrupção
MJ: Ministério da Justiça
MPF: Ministério Público Federal
CONCLUSÕES
MPOG: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
MPS: Ministério da Previdência Social
MRE: Ministério das Relações Exteriores
NCCT: Non-Cooperative Countries and Territories
Arthur Trindade Maranhão Costa
PGFN: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Bruno Amaral Machado
PF: Polícia Federal
Cristina Zackseski
Previc: Superintendência Nacional de Previdência Complementar
RCGP: Rede de Controle da Gestão Pública Os estudos no campo dos delitos econômicos e de corrupção, na esteira da obra
RFB: Receita Federal do Brasil seminal de Sutherland, indicam a seletividade do sistema penal e os entraves para a
investigação, a persecução penal e o julgamento (Sutherland, 1940, 1945, 1983). Nas
Susep: Superintendência de Seguros Privados
últimas décadas, a literatura na área aponta a necessidade de revisitar o conceito de
TCU: Tribunal de Contas da União crime de colarinho branco, dadas a complexidade das atividades econômicas e a diver-
UIF: Unidade de Informação Financeira sificação das práticas e dos sujeitos inter-relacionados (Croall, 1992; Shapiro, 1994;
Nelken, 1994). A crise financeira do final da década de 2000 trouxe novamente à tona
o crime de colarinho branco e possibilitou novas análises tanto das condições em que
ocorrem as práticas quanto dos limites em que opera o sistema de justiça criminal
(Brotherton; Handelman; Will, 2013; Young, 2013; Friedrichs, 2013).

Nesta pesquisa, nosso foco dirigiu-se para a investigação e a persecução pe-


nal dos delitos econômicos e de corrupção. O mapeamento exploratório realizado no
Capítulo 1 revelou diversos estudos que apontam cenário complexo no qual atua o sis-
tema de justiça criminal. A literatura indica diferentes percepções sobre a atuação do
Judiciário ao longo dos anos, de acordo com a criminalidade analisada, o que apenas
reforça a necessidade de adensar o campo de pesquisa.

Por meio de técnicas quantitativas e qualitativas, o foco deste estudo dirigiu-


-se à atuação das organizações que participam da divisão do trabalho jurídico-penal,
na esfera do sistema de justiça federal. Enquanto a análise exploratória evidenciou
que distintas organizações de controle, regulação e fiscalização desempenham ativi-
dades que são relevantes para futuras investigações e persecuções penais, a análise
• Tomo 2 •

do fluxo do sistema de justiça possibilitou confrontar alguns dados referentes ao


resultado final das ações propostas, conforme descrevemos, e a análise qualitativa

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

permitiu aprofundar o conhecimento sobre as condições em que são realizadas as objeto da pesquisa, destacamos no organograma interno a especialização para instru-
investigações, bem como as distintas percepções sobre o desempenho das atividades ção e julgamento de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e crimes de lavagem
pelos atores e pelas organizações envolvidas. ou ocultação de bens, direitos e valores. Nas unidades federativas selecionadas para
a pesquisa, identificamos a especialização em todas as capitais e no Distrito Federal.
Os modelos organizacionais da PF, do MPF e da Justiça Federal evidenciam
trajetórias diferenciadas a partir da Constituição de 1988. Cada uma das organizações Em suma, a análise dos modelos formais indica transformações relevantes e
analisadas passou por processos históricos específicos e vivenciou transformações im- adequação das estruturas internas às novas demandas nas organizações pesquisadas,
portantes na construção das identidades. Notamos momento de turbulência interna, especialmente em relação aos delitos econômicos e de corrupção. Entretanto, con-
especialmente na PF, fruto de intenso conflito entre as carreiras policiais e disputas por forme foi possível identificar, os modelos instituídos não necessariamente alteram
parcela de poder intraorganizacional. as práticas organizacionais nem garantem a redefinição das prioridades internas se
inexistem mecanismos que permitam o desempenho das funções e das práticas ajus-
Conforme foi possível mapear, a especialização indica que, nos estados, as tadas aos novos desafios.
superintendências contam com delegacias especializadas na investigação de delitos
econômicos e de corrupção: Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros (Delefin),
Delegacia de Repressão a Crimes Previdenciários (Deleprev) e Delegacia de
Repressão a Crimes Fazendários (Delefaz). A partir de 2012, foram instituídas no- ***
vas Delefins em alguns estados, além das já existentes delegacias responsáveis pela
investigação de crimes financeiros e desvios de recursos públicos, e ainda manti- Na fase quantitativa, de caráter exploratório, buscamos inicialmente mapear o
dos, em parte deles, os Grupos de Repressão a Crimes Financeiros (GRFINs). A montante dos delitos selecionados, a partir da extração de dados da base do Sistema
articulação nacional conforma-se a partir da Diretoria de Investigação e Combate Único do MPF, do total de denúncias e arquivamentos registrados no sistema de justi-
ao Crime Organizado (Dicor), responsável pelo estabelecimento das prioridades ça federal em 2012, ano-base da pesquisa, conforme explicitado no Capítulo 3.
de atuação na investigação do crime organizado. A Dicor engloba, entre outras,
a Divisão de Repressão de Crimes Financeiros (Defin) e a Coordenação-Geral de Os percentuais de denúncias em relação ao total de inquéritos policiais (so-
Polícia Fazendária (CGPFAZ). Esta, por sua vez, contempla, conforme organogra- matório de denúncias e arquivamentos), conforme base de dados do Sistema Único,
ma, a Divisão de Repressão a Crimes Fazendários (Defaz) e a Divisão de Repressão indicam que Mato Grosso do Sul é o estado onde o MPF tem o maior percentual em
a Crimes Previdenciários (Deprev). relação aos procedimentos arquivados (49,67%). São Paulo e Roraima apresentam as
menores taxas, com 5,78% e 7,46%, respectivamente. Os estados do Piauí, Amazonas,
O Ministério Público Federal foi estruturado em diferentes níveis. Nos esta- Espírito Santo, Tocantins, Pará e Rio Grande do Sul apresentam taxas entre 41% e
dos, organiza-se territorialmente, com Procuradorias da República nas capitais e 49%. Paraíba, Paraná, Mato Grosso, Minas Gerais, Rondônia, Rio Grande do Norte,
Procuradorias da República nos municípios, a depender das demandas internas e ne- Bahia, Ceará, Santa Catarina, Sergipe e Goiás registram variações entre 30% e 40%.
cessidades específicas de especialização temática. Para o objeto desta pesquisa, desta- Pernambuco e Distrito Federal, entre 24% e 27%. Rio de Janeiro, Maranhão, Alagoas
camos a criação de Núcleos de Combate à Corrupção (NCC), fruto de arranjos locais, e Acre, entre 10% e 20%.
que recebeu apoio institucional da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão. Nas uni-
dades da federação selecionadas para a pesquisa, apenas São Paulo não contava com A análise dos crimes selecionados na pesquisa, definidos como corrupção e
NCCs. As Câmaras de Coordenação e Revisão são instâncias relevantes que buscam delitos econômicos, aponta variação em relação à tabela do total de movimentação
uniformizar a atuação dos procuradores e centralizar o seu foco em temáticas prio- criminal no sistema de justiça federal. Os percentuais de denúncias em relação ao to-
ritárias. Neste estudo ressaltamos os projetos em curso, especialmente os grupos de tal de inquéritos policiais (somatório de denúncias e arquivamentos), conforme base
trabalho relacionados ao desempenho de atividades voltadas para a persecução penal de dados do Sistema Único, indicam que Amazonas é o estado onde o MPF tem o
dos delitos econômicos e de corrupção. maior percentual em relação aos procedimentos arquivados (50,30%). São Paulo, Acre
e Roraima apresentam as menores taxas, com 8,13%, 5,88% e 2,56%, respectivamente.
Entre as diferentes mudanças apontadas na estrutura organizacional da Justiça Os estados do Espírito Santo, Pará, Ceará, Paraíba, Goiás, Bahia, Rio Grande do Sul,
• Tomo 2 •

Federal, relevamos a interiorização das Varas Federais e a especialização das Varas nas Piauí e Minas Gerais apresentam taxas entre 40,5% e 49,49%. Paraná, Rio Grande do
capitais. A interiorização promoveu a ampliação do acesso jurisdicional. Em relação ao Norte, Tocantins, Pernambuco, Santa Catarina, Sergipe e Mato Grosso do Sul registram

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

variações entre 31,09% e 39,81%. Amapá, Mato Grosso, Distrito Federal e Rondônia, do DF (38%). Em relação aos crimes de inserção de dados falsos em sistema de in-
entre 26,47% e 29,75%. Rio de Janeiro e Alagoas registraram taxas de denúncia de formação, tanto São Paulo quanto o Paraná apresentam a taxa de 0,0%. No entanto,
10,78% e 15,38%, respectivamente. vale destacar que o Paraná registrou apenas um caso, que foi arquivado, ao passo que
em São Paulo os 18 casos registrados foram objeto de arquivamento. O DF apresenta
A ausência de registros confiáveis sobre o local, a data do fato e a forma como o
a taxa de 15% e Pernambuco, de 66%, devendo-se ressaltar o registro de apenas três
inquérito foi instaurado (flagrante ou portaria), entre outras informações relevantes,
casos nesse estado do Nordeste (duas denúncias ofertadas).
impossibilita análise aprofundada sobre a disparidade das taxas de denúncia nos dife-
rentes estados. Algumas hipóteses podem ser levantadas para discussão. A diversidade A distribuição de ações penais e arquivamentos no transcorrer de 2012 indica
das estruturas de apoio material e humano da PF e do MPF instaladas no território que, até três anos, há um percentual de denúncias ligeiramente superior. Ao atingir
nacional pode ser variável importante. A construção de arranjos locais marcados pelo três anos e meio, os percentuais de denúncia e arquivamento são equivalentes; após
padrão de atuação conjunta e a definição de prioridades e de estratégias de atuação po- esse patamar, o número de arquivamentos é mais elevado. No entanto, nos crimes
dem indicar variações, inclusive entre interior dos estados e capitais. Outra hipótese, selecionados neste estudo, a grande diferença ocorre nos três primeiros anos de in-
talvez mais factível, indica taxas de denúncia mais significativas em que predominam vestigação, quando os percentuais de denúncia são significativamente superiores aos
os inquéritos instaurados por auto de prisão em flagrante, para apurar crimes menos arquivamentos. Nesse caso, evidencia-se que a rapidez da investigação está associada
complexos ou de investigação rápida. O grande volume de inquéritos instaurados pela ao maior volume de inquéritos policiais que geram ações penais, ou seja, a variável
PF pela prática dos crimes de contrabando ou descaminho é um dos prováveis indica- tempo indica o perfil da investigação com maior probabilidade de que seja obje-
dores para aferir a disparidade encontrada na primeira fase da pesquisa. to de persecução penal. A pesquisa indicou que o Distrito Federal e Pernambuco
não apresentam diferenças significativas nos tempos de denúncia e arquivamento,
Em relação aos delitos econômicos, o estudo apontou, nos crimes contra a ordem
ao contrário de São Paulo e do Paraná, onde os tempos médios de denúncia são
tributária, que, à exceção de São Paulo, com taxa de denúncia em 9,49% dos inquéri-
inferiores aos de arquivamento. Além disso, apontou que São Paulo e o Paraná apre-
tos, o Paraná, o DF e Pernambuco apresentam taxas de denúncia próximas da média
sentam, de forma geral, médias de tempo de denúncia e arquivamento superiores às
nacional (40%). Quanto aos crimes financeiros, o DF apresenta taxa próxima à
do Distrito Federal e de Pernambuco.
média nacional (33%) e Pernambuco está um pouco acima (46,15%), enquanto o Paraná
(14,7%) e São Paulo (10,70%) apresentam médias bastante inferiores. Em relação aos No Distrito Federal, a análise de processos e inquéritos no ano selecionado para
crimes previstos na Lei de Licitação, apenas Pernambuco apresenta taxa de denúncia a pesquisa permite algumas comparações. Conforme ressaltamos, a peculiaridade da
(25%) próxima à média nacional; os demais estados e o DF apresentam taxas inferiores atuação da PF nos crimes selecionados indica a prisão em flagrante em 4% dos pro-
a 20%. A persecução penal dos crimes de lavagem de ativos indica taxas inferiores a 10% cessos e 2,3% dos inquéritos analisados. Geralmente as investigações são iniciadas por
em São Paulo e no Paraná, enquanto no DF chega a 16%. Embora Pernambuco apresente meio de portaria da autoridade policial. Algumas hipóteses explicativas podem ser
taxa de 50%, quase o dobro da média nacional, deve-se considerar que foram registrados formuladas em relação à disparidade das taxas de denúncia nas unidades federativas
apenas quatro casos em 2012. analisadas. De início, podemos argumentar que o pequeno número de flagrantes pode
estar associado à especificidade dos delitos selecionados. Os inquéritos instaurados
Na primeira fase de levantamento dos dados do Sistema Único, constatamos
por auto de prisão em flagrante indicam, em tese, uma taxa de denúncia mais signifi-
que quase 50% dos crimes contra a Administração Pública são tipificados como con-
cativa em relação aos inquéritos instaurados por portaria, mas outras hipóteses podem
trabando ou descaminho. Na análise preliminar do fluxo, em relação aos tipos pe-
ser levantadas para discussão. As localidades em que a atuação da PF se concentra na
nais selecionados no título dos crimes contra a Administração Pública, destacamos,
repressão dos crimes de descaminho ou tráfico de drogas podem apresentar maiores
quanto ao crime de corrupção passiva, que o DF e São Paulo ocupam polos opostos,
taxas de denúncia em razão de preservação da prova e rapidez na investigação. Os da-
com 26% e 3%, respectivamente, e Pernambuco e o Paraná ocupam posição inter-
dos obtidos na análise quantitativa são confirmados pela pesquisa qualitativa: o tempo
mediária, com taxas de 12% e 14%. São Paulo também apresenta a menor taxa de
é um dos fatores relevantes na obtenção da prova.
denúncia nos crimes de corrupção ativa (7%), seguido do DF (25%), de Pernambuco
(50%) e do Paraná (60%). Em relação ao crime de sonegação de contribuição previ- A configuração do sistema de comunicação e controle relaciona-se tanto à
denciária, São Paulo apresenta taxa de 4%; Pernambuco, de 10%; o DF, de 11%; e o peculiaridade dos crimes analisados quanto ao papel de diferentes organizações
• Tomo 2 •

Paraná apresenta o maior percentual, com 37%. Nos crimes de peculato, São Paulo reguladoras ou de controle. O TCU é a instituição que mais aciona o sistema de
ocupa a última posição, com 4%, seguido do Paraná (27%), de Pernambuco (34%) e justiça federal em Brasília nos processos criminais, ao passo que o MPF figura como

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

a principal instituição requisitante nos inquéritos arquivados. As investigações são, em tigação, a falta de integração entre policiais federais e procuradores da República
regra, conduzidas pela PF, por meio do inquérito policial, sendo escassas as realizadas ou a ausência de articulação com organizações reguladoras, de fiscalização ou de
pelo MPF. Se, por um lado, as perícias são recorrentes nas ações penais iniciadas, por controle, que não raramente demoram a emitir as comunicações oficiais ou não
outro, poucas foram identificadas nos inquéritos arquivados, o que reforça o argumento providenciam elementos suficientes para a persecução penal.
da relevância da prova técnica para a formação da convicção para a persecução penal,
visão compartilhada pelos Tribunais Superiores na avaliação das características que
deve reunir uma investigação criminal, conforme indicado pela pesquisa exploratória
realizada no Capítulo 1. Outra divergência encontrada foi o elevado número de ***
devoluções dos inquéritos concluídos formalmente pela autoridade policial para
novas diligências nas ações penais iniciadas, ao passo que foram identificadas poucas Na fase qualitativa da pesquisa, os relatos dos atores que ocupam posições re-
devoluções para novas diligências nos inquéritos arquivados, quando o delegado levantes nas organizações pesquisadas sugerem importantes pistas para compreender
considera concluídas as diligências. Apesar do elevado grau de especialização da as rotinas, as dificuldades e as experiências exitosas nas atividades de investigação e
PF, poucos foram os inquéritos, tanto aqueles que originaram ações penais quanto persecução penal dos delitos econômicos e de corrupção no sistema de justiça federal.
os arquivados, concluídos por delegacias especializadas. A pesquisa aponta pouca
divergência entre delegados e procuradores da República quanto à definição jurídica Os policiais federais descrevem mudanças legais, funcionais e estruturais im-
dos fatos, igualmente em relação aos processos criminais e aos inquéritos arquivados. plantadas na PF nos últimos anos. As falas dos participantes indicam mudança impor-
O perfil dos acusados não destoa da imagem difundida no senso comum. Predominam tante no foco organizacional a partir de 2003, quando houve crescente interesse insti-
empresários e profissionais liberais com idade entre 40 e 65 anos e com escolaridade tucional pela investigação da corrupção e dos delitos econômicos. As narrativas des-
superior, em regra assistidos por defesas constituídas. crevem detalhes dos novos padrões de atuação policial a partir das chamadas “grandes
operações”. O sítio oficial da PF relaciona as operações realizadas a cada ano, o que
Nos últimos anos, pesquisas no Brasil apontam novas possibilidades de análise. indica estratégia de visibilidade institucional em atividades que a organização reputa
Parte dos estudos na área indica o crescimento do número de condenações comparati- valorizadas social e politicamente.
vamente ao de absolvições, o que sugere indagar sobre possíveis alterações no cenário
em que ocorre o controle penal de delitos dessa natureza (Beck, 2013; Machado, M., Os relatos dos policiais federais apontam, contudo, mudanças importantes nos
2010). Certamente, futuras investigações devem ser realizadas a fim de compreender últimos anos, especialmente em razão da escassez de recursos materiais e humanos
e contextualizar as condições em que ocorrem os julgamentos e trazer novas reflexões para atuar nas mais diferentes áreas incumbidas à PF. Embora não tenha sido dis-
sobre a forma como operam as organizações que participam da divisão do trabalho ponibilizada informação detalhada da distribuição das diferentes carreiras policiais
jurídico-penal. Na pesquisa do fluxo dos processos criminais instaurados no DF em entre as unidades existentes em território nacional, o trabalho de campo indica que os
2012, constatamos 46 absolvições sumárias (referentes a três processos) e cinco de- serviços burocráticos competem diretamente com as atividades-fim da organização.
núncias rejeitadas por ausência de justa causa (18 denunciados).
Em relação às atividades desempenhadas, destacamos que a Polícia Federal
A análise quantitativa aponta um número elevado de arquivamentos em re- exerce diversos papéis de polícia administrativa e ostensiva que competem com a
lação aos inquéritos concluídos pela PF. Não é possível inferir, de forma peremptó- função de polícia judiciária. Além das delegacias prioritariamente estruturadas para
ria, que o fato decorreria da insatisfatória atividade investigativa, pois um inquéri- a investigação, há as que desempenham funções não exatamente típicas de polícia,
to bem conduzido pode propiciar elementos de convicção de que o fato é atípico, como as delegacias especializadas em produtos químicos, controle de armas, seguran-
cumprindo plenamente sua finalidade instrumental. Contudo, destacamos que os ça privada, passaportes, entre outras. Na alocação dos recursos escassos, nem sempre
procuradores entrevistados (em entrevistas em profundidade e grupos focais) fo- a função de polícia judiciária é priorizada pela direção-geral. Ao contrário, os relatos
ram uníssonos nas críticas à qualidade da investigação realizada. Na análise dos apontam que eventos nacionais ou internacionais podem repercutir diretamente sobre
processos e dos inquéritos no sistema de justiça federal no DF, conforme constata- a PF, pois, de acordo com necessidades pontuais e específicas, deslocam-se efetivos e
mos, a maioria dos inquéritos foi arquivada pela ausência de provas e pela prescri- realocam-se as prioridades institucionais. Além disso, a interiorização da PF, infor-
ção, reforçando a tese de que a investigação não teria sido satisfatória, o que supõe mam os participantes da pesquisa, orienta-se muitas vezes por critérios políticos, e não
• Tomo 2 •

diferentes hipóteses explicativas, como o mau desempenho da atividade de inves- necessariamente pelas necessidades da atividade-fim.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

A investigação policial, objeto desta pesquisa, aponta frentes para análise. que afetam o resultado final, outros fatores interferem na atividade desempenhada
Quando o foco é orientado para os delitos econômicos e a corrupção, a atividade de pela PF. A obrigatoriedade da ação penal supõe obstáculo importante para a seleção
polícia judiciária supõe enfrentar a complexidade da prova e a necessidade de conhe- das investigações. Os relatos indicam que as atuais exigências de produtividade nem
cimentos técnicos adquiridos em áreas como economia, contabilidade, engenharia, sempre geram critérios mais racionais na alocação dos recursos policiais. Do ponto de
informática etc. A interdisciplinaridade exigida na investigação supõe desafios e a vista da atuação mais racional para atender ao interesse público, poderíamos pensar
construção de novos padrões de atuação. A especialização de unidades e a consolida- também no direcionamento dos esforços de investigação de problemas específicos,
ção de um corpo técnico formado por peritos, expertos nos mais diferentes campos identificados por estudos de impacto e relevância dos diversos tipos de lesão efetiva a
da ciência, supõem a construção de formas de atuação intraorganizacional. O “saber- bens jurídicos de interesse coletivo, “a partir dos quais os parâmetros definidores de
-fazer pericial” é imprescindível nas rotinas em áreas específicas, como a selecionada produtividade não seriam semelhantes aos da iniciativa privada (quantitativo de ope-
nesta pesquisa. O “saber-fazer” prático dos agentes de polícia, o “conhecimento dos rações, denúncias, processos ou julgamentos) e sim do retorno aos cofres públicos de
tiras”, também é rearticulado como parte importante da investigação. recursos desviados e outros indicadores desta natureza” (Capítulo 4).
A divisão do trabalho policial, conforme evidenciou a etapa de campo da pes- Apesar da obrigatoriedade da ação penal, notamos nos discursos dos policiais
quisa, revela conflitos entre as diferentes carreiras policiais federais. Agentes de polícia a existência de diversos tipos de seletividade: uma formal, referente aos prazos e à
e peritos ressentem-se das últimas mudanças legislativas que reafirmaram a hierarquia discricionariedade para instaurar ou não o inquérito policial; outra mais intuitiva,
do delegado no modelo organizacional da PF. As disputas remetem à relevância do operando com critérios políticos, corporativos ou mesmo midiáticos; outra, ainda,
profissionalismo como variável importante para a análise organizacional. A análise da econômica, concentrada na dimensão dos desvios de recursos públicos, o que supõe
composição das carreiras nos últimos anos indica que o efetivo de delegados da PF em articulações hierárquicas e negociações com as respectivas superintendências, pois
relação aos agentes e aos peritos foi alterado, especialmente com a realização de diver- as “operações” dependem de verba para viabilizar o cumprimento de diligências,
sos concursos a partir da década de 2000. A proximidade com o mundo da política
ações interestaduais ou mesmo internacionais, cooperação interinstitucional etc. O
também não deve ser descartada: a informalmente referida como “bancada da Polícia”
trabalho de campo aponta que a deliberação por prioridades na investigação nem
conta com um número relevante de delegados da PF.
sempre se relaciona ao interesse público ou à dimensão da ofensa ao bem jurídico
O saber jurídico, personificado na figura do delegado de polícia, profissional tutelado. Assim, opera-se a seletividade a partir de critérios pouco transparentes e
da tradução do mundo policial para o sistema jurídico, não é uma variável irrelevante definidos em contexto de isolamento, falta de comunicação e cooperação. No entan-
na nossa análise – a afirmação da superioridade hierárquica do delegado é tanto sim- to, as tarefas podem ser negociadas e sincronizadas, e, eventualmente, a construção
bólica quanto instrumental. Reafirma-se a posição de mando de profissional da área de arranjos informais, fundados em critérios pessoais e na experiência, pode confor-
jurídica, em movimento em que os delegados se aproximam das carreiras jurídicas mar redes de cooperação, alianças tópicas e modelos locais.
sem deixar de ser policiais. Os agentes ressentem-se não apenas da relação de subordi-
Os policiais federais explicitam diferentes percepções sobre os papéis desempe-
nação, mas também da trava salarial imposta pelo modelo hierárquico.
nhados. Os agentes criticam a forma como os delegados se posicionam institucional-
Os peritos, igualmente, questionam o maior prestígio conferido aos profissionais mente e queixam-se da falta de estímulos e da descrença sobre os rumos da carreira.
da área jurídica. As narrativas dos peritos, que atuam nos subsistemas científicos, indi- Os peritos também são críticos em relação aos delegados e recomendam modelo que
cam que um profissional do Direito nem sempre é o mais capacitado para o comando flexibilize a hierarquia e articule formas menos burocráticas na condução das investi-
das investigações. O desconhecimento técnico de investigações complexas leva a dificul- gações, valorizando o saber técnico. Alguns dos relatos de agentes e peritos apontam
dades para traçar estratégias a partir de hipóteses iniciais. A ausência de linha investiga- modelos em que o delegado desapareceria e o papel do profissional jurídico seria as-
tiva clara e, não raramente, os ciúmes recíprocos dos diferentes nichos organizacionais sumido pelo Ministério Público.
ocupados na estrutura da PF repercutem no resultado final das investigações.
Grande parte das críticas de agentes e peritos associa-se ao formato do inqué-
Além de pontuais interferências políticas que eventualmente podem reorientar rito policial, descrito, de forma unânime por esses profissionais, como ultrapassado,
as prioridades ou mesmo bloquear investigações55 e das disputas intraorganizacionais
• Tomo 2 •

nas operações da Polícia Federal. 14 abr. 2015. ZH Notícias. Disponível em: <http://zh.clicrbs.
55 Confira-se a notícia em que o então presidente da ADPF Marcos Leôncio critica o governo federal com.br/rs/noticias/noticia/2015/04/para-delegados-governo-interfere-nas-operacoes-da-policia-
por interferências nas investigações da Operação Lava Jato (Para delegados, governo interfere federal-4739808.html>. Acesso em: 12 maio 2015).

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

burocrático e ineficiente. Destoam os delegados ao avaliar a função que exercem na ministrativa e eventuais crimes de corrupção e delitos conexos. A proposta de criação
investigação e a forma como percebem e representam o inquérito policial. Alguns dos dos Núcleos de Combate à Corrupção (NCCs) é avaliada positivamente, embora não
delegados participantes associam a função que desempenham à de um “juiz instru- tenha sido aprovada em todas as capitais. Nas unidades federativas focalizadas nesta
tor”, o que marca a proximidade com os magistrados e o distanciamento em relação pesquisa, identificamos que todas as procuradorias locais instituíram NCCs.
ao Ministério Público. Este seria parte interessada na acusação penal, ao passo que o
delegado seria “equidistante e desinteressado” ao conduzir investigações não necessa- A consolidação dos modelos de NCCs, experiência pioneira que recebe crescente
riamente voltadas para embasar futura ação penal. Nessa linha, o paradigma do “bom institucionalização formal, fundamenta-se no princípio de racionalização do trabalho e
inquérito”, na fala dos delegados, é aquele que enseja a ampla apuração dos fatos e tratamento jurídico concentrado em relação aos atos de corrupção e aponta incremen-
possibilita todas as condições para a atuação das demais organizações que participam to das investigações pelo MPF. No transcorrer dos inquéritos civis públicos, eventuais
da divisão do trabalho jurídico-penal, ou seja, não apenas para a persecução penal mas infrações penais podem ser conjuntamente identificadas e, assim, prescinde-se do in-
também para o arquivamento. quérito policial. Entretanto, há enorme insatisfação em relação ao suporte humano e
técnico disponibilizado para as procuradorias. Avalia-se a estrutura como insuficiente
As interações interorganizacionais também revelam diferentes percepções sobre para atender a todas as demandas, especialmente para a realização de investigações mais
outras profissões jurídicas e, especialmente, em relação a outras organizações do sistema complexas e até mesmo para o cumprimento de diligências mais simples.
de justiça federal. Os delegados ressentem-se das investidas do MPF ao papel que desem-
penha o delegado como presidente do inquérito policial. Afirmam que as investigações O campo indica diferentes perspectivas para análise intraorganizacional. Em rela-
realizadas pelo MPF seriam pouco transparentes e não estariam sujeitas a controle e que, ção à interação entre procuradores da República e procuradores regionais da República,
além disso, os procuradores não teriam sido treinados para a investigação, o que impe- os relatos informam percepções distintas conforme as regiões das unidades federativas
diria a produção de resultados satisfatórios. De outro ângulo, os delegados informam selecionadas. A interação com os membros que integram a Procuradoria Regional da
proximidade com os magistrados. Conforme ressaltado, as falas associam o papel do República – 1ª Região (PRR1) é avaliada de forma predominantemente negativa, ao
delegado ao de um autêntico “juiz instrutor”. Os encontros realizados entre magistrados contrário das descrições em relação às interações entre membros que atuam perante as
e delegados da PF seriam momentos não apenas para estreitar relações interinstitucio- Procuradorias Regionais da República da 3ª Região (PRR3) e da 4ª Região (PRR4), que
nais, mas para “aprimorar” o produto oferecido pela PF por meio do inquérito policial, apontam mais proximidade e facilidade de comunicação entre as diferentes unidades.
segundo parâmetros orientados pela futura avaliação judicial. O foco seria, assim, as Os participantes, em regra, ressentem-se da ausência de mecanismos institucionais de
necessidades da instrução criminal. O distanciamento em relação aos procuradores da interação, pois predominam os contatos pessoais. Os perfis dos membros envolvidos
República, por sua vez, sugeriria desarticulação entre organizações que pouco se comu- configuram variável determinante na condução de demandas tópicas.
nicariam entre si, com repercussões práticas muito relevantes. Ao distanciar-se do ator
As Câmaras de Coordenação e Revisão constituem-se em unidades relevantes
responsável pela persecução penal, o produto entregue não necessariamente atende às
na conformação institucional do MPF. A engenharia institucional fundamenta-se nos
expectativas do responsável por iniciar a persecução penal.
princípios da independência funcional e da unidade de atuação. Além da atividade re-
A visão dos delegados não é compartilhada por agentes e peritos, que se dis- visora, a coordenação assume função que merece crescente atenção nos últimos anos.
tanciam do policial detentor do saber jurídico e indicam novos padrões de atuação A idealização de mecanismos de construção de formas de atuação unificadas supõe di-
em que o delegado perderia a centralidade no modelo de investigação. A ausência ferentes estratégias e práticas organizacionais. A formação de grupos de trabalho para
de sintonia entre a investigação e a persecução penal certamente é um dos pontos a discussão de temas concretos e para a proposição de diretrizes inspiradas pelo princí-
centrais que emergem das falas dos policiais federais. As experiências bem-sucedidas pio da unidade de atuação constitui-se em uma das frentes mais destacadas. O desem-
resultariam de arranjos locais e seriam fruto da cooperação entre profissionais e da penho das Câmaras foi constantemente referido pelos sujeitos da pesquisa. Algumas
articulação para objetivos comuns. das falas relacionam experiências concretas decorrentes da atividade de revisão e mui-
tos relatos apontam a evolução do papel das Câmaras na função coordenadora.
A realização da etapa de campo permitiu aprofundar diferentes aspectos do de-
sempenho do trabalho pelos membros do MPF. Notamos, em regra, que a distribuição Contudo, muitos interlocutores entendem haver necessidade de incrementar a
das atribuições entre ofícios distintos é objeto de grande interesse. Cada localidade coordenação por meio de metodologias que atendam peculiaridades regionais ou lo-
• Tomo 2 •

decide sobre a viabilidade e o interesse na especialização de ofício que acumula a in- cais. Em relação à função revisora, critica-se o que é retratado como posição dissocia-
vestigação por meio do inquérito civil público na apuração de atos de improbidade ad- da das realidades locais. As Câmaras (especialmente a 2ª Câmara) deveriam promover

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

o debate sobre a necessária seletividade das instituições na atuação penal, priorizando as devoluções dos autos para diligências complementares. As provas colhidas seriam
os casos mais graves. Os participantes relatam experiências de organizações, como a insuficientes para a decisão do MPF, pois não trariam elementos nem para o início da
Receita Federal, com padrões racionais que priorizam os casos mais relevantes segun- persecução penal nem para o arquivamento.
do critérios próprios (arrecadação). Ao menos uma das iniciativas relevantes, referida
Em relação ao Judiciário, predominam as críticas à morosidade e aos “critérios
pelos sujeitos da pesquisa e identificada como projeto da 2ª Câmara, relaciona-se ao
diferenciados” para o julgamento dos delitos econômicos. Os participantes destacam
projeto que busca incrementar a representação fiscal para fins penais de forma a, se
a realidade das Varas Federais no interior do País, sem a estrutura mínima para atuar
possível, prescindir do inquérito policial.
nos casos de maior complexidade, o que demanda auxílio de magistrados substitutos
A pesquisa também enseja diferentes perspectivas para análise interorganiza- para não inviabilizar o funcionamento das unidades. Alguns dos participantes
cional. Uma das organizações instituídas na divisão do trabalho jurídico-penal é a ressentem-se de que a especialização das Varas com competências para a lavagem de
Polícia Federal. As narrativas dos interlocutores confirmaram os conflitos veiculados dinheiro e os crimes financeiros não necessariamente levaram a maior eficiência na
nos meios de comunicação de massa, objeto de projeção nacional durante a tramitação prestação jurisdicional. A especialização é elogiada como necessária, mas nem todos
da denominada PEC 37, que afastava a possibilidade de os membros do MP realizarem os magistrados teriam vocação para a matéria. O perfil do magistrado ainda seria
investigações. A interação com os delegados da PF é representada como difícil e pouco determinante no desempenho do Judiciário, notadamente quando o caso envolve
institucionalizada. Alguns relatos mencionam boas experiências de atuação conjunta criminalidade complexa e demanda conhecimento interdisciplinar.
com delegados, mas seriam experiências pontuais e personalizadas. São escassas as
A crítica é mais acirrada em relação ao desempenho dos Tribunais Regionais
referências a interações diretas com peritos e agentes da PF.
Federais e dos Tribunais Superiores. As avaliações abrangem o modelo processual
Elogia-se a qualidade técnica do trabalho pericial, apesar de a estrutura ser in- penal, com um número excessivo de recursos que tornariam infindáveis os proces-
suficiente para atender à enorme demanda. Alguns agentes são especialmente elogia- sos criminais, especialmente aqueles mais complexos. Não seriam raros os casos de
dos pela expertise adquirida em anos do exercício da investigação, embora, avaliam prescrição pela excessiva demora em se proferir a decisão final. Alguns interlocuto-
os sujeitos da pesquisa, predomine o desestímulo entre eles diante do novo modelo res apontam o predomínio da jurisprudência restritiva à investigação e à persecução
legal, que reforçou a posição hierárquica do delegado. Os participantes queixam-se penal, o que, em ao menos um dos relatos, se associa ao que é descrito como “visão
da falta de transparência da PF na definição das prioridades. As grandes operações, descontextualizada” da peculiaridade dos delitos econômicos, que requerem padrões
muitas vezes, seriam deflagradas sem o necessário acompanhamento do responsável diferenciados de exigência probatória em relação à criminalidade tradicional.
pela persecução penal. De outro ângulo, as experiências exitosas, em algumas opera-
A especificidade dos delitos selecionados nesta pesquisa remete ao papel
ções, decorreriam de arranjos específicos e formas de atuação conjunta, resultado da
desempenhado por distintas organizações de controle, de fiscalização ou de regu-
construção de padrões de interação organizacional ainda fortemente relacionados aos
lação. As narrativas indicam diferentes visões e avaliações. Algumas instituições
membros e aos servidores que ocupam posições específicas.
como a Receita Federal, o TCU, o Bacen e a CGU são elogiadas pela qualidade
Grande parte dos inquéritos tramitaria durante longos períodos sem a direção do trabalho técnico. Contudo, especialmente em relação ao Bacen e ao TCU, a
da autoridade policial. O inquérito é criticado por todos os procuradores como proce- demora na instauração, tramitação, conclusão e remessa dos procedimentos admi-
dimento burocrático e ineficiente, particularmente para a investigação da corrupção e nistrativos ao MPF impossibilitaria o início da persecução penal em face da pres-
dos delitos econômicos. Ao discorrerem sobre a experiência na área penal, os partici- crição. Entre as instituições, o Coaf é a que, segundo os relatos, deveria aprimorar
pantes apontam que a maioria dos inquéritos policiais concluídos pela PF é arquivada a qualidade dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) a fim de possibilitar
por não cumprir o objetivo proposto: a completa apuração do fato investigado. Os as condições necessárias para a investigação. Predominam as narrativas de que
procuradores não divergem da imagem retratada pelos delegados de que o inquérito as informações seriam, em regra, arquivadas ou remetidas à PF para investigação
exitoso é aquele que traz o mais completo esclarecimento possível dos fatos investi- policial. A relevância da CGU na atividade de fiscalização teria sido enfraquecida
gados. Não necessariamente o arquivamento é sinal de uma investigação conduzida pela carência de recursos para o desempenho das suas funções. Os participan-
de forma inadequada. De um lado, os delegados apontam que muitas devoluções de tes enfatizam a necessidade de prover treinamento para essas agências a fim de
inquéritos à PF poderiam constituir-se na forma de o MPF gerenciar a escassez ma- aprofundar suas investigações de forma a permitir a persecução penal pelo MPF.
• Tomo 2 •

terial e humana em situações específicas. De outro lado, os relatos dos membros do Assim, o inquérito policial seria prescindível em muitos casos que envolvem deli-
MPF indicam a predominância de investigações insuficientes e que seriam constantes tos econômicos e de corrupção.

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Conforme foi possível identificar, as narrativas dos magistrados indicam que a há os que enfatizam a diferenciação do exercício da jurisdição confrontando-a com a
especificidade dos delitos econômicos e de corrupção leva à diversificação dos atos de atividade policial, conduzida de forma inquisitorial. A prova oral deve ser reproduzida
instrução, o que torna difícil a consolidação de rotinas específicas. Os procedimentos, sob o crivo do contraditório. Apesar de presentes a materialidade e a autoria, nem
em regra, pautam-se pela legislação processual penal, embora, conforme os relatos, sempre há evidência do elemento subjetivo do tipo, objeto de perquirição na fase de
não seja adequado apontar a existência de um padrão probatório único. Os magis- instrução, o que não necessariamente é avaliado como deficiência do inquérito poli-
trados, por suas experiências profissionais, entendem que as provas mais relevantes cial, uma vez que este deve-se inspirar na celeridade e no caráter provisório dos ele-
decorrem da peculiaridade dos casos. A complexidade dos fatos requer apoio técnico mentos probatórios colhidos. Assim, a investigação deve trazer elementos suficientes
e a colaboração de distintas organizações da Administração Pública. para a instrução, momento em que o magistrado, de acordo com o tempo necessário
para formar a convicção, preside o julgamento.
No âmbito organizacional, os relatos avaliam positivamente a tendência de es-
pecialização das Varas Federais para a instrução e o julgamento de crimes financeiros Os sujeitos da pesquisa elogiam a qualidade técnica dos membros do MPF.
e de lavagem de dinheiro. Contudo, os magistrados participantes relacionam alguns Especificamente em relação aos delitos econômicos e de corrupção, a qualidade da
problemas importantes enfrentados por muitas Varas Federais: a falta de apoio técnico acusação penal supõe prévia investigação e obtenção de prova suficiente para a per-
especializado e a escassa preparação, tanto de servidores quanto dos próprios magis- secução. Conforme narram alguns dos interlocutores, em regra, há pouca articulação
trados, para a criminalidade complexa. Ressentem-se de que as Varas disponham de entre policiais federais e procuradores da República, o que é avaliado negativamente.
recursos inadequados, especialmente se confrontados com aqueles disponibilizados
Os magistrados apontam distanciamento das investigações que tramitam dire-
para os Tribunais Regionais. Algumas das narrativas destacam que o aumento do vo-
tamente entre MPF e PF. Apenas quando há alguma medida cautelar, ocorre o contato
lume de processos criminais impõe a necessidade de se repensar prioridades, dentro
com mais profundidade com a prova inquisitorial. De outro ângulo, alguns dos relatos
de certos limites operacionais, tarefa da qual tem participado o CNJ.
são especialmente críticos sobre o que é descrito como “péssima seleção” dos casos que
Os magistrados avaliam positivamente a formação dos policiais federais. Os pe- se tornam objeto de persecução penal. O número elevado de casos pouco relevantes
ritos são especialmente elogiados pela qualidade do trabalho e pela relevância para a ou mesmo insignificantes acabaria prejudicando a tramitação dos casos mais impor-
instrução criminal. As narrativas descrevem experiências de encontros entre magis- tantes. Em regra, o trabalho de campo indica que os magistrados tendem a arquivar os
trados e delegados da PF, oportunidade em que são debatidas questões de interesse inquéritos policiais, ratificando as teses apresentadas pelos procuradores da República.
interorganizacional, uma vez que o foco seria a produção de uma investigação ajustada
As narrativas destacam que os contatos e as comunicações com organizações
para as necessidades jurisdicionais.
que desempenham papéis relevantes em distintas fases da investigação de delitos eco-
A pesquisa exploratória sobre a visão dos Tribunais Superiores em relação à in- nômicos e de corrupção, como o Coaf, a CVM, o TCU, a CGU, o Bacen e a Receita
vestigação criminal indicou que o inquérito policial eficaz deveria reunir determinados Federal, são escassos. Em geral, os contatos limitam-se aos canais institucionalizados,
requisitos: trazer elementos concretos da autoria e o elemento subjetivo exigido pelo ao intercâmbio de informações e à remessa de documentos e análises técnicas. Os
tipo; respeitar os procedimentos processuais a fim de a legalidade não ser questionada relatos sugerem que a interação seria mais frequente entre o MPF e a PF por estarem
judicialmente; guardar ressonância com a prova técnica produzida por outros órgãos do diretamente envolvidos na investigação e na persecução penal.
Estado (Capítulo 1). Na pesquisa qualitativa, os magistrados participantes reconhecem
as dificuldades para atuação da Polícia Federal nas investigações dos delitos econômicos
e de corrupção e apontam entraves organizacionais importantes, como a ausência de
autonomia financeira, complicador para a investigação de casos relevantes. Não rara-
***
mente as investigações são suspensas e os efetivos, redirecionados para necessidades da
Administração Pública, o que supõe atrasos na conclusão dos inquéritos policiais, não Identificamos baixo grau de interação entre as organizações incumbidas de
sendo raros também os casos de prescrição antes da finalização da fase inquisitorial. controlar, regular e fiscalizar áreas centrais para o enfrentamento da corrupção e dos
delitos econômicos. A articulação de tarefas relacionadas à atividade persecutória em
Alguns relatos são especialmente críticos quanto à forma de condução dos in- juízo, como a instauração de procedimentos de investigação e a propositura de ações
• Tomo 2 •

quéritos, mediante procedimentos burocráticos e morosos; outros ponderam que as judiciais, observa agenda de priorização própria (Capítulo 7). Notamos a insatisfa-
investigações policiais, em regra, são suficientes para a persecução penal. No entanto, ção, especialmente entre alguns policiais federais e procuradores da República, com a

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

abordagem não prioritária do levantamento de informações para a persecução penal. inequívoca dificuldade, dado o número elevado e díspar das organizações que parti-
Ao compartilhar informações, percebemos a existência de interações interorganiza- cipam da estratégia, o que é parcialmente contornado pela cúpula gestora, o Gabinete
cionais, mas a lógica segue a agenda própria das instituições, e não a construção de de Gestão Integrada (GGI). Ao contemplar representante de cada instituição formal-
agenda orientada à persecução penal. mente envolvida na Enccla, o GGI assume legitimidade como órgão coordenador.

A investigação e a persecução penal dos delitos econômicos e de corrupção su- Com base em metodologias acordadas em âmbito internacional, as instituições
põem instrumentos para interação organizacional, ausentes no modelo legal e na con- inscritas no GGI e na coordenação das ações desempenham atividades semelhantes ao
formação histórica das organizações selecionadas na nossa pesquisa. As experiências assessoramento técnico, aspecto central na conformação do modelo. Dado o caráter
exitosas de interação interinstitucional “observam o intercâmbio de experiências, de temático da estratégia, há expertise em economia financeira e controle de mercado
aproximação dos sujeitos envolvidos e compartilhamento, ainda que informal, de es- comum entre os participantes, o que constitui identidade profissional que transcende,
tratégias e possibilidades de atuação” (Capítulo 7). em alguma medida, as identidades institucionais dos atores, aproximando-os uns dos
outros. “Isso não quer dizer que as interações não sejam permeadas por eventuais con-
O ponto fundamental que detectamos, conforme avaliações recíprocas dos su-
flitos de ordem institucional. Contudo, uma das realizações da Enccla está ligada à
jeitos organizacionais, resulta da inexistência de agenda comum. O desempenho de
formação ou consolidação desta como comunidade epistêmica” (Capítulo 7).
atividades regulatórias, fiscalizatórias e de controle obedece a racionalidades intra-
organizacionais. Nesse sentido, policiais federais, procuradores da República e juízes Contrariamente a críticas recorrentes no campo da Administração Pública, a in-
federais argumentam que, muitas vezes, as comunicações não se revelam úteis ou re- formalidade da Enccla destaca-se como experiência positiva na integração interorgani-
levantes para a atuação criminal. A incompreensão das racionalidades que orientam zacional. A formação de vínculos pessoais entre profissionais de diferentes instituições,
a atuação dessas organizações, criticam os sujeitos desta pesquisa, leva a demandas imbuídas de atividades inter-relacionadas, surge como facilitador das tarefas cotidianas. A
desconectadas e pouco efetivas para a adequada elucidação de eventuais crimes. Por compartimentalização dos bancos de dados ainda é tida como dificuldade importante na
outro lado, conforme adverte Antonio Suxberger, ao compartilhar “expertises, boas construção de estratégias de atuação – tema a ser enfrentado –, mas não impede a valori-
práticas e ações bem-sucedidas, muitas vezes calcadas nas qualidades pessoais ou nos zação positiva dos interlocutores. Na avaliação destes, a possibilidade de interação pessoal
arranjos particularizados de cada uma das ações”, abre-se a possibilidade de arranjos surge como alternativa para a construção de modelos de atuação mais céleres, para além
institucionais mais bem colocados, para os fins da persecução penal (Capítulo 7). da programação organizacional burocrática, consolidada em fórmulas rígidas e inflexíveis.

*** ***
A Enccla é uma experiência complexa de articulação interorganizacional no com- Notamos nos últimos anos grande interesse da mídia e de diversos grupos so-
bate à lavagem de dinheiro e à corrupção. Apresenta-se como instância importante para a ciais em possíveis formas de controle penal da criminalidade econômica e de corrup-
atuação conjunta do Estado na repressão das referidas atividades criminosas e é definida ção. Não raramente, as expectativas são frustradas pelo transcurso do tempo entre a
como estratégia efetiva pelos participantes e pelos observadores da experiência de atuação investigação criminal e a prestação jurisdicional. De forma recorrente, noticia-se a
– conforme relatório oficial do Gafi. Ressaltamos, contudo, que a Enccla se configura insatisfação com os rumos da investigação durante a instrução processual, e as penas
segundo agenda específica de cooperação internacional e antilavagem, que contempla a são criticadas por sua desproporcionalidade em relação aos fatos.
persecução penal da corrupção, e vai além de uma rede interinstitucional, pois se constitui,
Há diferentes vias para a reflexão sobre o tema. De fato, a justiça criminal segue
segundo André Jakob, “numa superposição de múltiplas redes, como uma amálgama de
lógica programada juridicamente, e a seletividade é tema central da literatura, o que
padrões de interação entre os diversos atores participantes” (Capítulo 7).
pressupõe considerar as limitações da estratégia de intervenção penal e a necessidade
No estudo de caso, utilizamos a perspectiva de intersecção de redes. A Enccla, de contemplar ações muito mais amplas e interdisciplinares. As diferentes trajetórias
ao promover encontros anuais centrados nas ações antilavagem e anticorrupção, con- das organizações que participam da divisão do trabalho jurídico-penal supõem ex-
• Tomo 2 •

figura sistema de articulação – pois contempla múltiplas redes, segundo padrões de tenso rol de premissas decisórias (Machado, 2014). A estabilização de pautas iso-
integração e objetivos específicos. Como vetor unidirecional de políticas públicas, há ladas e pouco transparentes e a resistência em compartilhar informações são fatores

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• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

cruciais. As organizações operam segundo racionalidades intrassistêmicas e não são Brotherton, David C.; Handelman, Stephen; Will, Susan. How they got away
raros os conflitos, inclusive intraorganizacionais. O caso da PF é paradigmático, pois with it: white collar criminals and the financial meltdown. New York: Columbia
expõe conflitos de agentes e peritos com os delegados de polícia. University Press, 2013.

No transcorrer da pesquisa, alguns dos relatos apontam experiências bem-


Croall, Hazel. White collar crime: criminal justice and criminology. Buckingham/
-sucedidas, frutos de alianças pessoais tópicas. Os casos deveriam inspirar projetos fu-
Philadelphia: Open University Press, 1992.
turos e propostas consensuais de mecanismos de institucionalização que promovam
processos decisórios reconstruídos a partir de interações interorganizacionais. Nesse
Friedrichs, David. Wall Street: the crime never sleeps. In: Brotherton, David C.;
cenário, a criação de agendas articuladas supõe a ampliação da rede de atores envolvi-
Handelman, Stephen; Will, Susan. How they got away with it: white collar criminals
dos, com a participação de organizações reguladoras, de controle e de fiscalização, o que
and the financial meltdown. New York: Columbia University Press, 2013. p. 3-25.
presume repensar o paradigma processual de investigação criminal centrado na figura
do inquérito policial. A diversificação das agências incumbidas da investigação, em um
Machado, Bruno Amaral. Justiça criminal: diferenciação funcional, interações orga-
modelo ideal articulado que contempla as organizações inscritas na tradição jurídico-
nizacionais e decisões. São Paulo: Marcial Pons, 2014.
-penal, como a Polícia e o Ministério Público, surge como alternativa a ser repensada
especialmente, e não exclusivamente, para a criminalidade econômica e de corrupção.
Machado, Maíra Rocha. Pesquisa em debate: a aplicação da lei de crimes contra o siste-
A proposta articula-se com outras frentes que anunciamos para o debate. A ma financeiro pelos tribunais brasileiros. Cadernos Direito GV, v. 7, n. 1, p. 107, jan. 2010.
obrigatoriedade da ação penal deve ser amplamente discutida a fim de buscar modelos
flexíveis em que a atuação no campo penal possa ser reconsiderada de forma realista Nelken, David (Org.). White-collar crime. Aldershot: Dartmouth Publishing
ou pragmática. A seletividade penal deveria observar, por exemplo, parâmetros aferí- Company, 1994.
veis e controláveis da intensidade do dano econômico e social decorrente da prática
criminosa e, dessa forma, justificar a seleção dos casos que seriam definidos como Shapiro, Susan P. Collaring the crime, not the criminal: reconsidering the concept
objetos prioritários de investigação e persecução penal. Certamente, outros critérios of white-collar crime. In: Nelken, David (Org.). White-collar crime. Brookfield:
deveriam ser amplamente analisados. Dartmouth Publishing Company, 1994. p. 11-39.

Conferir transparência aos processos decisórios (comunicações) implica Sutherland, Edwin H. White-collar criminality. American Sociological Review, v. 5,
trazer ao debate público vias factíveis de intervenção jurídica (não exclusivamente n. 1, p. 1-12, feb. 1940.
penal), construir agenda dialógica, na qual a seletividade penal possa ser bastante
debatida, e configurar padrões compartilhados, em que as prioridades sejam defini-      . Is “white collar crime” crime? American Sociological Review, v. 10, n. 2,
das com a participação de todos os envolvidos, o que supõe enfrentar a opacidade p. 132-139, apr. 1945.
das decisões organizacionais e repensar a investigação e a persecução penal em um
contexto amplo de políticas públicas.      . White collar crime: the uncut version. New Haven: Yale University
Press, 1983.

REFERÊNCIAS Young, Jock. Bernie Madoff: finance capital and the anomic society. In: Brotherton,
David C.; Handelman, Stephen; Will, Susan. How they got away with it: white col-
lar criminals and the financial meltdown. New York: Columbia University Press,
Beck, Francis Rafael. A criminalidade de colarinho branco e a necessária investigação 2013. p. 68-84.
contemporânea a partir do Brasil: uma (re)leitura do discurso da impunidade quanto
aos delitos do “andar de cima”. Tese apresentada como requisito parcial para obten-
ção do título de doutor em Direito pelo Programa de Pós-graduação em Direito pela
• Tomo 2 •

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, São Leopoldo, 2013.

394 395
ANEXO

397
PESQUISA QUALITATIVA

ROTEIROS DE ENTREVISTAS • GRUPOS FOCAIS

ROTEIRO • POLÍCIA FEDERAL

Pesquisa: A investigação e a persecução penal da corrupção e dos delitos


econômicos – uma pesquisa empírica no sistema de justiça federal
Coordenação: Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Coordenadores: Arthur Costa, Bruno Amaral Machado (Coordenador-geral),
Cristina Zackseski
Cada participante pode responder o que considera mais relevante de acordo com as expe-
riências pessoais. Destacamos as questões consideradas mais relevantes para a pesquisa.

Importante relatar tanto as dificuldades quanto as experiências bem-sucedidas e con-


frontar eventuais diferenças na atuação nas cidades do interior e na capital.

Mantemos o sigilo dos participantes na pesquisa.

1 • PESQUISA: dirigida à investigação e à persecução penal dos crimes relacionados a seguir


Peculato (art. 312, CP);
Inserção de dados falsos para obter vantagem indevida (art. 313, CP);
Extravio ou inutilização de livro ou documento (art. 314, CP);
Concussão (art. 316, CP);
Corrupção passiva (art. 317, CP);
Corrupção ativa (art. 333, CP);
Sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A, CP);

399
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Corrupção ativa em transação comercial internacional (art. 337-B, CP); 6.2 Quais são as principais dificuldades para investigar tais crimes?
Tráfico de influência internacional (art. 337-C, CP);
Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei n. 7.492/1986); 6.3 Qual é o papel/importância do Inquérito Policial na investigação dos crimes contra
Crimes contra a ordem tributária (Lei n. 8.137/1990); a Administração Pública?
Crimes de “lavagem” ou ocultação de bens e valores (Lei n. 9.613/1998); 6.4 O que é necessário para a atuação em grandes operações da PF? Quais são os critérios
Crimes da Lei de Licitações (Lei n. 8.666/1993). para definir as operações que serão deflagradas? Explique a relevância da interação com
outras instituições nas operações deflagradas pela PF (relacione os principais parceiros).
2 • TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS
2.1 Descreva sua trajetória profissional. 7 • RELAÇÃO COM OUTRAS INSTITUIÇÕES
7.1 Como é a relação com Coaf, Receita Federal, Bacen, TCU, CGU AGU, Enccla?
3 • ASPECTOS ORGANIZACIONAIS
7.2 Qual é o procedimento para receber, trabalhar e encaminhar as informações for-
3.1 Como são definidas as prioridades e os critérios em relação aos casos a serem necidas por essas instituições?
investigados? Como são estabelecidos os critérios de atuação dentro da investigação?
7.3 Poderia avaliar a experiência da Enccla na lavagem de dinheiro? Como atua a PF?
3.2 Existem rotinas específicas para os crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, tri-
butários e contra a Previdência?

3.3 A estrutura da Polícia é adequada para investigar esses crimes? Como é o treina- ROTEIRO • MAGISTRATURA FEDERAL
mento dos policiais?
Pesquisa: A investigação e a persecução penal da corrupção e dos delitos
4 • RELAÇÃO COM O MPF econômicos – uma pesquisa empírica no sistema de justiça federal
4.1 Como é a relação com o MPF? Os procuradores estão preparados para a ativi- Coordenação: Fórum Brasileiro de Segurança Pública
dade de investigação? Coordenadores: Arthur Costa, Bruno Amaral Machado (Coordenador-geral),
4.2 Quais são as principais dificuldades na atuação do MPF nos crimes de corrupção Cristina Zackseski
e nos delitos econômicos?
Cada participante pode responder o que considera mais relevante de acordo com as expe-
4.3 Destacar experiências bem-sucedidas na interação com o MPF tanto no interior riências pessoais. Destacamos as questões consideradas mais relevantes para a pesquisa.
quanto na capital. No interior há, em regra, uma proximidade maior do MPF?
Importante relatar tanto as dificuldades quanto as experiências bem-sucedidas e con-
frontar eventuais diferenças na atuação nas cidades do interior e nas capitais.
5 • RELAÇÃO COM A JUSTIÇA FEDERAL
Mantemos o sigilo dos participantes na pesquisa.
5.1 Quais são as principais dificuldades dos juízes para a instrução e o julgamento dos
crimes de corrupção e delitos econômicos?
1 • PESQUISA: dirigida à investigação e à persecução penal dos crimes relacionados a seguir.
5.2 A estrutura do Judiciário é adequada para processar e julgar esses crimes? Os juízes
estão preparados para julgar esses crimes? Peculato (art. 312, CP);
Inserção de dados falsos para obter vantagem indevida (art. 313, CP);
Extravio ou inutilização de livro ou documento (art. 314, CP);
6 • ASPECTOS TÉCNICOS Concussão (art. 316, CP);
• Tomo 2 •

6.1 Há procedimentos e rotinas diferentes para investigação de cada tipo de crime? O Corrupção passiva (art. 317, CP);
que um bom Inquérito não pode deixar de ter? Corrupção ativa (art. 333, CP);

400 401
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A, CP); 6 • MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL


Corrupção ativa em transação comercial internacional (art. 337-B, CP);
6.1 Quais são as principais dificuldades para a persecução penal dos crimes de cor-
Tráfico de influência internacional (art. 337-C, CP);
rupção? Quais são as deficiências na investigação (quando conduzida pelo MPF) e na
Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei n. 7.492/1986);
persecução penal que prejudicam a instrução judicial?
Crimes contra a ordem tributária (Lei n. 8.137/1990);
Crimes de “lavagem” ou ocultação de bens e valores (Lei n. 9.613/1998); 6.2 A estrutura do MPF é adequada para a investigação e persecução penal desses
Crimes da Lei de Licitações (Lei n. 8.666/1993). crimes? Os procuradores estão preparados para investigar e atuar na persecução
penal desses crimes?
2 • TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS
Descreva de forma breve sua trajetória profissional (origem, universidade, trajetória
7 • RELAÇÃO COM OUTRAS INSTITUIÇÕES
profissional, tempo e local de atuação na magistratura federal). 7.1 Descreva a relação do Judiciário com as seguintes instituições: Coaf, Receita
Federal, Bacen, TCU, CVM, CGU.
3 • ASPECTOS TÉCNICOS 7.2 Relacione outras instituições relevantes para a instrução e o julgamento da corrup-
3.1 Há rotinas e práticas diferentes para a instrução e o julgamento de cada tipo de ção e dos delitos econômicos.
crime? Que tipo de prova um Inquérito deve conter para a instrução processual?

3.2 Os inquéritos policiais, em regra, trazem elementos suficientes para a instrução ROTEIRO • MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
judicial? Poderia relacionar eventuais falhas?

3.3 A partir de sua experiência profissional, relacione as principais diferenças na atuação Pesquisa: A investigação e a persecução penal da corrupção e dos delitos
judicial em Varas Federais no interior do País e Varas Federais nas capitais dos estados. econômicos – uma pesquisa empírica no sistema de justiça federal
Coordenação: Fórum Brasileiro de Segurança Pública
4 • ASPECTOS ORGANIZACIONAIS
Coordenadores: Arthur Costa, Bruno Amaral Machado (Coordenador-geral),
4.1 Como funciona a estrutura de apoio técnico à Justiça Federal? Quais são as princi-
Cristina Zackseski
pais deficiências? Houve mudanças nos últimos anos?
Cada participante pode responder o que considera mais relevante de acordo com as expe-
4.2 Como são definidas as prioridades do Judiciário? Como são estabelecidos os cri- riências pessoais. Destacamos as questões consideradas mais relevantes para a pesquisa.
térios de atuação?
Importante relatar tanto as dificuldades quanto as experiências bem-sucedidas e con-
4.3 Como avalia a atuação dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais Superiores frontar eventuais diferenças na atuação nas cidades do interior e na capital.
(STJ e STF) na instrução (competência originária) e no julgamento (recursos) da cor-
rupção e dos delitos econômicos (crimes relacionados na pesquisa)? Mantemos o sigilo dos participantes na pesquisa.

5 • POLÍCIA FEDERAL 1 • PESQUISA: dirigida à investigação e à persecução penal dos crimes relacionados a seguir.
5.1 Na sua avaliação, quais são as principais dificuldades para investigar a corrupção e Peculato (art. 312, CP);
os delitos econômicos? Inserção de dados falsos para obter vantagem indevida (art. 313, CP);
Extravio ou inutilização de livro ou documento (art. 314, do CP);
5.2 Relacione as deficiências do Inquérito Policial. A estrutura da Polícia é adequada para Concussão (art. 316, CP);
• Tomo 2 •

investigar esses crimes? Na sua avaliação, como a Polícia Federal define suas prioridades? Corrupção passiva (art. 317, CP);

402 403
• Série Pesquisas ESMPU • Volume 1 •

Corrupção ativa (art. 333, CP); 5.6 Poderia destacar experiências bem-sucedidas na interação com a Polícia tanto
Sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A, CP); no interior quanto na capital? No interior há, em regra, uma proximidade maior
Corrupção ativa em transação comercial internacional (art. 337-B, CP); da Polícia Federal?
Tráfico de influência internacional (art. 337-C, CP);
Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei n. 7.492/1986); 6 • RELAÇÃO COM A JUSTIÇA FEDERAL
Crimes contra a ordem tributária (Lei n. 8.137/1990);
Crimes de “lavagem” ou ocultação de bens e valores (Lei n. 9.613/1998); 6.1 Quais são as principais dificuldades para julgar os crimes econômicos e de corrupção?
Crimes da Lei de Licitações (Lei n. 8.666/1993). 6.2 A estrutura do Judiciário é adequada para processar e julgar esses crimes? Os juízes
priorizam o julgamento desses crimes?
2 • TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS
6.3 Como avalia a atuação dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais Superiores em rela-
2.1 Descreva sua trajetória profissional (origem, tempo de atuação no MPF e locais ção ao julgamento dos crimes relacionados na pesquisa (corrupção e delitos econômicos)?
de atuação).

7 • RELAÇÃO COM OUTRAS INSTITUIÇÕES


3 • ASPECTOS ORGANIZACIONAIS
7.1 Como é a relação com Coaf, Receita Federal, CVM, Bacen, TCU, CGU e AGU?
3.1 Como funciona a estrutura de apoio técnico das atividades do MPF? Quais são as
principais deficiências? Houve mudanças nos últimos anos? 7.2 Qual é o procedimento estabelecido a partir das informações fornecidas por
essas instituições?
3.2 Como são definidas as prioridades? Como são estabelecidos os critérios de atuação?
7.3 Poderia mencionar outras instituições relevantes para a atuação em relação aos
3.3 Como funciona a interação com as Procuradorias Regionais? Alguma sugestão? crimes relacionados?
3.4 Como avalia a atuação das Câmaras de Coordenação e Revisão do MPF? 7.4 Poderia avaliar a experiência da Enccla na lavagem de dinheiro?
Alguma sugestão?

4 • ASPECTOS TÉCNICOS
4.1 O MPF dispõe de recursos humanos e técnicos para a investigação? Quais crimes
são usualmente investigados?

5 • RELAÇÃO COM A POLÍCIA FEDERAL


5.1 Como é a relação com a Polícia Federal? Como é a relação com os delegados?

5.2 Quais são as principais dificuldades para investigar a corrupção e a criminalidade eco-
nômica? Quais são os principais problemas da investigação realizada pela Polícia Federal?

5.3 E quais são as deficiências do Inquérito Policial?

5.4 A estrutura da Polícia é adequada para investigar esses crimes? Como a Polícia
Federal define suas prioridades?

5.5 Qual é a relação entre procuradores, agentes e peritos? Há relação direta entre pro-
• Tomo 2 •

curadores, agentes e peritos?

404 405
Instituições pesquisadoras:

Política Criminal
Grupo de Pesquisa
Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança
Obra composta em Myriad Pro e Minion Pro
e impressa em papel off set 90g/m2 pela
Gráfica e Editora Ideal Ltda. – Brasília-DF.
<[email protected]>
3.000 exemplares

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