SEMINÁRIO O Pré Escolar Faz A Diferença...

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educação

revista portuguesa de

“O pré-escolar faz a diferença?” Políticas educativas na


educação de infância e práticas pedagógicas

Manuela Ferreirai
Universidade do Porto, Portugal

Catarina Tomásii
Instituto Politécnico de Lisboa, Portugal

A identificação de práticas sociopedagógicas tendencialmente


reprodutoras da forma escolar, e de currículos de coleção e modos de
transmissão pedagógica formais que enfatizam a literacia, a numeracia e
a ciência apontam para a reconfiguração da Educação de Infância como
contexto de crescente escolarização e alunização precoce das crianças e
como estratégia de prevenção socioeducativa do insucesso escolar. Na
interlocução entre Sociologia da Infância, Sociologia da Educação e
Ciências da Educação, analisa-se o rumo das recentes mudanças políticas
da Educação de Infância no quadro internacional e nacional, recuando
aos anos 90, e alguns dos seus efeitos ao nível das práticas pedagógicas.
A reconstituição deste trajeto assenta na análise crítica de documentos
oficiais, nomeadamente as novas Orientações Curriculares para a
Educação Pré-Escolar (2016), e de observações realizadas em Jardins de
Infância, públicos e privados, entre 2015 e 2017, em Portugal.

Palavras-chave: Educação de infância; Políticas educativas; Práticas


pedagógicas; Orientações curriculares para a educação pré-escolar

Introdução scores PISA Leitura1 e menor percentagem de


retenções escolares, bem como dos benefícios
“O pré-escolar faz a diferença?” é a que crianças oriundas das classes mais
interrogação de um artigo publicado numa desfavorecidas assim alcançam. A importância
conhecida revista portuguesa, Visão (2016), em social da EPE, sublinhada na resposta de modo
que são divulgados alguns dos efeitos positivos prospetivo e enviesado, enfatiza sobretudo
do aumento da frequência da Educação Pré- os resultados académicos, apresentando-a
Escolar (EPE) nos resultados obtidos pelos/ como se de uma espécie de solução se tratasse
as alunos/as, por exemplo, ao nível dos para obstar a um futuro hipotecado pelo

1
O Programme for International Student Assessment (PISA) é desenvolvido pela OCDE e tem como objetivo avaliar os/as estudantes
de 15 anos em competências de Leitura, de Matemática ou de Ciências. Cf. http://www.oecd.org/pisa/ e Projeto de investigação
aQeduto: Avaliação, qualidade e equidade em educação. Consultar em: http://www.aqeduto.pt/

Revista Portuguesa de Educação, 31(2), pp. 68-84. DOI: 10.21814/rpe.14142


“O pré-escolar faz a diferença?” 69

insucesso escolar precoce. Esta mesma ideia, discursos neoliberais assentes na apologia da
igualmente replicada em jornais nacionais flexibilidade, da escolha individual, da prestação
de grande tiragem, avoluma um discurso de contas [accountability] e de uma precoce
mediático que parece refratar uma perspetiva promoção e valorização do desenvolvimento
tornada dominante acerca dos propósitos da de determinadas competências (Kjørholt &
Educação, em geral, e da Educação de Infância Seland, 2012). Este último discurso representa
(EI) em particular, contribuindo também, uma forte orientação de mercado, que constrói
deste modo, para a sua difusão, normalização a ideia de criança como consumidora e utente,
e naturalização. e como investimento económico indireto
Nesta lógica, pode dizer-se que um dos a longo prazo, ou seja, como um capital
sentidos possíveis da resposta afirmativa à humano projetado numa futura trabalhadora,
pergunta “O pré-escolar faz a diferença?” remete útil e rentável; cidadã contribuinte para a
para uma conceção da EPE como estratégia prosperidade nacional.
de prevenção socioeducativa, na qual aquela Corresponde a esta ideia uma outra:
diferença se forja pela aposta na transmissão de a de JI como espaço educativo cada vez
um currículo cujos conteúdos são vistos como mais pressionado a orientar-se para uma
úteis no contexto de uma economia global e noção de qualidade concordante com a
de uma ordem pautada pelo individualismo e sua curricularização e práticas pedagógicas
competitividade (Lima, 2017). Investir política escolarizantes, aferíveis mediante a apresentação
e socialmente na EPE do presente, mas por via de resultados da iniciação das crianças nas
de processos de escolificação (Garnier, 2016; aprendizagens académicas ulteriores, reduzindo-
Ferreira & Tomás, 2017a,b), que já têm em se distâncias entre a escola e o/a aluno/a, o/a
mira a performatividade académica, torna-se, professor/a e a instrução, a ponto de alguns
assim, um modo de reabilitar, ressignificar e autores questionarem se o JI não estará está a
rejuvenescer a velha teoria do capital humano transformar-se num 1º CEB (Bassok, Latham,
(Motta, 2012) e de embaciar as desigualdades & Rorem, 2016; Ferreira & Tomás, 2016, 2017;
de uma sociedade que a educação não pode Garnier, 2016).
compensar. Instigado pela interrogação “O pré-escolar
Com efeito, discursos radicados na história e faz a diferença?”, e referenciado à interlocução
na tradição pedagógica da EI e/ou em prol dos entre Sociologia da Infância, Sociologia
direitos da criança aparecem hoje mesclados, da Educação e Ciências da Educação,
pulverizados e/ou reinterpretados num outro este artigo visa compreender o rumo das
discurso, que tem vindo a impor-se na EI recentes mudanças políticas da EI no quadro
em nome das novas exigências colocadas internacional e nacional, sobretudo a partir
pela sociedade neoliberal, como é o caso do dos anos 90 do século XX, e alguns dos seus
discurso sobre a qualidade, a avaliação e o reflexos ao nível das práticas pedagógicas.
sucesso académico. Em termos esquemáticos A reconstituição deste trajeto assenta na
detetam-se, assim, duas orientações com forças análise de documentos oficiais produzidos
de sentido contrário no campo da EI, tanto em pelo Ministério da Educação (ME) – legislação
termos legislativos como das práticas no Jardim e Orientações Curriculares para a Educação
de Infância (JI): por um lado, os discursos Pré-Escolar (OCEPE, 2016 - Despacho n.º
das crianças como sujeitos competentes 9180/2016) – e de observações realizadas em
com direitos de participação e, por outro, os JI, públicos e privados, entre 2015 e 2017,

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70 Ferreira, M. & Tomás, C.

abrangendo uma heterogeneidade de contextos (James & Prout, 1990); 3) a institucionalização


socioeconómicos, geográficos, culturais e socioeducativa da pequena infância, entretanto
organizacionais2. Trata-se de identificar os tornada norma nas sociedades ocidentais, e a
principais marcos e tendências que parecem crescente penetração do discurso da qualidade
estar a colonizar o campo da EI nas últimas na EPE, traduzindo a pressão exercida pelas
décadas e de perscrutar a sua apropriação políticas neoliberais sobre a educação e o
local por via de mudanças nas práticas das/ sistema escolar, e os seus métodos.
os educadoras/es de infância, no papel das Com efeito, no caso europeu, Sahlberg
crianças e nas funções do JI, interrogando (2010) identifica um conjunto de tendências
os seus sentidos de modo a contribuir para a na educação que desenham uma viragem
desinstrumentalização da EI. – e uma viagem transnacional geradora de
alterações nacionais e locais – discernível
1. Q ua n d o a q ua l i da d e , a em torno das lógicas neoliberais, em que
e f i c á c i a e a e xc e l ê n c i a c h e g a m à se salientam o estreitamento do currículo
E d u c a ç ã o d e I n fâ n c i a para potenciar o “conhecimento válido”
Os anos 80 do século XX, sociológica e (numeracia, literacia e ciência), a pressão
educativamente caraterizados como um para a prestação de contas e a estandardização
tempo de transição paradigmática na ordem dos resultados através do estabelecimento
internacional (Ball, 2001; Santos, 1991; Stoer, de rankings e de medidas quantitativas que
2002), contextualizam três acontecimentos classificam e ordenam visando fomentar a
marcantes no campo da EI: 1) a comemoração competitividade económica (Ball, 2001; Moss,
do Ano Internacional da Criança, em 1979, e, 2015) – veja-se a produção e divulgação de
dez anos depois, a ratificação quase universal relatórios por organismos transnacionais
da Convenção dos Direitos das Crianças (European Commission/EACEA/Eurydice,
(ONU, 1989), que consagra os seus direitos 2016; OECD, 2017; UNESCO, 2015; Banco
de provisão, proteção e participação; 2) a Mundial3; UNICEF4, etc.) que têm potenciado
emergência e constituição da Sociologia da a comparação entre países relativamente à
Infância, em rutura com as perspetivas médico- EI, desde o acesso à frequência, à qualidade,
psicológicas dominantes na pesquisa sobre as ao orçamento disponibilizado, entre outros
crianças, e a atual multiplicação de estudos aspetos, e o uso de dispositivos e instrumentos
multidisciplinares subscritores das premissas de avaliação da qualidade do JI ‘mundo fora’
do paradigma das crianças como atores sociais (e.g. Escala de Avaliação do Ambiente em

2
A seleção dos seis JI não obedeceu a critérios sociográficos pré-definidos: dependeu da aceitação, pelas educadoras contatadas,
da realização da observação participante nas suas salas. O trabalho de campo realizou-se em 2015, 2016 e 2017 em JI públicos e
um privado, em Lisboa e no Porto, e a sua duração variou, com observações contínuas e sistemáticas, em uns casos, diariamente
durante quatro meses, e, em outros, semanal ou quinzenalmente durante o ano letivo. As educadoras tinham, em média, 17 anos de
experiência de trabalho. Os grupos de crianças caracterizaram-se pela heterogeneidade de idades, podendo coexistir crianças com
idades entre os 3-6 anos – no JIA (2015): 18 crianças de 5 anos, 7 meninas e 11 meninos; no JIB (2016): 20 crianças entre os 3-5 anos,
11 meninos e 9 meninas; no JIC (2017): 20 crianças entre os 4-6 anos, 7 meninos e 13 meninas; no JID (2015): 25 crianças entre os
4-6 anos, 11 meninos e 14 meninas. No respeito ético da pesquisa com crianças, apesar de formalizado o consentimento informado
com os adultos por elas responsáveis e com as próprias, e de este ter sido renegociado com as crianças sempre que foi necessário, tal
como é prática corrente no âmbito da Sociologia da Infância, estas, as/os suas/seus educadoras/es de infância e instituição não são
identificados, tendo-se procurado retirar do texto todas as informações geradoras de pseudoanonimato.

3
Consultar https://openknowledge.worldbank.org/discover?query=early%20childhood

4 Consultar https://data.unicef.org/resources/early-childhood-education/

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“O pré-escolar faz a diferença?” 71

Educação de Infância (ECERS-R), Harms, Uma maior atenção dada à sequencialidade


Clifford, & Cryer, 1998)5. Trata-se de um educativa e à transição das crianças do JI
processo de globalização hegemónica, para o 1º CEB, e do que isso acarreta para um
existindo pressões políticas e económicas quotidiano do JI organizado em conformidade,
oriundas das várias escalas, que se exercem sobretudo com o ensino formalizado de
de fora para dentro e de cima para baixo, para determinados conteúdos curriculares,
que a EI aumente o seu nível de qualidade, parecem ter-se disseminado como sendo
focando-se na obtenção de resultados de as principais preocupações das agências
aprendizagens úteis a uma escolarização bem supranacionais, dos governos, das famílias,
sucedida, que assim espelhará os graus de das direções das organizações socioeducativas
eficácia e eficiência alcançados e os patamares e dos/as educadores/as de infância. Pode então
de produtividade dos/as educadores/as. dizer-se que, no mundo ocidental, um maior
Não obstante, começam a fazer-se sentir investimento nas políticas públicas para a EI
vozes críticas e alternativas. Moss et al. (2016) (OECD, 2017) tem sido induzido por uma
criticam a visão uniforme, monocultural visão neoliberal, pelo que as consequentes
e limitada do relatório International Early reformas estão longe de serem apenas a ordem
Learning and Well-being Study6 da OCDE, natural das coisas.
uma avaliação transnacional que defende
que avaliar as crianças de cinco anos pode 2. As O CEPE no pro cesso de
contribuir para melhorar o seu desempenho i n s t i t u c i o n a l i z a ç ã o da e d u c a ç ã o
posterior nos testes PISA, e a desconsideração d e i n fâ n c i a e m P o rt u g a l
da OCDE face: a um movimento internacional,
académico e social que contesta esta visão Em Portugal, é já no período democrático
dominante da EI; às diferenças entre países que se registam importantes mudanças no
na comparação de resultados; à ampla rede de campo da EI (Folque et al., 2015; Vilarinho,
relações socioculturais nas quais as crianças 2013), sobretudo pela formalização curricular,
circulam, além do JI; a uma visão estreita da pedagógica e simbólica que ocorre dos anos 90 em
noção de ambiente educativo e meio ambiente, diante, fruto de fortes influências internacionais,
restrita à sala de atividades. e nas quais as Orientações Curriculares para a
Outro dos efeitos das políticas neoliberais Educação Pré-Escolar (OCEPE, 1997, 2016 -
refere-se a transformações nos objetivos e Decreto-Lei n.º 147/97 e Despacho n.º 9180/2016,
finalidades da EI, e num currículo e pedagogia respetivamente) constituem marcos relevantes
tendentes a acentuar a sua pré-escolarização (cf. Figura 1).
e a produzir crianças como alunos/as pré- Ao concentrarmos a análise na transformação
escolares, conforme atestam estudos recentes das finalidades e objetivos presentes na legislação
em França (Garnier, 2016), EUA (Bassok et produzida entre 1977 e 2016, destacam-se
al., 2016), Noruega (Kjørholt & Seland, 2012; quatro grandes tendências no processo de
Otterstad & Braathe, 2016), Suécia (Halldén, institucionalização da EPE. A primeira, de
2012) ou Brasil (Losso & Marchi, 2011). natureza estrutural, prende-se com a extensão e

5
Vários autores (Moss et al., 2016) têm vindo a assumir uma postura crítica face a este instrumento, defendendo que se as
dimensões “qualidade estrutural” e “resultados” são passíveis de serem mensuráveis, o mesmo já não acontece no que se refere à
qualidade do “processo” (interações dentro dos contextos, relação com famílias, papel do brincar, etc.).

6
Consultar http://www.oecd.org/education/school/the-international-early-learning-and-child-well-being-study-the-study.htm

Revista Portuguesa de Educação, 31(2)


72 Ferreira, M. & Tomás, C.

F i g u r a 1 . EPE - Principais marcos no calendário legislativo (Portugal 1977-2016).

consolidação da EPE numa única rede nacional permanência das funções compensatórias da EI
de JI sob tutela do ME (Lei-Quadro da EPE – para assegurarem o sucesso escolar e educativo,
Lei nº 5/97, de 10 de fevereiro), deixando para embora formuladas diferentemente – em 1977/79
a história a sua escassez e dispersão territorial urgia colmatar as gritantes assimetrias regionais;
(Lei nº 5/77, de 1 de fevereiro, e Lei nº 542/79, agora a preocupação é prevenir atempadamente
de 31 de dezembro). A segunda, de natureza o insucesso e abandono escolares, sendo mais
socioeconómica e política, aponta para a explícita a aposta nas aprendizagens académicas

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“O pré-escolar faz a diferença?” 73

(OCEPE, 1997, 2016). A terceira, de natureza consideradas pelos/as educadores/as de infância


sociopedagógica e educativa, reitera a função no planeamento da sua ação pedagógica e da
da EI na promoção do desenvolvimento avaliação das aprendizagens das crianças, aí se
global da criança, estando inscrita em todos os destacando a área da Expressão e Comunicação
documentos sem exceção. Porém, não esclarecem pelas ramificações que contempla e onde, pela
suficientemente os sentidos implícitos desse primeira vez, surgem, explicitamente, referências
desenvolvimento. A quarta, de natureza à “Abordagem à escrita” e à “Matemática” (cf.
curricular, apresenta uma crescente explicitação Ferreira & Tomás, 2016).
de conteúdos ao nível dos pressupostos teórico- Duas décadas depois, a publicação das novas
concetuais, metodologias, avaliação e resultados OCEPE (2016) foi justificada em função das
esperados das aprendizagens (cf. OCEPE, 1997, mudanças sociais entretanto ocorridas na
2016). organização familiar e na parentalidade, conceções
de criança e de infância, no avanço e divulgação
3. As O CEPE (2016): Entre ditos das tecnologias, na organização e administração
e não ditos escolares e nos novos conhecimentos oriundos
das ciências sociais e da educação. Além dos
Um olhar adentro pelas OCEPE de 2016 princípios e fundamentos pedagógicos já
visa compreender com maior profundidade referidos (cf. pt. 2.), há um conjunto de alterações:
o processo de (re)institucionalização da EPE7 i) o reconhecimento da educação como um
e avançar no esclarecimento dos sentidos das contínuo desde o nascimento e a importância
orientações e conceções de EPE centralmente de haver uma unidade pedagógica para a
definidas. Para tal, recuamos brevemente às infância, com fundamentos e princípios comuns,
OCEPE (1997) para relembrar: i) as finalidades incluindo a educação em creche, mas sobrevindo
que estão na sua génese – definir referenciais evidentes preocupações com a preparação das
comuns do trabalho educativo para melhorar crianças para a sua integração no 1º CEB (cf.
tanto a qualidade da EI como a tomada de seção “Continuidade educativa e transições”,
decisões e a condução do processo educativo p. 97); ii) a convocação de olhares e saberes
pelos/as educadores/as de infância; ii) os seus teóricos, multirreferenciados e atualizados
principais fundamentos teórico-metodológicos dos estudos da infância e dos seus direitos, e a
– o desenvolvimento e a aprendizagem como clarificação concetual e/ou referência explícita
vertentes indissociáveis; o reconhecimento da a noções-chave como ‘aprender a aprender’,
criança como sujeito ativo das aprendizagens e ‘cuidar’ e ‘cuidado ético’ e ‘brincar’ (secção
a sua centralidade nos processos educativos da 2.1., p. 11.); iii) a assunção da criança como
EPE; a construção articulada do saber; a exigência sujeito e principal agente da sua aprendizagem,
de resposta a todas as crianças; iii) a conceção sublinhando o seu papel ativo e a importância
de currículo – integrado, contextualizado e da sua participação, evocando a Convenção
respeitador da individualização do ser irrepetível dos Direitos da Criança (1989) (2016, pp. 9 e
que é cada criança nos processos coletivos de 106); iv) a presença de um capítulo específico
educação que se realizam no JI; iv) a definição e detalhado sobre “Intencionalidade educativa
de três grandes Áreas de Conteúdo a serem – construir e gerir o currículo” (2016, pp. 13-

7
A partir deste ponto usaremos a nomenclatura dos documentos oficiais de Educação Pré-Escolar (EPE). Não obstante, sublinha-
se que EI e EPE não são sinónimos. A defesa de uma ou outra aponta para imagens, conceções e posicionamentos socioeducativos
bem distintos.

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74 Ferreira, M. & Tomás, C.

20); v) maior explicitação e refinamento dos – Artes visuais; Jogo dramático/teatro; Música;
domínios existentes nas Áreas de Conteúdo, pela Dança; vi) a clarificação dos objetivos de
inclusão de dois domínios na Área da Expressão desenvolvimento e das aprendizagens a promover
e Comunicação: o da Educação Física, que se em cada área (2016, p. 32 e cf. Quadro 1).
autonomizou, e o da Educação Artística, que Referenciadas ao contexto sociopolítico e
mudou a nomenclatura dos seus subdomínios ideológico a que se reporta a produção das

Q ua d r o 1
OCEPE 2016 - Conceções de Criança, Educação de Infância, Currículo, Pedagogia, Educador/a de Infância

“Criança como sujeito e agente – Ao ser protagonista do seu processo de desenvolvimento e aprendizagem, a
criança é ouvida e participa nas decisões que têm influência na sua vida e no seu mundo. Este sentimento de
agência faz parte da construção da sua identidade e autoestima.” (p. 106)
Criança(s) “Este papel ativo da criança decorre também dos direitos de cidadania, que lhe são reconhecidos pela Convenção
dos Direitos da Criança (1989), a saber: o direito de ser consultada e ouvida, de ter acesso à informação, à liberdade
de expressão e de opinião, de tomar decisões em seu benefício e do seu ponto de vista ser considerado (p. 9).
“Apesar de a legislação do sistema educativo (LBSE; Lei-Quadro da EPE) incluir apenas a educação pré-escolar
a partir dos 3 anos, não abrangendo a educação em creche, considera-se, de acordo com a Recomendação do
Conselho Nacional de Educação, que esta é um direito da criança (…) são apresentados fundamentos e princípios,
que constituem uma base comum para o desenvolvimento da ação pedagógica em creche e em jardim de infância“
(p. 5)
“Dada a importância das primeiras aprendizagens, é atribuído à EI um papel relevante na promoção de uma
Educação
maior igualdade de oportunidades relativamente às condições de vida e aprendizagens futuras, sobretudo para as
de Infância crianças cuja cultura familiar está mais distante da cultura escolar” (p. 10)
“no caso da EI, não se trata de adotar na creche, com as crianças mais velhas, práticas mais adequadas ao jardim
de infância (tais como, tempos longos em grande grupo), nem de começar a fazer no JI atividades consideradas
como características do 1.º ciclo. Trata-se antes de proporcionar, em cada fase, as experiências e oportunidades de
aprendizagem que permitam à criança desenvolver as suas potencialidades, fortalecer a sua autoestima, resiliência,
autonomia e autocontrolo, criando condições favoráveis para que tenha sucesso na etapa seguinte” (p. 97)
“As OCEPE não constituem um programa a cumprir, mas sim uma referência para construir e gerir o currículo”
(p. 13)
“Em educação de infância, o currículo refere-se ao conjunto das interações, experiências, atividades, rotinas e
acontecimentos planeados e não planeados que ocorrem num ambiente educativo inclusivo, organizado para
Currículo promover o bem-estar, o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças” (p. 106)
Refinam-se as três áreas de Conteúdo: Formação Pessoal e Social; Expressão e Comunicação; Conhecimento
do Mundo, pelo desdobramento da Área da Expressão e Comunicação, nos domínios da Educação Física, da
Educação Artística, da Linguagem Oral e Abordagem à Escrita e da Matemática; sendo que, por sua vez, o domínio
da Educação Artística inclui os subdomínios - Artes Visuais; Jogo Dramático/Teatro; Música; Dança (p.31-96).
“O tratamento das diferentes áreas de conteúdo baseia-se nos fundamentos e princípios comuns a toda a pedagogia
para a educação de infância, pressupondo o desenvolvimento e a aprendizagem como vertentes indissociáveis do
Pedagogia processo educativo e uma construção articulada do saber em que as diferentes áreas serão abordadas de forma
integrada e globalizante” (p. 31)
“As OCEPE baseiam-se nos objetivos globais pedagógicos definidos pela referida Lei e destinam-se a apoiar a
construção e gestão do currículo no JI, da responsabilidade de cada educador/a, em colaboração com a equipa
educativa do estabelecimento educativo/agrupamento de escolas.” (p. 5)
“Intencionalidade educativa – construir e gerir o currículo – A ação profissional do/a educador/a caracteriza-se
por uma intencionalidade, que implica uma reflexão sobre as finalidades e sentidos das suas práticas pedagógicas
Educador/a
e os modos como organiza a sua ação. Esta reflexão assenta num ciclo interativo – observar, planear, agir, avaliar
de infância – apoiado em diferentes formas de registo e de documentação, que permitem ao/à educador/a tomar decisões
sobre a prática e adequá-la às características de cada criança, do grupo e do contexto social em que trabalha. O
desenvolvimento deste processo, com a participação de diferentes intervenientes (crianças, outros profissionais,
pais/famílias), inclui formas de comunicação e estratégias que promovam esse envolvimento e facilitem a
articulação entre os diversos contextos de vida da criança” (p. 5)

Revista Portuguesa de Educação, 31(2)


“O pré-escolar faz a diferença?” 75

OCEPE (1997, 2016), e atentas ao argumento justapõem os discursos acerca das crianças e
do consenso generalizado em torno do desígnio dos seus direitos e os da pedagogia, em que as
orientador das ações e tomadas de decisão crianças assumem centralidade (Vasconcelos,
dos/as educadores/as, consideramos que o seu 2015), com os discursos da intencionalização
conteúdo, especialmente o atual, está longe de educativa segundo a “especificação de objetivos e
traduzir um conjunto de informações, conceções conteúdos com vista a melhorar a quantidade de
e valores socialmente incontroversos ou neutros. conhecimento ‘real’ para tornar a componente
Atente-se à maior explicitação na clarificação, educativa mais eficiente” (Gulløv, 2012, p. 100).
detalhe e exemplos de processos e estratégias das Ora, qualquer esclarecimento das tensões e
aprendizagens (cf. capítulos “Intencionalidade dos sentidos de que se revestirão as OCEPE
Educativa”, “Áreas de Conteúdo” ou localmente implicará a sua interpretação pelos/as
“Continuidade Educativa e Transições”, 2016, educadores/as8, de acordo com as suas próprias
p. 32); a ilustração dos comportamentos que conceções de criança/infância, educativas,
evidenciarão aprendizagens esperadas; e das pedagógicas e curriculares, os modos como as
estratégias tidas como as adequadas e o seu grau projetaram e implementaram junto das crianças
de pormenorização. e as especificidades dos contextos e dos sujeitos.
Assim sendo, em processos de transição Nesta transposição das políticas para as práticas
paradigmática como o que estamos a analisar, pedagógicas, prosseguimos e reiteramos uma vez
refletir se “o pré-escolar faz a diferença” torna-se mais, então, se e até que ponto “o pré-escolar faz
pertinente para informar uma posição crítica do a diferença”.
conteúdo das atuais OCEPE e dos rumos que se
avizinham para a EI. Duas questões se colocam. 4 . Fa c e ta s da e s c o l a r i z a ç ã o n a
A primeira é a de saber se estaremos perante a e d u c a ç ã o d e i n fâ n c i a
valorização de uma conceção de criança-aluno/a
e de EPE crescentemente curricularizada e A institucionalização da infância e crescente
escolarizada visando preparar para a entrada universalização da EPE, a que Portugal também
no 1º CEB, ou de uma conceção de criança cujo não escapou, faz do JI um observatório
brincar é assumido como experiência infantil privilegiado para compreender os modos como
presente e a respeitar, e, portanto, de uma EPE ali se (re)contextualizam os entendimentos que
que reconhece e potencia as culturas infantis os/as educadores/as elaboram acerca das OCEPE
criando condições e oportunidades para o e as formas práticas e simbólicas destinadas às
exercício da participação ativa. A segunda é a crianças. Neste sentido, cientes e conscientes
de saber perante que conceção de educador/a da diversidade que caracteriza as práticas
estaremos: com autonomia concetual, pedagógicas dos/as educadores/as de infância,
coconstrutor/a do currículo, contextualizado, não podemos, no entanto, ignorar muitas outras
flexível e não adultocêntrico? Com uma missão que, não sendo necessariamente recentes e
técnica e executiva? Com uma intencionalidade estando sob influência de enormes pressões
que ultrapassa os próprios objetivos das OCEPE? sociais, têm vindo a trabalhar e trabalham
Estamos, pois, perante uma nova fase da em prol de uma, cada vez mais assumida, pré-
EI, contraditória, ambígua e tensa, em que se escolarização das crianças. Analisamos agora

8
Dadas as características do texto das OCEPE a que aludimos, atente-se aos casos em que educadores/as e outros/as profissionais,
indo além do seu espírito, interpretam aquelas orientações como prescrições.

Revista Portuguesa de Educação, 31(2)


76 Ferreira, M. & Tomás, C.

algumas facetas dessa escolarização da EPE, crianças, apresenta-se contextualizada com


transversais aos JI observados e emergentes o tema informalmente definido por elas nas
da análise das interações entre educadoras e suas ações. O ‘cruzamento’, podendo ser
crianças. interpretado como complexificação de um
traçado linear, ou acréscimo de dificuldade ao
4 . 1 B r i n c a r pa r a a p r e n d e r c o n t e ú d o s
brincar em curso, depressa se converte numa
espécie de lição breve de educação rodoviária,
Um grupo de rapazes brincava com carrinhos
a cargo da educadora, em que a transmissão
no chão. De vez em quando havia alguns
de informações sobre sinais de trânsito passou
“choques” entre as viaturas, mas o “trânsito”
a ser o tópico a desenvolver. Expressando o
continuava a fluir sem grandes incidentes. A
lema “Brincar sim, mas com propósito”, o
educadora aproximou-se trazendo uma fita
choque entre o princípio da intencionalidade
adesiva e começou a colar tiras no chão, definindo
que parece animar a intervenção da educadora
“ruas”/”estradas”.
e o princípio do prazer que parece animar a
… As crianças que estavam envolvidas na
atividade lúdica das crianças eclode quando
brincadeira começaram a dar ideias:
estas passam a ressignificar as ‘casas’ como
- Põe outra estrada aqui! – pediu V. A educadora
‘casas que caem’. O seu entendimento como
faz uma “rua” perpendicular à “rua” principal
sementes que lançam o caos na paisagem logo
e pergunta: - Meninos, o que está a faltar nesta
obriga a uma chamada de atenção velada, para a
pista?
manutenção da ordem e da ‘cidade que se tinha
- Passadeiras para as pessoas passarem – diz o
construído’: “- Já está em obras uma estrada
B.
assim tão nova? – perguntou a educadora”. A
- E para os carros pararem? – perguntou a
pronta resposta de B. a tal reparo mostra que
educadora.
as crianças, apesar da aceitação das propostas
- Placas! – responde o E.
da educadora, não se subsumiram a elas nem
- Que placas? – volta a perguntar a educadora,
se conformaram à sua lógica, criando entre
mas, como as crianças não respondem, ela
si, ao invés, versões da realidade alternativas
sugere o “STOP”, diz que podem ir pesquisar
às dos/as adultos/as que mostram estarmos
no computador e, de seguida, pergunta quem ia
perante lógicas de sentido diferenciadas.
desenhar/copiar o sinal de trânsito... aos poucos,
Neste sentido, a intervenção inicial da
a “pista” foi ganhando outros elementos sugeridos
educadora como sendo ‘amiga das crianças’
pela educadora e pelas crianças. Pouco depois,
pode ser vista como uma estratégia pedagógica
algumas crianças começam a colocar peças de
para otimizar a aquisição de determinados
madeira na “pista” simulando “construções” que,
conteúdos que não deve ser confundida com
de repente, caíam.
uma pedagogia e um currículo centrados
- Já está em obras uma estrada assim tão nova?
na criança (Vasconcelos, 2015), até porque
– perguntou a educadora.
a orientação que imprime em prol das
- Estamos a brincar! – respondeu o B. (Nota de
aprendizagens que contarão no seu futuro
campo, JIA, 2015, crianças 5 anos)
escolar se adianta ao reconhecimento dos seus
interesses e competências como atores sociais
A intervenção inicial da educadora, no presente.
traçando ‘ruas’, parecendo decorrer da
observação prévia da brincadeira das

Revista Portuguesa de Educação, 31(2)


“O pré-escolar faz a diferença?” 77

4.2 E n q ua d r a r , adiar, selecionar segundo as premissas dos currículos de coleção


e deixar cair no esquecimento as e das pedagogias visíveis (Bernstein, 1982); ou
p r o p o s ta s da s c r i a n ç a s seja, a ‘área da casa’ é para brincar ao faz-de-
conta, mesmo que seja dançar ao ballet, e a ‘área
A. e L. estão na ‘casa’, vestindo e despindo os da pintura’ é para pintar, desenhar.
vestidos. A. vem para a ‘pintura’ a dançar ballet e Perante a chamada de atenção da educadora, as
imediatamente a educadora diz: - Já sabe que as crianças, agregando mais um duo, persistem na
fronteiras têm que ser respeitadas. Vá lá para a sua intenção de “dançar ao ballet”, alargando-a
casinha fazer essas coisas, vá, andor... a uma proposta de “dança prós outros” que,
R. e N. juntam-se a A. e L. e começam a conversar ‘agarrada’ e ressignificada pela educadora,
sobre a possibilidade de fazerem uma dança “prós depressa se converte numa espécie de ‘projeto
outros”. Riem, segredam e apontam. L. dirige-se à à força’ sobre o tema do ballet. Trata-se, agora,
estagiária: - T., estamos prontos. Queres ver a nossa de compatibilizar a intencionalidade pedagógica
dança? – diz L. de tornar útil, funcional e ‘devidamente’
- Sim, quero. Que interessante! – responde T. enquadrada num projeto aquilo que é uma
L. levanta-se e começa a observar a performance. iniciativa emergente dos fazeres e dizeres das
. . . T. propõe à educadora realizar um projeto crianças quando brincam, organizando-as
sobre o ballet, e ela responde: - Acho que pode e seletivamente por critérios etários – percebidos
deve avançar com a chuva de ideias amanhã, mas como indicadores das competências das crianças.
não vai fazer com todos. Esqueça! Os mais novos “Sentá-los todos nas mesas e tentar fazer algo
não estão ‘nem aí’. Esses só querem brincar. Não sobre o ballet” torna-se, assim, uma possibilidade
estão preparados ainda! Depois, chama por L. e N. de a educadora e a estagiária transformarem a
dizendo-lhes: “Vão para aquela mesa trabalhar com dança, o movimento, e a iniciativa e organização
a T.”. das crianças numa área de conteúdo em que
- Mas… olha… – tenta dizer A., e continua a são privilegiadas atividades cognitivas que, ao
fazer pliés. subalternizarem os saberes prévios e a dimensão
- O melhor é sentá-los todos nas mesas e tentar lúdica da ação coletiva em que estavam
fazer algo sobre o ballet – diz a educadora para a envolvidas as crianças, a ressemantizam como
estagiária. - Bem, está na hora de pôr esta gente trabalho. A sua valorização torna-se assim numa
toda a trabalhar. espécie de ‘pragmática pedagógica’, atenuante de
A. começa a dar pontapés nos móveis da área formas explícitas de escolarização, mas sem com
da casa. [O compromisso assumido nunca mais se isso deixar de desmobilizar a proposta infantil
cumpriu] (Nota de campo, JIB, 2016, crianças 3 a e de a adiar, para, no limite, a deixar cair no
5 anos) esquecimento.

Apesar da organização espacial dos JI 4 . 3 B r i n c a r a o 1 º c i c l o : p r e pa r a r pa r a


apresentar, frequentemente, um enquadramento s e r a lu n o
e classificação fracos, típicos das pedagogias
invisíveis e de currículos de integração Hoje começa a semana de ‘brincar ao 1º CEB’,
(Bernstein, 1982), muitas das intervenções dos/ uma proposta vinda da diretora da organização,
as educadores/as, como a reportada, orientam- e a educadora S. chegou mais cedo e reorganizou
se em sentido oposto, afirmando explicitamente a sala, colocando 4 mesas, cada uma com 4 ou 5
uma ordem institucional que deve funcionar cadeiras.

Revista Portuguesa de Educação, 31(2)


78 Ferreira, M. & Tomás, C.

- Bom dia, bom dia! – diz S. à medida que crianças projeto (cf. Vasconcelos, 1998) quer o brincar
e famílias chegam à sala. – a conversão do “brincar ao 1º CEB” numa
- Ele já tem o estojo na mochila. Fomos ontem realidade tão real por parte da educadora e de
comprar. – diz o pai do M. à educadora... algumas famílias parece não ter deixado espaço
- Hoje não vamos para a manta. Vão sentar-se nas às crianças para agirem ‘como se’. Ao mesmo
cadeiras, devagar e sem arrastá-las. Não é para ir tempo, este projeto revela-se aqui ao serviço
para aí [área da biblioteca]. É para ali – diz S., e da fabricação de corpos dóceis, ajustados e
aponta para as cadeiras. produtivos (Foucault, 2009). Esta “arte do
Depois, S. distribui um conjunto de fichas para adestramento” (Foucault, 2009), acompanhada
as crianças fazerem sobre planetas [tema do projeto de estímulos positivos e de prémios – estrela
que terminou na semana anterior]. As crianças no bibe –, e desdramatização do esforço de
estão 1h27 sentadas, ora a pintar estrelas, ora a fazer contenção – “Veem? É giro! Não custa muito!”
conjuntos com os planetas. S. vai circulando entre – atesta, assim, uma visão adultocêntrica e
os grupos e fazendo reforços positivos: - Veem? É adulterada da modalidade de projeto como
giro! Não custa muito! trabalho pedagógico, que supõe um processo
- É bué fixe! - diz M. curiosamente participado com/entre crianças
T., uma criança novata e o mais novo do grupo, e adultos/as, situado e ampliador de múltiplos
pega na mão de S. e pergunta: - Já posso ir brincar? reportórios, abrindo-se à vivência de práticas
S. olha rapidamente para a ficha, vai ao móvel e mais democráticas.
traz uma estrela, que coloca no bibe do T., dizendo- Após avaliação positiva do trabalho realizado,
lhe: - Fizeste quase tudo bem. Podes, vai lá. a educadora condescende ao pedido “- Já posso
De rajada, levanta-se o grupo de crianças que ir brincar?” esclarecendo uma diferença entre
estava sentado na mesa perto da porta. trabalhar e brincar, entre atividades sérias e
- Meninos!!! Sentar, se faz favor! – reage S... [Mais profanas. Sérias porque úteis e propedêuticas
um dia que as crianças não vão ao recreio] (Nota de à aprendizagem dos comportamentos – estar
campo, JIC, 2017, crianças 4 a 6 anos) sentado à mesa, uso das materialidades
escolares (papéis, canetas, fichas) e das
A metodologia de projeto – uma das formas escriturais que configuram uma
recomendações das OCEPE (1997, 2016) – socialização para o modo escolar. Profanas
e a sua dinamização curricular, que podem porque, reportadas ao brincar, mostram-no
ser vistas como expressões visíveis da como atividade remanescente, recompensa
intencionalidade pedagógica educativa no condicionada pelo bom cumprimento do
quotidiano do JI, surgem aqui confinadas trabalho sério, como castigo ou sanção, ou
a uma “semana de brincar ao 1º ciclo” que é ainda como atitude de condescendência
exterior e superiormente definida pela direção seletiva em função das idades infantis. Por
do JI. Porém, a transformação da sala do JI conseguinte, familiarizar as crianças com
numa sala de aula, das crianças em alunos/as as práticas normativas da escola básica
e do grupo numa turma, da educadora numa torna-se sinónimo de alunização (Correia &
professora que dá ordens, prescreve trabalho Matos, 2001; Matos, 2011), ou seja, de uma
(fichas), avalia e recompensa ou sanciona, do socialização precoce para o desempenho do
brincar num trabalho sem escolha e sem que papel de aluno/a (Perrenoud, 1995). Perante
se perceba qualquer participação das crianças esta transformação do JI em escola, urge
desvirtua, quer os propósitos da metodologia de refletir criticamente: em que medida “o pré-

Revista Portuguesa de Educação, 31(2)


“O pré-escolar faz a diferença?” 79

escolar faz a diferença” da escola do 1º CEB? do nível de desempenho que vai sendo atingido
pelas mesmas. Isso significa que as produções
4.4 A p r e s e n ta r r e s u lta d o s das crianças se assumem como ‘prova’ das suas
como evidências de competências aprendizagens e dos seus progressos. Significa,
a d q u i r i da s também, que os cuidados colocados no resultado
final destas produções são, porventura, mais
C. pede às crianças para se sentarem na mesa vigiados e controlados pela educadora, e que
e fazerem o desenho relativamente à visita do as apreciações suscitadas durante o processo da
apicultor à sala, no âmbito do projeto das abelhas. sua concretização e o resultado final se assumem
M. anda pela sala e senta-se no sofá que está na área como facetas da avaliação na EI, entre outras. Tal
da casa. como a situação acima mostra, a explicitação das
- Anda sentar-te e trabalhar, L. Nunca queres regras, preceitos, conceitos e convenções sociais
fazer nada – diz-lhe a auxiliar. tende a ser objeto de forte regulação, o mesmo
M. chama S. para brincar com ele, mas ela não acontecendo com as chamadas de atenção para a
responde... Já na mesa, L. diz a C. que o desenho já conformidade das crianças à ‘completude’ de uma
está pronto e pergunta se pode ir brincar. C. olha dada realidade, decorrente do preenchimento
para o desenho e volta a colocá-lo na mesa. das ‘falhas’ detetadas – “Ainda faltam aqui coisas.
- Mas as abelhas são verdes? – pergunta C. Onde está o apicultor?” –, e para a correção dos
- Sim – responde L. erros – “Mas as abelhas são verdes?”.
Gera-se uma discussão com as crianças que estão A ludicidade, sendo por definição uma
na mesa acerca das cores das abelhas. atividade autotélica, autodeterminada e livre
- Além de estar mal… são amarelas e pretas, (Brougère, 1998), não pressupõe necessariamente
como a ‘abelha Maya’9. Ainda faltam aqui coisas. nem a realização de produtos finais, nem a sua
Onde está o apicultor? O Sr. João, que esteve aqui divulgação, nem a sua avaliação, o que torna
há pouco? – questiona C. invisível, de alguma forma, quer o ‘trabalho
- Não está… foi almoçar! – diz o L., e aponta para das crianças’, se concebermos que o seu oficio
o desenho fazendo um gesto como que indicando a é brincar (Chamboredon & Prévot, 1973),
‘saída da figura’ com o dedo. (Nota de campo, JID, quer, por consequência, a tal intencionalidade
2016, crianças 4-6 anos) que é suposto estar presente na ação das/os
educadoras/es. Lidar com esta invisibilidade
A solicitação de produções gráficas relativas às torna-se mais agudo quando vivemos num
atividades desenvolvidas, podendo ser justificada contexto, como aquele que já referimos, em que
como registo de memórias significativas que as performances das crianças, mesmo as mais
contam histórias do grupo e do indivíduo, pequenas, começam a ser exigidas, ainda que
pelo seu grau de recorrência, vulgarização e implícita e informalmente.
visibilidade dentro e fora da sala, e na instituição,
pode ser igualmente entendida quer como uma
forma de evidenciar e de legitimar o trabalho
pedagógico desenvolvido pelo/a educador/a com
as crianças, quer como uma suposta evidência

9
Série infantil criada por Waldemar Bonsels em 1912. Estreou em Portugal em 1978.

Revista Portuguesa de Educação, 31(2)


80 Ferreira, M. & Tomás, C.

C onsiderações finais de estratégias de organização espácio-temporais


e materiais uniformes, em que o/a educador/a
O processo de institucionalização da EI em tanto cria condições para que determinadas
Portugal, nos últimos 30 anos, tem vindo a aprendizagens ocorram ‘espontaneamente’ como
desenhar uma trajetória em que o acúmulo de para que ele/a próprio/a ministre conteúdos.
saberes e conteúdos disciplinares centrados Posto isto, então de que estamos a falar quando
numa transmissão didática, padronizada e equacionamos a pergunta “O pré-escolar faz a
uniformizadora, de tipo individualizado, parece diferença?”? Estando cientes de que a realidade
ter em mira a aquisição de aprendizagens formais na EI é mais complexa e diversa, ali coexistindo
e de competências escolares. Esta trajetória, práticas pedagógicas heterogéneas e até de
frequentemente justificada em nome da qualidade resistência ao modelo escolocentrista (Correia &
e da necessidade de intervir atempadamente Matos, 2001), as mudanças sociais e de política
para prevenir o abandono e o insucesso escolar, educativa a que fizemos alusão parecem expressar
antecipa já na EI facetas da recontextualização uma nova forma de (re)institucionalização da
local de políticas transnacionais que eram infância e da sua educação, cujas implicações
apenas visíveis para/nos níveis educativos mais nas práticas pedagógicas, como procurámos
avançados. Trata-se da promoção cada vez mais mostrar, sugerem a pertinência de se proceder a
precoce da literacia, numeracia, tecnologias, um debate e aprofundamento em torno de várias
cientificismo e poliglotismo, exercitados pelo questões que precisam ser cuidadosamente
uso intensivo de manuais de tipo escolar e/ou de refletidas para uma EI capaz de fazer a diferença.
propostas de atividades apostadas na transmissão Uma delas refere-se à pedagogia da EI e à sua
de conteúdos escolares. As lógicas subjacentes especificidade, ou não: por um lado, entre os
a práticas pedagógicas orientadas segundo os princípios de uma pedagogia contextualizada
princípios “Brincar para aprender conteúdos”, e praxiológica (Rocha, Lessa, & Buss-Simão,
“Enquadrar, adiar, selecionar e deixar cair no 2016) que reconhece a centralidade da criança
esquecimento as propostas das crianças”, “Brincar (Vasconcelos, 2015), não a isolando do todo
ao 1º ciclo: preparar para ser aluno/a” e “Apresentar social, e do papel do/a educador/a enquanto
resultados como evidências de competências dinamizador/a de um currículo coconstruído
adquiridas” constituem manifestações de com as crianças, no reconhecimento dos seus
algumas das tensões e ambiguidades que mais saberes e experiências prévias, bem como das
frequentemente observámos nos JI. Tais tensões suas culturas infantis. Por outro lado, outras
parecem ficar a dever-se à existência de um pedagogias orientadas por objetivos pré-
quadro teórico e ideológico que aponta para uma definidos e conteúdos pré-programados e
conceção de criança como ator social, produtora homogéneos que instrumentalizam os desejos
de cultura e sujeito de direitos, incluindo o de de saber das crianças e convertem as suas
brincar, como aparece plasmado nas OCEPE ações em estratégias funcionais, supostamente
(2016), e de práticas pedagógicas que, parecendo “lúdico-pedagógicas” (Brougère, 1998) e ‘amigas
atribuir centralidade ao que as crianças dizem das crianças’, para transmitirem conteúdos e
e fazem como alicerce da intencionalidade promoverem aprendizagens de comportamentos
pedagógica, denotam, afinal, preocupações considerados úteis e necessários às etapas
de tipo transmissivo em função dos níveis de seguintes do seu percurso escolar e de vida.
desenvolvimento da criança ‘clássica’, por estádios, Perante tais contrastes, urge repensar a seleção
supostamente objetivados pelas idades, através e intencionalidade dos espaços e materiais

Revista Portuguesa de Educação, 31(2)


“O pré-escolar faz a diferença?” 81

pedagógicos. e de cidadania (Vasconcelos, 2007) implica a


Uma outra questão refere-se à importância ousadia de reinventar práticas sociais, culturais,
da atividade lúdica na EI, ou não, dada a educativas e pedagógicas pelo exercício de
pressão que tem vindo a ser exercida sobre os/ múltiplas imaginações: além da imaginação
as educadores/as para prestarem contas do pedagógica (Rocha et al., 2016), a epistemológica
trabalho que realizam com as crianças, e em que e a democrática (Santos, 2006). Uma imaginação
as produções destas constituem duplas provas pedagógica alimentada por saberes e experiências
materiais: da eficácia, eficiência e produtividade infantis desafiadores de modelos e práticas
do trabalho pedagógico desenvolvido e do nível standard. Uma imaginação epistemológica
das competências adquiridas por aquelas. Não complexa na análise da EI que inclui a
será por acaso que as crianças brincam cada multirreferencialidade teórico-pedagógica e
vez menos e por menos tempo no JI e, quando reflexividade crítica acerca das práticas. Uma
o podem fazer entre elas, tal deverá respeitar as imaginação democrática que valoriza a vida
regras dos/as adultos/as, decorrer com ordem coletiva em sociedade e não abre mão da
e segurança e assumir uma inteligibilidade participação influente das crianças nas decisões
imediatamente acessível aos seus olhos. Brincar quotidianas do JI, numa ordem negociada entre
no JI é cada vez mais sinónimo ora de sanção adultos/as e crianças que contribui para combater
das transgressões, ora de recompensa, ora de situações e relações de desigualdade e exclusão.
estratégia de ensino, como procurámos mostrar Talvez assim se possa caminhar para uma EI que
na análise de situações observadas. faz a diferença.
Finalmente, outra questão refere-se à função
do JI e ao posicionamento dos/as educadores/ R eferências
as. Consideramos que o JI é um contexto de
Ball, S. (2011). Diretrizes políticas globais
preparação para a entrada no 1º CEB ou deve,
e relações políticas locais em educação.
antes, ser entendido como mais um mundo
Currículo Sem Fronteiras, 1(2), 99-116.
de vida das crianças, em que estas devem ter Bassok, D., Latham, S., & Rorem, A. (2016). Is
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no presente e num contexto coletivo de partilha? 1(4), 1-31. doi:10.1177/2332858415616358
Consideramos que o/a educador/a deve ser um/a Bernstein, B. (1982). A educação não pode
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com os resultados dos conteúdos aprendidos pelas (Orgs.), Sociologia da educação II (Antologia).
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das culturas lúdicas, para ficar capacitado/a a ler Brougère, G. (1998). A criança e a cultura lúdica.
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contexto, e na sua mútua articulação, de modo a 116. doi:10.1590/S0102-25551998000200007
contribuir para a sua expansão? Consideramos Chamboredon, J. C., & Prévot, J. (1973). Le
“métier d’enfant” – Définition sociale de la
que o conhecimento das crianças é evidenciado
prime enfance et fonctions différentielles
pelo uso intensivo de fichas e manuais ou por
de l’école maternelle. Revue Française de
processos que recorrem a diversas estratégias
Sociologie, XII(7), 295-335.
metodológicas para documentar os saberes em Correia, J. A., & Matos, M. (2001). Da
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84 Ferreira, M. & Tomás, C.

“Does preschool make a “¿El preescol ar hac e la


d i f f e r e n c e ? ” E d u c at i o n a l p o l i c i e s d i f e r e n c ia ? ” L as políticas
i n e a r ly c h i l d h o o d e d u c at i o n e d u c at i va s en la educación
a n d p e da g o g i c a l p r a c t i c e s i n fa n t i l y p r á c t i c a s p e da g ó g i c a s

Abstract Resumen
The identification of sociopedagogical La identificación de prácticas socio
practices tendentially reproductive of pedagógicas tendencialmente reproductoras
schooling forms, and the presence of collection de la forma escolar, y de currículos de colección
curricula and formal modes of pedagogical y modos de transmisión pedagógica formales
transmission emphasizing literacy, numeracy que enfatizan la alfabetización, la numeración
and science point to the reconfiguration of y la ciencia apuntan a la reconfiguración de la
Early Childhood Education as a context of Educación Infantil como contexto de creciente
schoolarisation and of early processes of escolarización y alunización precoz de los
children becoming pupils and as a socio- niños y niñas y como estrategia de prevención
educational prevention strategy against school socioeducativa del fracaso escolar. En la
failure. From an interdisciplinary matrix interlocución entre Sociología de la Infancia,
between Sociology of Childhood, Sociology Sociología de la Educación y Ciencias de
of Education and Educational Sciences it la Educación, se analiza el rumbo de los
is analysed the trend of the recent Early recientes cambios políticos de la Educación de
Childhood Education political changes in Infancia en el marco internacional y nacional,
international and national contexts, back to retrocediendo a los años 90, y algunos de sus
the 90s, and some of its effects on pedagogical efectos a nivel de las prácticas pedagógicas.
practices. The reconstitution of this path rests La reconstitución de este trayecto se basa en
on the critical analysis of official documents, el análisis crítico de documentos oficiales, en
namely the new Early Childhood Curriculum particular las nuevas Directrices Curriculares
Guidelines (2016), and observations conducted para la Educación Preescolar (2016), y de
in Portuguese kindergartens, public and observaciones realizadas en Centros de
private, between 2015 and 2017. Educación Infantil, públicos y privados, entre
2015 y 2017, en Portugal.
Keywords: Early childhood education;
Education policies; Pedagogical practices; Early Palabras clave: Educación infantil; Políticas
childhood education curriculum guidelines educativas; Prácticas pedagógicas; Orientaciones
curriculares para la educación preescolar

i
Universidade do Porto, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação & Centro de Investigação e Intervenção Educativas
(CIIE), Portugal. Orcid: 0000-0003-4512-166
II
Instituto Politécnico de Lisboa, Escola Superior de Educação de Lisboa & CICS.NOVA. FCSH NOVA, Portugal. Orcid:
0000-0002-9220-964X

Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser enviada para:


Recebido em abril de 2018
Manuela Ferreira
Rua Alfredo Allen, 4200-135 Porto, Portugal.Revista Portuguesa de Educação,Aceite
31(2)para publicação em setembro de 2018
E-mail: [email protected]

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