Campo de Golpe - Gustavo Sa Motta
Campo de Golpe - Gustavo Sa Motta
Campo de Golpe - Gustavo Sa Motta
No dia 2 de outubro de 2009, durante a 121ª Sessão do Comitê Olímpico Internacional (COI)
que ocorreu em Copenhague, na Dinamarca, a cidade do Rio de Janeiro foi eleita para sediar a XXXI
Olimpíada da Era Moderna dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de verão de 2016. A fim de cumprir
com a eleição, a cidade do Rio de Janeiro deu início a um imenso projeto de construção e adequação
de espaços assegurado por uma política orçamentária de estimativas bilionárias. A demanda incluía a
disponibilização de espaços para as práticas, acolhimento e acomodamento de 10.500 atletas de 205
países diferentes, para disputar 42 espécies esportivas.
Dentre os esportes previstos para participar das disputas nas Olimpíadas de 2016 estava o golfe,
uma prática que não se fazia presente no evento desde 1904, mais de 100 anos antes. O Rio de Janeiro,
anteriormente ao projeto de construção de espaços para recepção das Olimpíadas, já dispunha de dois
grandes campos de golfe com plena capacidade de suporte para um evento dessas proporções – Gávea
e Itanhangá, este reconhecido como o 100º melhor campo do mundo – à disposição do Estado.
No entanto, para suportar as partidas que ocorreriam no evento, sob justificativas semelhantes
à do prefeito do Rio na época, Eduardo Paes, de que “todos os pareceres diziam que nem o Gávea Golf
nem o Itanhangá serviam [para sediar os jogos]”, o próprio Poder Executivo Municipal, no dia 14 de
janeiro de 2013, sanciona a Lei Complementar Municipal nº 125/2013 que concede uma alteração das
delimitações da Área de Preservação Ambiental (APA) que abrange o Parque Natural Municipal
Marapendi, onde se daria a inclusão do projeto de construção de um campo de golfe na Barra da Tijuca.
Esse Campo de Golfe Olímpico, que no cerne da polêmica já conduzia a instalação de suas obras,
visava a ocupação de uma área de mais de 970 mil metros quadrados que estava totalmente incluída
numa faixa de Área de Preservação Permanente (APP), a Zona de Conservação de Vida Silvestre
(ZCVS) do parque. Ao que se sabe, o licenciamento prévio para a construção do Campo foi emitido
pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente do Rio de Janeiro (SMAC) em 2008. A criação da LCM
nº 125/2013, que permitiu a incorporação desse espaço à propriedade particular contígua à APP –
pertencente à empresa Fiori Empreendimentos Imobiliários LTDA. – e consequentemente viabilizou
a exploração do espaço antes contemplado pela APA do Marapendi, foi considerada por muitos
(principalmente por ativistas e ONGs) uma política de exceção autoritária e permeada por interesses
privados. Sobre isso fazem-se dignas de nota as reflexões dos autores Cícero Krupp da Luz e Robson
Soares Leite (2015):
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constituída especificamente para dar suporte a esses acontecimentos. Dessa
forma é moldado o quadro apto viabilizador para a inserção de medidas
excepcionais no ordenamento jurídico, suplantando as ações afirmativas que o
Estado propõe para preservação do meio ambiente.”
Vale dizer que projeto de construção do Campo de Golfe mediado pela Fiori Empreendimentos
Imobiliários LTDA., mesmo diante de demandas judiciais relativas à propriedade do terreno, teve
garantia de seu andamento a cargo da parceria formada com o Município, por meio de termos não
muito bem esclarecidos na época.
A primeira resposta do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro frente a isso foi a
proposição de uma Ação Civil Pública [ACP] e de uma Recomendação, em face do Município do Rio
de Janeiro e da sociedade Fiori Empreendimentos Imobiliários Ltda. O argumento central da ACP
encontra-se no fato de que não houve devidos estudos técnicos antecedentes ao rebaixamento da
proteção, bem como no fato da ausência do estudo e do relatório de impacto ambiental – EIA/RIMA,
previstos no § 2º, do art. 6º, da Lei Federal n. 7.661/1988. Com fundamento no conteúdo dessa Ação,
a Recomendação do MP tomou como referência o Inquérito Civil MA 3355, conduzido com o auxílio
do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente/GAEMA do MPRJ.
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Análise da Recomendação frente ao Inquérito Civil nº MA 3355
As Unidades de Conservação (UCs), criadas pelo ato do Poder Público do Brasil, são
implementadas e geridas através do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
(SNUC). O zoneamento ambiental se dá nessas áreas, mais especificamente o Zoneamento Ecológico-
Econômico do Brasil (ZEE). A alcunha “Ecológico-Econômico” supõe que há no zoneamento
ambiental brasileiro uma proposta de, bem como proteger os espaços de grande riqueza ecológica e
biodiversidade como preveem a própria Constituição Federal e a Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente (PNMA), promover o desenvolvimento de atividades sustentáveis, economicamente
favoráveis à União – obviamente que sujeitos à elaboração de um relatório de impacto ambiental que
posteriormente será averiguado e classificado pelos principais órgãos de licenciamento ambiental.
O Inquérito Civil MA 3355, como já antes mencionado, foi encaminhado com o auxílio do
Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente/GAEMA do próprio MPJR, com o objetivo de
apurar as irregularidades ambientais ocasionadas pela construção do Campo de Golfe Olímpico em
uma área previamente compreendida por uma UC (a APA de Marapendi). Seu estabelecimento levou
à consolidação da Recomendação proposta pelo MPRJ que sugeria a interrupção das obras e
intervenções do campo.
Toda a Recomendação jurídica construída pelo Ministério Público se inicia com uma série de
considerações, a respeito da conjuntura que viabilizou o projeto passível de intervenção pelo MP.
Especificamente para a Recomendação que diz respeito à suspensão das obras do Campo de Golfe
Olímpico, serão extraídos e/ou comentados alguns excertos que constituem as principais considerações
do documento.
A área ocupada pelo projeto de construção do Campo de Golfe Olímpico abrangeria um espaço
de 58 mil metros quadrados pertencente à APA de Marapendi, classificado como zona de proteção da
vida silvestre (ZPVS). A fim de admitir a integração desse espaço à área particular contígua disponível
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para construção do campo, ela foi transformada em zona de conservação da vida silvestre (ZCVS),
conforme apontam Luz e Leite (2015). “Apesar de o Parecer Técnico da Secretaria Municipal de Meio
Ambiente (SMAC) 406/2008 informar que o empreendimento ocuparia zonas de proteção da vida
silvestre (ZPVS) e de conservação da vida silvestre (ZCVS), ainda assim a Secretaria Municipal de
Meio Ambiente expediu Licença Municipal Prévia (LMP) n. 146/2008 em favor de Fiori
Empreendimentos Imobiliários Ltda.”, destacam os mesmos autores. Quatro anos depois, no término
da validade da LMP, a empresa Fiori recorreu novamente ao pedido de licença prévia. Em 2013, e,
portanto, já em atividade a Lei Complementar Municipal nº 125/2013, foi concedida pela SMAC a
Licença Municipal de Instalação, que permitiu o início das obras.
“I – a vegetação;
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II – o proprietário ou posseiro não cumprir os dispositivos da legislação
ambiental, em especial no que respeita às Áreas de Preservação Permanente e à
Reserva Legal.”
Ainda acerca da mesma Lei 11.428, por último, a consideração nº 20 aponta para o artigo 5, o
qual dispõe que uma vegetação do bioma Mata Atlântica, seja ela primária ou secundária, em qualquer
estágio de regeneração, não perderá essa atribuição nos casos de incêndio, desmatamento ou qualquer
outro tipo de intervenção não autorizada ou não licenciada. Com base nisso, poder-se-iam configurar
as atividades de desmatamento e ocupação da área para instalação da obra novamente como
irregulares, por não possuírem licenciamento autorizado pelos órgãos devidos, mas sim pelas
autoridades Executivas e Legislativas do Rio de Janeiro.
Toda a menção acerca da Lei 11.428 é de fundamental importância na redação desse documento
de Recomendação do MPRJ, uma vez que ela fornece a base para a compreensão da irregularidade na
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construção do campo no que tange ao caráter (pertencente ao bioma Mata Atlântica) dos trechos de
área preservada sobrepostos à obra.
O Código Florestal, tendo descritas as suas disposições na Lei 12.651 de 25/05/2012, estabelece
normas para proteção da vegetação nativa em áreas de preservação permanente (APP) e reserva legal,
bem como de uso restrito, exploração florestal e assuntos relacionados. As florestas e demais formas
de vegetação existentes no território nacional são bens de interesse comum à toda a população do país,
como bem antecipa o Código, a respeito da noção de meio ambiente como um direito e um bem
comum. A Lei estabelece também as relações entre a função social da propriedade e o interesse comum
pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado e no uso adequado das florestas. Ademais, de acordo
com a própria Lei 12.651, “as ações ou omissões contrárias às disposições deste Código na utilização
e exploração das florestas e demais formas de vegetação são consideradas uso nocivo da propriedade”.
A recomendação do MPRJ considera ainda, para além das ferramentas legais e normativas, a
jurisprudência. Esta, por sua vez, é a forma pela qual se revelam as normas e leis resultante de exercício
de jurisdição, que por sua vez ocorre em função de um conjunto de decisões tomadas por um juiz em
um tribunal.
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absurdo cânone de isonomia aplicável a pretenso direito de poluir e degradar:
se outros, impunemente, contaminaram, destruíram, ou desmataram o meio
ambiente protegido, que a prerrogativa valha para todos e a todos beneficie. (...)”
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II. Conclusões
O projeto de construção do Campo de Golfe teve seu êxito na inauguração do espaço mediada
pelo então prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes, que ocorreu no dia 22 de novembro de 2015.
Apesar de todas as advertências, apesar da Recomendação emitida pelo MPRJ e apesar de todo o
arcabouço legal que deveria impedir esse tipo de expropriação ecológica – que, por sinal, se faz
presente nas ferramentas jurídicas brasileiras relativas a crimes ambientais, zoneamento ambiental,
unidades de conservação, etc. – a execução do projeto se deu, e as Olimpíadas ocorreram normalmente,
sendo o Campo de Golfe Olímpico da Fiori sede dos torneios masculino e feminino de golfe do evento
mundial.
Esse caso particular traz à tona a concepção de que, muitas vezes, os fatores que regem sobre
as decisões políticas mais custosas no Brasil (e custosas não somente no que tange a questões
financeiras, mas também à subtração ou excepcionalização de direitos básicos da população previstos,
inclusive, na Constituição Federal de 1988) não são as normas e as leis, o quadro moral que integra
aos inúmeros princípios do direito ambiental a ação, a determinação de como se deve agir e a pena que
incide sobre o criminoso que lacera esses princípios, mas sim os interesses privados de uma pequena
elite, nesse caso particular a elite imobiliária.
BRASIL. Decreto nº 4.297, de 10 de julho de 2002. Regulamenta o art. 9o, inciso II,
da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, estabelecendo critérios para o Zoneamento
Ecológico-Econômico do Brasil - ZEE, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4297.htm. Acesso em:
24/09/2020
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BRASIL. Lei nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a utilização e
proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, e dá outras providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2006/Lei/L11428.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2011.428%2C%20DE%
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A1%20outras%20provid%C3%AAncias.&text=Art. Acesso em: 23/09/2020