Prática Pedagógica Nos Processos de Alfabetização e de Letramento

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Luciana Piccoli

Prática Pedagógica nos Processos de Alfabetização e de Letramento:


análises a partir dos campos da sociologia e da linguagem

Porto Alegre
2009
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1

Luciana Piccoli

Prática Pedagógica nos Processos de Alfabetização e de Letramento:


análises a partir dos campos da sociologia e da linguagem

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação da Faculdade
de Educação da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, como requisito parcial
para obtenção do título de Doutor em
Educação.

Orientadora:
Profª. Drª. Maria Helena Degani Veit

Porto Alegre
2009
2

A vida é a arte do encontro, embora haja


tanto desencontro pela vida. É preciso
encontrar as coisas certas da vida, para
que ela tenha o sentido que se deseja.
Assim, a escolha de uma profissão
também é a arte de um encontro. Porque
uma vida só adquire vida quando a gente
empresta nossa vida, para o resto da
vida.

Vinícius de Moraes
3

RESUMO

Esta tese de doutoramento foi desenvolvida na Linha de Pesquisa “O Sujeito da


Educação: conhecimento, linguagem e contextos”; está vinculada ao projeto de
pesquisa “Perspectivas de Ensino na Educação Básica: prática pedagógica e
formação de professores” e relaciona à área da educação dois campos do
conhecimento: o da sociologia - com a contribuição de Basil Bernstein - e o da
linguagem - a partir dos estudos sobre letramentos sociais de Brian Street e sua
interlocução com práticas escolares alfabetizadoras.
A investigação constitui-se como um estudo de caso e teve por objetivo descrever e
analisar a prática pedagógica de uma professora da Rede Municipal de Ensino de
Porto Alegre que se aproximou do modelo de pedagogia mista, proposto por Morais
e Neves (2003) a partir da teoria de Bernstein. Durante o ano de 2005, foram
observadas duas turmas de segundo ano do primeiro Ciclo de Formação do Ensino
Fundamental e, durante o ano de 2006, foram acompanhadas essas mesmas turmas
no terceiro ano. Finalizadas as observações, foi selecionada, para análise, a prática
pedagógica de uma das professoras do segundo ano do primeiro ciclo tendo se
revelado como aquela que produziu mais aprendizagem entre os alunos, no sentido
de tornarem-se capazes de elaborar o texto considerado legítimo no contexto
escolar.
A partir de metodologia qualitativa, a observação participante foi a principal
estratégia utilizada para a coleta de dados, com registro de situações interativas
entre professora e alunos em um diário de campo e através de um gravador de voz.
As unidades de descrição foram os eventos de alfabetização e de letramento,
constituídos pelos elementos oralidade, leitura e escrita. Além disso, também foi
realizada entrevista em profundidade com as docentes.
Os conceitos de classificação e de enquadramento da teoria sociológica
possibilitaram a análise de dimensões da prática pedagógica consideradas no
modelo da pedagogia mista. Os resultados do estudo corroboraram os indicados
pelo modelo: enquanto a seleção do conhecimento em nível macro e os critérios de
avaliação manifestaram um enquadramento forte, a seleção em nível micro, a
ritmagem e as regras hierárquicas apresentaram um fraco enquadramento. As
relações entre os espaços da professora e os dos alunos foram marcadas por uma
fraca classificação, assim como as relações entre os conhecimentos
intradisciplinares, específicos dos processos de alfabetização e de letramento.
No que se refere à área da linguagem, percebeu-se que a prática pedagógica da
professora foi fundamentada em distintas perspectivas: na psicogênese da língua
escrita, nos estudos sobre letramento e nos estudos sobre consciência fonológica,
indicando a necessidade de diferentes metodologias para o ensino da leitura e da
escrita. Dentre elas, evidenciou-se, sobretudo, a importância da intervenção
pedagógica explícita da professora no que se refere ao processo de alfabetização
para possibilitar a aprendizagem dos alunos, partindo dos conhecimentos das
crianças para chegar à forma convencional de leitura e de escrita.

Palavras-chave: Prática Pedagógica. Classificação. Enquadramento. Pedagogia


Mista. Alfabetização. Letramento. Eventos de Oralidade, de Leitura e de Escrita.
4

ABSTRACT

This doctoral dissertation was developed within the Research Line “The Subject of
Education: knowledge, language and contexts”; it is connected with the research
project “Teaching Perspectives in Basic Education: pedagogical practice and teacher
training” and relates to the educational area in two fields of knowledge: Sociology -
with the contribution of Basil Bernstein - and Language - based upon studies on
social literacies by Brian Street and their intercommunication with literacy school
practices.
The investigation was conducted as a case study and aimed at describing and
analyzing a teacher’s pedagogical practice within Porto Alegre City Public School
System. Such practice was the closest to the mixed pedagogical model proposed by
Morais and Neves (2003) based on Bernstein’s theory. During the year 2005, two
classes in the second grade of the first cycle of Elementary School were observed,
and during year 2006 the same classes were observed while in their third grade of
the same cycle. After the observation phase was over, the pedagogical practice of
one of the teachers in the second grade of the first cycle was selected for analysis
due to it having been revealed as the practice that produced the best learning results
among the students, meaning the students have become capable of elaborating the
text accepted as legitimate in the school context.
Based upon qualitative methodology, the participant observation was the major
strategy applied for data gathering, together with recording interactive situations
between teacher and students on a field journal and also on a voice recorder. The
description units were the literacy events represented by the elements of orality,
reading and writing. Besides, interviews in depth were conducted with the teachers.
The concepts of classification and framing of the sociological theory have enabled
the analysis of the pedagogical practice dimensions considered in the model of mixed
pedagogy. The results of the study have confirmed those indicated by the model: the
selection of knowledge at a macro level and the evaluation criteria have manifested a
strong framing, whereas the selection at a micro level, the pacing and hierarchical
rules have produced a weak framing. The relations between the teacher’s and the
students’ spaces were marked by a weak classification, as well as the relations
among the intradisciplinary knowledges that are specific to literacy processes.
Regarding the language area, it has been noticed that the teacher’s pedagogical
practice was founded on distinctive perspectives: on the written language
psychogenesis, on the studies about literacy and also on the studies about
phonological awareness, therefore indicating the necessity of different methodologies
for the teaching of reading and writing. Among them, it has become evident the
importance of the teacher’s explicit pedagogical intervention regarding the literacy
process in order to enable the students’ learning, starting from the children’s
knowledge up to the conventional ways of reading and writing.

Keywords: Pedagogical Practice. Classification. Framing. Mixed Pedagogy. Literacy.


Orality, Reading and Writing Events.
5

SUMÁRIO

1 A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA NO


CONTEXTO DE MINHA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL .……........................... 07
2 O ENSINO POR CICLOS DE FORMAÇÃO NA REDE
ADMINISTRATIVA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE ....................................... 14
3 O REFERENCIAL SOCIOLÓGICO DE BASIL BERNSTEIN ............................... 18
3.1 O DISPOSITIVO PEDAGÓGICO ....................................................................... 19
3.2 CLASSIFICAÇÃO E ENQUADRAMENTO ......................................................... 23
3.3 A LÓGICA INTERNA DA RELAÇÃO PEDAGÓGICA:
REGRAS E TIPOS GENÉRICOS DE PRÁTICA PEDAGÓGICA ....................... 29
4 PEDAGOGIA MISTA:
ORIGEM E CARACTERÍSTICAS DA PRÁTICA PEDAGÓGICA ........................ 37
4.1 DESENVOLVENDO PESQUISA PARA UMA
SOCIOLOGIA DA INSTRUÇÃO E DA APRENDIZAGEM .................................. 41
4.2 AS DIMENSÕES DE UMA PEDAGOGIA MISTA ............................................... 47
5 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO ................................................................... 52
5.1 CONCEITUALIZAÇÃO DOS FENÔMENOS ...................................................... 53
5.2 TRAJETÓRIAS DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS ............................................ 62
5.2.1 Perspectiva Psicológica:
os métodos de alfabetização e a psicogênese da língua escrita .............. 63
5.2.2 Perspectiva Linguística:
os estudos sobre letramento e consciência fonológica ............................. 65
5.3 ORALIDADE, LEITURA E ESCRITA NA CONSTITUIÇÃO DE
PRÁTICAS E EVENTOS DE LETRAMENTO .................................................... 73
6 INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA .......................................................................... 80
6.1 ASPECTOS ÉTICOS .......................................................................................... 81
6.2 OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE ....................................................................... 82
6.3 ENTREVISTA EM PROFUNDIDADE ................................................................. 84
6.4 ANÁLISE DOCUMENTAL .................................................................................. 85
6.5 LOCAL DO TRABALHO DE CAMPO ................................................................. 85
6

7 DESCRIÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ............................. 87


7.1 A DESCRIÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA ................................................... 87
7.2 OS EVENTOS DE ALFABETIZAÇÃO E DE LETRAMENTO ........................... 110
7.2.1 Os Nomes Próprios ..................................................................................... 111
7.2.2 Os Princípios de Convivência da Turma ................................................... 115
7.2.3 Aviso aos Pais ............................................................................................. 118
7.2.4 O Alfabeto .................................................................................................... 120
7.2.5 Tainá 2: a aventura continua com o caça-palavras .................................. 125
7.2.6 Tainá 2: a aventura continua com as letras móveis ................................. 127
7.2.7 A Mulher Gigante: leitura ............................................................................ 131
7.2.8 A Mulher Gigante: escrita ........................................................................... 134
7.2.9 Príncipe Herculano, o Chato ...................................................................... 137
7.2.10 Madagascar ................................................................................................ 140
7.2.11 Brincadeira com Palavras ......................................................................... 143
7.3 AS DIMENSÕES DA PEDAGOGIA MISTA
NA PRÁTICA PEDAGÓGICA ALFABETIZADORA .......................................... 145
7.3.1 As Relações entre os Sujeitos ................................................................... 146
7.3.2 O Espaço da Professora e o Espaço dos Alunos .................................... 149
7.3.3 A Seleção do Conhecimento ...................................................................... 151
7.3.4 A Sequência ................................................................................................. 168
7.3.5 A Ritmagem .................................................................................................. 169
7.3.6 Os Critérios de Avaliação ........................................................................... 170
7.4 A PERSPECTIVA DA PROFESSORA E POSSIBILIDADES
PEDAGÓGICAS PARA A FORMAÇÃO DE ALFABETIZADORES .................. 177
8 A PRÁTICA PEDAGÓGICA:
CONTRIBUIÇÕES A PARTIR DA SOCIOLOGIA E DA LINGUAGEM .............. 187
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 191
APÊNDICES ........................................................................................................... 198
ANEXOS ................................................................................................................. 212
7

1 A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA NO CONTEXTO DE MINHA

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

Inicio esta tese de doutoramento apoiada em um excerto de autoria de


Vinícius de Moraes para sublinhar que esta pesquisa esteve permeada pela arte dos
encontros: o da minha trajetória profissional com meu interesse de investigação; o
da professora cuja prática pedagógica é aqui descrita e analisada com a profissão
por ela escolhida; e todos os ocorridos entre ela e seus alunos que ilustram porque a
vida é, de fato, a arte do encontro.
Comecemos pelo primeiro encontro - já que os outros serão apresentados no
decorrer desta tese - em que explicito, brevemente, a perspectiva a partir da qual me
pronuncio, tecendo relações entre meu percurso pessoal e profissional, meu
interesse e objeto de pesquisa e os autores selecionados que me acompanham
nessa caminhada investigativa.
Desde minha infância convivi com a experiência da docência. Meus pais,
ambos professores, vivenciavam as etapas do fazer pedagógico e eu, tanto ao
assumir o papel de observadora atenta, quanto nas brincadeiras de faz-de-conta
escolar, já demonstrava interesse nesta profissão.
Após o Ensino Fundamental, tornei-me professora estagiária no curso de
Magistério que me proporcionou a primeira e inesquecível experiência como
alfabetizadora de crianças em uma escola situada na periferia de minha cidade
natal.
As inquietações surgidas a partir dessa prática pedagógica precisavam ser
discutidas, e o curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
configurou-se como base sólida tanto para a construção de conhecimentos, quanto
para minha formação como educadora. Concomitantemente à graduação, comecei a
trabalhar em uma escola privada, sendo professora alfabetizadora nessa instituição.
Atuei nos anos iniciais do Ensino Fundamental durante sete anos.
A vivência do processo de alfabetização em realidades sociais distintas
instigaram-me pelo fato de acreditar que todos os sujeitos podem aprender. Tal meta
impulsionou-me a realizar o curso de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em
Educação da FACED/UFRGS na Linha de Pesquisa “O Sujeito da Educação:
8

conhecimento, linguagem e contextos” e a inserir minha investigação no projeto de


pesquisa “Perspectivas de Ensino na Educação Básica: prática pedagógica e
formação de professores” coordenado pela minha orientadora Professora Doutora
Maria Helena Degani Veit1. Em meio às discussões propostas no ambiente
acadêmico, meu interesse de investigação começava a ser delineado: a relação
entre as aprendizagens dos sujeitos e a prática pedagógica do professor. Nos
Seminários de Orientação, priorizei alguns aspectos a serem estudados: os
processos de alfabetização e de letramento em uma escola municipal2.
Iniciei a pesquisa de campo e, por ocasião da defesa do projeto de
dissertação, recebi a indicação para a mudança de nível do Mestrado ao Doutorado.
A concretização dessa possibilidade levou-me à ampliação do período de coleta de
dados de um para dois anos. Assim, durante o ano de 2005, foram observadas duas
turmas de segundo ano do primeiro Ciclo de Formação do Ensino Fundamental e,
durante o ano de 2006, foram acompanhadas essas mesmas turmas no terceiro
ano-ciclo, possibilitando a realização de um estudo de caso longitudinal, já que meu
objetivo, naquela ocasião, era realizar a descrição e a comparação da prática
pedagógica das quatro professoras envolvidas na coleta de dados.
Vários fatores, entretanto, intervieram para que tal intenção fosse revista,
ocasionando a restrição de meus propósitos, que serão a seguir elencados:
a) a importância crescente revelada nos Seminários de Orientação da pedagogia
mista como uma modalidade de prática pedagógica que possibilita a aprendizagem
de todos os alunos;
b) a ausência de estudos brasileiros que relacionem o modelo de pedagogia mista
com práticas pedagógicas alfabetizadoras, conforme levantamento descrito a seguir
realizado no Banco de Teses do Portal CAPES;
c) a flutuação de uma quantidade significativa de alunos do segundo para o terceiro
ano-ciclo para outras turmas, turnos de aula e escolas, dificultando o
acompanhamento dos grupos inicialmente constituídos em 2005, permanecendo
uma das docentes como alfabetizadora durante todo o referido ano letivo.
1
O enfoque sociológico, definido desde o curso de Pedagogia da UFRGS, foi aprofundado nos
Seminários Avançados dos quais participei, ministrados pela referida professora orientadora. Tais
seminários também são a origem da seleção dos referenciais teóricos do campo da sociologia
utilizados nesta tese.
2
As perspectivas teóricas relacionadas ao campo da linguagem foram selecionadas a partir dos
Seminários Avançados ministrados pela Professora Doutora Iole Maria Faviero Trindade e no
momento de realização da monografia de conclusão de Curso de Especialização sobre alfabetização
e letramento, sob orientação da mesma professora.
9

Tais aspectos tornam-se ainda mais significativos quando, em 2007, passei a


atuar na formação docente: nos dois anos em que fui professora substituta na área
de Língua Materna da FACED/UFRGS e desde 2008, quando ingressei como
professora efetiva de uma Instituição de Ensino Superior privada, atuando na área
da Aquisição da Linguagem Oral e Escrita. O compromisso como formadora de
alfabetizadoras levou-me a aliar, na pesquisa, um expressivo investimento na área
específica da alfabetização e do letramento.
A última experiência profissional que merece ser referida diz respeito a minha
nomeação, em 2007, como professora da Rede Municipal de Ensino de Porto
Alegre, atuando, neste ano, como alfabetizadora em uma turma do primeiro ano do
Ensino Fundamental.
Após tais reformulações e comentários, cabe, agora, a explicitação do
problema de pesquisa através da exposição do objetivo da investigação: descrever e
analisar a prática pedagógica de uma professora da Rede Municipal de Ensino de
Porto Alegre, tomando como referência o modelo de pedagogia mista, proposto por
Morais e Neves (2003) a partir da Teoria de Bernstein.
Diante do término das observações já referidas, que ocorreram nos anos de
2005 e de 2006, a prática pedagógica alfabetizadora de uma das professoras do
segundo ano do primeiro ciclo foi selecionada para análise por ter se revelado como
aquela que produziu mais aprendizagem entre os alunos, no sentido de tornarem-se
capazes de elaborar o texto considerado legítimo no contexto escolar. A
investigação constitui-se, então, como um estudo de caso abordando a prática
pedagógica nos processos de alfabetização de letramento.
Ainda é necessário explicitar que esta tese relaciona à área da educação dois
campos do conhecimento: o da sociologia - com a contribuição de Basil Bernstein - e
o da linguagem - a partir dos estudos sobre letramentos sociais de Brian Street e sua
interlocução com práticas escolares alfabetizadoras. Faremos um breve comentário
sobre tais referenciais teóricos.
Basil Bernstein, sociólogo inglês, aborda a teoria da produção, reprodução e
mudança do discurso educacional, oferecendo possibilidades de análise do campo
da educação através de uma linguagem de descrição interna. Ana Maria Morais e
Isabel Pestana Neves baseiam suas pesquisas, fundamentalmente, na teoria
bernsteiniana, relacionando-a aos dados de investigação pelo desenvolvimento de
indicadores operacionais. A linha de pesquisa da qual as autoras fazem parte tem
10

como intenção a diminuição do aproveitamento diferencial dos alunos de estratos


sociais mais baixos. Elas desenvolveram, no campo das ciências, um modelo de
prática pedagógica denominada “mista” que possibilita a aprendizagem desses e de
todos os alunos.
Brian Street, pesquisador britânico, realiza seus estudos na interface das
áreas da linguística e da antropologia, tendo como objeto de investigação os usos,
os significados do letramento na vida cotidiana e nas relações sociais das pessoas.
Para o autor, o letramento é considerado como uma prática ideológica implicada em
relações de poder e embasada em significados e práticas culturais específicas.
No que se refere à alfabetização, não será apresentado, nesta introdução,
nenhum referencial em particular justamente pela natureza desta tese que implica,
também, discutir as orientações teóricas que têm guiado as práticas pedagógicas
alfabetizadoras.
Para justificar a produtividade da temática aqui selecionada e a singularidade
pressuposta em uma tese de doutorado foi realizado um rastreamento de teses,
dissertações e artigos que utilizam o referencial de Basil Bernstein e/ou o modelo
teórico da pedagogia mista através de pesquisas no Banco de Teses do Portal
CAPES - que reúne informações sobre teses e dissertações defendidas a partir de
1987 junto a programas de pós-graduação - e na biblioteca eletrônica Scielo
(Scientific Electronic Library Online) que abrange uma coleção selecionada de
periódicos científicos brasileiros.
A pesquisa no Portal Capes, abarcando os resumos de teses e dissertações
incluídos para consulta até o ano base de 2007, foi realizada a partir do descritor
“assunto” pela “expressão exata” Basil Bernstein (a) e Pedagogia Mista (b). Os
resultados apontaram 34 ocorrências para a primeira palavra-chave as quais
abrangem diversas áreas do campo da educação; e apenas uma tese (ROSA, 2007)
para a segunda palavra-chave, relacionada à prática de ensino em biologia.
Na fonte eletrônica Scielo foram pesquisados artigos através do “índice de
assuntos” em que se utilizou para busca a palavra Bernstein3 e a expressão
Pedagogia Mista. Foram encontrados quatro artigos para o primeiro descritor, sendo
três deles publicados em um mesmo periódico, e nenhum para o segundo.

3
Devido à estrutura do sistema de busca do Scielo, não foi possível realizar a consulta utilizando a
expressão Basil Bernstein. Por isso, optou-se pelo sobrenome do autor.
11

Em ambas as bases de dados, não foi encontrado nenhum estudo brasileiro


que relacionasse estas perspectivas teóricas - teoria sociológica de Basil Bernstein e
modelo de pedagogia mista - com práticas pedagógicas alfabetizadoras, apontando,
portanto, a singularidade do estudo aqui desenvolvido.
Foram selecionadas as expressões acima referidas para busca e não as
palavras alfabetização e letramento4 - presentes no título desta tese - devido à
extensa produção acadêmica que contempla tais descritores. Trindade (2008) realiza
um minucioso exame da trajetória dos estudos na área da alfabetização, analisando
teses e dissertações publicadas pelos programas de pós-graduação das
universidades gaúchas no período de 1975 - ano de publicação da primeira tese no
Rio Grande do Sul acerca do tema em questão - a 2006, disponibilizadas mais
recentemente no Banco de Teses do Portal CAPES. Coincidentemente, a data final
é o ano em que a coleta de dados desta pesquisa foi encerrada. Trindade (2008, p.
286) aponta um conjunto de termos que reconhece como focos de estudos na área
da alfabetização, quais sejam: alfabetização, métodos de alfabetização,
psicogênese, alfabetismo, analfabetismo, letramento e consciência fonológica,
percebendo o abandono, a predominância e a emergência de tais temáticas na
produção acadêmica.
Diante de tais dados, cabe salientar dois estudos que se aproximam da tese
aqui desenvolvida por compartilhar o mesmo referencial teórico - a sociologia de
Bernstein - e a mesma temática: alfabetização. O primeiro refere-se à tese de Veit
(1990) em que, por ocasião do projeto da autora de abordagem sociológica, em
1983, foram utilizados, pela primeira vez no Rio Grande do Sul, os conceitos de
classificação e de enquadramento no exame do processo de alfabetização de
crianças moradoras de uma favela. Nesse projeto, as contribuições de Bernstein
existentes até 1982 foram consideradas.
A tese (1990) procura identificar as práticas pedagógicas e perspectivas dos
professores no processo de alfabetização de seus alunos. Através de metodologia
qualitativa, foram examinadas quatro turmas de primeira série de uma escola
estadual de Porto Alegre, sendo o principal critério para escolha dos grupos a
experiência do professor no processo de alfabetização. Foram realizadas

4
A análise desses conceitos é realizada separadamente no capítulo cinco.
12

observações da prática docente, entrevistas e avaliações dos alunos no que se


refere à leitura e à escrita.
Além dos conceitos de classificação e de enquadramento de Bernstein, foram
utilizados, na construção do referencial teórico para análise dos dados, o “processo
de estratificação social” na sala de aula de Sharp e Green, a “relação nós-eles” de
Schutz, bem como conceitos de Foucault caracterizando o espaço escolar. Como
conclusão, os fatores que influenciaram o sucesso na alfabetização foram a
competência do professor; sua crença na educação como fundamental na melhoria
da situação de vida de crianças da classe trabalhadora; e o estabelecimento de uma
“relação de nós” com os alunos na qual professores assumem a responsabilidade do
aprendizado de cada criança sem aceitar as categorizações do fracasso escolar.
A outra pesquisa, brevemente comentada, é a dissertação de Cardoso (2005)
em que a autora analisou, a partir do referencial sociológico de Bernstein e de suas
seguidoras, duas práticas pedagógicas alfabetizadoras em distintas redes de ensino.
Enquanto na escola estadual foi realizada uma pedagogia visível, na municipal foi
desenvolvida uma pedagogia invisível.
Diante da exposição do problema de pesquisa e da justificativa para seu
desenvolvimento, explicito brevemente a organização textual desta tese. O segundo
capítulo descreve características referentes à organização curricular do Ensino por
Ciclos de Formação, já que a escola onde os dados foram coletados adota tal
sistema. Após, no capítulo três, apresento a teoria sociológica de Basil Bernstein que
fundamenta a linha de pesquisa de suas seguidoras, descrita no quarto capítulo, no
qual também explicito as dimensões da prática pedagógica referentes ao modelo de
pedagogia mista.
O capítulo cinco diz respeito aos fundamentos conceituais relacionados aos
processos de alfabetização e de letramento, utilizados tanto como referenciais
teóricos quanto como unidades de descrição dos dados coletados. O delineamento
metodológico qualitativo utilizado nesta investigação, que se caracterizou como um
estudo de caso, está presente no sexto capítulo. A descrição dos eventos de
alfabetização e de letramento que compõem o corpus empírico desta pesquisa é
realizada no capítulo seguinte, bem como a análise e a interpretação dos mesmos
segundo as dimensões do modelo de pedagogia mista. Ainda, a perspectiva da
professora acerca de sua própria prática docente é apresentada no capítulo sete,
13

assim como são indicadas possibilidades pedagógicas para a formação de


alfabetizadores.
Por fim, na conclusão, retomo os principais aspectos abordados na pesquisa,
apontando as contribuições advindas deste estudo para a formação docente na
relação entre os campos da sociologia e da linguagem.
14

2 O ENSINO POR CICLOS DE FORMAÇÃO NA REDE ADMINISTRATIVA

MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE

O Ensino por Ciclos de Formação5 é a organização curricular implantada nas


escolas da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre em 19956. Ela diferencia-se
do ensino seriado, dentre outros aspectos, por reorganizar os tempos e os espaços
escolares, na tentativa de garantir o ingresso e a permanência do aluno na
instituição, além de possibilitar o acesso ao conhecimento nela produzido. O
conceito de currículo é entendido a partir da seguinte perspectiva:
[...] currículo é ação, é trajetória, é caminhada construída coletivamente e
em cada realidade escolar de forma diferenciada. É um processo dinâmico,
mutável, sujeito a inúmeras influências, portanto, aberto e flexível. Essa
concepção de currículo veicula toda uma concepção de pessoa, sociedade,
conhecimento, cultura, poder e destinação das classes sociais às quais os
indivíduos pertencem; portanto, referida sempre a uma proposta político-
pedagógica que explicita intenções e revela sempre graus diferenciados da
consciência e do compromisso social. (SMED, 1999, p. 6)

Nessa concepção, o Ensino Fundamental é estruturado em três ciclos de


formação, sendo cada um com a duração de três anos, e o critério de agrupamento,
a faixa etária dos alunos. Assim, o primeiro ciclo atende crianças dos 6 aos 8 anos; o
segundo ciclo, alunos dos 9 aos 11 anos e o terceiro ciclo, dos 12 aos 14 anos. O
ensino é construído a partir das necessidades e interesses da comunidade escolar,
que pressupõem a relação dos conhecimentos em torno de uma idéia global.
Ao considerar as exigências pedagógicas desta nova estrutura, o professor,
denominado educador-referência, tem o apoio do professor itinerante ou volante que
acompanha as turmas e realiza atendimentos individuais ou em pequenos grupos,
conforme a necessidade dos alunos. Além disso, há laboratórios de aprendizagem
que auxiliam no processo de construção do conhecimento daqueles alunos que
necessitam de mais tempo e de estratégias pedagógicas diferenciadas. Existem
turmas de progressão, que atendem um número máximo de vinte alunos em cada
5
As concepções que fundamentam a proposta da Escola Cidadã estão apresentadas de forma
sintética a partir do documento referência, organizado pela Secretaria Municipal de Educação: Ciclos
de Formação: Proposta Político-Pedagógica da Escola Cidadã. Cadernos Pedagógicos SMED. Porto
Alegre, n. 9, abr. 1999.
6
Segundo a ex-secretária de Educação da capital e vereadora da Comissão de Educação da Câmara
Municipal, Sofia Cavedon, o processo de implantação dos ciclos desenvolveu-se entre 1989 e 2000,
sendo que, de 1991 a 1993, professores, pais e alunos envolveram-se para debater a questão. Em
1995, a primeira escola do município foi ciclada e as últimas implantaram os ciclos em 2000.
15

ciclo, que buscam alcançar conformidade entre a idade cronológica e a cognitiva dos
sujeitos, pela avaliação e intervenção nas dificuldades de aprendizagem que
apresentam. As salas de integração e recursos são utilizadas para investigar e
atender os alunos que apresentam necessidades educativas especiais, contribuindo
para a inclusão desses sujeitos no ambiente escolar.
A avaliação no Ensino por Ciclos de Formação é vista como um processo
contínuo, participativo, com objetivo diagnóstico, prognóstico e investigativo. Esta
proposta pedagógica afirma: “O processo avaliativo não anula o acúmulo de
conhecimento. A escola proporcionará condições de avanço e progressão, pois não
considera a reprovação ou retenção de educando de ano para ano, nem de ciclo
para ciclo” (SMED, 1999, p. 53). Há, ainda, espaços de formação docente que
contemplam a qualificação permanente e o planejamento7.
Espera-se que, ao final do Ensino Fundamental, o educando seja “[...]
detentor de uma cultura geral razoável e com destreza de pensamento e
comunicação” (SMED, 1999, p. 21). No que se refere às características das crianças
atendidas ao longo dos três anos do primeiro ciclo de formação, o desenvolvimento
do pensamento e da linguagem é visto como a aquisição das aprendizagens formais
do ler, escrever e a construção dos processos de raciocínio lógico-matemático a
partir da experiência do aluno que constrói significados e abstrações.
A apropriação da língua pela criança é fruto de um longo e trabalhoso
processo, que não é determinado pelo ensino formal da escrita, mesmo
antes de entrar para a escola e, com base nessas hipóteses sobre a
escrita, a criança assimila o que lhe é ensinado. Por isso, nem sempre sua
resposta coincide com aquilo que se espera dela quando se torna o ensino
como único ponto de referência para avaliar a aprendizagem da escrita
pela criança. (SMED, 1999, p. 14)8

Uma avaliação da secretária municipal de educação de Porto Alegre na


gestão do ano de 2004, Fátima Baierle (11 jun. 2004, p. 4), explicita o sistema de
Ensino por Ciclos de Formação a partir da Proposta Político-Pedagógica da Escola
Cidadã embasada na perspectiva construtivista e sociointeracionista decorrente das
teorias de Paulo Freire, Jean Piaget e Lev Vygotsky.
A autora afirma que, no país, os ciclos foram adotados recentemente em um
número significativo de sistemas municipais e estaduais. Existem diferenças entre

7
A Secretaria Municipal de Educação, no ano de 2005, planejou modificações no sistema de Ensino
por Ciclos de Formação para serem implantadas em 2006: além das turmas de progressão, foram
instituídas as “turmas de transição” para atender os alunos não promovidos ao final de cada ciclo.
8
Ao considerar a ênfase desta tese na leitura e na escrita, foi selecionado o excerto que trata da
linguagem, preferencialmente àqueles que abordam outras áreas do conhecimento.
16

essas experiências, pois, em algumas instituições, a progressão automática foi


instituída sem garantir a aprendizagem. Assim, as séries foram convertidas
administrativamente em ciclos, não havendo realização das exigências pedagógicas
da nova estrutura, recursos materiais adequados e um projeto de formação
permanente dos professores. Em outras realidades, entretanto, os ciclos promovem
uma inovação em profundidade, uma vez que contemplam o que há de mais
atualizado no campo da pesquisa e das teorias pedagógicas, especialmente na
psicologia e nas teorias de aprendizagem.
Baierle (11 jun. 2004, p. 4) considera que o conhecimento é “[...] um processo
em construção que determina a transformação do sujeito e do objeto” e que a escola
por ciclos aborda uma concepção dinâmica do saber, ao contrário da escola
chamada “tradicional” que é fragmentada em disciplinas, séries e pré-requisitos. De
acordo com a autora, quando o sistema de ciclos foi implantado em Porto Alegre, a
reprovação contabilizava 30% e a evasão era de 5,68%. Assim, do total de 30 mil
alunos, aproximadamente 1,7 mil abandonaram a escola e 9 mil foram reprovados.
No ano de 2004, a evasão foi de 1% e não houve reprovação. A escola por ciclos,
portanto, na opinião da autora, é inclusiva e comprometida com a aprendizagem
para todos.
Com a eleição para a prefeitura de Porto Alegre e a troca de governo em
2005, duas opiniões distintas surgiram sobre os ciclos. A primeira, em consonância
com a administração atual, enfatiza que o projeto do Ensino por Ciclos de Formação,
teoricamente, é viável. Na prática, entretanto, alguns aspectos que se referem ao
acompanhamento e à avaliação dos alunos precisam ser retomados, uma vez que,
com a aprovação sistemática9, a maioria dos egressos desse sistema depara-se
com o fracasso escolar no Ensino Médio. A segunda, coerente com o governo
anterior, enfatiza que uma vez que o sistema de ciclos almeja garantir a educação
para todos, teve um papel significativo na diminuição da evasão escolar e
representou um avanço no que diz respeito ao sistema seriado, considerado
excludente. A aprovação sistemática não acontece na escola ciclada, pois, se o
aluno não tem condições de acompanhar seu grupo, o conselho de classe decide

9
A aprovação sistemática ocorre quando a progressão continuada não é concebida adequadamente
e os alunos acabam avançando sem terem consolidado as aprendizagens necessárias para as
próximas etapas de estudo. O ponto controverso da questão é se isso ocorre ou não no sistema de
ciclos.
17

pela sua permanência por mais um ano no determinado ciclo (SMED, 17 jan. 2005,
p. 9; CÂMARA, 05 mar. 2005, p 3).
Ao considerar essas diferentes interpretações, a Secretaria Municipal de
Educação realizou, no ano de 2005, uma avaliação do Ensino por Ciclos de
Formação, analisando a aprendizagem dos alunos e a opinião da comunidade
escolar para a qualificação desse sistema, ou traduzi-lo em uma nova abordagem
educacional. No ano de 2005, a SMED lançou um novo foco pedagógico “Porto
Alegre - Cidade que aprende” que almejava incluir a participação da equipe diretiva,
professores, pais e alunos.
A então secretária municipal de educação de Porto Alegre, Marilú Fontoura de
Medeiros (3 jun. 2005, p. 4), esclareceu que essa revisão do Ensino por Ciclos de
Formação era uma demanda dos educadores e da comunidade preocupados com
as distorções no processo de aprendizagem e de avaliação dos alunos, sendo
necessária a formulação de alternativas para a qualificação do ensino. Medeiros (3
jun. 2005, p. 4) afirmava que:
É certo que o sistema de ciclos distenciona e potencializa a vivência do
aluno em sala de aula e fora dela, criando pólos de desenvolvimento
cultural, e, acima de tudo, reduz a evasão escolar na comparação com o
ensino seriado. Mas é necessário reconhecer que há distorções inclusive
na proposta original. Em Porto Alegre, como em outras partes do país, há
um paradoxo que frustra alunos e professores e distancia a prática do
sistema de ciclos da sua teoria.

Além disso, enfatiza que para corrigir o rumo desse sistema, é necessário
avaliar os processos de aprendizagem no que diz respeito à revisão dos modos de
ação junto aos alunos e aos critérios de promoção ou retenção.
Em síntese, o Ensino por Ciclos de Formação, no município de Porto Alegre,
tem como pressuposto a idéia de construir uma escola que “garanta a todos o
acesso ao ensino de qualidade que favoreça a permanência do aluno” e que seja
“voltada para o trabalho com as classes populares uma vez que estas têm sido
historicamente excluídas dos bens produzidos pela sociedade como um todo”.
(SMED, 1999, p. 34).
18

3 O REFERENCIAL SOCIOLÓGICO DE BASIL BERNSTEIN

Basil Bernstein ocupa um lugar de destaque no que se refere à teoria e à


pesquisa no domínio do controle simbólico, produção, reprodução e mudança
cultural. Ele foi influenciado pelo interacionismo simbólico, por Karl Marx e Emile
Durkheim, entre outros. Seu pensamento oferece várias possibilidades de análise do
campo da educação, uma vez que permite descrever agências específicas de
reprodução cultural, tendo elaborado uma linguagem de descrição10 que permite
analisar tanto o nível microinteracional, quanto o macroestrutural. Suas contribuições
têm como focos centrais a comunicação pedagógica como meio fundamental de
controle simbólico e a análise do dispositivo pedagógico que constrói, regula e
distribui códigos elaborados. Bernstein enfocou as relações entre discursos, espaços
e sujeitos e os três sistemas de mensagem que constituem o conhecimento formal:
currículo, pedagogia e avaliação.
Diante da interlocução proposta nesta tese entre os campos da sociologia e
da linguagem, é importante salientar o que Santos (2003) afirma sobre as origens da
obra de Bernstein, já que, no início de sua trajetória intelectual, o autor desenvolveu
investigações na área da sociolingüística, a partir do conceito de código,
relacionando linguagem e educação. Tais pesquisas, que demonstraram uma
correlação entre diferenças de classe social e de sucesso e fracasso escolar na
aquisição do códico elaborado do contexto educacional, lhe renderam o injusto título
de determinista e o autor tornou-se alvo de críticas devido, sobretudo, às
incompreensões acarretadas pela densidade da linguagem utilizada, dos processos
sócio-históricos subentendidos e pela complexidade dos conceitos por ele
formulados.
Depois desses breves comentários, iniciamos a apresentação da teoria
bernsteiniana e da noção de dispositivo pedagógico. Para isso, são discutidas as
relações entre o discurso instrucional e o discurso regulador no que se refere às
regras do dispositivo pedagógico e o modelo do autor para explicar as complexas
relações entre poder, discurso pedagógico de reprodução e a distribuição de formas
de consciência.

10
Os conceitos citados nesta introdução serão explicitados ao longo da apresentação do referencial
teórico, momento em que serão comentados no que tange à tradução dos mesmos.
19

Com base, principalmente, na mais recente obra de Bernstein11,


apresentamos os conceitos de classificação e de enquadramento bem como a
constituição de distintas modalidades de prática pedagógica que possibilitam aos
alunos os princípios necessários para elaborarem textos legítimos no contexto
escolar. Bernstein formulou como a distribuição do poder e os princípios de controle
se traduzem em modalidades de códigos pedagógicos; também destacou a maneira
pela qual esses códigos são adquiridos e como configuram a consciência
pedagógica.
A seguir, abordamos a descrição que Bernstein (1996a, p. 94) realizou sobre
a prática pedagógica ao considerá-la mais do que “um condutor, um transportador
cultural”. Ele analisou a lógica interna do transportador cultural, isto é, “[...] um
conjunto de regras que precedem o conteúdo a ser conduzido”. Com base nessas
regras, o autor apresentou duas modalidades genéricas de prática pedagógica: a
visível e a invisível.

3.1 O DISPOSITIVO PEDAGÓGICO

De acordo com Bernstein (1998, p. 58-59), o dispositivo pedagógico


proporciona a gramática intrínseca do discurso pedagógico através de três conjuntos
de regras relacionadas entre si: regras distributivas, regras recontextualizadoras e
regras de avaliação.
Enquanto as regras distributivas assinalam e distribuem quem, o que, a quem
e em que condições se pode transmitir tipos de conhecimento, que o autor denomina
genericamente de “o pensável” e “o impensável”; as regras de recontextualização
compõem o discurso pedagógico específico, selecionando e criando os temas
pedagógicos especializados em consonância com os contextos de transmissão-
aquisição (BERNSTEIN, 1998, p. 61). As regras de avaliação, por sua vez, estão

11
Tanto o livro original em inglês, Pedagogy, Symbolic Control and Identity: theory, research, critique.
London: Taylor & Francis, 1996b, quanto sua tradução para o espanhol, Pedagogía, Control
Simbólico e Identidad: teoria, investigación y crítica. Madrid: Morata, 1998, fundamentam o referencial
teórico. Também foi utilizada a obra traduzida A Estruturação do Discurso Pedagógico: classe,
códigos e controle. Petrópolis: Vozes, 1996a.
20

presentes na prática pedagógica e podem apresentar critérios explícitos (pedagogia


visível) ou implícitos para os alunos (pedagogia invisível).
O discurso pedagógico é composto pelas regras de comunicação
especializada mediante as quais os indivíduos são seletivamente constituídos.
Dessa maneira, o discurso pedagógico consiste nas regras para embutir e relacionar
dois discursos: o instrucional e o regulador (BERNSTEIN, 1996a, p. 258). O autor
(1998, p. 62) afirma:
Denominaremos discurso de instrucción al discurso que crea destrezas
especializadas y sus mutuas relaciones y discurso regulador al discurso
moral que crea ordem, relaciones e identidad. Podemos representarlo del
seguinte modo:
DISCURSO DE LA INSTRUCCIÓN DI

DISCURSO REGULADOR DR

O discurso pedagógico é constituído pela inclusão de um discurso em outro.


O discurso instrucional está embutido no discurso regulador12, que é o dominante.
Bernstein considera o discurso pedagógico como sendo antes um princípio do que
um discurso, pois através desse princípio outros discursos de campos específicos do
conhecimento são apropriados e recontextualizados de modo a permitir sua
transmissão e aquisição seletivas. Assim, o discurso pedagógico é um princípio para
a circulação e a reordenação de discursos. Quando um discurso é retirado do seu
lugar original - onde foi produzido - e recontextualizado durante a elaboração de um
texto didático ou de uma prática pedagógica, um vazio, ou um espaço é criado no
qual a ideologia pode atuar.
Num sentido importante, o discurso pedagógico, desse ponto de vista, é
um discurso sem um discurso específico. Ele não tem qualquer discurso
próprio. O discurso pedagógico é um princípio para apropriar outros
discursos e colocá-los numa relação mútua especial, com vistas à sua
transmissão e aquisição seletivas. O discurso pedagógico é, pois, um
princípio que tira (desloca) um discurso de sua prática e contexto
substantivos e recoloca aquele discurso de acordo com seu próprio
princípio de focalização e reordenamento seletivos. (BERNSTEIN, 1996a,
p. 259)

Dessa forma, o discurso não é mais o mesmo que era no campo onde fora
produzido, e passa a ser ideologicamente transformado em um discurso imaginário,

12
Na obra original de Bernstein, em inglês, a expressão utilizada é regulative discourse. Tomaz
Tadeu da Silva, na tradução do livro The Structuring of Pedagogic Discourse: class, codes and
control. London: Routlegde, v. 4, 1990 - A Estruturação do Discurso Pedagógico: classe, códigos e
controle. Petrópolis: Vozes, 1996a, optou pelo termo “discurso regulativo”. Domingos et al., na obra A
Teoria de Bernstein em Sociologia da Educação. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1986, utilizam a
expressão “discurso regulador”, também referida por Morais et al. (1993) e por Morais e Neves
(2003). Daremos, nesta tese, preferência ao último termo mencionado.
21

constituído por um princípio recontextualizador. O discurso pedagógico, ao se


apropriar de vários discursos, cria seletivamente temas imaginários. Bernstein (1998,
p. 62-63) ilustra essas idéias através da própria experiência escolar enfocando o
ofício da carpintaria, transformado, como atividade curricular, nos “trabalhos em
madeira” ou nos trabalhos manuais.
El discurso pedagógico está constituido por un principio recontextualizador
que se apropia, recoloca, recentra y relaciona selectivamente otros
discursos para establecer su propio orden. En este sentido, no puede
identificarse nunca el discurso pedagógico con ninguno de los discursos
que haya recontextualizado. (BERNSTEIN, 1998, p. 63)

Ao tratar do discurso instrucional e do discurso regulador, Morais (2002, p.


562) exemplifica que, enquanto conhecimentos, competências cognitivas e
processos científicos são “conteúdos” do discurso instrucional, disposições sociais,
ou seja, atitudes, valores, regras de conduta e princípios de ordem social são
“conteúdos” do discurso regulador.
O discurso regulador é o dominante porque o discurso moral regula os
critérios que produzem o caráter, a maneira de ser, a conduta e a postura dos
sujeitos. Ele cria as regras de ordem social, uma vez que estabelece, na escola, o
que as crianças devem/podem fazer, onde podem ir, como devem agir, que ideal
formar (BERNSTEIN, 1998, p. 64). No presente caso, o sistema de Ensino por Ciclos
de Formação da Escola Cidadã13, a partir de sua Proposta Político-Pedagógica,
almeja formar o cidadão atuante na construção de uma sociedade justa, igualitária e
democrática, valorizando a liberdade, o respeito à diferença, a solidariedade e a
preservação do ambiente natural (SMED, 1999, p. 34). Esse objetivo amplo permeia
a construção dos princípios de convivência dos alunos, a busca de participação das
famílias em atividades escolares de integração com a escola e o engajamento da
comunidade em campanhas sociais. Esse discurso regulador que emana da
sociedade e, mais diretamente, do poder público municipal pode, todavia, passar por
recontextualizações nas práticas pedagógicas dos diferentes professores.
O discurso regulador, portanto, estabelece as regras de ordem interna do
discurso instrucional, caracterizado pelas dimensões seleção, sequência, ritmagem14

13
Apesar de a “Escola Cidadã” estar relacionada à gestão política anterior ao período aqui analisado,
os princípios que a regem, conforme Klovan (2008), continuaram exercendo influência na Rede
Municipal de Ensino, no biênio observado: 2005, 2006.
14
Novamente, faz-se necessário, aqui, um esclarecimento sobre a tradução dos conceitos da teoria
de Bernstein que originalmente, em língua inglesa, utiliza as palavras sequencing e pacing. Os termos
“sequenciamento” e “compassamento” são apresentados por Tomaz Tadeu da Silva, na tradução do
22

e critérios de avaliação. Bernstein (1998, p. 65) enfatiza que: “Muchas cosas se


derivan del hecho de que hay un único discurso y de que el discurso regulador es
dominante”.
Dessa forma, a ordem, a relação e a identidade na transmissão do discurso
instrucional estão, elas próprias, embutidas nos princípios de ordem,
relação e identidade do discurso regulativo. O discurso pedagógico é, pois,
um princípio/discurso recontextualizador que embute a competência na
ordem e a ordem na competência ou, mais geralmente, o cognitivo no
moral e o moral no cognitivo. (BERNSTEIN, 1996a, p. 261)

Além do princípio recontextualizador definir qual discurso deve ser


transformado em conteúdo da prática pedagógica, ele também recontextualiza como
isso deve ser realizado mediante a definição de uma “teoria da instrução”
(BERNSTEIN, 1998, p. 65) que carrega consigo um modelo de aluno, apresentando
elementos ideológicos definidores do papel do professor e da relação pedagógica.
A teoria instrucional é um discurso recontextualizador crucial, na medida
em que regula os ordenamentos da prática pedagógica, constrói o modelo
de sujeito pedagógico (o adquirente), o modelo de transmissor, o modelo
do contexto pedagógico e o modelo da competência pedagógica
comunicativa. Mudanças na teoria instrucional podem, assim, ter
conseqüências para o ordenamento do discurso pedagógico e para o
ordenamento da prática pedagógica. Podemos distinguir duas modalidades
de teorias de instrução, uma orientada para a lógica da transmissão e a
outra orientada para a lógica da aquisição. A primeira privilegiará
desempenhos hierarquizados relativamente ao discurso pedagógico,
enquanto a segunda privilegiará as competências partilhadas do
adquirente. (BERNSTEIN, 1996a, p. 266)

Concluindo, ao considerar o discurso pedagógico como um discurso


instrucional incluído no regulador, faz-se necessário transformar esse discurso na
prática pedagógica. O fundamental na prática pedagógica é a avaliação contínua
que integra os significados do dispositivo. O objetivo do dispositivo pedagógico é
possibilitar uma regra simbólica para a consciência: por exemplo, ressignificar o
conceito de cidadão entre populações desfavorecidas do ponto de vista econômico e
sociocultural (ELSENBACH, 2002).
Bernstein tratou da gramática intrínseca do dispositivo pedagógico. Essa
gramática regula aquilo que processa e seus códigos de realização ordenam,
posicionam e carregam o potencial de sua própria transformação. A distribuição de

livro The Structuring of Pedagogic Discourse: class, codes and control. London: Routlegde, v. 4, 1990
- A Estruturação do Discurso Pedagógico: classe, códigos e controle. Petrópolis: Vozes, 1996a. As
palavras “sequência” e “ritmagem” são usadas por Domingos et al., na obra A Teoria de Bernstein em
Sociologia da Educação. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1986, assim como por Morais et al. (1993) e
por Morais e Neves (2003). Nesta tese, preferencialmente, utilizaremos os últimos termos referidos,
mas os outros também serão apresentados no caso de citações diretas e de expressões consagradas
pela teoria como “regras de sequenciamento” e “regras de compassamento”.
23

poder que se expressa através do dispositivo gera locais potenciais de


questionamento e oposição. Assim, o dispositivo cria um campo de batalha entre os
diferentes grupos que pretendem apropriar-se dele, uma vez que disso depende o
poder para regular a consciência, o controle simbólico (BERNSTEIN, 1998, p. 68). O
dispositivo pedagógico age como regulador simbólico da consciência. Ele é uma
condição para a produção, reprodução e transformação da cultura. Para o autor
(1996a, p. 20), as crianças fazem mais do que aprender o que formalmente se
espera delas e os professores fazem mais do que ensinar o que formalmente se
espera deles.

3.2 CLASSIFICAÇÃO E ENQUADRAMENTO

Os modelos desenvolvidos na teoria de Bernstein permitem descrever as


práticas de organização, as discursivas e as de transmissão e aquisição do
conhecimento que constituem qualquer agência pedagógica e revelar características
do processo pelo qual se produz uma aquisição seletiva. Eis, aqui, a fecundidade
desta teoria para a presente pesquisa de doutorado. Interessa-nos conceituar,
então, prática pedagógica que, segundo o autor (1998, p. 35), é “[...] un contexto
social fundamental a través del cual se realiza la reproducción y la producción
culturales”. Ao considerar essa ampla definição de prática pedagógica, os modelos
criados por Bernstein possibilitam generalidade, podendo ser utilizados no exame de
diversas instâncias da reprodução cultural. A ênfase da teoria está nos pressupostos
subjacentes que configuram a construção social do discurso pedagógico,
proporcionando a criação de modelos que podem gerar descrições específicas de
diferentes práticas docentes.
Para compreender o modo como os processos pedagógicos moldam
diferentemente a consciência, faz-se necessário um meio de análise das formas de
comunicação que embasam esses processos: de como se elabora um texto legítimo,
que regras constituem sua construção, circulação, recontextualização, aquisição e
mudança. Ao tratar desses temas, o autor destaca três questões imbricadas entre si:
24

Primero: ¿cómo una distribución dominante del poder y de los principios de


control genera, distribuye, reproduce y legitima los principios dominantes y
dominados de comunicación?
Segundo: ¿cómo regula esa distribución de los principios de comunicación
las relaciones en el interior de los grupos sociales y entre ellos?
Tercero: ¿cómo producen estos principios de comunicación una
distribución de las formas de conciencia pedagógica? (BERNSTEIN, 1998,
p. 36)

Poder e controle constituem níveis diferentes para a análise da prática


pedagógica. As relações de poder criam, justificam e reproduzem as fronteiras entre
diferentes categorias, a saber, as de gênero, classe social, raça, discurso, de
agentes e de espaços. O poder opera para produzir rupturas, para constituir
marcadores no espaço social. Ele atua sobre as relações mantendo ou esbatendo
os limites entre categorias. O controle estabelece as formas legítimas de
comunicação apropriadas às diferentes categorias. Ele carrega as relações de poder
dentro dos limites de cada categoria e socializa os sujeitos nessas relações. O
controle transporta em si não só o poder de reprodução, mas também o potencial de
modificação da ordem social.
Resumiendo en pocas palabras esta distinción entre poder y control,
podemos decir que el control establece las formas de comunicación
legítimas y el poder las relaciones legítimas entre categorías. Por tanto, el
poder instaura las relaciones entre determinadas formas de interacción y el
control, las relaciones dentro de esas formas de interacción. Las formas de
interacción que me interesan son las de la práctica pedagógica y las
categorías de las relaciones que me preocupan son las del discurso
pedagógico, sus agentes y su contexto. (BERNSTEIN, 1998, p. 37)

Enfocando as relações dominantes de poder e controle que perpassam a


comunicação pedagógica, o autor construiu uma linguagem especial que engloba as
macrorrelações e as microinterações e contempla, no processo de interação, o
potencial de mudança. As diferentes modalidades de discurso pedagógico regulam o
processo de controle simbólico15 e Bernstein associa o conceito de classificação a
poder e o conceito de enquadramento a controle, proporcionando a passagem do
macro ao micronível de análise através do emprego dos mesmos conceitos.
Segundo o autor (1998, p. 37), o conceito de “classificação”16 refere-se a
relações entre categorias de agências, agentes, discursos e práticas. Por exemplo, a
distância ou proximidade entre as agências família e escola ou, dentro da agência
escola, as linhas de fronteira entre as categorias de discurso: português,

15
Bernstein (1996a, p. 189-190) explica que o controle simbólico é o modo pelo qual a consciência
recebe uma configuração especializada a qual é distribuída através de formas de comunicação que
conduzem uma determinada distribuição de poder e de categorias culturais dominantes.
16
Na obra original de Bernstein (1996b), em inglês, a palavra utilizada é classification.
25

matemática, estudos sociais, ciências. Quando esses discursos apresentam um alto


grau de especialização, precisam ter um espaço para desenvolver sua identidade,
com suas próprias regras internas e sua voz especial. É importante destacar que o
espaço que cria a especialização da categoria que, nesse caso, é “discurso”, não é
interno a ele, mas está entre um discurso e outro.
En otras palabras, es la separación entre las categorías del discurso lo que
mantiene los principios de su división social del trabajo. Dicho de otro
modo, es el silencio el que transmite el mensaje del poder; es el punto y
aparte entre una categoría y otra; es la ruptura del flujo potencial del
discurso lo que es fundamental para la especialización de cualquier
categoría. (BERNSTEIN, 1998, p. 38)

Quando a força dessa separação é diminuída, o princípio da divisão social do


trabalho muda e as categorias de discurso em questão podem perder sua
identidade; exemplificando, os discursos das áreas da linguagem e da matemática,
quando especializados, são classificados fortemente, mas, no caso referido, tem
suas fronteiras abrandadas. Para Bernstein (1998, p. 38-39), é justamente o poder
que mantém a força da separação e que também preserva o tipo de relação entre as
categorias e suas distintas vozes. De acordo com o grau de isolamento entre as
categorias de discurso, há classificações fortes (1) ou fracas (2) que sempre indicam
relações de poder. No que se refere à primeira, existe uma forte separação entre as
categorias e cada uma tem identidade e voz exclusivas, suas próprias regras
especializadas de relações internas. No que diz respeito à segunda, os discursos, as
identidades e as vozes são menos especializados.
El carácter arbitrario de estas relaciones de poder desaparece, ocultado
por el principio de clasificación, ya que el principio de clasificación llega a
adquirir la fuerza del orden natural y las identidades que construye
aparecen como reales, auténticas, integrales, y como fuente de integridad.
(BERNSTEIN 1998, p. 39)

No nível das agências, particularmente das instituições educacionais, quando


a classificação é forte, as fronteiras entre o interior e o exterior da escola são rígidas,
assim o conhecimento presente dentro dela tem um caráter específico, havendo uma
hierarquia entre o que é ou não considerado como conhecimento escolar. Por outro
lado, também as disciplinas entre si podem estar isoladas por limites fortes. Quando
a classificação entre os discursos é forte, cada professor está vinculado ao seu
correspondente campo do conhecimento, garantindo a coesão interna do mesmo.
26

Ao considerar a classificação fraca, as comunicações, desde o exterior até o


interior da escola, são pouco controladas e os limites entre as disciplinas também
são permeáveis.
O corpo docente faz parte de uma rede social forte que pode ou não se
preocupar em integrar os diferentes campos do conhecimento. Segundo Bernstein
“[...] ésta no es una actividad fácil” (1998, p. 43). A relação entre os professores se
constitui em torno do próprio conhecimento e essa reorganização configura uma
base de poder alternativa e complexa.
Cuando tenemos una clasificación fuerte, la regla es: las cosas deben
mantenerse separadas. Cuando tenemos una clasificación débil, la regla
será: hay que reunir las cosas. No obstante, tenemos que preguntarnos: a
quién le interesa la separación de las cosas y a quién la nueva unión y la
nueva integración? (BERNSTEIN, 1998, p. 43)

Assim, é fundamental saber sobre a origem da mudança: se foi pensada ou


pela direção da instituição e professores, ou pela comunidade escolar, ou pelo órgão
gestor; no caso em questão, trata-se da parcela do poder público responsável pela
Rede Municipal de Ensino.
Geralmente, a classificação forte do discurso, no âmbito da escola, produz
uma fragmentação temporal do conhecimento. A classificação forte conduz a uma
separação da transmissão dos saberes. Nas escolas, a progressão do conhecimento
inicia a partir do saber local com o domínio de operações simples e continua até
princípios gerais abstratos que apenas estarão disponíveis em um momento
posterior da transmissão.
O conceito de “enquadramento”17 é utilizado para analisar as diferentes
formas de comunicação legítima que acontecem em qualquer prática pedagógica;
ele expressa o modo como o controle regula e legitima a comunicação nas relações
pedagógicas. O enquadramento permite descrever as características do controle na
relação transmissão-aquisição (BERNSTEIN, 1998, p. 44).
O enquadramento diz respeito ao controle sobre a comunicação nas relações
pedagógicas locais interativas que ocorrem entre pais e filhos, professores e alunos,
profissionais liberais e clientes. Enquanto o princípio de classificação proporciona a
voz e os meios para ser reconhecida, o princípio de enquadramento aborda a forma
de aquisição da mensagem legítima. Dessa maneira, a classificação regula a voz e o
enquadramento estabelece a mensagem, sendo que ambos podem operar

17
Bernstein (1996b) utilizou a palavra framing na sua obra original, em inglês.
27

independentemente. “Una misma voz puede transmitirse mediante diversos


mensajes. Diferentes modalidades de comunicación pueden establecer la misma
voz. Diferentes modalidades de enmarcamiento pueden transmitir la misma voz
(identidad)” (BERNSTEIN, 1998, p. 44).
A classificação refere-se às fronteiras de qualquer discurso, enquanto que o
enquadramento diz respeito às regras de realização para a produção do discurso. O
enquadramento regula as relações dentro de um contexto, como as que acontecem
entre os indivíduos que transmitem e os que adquirem o conhecimento18, sendo que
esses últimos acabam incorporando os princípios da comunicação legítima.
O enquadramento trata do controle que se exerce sobre a lógica interna da
prática pedagógica. O enquadramento é definido pelo autor (1998, p. 44) como
sendo constituído pelas seguintes dimensões relacionadas à comunicação: a
seleção, a sequência, a ritmagem e os critérios de avaliação. Bernstein explicita que
a sequência relaciona-se ao que vem antes e ao que vem depois e a ritmagem, ao
grau previsto de aquisição ao longo de um período de tempo.
Quando o enquadramento é forte, o professor tem o controle explícito da
transmissão do conhecimento nos seguintes aspectos: seleção, sequência,
ritmagem e critérios de avaliação. Quando o enquadramento é fraco, os alunos
apresentam um controle aparente maior sobre a comunicação. É importante
destacar que os valores fortes ou fracos do enquadramento podem variar dentro de
uma mesma prática pedagógica, dependendo da dimensão que está sendo
analisada (BERNSTEIN, 1998, p. 45).
Há dois sistemas de regras independentes que regulam o enquadramento: as
“regras de ordem social” e as “regras de ordem discursiva”: as que tratam das
formas que as relações hierárquicas assumem na relação pedagógica e dos
comportamentos esperados no que se refere à conduta e caráter; e as que dizem
respeito à seleção, sequência, ritmagem e critérios de avaliação do conhecimento.

18
Ao considerar a instituição pedagógica escolar, no decorrer desta investigação, as palavras
professor e aluno serão utilizadas significando transmissor e adquirente. Bernstein (1996a, p. 183)
escolheu o termo adquirente, pois o mesmo aponta para a atividade, não para a passividade. Rosa
(2007, p. 30) salienta que: “Tais definições não podem ser confundidas com as noções de professor
transmissor e de aluno passivo, mero receptor de conteúdos, conforme descritos por autores como
Paulo Freire. O transmissor de Bernstein abarca tanto o professor que protagoniza modalidades
pedagógicas orientadas para a transmissão, quanto aquele que atua como um facilitador da
aprendizagem [...]. O conceito de adquirente é empregado com o intuito de sublinhar a condição não
passiva dessa categoria, independentemente da ideologia que oriente a relação pedagógica”.
28

As regras de ordem social constituem o “discurso regulador” e as regras de ordem


discursiva, o “discurso instrucional”.
A força do enquadramento também pode variar segundo o discurso
instrucional e o discurso regulador. Um enquadramento fraco do discurso regulador
pode estar ligado a um enquadramento forte do discurso instrucional. “Y es muy
importante tener en cuenta que estos discursos no varían necesariamente en el
mismo sentido [...]” (BERNSTEIN, 1998, p. 45).
Segundo Bernstein (1996a, p. 57-58), o princípio de classificação cria as
regras de reconhecimento específicas que possibilitam distinguir um contexto em
relação a outros. Ele estabelece as regras específicas para construir o que é
considerado como comunicação ou discurso adequado. O princípio de
enquadramento, por sua vez, estabelece as regras de realização que, quando
adquiridas, permitem a criação de textos19 legítimos.
As regras de reconhecimento, uma função da classificação, criam os meios
que possibilitam distinguir entre (e, assim, reconhecer) o caráter especial
daquilo que constitui um contexto, enquanto as regras de realização, uma
função do enquadramento, regulam a criação e a produção de relações
especializadas internas àquele contexto. Ao nível do sujeito, diferenças no
código acarretam diferenças nas regras de reconhecimento e de
realização. (BERNSTEIN, 1996a, p. 143-144)

Morais e Neves (2003, p. 63) explicitam a afirmação do autor, enfatizando que


a produção textual em um determinado contexto depende da posse da orientação de
codificação específica para esse contexto. É necessário, portanto, que o sujeito
apresente tanto as regras de reconhecimento para identificar a situação, quanto as
regras de realização para produzir o texto adequado àquele contexto. As regras de
realização referem-se à seleção e à produção de significados. Os alunos devem
selecionar os significados legítimos e produzir textos de acordo com esses
significados, apresentando um desempenho adequado ao contexto, assim,
demonstrando possuir as regras de reconhecimento e de realização. Quando houver
falha no desempenho, há um indicativo de que não houve aquisição das regras de
reconhecimento, ou de realização, ou de ambas.

19
De acordo com Bernstein (1996a, p. 32), texto é tudo que pode ser avaliado: gestos, falas, ações.
Morais e Neves (2003) utilizam a expressão “produção textual”.
29

3.3 A LÓGICA INTERNA DA RELAÇÃO PEDAGÓGICA: REGRAS E TIPOS


GENÉRICOS DE PRÁTICA PEDAGÓGICA

Para Bernstein (1996a, p. 94) uma prática pedagógica pode ser considerada
mais do que um mero condutor cultural: “[...] um dispositivo singularmente humano
tanto para a reprodução quanto para a produção da cultura”. Há uma distinção entre,
por um lado, o que é transportado, ou seja, os conteúdos, e, por outro, a forma como
esses conteúdos culturais são transportados. A lógica interna da prática pedagógica
é constituída por um conjunto de três regras - hierárquicas, de sequenciamento e
criteriais - que atuam seletivamente sobre os conteúdos a serem conduzidos. A
reprodução ou, ao invés, a transformação cultural ocorre através da relação
pedagógica entre transmissores e adquirentes. Segundo o autor (1996a, p. 95), essa
relação é assimétrica, mesmo que essa característica seja mascarada: o professor
tem uma posição hierarquicamente superior.
De acordo com Bernstein (1996a, p. 96): “Em qualquer relação pedagógica o
transmissor tem que aprender a ser um transmissor e o adquirente tem que aprender
a ser um adquirente”. A aprendizagem de como ser um professor depende da
aquisição de regras de ordem social, de caráter e de modos de comportamento que
são a condição para a conduta apropriada na relação pedagógica. Para o autor
(1996a, p. 97), essas regras de conduta, denominadas regras hierárquicas e
consideradas dominantes, permitem um espaço para a negociação e estabelecem
as condições para a ordem, o caráter e os modos de comportamento.
As regras hierárquicas podem ser explícitas, quando as relações de poder
são muito claras ou implícitas, quando se torna difícil identificar o professor, uma vez
que atua diretamente sobre o contexto de aquisição, mas indiretamente sobre o
aluno. Nessa última relação, o poder é mascarado ou escondido por dispositivos de
comunicação (BERNSTEIN, 1996a, p. 98-99).
A transmissão pedagógica ocorre mediante uma progressão que pressupõe
regras de sequenciamento e, consequentemente, implica em regras de
compassamento. “O compassamento é a velocidade esperada de aquisição das
regras de sequenciamento, isto é, quanto se tem que aprender num dado espaço de
tempo” (BERNSTEIN, 1996a, p. 97). Assim, o compassamento é o tempo permitido
para que as regras de sequenciamento sejam cumpridas.
30

Se as regras de sequenciamento forem explícitas, o desenvolvimento da


criança é regulado em termos de idade. Elas constroem o projeto temporal da
criança que sabe qual é o estado de consciência dela esperado. Segundo Bernstein
(1996a, p. 99-100), as regras de sequenciamento são marcadas por rituais de
transição e estão presentes nas listagens de conteúdos, nos currículos, nas regras
de comportamento, prêmios e punições. Ao considerar as regras de sequenciamento
implícitas, o transmissor conhece o projeto temporal da criança, mas ela não.
Para Bernstein, há critérios que os alunos devem assumir e aplicar às
atividades que realizam. Eles permitem que o adquirente compreenda o que é válido
como uma comunicação, uma relação social ou uma posição legítima ou ilegítima.
A lógica interna de qualquer relação pedagógica consiste de regras
hierárquicas, regras de seqüência e de compassamento e regras
criteriais20. Podemos distinguir, num outro nível, mais duas regras gerais.
As regras hierárquicas serão chamadas de regras regulativas e as regras
de compassamento/seqüência e de critérios serão chamadas de regras
instrucionais ou discursivas. A regra fundamental é a regra regulativa.
(BERNSTEIN, 1996a, p. 97)

O foco da relação de ensino está na avaliação da competência do aluno, isto


é, se os critérios regulativos e discursivos disponíveis transmitidos para o adquirente
foram realizados. Quando os critérios forem explícitos e específicos, a pedagogia
expõe ao aluno o que está faltando no seu texto e ele tem conhecimento de quais
são os critérios de avaliação do professor. Entretanto, quando os critérios são
implícitos, múltiplos e difusos, a criança conhece apenas de maneira muito geral os
critérios que tem que cumprir, podendo realizar seu texto, aparentemente, sem
restrições externas e de forma espontânea (BERNSTEIN, 1996a, p. 102-103).
Bernstein (1996a, p. 103) definiu dois tipos genéricos de prática pedagógica:
Se as regras de ordem regulativa e discursiva são critérios explícitos de
hierarquia/seqüência/compassamento, chamarei esse tipo de prática
pedagógica visível (PV) e se as regras de ordem regulativa e discursiva
são implícitas, chamarei esse tipo de pedagogia invisível (PI).

Retomando a seção anterior, para o autor, o enquadramento forte caracteriza


“prática pedagógica visível”; o enquadramento fraco, uma “prática pedagógica
invisível”.
Há muitas modalidades de pedagogia visível que sempre colocarão a ênfase
no desempenho da criança, no texto que ela cria e no grau que esse produto externo
satisfaz os critérios. Essa pedagogia produz diferenças entre os alunos, pois

20
Grifo nosso.
31

estratifica a transmissão, e, apesar de ser visível, também pode apresentar regras


ou mensagens implícitas (BERNSTEIN, 1996a, p. 103-104).
Na pedagogia invisível, somente o transmissor conhece as regras
discursivas e essa prática não é visível para o adquirente: “Seu foco não está num
desempenho ‘avaliável’ do adquirente, mas em procedimentos internos ao
adquirente (cognitivos, lingüísticos, afetivos, motivacionais) em conseqüência dos
quais um texto é criado e vivido” (BERNSTEIN, 1996a, p. 104). Essa prática
pedagógica, ao considerar que esses procedimentos de aquisição são
compartilhados por todos os alunos, não utiliza as diferenças que surgem na
realização dos textos como base de comparação entre os adquirentes; considera-as
uma indicação das características de cada um.
Assim, enquanto as pedagogias visíveis colocam o foco num texto avaliável
externo, as pedagogias invisíveis colocam o foco nos procedimentos ou
competências que todos os adquirentes devem trazer para o contexto
pedagógico. As pedagogias invisíveis estão preocupadas em organizar o
contexto para possibilitar que as competências compartilhadas
desenvolvam realizações adequadas ao adquirente. [...] Em suma, as
pedagogias invisíveis enfatizam a aquisição-competência e as pedagogias
visíveis a transmissão-desempenho. (BERNSTEIN, 1996a, p. 104-105)

As diferenças entre as pedagogias visíveis e invisíveis influenciam a seleção


e a organização do que deve ser adquirido. (BERNSTEIN, 1996a, p. 105-107).
Caracterizaremos, a seguir, as pedagogias de acordo de acordo com as regras de
sequenciamento e de compassamento.
Na pedagogia visível, as regras de sequenciamento são explícitas e
segmentam o futuro da criança em passos ou estágios. Quando o adquirente não
consegue satisfazer as exigências iniciais das regras de sequenciamento no primeiro
ano escolar, o insucesso faz-se presente. Segundo Bernstein (1996a, p. 109), nessa
situação, três estratégias podem ser aplicadas na vida escolar do aluno. A primeira
diz respeito à introdução de um sistema de recuperação para lidar com essas
crianças. A segunda trata do esbatimento das regras de compassamento para que o
aluno tenha mais tempo para satisfazer as exigências das regras de
sequenciamento. Ambas as estratégias ocasionam uma estratificação dos
adquirentes, sendo que a primeira é explícita e pública e a segunda é implícita até
uma fase mais avançada da vida pedagógica. A terceira aborda a manutenção das
regras de compassamento e de sequenciamento, mas reduz a quantidade e/ou a
qualidade dos conteúdos a serem adquiridos. Em todas as três estratégias, há a
32

produção de um sistema mais sutil de estratificação no interior de uma prática


pedagógica já estratificadora.
Quanto às regras de compassamento, Bernstein (1996a, p. 111) afirma: “O
compassamento se refere à velocidade esperada de aquisição, isto é, à velocidade
na qual se espera que a aprendizagem ocorra”. Estas regras estão relacionadas às
regras de sequenciamento e regulam o tempo da transmissão. Variam em
velocidade segundo o professor, o conteúdo abordado e o ritmo dos alunos.
Para que o currículo acadêmico escolar seja adquirido de forma eficaz, dois
locais de aquisição são imprescindíveis: a escola e o lar. O compassamento da
aquisição do currículo pressupõe o tempo pedagógico oficial e também o do lar que
deve oferecer um contexto, um controle, princípios de convivência e um apoio
pedagógico eficazes. À medida que o aluno cresce, ele tem mais atividades para
realizar em casa; assim, é necessário que a família assegure tempo e proporcione
um contexto pedagógico no lar.
As regras de compassamento também afetam as regras sociolinguísticas da
competência comunicativa de sala de aula:
Com um compassamento forte, o tempo é valorizado, e isso regula os
exemplos, as ilustrações e as narrativas que facilitam a aquisição; regula
quais questões podem ser feitas e quantas; regula o que é considerado
como uma explicação - tanto sua duração quanto sua forma. Além disso, o
compassamento forte tenderá a reduzir a fala dos alunos e a privilegiar a
fala dos professores. [...] Dessa forma, a estrutura profunda da
comunicação pedagógica é, ela própria, afetada. O compassamento cria o
ritmo da comunicação, e os ritmos da comunicação têm diferentes
modalidades. O ritmo da narrativa é diferente do ritmo da análise.
(BERNSTEIN, 1996a, p. 113-114)

As crianças utilizam a narrativa na vida cotidiana. Entretanto, há famílias que


constroem um contexto pedagógico oficial e socializam seus filhos na estrutura
interna que privilegia a análise em detrimento da narrativa. Assim, além da regra de
compassamento forte do currículo acadêmico da escola pressupor dois locais de
aquisição, ela cria uma forma particular de comunicação que não privilegia a
narrativa cotidiana; dessa maneira, as crianças das classes desfavorecidas estão
duplamente em desvantagem. A regra de compassamento, portanto, atua
seletivamente sobre os sujeitos que podem adquirir o código pedagógico dominante
da escola, sendo um princípio de seleção baseado na classe social. Para
enfraquecer as regras de compassamento, seria necessária uma mudança na
formação dos professores e uma modificação no capital econômico da escola, pois a
transmissão da informação teria um custo maior.
33

Para Bernstein (1996a, p. 161), o fracasso educacional está intimamente


atrelado ao fracasso pedagógico oficial e é uma função complexa do sistema oficial
de transmissão da escola e do processo local de aquisição na família, grupo de
colegas e comunidade.
O sucesso ou o fracasso são uma função do currículo dominante da
escola, o qual atua seletivamente sobre aqueles que podem adquiri-lo. A
modalidade de código dominante da escola regula suas relações
comunicativas, suas exigências, suas avaliações, bem como o
posicionamento da família e de seus estudantes. (BERNSTEIN, 1996a, p.
166-167)

A seguir são apresentados, os pressupostos referentes a espaço, tempo e


controle da pedagogia invisível comparada à visível.
No que diz respeito aos pressupostos econômicos do espaço, os custos
materiais de uma pedagogia invisível são mais altos do que os da pedagogia visível,
já que a primeira pressupõe uma considerável liberdade de movimento da criança e,
dessa forma, uma exigência espacial maior na sala de aula. Assim, a redução no
número de alunos aumenta, conseqüentemente, o custo do espaço (BERNSTEIN,
1996a, p. 117-118).
Para tratar dos pressupostos simbólicos do espaço, Bernstein (1996a, p. 118-
119), enfatiza que as regras pelas quais o espaço é construído, marcado e ordenado
apresentam mensagens cognitivas e sociais tácitas. Quando a pedagogia é visível,
os espaços são fortemente classificados, pois as fronteiras especializadas devem
ser mantidas como estão. Se a pedagogia for invisível, o espaço é fracamente
marcado porque pode ser modificado, reunido através das marcas e representações
individuais dos sujeitos.
Os pressupostos econômicos do tempo sugerem que as pedagogias
invisíveis necessitam de uma longa vida escolar. Ao compará-las com as
pedagogias visíveis, seu ritmo mais lento, suas aquisições menos especializadas e
seu sistema de controle pressupõem uma projeção temporal diferenciada.
No que se refere aos pressupostos simbólicos do tempo, as pedagogias
visíveis e invisíveis constroem diferentes conceitos de desenvolvimento da criança
no tempo, os quais podem ser semelhantes ou não aos princípios da escola. Na
pedagogia familiar visível, as aquisições do sujeito são específicas a cada idade e
ele é submetido a avaliações normativas, sendo comparado com crianças de uma
dada categoria temporal. Já a pedagogia invisível considera o tempo/espaço
concreto do indivíduo; as marcas singulares do seu próprio desenvolvimento são
34

valorizadas, resultando não apenas na competição da criança com ela mesma, mas
com todas as outras. (BERNSTEIN, 1996a, p. 119-121).
Com relação à modalidade de controle exercido, Bernstein preocupou-se
com a maneira como os pais “[...] introduzem e mantêm princípios de conduta,
caráter e modos de comportamento - isto é, conceitos de ordem, relação e
identidade social; em outras palavras, com sua prática regulativa” (1996a, p. 121).
Ao considerar uma pedagogia visível, em que as regras de ordem social são
explícitas e específicas, quando a criança adquire a gramática implícita no que se
refere ao espaço e ao tempo, os problemas de controle são reduzidos. O papel do
controle é clarificar, manter e reparar as fronteiras. Na pedagogia invisível, o controle
aparece na comunicação interpessoal e a vigilância dos pais sobre a criança é muito
mais abrangente. Assim, a classificação entre o interior e o exterior do filho é
enfraquecida e, através da linguagem, o invisível torna-se visível, uma vez que os
pais incentivam as crianças a expressarem seus sentimentos, fantasias e temores.
[...] é menos provável que os pressupostos das pedagogias invisíveis, na
medida em que determinam as grades espacial, temporal e de controle,
sejam satisfeitos em classes ou grupos étnicos em situação de
desvantagem e, como conseqüência, a criança, nesse caso, tende a
interpretar erradamente o significado cultural e cognitivo de uma tal prática
de sala de aula, enquanto que é provável que o professor interprete
erradamente o significado cultural e cognitivo da criança. (BERNSTEIN,
1996a, p. 123)

O autor (1996a, p. 124) enfatiza que é raro encontrar a pedagogia invisível em


sua forma pura, uma vez que, geralmente, aparece embutida na visível. Por outro
lado, a pedagogia invisível tende a estar presente nos anos iniciais de escolarização
da criança, mas depois é substituída pela visível mediante as demandas da
sociedade de preparação para ocupações profissionais.
Bernstein (1996a, p. 105-107) apresenta uma figura com as diferentes teorias
instrucionais, classificando-as de acordo com os tipos genéricos de pedagogia
apresentados: a invisível e a visível. O autor discute como essas modalidades
podem, ainda, ser classificadas “como práticas liberais, conservadoras ou radicais”.
35

MUDANÇA
Intraindividual
Pedagogia invisível Pedagogia visível
Progressista Conservadora
Aquisição Transmissão
(competência) (desempenho)
Radical Radical

Intergrupal

Figura 1 - Tipos genéricos de prática pedagógica (BERNSTEIN, 1996a, p. 106).

Há duas dimensões no gráfico: uma vertical que se refere ao objetivo da


mudança da prática pedagógica que pode ser intraindividual ou intergrupal e outra
horizontal que está relacionada ao foco da prática pedagógica, podendo este estar
na aquisição com ênfase no aluno e na competência deste, ou na transmissão com
ênfase no professor e no desempenho do aluno. São postuladas quatro modalidades
de prática pedagógica com ênfases:
a) na aquisição intraindividual;
b) na aquisição intergrupal, constituindo (a) e (b) as modalidades de pedagogia
invisível;
c) na transmissão intraindividual;
d) na transmissão intergrupal, constituindo (c) e (d) as de pedagogia visível.
Assim sendo, a aquisição intraindividual (a) indica uma prática pedagógica
progressista, enquanto o objetivo fundamental da modalidade caracterizada pela
aquisição intergrupal (b) é o de produzir mudanças na hierarquia entre os grupos
sociais, constituindo uma prática radical ilustrada pelas concepções de Paulo Freire
e Henry Giroux.
A prática pedagógica que contempla a transmissão intraindividual (c)
seleciona teorias instrucionais behavioristas, sendo considerada conservadora, mas
podendo produzir adquirentes inovadores e radicais. A transmissão intergrupal (d)
aponta para uma realização radical de uma prática pedagógica aparentemente
conservadora.
Diante do exposto, é possível perceber que a teoria de Bernstein oferece
subsídios para a análise interna do discurso pedagógico, encaminhando a
36

formulação de outras e novas possibilidades educativas, vislumbradas nas próprias


palavras do autor (1996a, p. 116):
É importante observar que uma pedagogia visível não é intrinsecamente
um condutor para a reprodução de um rendimento escolar diferencial entre
crianças de classes sociais diferentes. Seria certamente possível criar uma
pedagogia visível que enfraquecesse a relação entre classe social e
rendimento educacional.

É chegado o momento, portanto, de apresentar a pedagogia mista. Vamos a


ela!
37

4 PEDAGOGIA MISTA: ORIGEM E CARACTERÍSTICAS DA PRÁTICA


PEDAGÓGICA

A teoria do discurso pedagógico de Bernstein, anteriormente exposta,


constitui-se como base da linguagem de descrição interna que fundamenta as
investigações de um grupo de pesquisa, fora da Inglaterra, acerca das modalidades
de prática pedagógica mais favoráveis à aprendizagem de todos os alunos. A seguir,
nesta tese, apresentamos a origem de tais estudos e algumas pesquisas que
abrangem variados níveis de escolaridade, áreas científicas e microcontextos de
aprendizagem.
A teoria de Bernstein tem sido aprofundada, desde o final da década de 80,
em um projeto denominado Estudos Sociológicos da Sala de Aula21 (ESSA), sendo
que uma das coordenadoras, Ana Maria Morais, foi orientanda de doutorado do
autor22. Esse grupo de pesquisa estabelece relações a partir da teoria com os dados
de investigação, mediante o desenvolvimento de indicadores operacionais. O
objetivo do estudo é “[...] contribuir para o desenvolvimento de práticas pedagógicas
que conduzam à diminuição do aproveitamento diferencial, promovendo o sucesso
dos alunos mais desfavorecidos” (MORAIS et al., 1993, p. 3). Ao focalizar a família,
a escola e a interação entre ambas, o trabalho realizado pelas pesquisadoras
procura compreender as práticas pedagógicas, analisando a relação entre a origem
social dos alunos e seu aproveitamento escolar diferencial, como também fornecer
dados para a atuação do professor na escola e na sala de aula.
As integrantes do grupo justificam a seleção da teoria de Bernstein por ser
necessária a conceitualização do contexto familiar ou de socialização primária e do
contexto escolar ou de socialização secundária e por permitir uma aplicação dos
seus conceitos a diferentes níveis da análise social. As autoras (1993, p. 5) afirmam,
entretanto, que foi necessária uma recontextualização dos conceitos de Bernstein ao

21
As definições operacionais publicadas nos estudos originados neste projeto têm sido uma das
fontes metodológicas de investigações na Linha de Pesquisa “O Sujeito da Educação: conhecimento,
linguagem e contextos” a partir do ano de 1995, mais especificamente nas dissertações de Araujo
(1995), Gatto (1998), Castro (2002), Buffe (2005), Cardoso (2005) e nas teses de Bohn (2003) e Rosa
(2007). Essas investigações fundamentam-se na teoria de Bernstein e utilizam elementos do segundo
capítulo da obra de Morais et al. (1993).
22
Anteriormente, o nome da pesquisadora era Ana Maria Domingos. Esse projeto teve Basil
Bernstein como consultor.
38

enfocarem o contexto da investigação, área de ciências, para a construção de


indicadores da teoria.
Ao considerar a abordagem sociocognitiva, com perspectiva pedagógica, a
pesquisa descrita tem como problema central: “Que componentes sociológicas dos
contextos familiar e escolar contribuem para explicar a relação entre a origem socio-
cultural das crianças e o seu aproveitamento diferencial em ciências?” e como
hipótese global “[...] o aproveitamento em ciências, particularmente nas
competências cognitivas e socio-afectivas mais complexas, é uma consequência da
continuidade/descontinuidade entre os códigos da família e da escola” (MORAIS et
al., 1993, p. 8).
Apesar de haver a influência conjunta dos processos de socialização da
família e da escola no sucesso ou insucesso escolar, o aproveitamento dos alunos
socialmente mais desfavorecidos será mais favorável quanto mais pertinente for a
atuação do professor na escola e na sala de aula, modificando a situação de
desvantagem criada pelas características do contexto de socialização primária
desses sujeitos. A partir dessa afirmação de Morais et al. (1993, p. 10), é possível
reiterar o fato de que o sucesso ou fracasso escolar das crianças não depende
exclusivamente do professor, mas seu papel é de fundamental importância, pois é
responsável pela organização da prática pedagógica e, consequentemente, pelo
aproveitamento escolar de seus alunos.
A principal investigação do projeto ESSA foi realizada em uma escola
preparatória da periferia de Lisboa que atende, na sua maioria, sujeitos de estratos
sociais mais baixos23. O foco do estudo foram quatro turmas da disciplina de
Ciências da Natureza, cujos alunos foram ensinados, por dois anos, pela mesma
professora. A importância atribuída à influência mediadora da prática pedagógica da
escola no aproveitamento diferencial dos alunos, numa orientação teórica baseada
em Bernstein, faz com que os componentes de poder e controle, subjacentes às
relações presentes no contexto pedagógico da sala de aula, sejam explorados.
Pretendíamos dispor de indicadores da prática pedagógica escolar que
permitissem uma compreensão mais aprofundada da sua influência no
aproveitamento de crianças socializadas na família em contextos

23
De acordo com Morais et al. (1993), a amostra global era composta por oitenta crianças de sexo,
raça e classe social diferentes. Apesar de seis grupos de estratos sociais distintos, determinados pela
profissão do pai, estarem representados, a distribuição da amostra contemplou uma maior
porcentagem de alunos dos estratos sociais mais baixos, com uma representação relativamente mais
reduzida de crianças pertencentes ao estrato social mais elevado e de alunos de raça negra. Ver
especificação dos diferentes grupos/classes à página 524 da obra referida.
39

pedagógicos distintos. Para isso, começámos por delinear os perfis


teóricos de três práticas pedagógicas diferentes (P1, P2, P3) que orientaram
o processo ensino-aprendizagem a ser implementado pela professora no
contexto da aula de ciências. As três práticas, sociologicamente distintas
em termos do grau de controlo do transmissor sobre o processo ensino-
aprendizagem (maior na P3 e menor na P1), foram concebidas de forma a
permitir o mesmo nível de exigência conceptual da professora na
exploração das competências cognitivas. (MORAIS et al., 1993, p. 11)

Na investigação, uma das turmas esteve submetida à prática P1, duas à P2 e


outra à P3. A influência de cada prática pedagógica foi analisada no aproveitamento
de alunos socialmente diferenciados, seja nas competências cognitivas, seja nas
competências socioafetivas, e tendo sido considerados, portanto, tanto o contexto
instrucional quanto o regulador da sala de aula.
As práticas P1, P2 e P3 correspondem a modelos pedagógicos que, em uma
perspectiva psicológica, podem ser identificados, respectivamente, como
“aprendizagem por descoberta”, “aprendizagem por descoberta orientada” e
“aprendizagem por recepção”. Para as autoras (1993, p. 17), em termos
sociológicos, a prática com características próximas à aprendizagem por descoberta
(P1) representa um contexto pedagógico no qual o professor tem um controle
aparentemente reduzido sobre a forma de aprendizagem do aluno que, por sua vez,
detém um certo espaço de autonomia no processo ensino-aprendizagem. A prática
que se caracteriza de forma semelhante à aprendizagem por recepção (P3)
contempla um contexto pedagógico em que o professor apresenta um elevado
controle sobre a forma de aprendizagem do aluno, acarretando na redução da
autonomia desse último no processo ensino-aprendizagem. A prática que apresenta
semelhanças com as características da aprendizagem por descoberta orientada (P2)
traduz um contexto pedagógico com atributos intermediários, no qual o professor
tem um maior controle sobre a forma de aprendizagem do aluno, ao ser comparado
com o papel social exercido na P1, mas um menor controle quando relacionado à P3.
Apesar de ser ao nível da aprendizagem do conhecimento que os modelos
pedagógicos são caracterizados, associado a esse componente instrucional da
prática pedagógica está subjacente um componente regulador que transmite uma
mensagem das relações de poder entre transmissor-adquirente e que os posiciona.
Além de abarcar as interações entre sujeitos, isto é, professor-aluno, aluno-aluno, as
relações entre espaços e entre discursos também foram consideradas na
caracterização de uma prática pedagógica.
40

É importante referir que a prática instrucional, tal como é entendida no


estudo, diz respeito às regras discursivas (selecção, sequência, ritmagem e
critérios de avaliação) que definem quer a transmissão-aquisição do
discurso instrucional (conhecimentos, competências cognitivas), quer a
transmissão-aquisição do discurso regulador (valores, competências sócio-
afectivas). (MORAIS et al., 1993, p. 18)

Na investigação do projeto ESSA, o processo de transmissão-aquisição


também foi estudado como uma realização das relações tanto em nível
intercontextual (1) quanto em nível intracontextual (2). No primeiro caso, as relações
entre as diferentes áreas do conhecimento, os distintos espaços pedagógicos e os
diferentes sujeitos pedagógicos são examinadas tendo em vista o contexto escolar e
o contexto exterior à escola. No segundo, tais categorias de relações entre
discursos, espaços e sujeitos são enfocadas no interior do contexto escolar.
Os conceitos de classificação e enquadramento da teoria de Bernstein, que
podem ter valores fortes ou fracos, também foram fundamentais. Eles possibilitam
mostrar como os princípios de poder e de controle constituem as práticas
pedagógicas e regulam as identidades do professor, dos alunos e dos pais.
As relações de poder estão descritas em função da natureza das fronteiras
que delimitam as categorias em interacção e as relações de controlo estão
descritas em função da natureza das relações sociais de comunicação entre
as categorias. As relações reguladas por fronteiras dentro do contexto
escolar estão expressas por valores internos de classificação (Ci) e de
enquadramento (Ei) e as relações que são reguladas por fronteiras entre o
contexto escolar e o contexto da família/comunidade local estão expressas
por valores externos de classificação (Ce) e de enquadramento (Ee).
(MORAIS et al., 1993, p. 23)

As pesquisadoras construíram escalas para expressar diferentes valores de


classificação e enquadramento e estabeleceram índices para a mudança desses
valores que correspondem a cinco graus de uma escala relativa: na classificação os
valores variam entre C+++ e C-- e no enquadramento entre E++ e E---. “As escalas
expressam um continuum de valores, cujo número reflecte o número de situações
distintas analisadas e em que o grau atribuído a cada valor traduz a sua posição
relativamente a um referencial tomado com padrão” (MORAIS et al., 1993, p. 21).
Para cada prática pedagógica foi traçado um perfil teórico resultante da
diferenciação sociológica identificada no conjunto das relações entre as categorias
presentes nos contextos instrucional e regulador da sala de aula. Para distinguir as
práticas pedagógicas, além das relações entre conteúdos e espaços, as existentes
entre sujeitos: professor-aluno, aluno-aluno, professor-pais, também foram
consideradas.
41

Dada à importância que atribuímos, na análise, à prática interaccional


relativa às relações professor-aluno, ela foi discriminada de forma a
mostrar estas relações, não só ao nível do contexto global da prática
pedagógica (instrucional e reguladora), como também ao nível das regras
discursivas (selecção, sequência, ritmagem e critérios de avaliação) que
caracterizam a prática instrucional específica nos contextos instrucional e
regulador e das regras hierárquicas que caracterizam a prática reguladora
específica. (MORAIS et al., 1993, p. 23)

Os perfis são apresentados na forma de quadros organizados de acordo com


as relações que se estabeleceram entre as distintas categorias. As características
que possibilitam diferenciar cada modalidade de prática pedagógica (P1, P2, P3) são
referidas para cada dimensão, sendo apresentada a definição teórica e os
indicadores no contexto de sala de aula (MORAIS et al., 1993, p. 28-81).

4.1 DESENVOLVENDO PESQUISA PARA UMA SOCIOLOGIA DA INSTRUÇÃO E


DA APRENDIZAGEM

Em prosseguimento às pesquisas realizadas pelo grupo ESSA, desenvolveu-


se uma abordagem baseada em pressupostos sociológicos, na tentativa de integrar
o construtivismo social/interacionismo dialético24 com o interacionismo simbólico e o
estruturalismo. As idéias de Vygotsky acerca da aprendizagem interativa que enfoca
diferentes contextos sociais e também os professores como ativadores desses
contextos apresentam estreita ligação com a teoria do discurso pedagógico de
Bernstein que “[...] forneceu os conceitos necessários à definição desses contextos e
das interações que neles ocorrem e à análise da influência que podem ter na
aprendizagem dos alunos” (MORAIS; NEVES, 2003, p. 50). Dando continuidade aos
estudos, as autoras enfatizam:
O objectivo central da investigação tem sido a análise da influência das
interacções família-escola e professor-alunos no sucesso de aquisidores
socialmente diferenciados. Tem-se procurado descobrir quais as práticas
pedagógicas que melhoram a aprendizagem dos alunos de grupos
socialmente desfavorecidos, sem baixar o nível de exigência conceptual no
processo de ensino-aprendizagem. Simultaneamente, temos trabalhado no
sentido de compreender as relações entre as características específicas
dos contextos pedagógicos da escola, família e da formação de
professores e a aquisição pelos alunos de regras de reconhecimento e de
realização necessárias à produção de textos requerida em contextos

24
Para designar a perspectiva teórica de Vygotsky, Morais e Neves (2003, p. 50) utilizam a expressão
“construtivismo social”, alvo de discordância no meio acadêmico; por isso, acrescentamos o termo
“interacionismo dialético”.
42

instrucionais e reguladores específicos da aprendizagem escolar. O


trabalho que se tem desenvolvido situa-se no âmbito da sociologia da
aprendizagem e procura dar uma contribuição para uma teoria sociológica
de instrução e aprendizagem. (MORAIS; NEVES, 2003, p. 50)

A pesquisa das autoras enfoca as relações sociais que constituem a atividade


pedagógica em que a metodologia de investigação utilizada caracteriza-se por uma
linguagem de descrição originada de uma linguagem interna de descrição, criada por
Bernstein, na qual o teórico e o empírico são apresentados de forma dialética. A
linguagem interna de descrição possibilita a utilização dos mesmos conceitos em
contextos distintos, como a família, a escola e a formação de professores. A
linguagem externa de descrição, por sua vez, proporciona indicadores textuais das
características específicas dos contextos em estudo. A teoria de Bernstein fornece,
segundo Morais e Neves (2003, p. 52), “[...] uma estrutura conceptual que contém
potencialidades de diagnóstico, previsão, descrição, explicação e transferência,
alargando as relações estudadas e permitindo uma conceptualização a um nível
mais elevado [...]”.
As autoras, também aqui, propõem a construção de instrumentos para a
dimensão instrucional e para a dimensão reguladora da aprendizagem, contendo
indicadores para as relações entre discursos, espaços e sujeitos. Uma escala de
classificação e outra de enquadramento descreve as relações de poder e controle
para cada indicador. Alguns extratos do instrumento utilizado são apresentados por
Morais e Neves (2003, p. 56) para “[...] a planificação das práticas pedagógicas no
contexto global da aprendizagem científica no primeiro ciclo do ensino básico”.
Nessa concepção, a indicação dos valores da escala de enquadramento
compreende, não mais cinco, mas quatro valores (E++, E+, E-,E--).
Quanto ao discurso regulador específico das competências sociais, as
dimensões selecionadas contemplam parte do instrumento utilizado na planificação
e caracterização da prática pedagógica que guiou a aprendizagem de determinadas
competências sociais, como cooperação, respeito, responsabilidade e autonomia ao
nível do primeiro ciclo do ensino básico.
A metodologia explicitada possibilita descrever, de forma detalhada, as
diversas relações sociológicas que caracterizam as dimensões instrucional e
reguladora das práticas pedagógicas que acontecem tanto em contextos gerais
quanto em contextos específicos de aprendizagem. Além disso, os procedimentos
43

metodológicos permitiram a criação de um modelo que, ao mesmo tempo, distingue


e caracteriza as várias relações que definem uma determinada prática pedagógica.
Ao apresentar os modelos de prática pedagógica, as autoras operacionalizam
os conceitos de classificação, enquadramento, regras discursivas e regras
hierárquicas que compõem a linguagem de descrição interna de Bernstein.
Os modelos/instrumentos e as dimensões que eles [os conceitos] contêm,
assim como os indicadores e as respectivas descrições em termos de
diversos graus de enquadramento, constituem a linguagem de descrição
externa para um determinado contexto específico. Os exemplos das
interacções são os dados empíricos. Na construção dos modelos e
instrumentos, a evidência empírica e os princípios teóricos mantiveram-se
numa relação dialéctica. As transcrições foram analisadas com base em
teoria prévia e nos modelos/instrumentos construídos e transformados com
base nos dados empíricos. Através desse processo, a linguagem de
descrição interna sofreu transformações como resultado da análise
empírica. (MORAIS; NEVES, 2003, p. 76)

Esse processo metodológico, relacionado com a análise da sala de aula, pode


ser concretizado através de alguns exemplos: quando o conhecimento da vida diária
está presente na sala de aula, considera-se que há um enquadramento fraco na
dimensão seleção. A evidência empírica apontou que isso acontece quando o saber
é trazido pelos alunos; porém, quando o conhecimento não-escolar é apresentado
pelo professor, o enquadramento na seleção torna-se forte. Em ambos os casos,
entretanto, a classificação entre os conhecimentos escolares e não escolares
apresenta valores menos fortes do que se comparados a uma situação em que não
há relação entre esses discursos, isto é, quando o conhecimento da vida diária não
é referido quer por professor, quer pelos alunos.
Os modelos construídos no decorrer dos estudos realizados pelo grupo
ESSA, para analisar os contextos e textos pedagógicos, possibilitaram análises em
diferentes níveis e em situações distintas de aprendizagem e interação. Esses
modelos também revelaram o seu potencial de orientação do planejamento de
práticas pedagógicas e de interações, sendo possível avaliar seus resultados.
Com base na relação entre os conceitos de Bernstein e os dados levantados
nas análises empíricas, as autoras que desenvolveram uma “linguagem de descrição
externa” afirmam:
Tem sido possível, com base nos conceitos e relações sugeridos pela
teoria, fazer: (a) um diagnóstico dos tipos de trabalho experimental feito
pelos professores nas suas aulas e dos tipos de modalidades de controlo
da família; (b) prever situações de sucesso ou insucesso escolar com base
nas relações de continuidade e descontinuidade entre os discursos e as
práticas da família e da escola e ainda com base na relação entre as
características da prática pedagógica dos professores e a aquisição das
44

regras de reconhecimento e de realização necessárias à produção de


textos instrucionais e reguladores requeridos pela escola; (c) descrever
práticas pedagógicas da família e da escola e da formação de professores;
(d) explicar razões, associadas à família e à escola, do sucesso ou
insucesso de alunos do mesmo e de diferentes grupos sociais, e razões de
diferentes orientações de codificação da família no interior dos grupos
sociais mais baixos. (MORAIS; NEVES, 2003, p. 79).

A continuidade dos estudos do projeto ESSA tem resultado em uma


compreensão profunda das relações específicas entre poder e controle na sala de
aula e na escola que proporcionam um acesso diferencial às regras de
reconhecimento e de realização constituintes dos diversos contextos da interação
pedagógica. Segundo Morais e Neves (2003, p. 80), as diferenças nas disposições
socioafetivas também são consequências das relações de poder e controle. Na
aprendizagem científica e social, o sucesso das crianças na escola necessita da
aquisição de regras de reconhecimento que proporcionam aos sujeitos diferenciar a
especificidade de múltiplos microcontextos nos quais a aprendizagem acontece.
Também se faz necessária a aquisição de regras de realização que possibilitam a
seleção de significados adequados para os contextos instrucionais e reguladores
específicos da aprendizagem da escola e a produção do texto legítimo dentro dos
mesmos. A partir desse entendimento, torna-se possível intervir ao nível da escola e
da formação de professores, uma vez que as pesquisadoras têm procurado
identificar quais as práticas pedagógicas que contribuem para a aprendizagem dos
alunos de grupos socialmente desfavorecidos, sem diminuir o nível de exigência
conceitual no processo ensino-aprendizagem.
Quando os códigos e práticas da família estão em conformidade com os
códigos e práticas da escola, a orientação elaborada, trazida pelas crianças, facilita
a aquisição de regras de reconhecimento e de realização adequadas aos contextos
escolares. Essa situação coloca em vantagem os alunos cujos processos de
socialização primária são regulados por códigos pedagógicos elaborados
comparáveis aos da escola, sendo que essas crianças, geralmente, pertencem a
grupos socialmente favorecidos. Novamente, é necessário referendar a importância
do papel do professor para possibilitar, através de práticas pedagógicas, o acesso à
orientação de codificação da escola também a crianças de grupos sociais
desfavorecidos. “A aquisição pelos professores de regras de reconhecimento e de
realização e de disposições socioafectivas apropriadas à implementação dessas
práticas pedagógicas é crucial para tal mudança” (MORAIS; NEVES, 2003, p. 81).
45

Nesse sentido, apresentamos a investigação de Pires, Morais e Neves (2004)


cujo foco de investigação é tanto o “como” quanto o “o quê” do processo ensino-
aprendizagem25. Enquanto a primeira característica sociológica refere-se à
competência pedagógica e tem sido alvo de pesquisa constante do Grupo ESSA, a
segunda diz respeito à competência científica dos professores, sendo constatada
apenas recentemente na trajetória de estudos do projeto. Esses aspectos são
expostos pelas autoras (2004, p. 119) no problema de pesquisa e nos resultados
dela advindos:
Que modalidades de prática pedagógica são mais favoráveis à aquisição
de conhecimentos e competências científicas por todas as crianças? Os
resultados desses estudos têm mostrado que o efeito da prática
pedagógica se sobrepõe ao efeito do estatuto social das crianças e
sugerem uma pedagogia mista como a mais favorável para uma
aprendizagem de sucesso aos níveis científico, social e afectivo. Os
resultados também mostram como a exigência conceptual dos professores
(conhecimentos científicos e competências investigativas) é influenciada
pelo contexto social da escola [. . . ].

Diante disso, o “o quê” do processo ensino-aprendizagem merece ser


explicitado com maior detalhamento, uma vez que contempla tanto os
conhecimentos científicos como as competências investigativas dos professores.
Tais objetos de aprendizagem podem ser considerados de acordo com diferentes
níveis de exigência conceitual dos docentes que definem o estatuto que é atribuído
ao texto disponibilizado às crianças, ou seja, a natureza das competências
cognitivas a serem por elas desenvolvidas. Assim, ao considerar os pressupostos
epistemológicos, psicológicos e sociológicos dos professores, as autoras evidenciam
como diferentes recontextualizações podem ser feitas tendo como ponto de partida
os mesmos conteúdos do campo do conhecimento em consideração. Uma prática
pedagógica que promove aprendizagens de termos e de fatos limita a criança ao
desenvolvimento e aquisição de competências cognitivas como memorização,
observação e compreensão de nível simples. Por outro lado, uma prática
pedagógica que possibilita aprendizagens baseadas na conceitualização e na
aplicação de conhecimentos, promove o desenvolvimento de competências com
potencial investigativo, como resolução de problemas, formulação de hipóteses,
aplicação, síntese e avaliação.

25
No capítulo em língua inglesa, Ana Maria Morais (2004) é a primeira autora. O título “The what and
the how of teaching and learning: going deeper into sociological analysis and intervention” poderia ser
traduzido como “O o quê e o como do ensino e da aprendizagem: aprofundando a análise e a
intervenção sociológica” (tradução nossa).
46

O estudo descrito por Pires, Morais e Neves (2004, p. 121-122) ocorreu ao


longo de dois anos e envolveu a formação docente, de acordo com uma metodologia
de investigação-ação. A amostra foi constituída por quatro professoras, cada uma
responsável por uma turma de alunos do quarto ano de escolaridade do primeiro
ciclo do ensino básico. Inicialmente, houve a formação docente através de cursos
que promoveram a aprendizagem de conteúdos pedagógicos e específicos da área
de conhecimento em questão: ciências. Foram, também, construídos instrumentos
para caracterizar a prática pedagógica das professoras, analisada através dos
conceitos bernsteinianos de classificação e de enquadramento, no que se refere às
relações entre discursos, espaços e sujeitos. Tais instrumentos contêm vários
indicadores e, para cada um deles, foi construída uma escala de quatro graus
referentes a níveis de classificação e de enquadramento.
Ambos os contextos de aprendizagem foram analisados: o instrucional e o
regulador. Enquanto o primeiro contemplou os componentes seleção, sequência,
ritmagem, critérios de avaliação, relações intradisciplinares, relações
interdisciplinares e relações entre conhecimentos acadêmicos e não acadêmicos, o
segundo focalizou as dimensões referentes às regras hierárquicas relação professor-
aluno, aluno-aluno, relações de poder entre aluno-aluno e relações entre espaços do
professor e do aluno e entre espaços aluno-aluno. Mediante tais aspectos, foi
possível caracterizar cada prática pedagógica em termos do “como” da
aprendizagem e compará-la com as características do modelo teórico utilizado na
formação docente, qual seja, o da pedagogia mista.
O “o quê” da aprendizagem também foi analisado através de dois
componentes: os conhecimentos científicos e as competências investigativas das
professoras. O nível de aprendizagem dos alunos foi aferido através de testes que
envolveram competências cognitivas. Através dessas análises, foi possível
estabelecer relações entre a prática pedagógica das professoras e o aproveitamento
dos alunos.
47

4.2 AS DIMENSÕES DE UMA PEDAGOGIA MISTA

A seguir serão explicitadas as dimensões do discurso instrucional e do


discurso regulador que Morais (2002) e Morais e Neves (2003) consideraram,
através das investigações abarcadas pelo grupo ESSA, para compor o modelo de
prática pedagógica mista. Tal prática pedagógica conduz, conforme as autoras, à
aquisição das regras de reconhecimento e de realização que possibilitam a
produção do texto esperado pelo professor no contexto escolar por parte de alunos
dos estratos desfavorecidos.
O modelo das autoras (2002, 2003) explicita dimensões quanto ao discurso
regulador e quanto ao discurso instrucional presentes dentro da sala de aula; abaixo
serão apresentadas tais dimensões indicando o conceito da teoria implicado - ou
classificação ou enquadramento, o respectivo nível - fraco (C-; E-) ou forte (C+; E+).
No que se refere ao discurso regulador, as dimensões são as seguintes:
• Relação entre sujeitos: interação professor-aluno: E-
O professor deve manter um controle pessoal em uma relação aberta com os
alunos, na qual são explicadas e discutidas as razões de conteúdos, competências e
procedimentos para desenvolver um grau mais elevado de envolvimento da criança.
Apenas uma prática pedagógica que considere todos os alunos pode auxiliar na
elevação do estatuto (status, posição) das crianças desfavorecidas. Para isso, o
professor precisa proporcionar oportunidade para discutir suas escolhas (MORAIS;
NEVES, 2003, p. 81-83), criando um ambiente em que os alunos possam perguntar,
debater, trocar idéias (MORAIS, 2002, p. 561).
• Relação entre sujeitos: interação aluno-aluno: E-
O enquadramento deve ser fraco no que diz respeito às relações entre os
colegas (MORAIS, 2002, p. 568).
• Relação entre espaços: espaço do professor-espaço do aluno: C-
O enfraquecimento da classificação entre espaços constitui uma condição
necessária para modificar as relações em outros níveis da prática pedagógica, tanto
do contexto instrucional quanto do regulador (MORAIS, 2002, p. 561).
48

No que se refere ao discurso instrucional, estas são as dimensões:


• Seleção em nível macro: E+
A seleção do conhecimento, no que se refere ao nível macro, deve ser
realizada pelo professor, resultando em um forte enquadramento que possibilita aos
alunos perceberem o que é considerado conhecimento relevante e o que deles é
esperado (MORAIS; NEVES, 2003, p. 83).
• Seleção em nível micro: C-; E-
A seleção ao nível micro refere-se a aspectos do currículo que podem ser
especificados, segundo Morais e Neves (1993), como: relação entre conhecimento
escolar e não-escolar; relação entre conhecimentos da disciplina e de outras
disciplinas (interdisciplinar); relação entre conhecimentos da mesma disciplina
(intradisciplinar). Na pedagogia mista, a classificação entre tais discursos apresenta
um valor fraco. Salientamos que, dentre os citados, é o último, sobretudo, o alvo de
análise desta tese. Não é realizada análise da relação entre diferentes disciplinas, já
que nos concentramos na área da linguagem.
É importante ressaltar que, ao mesmo tempo em que o professor deve tornar
forte a classificação entre os contextos escolar e não-escolar, indicando a
especificidade de cada um, ele precisa estabelecer relações entre esses contextos
(MORAIS; NEVES, 2003, p. 81). Assim, é necessário promover uma relação próxima
de comunicação entre esses conhecimentos no dia-a-dia, enfraquecendo o
enquadramento. Uma aproximação da comunicação entre o contexto escolar e o
não-escolar tem o potencial de tornar o conhecimento mais significativo,
compreensível e aplicável (MORAIS, 2002, p. 561).
• Sequência em nível macro: E+
O enquadramento na seqüência do conhecimento ao nível macro deve ser
forte (MORAIS, 2002, p. 568).
• Sequência em nível micro: E-
O enquadramento na sequência do conhecimento deve ser fraco ao nível
micro e precisa ser enfraquecido para que as crianças adquiram as regras de
reconhecimento e de realização específicas do contexto escolar (MORAIS, 2002, p.
568).
49

• Ritmagem: E-
O professor precisa ter tempo para explicitar os critérios de avaliação
(MORAIS; NEVES, 2003, p. 81), isso significa enfraquecer o enquadramento da
dimensão ritmagem. Esses dois aspectos estão intimamente relacionados para
possibilitar o sucesso escolar (MORAIS, 2002, p. 560-561). O enfraquecimento do
enquadramento na ritmagem também se dá quando o professor desenvolve uma
proposta interdisciplinar - classificação fraca entre os conteúdos de diferentes
disciplinas - e intradisciplinar - em que conceitos já apresentados são retomados,
aprofundando o nível de abstração.
• Critérios de avaliação: E+
O professor deve tornar claro aos alunos a especificidade de um determinado
contexto e o que precisa ser acrescentado à produção textual de cada criança para
que a mesma seja considerada adequada às situações tanto de transmissão quanto
de avaliação (MORAIS; NEVES, 2003, p. 81). Ele precisa explicitar os critérios de
avaliação para que o aluno possa compreender o que são consideradas uma
comunicação, uma relação social e uma posição legítima ou ilegítima (MORAIS,
2002, p. 562).
Ao considerar todas as características apresentadas acerca da pedagogia
mista, recorremos à investigação de Pires, Morais e Neves (2004), uma vez que
corroboram os resultados das pesquisas anteriores, salientando que tal prática
promove um elevado nível de desenvolvimento científico em alunos do primeiro
ciclo. As autoras, no que se refere à influência das características da prática
pedagógica para a aprendizagem, apontam algumas como mais relevantes do que
outras, já que apresentam um grau de explicação maior na aprendizagem dos
alunos. Além disso, exploram a interação entre elas, enfatizando a estreita relação
com o nível de exigência conceitual dos professores, em termos de conhecimentos e
competências científicas.
Pires, Morais e Neves (2004, p. 128) construíram, portanto, um diagrama que
representa uma síntese das influências e interações entre as características da
prática pedagógica referida e sua relação com a aprendizagem das crianças. Ao
considerar que tal diagrama apresenta as dimensões dos contextos instrucional e
regulador consideradas mais relevantes à pedagogia mista, acrescentamos, de
forma explícita, o conceito da teoria implicado - classificação ou enquadramento - e o
respectivo nível, fraco (C-; E-) ou forte (C+; E+), informações fornecidas textualmente
50

na pesquisa. Vale, ainda, destacar que as “relações abertas de comunicação”,


abaixo referidas, dizem respeito às interações entre professor e aluno e entre os
próprios alunos, compreendendo as regras hierárquicas fracamente enquadradas, e
as “relações entre conhecimentos académico/não académico” referem-se ao
conhecimento escolar e ao não-escolar.

E+ E-

E- C-

C- C-

Figura 2 - Inter-relações entre as características da prática pedagógica e o desenvolvimento científico


dos alunos (PIRES; MORAIS; NEVES, 2004, p. 128).

As autoras (2004, p. 125-126) explicitam a influência de cada uma das


características da pedagogia mista no que se refere ao “como” da prática
pedagógica:
Se a explicitação dos critérios de avaliação (enquadramento forte) é uma
condição crucial para uma eficiente aprendizagem científica, essa
explicitação será mais eficiente quando as relações de comunicação entre
os sujeitos em interacção são mais abertas. Para que o texto a ser
apreendido fique explícito, ele deve ser construído (com a ajuda do
professor) pela criança em interação com outras crianças. Isto requer um
enquadramento fraco nas regras hierárquicas, para que as crianças
possam intervir nas discussões e para que todas possam sentir que as
suas opiniões são valorizadas. Para haver relações de comunicação
abertas entre o professor e os alunos, também a classificação entre o
espaço do professor e o espaço dos alunos deve ser fraca. Além disso,
para que o texto explicitado ao aluno apresente um elevado nível de
conceptualização científica, condição para o sucesso ao nível das
competências cognitivas complexas, é necessário o esbatimento das
fronteiras entre os vários assuntos de uma mesma disciplina. Isto requer
uma fraca classificação ao nível das relações intra-disciplinares [. . . ].
51

A interação entre todos esses aspectos da prática pedagógica pressupõe,


ainda, um enquadramento fraco na ritmagem, uma vez que o tempo de
aprendizagem pode ser ampliado quando conhecimentos anteriormente explorados
são relacionados a novos, resultando em uma articulação sistemática entre os
diferentes conteúdos da disciplina. O estabelecimento de uma estreita relação entre
o conhecimento escolar e o não-escolar, através de uma fraca classificação entre
tais discursos, também é necessária.
No que se refere ao “o quê” da prática pedagógica, a proficiência docente no
conhecimento a ser ensinado e o domínio das competências investigativas a serem
desenvolvidas pelas crianças formam a competência científica do professor,
condição imprescindível para possibilitar a aprendizagem de todos os alunos,
objetivo da pedagogia mista.
Mais uma vez, é necessário reiterar a importância do papel do professor. A
pedagogia mista pode ser considerada como uma inovação pedagógica, porém, isso
pressupõe a crença dos professores no fato de que têm mais poder e competências
do que, na maioria das vezes, acreditam ter. Eles possuem um espaço considerável
tanto para o “o quê” quanto para o “como” do processo ensino-aprendizagem.
52

5 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

A presença do conceito de alfabetização aliado ao de alfabetismo e ao de


letramento tornou-se corrente na área da educação desde aproximadamente a
década de 1980. As definições desses fenômenos, entretanto, são distintas e
algumas vezes até imprecisas, dependendo tanto do contexto histórico no qual estão
inseridas quanto das diferentes perspectivas teóricas e metodológicas que as
embasam.
O universo do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita também tem
sido, historicamente, um espaço de divergências teóricas e metodológicas, desde a
disputa entre os métodos, passando pela psicogênese da língua escrita, chegando
aos estudos sobre letramento e, recentemente, sobre consciência fonológica.
Percebemos, então, diferentes perspectivas de alfabetização e de letramento, a
partir de suas respectivas bases teóricas, que têm orientado a formação de
professores na área da linguagem e, conseqüentemente, as práticas pedagógicas
desenvolvidas nas instituições escolares.
Assim, a discussão sobre as formas de designar as ações envolvidas na
aquisição da leitura e da escrita ultrapassa as fronteiras da academia. Para além do
fato de que os objetos de análise de cada um dos fenômenos carregam
especificidades, a distinção dos termos faz-se necessária porque produzem efeitos
também distintos nos pesquisadores, professores e alunos.
Diante disso, propomo-nos a localizar, neste capítulo, produções acadêmicas
que explicitam os fenômenos anteriormente referidos. Mais especificamente,
analisamos, através de aproximações e distanciamentos, os conceitos de
alfabetização, alfabetismo e letramento abordados por diferentes autores em um
recorte da produção acadêmica na área da educação de crianças, jovens e adultos.
Depois, apresentamos algumas perspectivas teóricas, visualizadas na formação de
professores alfabetizadores, que fundamentam os métodos de alfabetização, a
psicogênese da língua escrita, os estudos sobre letramento e sobre consciência
fonológica. Por fim, fazemos a opção por um determinado referencial teórico - os
letramentos sociais de Brian Street - que elegemos para guiar esta pesquisa de
doutorado no que se refere ao delineamento metodológico específico do campo da
linguagem.
53

Após explicitar os objetivos deste capítulo teórico, é importante esclarecer


que, dentre os vastos estudos pelos quais perpassam a temática da leitura e da
escrita, faz-se necessária a realização de uma seleção dos autores e de suas
respectivas pesquisas para posterior análise. Assim, o critério para a escolha dos
autores foi o grau de intensidade da produção intelectual de cada um e, para a
seleção dos estudos, a representatividade de cada perspectiva dentro dos múltiplos
olhares pelos quais se torna possível visualizar os conceitos de alfabetização,
alfabetismo e letramento e suas implicações pedagógicas na formação de
professores. Ao considerar que nossa intenção é abordar uma seleção de produções
intelectuais, propomo-nos a citar excertos, comentar aspectos e tecer considerações
que possibilitem a visualização dos fenômenos e de suas trajetórias no universo
educacional26.

5.1 CONCEITUALIZAÇÃO DOS FENÔMENOS

A história da alfabetização, do alfabetismo e do letramento entrelaça-se com a


própria história de cada uma dessas palavras. A realização de uma incursão
cronológica sobre a origem dos termos é, portanto, uma tarefa imprescindível ao
estudo proposto nesta tese. Dentro desse campo de análise, a palavra literacy da
língua inglesa merece atenção especial, uma vez que fora traduzida, para o
português, em diferentes versões: alfabetização, alfabetismo, letramento,
lectoescrita e cultura escrita. Tais alternativas expressam a falta de um consenso, na
realidade brasileira, para designar esse fenômeno relacionado à leitura e à escrita.
A palavra letramento, no Brasil, teve sua origem documentada no campo das
ciências lingüísticas e da educação a partir da segunda metade dos anos de 1980.
Três situações ocorridas antes desse período, entretanto, merecem ser registradas:
os estudos de dois autores do contexto internacional que influenciaram a discussão

26
Diante do exposto, quero reiterar o fato de que os autores, as obras e os excertos selecionados são
resultado de uma escolha. Tal seleção é atravessada pela minha história de vida e pelos diferentes
papéis que nela desempenho ao ser professora na área da alfabetização e pesquisadora. Sem
dúvida, há outras produções e trechos significativos para serem analisados, entretanto, não cabe,
aqui, realizar uma investigação que abarque todo o estado da arte da alfabetização.
54

sobre o tema nos espaços brasileiros e a referência implícita ao conceito de


letramento na obra freireana.
A primeira situação refere-se ao renomado historiador e pesquisador Harvey
Graff que propõe novos olhares sobre o alfabetismo ao questionar os supostos
efeitos e conseqüências do mesmo no desenvolvimento sócio-econômico, na ordem
social e no progresso individual dos sujeitos. No ensaio “O mito do alfabetismo”27,
publicado em língua inglesa no ano de 1981, o autor (1990, p. 35) deixa explícito,
como poucos o fazem, seu entendimento acerca do conceito literacy, afirmando que
alfabetismo é “[...] uma tecnologia ou conjunto de técnicas para a comunicação e a
decodificação e reprodução de materiais escritos ou impressos [...]”. É, portanto,
uma base, um fundamento, uma habilidade adquirida de forma distinta daquelas
orais e/ou não-verbais. A definição de Graff tem fundamentado a opção, entre
autores brasileiros que realizam pesquisas de caráter histórico e cultural28, pelo
termo alfabetismo.
Graff (1990, p. 51) reitera a necessidade da definição do conceito,
assinalando que é preciso fazer uma distinção entre suas várias matizes que, apesar
de carregarem suas especificidades, estão relacionadas: “[...] o alfabetismo
alfabético, o visual e o artístico, o espacial e o gráfico [...], o matemático
(‘numerismo’), o simbólico, o tecnológico e o mecânico, entre outros tipos”.
A segunda situação diz respeito aos estudos de Brian Street, notório
pesquisador, que realizou um trabalho de campo de cunho antropológico no Irã,
durante os anos de 1970, investigando os usos, os significados contextuais do
letramento29. O conceito - anteriormente visto como uma habilidade técnica, “neutra”
- foi contraposto pelo autor a partir da perspectiva denominada “New Literacy
Studies” 30, passando a ser considerado como uma prática ideológica implicada em
relações de poder e embasada em significados e práticas culturais específicas,
como já referido. Tal concepção de letramento tem sido utilizada em investigações

27
Originalmente, o artigo intitula-se “Reflections on the history of literacy: overview, critique and
proposals” (grifo nosso). Ver especificações da tradução ao longo do texto.
28
Os estudos de Trindade (2001, 2004a, 2004b, 2005) exemplificam investigações nas perspectivas
teóricas citadas.
29
Nas traduções ou paráfrases das produções de Street, que utiliza o termo literacy, letramento tem
sido a escolha mais recorrente, consagrando expressões como “modelo autônomo e ideológico de
letramento”, “práticas e eventos de letramento”. Em função disso, manter-se-á tal seleção, o que não
inviabiliza, todavia, o uso da palavra alfabetismo, dada a significação atribuída pelo autor ao vocábulo
literacy em um contexto de práticas sociais.
30
Novos Estudos do Letramento.
55

de autores brasileiros31 que, na realização de suas análises, salientam as


especificidades do contexto nacional.
No livro “Social literacies: critical aproaches to literacy in development,
ethnography and education”32, a expressão presente no título constitui um indicativo
da definição, pelo autor (1995), do conceito: primeiramente, sua natureza social é
destacada, depois, através do uso do plural, o caráter múltiplo das práticas de
letramento é evidenciado. Nessa perspectiva, que será explicitada ainda neste
capítulo, a leitura, a escrita e a oralidade compõem o fenômeno do letramento.
Com a difusão dos Novos Estudos do Letramento, Street percebeu a
necessidade de atualizar as perspectivas teóricas, bem como suas implicações no
contexto educacional e suas políticas. No artigo “What’s ‘new’ in New Literacy
Studies? Critical approaches to literacy in theory and practice”33 (2003), o autor
retoma conceitos centrais da teoria - aliando questões mais amplas da abordagem
social como textualidade, identidade e poder - apresenta críticas e desenvolve
propostas positivas de intervenções no ensino, currículo, critérios de avaliação,
treinamento de professores em ambientes formais e informais.
A terceira situação relaciona-se à produção teórica de Paulo Freire. Com a
publicação, em 1982, de “A importância do ato de ler: em três artigos que se
completam”, o autor propõe uma compreensão crítica do ato de ler, não restringindo
a leitura à decodificação pura da linguagem escrita, mas ampliando o conceito para
a compreensão do mundo. Sua célebre frase: “A leitura do mundo precede a leitura
da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da
leitura daquele” (Freire, 2006, p. 11) tem sido alvo de distintas interpretações já que,
muitas vezes, o ponto final é antecipado para onde, originalmente, está a vírgula. É
justamente a continuidade da frase que permite seu pleno entendimento, uma vez
que linguagem e realidade prendem-se dinamicamente.
Em outras palavras: para Freire, o processo de alfabetização inicia com a
“leitura” do mundo - do pequeno mundo onde os sujeitos estão inseridos - do qual
emerge a leitura da palavra. Assim, a partir da continuidade de ambas as leituras -
do mundo e da palavra - toma lugar a leitura da “palavramundo”. Como ler e

31
As pesquisas de caráter antropológico de Kleiman (2004b) e os estudos de Trindade (2004b, 2005)
exemplificam essa perspectiva.
32
O título poderia ser traduzido como “Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no
desenvolvimento, etnografia e educação” (tradução nossa).
33
O título foi traduzido como “O que há de ‘novo’ nos Novos Estudos do Letramento? Abordagens
críticas do letramento na teoria e na prática”.
56

escrever são atos indicotomizáveis, Freire (2006, p. 20) propõe a continuação deste
percurso: “De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura
da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo mas por uma certa forma
de ‘escrevê-lo’ ou de ‘reescrevê-lo’, quer dizer, de transformá-lo através de nossa
prática consciente”.
A concepção de alfabetização freireana é, portanto, um ato político, criador e
de conhecimento que pode ser relacionada ao conceito de letramento em uma
perspectiva sociológica, já que o entendimento crítico do ato de ler ultrapassa a
decodificação da linguagem escrita, estendendo-se na compreensão do mundo e na
ação política do ser humano na sociedade. Tal relação justifica o fato de Freire ser
considerado o precursor de uma concepção brasileira de letramento, mesmo sem
utilizar tal denominação.
Após o registro das três considerações, iniciamos, efetivamente, com uma das
primeiras ocorrências do termo letramento no Brasil, presente na obra de Mary Kato,
“No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística”, na qual a autora (1986, p.
7) explicita, nas páginas iniciais, que a função da escola seria a de introduzir a
criança no mundo da escrita, tornando-a um cidadão funcionalmente letrado: “[...] um
sujeito capaz de fazer uso da linguagem escrita para sua necessidade individual de
crescer cognitivamente e para atender às várias demandas de uma sociedade que
prestigia esse tipo de linguagem como um dos instrumentos de comunicação”. Para
Kato, a norma-padrão, ou língua falada culta, seria uma conseqüência do
letramento.
Em 1988, Leda Tfouni estabelece uma distinção entre alfabetização e
letramento no capítulo introdutório do livro “Adultos não alfabetizados: o avesso do
avesso”, no qual a autora (1988, p. 9) situa o primeiro processo no campo individual
e o segundo, no âmbito social, uma vez que “[...] focaliza os aspectos sócio-
históricos da aquisição da escrita”.
Na tradução do texto de Graff (1990, p. 64), Tomaz Tadeu da Silva redigiu
uma nota para justificar a preferência pela palavra alfabetismo, que teria uma
definição nos dicionários muito semelhante ao termo literacy: “[...] qualidade ou
estado de ser alfabetizado [...]”, em detrimento do neologismo letramento. O tradutor
também atenta para o fato de que o vocábulo analfabetismo era amplamente
conhecido na língua portuguesa, o que não acontecia com o termo alfabetismo que
57

se refere justamente ao estado contrário, por indicar, o primeiro termo, um fenômeno


candente na realidade social brasileira.
Tfouni (2004, p. 7-8), no prólogo de “Letramento e alfabetização”, obra
publicada pela primeira vez em 1995, explicita a utilização do neologismo letramento
para suprir “[...] a falta, em nossa língua, de uma palavra que pudesse ser usada
para designar esse processo de estar exposto aos usos sociais da escrita, sem no
entanto saber ler nem escrever”.
A presença do conceito letramento no título de livro organizado por Angela
Kleiman e publicado, primeiramente, em 1995 é uma evidência da ampliação de seu
uso: “Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da
escrita” (2004a). Baseada em Scribner e Cole, Kleiman (2004b, p. 19) explicita, na
introdução, que: “Podemos definir hoje o letramento como um conjunto de práticas
sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em
contextos específicos, para objetivos específicos”.
Segundo a autora (2004b), a alfabetização e o letramento são estudos
distintos. Enquanto o primeiro é atrelado à escolaridade e enfatiza as competências
individuais no uso e na prática da escrita, o segundo, inicialmente, contemplou as
mudanças políticas, sociais, econômicas e cognitivas que acompanharam os usos
da escrita nas sociedades para, depois, pesquisar os efeitos relacionados às
práticas sociais e culturais dos variados grupos que utilizam a escrita.
No decorrer do texto, Kleiman (2004b) apresenta uma síntese da teoria de
Street acerca do modelo autônomo e do modelo ideológico de letramento, assim
como dados do estudo etnográfico de Heath que tem como unidade de análise os
eventos de letramento. Diante desses referenciais, a autora trata das práticas de
letramento nas escolas brasileiras e apresenta elementos da pesquisa desenvolvida
sobre a interação na aula de alfabetização de adultos, focalizando a potencialidade
de transformação da concepção de letramento dominante, qual seja, o autônomo,
em tais contextos, em um modelo que valoriza os usos específicos da leitura e da
escrita.
Magda Soares (2003, p. 18), desde a primeira edição de “Letramento: um
tema em três gêneros”, publicada em 1998, define o fenômeno como “[...] o
resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a
condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se
apropriado da escrita”.
58

Anos após a intensa divulgação dos estudos sobre a psicogênese da língua


escrita, diante da efervescência do vocábulo letramento, Emilia Ferreiro (2003), em
entrevista à Revista Nova Escola, argumenta ser possível optar pelo uso ou do
termo alfabetização ou do termo letramento, justificando que um estaria
compreendido no outro. A autora faz essa afirmação por não aceitar a coexistência
das duas palavras. Além disso, discorda da tradução de literacy por letramento,
preferindo a expressão cultura escrita, uma vez que é o acesso a essa cultura que
desencadeia o processo de alfabetização. Ferreiro também argumenta que o termo
letramento acarretou na redução do conceito de alfabetização à decodificação.
Soares (2004), no artigo “Letramento e alfabetização: as muitas facetas”,
discorda da concepção de Ferreiro, ao afirmar que, para a possibilidade de opção
por um dos termos ser concretizada, o significado da alfabetização precisaria ser
ampliado para além da aprendizagem grafofônica e o significado do letramento
necessitaria incorporar a aprendizagem do sistema de escrita. Desse modo, para
Soares, é preferível conservar ambos os termos, enfatizando a distinção entre eles,
sem haver independência e precedência de um processo em relação ao outro.
Ainda sobre os usos da tradução de literacy, Maria do Rosário Mortatti (2004,
p. 48), na obra “Educação e letramento”, explicita:
Em síntese, no Brasil, atualmente: “letramento” é a palavra mais recorrente
utilizada na maioria dos textos acadêmicos sobre o tema e se encontra
também no dicionário geral mais recente e nos dicionários técnicos de
lingüística abordados; “alfabetismo” (considerada mais “vernácula”) é
utilizado em alguns textos acadêmicos, [...] sendo, por vezes, apresentado
juntamente com “letramento” e encontrando-se também nos três dicionários
gerais; e “lectoescrita” é o termo que figura no dicionário técnico de
alfabetização abordado, em sentido que se quer semelhante ao de
“letramento” e “alfabetismo”, porém, [...] “lectoescrita” é mais
recorrentemente utilizado em sentido relativamente diferente, nas
propostas e práticas alfabetizadoras decorrentes do pensamento de Emilia
Ferreiro.

A autora (2004, p. 38), ao analisar palavras desse campo semântico em três


dicionários gerais da língua portuguesa, explicita que analfabeto é a de uso mais
antigo, remontando ao início do século XVIII e significando “[...] o ignorante das
letras do alfabeto, que não sabe ler nem escrever e, também, que não tem instrução
primária”. A palavra analfabetismo, entretanto, é utilizada apenas no final do século
XIX, referindo-se ao problema que envolvia o estado ou condição de analfabeto.
Contemporâneo a esse termo, iletrado apresenta um significado semelhante ao de
analfabeto. As palavras letrado e letramento remontam aos séculos XVIII e XIX,
59

respectivamente, não apresentando, naquela época, o sentido que assumem, no


momento de seu ressurgimento, na década de 1980, quando sofrem influência do
vocábulo inglês literacy e quando apontam a necessidade de ampliação, nas últimas
décadas, da definição de saber ler e escrever.
A partir do campo da historiografia e dos Estudos Culturais, a obra “A
invenção de uma nova ordem para as cartilhas: ser maternal, nacional e mestra:
queres ler?”, de Iole Trindade (2004a), é a publicação, como livro, da tese de
doutoramento da autora (2001). Ao tratar da história do alfabetismo no Estado do
Rio Grande do Sul, são focalizadas as cartilhas e os métodos de alfabetização
adotados no período entre 1890 e 1930.
Ao optar pelo termo alfabetismo, ao invés de letramento, a autora justifica,
claramente, que o primeiro está mais próximo às palavras analfabetismo e
alfabetização, associa-o às práticas sociais da leitura e da escrita, apoiando-se na
definição que Graff faz do conceito, uma vez que é polissêmico. Além disso,
Trindade (2004a, p. 35) diferencia alfabetização de alfabetismo, relacionando o
primeiro conceito ao processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita e o
segundo aos “[...] usos históricos, culturais, sociais, etc., que se fazem dessas
habilidades, independentemente da qualidade e complexidade de domínio das
mesmas”.
A autora (2004b), no artigo “A invenção de múltiplas alfabetizações e
(an)alfabetismos”, examina um recorte da produção acadêmica na área da
alfabetização tecendo uma análise cultural. Trindade, inicialmente, apresenta uma
discussão sobre os conceitos de alfabetização e (an)alfabetismo, interpretando
essas “invenções” enquanto produtos culturais datados, valendo-se de autores como
Street, Graff, Cook-Gumperz e Marzola. Depois, a autora põe em pauta três grupos
de discursos circulantes como “verdades” que orientam a produção acadêmica: os
estudos sobre analfabetismo, sobre métodos e processos de alfabetização e sobre
alfabetismo e letramento. Então, coloca tais “verdades” em suspeição, propondo
uma reflexão acerca dos fatores que levaram esses temas a destacarem-se em meio
a tantos outros, analisando os deslocamentos, as identidades produzidas e as
diferenças entre as produções acadêmicas.
No artigo “Um olhar dos Estudos Culturais sobre artefatos e práticas sociais e
escolares de alfabetização e alfabetismo”, Trindade (2005, p. 132) enfatiza a
necessidade de contextualização das práticas de letramento, afirmando: “Enfim,
60

todos(as) nós somos ou mais ou menos alfabetizados(as), ou mais ou menos


letrados(as), dependendo dos domínios que temos e dos usos que fazemos das
tecnologias de que dispomos e que nos são reclamadas em nossos dias.”. Essa
perspectiva aponta que os inúmeros artefatos e práticas sociais e escolares de
alfabetização e de alfabetismo que povoam o mundo letrado exigem, portanto,
outros olhares para além daqueles que são de alcance dos discursos que os
constituem. Tais olhares sobre os fenômenos podem ser visualizados em análises a
partir de referenciais teóricos dos Estudos Culturais pós-estruturalistas e pós-
modernos.
A partir de uma perspectiva educacional e política, é necessário evidenciar a
discordância de opinião entre Moacir Gadotti e Soares sobre os termos quando
discutem a questão “Alfabetização e letramento têm o mesmo significado?”. Ambos
os autores apresentam Paulo Freire para sustentar seus argumentos. Soares (2005),
ao tratar das relações de aproximação e de distanciamento entre alfabetização e
letramento, enfatiza que é necessário distinguir esses processos tanto pedagógica
como politicamente. A autora indica Freire como um precursor do conceito de
letramento, uma vez que preconiza o sentido amplo da alfabetização: ir além do
domínio do código escrito, com estrita ligação à democratização da cultura.
Gadotti (2005), por sua vez, afirma que utilizar o termo letramento como
sinônimo de alfabetização é uma posição ideológica contrária à tradição freireana,
pois reduz esse processo à técnica de leitura e de escrita e esvazia seu caráter
político, assim como o da educação. Apesar da dissonância entre os pesquisadores,
é possível afirmar que o termo alfabetização, no amplo sentido que Freire atribui à
palavra, materializa-se nas práticas sociais de leitura e de escrita.
Em recente conferência proferida por Soares (2007) intitulada “Práticas de
letramento e implicações para a pesquisa e para políticas de alfabetização e
letramento”, a pesquisadora salientou que o termo letramento está semanticamente
saturado e apontou os estudos antropológicos de Brian Street34 como responsáveis
por uma revolução conceitual da palavra literacy, podendo ser traduzida, para a

34
Como já fora referido anteriormente, as investigações de Street têm influenciado pesquisas
brasileiras há, pelo menos, mais de uma década, a partir da publicação, em 1995, do livro organizado
por Kleiman.
61

língua portuguesa, como cultura escrita35. Já o termo alfabetização seria a tradução


dos vocábulos reading e early reading da língua inglesa, significando a
aprendizagem inicial da tecnologia da escrita.
Diante desse breve mapeamento da emergência dos termos alfabetização,
alfabetismo e letramento, foram evidenciadas as escolhas e os significados
atribuídos pelos autores à medida da publicação de seus estudos. É importante
destacar, também, que tais preferências relacionam-se a determinadas bases
teóricas que focalizam os processos de leitura e de escrita. Por isso, a seleção,
utilização e defesa de cada palavra têm ocasionado disputas por espaço e
reconhecimento no meio acadêmico, tais como o contraponto entre Ferreiro (2003) e
Soares (2004) e entre essa mesma autora e Gadotti (2005), anunciado em artigos de
revistas pedagógicas. É possível, também, visualizar a revisão e a modificação das
escolhas dos autores, ao longo de suas trajetórias acadêmicas, no que se refere aos
termos em questão, uma vez que, recentemente, Soares (2007) aceitou a tradução
de literacy por cultura escrita, preferência já anunciada, quatro anos antes, por
Ferreiro (2003).
Na contemporaneidade, percebe-se que a palavra letramento tornou-se
abrangente, perpassando por vários espaços da sociedade, presente em conversas
informais entre professores, em documentos oficiais de instituições escolares, em
artigos de revistas pedagógicas, em avaliações nacionais e internacionais de leitura
e de escrita divulgadas pela mídia.
A definição e a interpretação dos termos alfabetização, alfabetismo e
letramento não é realizada, explicitamente, por todos os autores. Grande parte das
produções acadêmicas exige um processo de inferência da posição ocupada acerca
do conceito abordado. Graff (1990) enfatiza que esta definição é essencial aos
estudos que tratam do assunto. Por isso, explicitamos alfabetização como o
processo de aquisição da leitura e da escrita e fazemos a opção, nesta tese, por
letramento no lugar de alfabetismo no que se refere às práticas sociais, culturais e
históricas que advêm das múltiplas possibilidades de utilização de tais habilidades.

35
A tradução do título do livro “Literacy and orality” (grifo nosso), organizado por David Olson e
Nancy Torrance (1995), para “Cultura escrita e oralidade” foi alvo de críticas dos defensores do termo
letramento.
62

Finda a localização das produções acadêmicas que explicitam os fenômenos


de alfabetização, alfabetismo e letramento, passamos à apresentação das
perspectivas teóricas presentes na formação de professores alfabetizadores.

5.2 TRAJETÓRIAS DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

5.2.1 Perspectiva Psicológica: os métodos de alfabetização e a psicogênese da


língua escrita

Ao considerar a alfabetização como a ação de ensinar a ler e a escrever, esta


foi circunscrita, no campo educacional, à busca de métodos eficientes para facilitar a
aquisição. A “querela dos métodos”, conforme definida por Berta Braslavski (1988),
dominou o cenário na área da alfabetização até, aproximadamente, os anos de
1980. Nesta perspectiva, são apresentados, portanto, aspectos que fundamentam os
métodos de alfabetização e alguns elementos da trajetória dos estudos de Ferreiro e
Teberosky, que produziram impacto sobre a comunidade acadêmica a partir das
décadas de 1970 e 1980.
As teorias de aprendizagem produzidas ao longo do século XX pela ciência
psicológica forneceram base científica aos métodos de ensino da leitura e da escrita.
A psicologia associacionista fundamentou, no início do século, os métodos sintéticos
de alfabetização, cuja associação das partes (fonemas, letras, sílabas) permite
chegar ao todo (palavras, frases, textos). A psicologia da forma - Gestalt - foi o
embasamento científico, na primeira metade do século XX, dos métodos analíticos
de alfabetização, que iniciam pelo todo (textos, frases, palavras) para analisar as
partes (sílabas, letras, fonemas).
A psicologia genética, que data dos anos 20 e 30 do referido século, também
utilizada pelos adeptos dos métodos analíticos, fundamentou, algumas décadas
depois, a metodologia de alfabetização construtivista. Os estudos de Jean Piaget
sobre a construção do conhecimento se popularizaram, no Brasil, a partir da década
de 80 com a publicação da pesquisa de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky sobre os
63

processos e as formas através das quais a criança aprende a ler e a escrever a


partir do seu ponto de vista. As autoras realizaram um trabalho experimental com
sujeitos entre quatro e seis anos em Buenos Aires de 1974 a 1976 cujas reflexões e
teses dele advindas estão expostas na clássica obra “Psicogênese da língua escrita”
(1999)36.
A partir da psicologia genética e da psicolinguística contemporânea, as
autoras propuseram-se a identificar os processos cognitivos subjacentes à aquisição
da escrita, a compreender a natureza das hipóteses infantis e a descobrir os
conhecimentos que a criança apresenta ao iniciar a aprendizagem escolar. As
autoras analisam, detalhamente, os resultados da investigação através de
descrições qualitativas para identificar e interpretar cada categoria de respostas,
bem como encontrar os níveis sucessivos do desenvolvimento no processo de
aquisição da língua escrita.
Na conclusão, Ferreiro e Teberosky (1999, p. 283) retomam os princípios que
guiaram a construção do projeto experimental: “[. . . ] não identificar leitura com
decifrado; não identificar escrita com cópia de um modelo; não identificar progressos
na lectoescrita com avanços no decifrado e na exatidão da cópia gráfica” que
acabaram sendo consolidados em afirmações teóricas. A primeira delas coincide
com resultados obtidos pela psicolingüística, que busca compreender o
comportamento do leitor. As autoras citam Goodman e Smith para justificar esse
princípio. Recorremos, então, a um artigo de Goodman (1990) no qual ele
caracteriza a leitura como um “jogo de adivinhações psicolingüístico”, por meio do
qual o leitor busca a construção de significados.
Durante o processo de leitura, os sujeitos desenvolvem e modificam vários
esquemas para obter, avaliar e utilizar informação. Goodman (1990, p. 17-18)
apresenta cinco estratégias de leitura, explicitadas a seguir. A partir de “estratégias
de seleção”, o leitor elege apenas os índices que lhe são produtivos, já que um texto
oferece informações que não são igualmente relevantes. Ele também é capaz de
antecipar o final de uma história, a lógica de uma explicação, a estrutura de uma
oração e a terminação de uma palavra através de “estratégias de predição”, uma vez
que constrói esquemas na tentativa de compreender a pauta e a estrutura do texto.

36
Originalmente, em 1979, a obra foi publicada em espanhol sob o título “Los sistemas de escritura
en el desarrollo del nino”.
64

Ao utilizar “estratégias de inferência”, o leitor complementa a informação disponível


no texto, inferindo o que está implícito ou o que será explicitado mais adiante.
As três primeiras estratégias, consideradas básicas, são empregadas na
tentativa de garantir sentido à leitura. Entretanto, há riscos nelas envolvidos, por isso
o leitor lança mão de outros esquemas para confirmar ou rejeitar suas predições e
inferências. O uso de “estratégias de confirmação” relaciona-se a esse controle ativo
que os sujeitos fazem durante o processo de leitura. Por fim, “estratégias de
autocorreção” são utilizadas para que o leitor reconsidere a informação selecionada
ou obtenha índices adicionais caso não confirme suas expectativas para, então,
elaborar uma hipótese alternativa. A busca de sentido é, assim, característica
essencial do processo de leitura.
Ao passar da leitura à escrita, objeto de análise da segunda afirmação teórica,
Ferreiro e Teberosky salientam que não há uma ordem fixa para o acontecimento de
tais processos, já que podem variar de uma criança para outra: enquanto umas
realizam hipóteses mais avançadas no que se refere à leitura, outras o fazem quanto
se trata de escrever. Assim, para não identificar escrita como cópia de um modelo
externo, é preciso destacar o caminho percorrido pela criança e sua exploração das
várias hipóteses de escrita antes da compreensão do sistema alfabético.
As duas afirmações teóricas já referidas constituem-se nas premissas da
terceira que sustenta que, ao compreender os processos de apropriação do
conhecimento envolvidos na aprendizagem da lectoescrita, não é possível identificá-
la com avanços no decifrado e na exatidão da cópia gráfica. Esta apropriação
pressupõe “[...] um processo ativo de reconstrução por parte do sujeito que não pode
se apropriar verdadeiramente de um conhecimento senão quando compreendeu seu
modo de produção, quer dizer, quando o reconstituiu internamente” (Ferreiro;
Teberosky, 1999, p. 289).
A partir disso, as autoras expõem as conseqüências pedagógicas entre as
propostas metodológicas e as concepções infantis. Ferreiro e Teberosky enfatizam
que as crianças chegam à escola nos mais diversos níveis de conceitualização da
escrita. Entretanto, nenhum dos conflitos pelos quais os sujeitos passam são
considerados pelas práticas que utilizam os métodos de ensino da leitura e da
escrita. A coerência lógica que as crianças exigem de si mesmas não é contabilizada
pelas exigências escolares. A percepção e o controle motor tomam o lugar do
próprio saber lingüístico e da própria capacidade de compreensão do sujeito. Os
65

métodos de alfabetização propõem um ingresso imediato ao código escrito,


pretendendo ensinar aspectos que nem sempre coincidem com o que a criança
consegue aprender. A prática decorrente dos métodos de alfabetização, para as
autoras, privilegia as crianças que já percorreram um longo e prévio caminho na
conceitualização do sistema alfabético, considera a escrita como cópia e a leitura,
como decifrado, inibindo ambos os domínios.
É importante salientar que tais críticas referem-se aos métodos sintéticos,
uma vez que os pressupostos teóricos dos métodos analíticos são, também, a base
de sustentação de Smith e Goodman, autores que são referência nos estudos
psicogenéticos. Mesmo que não haja um contraponto de Ferreiro e Teberosky para
uma prática pedagógica proveniente dos métodos de ensino da leitura e da escrita, a
investigação das autoras é a base da metodologia construtivista de alfabetização,
que exerce significativa influência na formação docente, uma vez que os
alfabetizadores propõem-se a identificar a hipótese de escrita das crianças durante o
processo de conceitualização do sistema alfabético, respeitando cada uma das
etapas ou níveis nos quais os sujeitos se encontram.
Como didatização da perspectiva psicológica, indicamos a trilogia de Esther
Pillar Grossi (1990a, 1990b, 1990c) que compõe a “Didática da Alfabetização”,
relacionada ao “Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e
Ação” (GEEMPA), renomado no contexto gaúcho pela formação de alfabetizadores.
Os três volumes foram escritos durante a segunda metade da década de 1980 e
tiveram a primeira publicação em 1990. Edições revistas datadas de 2008 apontam
significativas recontextualizações nos níveis psicogenéticos, apresentados na seção
7.3.6 desta tese.

5.2.2 Perspectiva Linguística: os estudos sobre letramento e consciência


fonológica

Os estudos sobre letramento são abordados, nesta perspectiva, a partir de


Soares. Os professores brasileiros da área da lingüística, Lemle e Cagliari, fornecem
as bases teóricas para a consciência fonológica, apresentada através de Capovilla.
66

Sobre o primeiro aspecto, qual seja, o letramento, atenho-me,


predominantemente, ao artigo de Magda Becker Soares, “Letramento e
Alfabetização: as muitas facetas”. Ao apresentar a progressiva “invenção” da palavra
e do conceito de letramento e a concomitante “desinvenção” da alfabetização,
Soares (2004) denomina a polêmica conjuntura atual de “reinvenção” da
alfabetização. Tanto na perspectiva teórica quanto na da prática pedagógica, existe
um caráter de especificidade e de indissociabilidade entre os processos de
alfabetização e de letramento.
No Brasil, quando o conceito de alfabetização foi questionado, surgiu o
interesse sobre as habilidades para o uso competente da leitura e da escrita. Dessa
maneira, os processos de alfabetização e de letramento tornaram-se intimamente
ligados, havendo, ao longo dos anos, uma “[...] extensão do conceito de
alfabetização em direção ao conceito de letramento: do saber ler e escrever em
direção ao ser capaz de fazer uso da leitura e da escrita” (Soares, 2004, p. 7). A
fusão entre a alfabetização e o letramento tem ocasionado um certo apagamento do
primeiro conceito. A autora considera a perda progressiva da especificidade do
processo de aprendizagem básica da língua escrita como uma “desinvenção” da
alfabetização que vem acontecendo nas escolas públicas brasileiras desde os anos
80.
Nesta época, a alfabetização tinha como característica a excessiva
especificidade, isto é, apenas uma das facetas da aprendizagem da língua escrita
era contemplada: as relações entre o sistema fonológico e o sistema gráfico. Nas
duas últimas décadas, ao invés de se amenizar a especificidade exagerada, ela foi,
em grande medida, predominantemente excluída do processo de alfabetização.
Dessa maneira a alfabetização, como processo de aquisição do sistema
convencional da escrita alfabética e ortográfica, perdeu sua especificidade porque o
de letramento prevaleceu sobre ela.
Ao considerar as concepções psicológicas, lingüísticas e psicolingüísticas da
leitura e da escrita, a entrada dos sujeitos nesse mundo acontece simultaneamente
pelos processos de alfabetização e letramento, sendo o primeiro a aquisição do
sistema convencional de escrita e o segundo o desenvolvimento de habilidades de
uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que as
envolvem.
67

Segundo Soares (2004), é preciso rever as fundamentações e os processos


de ensino que predominam nas salas de aula, estabelecendo a distinção entre as
várias facetas do letramento, quais sejam: a imersão das crianças na cultura escrita,
a participação em experiências variadas com a leitura e a escrita, o conhecimento e
a interação com diferentes tipos de gêneros de material escrito; e as várias facetas
da alfabetização, abrangendo a consciência fonológica e fonêmica, a identificação
das relações fonema-grafema, as habilidades de codificação e decodificação da
língua escrita, o conhecimento e o reconhecimento dos processos de tradução da
forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita.
Também se faz necessária a conciliação dessas duas dimensões da
aprendizagem da língua escrita, sem perder a especificidade de cada fenômeno,
reconhecendo as facetas próprias dos mesmos e os procedimentos de ensino
adequados a cada uma delas. Assim, a alfabetização se desenvolveria em um
contexto de letramento. Nesse sentido, não existe um método para a aprendizagem
inicial da língua escrita, mas uma multiplicidade deles que precisam estar adequados
a cada faceta do processo em questão. As características, as possibilidades e os
interesses de cada grupo e de cada criança devem ser levados em consideração,
pois pressupõem ações pedagógicas distintas. Soares insiste que, para enfrentar o
fracasso na aprendizagem básica da língua escrita nas escolas brasileiras, o
professor das séries iniciais do Ensino Fundamental precisa ter subsídios teóricos e
de metodologia de alfabetização e, para isso, sua formação necessita ser revista e
reformulada.
Apesar de Soares fazer menção à polêmica que contrapõe a perspectiva
holística, denominada no exterior como whole language e no Brasil equiparada à
perspectiva “construtivista” na alfabetização, à concepção grafofônica, ou phonics,
passamos a explicitar os estudos sobre a consciência fonológica, uma vez que o
relatório organizado por Capovilla apresenta detalhadamente o debate entre os
arcabouços teóricos e foi publicado um ano antes do artigo de Soares.
Os fundamentos dos estudos sobre consciência fonológica datam da década
de 1980. Miriam Lemle publica, em 1987, o “Guia teórico do alfabetizador”, no qual
apresenta conhecimentos básicos sobre a língua, essenciais para professores na
área de alfabetização. Destacamos, primeiramente, os saberes e as percepções
necessárias ao alfabetizando descritas nas capacidades de: compreender a ligação
simbólica entre letras e sons da fala, discriminar as formas das letras, ouvir e ter
68

consciência dos sons da fala com suas distinções relevantes na língua, ter
consciência da unidade palavra que implica a representação de conceitos através de
sons e a representação de sons através de letras, reconhecer sentenças e
compreender a organização espacial da página escrita. É importante salientar que o
terceiro conhecimento apontado pela autora (1991), ouvir e ter consciência dos sons
da fala, relaciona-se ao conceito de consciência fonológica.
Ao considerar que, no sistema alfabético de escrita, os segmentos gráficos
representam segmentos de som, é preciso especificar tais relações, uma vez que
são poucos os casos, na língua portuguesa, em que cada letra corresponde a um
som e cada som a uma letra. A partir disso, Lemle (1991) propõe o percurso e o
enfoque das correspondências entre sons e letras a ser apresentado nas primeiras
etapas do ensino da língua escrita para que o alfabetizando saiba quais letras
transcrevem quais sons em que posições e quais letras concorrem em quais
posições para representar quais sons.
Apesar de Lemle continuar sua discussão através da variação na língua
falada e da unidade na língua escrita, passo a abordar, agora, as idéias de Luiz
Carlos Cagliari que seguem na mesma linha teórica. Em “Alfabetização e lingüística”,
obra que tem sua primeira edição em 1989, o autor defende que, ao iniciar o
processo de alfabetização, a criança já é um falante capaz de compreender e falar a
língua com desenvoltura e precisão nos momentos de sua vida em que necessita
utilizar a linguagem. Cagliari assinala que essa criança, além de falar o português, é
capaz de refletir sobre a sua própria língua. Mesmo sem citar a denominação
“consciência fonológica”, o autor (1996, p. 29) exemplifica esse conceito:
De fato, as crianças se divertem manipulando a linguagem: compõem
palavras novas, a partir da análise dos processos de formação de palavras,
às vezes criando formas surpreendentes; adoram traduzir a sua própria
língua em códigos, como a língua do P; e falar invertendo sílabas,
substituindo certos segmentos por outros, com uma destreza que o adulto
dificilmente consegue acompanhar.

Após apresentar autores e obras clássicas na área da lingüística, cabe tratar


do “novo” enfoque nos estudos sobre alfabetização: a consciência fonológica. Tal
conceito, considerado como um conjunto de habilidades metalingüísticas que
possibilita refletir sobre os sons da fala e manipulá-los, está presente na literatura
desde, pelo menos, 1987, com a publicação de Lemle. Nesse sentido, justifica-se a
necessidade de se investigar as bases teóricas que fundamentam a formação
docente de professores alfabetizadores e suas decorrentes práticas pedagógicas.
69

“Os novos caminhos da alfabetização infantil”37, organizado por Fernando


Capovilla (2005), é a publicação, em forma de livro, do relatório encomendado pela
Câmara dos Deputados ao Painel Internacional de Especialistas em Alfabetização
Infantil. O objetivo do estudo é apresentar os conhecimentos da ciência cognitiva da
leitura e das práticas de alfabetização desenvolvidas em países que utilizam tal
referencial como contribuição para a revisão das políticas e práticas de alfabetização
no Brasil, especialmente no que se refere ao modelo vigente nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), qual seja, o método de alfabetização construtivista.
A concepção de alfabetização presente no relatório (2005, p. 22) evidencia a
distância da mesma em relação às idéias psicogenéticas sobre leitura e escrita:
[...] aprender a fazer a decodificação fonológica (isto é, converter as
seqüências de letras, que compõem palavras e frases escritas, em
seqüências de sons da fala, que compõem as palavras e frases faladas
correspondentes) e a fazer a codificação fonológica (isto é, converter as
seqüências de sons da fala em seqüências de letras, compondo palavras e
frases escritas) constitui o cerne do conceito de alfabetização.

Capovilla (2005, p. 33-35) apresenta um conjunto de competências


consideradas fundamentais para o processo de alfabetização, quais sejam:
consciência fonológica - habilidade de prestar atenção aos sons da fala como
entidades independentes de seu significado -, familiaridade com textos impressos,
metalinguagem, consciência fonêmica - entendimento de que cada palavra falada
pode ser concebida como uma seqüência de fonemas -, conhecimento do princípio
alfabético - as letras representam sons -, decodificação, fluência e estratégias de
compreensão de textos.
Ler, então, pressupõe proficiência no reconhecimento de palavras e na
compreensão do significado de textos. A identificação de palavras é, portanto, tarefa
central do processo de aprender a ler. Diante disso, Capovilla (2005, p. 25) critica
autores que fundamentam os estudos psicogenéticos, como Smith e Goodman. O
primeiro compara a leitura, que deve ser significativa para o leitor, como um
processo tão natural quanto o da fala e o segundo considera que se aprende a ler
fazendo “adivinhações” sobre o significado contextual das palavras, conforme já
referido na perspectiva linguística. Os autores (2005, p. 28-29) do relatório salientam
que o pressuposto da paridade entre linguagem falada e escrita não se sustenta
porque, enquanto a fala é universal e produto de uma evolução biológica, a escrita é
um artefato cultural. Além disso, discordam que a leitura seja um “jogo
37
A primeira edição foi publicada pelo Congresso Nacional no ano de 2003 sob a forma de relatório.
70

psicolingüístico de adivinhações”, conforme afirmação de Goodman, uma vez que a


característica de um leitor proficiente não é a capacidade de ignorar palavras ou
letras dentro delas, mas a habilidade de processá-las com rapidez.
Ao considerar que cada método produz um determinado resultado, Capovilla
(2005, p. 57) aponta que, na concepção ideovisual, a aprendizagem ocorre através
da identificação visual da palavra e, a partir disso, são construídas hipóteses sobre a
relação entre sons e letras, caracterizando o ensino das mesmas como incidental.
Tal concepção, comparável ao movimento conhecido em outros países como whole
language, se define como uma filosofia, não como um método. No Brasil, esses
pressupostos fundamentam o “construtivismo”.
A concepção fônica, por sua vez, propõe o ensino sistemático das unidades
gráficas do alfabeto e suas correspondentes unidades fonológicas. A análise e a
síntese de fonemas são as estratégias utilizadas para converter letras em sons -
processo de leitura - e para converter sons em letras - processo de escrita. Os
enfoques atuais dessa concepção não pressupõem nem recomendam que o ensino
das correspondências seja realizado através de unidades sublexicais sem
significado, como ocorria no “tradicional” método fônico.
Diante da comparação entre as duas metodologias, os autores (2005, p. 25-
26) baseados em revisões de trabalhos experimentais e empíricos, concluem que
“[...] o método fônico sistemático (ou seja, instrução fônica combinada a instruções
metafonológicas) produz maior impacto no crescimento da leitura, permitindo aos
alunos adquirir a competência para ler de forma autônoma”. Através dessas
evidências, confirmam a “superioridade” dos métodos fônicos em relação aos
demais.
Apesar da disputa teórica e metodológica, há um consenso, entre os autores
apresentados, sobre a existência de uma relação entre consciência fonológica e
aquisição da leitura e escrita, uma vez que a aprendizagem do sistema alfabético
pressupõe a capacidade de reconhecer, decompor, compor e manipular os sons da
fala, o que corresponde à consciência fonológica.
Destacamos que, na nossa concepção, ao considerar que uma abordagem
equilibrada reconheceria os pontos fortes de cada movimento, é preciso pensar nos
leitores e produtores de texto que cada concepção produz. Assim como
questionamos uma abordagem essencialmente fônica por preterir a “leitura real”
para um momento posterior da aprendizagem, ler com conhecimento limitado das
71

relações entre fonemas e grafemas também pode comprometer a compreensão do


significado.
No contexto brasileiro, uma abordagem efetivamente equilibrada parece estar
relacionada à consciência fonológica: “[...] habilidade de perceber a estrutura sonora
de palavras, ou de partes de palavras (CONSCIÊNCIA..., 2005, p. 13). Tais estudos
aceitam a leitura nas duas concepções: por uma via fonológica, o sujeito lê mediante
o emprego da relação letra-som, som-letra e também utiliza uma via lexical, na qual
o reconhecimento da palavra se dá através da sua visualização global. Além disso,
há várias habilidades relacionadas à consciência fonológica: a consciência sintática
é a capacidade de segmentar a frase em palavras e organizá-las em uma seqüência
com sentido; a consciência silábica se refere à habilidade de dividir palavras em
sílabas e a consciência fonêmica, capacidade de analisar os fonemas e de
relacioná-los com os grafemas que os representam, é a última a ser adquirida pela
criança. Contraditoriamente, é a primeira consciência exigida pelo método fônico.
Diante da produção acadêmica aqui apresentada cabem, ainda, algumas
considerações no intuito de propor fechamentos antes de passarmos à próxima
seção deste capítulo. A partir da trajetória dos estudos sobre alfabetização,
alfabetismo e letramento, desde aqueles que descrevem historicamente os
deslocamentos dos discursos até os que propõem alternativas de ação às práticas
pedagógicas, foi possível mapear as diferentes perspectivas pelas quais se torna
possível visualizar os fenômenos. Considerando a complexidade envolvida nesta
tarefa, apresentamos, a seguir, um quadro (1) acerca das especificidades
relacionadas às práticas pedagógicas alfabetizadoras como subsídio à compreensão
do leitor. Sabemos que tal esquematização acarreta em simplificações.
As concepções de leitura e de escrita aqui apresentadas fornecem indicativos
dos discursos circulantes de cada época, das lutas pela supremacia de um sobre o
outro, assim como das repercussões dos mesmos nas práticas pedagógicas.
Através da localização das produções acadêmicas, foi possível perceber a “força”
que cada perspectiva apresentou em determinado período. As rupturas entre os
discursos não são, entretanto, limitadores que encerram um ciclo e iniciam outro,
mas possibilitam a coexistência de diferentes conceituações na contemporaneidade.
Diante do exposto, continuamos, agora, nosso percurso com a definição do
referencial teórico referente aos Novos Estudos do Letramento que originou as
unidades de descrição do corpus empírico desta tese.
72

Trajetórias Métodos
Psicogênese Letramento Consciência fonológica
Características sintéticos analíticos

ler não é decodificar elementos constitutivos

Princípios e conhecimento do princípio


decodificação significado
elementos alfabético para ler e escrever

oralidade

escrita
leitura
escrever não é copiar

letramento
analfabetismo alfabetização alfabetização
Conceitos alfabetismo
alfabetização cultura escrita letramento
cultura escrita
níveis
não-alfabetizado/ Ferreiro e sintática
Grossi38
analfabeto Teberosky
níveis

níveis
Etapas do 1 PS1
ou silábica
processo 2 PS2
graus
3 S
alfabetizado
4 SA fonêmica
5 A
como se “estrutura”:
como se aprende como se usa texto, frase,
Foco do processo como se ensina
palavra, sílaba
Didática: propostas, transposições, métodos

Quadro 1 - Características das Práticas Pedagógicas Alfabetizadoras39

38
Sabemos que, recentemente, Grossi realizou modificações acerca da definição dos níveis, explicitadas na seção 7.3.6.
39
Este quadro foi elaborado a partir de um esquema realizado pela Professora Doutora Iole Maria Faviero Trindade.
73

5.3 ORALIDADE, LEITURA E ESCRITA NA CONSTITUIÇÃO DE PRÁTICAS E


EVENTOS DE LETRAMENTO

Ao considerarmos a polissemia envolvida no conceito de letramento,


demarcar sua abrangência e especificar o que são “práticas e eventos de
letramento” pressupõem também disputar diferentes atribuições de sentido. O
alargamento das fronteiras concernentes à definição do fenômeno tem ampliado seu
domínio para além da leitura e da escrita, aspectos já consagrados nas definições
do termo, indo em direção a outros tipos de habilidades ou competências como
“numerismo”, “letramento digital”, “letramento visual”. No que se refere às práticas e
eventos de letramento, a linha que separa tais concepções não é precisa, já que
podem ser visualizadas, na produção acadêmica, como expressões distintas,
sinônimas, interdependentes, ou complementares: em que a segunda está incluída
na primeira.
Os focos desta seção são, portanto, a demarcação do letramento no que
concerne a sua abrangência e a definição dos conceitos de práticas e eventos de
letramento a partir do referencial teórico nomeado Novos Estudos do Letramento,
que, como já foi referido, tem Brian Street como o principal representante.
Street constantemente especifica, em suas produções, os conceitos que
utiliza, por isso selecionamos, aqui, algumas publicações para análise: Street (1995,
2003), Street e Lefstein (2007). Outros autores, entretanto, são incluídos neste
capítulo por representarem determinadas perspectivas necessárias à compreensão
dos conceitos aqui selecionados para explicitação.
Street e Lefstein (2007, p. 7) relacionam possibilidades de abrangência do
conceito de letramento, elencando leitura, escrita, fala e audição como seus
elementos constitutivos; incluem, também, a língua, diferentes modos semióticos e
meios de comunicação e indicam os gêneros do cotidiano versus gêneros
acadêmicos como alternativas de análise do fenômeno. Percebemos que a seleção
de excertos que compõe a referida publicação contempla todos esses aspectos,
entretanto, fica evidente o foco dos autores no letramento como leitura e escrita,
nem sempre considerando a fala e a audição, referidas, nesta tese, como oralidade,
uma vez que sua exclusão ou inclusão é uma das diferenças que caracterizam,
74

respectivamente, os modelos autônomo e ideológico de letramento, a seguir


explicitados. Apesar de enfatizarem oralidade, leitura e escrita, os autores realçam a
necessidade de compreensão do fenômeno no seu contexto social e apontam os
“novos letramentos” e a “multimodalidade” como áreas emergentes que contemplam
sistemas semióticos mais amplos, para além dos sistemas linguísticos.
Selecionamos, então, o enfoque do letramento como leitura, escrita e
oralidade, considerando, na descrição e análise da prática pedagógica examinada
nesta tese, esses seus três elementos constitutivos. Esta seção, discute, portanto,
como a relação entre cultura escrita e oralidade foi se constituindo nos discursos
acadêmicos. A concepção da “grande divisão” entre tais domínios tem Walter Ong e
Jack Goody como principais expoentes. O relato clássico de Goody estabelece uma
grande divisão entre povos letrados e não letrados, argumentando a favor das
qualidades inerentes à escrita e atenuando aquelas referentes à comunicação oral,
atribuindo, assim, uma superioridade da escrita em relação à fala. Com o intuito de
amenizar as diferenças entre o discurso oral e o escrito, um grupo de pesquisadores,
entre eles David Olson, caracterizou a relação entre os dois domínios como um
“continuum”. Street (1995) examina e argumenta como ambas as concepções ainda
se aproximam, uma vez que oralidade e escrita continuam a apresentar
consequências sociais e cognitivas muito diferentes, caracterizando o que o autor
(1984 apud STREET; LEFSTEIN, 2007, p. 116-118) nomeou de “modelo autônomo
de letramento”. Street discorda dessa abordagem e enfatiza a imbricada interação
entre as formas orais e letradas40, indo contra a grande divisão entre tais domínios,
uma vez que estão relacionados na sociedade. Assim, apresenta um “modelo
ideológico de letramento”, que focaliza as práticas sociais específicas de oralidade,
leitura e escrita.
Street (1995, p. 160-161) esclarece que a distinção por ele delineada entre
um modelo autônomo e outro, ideológico de letramento foi inadequadamente
interpretada como sendo uma relação de oposição. O autor propõe, então, uma
abordagem alternativa na qual o modelo ideológico, caracterizado por ser social e
contextual, inclui o modelo autônomo, interpretado como escolar e
descontextualizado. O modelo ideológico é, portanto, uma síntese entre abordagens
tecnicistas e sociais e não nega habilidades técnicas ou aspectos cognitivos de ler e

40
Concebidas, aqui, como leitura e escrita.
75

escrever, mas percebe-os como encapsulados em culturas e em estruturas de


poder. Street (1995, p. 149) argumenta a favor de um modelo ideológico
metodológica e teoricamente sensível às variações locais das práticas de letramento
e que seja capaz de compreender os usos individuais das pessoas e os significados
da leitura e da escrita. O modelo ideológico não se contrapõe às habilidades
técnicas e aos aspectos cognitivos da leitura e da escrita e inclui, de certa forma, as
interpretações do modelo autônomo.
Street e Lefstein (2007, p. 133-134), ao discutirem a diferença entre fala e
textos escritos a partir dos argumentos de Olson, explicitam que a escrita envolve
muitas características paralinguísticas41 equivalentes, de alguma maneira, aos
gestos, à expressão facial e à entonação da língua falada, tais como a escolha do
tipo, do tamanho e da cor da letra, a disposição do texto no papel, o uso de aspas.
De todas essas decisões, emanam significados que vão além dos meios léxicos e
sintáticos. Assim, há mais semelhanças do que diferenças entre a oralidade e a
escrita. O letramento42, portanto, não pode ser separado da oralidade, uma vez que
características atribuídas a apenas um dos domínios podem ser encontradas em
ambos.
Depois de examinar a abordagem da grande divisão, sobretudo na
perspectiva de Ong, Street (1995) afirma a impossibilidade de conceber a escrita
isolada de outro meio de comunicação e que as práticas de letramento são sempre
encaixadas em usos orais, havendo uma mistura de discursos que usam a fala e
discursos que utilizam a leitura e a escrita. O autor sugere, então, investigar a
relação entre práticas e eventos de letramento43 e práticas e eventos de oralidade.
É importante assinalar que Street separa, muitas vezes, letramento de
oralidade, relacionando o primeiro fenômeno à leitura e à escrita. Isso não significa,
porém, que o autor desconsidere a fala como componente do letramento, mas,
justamente, faz essa distinção para colocar em um mesmo patamar tanto práticas e
eventos de oralidade, quanto de leitura e escrita - domínios separados, pela grande
divisão, no modelo autônomo.
Street e Lefstein (2007), ao selecionarem e compilarem pesquisas acerca dos
significados e usos cotidianos do letramento em contextos culturais específicos,

41
O prefixo grego para significa ao lado, junto de, além. “Características paralinguísticas”, portanto,
referem-se a aspectos que acompanham o campo lingüístico e/ou vão além dele.
42
Nessa comparação, letramento diz respeito à leitura e à escrita.
43
Novamente, aqui, letramento é concebido como leitura e escrita.
76

destacam, na abordagem etnográfica, os estudos clássicos de Shirley Brice Heath


(1983) e de David Barton e Mary Hamilton (1998). Ambas as investigações focalizam
práticas de letramento situadas: enquanto a primeira ocorreu em três comunidades
no sul dos Estados Unidos, a segunda teve lugar em uma cidade no norte da
Inglaterra.
Street, na perspectiva de um modelo ideológico, ao descrever a
especificidade dos letramentos em lugares e momentos determinados, apresenta
alguns conceitos produtivos para essa abordagem. Iniciamos com a noção de
“evento de letramento”, presente no estudo etnográfico de Heath (1982 apud
STREET, 2003, p. 78) que o definiu como “any occasion in which a piece of writing is
integral to the nature of the participants’ interactions and their interpretive
processes”44. Street ampliou o conceito para a noção de “práticas de letramento”,
investigando os contextos sociais, culturais, políticos e históricos em que os eventos
estão inscritos, bem como os discursos e as relações de poder que os regulam.
Inicialmente, Street utilizou a expressão práticas de letramento para focalizar as
práticas sociais e as concepções de leitura e de escrita. Depois, elaborou o termo
para levar em conta os eventos, tanto no sentido atribuído por Heath, quanto no dos
modelos sociais de letramento que os participantes utilizam para se dirigir a esses
eventos e que lhes dão sentido. Com essa ampliação, os eventos de letramento são
relacionados a conceitos e modelos sociais concernentes a sua própria natureza, o
que os fazem funcionar e o que lhes dão sentido. As práticas de letramento,
portanto, relacionam-se a uma concepção cultural mais ampla de determinadas
formas de pensar, ler e escrever em contextos culturais.
Em decorrência, práticas de letramento assentam-se em um nível mais
elevado de abstração e referem-se tanto ao comportamento quanto às
conceitualizações sociais e culturais que dão significados aos usos da leitura e/ou da
escrita. As práticas de letramento incorporam não apenas os eventos de letramento -
como ocasiões empíricas nas quais o letramento seja essencial - mas também
modelos culturais de tais eventos que deles se originam.
Com base em Heath, Scribner e Cole e Street, Barton e Hamilton (2000 apud
STREET; LEFSTEIN, 2007, p. 143) desenvolvem ainda mais os conceitos de
práticas e eventos de letramento e explicam alguns princípios da teoria social desse

44
Esse conceito poderia ser traduzido como “qualquer ocasião em que algo escrito é essencial à
natureza das interações dos participantes e de seus processos interpretativos” (tradução nossa).
77

fenômeno. A partir da assertiva central de que “letramento é uma prática social”, seis
proposições dela decorrem:
Literacy is best understood as a set of social practices; these can be
inferred from events which are mediated by written texts.
There are different literacies associated with different domains of life.
Literacy practices are patterned by social institutions and power
relationships, and some literacies are more dominant, visible and influential
than others.
Literacy practices are purposeful and embedded in broader social goals and
cultural practices.
Literacy is historically situated.
Literacy practices change and new ones are frequently acquired through
processes of informal learning and sense making.45 (BARTON; HAMILTON,
2000 apud STREET; LEFSTEIN, 2007, p. 144)

Diante da temática expressa no início deste capítulo, dirigimos nosso foco de


análise à primeira assertiva sobre a teoria social do letramento. A noção de práticas
de letramento, como formas culturais de utilizá-lo, apresenta um caráter abstrato,
não sendo totalmente observável em atividades e tarefas. Daí a relação com o
conceito de eventos de letramento, considerados episódios observáveis, que
emergem de práticas e são por elas moldadas. Muitos eventos de letramento do
cotidiano são atividades regulares repetidas, ligadas a sequências rotineiras próprias
do lar, de locais de trabalho, de escolas e de outras agências sociais. Por isso, o
letramento adquire sentido quando situado em um determinado contexto que
influencia suas formas e uso. Geralmente, o texto escrito está presente nos eventos,
desencadeando interações entre os participantes, sendo necessária a análise da
produção e do uso dos materiais.
Podemos afirmar, portanto, de acordo com a primeira assertiva explicitada por
Barton e Hamilton, que o letramento é constituído por três elementos: as práticas, os
eventos e os textos, já que as práticas são observáveis em eventos mediados por
materiais escritos. Assim, o estudo dos letramentos locais possibilita identificar
eventos e textos do cotidiano para conhecer as práticas das pessoas, o que elas

45
Tais assertivas poderiam ser traduzidas como:
O letramento é mais bem compreendido como um conjunto de práticas sociais; estas podem ser
deduzidas de eventos que são mediados por textos escritos.
Há diferentes letramentos relacionados a diferentes esferas de atividade.
As práticas de letramento são padronizadas pelas instituições sociais e relações de poder e alguns
letramentos são mais dominantes, visíveis e influentes do que outros.
As práticas de letramento são intencionais e inseridas em objetivos sociais e práticas culturais mais
amplos.
O letramento é situado historicamente.
As práticas de letramento mudam e novas práticas são frequentemente adquiridas através de
processos de aprendizagem informal e de compreensão. (Tradução nossa).
78

fazem com os textos e quais os significados atribuídos às atividades de leitura e de


escrita, entrelaçadas com a língua falada.
Street e Lefstein (2007, p. 193) também desenvolvem uma distinção entre
eventos e práticas de letramento:
[...] we start by identifying a literacy event, that is an activity in which a
written text plays a role. We use the description of a literacy event as a
basis to analyse a literacy practice, that is both the social practices of
reading and writing and the conceptions or ‘models’ of literacy that
participants use to make sense of them.46

Os eventos, portanto, adquirem sentido porque estão localizados nas práticas.


A repetição de eventos se transforma, com o passar do tempo, em uma prática. Para
visualizar tal transição, os autores (2007, p. 195) apontam a necessidade de
descrição sistemática de um evento através de seus componentes-chave: cenário,
participantes, texto(s) e outros objetos, ações e sequências, regras, interpretação e
contextos. Assim, um evento recorrente passa a ser uma prática de letramento.
Procuramos, nesta seção, demarcar o letramento no que concerne a sua
abrangência - definido como oralidade, leitura e escrita - e discutir os conceitos de
práticas e eventos a partir dos Novos Estudos do Letramento, mesmo que, para isso,
tenha sido necessária a apresentação de outras abordagens teóricas. Podemos,
agora, estabelecer algumas conexões entre os temas aqui tratados, por estarem
intimamente relacionados.
Street procurou esclarecer, em sua produção intelectual, tanto suas bases
teóricas quanto conceitualizações posteriores que deram continuidade as suas
interpretações. Na perspectiva do modelo ideológico, Street sugere a utilização dos
conceitos de eventos de letramento e de práticas de letramento que consideram as
semelhanças entre os discursos oral e escrito. A noção de práticas de letramento foi,
então, desenvolvida a partir da conceitualização de Heath de eventos de letramento,
ampliando sua concepção.
Enquanto Street sinaliza oralidade, leitura e escrita como os elementos
constitutivos do letramento, Barton e Hamilton explicitam que as práticas, os eventos
e os textos compõem o letramento. Esses diferentes alcances não se excluem, ao
contrário, sinalizam a imbricada relação entre as duas perspectivas já evidenciadas

46
Essa citação poderia ser traduzida como: “[. . . ] iniciamos identificando um evento de letramento,
que é uma atividade na qual um texto escrito desempenha determinado papel. Utilizamos a descrição
de evento de letramento como base para analisar uma prática de letramento, que compreende tanto
práticas sociais de leitura e de escrita quanto conceitos ou ‘modelos’ de letramento que os
participantes usam para compreendê-los” (tradução nossa).
79

no título desta seção. Diante disso, é possível analisar uma determinada prática de
letramento a partir de eventos de oralidade, de leitura e de escrita que a constituem,
mediados por material escrito. Este é, justamente, o delineamento metodológico que
guia, nesta tese, a descrição dos processos de alfabetização e de letramento.
Assim, com base nos Novos Estudos do Letramento, o autor propõe a
integração dos estudos antropológicos e linguísticos. Fica evidente, nessa
perspectiva, o caráter múltiplo e social das práticas de letramento, que precisam ser
compreendidas em contextos sociais reais. A leitura, a escrita e a oralidade estão
localizadas dentro dessas reais práticas sociais e lingüísticas que lhes atribuem
significado.
80

6 INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA

A investigação refere-se à descrição e à análise de uma prática pedagógica


de uma professora da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre tendo como foco
os processos de alfabetização e de letramento e sendo realizada através de um
estudo de caso longitudinal. A coleta de dados contemplou o acompanhamento de
duas turmas de professoras distintas durante o segundo e o terceiro ano do primeiro
ciclo de formação47, em 2005 e 2006, respectivamente. Além disso, foram
observadas as reuniões (a) de planejamento docente, (b) de conselho de classe e
(c) de conselho escolar.
A metodologia que fundamenta a pesquisa é a “investigação qualitativa”.
Robert Bogdan e Sari Biklen (1994) apresentam a investigação qualitativa a partir de
uma perspectiva sociológica que é caracterizada por uma metodologia que enfatiza
a descrição, a observação participante e a entrevista em profundidade. Os dados
recolhidos são denominados “qualitativos” porque são repletos de detalhes
descritivos relativos a pessoas, locais e conversas. As questões de investigação são
formuladas com o objetivo de estudar os fenômenos em toda sua complexidade e
em contexto natural. Os pesquisadores, nessa abordagem, privilegiam a
compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da
investigação.
Bogdan e Biklen (1994) apresentam a investigação qualitativa a partir de
algumas características:
a) “Na investigação qualitativa a fonte directa de dados é o ambiente natural,
constituindo o investigador o instrumento principal” (1994, p. 47): é necessário
frequentar os locais de estudo porque as ações são mais bem compreendidas
quando observadas no contexto onde ocorrem. O significado do ato, do gesto e da
palavra depende da situação na qual acontece.
b) “A investigação qualitativa é descritiva” (1994, p. 48): a descrição é o método de
coleta de dados quando a intenção do pesquisador é tentar captar todos os detalhes
de um contexto. O mundo precisa ser examinado a partir da perspectiva de que
nada é trivial e que cada aspecto, portanto, merece ser submetido à avaliação.

47
No sistema ciclado, o segundo e o terceiro ano-ciclo são denominados A20 e A30.
81

c) “Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que


simplesmente pelos resultados ou produtos” (1994, p. 49): esse tipo de estudo
focaliza como as definições da situação são formadas no contexto educacional.
d) “O significado é de importância vital na abordagem qualitativa” (1994, p. 50): os
investigadores interessam-se pelas “perspectivas participantes”, ou seja, pelo modo
como diferentes pessoas atribuem sentido às próprias vidas. Isso possibilita
compreender a dinâmica interna das situações que, frequentemente, não é visível
para o observador desatento.
As estratégias mais representativas da investigação qualitativa são a
“observação participante” e a “entrevista em profundidade”. A primeira refere-se ao
fato do investigador estar presente no mundo das pessoas que pretende estudar,
tentando conhecê-las e estabelecendo uma relação de confiança. Assim, há a
elaboração de um registro escrito e sistemático de tudo o que é escutado e
observado. A segunda também pode ser designada por entrevista “não estruturada”,
“aberta”, “não diretiva” ou “de estrutura flexível”, sendo que é necessário que o
investigador passe um tempo significativo com as pessoas, elaborando questões
abertas e registrando as respectivas respostas. Esse caráter flexível permite aos
sujeitos responder as perguntas de acordo com sua perspectiva pessoal.
As estratégias utilizadas durante a investigação estão explicitadas ao longo
da metodologia.

6.1 ASPECTOS ÉTICOS

Para Bogdan e Biklen (1994, p. 75), “[...] a ética consiste nas normas relativas
aos procedimentos considerados correctos e incorrectos por determinado grupo”.
Assim, há dois aspectos éticos significativos no que se refere à investigação com
sujeitos humanos: o primeiro é o termo de consentimento informado, cuja assinatura
do indivíduo tenta assegurar sua adesão voluntária ao projeto de investigação,
estando ele ciente da natureza do estudo, dos perigos e obrigações nele envolvidos.
O segundo aspecto é a proteção dos sujeitos contra qualquer espécie de danos,
procurando garantir que os indivíduos não estarão expostos a riscos superiores aos
ganhos que possam ocorrer.
82

O termo de consentimento informado incorpora a justificativa, os objetivos e


os procedimentos que serão utilizados na pesquisa. O modelo desse termo, que foi
assinado pela professora que é sujeito desta investigação, está no apêndice A. No
momento da primeira reunião de pais com a professora da turma, no ano de 2005, a
investigação foi explicitada brevemente de forma oral. Os pais ou responsáveis pelos
alunos que autorizaram a participação das crianças na pesquisa fizeram isso
mediante a assinatura de uma listagem cujo modelo encontra-se no apêndice B.
Há, também, quatro princípios éticos enfatizados pelos autores que orientam
os investigadores qualitativos:
1. As identidades dos sujeitos devem ser protegidas, para que a
informação que o investigador recolhe não possa causar-lhes qualquer tipo
de transtorno ou prejuízo. O anonimato deve contemplar não só o material
escrito, mas também os relatos verbais da informação recolhida durante as
observações.
2. Os sujeitos devem ser tratados respeitosamente e de modo a obter a
sua cooperação na investigação.
3. Ao negociar a autorização para efetuar um estudo, o investigador deve
ser claro e explícito com todos os intervenientes relativamente aos termos
de acordo e deve respeitá-lo até a conclusão do estudo. (BOGDAN;
BIKLEN, 1994, p. 77)

O quarto princípio refere que o investigador deve buscar ser fiel aos dados.
Cabe ressaltar que, nesta tese, foi mantido o anonimato com relação aos
nomes da escola e da professora, não sendo possível mantê-lo em relação às
crianças porque o processo de alfabetização ocorreu a partir dos prenomes dos
alunos.

6.2 OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE

De acordo com Gold (apud BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 125), há dois


extremos que caracterizam os papéis que um observador pode desempenhar. Em
um deles, situa-se o observador completo que não participa de nenhuma das
atividades do local onde acontece o estudo. No extremo oposto, há o observador
que está profundamente envolvido com a instituição, apresentando uma sutil
diferenciação entre seus comportamentos e os dos sujeitos da pesquisa.
O observador participante desenvolve sua atividade justamente entre esses
dois extremos. Sua postura moderada, na tentativa de conseguir um equilíbrio entre
83

a participação e a observação, orientou a pesquisa desenvolvida, permitindo a


compreensão dos comportamentos dos sujeitos. A participação variou no decorrer
do estudo: nos primeiros dias de observação, a investigadora manteve-se um pouco
afastada, esperando que a observassem e aceitassem, participando com um pouco
mais de intensidade no decorrer do processo.
Durante a pesquisa de campo, a coleta de dados foi a principal meta da
observadora participante. As “notas de campo”, isto é, o relato escrito de tudo o que
o investigador ouve, vê, experencia e pensa no decorrer da coleta de dados, devem
ser detalhadas, precisas e extensivas. As notas de campo consistem em dois tipos
de materiais. Para Bogdan e Biklen (1994, p. 152): “O primeiro [aspecto] é descritivo,
em que a preocupação é a de captar uma imagem por palavras do local, pessoas,
ações e conversas observadas. O outro é reflexivo - a parte que apreende mais o
ponto de vista do observador, as suas idéias e preocupações”.
Na pesquisa realizada, as notas foram registradas, com discrição, em um
“diário de campo” e preservaram o anonimato das pessoas e das instituições. O
diário é composto por um conjunto de notas que contemplam cada atividade
observada. Bogdan e Biklen (1994, p. 163-167) sugerem que os aspectos descritivos
das notas de campo tratem das seguintes dimensões: retratos dos sujeitos,
reconstruções do diálogo, descrição do espaço físico, relatos de acontecimentos
particulares, descrição de atividades e o comportamento do observador. Os
aspectos reflexivos das notas de campo, por sua vez, registrados através de
comentários do observador e memorandos, devem abordar reflexões sobre a
análise, reflexões sobre o método, reflexões sobre conflitos e dilemas éticos,
reflexões sobre o ponto de vista do observador e pontos que necessitem de
clarificação.
Devido à impossibilidade de realizar observações diárias das turmas em
estudo, a prática pedagógica das professoras foi acompanhada mediante a análise
do caderno de algumas crianças no qual são registradas as atividades
desenvolvidas em aula ao longo do ano escolar.
84

6.3 ENTREVISTA EM PROFUNDIDADE

Segundo Bogdan e Biklen (1994, p. 134), na investigação qualitativa, as


entrevistas podem ser utilizadas de duas maneiras: ou constituem a estratégia
dominante para a coleta de dados ou são usadas conjuntamente à observação
participante, análise de documentos e outras técnicas. Na pesquisa desenvolvida, foi
feita uma escolha pela segunda opção. Em ambas as situações, porém, a entrevista
é utilizada para coletar dados descritivos na linguagem do próprio sujeito da
pesquisa, possibilitando ao investigador desenvolver uma idéia sobre o modo como
o indivíduo interpreta aspectos do mundo, após a realização de observação
participante.
As entrevistas qualitativas variam, de acordo com Bodgan e Biklen (1994, p.
135), quanto ao grau de estruturação. Quando o entrevistador controla o conteúdo
de uma maneira rígida, a entrevista é considerada estruturada. No outro extremo, o
entrevistador encoraja o sujeito a falar sobre uma área de interesse para, depois,
retomar os tópicos e temas de forma mais aprofundada, constituindo uma entrevista
não estruturada ou aberta. Naquelas designadas semiestruturadas, há a certeza da
obtenção de dados comparáveis entre os vários sujeitos, mas não é possível
compreender como os indivíduos estruturam o tópico em questão.
Distintos tópicos de entrevista foram abordados ao final do estudo. Nessa
perspectiva que exige flexibilidade, ouvir cuidadosamente e colocar o sujeito à
vontade para falar sobre seus pontos de vista é essencial.
As entrevistas realizadas com as professoras, com alguns integrantes da
coordenação pedagógica e da equipe diretiva aconteceram ao final dos anos letivos
de 2005 e 2006. Essas entrevistas tiveram momentos determinados e agendados
para ocorrer, foram gravadas por meio de digital mediante o consentimento dos
sujeitos e transcritas para a posterior análise. O roteiro para a entrevista das
professoras envolveu os seguintes tópicos48:
1) Características dos alunos
2) Currículo: objetivos e conteúdos
3) Processo de alfabetização

48
Estes tópicos foram retirados e adaptados da tese de Veit (1990).
85

4) Avaliação
5) Ordem social na sala de aula
6) Relações sociais na escola
7) Relações com a comunidade escolar
8) Biografia da professora
8.1) Opção pelo magistério
8.2) Professora como aluna
8.3) Formação profissional
9) Prática pedagógica
Além da realização da entrevista, foi previsto o envio de dois questionários
para serem respondidos: um pelas professoras das turmas e outro pelos pais dos
alunos. O modelo de ambos os questionários estão nos apêndices C e D,
respectivamente.

6.4 ANÁLISE DOCUMENTAL

De acordo com Bogdan e Biklen (1994, p. 176), os materiais que os sujeitos


escrevem também são utilizados como dados, tornando-se parte dos estudos em
que o foco principal é a observação participante ou a entrevista. Na investigação
realizada, foi necessário consultar alguns documentos oficiais da escola, como os
registros dos alunos, para obter dados sobre a ocupação e o nível de escolaridade
dos pais. Além disso, os dossiês das crianças também puderam ser utilizados na
medida em que relatavam, da perspectiva dos professores, o histórico do aluno.
Esses dados podem auxiliar na compreensão dos processos de aprendizagem dos
sujeitos em relação às práticas de leitura e escrita.

6.5 LOCAL DO TRABALHO DE CAMPO

A pesquisa de campo foi realizada em uma escola da Rede Municipal de


Ensino de Porto Alegre, fundada no início da década de 90 e localizada na zona
86

leste da capital. A comunidade atendida é oriunda da transferência e consequente


reassentamento de famílias estabelecidas em áreas de risco da capital, ocorrida na
mesma época. Conforme a classificação adotada pela Secretaria Municipal de
Educação (SMED), o tamanho da instituição é grande, pois atende
aproximadamente 1.500 alunos, e a situação socioeconômica predominante dos
mesmos é considerada muito pobre. Nos turnos da manhã e da tarde, a escola
recebe crianças e adolescentes da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. À
noite, há o programa de Educação para Jovens e Adultos. Com a implantação da
Proposta Político-Pedagógica da Escola Cidadã no município de Porto Alegre, essa
escola, anteriormente seriada, passou a ter o Ensino organizado por Ciclos de
Formação.
A pesquisa de campo foi realizada desde o início do ano letivo de 2005 com a
observação da primeira reunião entre os professores e a equipe diretiva da escola. O
primeiro dia de aula de cada turma também foi observado, assim como a reunião
dos pais com a respectiva professora das crianças. Dando continuidade a esta
pesquisa, foi feita uma alternância entre as práticas pedagógicas e as reuniões de
planejamento para contemplar as observações nessas situações. Para acompanhar
o processo de alfabetização dos alunos, a investigação ocorreu durante os dois anos
letivos de 2005 e de 2006, completando o primeiro ciclo do Ensino por Ciclos de
Formação.
A escola selecionada possibilitou a realização da investigação, naquela
ocasião, pelos seguintes aspectos:
a) O Ensino é organizado por Ciclos de Formação.
b) A instituição atende crianças que vivem em situação econômica de desvantagem,
condição para estudar a prática pedagógica nas classes e grupos desfavorecidos.
c) Em 2005, havia duas turmas de segundo ano do primeiro ciclo cujos alunos
estavam em processo de alfabetização e estudavam pela manhã, turno disponível
da investigadora para realizar as observações.
d) A equipe diretiva e os professores valorizavam as iniciativas de pesquisa e
colocaram-se à disposição para colaborar no desenvolvimento da mesma.
Há uma descrição de atividades no apêndice F que indica os contatos iniciais da
pesquisadora para a seleção da instituição.
87

7 DESCRIÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

Iniciamos este capítulo retomando o problema de pesquisa explicitado no


início desta tese: descrever e analisar a prática pedagógica de uma professora que
se aproximou do modelo de pedagogia mista tendo se revelado como aquela, dentre
as demais observadas, que produziu mais aprendizagens entre os alunos. Para
explicitar os múltiplos aspectos que intervieram para que a professora, através de
sua própria pedagogia, alcançasse tal resultado, organizamos a descrição e a
análise dos dados em diferentes seções.
Na primeira, descrevemos os eventos de alfabetização e de letramento
ocorridos nas aulas observadas. Na segunda, apresentamos uma seleção de
eventos transcritos e analisados de acordo com as áreas da linguagem e da
sociologia. Na terceira, examinamos a prática pedagógica da professora a partir das
dimensões do modelo de pedagogia mista que se revelaram mais profícuas. Na
quarta, apresentamos a perspectiva da professora através de dados coletados em
situação de entrevista e apontamos possibilidades pedagógicas para a formação de
alfabetizadores.

7.1 A DESCRIÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA

Diante do montante de dados coletados durante o ano de 2005, advindo das


frequentes observações realizadas no local de trabalho de campo em múltiplas
ocasiões já referidas no sexto capítulo, escolhemos os quinze dias de aula
observados referentes à prática pedagógica selecionada como corpus empírico e
analítico desta pesquisa. Para focalizar nosso olhar nos processos de alfabetização
e de letramento, utilizamos, como unidade de análise, o conceito de evento, já
apresentado na seção 5.3, mas que, agora, merece ser comentado.
A proximidade entre as conceituações de Heath, de Barton e Hamilton e de
Street e Lefstein (2007) sobre “evento de letramento” dá-se, sobretudo, pela
presença do texto escrito na interação entre os sujeitos. Esse foi, portanto, o critério
que refinou a seleção dos dados em cada um dos quinze dias letivos, acarretando
88

na descrição de oitenta eventos. Ainda, é preciso enfatizar que, considerando a


diferenciação que estabelecemos entre os conceitos de alfabetização e de
letramento, realizada na seção 5.1, utilizamos, também, a expressão “evento de
alfabetização”. A distinção entre ambas é explicitada ainda nesta seção.
Para considerar as especificidadades presentes nos oitenta eventos,
elaboramos o quadro a seguir, que, ao mesmo tempo em que apresenta a descrição
dos dados no seu conjunto e de modo sintético, encaminha a análise dos mesmos
tanto a partir dos estudos da linguagem quanto do campo da sociologia.
Explicitamos, agora, os aspectos nele contemplados.
Na primeira coluna do quadro, consta a identificação dos eventos,
cardinalmente numerados, e o dia letivo em que os mesmos ocorreram. Há tanto
dias espaçados, quanto subsequentes, resultantes de observações semanais
realizadas com o intuito de visualizar a continuidade de uma temática. Alguns
eventos - quinze, mais precisamente - são indicados com a letra “T” abaixo da
enumeração, significando que estão transcritos. Desses, onze foram,
posteriormente, fonte de minucioso exame. Os outros quatro foram referidos na
seção 7.4 e estão transcritos em apêndice.
Da segunda à sétima colunas, tratamos da seleção do conhecimento; assim,
especificamos os itens que fazem parte dessa dimensão da prática pedagógica. O
foco de análise aqui é o conhecimento intradisciplinar, isto é, as relações entre
conteúdos da mesma disciplina, qual seja, a linguagem. É possível visualizar a
seleção do conhecimento no nível micro de análise - tomando os eventos
observados em um dia de aula - se considerarmos as linhas do quadro em que são
descritos. Por outro lado, observando as colunas da tabela, percebe-se a
continuidade dos eventos, possibilitando uma análise, em nível macro, do processo
de alfabetização, objetivo do ano escolar.
A temática do evento refere-se aos assuntos acerca dos quais os mesmos
versam; portanto, um episódio pode contemplar mais de um tema. O processo
envolvido no evento (de alfabetização ou de letramento) relaciona-se diretamente à
unidade linguística presente. Assim, consideramos evento de alfabetização as
ocasiões nas quais as unidades menores da língua são objeto de estudo: fonema,
letra, sílaba e palavra. Eventos de letramento, por sua vez, são os episódios em que
as unidades maiores da língua estão envolvidas: frase e texto.
89

No que diz respeito aos elementos presentes no evento, conforme foi


explicitado no referencial teórico, consideramos, aqui, que todo evento de leitura e
de escrita é, também, um evento de oralidade (Street; Lefstein, 2007). Talvez não o
fosse se analisássemos o processo de leitura ou de produção de texto individual.
Todavia, como o corpus analítico deste estudo tem a sala de aula como palco
principal, a interação da professora com os alunos e entre os alunos dá-se,
sobretudo, mediada pela linguagem oral. Diante da quantidade de eventos de
oralidade observados durante os quinze dias letivos acompanhados, selecionamos
apenas aqueles que têm relação direta com eventos de leitura ou de escrita. Como
nosso objetivo analítico é, também, examinar a recorrência dos elementos no
conjunto dos oitenta eventos, não registramos, no quadro, a presença da oralidade,
já que estaria contemplada em todos os episódios. O fizemos apenas em sete
ocasiões explicitadas na seção 7.3.3.
As unidades linguísticas, apesar de terem um caráter ascendente que
sinaliza uma possível inclusão de uma em outra, excetuando-se a relação
fonema/som-grafema/letra, citamos apenas as unidades exploradas no evento, não
aquelas internas à estrutura da língua. Mesmo considerando a inclusão descendente
das unidades linguísticas, já que o texto se organiza em frases formadas por
palavras e estas são estruturadas por sílabas compostas por grafemas (letras) que
representam fonemas (sons), manter-se-ão somente as unidades efetivamente
exploradas no evento na ordem em que aparecem pela primeira vez, podendo estar
presentes em mais momentos, conforme a descrição da ação pedagógica. Nos
eventos de alfabetização em que a unidade letra faz-se presente, especificamos,
com a expressão “letra inicial” aqueles em que o foco foi apenas a primeira letra da
palavra, não todos os grafemas que a compõem. Também explicitamos, com a
expressão “texto oral”, os eventos de letramento em que o elemento presente é a
oralidade.
No que se refere aos textos presentes nos eventos, estão apontados tanto
aqueles selecionados previamente pela professora quanto os que são produzidos
pelos alunos, de forma individual ou coletiva, no decorrer do evento. O conceito de
texto necessita ser explicitado já que circula nos dois campos do conhecimento
presentes nesta tese. Na sociologia, ainda que Morais e Neves (2003) utilizem a
expressão “produção textual”, o significado é o mesmo considerado por Bernstein
(1996a), já referido na seção 3.2, texto é tudo que pode ser avaliado: gestos, falas,
90

ações. Geralmente, neste contexto, tal palavra vem acompanhada por um


determinante, compondo expressões como “texto legítimo”, “texto adequado”, “texto
esperado”. Na linguagem, Koch e Travaglia (1990 apud SILVEIRA; VIDAL, 2005, p.
137) referem-se a texto como uma unidade linguística concreta tomada pelos
usuários da língua em uma situação de interação comunicativa. Ainda, em uma
perspectiva cultural, O’Sullivan (2001 apud SILVEIRA; VIDAL, 2005, p. 137)
considera que “livros, discos, cartas e fotografias são textos”. Na referida coluna do
quadro, utilizamos, portanto, os enfoques da linguagem para descrever os textos
presentes nos eventos, já que a conceituação da sociologia é referida por ocasião
da análise dos episódios.
Esse alargamento do conceito também é visualizado na definição de suporte
material do texto, aspecto intimamente relacionado ao anterior. Ferreiro e
Teberosky (1999, p. 190), definem suporte material ou portador de texto como “[...]
qualquer objeto que leve um texto impresso. Sob esta denominação incluímos livros,
invólucros de medicamentos ou de alimentos, jornais, cartazes de propaganda, etc”.
Apontamos, portanto, nesta coluna, quais suportes relacionam-se a quais textos.
A última coluna da tabela refere-se à ação pedagógica desenvolvida pela
professora considerando todos os aspectos da seleção do conhecimento
anteriormente indicados. A análise deste processo é realizada nas seções 7.2 e 7.3,
a partir dos eventos transcritos e de acordo com as dimensões do modelo de
pedagogia mista, respectivamente.
Passamos, agora, à apresentação do quadro.
91
QUADRO 2 - DESCRIÇÃO E ANÁLISE DA SELEÇÃO DO CONHECIMENTO E DA
AÇÃO PEDAGÓGICA NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO E DE LETRAMENTO

Seleção do conhecimento
Unidade
Identifi-
Elemento linguística:
cação Processo
presente fonema
do envolvido Texto Suporte
Temática no evento: letra Ação pedagógica
evento no evento: presente material
do evento oralidade sílaba
e dia alfabetização no evento do texto
leitura palavra
letivo letramento
escrita frase
texto
1 letras no alfabetização leitura letra escritas roupas *identificação, pelas crianças, de letras nas
02/03 cotidiano diversas suas roupas
2 *painel da alfabetização escrita palavra nomes dos *fichas em *escrita do nome próprio em uma ficha, al-
02/03 turma alunos forma de guns alunos recebem auxílio da professora
*nomes pétalas *colagem das pétalas no painel para
próprios *painel compor as flores do jardim da turma
3 painel da letramento escrita frase título de painel painel *escrita coletiva do título no painel “O JAR-
02/03 turma alfabetização palavra DIM DA A22”
letra *algumas crianças, uma por vez, escrevem
uma letra do título e são orientadas pela
professora quanto ao traçado e espaça-
mento entre palavras
4 alfabeto alfabetização leitura letra letras do letras móveis *em círculo, as crianças passam uma para
02/03 alfabeto emborrachadas as outras um saquinho com as letras do
alfabeto enquanto cantam uma canção
*quando termina a canção, o aluno retira
uma letra do saquinho e diz o nome da le-
tra, caso não a reconheça, pode contar com
o auxílio dos colegas
5 nomes alfabetização leitura palavra nomes das crachás com os *reconhecimento do nome pelas crianças à
03/03 próprios letra inicial crianças em nomes dos medida que a professora apresenta os
T letra imprensa alunos crachás
92
maiúscula e *exploração dos nomes, através de pergun-
em cursiva tas, de acordo com seus aspectos lingüís-
ticos: identificação de letra inicial, reconhe-
cendo sua nomenclatura, comparação com
nomes que iniciam com a mesma letra, re-
conhecimento do espaço entre nomes pró-
prios compostos de duas palavras
6 nomes alfabetização escrita palavra nomes das crachás com os *contorno do nome, com caneta hidrocor,
03/03 próprios crianças em nomes dos escrito nos dois tipos de letra
letra imprensa alunos
maiúscula e
em cursiva
7 princípios letramento escrita frase regra sobre caderno da *conversa entre os alunos e a professora
03/03 de silêncio professora sobre a necessidade de estabelecer nor-
T convivência mas
da turma *comparação, feita pela professora, das
regras presentes na família com as neces-
sárias para a convivência na escola
*formulação coletiva do princípio sobre o
silêncio
*registro em letra cursiva, pela professora,
da regra no seu caderno e explicação sobre
o cartaz que será afixado na sala para que
todos possam lembrar o que foi combinado
*comentário de uma criança sobre o uso da
letra cursiva pela professora, que justifica a
preferência pela rapidez
8 aviso aos letramento leitura texto bilhete sobre *folha avulsa *leitura do bilhete, pela professora, sobre a
03/03 pais reunião de *caderno de reunião de pais
T pais avisos *exploração, através de perguntas, sobre o
conteúdo do bilhete, enfatizando a impor-
tância da presença de algum familiar na
escola
*colagem do bilhete no caderno de avisos
9 alfabeto alfabetização leitura letra *letras do *painel coletivo *distribuição do painel do alfabeto em ta-
17/03 vogais escrita palavra alfabeto em do alfabeto em manho reduzido para cada criança
T fonema imprensa e em cartaz *identificação das letras do alfabeto e rela-
cursiva *alfabeto ção com inicial de palavras-chave do uni-
maiúscula e individual verso semântico infantil, acompanhadas de
93
minúscula reduzido em desenho
*desenho e folha avulsa *diferenciação do alfabeto em letra impren-
palavra-chave (anexo A) sa e em letra cursiva
que inicia com *quadro de giz *pintura dos desenhos presentes no alfabe-
cada letra to individual
*exploração, através de perguntas, dos
sons e dos usos das vogais, a partir de
palavra-chave do alfabeto
*registro, pela professora, das vogais no
quadro
*leitura coletiva do alfabeto e, depois, das
vogais
10 *organizaçã alfabetização leitura palavra nomes dos cartaz com dois *sorteio, pela professora, de um menino e
17/03 o dos letra inicial alunos envelopes que de uma menina para serem os primeiros
alunos em contêm fichas alunos da fila: Jailton e Jéssica
fila com os nomes *exploração, por meio de perguntas, das
*nomes dos meninos e semelhanças entre os dois nomes: letra
próprios das meninas inicial (J) e quantidade de letras (7)
11 música letramento leitura texto letra da música folha avulsa *retomada da música já conhecida
10/05 “Tango “Tango (anexo B) *como alguns alunos não lembram toda a
Lamango” Lamango” canção, a professora questiona como
podem fazê-lo
*as crianças sugerem olhar na folha, idéia
complementada pela professora ao
enfatizar que as pessoas escrevem algo e
guardam para lembrar quando esquecem
12 *jogo sobre alfabetização escrita palavra nomes dos quadro de giz *registro, no quadro, dos nomes dos
10/05 a música leitura letra inicial alunos em componentes dos grupos formados para o
“Tango grupos jogo
Lamango” *exploração, através de perguntas, das
*nomes semelhanças entre os nomes de crianças
próprios que estão no mesmo grupo: letra inicial e
quantidade de letras
13 filme “Tainá letramento oralidade texto oral *imagem de folha avulsa *apresentação da imagem de Tainá
10/05 2: a Tainá caderno *reconto oral e coletivo do filme assistido no
aventura *reconto oral cinema
continua” do filme *distribuição da imagem da personagem,
para cada aluno, e colagem no caderno
94
14 filme “Tainá alfabetização leitura palavra caça-palavras folha avulsa *distribuição da folha do caça-palavras com
10/05 2: a letra referente ao (anexo C) vocabulário que contempla o universo
T aventura universo semântico do filme
continua” semântico do *explicação de como a atividade deve ser
filme realizada: onde circular as palavras,
possíveis direções da escrita, ênfase na
letra inicial e final como dicas para
encontrar palavras
*realização de intervenções específicas
para auxiliar cada criança
*interações entre colegas para encontrar as
palavras
15 filme “Tainá alfabetização escrita palavra *palavras do *quadro de giz *um aluno por vez escreve, no quadro,
10/05 2: a leitura letra universo *letras móveis: palavras selecionadas pela professora
T aventura fonema semântico do vogais e *realização de intervenções - com ênfase
continua” sílaba filme consoantes de no som das letras - na hipótese de escrita
*letras do cores diferentes de cada criança até chegar à forma
alfabeto: convencional da palavra
vogais e *montagem da palavra, por todos os
consoantes alunos, com as letras móveis
*análise da palavra, feita através de
perguntas, quanto ao número de letras, de
vogais e de sílabas
16 história “A letramento leitura texto poema “A livro “A mulher *motivação prévia à leitura: conversa sobre
21/06 mulher mulher gigante” de o futuro encontro com o autor Gustavo
T gigante” gigante” Gustavo Finkler Finkler
(anexo D) e Jackson *apresentação da capa do livro
Zambelli *leitura, pela professora, do poema “A
mulher gigante”
*indicação das outras histórias que
compõem o livro
*apresentação dos autores e da ilustradora
do livro
*explicação sobre a montagem do livro
coletivo para ser apresentado ao autor
17 música “A letramento oralidade texto oral letra da música CD “A mulher *audição da música pelos alunos que
21/06 mulher “A mulher gigante” de cantam a canção enquanto dançam ao som
gigante” gigante” Gustavo Finkler da melodia
e Jackson
95
Zambelli
18 *ajudante alfabetização leitura palavra nomes das cartaz com *sorteio, pela professora, do nome de uma
21/06 da turma crianças envelope que criança para ser o ajudante da turma
*nomes contém fichas durante a aula
próprios com os nomes *identificação, pelos alunos, do nome
dos alunos sorteado
19 história “A alfabetização escrita palavra *desenho da *folha avulsa *distribuição, pelo ajudante, da folha com o
21/06 mulher sílaba mulher gigante para compor o desenho da mulher gigante para cada
T gigante” letra *palavras do livro coletivo criança colorir
fonema universo *quadro de giz *orientação do uso do espaço da folha para
semântico da desenhar, colorir e escrever
história *um aluno por vez escreve, no quadro,
palavras selecionadas pelas crianças e pela
professora
*realização de intervenções - através do
estabelecimento de relações com as letras
iniciais das palavras do painel do alfabeto e
com ênfase no som das letras - na hipótese
de escrita de cada criança até chegar à
forma convencional da palavra
*registro das palavras, pelos alunos, na
folha
20 história “A alfabetização leitura palavra palavras do quadro de giz *leitura global, pelas crianças, das palavras
21/06 mulher sílaba universo escritas no quadro
gigante” semântico da *leitura das palavras escandidas por
história sílabas, proposta pela professora e
acompanhada pelos alunos
21 autoavaliaç letramento leitura texto itens para folha avulsa *explicação sobre o que é autoavaliação,
21/06 ão frase autoavaliação enfatizando a importância da reflexão e da
sinceridade nas respostas
*distribuição da folha de autoavaliação para
cada aluno
*leitura, pela professora, dos itens a serem
avaliados e exploração, através de
perguntas, de possibilidades de respostas
*explicação sobre a convenção utilizada
para responder cada questão através de
desenhos de expressões faciais
96
22 *álbum do alfabetização leitura letra inicial *ilustrações de *adesivos *entrega do álbum do alfabeto já iniciado
21/06 alfabeto palavra personagens *álbum do para cada criança
*personage de desenhos alfabeto49 *distribuição de ilustrações de personagens
ns de animados de desenhos animados
desenhos *letras do *identificação da letra inicial do nome do
animados alfabeto personagem
*palavras- *colagem do adesivo na página
chave do correspondente à letra inicial do nome
alfabeto *reconhecimento das figuras já afixadas na
página e leitura das correspondentes
palavras escritas
23 *álbum do alfabetização escrita palavra nomes de *quadro de giz *escrita coletiva dos nomes dos
21/06 alfabeto letra personagens *álbum do personagens no quadro
*personage de desenhos alfabeto *exploração, durante a escrita, da posição
ns de animados das letras na palavra: no início, no meio ou
desenhos no final
animados *registro individual dos nomes dos
personagens no álbum
24 alfabeto letramento oralidade texto oral *música quadro de giz *duas crianças começam a cantar a música
21/06 alfabetização escrita letra “Abecedário da que é acompanhada pela turma
Xuxa” *à medida que a canção é entoada, a
*letras do professora escreve as letras do alfabeto no
alfabeto quadro
25 alfabeto alfabetização escrita letra letras do corpo *desafio às crianças para formarem letras,
21/06 alfabeto utilizando apenas os dedos e, depois, o
corpo inteiro
*exploração, conduzida pela professora,
dos aspectos topológicos das letras
26 tema de alfabetização escrita letra inicial *desenhos de folha avulsa *explicação do tema de casa: recortar a
21/06 casa elementos do dividida em letra inicial e colar abaixo do desenho
universo duas partes: correspondente
semântico desenhos e *escrita, pelos alunos em aula, da letra
infantil letras iniciais inicial abaixo de cada desenho
*letras iniciais

49
Espécie de dicionário em forma de caderno cujas páginas são identificadas pelas letras do alfabeto com respectivas palavras-chave e desenhos. À medida
que são apresentadas novas palavras, as crianças inserem ilustrações e registram os nomes na página correspondente à letra inicial.
97
27 *organiza- alfabetização leitura palavra nomes dos cartaz com *sorteio, pela professora, de um menino e
21/06 ção dos alunos nomes dos de uma menina para serem os primeiros
alunos em meninos e das alunos da fila
fila meninas *identificação, pelas crianças, dos nomes
*nomes sorteados
próprios
28 aviso aos letramento leitura texto bilhete sobre *folha avulsa *leitura do bilhete, pela professora, sobre a
22/06 pais entrega de *caderno de reunião de pais
avaliação avisos *identificação, pelos alunos, da temática do
aviso
*exploração, através de perguntas, sobre o
conteúdo do bilhete, enfatizando a data e o
horário da entrega de avaliação
*colagem do bilhete no caderno de avisos
29 organização letramento escrita texto roteiro de *quadro de giz *escrita, pela professora, do roteiro de ativi-
22/06 das ativida- atividades da *caderno dades da aula no quadro
des da aula aula *registro do roteiro no caderno
30 organização letramento leitura texto roteiro de *quadro de giz *leitura global coletiva do roteiro de ativida-
22/06 das atividades da des registrado no quadro
atividades aula *explicação, pela professora, das atividades
da aula propostas50, enfatizando aquelas referentes
à montagem do livro coletivo sobre a
história “Príncipe Herculano, o chato” que
está na coletânea “A mulher gigante”
31 história letramento leitura texto poema livro “A mulher *leitura, pela professora votante, do poema
22/06 “Príncipe “Príncipe gigante” de “Príncipe Herculano, o chato”
Herculano, Herculano, o Gustavo Finkler *exploração da história, através de pergun-
o chato” chato” e Jackson tas, sobre o personagem e o enredo, já que
(anexo E) Zambelli o príncipe chato se transforma em um sapo
cheio de amigos
*comparação, feita por uma criança, com as
histórias clássicas em que os sapos se
transformam em príncipes
*leitura, pela professora, da última estrofe
do poema que corrobora a discussão feita

50
Os eventos de número 31 e 32 foram planejados pela educadora-referência, mas desenvolvidos conjuntamente com a professora volante da turma, em
razão disso, detalhamos apenas os momentos em que a professora titular atuou sozinha.
98
32 música letramento oralidade texto oral letra da música CD “A mulher *audição da música proposta pela
22/06 “Príncipe “Príncipe gigante” de professora volante
Herculano, Herculano, o Gustavo Finkler
o chato” chato” e Jackson
Zambelli
33 *ajudante alfabetização leitura palavra nomes das cartaz com *sorteio, pela professora, do nome de uma
22/06 da turma crianças envelope que criança para ser o ajudante da turma
*nomes contém fichas durante a aula
próprios com os nomes *identificação, pelos alunos, do nome
dos alunos sorteado
34 história alfabetização escrita palavra *desenho do *folha avulsa *distribuição, pelo ajudante, da folha com o
22/06 “Príncipe letra príncipe e do para compor o desenho do príncipe e do sapo para cada
Herculano, fonema sapo livro coletivo criança colorir
o chato” *palavras do *quadro de giz *um aluno por vez escreve, no quadro,
universo palavras selecionadas pela professora
semântico da *realização de intervenções - com ênfase
história no som das letras - na hipótese de escrita
de cada criança até chegar à forma
convencional da palavra
*registro das palavras, pelos alunos, na
folha
35 *aniversant alfabetização leitura palavra *nome do cartaz do mês *procura, pelos alunos, do nome do
24/06 e do dia aluno de junho com aniversariante do dia escrito no cartaz do
*nomes *dia do nomes das mês de junho
próprios aniversário no crianças e *incentivo da professora para cantar
mês de junho respectivo dia “Parabéns a você” e abraçar o
de aniversário aniversariante
36 história letramento leitura texto *poema “Isso livro “A mulher *visita do grupo “Contadores de histórias”51
24/06 “Isso eu eu não digo!” gigante” de à sala de aula e declamação do poema
não digo!” (anexo F) Gustavo Finkler “Isso eu não digo!”
*ilustração do e Jackson *conversa sobre a compreensão que os
poema Zambelli alunos tiveram a partir da apresentação
assistida
*leitura, pela professora, do poema

51
Este grupo é composto por alunos do terceiro ciclo de formação e organizado pela equipe de professores responsáveis pela biblioteca da escola. Na
semana que antecede o encontro com o autor Gustavo Finkler, os “Contadores de histórias”, devidamente caracterizados, se apresentam nas salas de aula
para divulgar os poemas que compõem o livro “A mulher gigante”.
99
*exploração da história, através de
perguntas, sobre a ilustração e acerca das
características dos animais que aparecem
no enredo
*conversa sobre os desenhos animados
preferidos da professora e das crianças
37 história “A letramento oralidade texto oral *ilustrações livro coletivo *apresentação do livro coletivo sobre a
24/06 mulher alfabetização leitura palavra comentadas composto pelas história “A mulher gigante” através da
gigante” sobre a produções identificação do autor de cada página
história individuais dos *leitura, pela professora, das imagens e das
*palavras do alunos palavras
universo *comentários das crianças e da professora
semântico da acerca da produção plástica e escrita de
história cada aluno
38 história letramento escrita texto *desenho do *folha avulsa *retomada da atividade já iniciada sobre a
24/06 “Príncipe alfabetização leitura frase príncipe e do para compor o história através da distribuição da folha
T Herculano, palavra sapo livro coletivo avulsa com ilustrações
o chato” sílaba *refrão da *livro “A mulher *os alunos e a professora cantam o refrão
letra música gigante” de da música
fonema “Príncipe Gustavo Finkler *proposta de produção escrita espontânea
Herculano, o e Jackson sobre a história
chato” Zambelli *leitura de parte da história, solicitada pelas
*poema *caderno da crianças
“Príncipe professora *proposta de escrita da frase “O PRÍNCIPE
Herculano, o ERA UM CHATO”
chato” *pergunta de dois alunos sobre o motivo do
(anexo E) príncipe ser tão chato
*produções *sugestão da pesquisadora para perguntar
textuais sobre ao autor
a história *registro, pela professora, da questão no
*pergunta ao seu caderno, concordando com a idéia
autor *enquanto as crianças escrevem textos e
frases, a professora realiza intervenções -
com ênfase nas sílabas e no som das letras
- na escrita de algumas palavras até chegar
à forma convencional

39 *organizaçã alfabetização leitura palavra nomes dos cartaz com *sorteio, pela professora, de um menino e
24/06 o dos letra inicial alunos nomes dos de uma menina para serem os primeiros
100
alunos em meninos e das alunos da fila: Yuri e Yasmine
fila meninas *identificação, pelas crianças, dos nomes
*nomes sorteados
próprios *comentário de um aluno sobre a
semelhança entre os dois nomes: mesma
letra inicial (Y)
40 história letramento leitura texto *ilustrações livro coletivo *apresentação do livro coletivo sobre a
28/06 “Príncipe alfabetização frase sobre a composto pelas história “Príncipe Herculano, o chato”
Herculano, palavra história produções através da identificação do autor de cada
o chato” *produções individuais dos página
textuais sobre alunos *leitura, pela professora, das produções
a história escritas
41 encontro letramento oralidade texto oral *histórias e *cartazes *apresentação de histórias pelos alunos do
28/06 com canções “A *livros coletivos terceiro ciclo e de canções pelo grupo que
Gustavo família Sujo”, *instrumentos constitui a oficina de música
Finkler “O Natal de musicais *contação das histórias e cantoria das
Natanael” e músicas “A família Sujo” e “O Natal de
outras do livro Natanael” pelo autor
“A mulher *cantoria de músicas do CD “A mulher
gigante” gigante” pelo autor, acompanhadas pelas
crianças
*conversa entre o autor e os alunos, em
que ele responde perguntas formuladas
pelas crianças
42 *filme letramento leitura texto *ilustrações revista sobre as *apresentação da revista e comentário da
16/08 “Madagasc frase dos animais características professora acerca da leitura que fez em
T ar” *informações dos animais casa sobre as características dos animais
*característi sobre as presentes no filme “Madagascar” assistido
cas dos caracterísitcas no cinema: leão, zebra, hipopótamo e girafa
animais dos animais do *conversa com os alunos sobre seus
filme conhecimentos prévios acerca das
características dos animais, através de
perguntas sobre peso, alimentação,
pelagem, locomoção
*leitura e explicação das informações que
confirmam ou não as hipóteses das
crianças
*comentários dos alunos sobre as
curiosidades lidas
101
43 *filme alfabetização escrita palavra *nomes dos *quadro de giz *escrita coletiva dos nomes dos animais do
16/08 “Madagasc leitura sílaba animais do filme no quadro, de acordo com perguntas
ar” letra filme feitas a determinadas crianças, sobre
*nomes dos *sílabas que número de sílabas da palavra e quais letras
animais compõem os compõem cada sílaba
nomes dos *à medida que os alunos respondem as
animais questões, a professora registra as sílabas,
compondo as palavras de forma
segmentada
*análise da palavra, através da identificação
do número de vogais e de consoantes
44 identificaçã letramento escrita frase dia, mês, ano, *quadro de giz *escrita, pela professora no quadro, das
16/08 o do dia da leitura texto dia da *caderno frases que identificam o dia da aula
aula semana, *leitura coletiva do texto
descrição do *registro do texto no caderno
clima, *realização de intervenções individuais para
saudação auxiliar algumas crianças na cópia das
frases, apontando o texto no quadro
45 *filme alfabetização leitura sílaba *sílabas que *folha avulsa *distribuição da folha com as sílabas à
16/08 “Madagasc escrita palavra compõem os com sílabas medida que os alunos finalizam o registro
ar” nomes dos (anexo G) do dia da aula
*nomes dos animais *caderno *orientação sobre o recorte e a colagem
animais *nomes dos das sílabas no caderno, tendo, como apoio,
animais do o registro coletivo já realizado das palavras
filme no quadro
*identificação, pelas crianças, das sílabas
que formam o nome dos animais para
montar a palavra
*realização de intervenções, na produção
de cada aluno, para que encontre as
sílabas e ordene-as para compor as
palavras de forma convencional
46 *filme letramento escrita texto *cena *quebra-cabeça *entrega do quebra-cabeça de uma cena do
16/08 “Madagasc fragmentada em folha avulsa filme
ar” com (anexo H) *orientação para colorir e recortar as partes
*quebra- personagens *folha branca que compõem a cena
cabeça do filme *montagem do quebra-cabeça para
*produções colagem em folha branca após conferência
textuais sobre da professora
102
o filme *proposta de produção escrita espontânea
sobre a parte preferida do filme
*divulgação, pela professora, do
personagem do filme sorteado entre as
turmas para ser o mascote do grupo:
pingüim
47 *aniversant alfabetização leitura palavra *nome do cartaz do mês *um aluno sinaliza, para a pesquisadora, o
16/08 e do dia aluno de agosto com dia de seu aniversário no cartaz
*nomes *dia do nomes das *aviso à professora dado pela pesquisadora
próprios aniversário no crianças e *busca, pelas crianças, do nome do
mês de agosto respectivo dia aniversariante do dia escrito no cartaz do
de aniversário mês de agosto
*alunos cantam “Parabéns a você” e
abraçam o aniversariante
48 tema de alfabetização escrita letra *desenhos de folha avulsa *explicação do tema de casa: escrever a
16/08 casa palavra elementos do com desenhos letra inicial, o nome dos desenhos e
universo e alfabeto completar o alfabeto lacunado com as
semântico lacunado letras que estão faltando
infantil *uma criança por vez escreve, no quadro, a
*letras do letra inicial do nome de um desenho
alfabeto apontado pela professora
49 *alfabeto alfabetização leitura letra inicial *desenhos *quebra-cabeça *distribuição das folhas do quebra-cabeça,
18/08 *quebra- palavra fragmentados em duas folhas: cujos desenhos já foram coloridos
cabeça de elementos letras do *explicação detalhada de como a atividade
do universo alfabeto e deve ser realizada: recortar a primeira parte
semântico palavras sem do quebra-cabeça, colando as letras em
infantil letras iniciais ordem alfabética no caderno, depois,
*letras do (anexo I) recortar e colar a segunda parte para unir
alfabeto *caderno letra inicial e palavra, formando o desenho
*palavras sem *realização de intervenções individuais para
letras iniciais auxiliar algumas crianças tanto no uso do
espaço do caderno para colar as peças
quanto na relação entre letra inicial e
palavra
50 brincadeira alfabetização leitura palavra *letras iniciais *quebra-cabeça *descoberta, de um aluno, sobre a
18/08 com escrita letra inicial *palavras com em duas folhas: possibilidade de formar diferentes palavras
T palavras e sem letras letras do com e sem a letra inicial
iniciais alfabeto e *incentivo, pela professora, para que as
palavras sem crianças pensem em outras possibilidades
103
letras iniciais a partir das palavras do quebra-cabeça
(anexo I) *registro das descobertas no quadro,
*quadro de giz explorando diferentes palavras a partir da
inclusão, exclusão e troca de letras iniciais
51 *organizaçã alfabetização leitura palavra nomes dos cartaz com *sorteio, pela professora, de um menino e
18/08 o dos alunos nomes dos de uma menina para serem os primeiros
alunos em meninos e das alunos da fila
fila meninas *identificação, pelas crianças, dos nomes
*nomes sorteados
próprios
52 jogo da alfabetização escrita letra *letras do quadro de giz *realização coletiva do jogo da forca com
18/08 forca leitura palavra alfabeto algumas palavras do quebra-cabeça
sílaba *palavras do *à medida que as crianças dizem as letras,
universo a professora registra-as no quadro,
semântico escrevendo as que fazem parte da palavra
infantil no espaço adequado e anotando as outras
separadamente
*quando a palavra é descoberta, um aluno
por vez diz uma das letras que faltam para
completar e onde deve ser escrita
*análise da palavra, feita através de
perguntas, quanto ao número de sílabas e
de letras
53 feira do livro letramento oralidade texto oral textos livros coletivos *apresentação, pela professora, dos livros
19/08 na escola coletivos construídos coletivamente ao longo do ano:
comentados um exemplar grande para a turma e outros
pequenos para cada aluno
*explicação sobre a apresentação e a
possível venda dos exemplares na feira do
livro da escola
54 livro letramento leitura texto *versos livro coletivo *leitura, pela professora, do livro coletivo
19/08 “Vamos frase rimados com o com rimas a partir do nome dos alunos
rimar os nome das
nomes?” crianças
*ilustrações
55 livro sobre letramento leitura texto *fotografias livro coletivo *leitura, pela professora, do livro coletivo
19/08 as frase dos alunos acerca das preferências dos alunos: cor,
preferência *itens com as amigo, brinquedo, comida, animal, lugar
s das preferências
104
crianças das crianças
56 livro “Assim letramento leitura texto *versos livro coletivo *leitura, pela professora, dos versos de Eva
19/08 assado” de frase rimados da Furnari que compõem o livro
Eva Furnari autora *alunos acompanham a leitura, continuando
*ilustrações os versos já memorizados
das crianças *comentários acerca das ilustrações
realizadas pelas crianças
57 livro letramento leitura texto *versos livro coletivo *leitura, pela professora, dos versos
19/08 “Poesias da frase rimados escritos pelos alunos a partir do livro “Assim
A 22” *ilustrações assado” de Eva Furnari
das crianças
58 *filme letramento leitura texto *ilustrações revista sobre as *retomada das características dos animais
19/08 “Madagasc frase dos animais características presentes no filme “Madagascar”: pingüim,
ar” *informações dos animais chimpanzé e lêmure, através da leitura,
*característi sobre as pela professora, das informações na revista
cas dos caracterísitcas *explicação da construção do livro
animais dos animais do individual sobre as características dos
filme animais
*indicação sobre pesquisa a ser realizada
na biblioteca sobre o animal mascote da
turma: pinguim
59 *ajudante alfabetização leitura palavra nomes das cartaz com *sorteio, pela professora, do nome de uma
19/08 da turma crianças envelope que criança para ser o ajudante da turma
*nomes contém fichas durante a aula
próprios com os nomes *identificação, pelos alunos, do nome
dos alunos sorteado
60 *filme letramento leitura texto frases fichas avulsas *distribuição, pelo ajudante, das fichas dos
19/08 “Madagasc alfabetização escrita frase lacunadas e que compõem animais que formam o livro individual
ar” palavra perguntas as páginas do *leitura, pelas crianças, do nome dos
*característi sílaba sobre as livro animais
cas dos letra características *orientação para o preenchimento das
animais fonema dos animais lacunas
*leitura coletiva do item a ser completado
*levantamento de possíveis respostas e
discussão das mesmas
*escrita coletiva das respostas no quadro -
com ênfase no espaçamento entre
palavras, nas sílabas e no som das letras -
até chegar à forma convencional
105
*registro individual das informações nas
lacunas, orientado pela professora
61 jogo da alfabetização escrita letra *letras do quadro de giz *um aluno por vez seleciona uma palavra e
19/08 forca leitura palavra alfabeto coordena a realização do jogo da forca
sílaba *palavras *à medida que os colegas dizem as letras,
selecionadas a criança registra-as no quadro
pelas crianças *se necessário, a professora orienta alguns
alunos para escreverem as letras que
fazem parte da palavra no espaço
adequado e anotarem as outras
separadamente
*quando a palavra é descoberta, uma
criança por vez diz uma das letras que
faltam para completar e onde deve ser
escrita
*análise da palavra, feita através de
perguntas pela professora, quanto ao
número de sílabas e de letras
62 tema de alfabetização escrita palavra palavras para caderno *explicação do tema de casa: selecionar,
19/08 casa jogo da forca com o auxílio de algum familiar, palavras
que não estejam no painel do alfabeto para
novas rodadas do jogo da forca,
escrevendo-as no caderno
63 *organizaçã alfabetização leitura palavra nomes dos cartaz com *sorteio, pela professora, de um menino e
19/08 o dos alunos nomes dos de uma menina para serem os primeiros
alunos em meninos e das alunos da fila
fila meninas *identificação, pelas crianças, dos nomes
*nomes sorteados
próprios
64 princípios letramento leitura texto regras da cartaz *retomada das regras da turma através da
23/08 de frase turma leitura coletiva do cartaz
convivência *conversa sobre as atitudes dos alunos em
da turma relação a cada regra lida
*realização de novos acordos entre o grupo
65 livro “Você letramento leitura texto *ilustrações livro “Você *retomada do livro “Assim assado” para
23/08 troca?” de alfabetização frase *versos troca?” de Eva apresentar a obra “Você troca?” da mesma
T Eva Furnari palavra rimados Furnari autora
sílaba (anexo J) *leitura, pela professora, do texto
*exploração de cada frase, através de
106
perguntas, acerca das ilustrações, da troca
proposta, do vocabulário e da rima
66 *livro “Você letramento leitura texto dedicatória livro “Você *visualização, pelos alunos, da dedicatória
23/08 troca?” de troca?” de Eva escrita no livro e pergunta sobre o que é
Eva Furnari Furnari *leitura, pela professora, da dedicatória com
*dedicatória os nomes das crianças que a presentearam
com o livro
67 livro “Você alfabetização leitura palavra *ilustrações cartazes com *apresentação dos cartazes
23/08 troca?” de letra *palavras do ilustrações e *exploração coletiva e, depois, individual
T Eva Furnari sílaba universo palavras das palavras através de perguntas sobre
semântico do letra inicial, letra final, número de sílabas,
livro em letra número de vogais
imprensa
maiúscula e
em cursiva
68 *ajudante alfabetização leitura palavra nomes das cartaz com *sorteio, pela professora, do nome de uma
23/08 da turma crianças envelope que criança para ser o ajudante da turma
*nomes contém fichas durante a aula
próprios com os nomes *identificação, pelos alunos, do nome
dos alunos sorteado
69 livro “Você alfabetização escrita palavra *ilustrações *folha avulsa *distribuição, pelo ajudante, da folha com
23/08 troca?” de sílaba *palavras do com desenhos ilustrações do livro
T Eva Furnari letra universo e espaço para *um aluno por vez escreve, no quadro, o
semântico do registro da nome de um desenho
livro palavra, do *realização de intervenções - com ênfase
número de nas sílabas e no som das letras - na
letras e de hipótese de escrita de cada criança até
sílabas chegar à forma convencional da palavra
(anexo K) *registro, pelo aluno, no quadro, do número
*quadro de giz de letras e de sílabas da palavra
*orientação para o registro individual da
palavra, do número de letras e de sílabas
nos espaços adequados da folha
70 *livro “Você alfabetização leitura palavra palavras do quadro de giz *leitura global coletiva das palavras escritas
23/08 troca?” de letra universo no quadro
T Eva Furnari sílaba semântico do *análise, proposta pela professora, de
*brincadeira livro diferentes palavras formadas pela troca de
com letras
palavras *identificação, pelos alunos, das letras
107
trocadas
*incentivo, pela professora, para que as
crianças encontrem palavras que estão
dentro de outras, através da identificação
das sílabas
*registro das descobertas no quadro
71 *organizaçã alfabetização leitura palavra nomes dos cartaz com *sorteio, pela professora, de um menino e
23/08 o dos alunos nomes dos de uma menina para serem os primeiros
alunos em meninos e das alunos da fila
fila meninas *identificação, pelas crianças, dos nomes
*nomes sorteados
próprios
72 livro “Assim alfabetização leitura palavra *ilustrações cartazes com *retomada do livro “Assim assado” através
24/08 assado” de letra *palavras do ilustrações e dos cartazes, já apresentados e coloridos,
Eva Furnari sílaba universo palavras afixados em varal
semântico do *exploração coletiva das palavras através
livro em letra de perguntas sobre letra inicial, letra final,
imprensa número de sílabas, número de vogais
maiúscula e
em cursiva
73 livro “Você alfabetização leitura palavra *ilustrações cartazes com *entrega de um cartaz para cada aluno
24/08 troca?” de sílaba *palavras do ilustrações e colorir
Eva Furnari universo palavras *enquanto as crianças pintam, a professora
semântico do acompanha a leitura individual da palavra
livro em letra do cartaz recebido por cada aluno,
imprensa solicitando o apontamento das partes lidas
maiúscula e *organização dos cartazes em varal
em cursiva exposto na sala para consulta das crianças
74 *livro “Você alfabetização leitura palavra *desenhos cartas que *organização dos alunos em pequenos
24/08 troca?” de *palavras do compõem dois grupos
Eva Furnari universo baralhos: um de *distribuição de dois conjuntos de cartas
*jogo dos semântico do desenhos e para cada grupo: um baralho de desenhos
pares livro outro de e outro de palavras
palavras *explicação sobre como o jogo deve ser
realizado: as cartas são dispostas em cima
da mesa, cada jogador, na sua vez,
seleciona um desenho e procura a palavra
correspondente, formando o par
*sugestão, pela professora, de outros jogos
108
que podem ser realizados com os baralhos:
memória, dominó
75 *filme letramento leitura texto frases fichas avulsas *explicação sobre a continuação do livro
25/08 “Madagasc alfabetização escrita frase lacunadas e que compõem individual a respeito das características dos
ar” palavra perguntas as páginas do animais
*característi sílaba sobre as livro *retomada das características, já
cas dos letra características apresentadas, dos animais presentes no
animais fonema dos animais filme “Madagascar”: leão, zebra,
hipopótamo, girafa
*distribuição das fichas dos animais que
formam o livro individual
*leitura, pelos alunos, do nome dos animais
*orientação para o preenchimento das
lacunas
*leitura coletiva do item a ser completado
*levantamento de possíveis respostas e
discussão das mesmas
*escrita coletiva das respostas no quadro -
com ênfase no espaçamento entre
palavras, nas sílabas e no som das letras -
até chegar à forma convencional
*registro individual das informações nas
lacunas, orientado pela professora
76 *ajudante alfabetização leitura palavra nomes das cartaz com *sorteio, pela professora, do nome de uma
22/11 da turma crianças envelope que criança para ser o ajudante da turma
*nomes contém fichas durante a aula
próprios com os nomes *identificação, pelos alunos, do nome
dos alunos sorteado
77 conto letramento leitura frase conto “Branca folhas com *distribuição, pelo ajudante, das folhas que
22/11 “Branca de texto de Neve e os frases em compõem o livro
Neve e o sete anões” parágrafos e *orientação da professora para o recorte
sete anões” em letra espaço para das folhas ao meio e a montagem do livro
imprensa ilustração, em conforme a numeração das páginas
minúscula cada página há *identificação da capa e leitura coletiva do
quatro fatos da título do conto
narrativa em *comentário das crianças sobre a peça
sequência teatral “Branca de Neve e os sete anões”
(anexo L) que apresentaram e a respeito do teatro
“Cinderela” que outra turma está ensaiando
109
78 *conto alfabetização leitura palavra dados de capa do livro *pintura da capa do livro
22/11 “Branca de escrita identificação: (anexo L) *leitura, pela professora, dos itens dos
Neve e o nome próprio, dados de identificação presentes na capa
sete anões” turma, escola, do livro
*identificaçã data *registro, pelos alunos, do nome próprio
o do livro *escrita coletiva no quadro e, depois,
individual dos dados de identificação
referentes à turma, escola e data
79 conto letramento leitura texto *cenas *folhas avulsas *orientação da professora para numerar,
22/11 “Branca de frase ilustradas da *livro montado em cada página do livro, as partes da
Neve e o história pelas crianças história segundo a sequência dos fatos
sete anões” *conto “Branca ocorridos no conto, que já estão ordenados
de Neve e os *distribuição, pelo ajudante, das folhas com
sete anões” as cenas ilustradas
em letra *leitura de uma parte do livro por cada
imprensa aluno, se necessário, o pequeno grupo
minúscula pode auxiliar e ler o parágrafo
coletivamente
*exploração da leitura, através de
perguntas, sobre a compreensão que as
crianças tiveram
*identificação da cena ilustrada que
representa a parte lida, numerando-a
conforme o parágrafo
*pintura das cenas
*recorte das cenas e colagem nos espaços
adequados segundo a numeração dos
parágrafos
80 *organiza- alfabetização leitura palavra nomes dos cartaz com *sorteio, pela professora, de um menino e
22/11 ção dos alunos nomes dos de uma menina para serem os primeiros
alunos em meninos e das alunos da fila
fila meninas *identificação, pelas crianças, dos nomes
*nomes sorteados
próprios

Quadro 2 - Descrição e análise da seleção do conhecimento e da ação pedagógica no processo de alfabetização e de letramento
110

7.2 OS EVENTOS DE ALFABETIZAÇÃO E DE LETRAMENTO

Inicialmente, cabe-nos esclarecer por que, em meio a oitenta eventos, os


onze seguintes foram selecionados para transcrição e minuciosa análise. Em
primeiro lugar, fizemos uma seleção que contemplasse as diferentes especificidades
envolvidas nos processos de alfabetização e de letramento: tanto situações de
leitura quanto de escrita em que distintas unidades linguísticas estivessem
presentes. Também procuramos dar visibilidade à multiplicidade de ações
pedagógicas que decorrem dessas diferentes facetas do objeto de ensino: a língua
escrita. A qualidade da gravação das aulas, realizada por meio digital, também foi
um fator determinante, já que, por vezes, impossibilitou a escuta das interações
entre os sujeitos na relação pedagógica.
Como já explicitamos, a unidade de descrição dos dados é o evento de
alfabetização e de letramento. Ao considerarmos, a partir dos Novos Estudos do
Letramento, que os eventos são episódios observáveis que emergem de práticas,
valemo-nos da necessidade apontada por Street e Lefstein (2007) de descrever os
componentes-chave que constituem um evento para justificar nosso olhar atento,
sobretudo, a esta interação que ocorre entre os participantes mediada por material
escrito.
Como nosso objetivo não é fazer uma análise discursiva, buscamos no
referencial da análise da conversação, o conceito de “turno de fala”, definido por
Marcuschi (2008, p. 89) como sendo “[...] a produção de um falante enquanto ele
está com a palavra, incluindo a possibilidade do silêncio, que é significativo e
notado. A expressão ter o turno equivaleria, então, a estar na vez, ter a palavra e
estar de fato usando-a”.
Os eventos que transcrevemos estão organizados, portanto, por sequências
de fala numeradas, cada uma caracterizando um turno. Ao considerarmos a
extensão de alguns eventos, fizemos sua divisão em partes, mas mantivemos a
numeração sequencial dos turnos. Ainda que se mantenha o mesmo falante,
salientamos que a mudança de turno é apontada. Esclarecemos que, quando
possível, identificamos o falante do turno através do registro de seu nome.
A seguir, apresentamos as convenções utilizadas para transcrição dos
eventos tendo como subsídio as apontadas por Silveira (1995).
111

Convenção Significado
P fala da professora
C fala de uma criança
Cs falas de crianças
OP fala da observadora participante
? interrogação direta
! entoação exclamativa
, entoação associada a vírgula
. entoação associada a ponto
... suspensão de enunciação, pausa
[...] texto omitido
MAIÚSCULAS unidades linguísticas enfatizadas
sí-la-ba palavras pronunciadas silabadamente
sublinhado o que é lido
/a/ fonema, som da letra

Quadro 3 - Convenções de transcrição

Agora, apresentamos os eventos transcritos, nomeados de acordo com a


temática que abordam, seguido do número de identificação. Sugerimos, antes da
leitura integral do episódio, a retomada da descrição sintética do mesmo no quadro
1, tanto para a identificação dos aspectos implicados na seleção do conhecimento
quanto para o acesso aos anexos por ventura existentes. Explicitamos que a análise
de cada evento contemplou tanto a área da linguagem quanto o campo da
sociologia.

7.2.1 Os Nomes Próprios (evento 5)

A situação de ensino-aprendizagem ou de transmissão-aquisição, segundo


Bernstein, descrita a seguir refere-se ao processo de alfabetização por focalizar a
leitura através do reconhecimento da palavra e da identificação da letra inicial. O
nome próprio das crianças é um texto bastante usual nas práticas pedagógicas
112

alfabetizadoras por ser uma palavra significativa que se constitui como uma forma
estável de escrita. Torna-se, assim, referência no processo de alfabetização para a
escrita de outras palavras que tenham semelhanças linguísticas, como mesma letra
inicial, mesma sílaba final.

A utilização de dois tipos de letra - imprensa maiúscula e cursiva maiúscula e


minúscula - também é um incentivo à leitura, já que possibilita o estabelecimento de
relações entre duas formas de representação de uma mesma unidade (GROSSI,
1990). O crachá, como suporte do texto, apresenta um uso contextualizado, pois
permite a identificação dos alunos, especialmente se levarmos em conta que este
evento ocorre no segundo dia de aula da turma, auxiliando, então, no conhecimento
tanto dos alunos por parte da professora quanto das crianças entre si como colegas.
Fizemos a opção por transcrever o evento na sua integralidade por ser o primeiro a
ser analisado e por apresentar as crianças que compõem o grupo. As mesas estão
dispostas em forma de U e o evento ocorre no início da manhã.

(A professora mostra meia folha branca com o nome de um aluno na parte


superior em letra imprensa maiúscula, em cursiva e um adesivo colado.)
1P Esse é o crachá de vocês: tem letra maiúscula e emendada. Vai ficar assim
(dobra a folha ao meio)... depois vocês vão contornar. Tem um adesivo
colado e cada um vai desenhar seu rosto atrás.
(A professora mostra um crachá de cada vez e faz questionamentos.)
2P De quem é esse?
(Fernanda levanta o braço.)
3P Fernanda! E esse?
(Jéssica levanta o braço.)
4P É com a letra do teu nome, né? Mas não é o teu nome... de quem será? ... É
da Jérsica, mas a Jérsica não veio, né? Então vamos deixar aqui... (na mesa
da professora.)
5P E esse?
6 Jéssica É meu!
7P Ah, muito bem! Por que a Jéssica confundiu aqui? ... Porque é a mesma letra,
né? O J de Jéssica, o J de Jérsica e o J de Juliana. Tem 3 pessoas da nossa
sala com a letra J.
8P E esse? Que letra começa?
9 Yasmine Eu sei, Y.
10 P Y, muito bem! De Yuri. Ele não veio, né?
11 C Ele tá ali, sora.
12 P Veio? Achei que o Yuri não veio, ele não falou nada! É tu Yuri? Ah... então
esse aqui é o teu crachá, olha ali ó Y, diz para mim Y.
13 Yuri Y.
14 P Isso mesmo! E esse?
15 C É o P.
16 P É o P de Pablo, olha lá, olha, já levantou o dedo...
[...]
17 P Esse aqui?
113

18 Luís André Começa com L.


19 P Começa com L... é teu! E o que é que tem aqui de diferente dos outros? ... O
que é que tem que faz diferente dos outros? ... Quantos nomes têm aqui?
20 C Quatro.
21 P Quatro... é que são duas letras diferentes, né? Mas aqui tá escrito Luís e aqui
André... ele tem dois nomes Luís André.
22 Luís André E tem mais uma parte, sora.
23 P É... tem mais o sobrenome. É o sobrenome que a gente chama, né? ... Por
isso que aqui ó eu deixei um espaço, porque são dois: Luís... André. Tem
outras pessoas da sala que também têm dois nomes. Depois a gente vai ver,
outro dia...
24 P Aqui? ... Me esqueci que tinha mais esse com J.
25 C Jailton.
26 P Jailton! Levanta o dedo aqui quem é que o nome começa com J. ... Levanta o
dedo pra gente ver... cadê a Juliana?
(Juliana levanta o braço.)
27 P Juliana, a Jéssica, o Jailton e mais a Jérsica que não veio hoje.
(As crianças levantam o braço.)
28 P E este aqui de quem é? ... Começa com?
29 C D.
30 P D! É do Douglas. Só que o Douglas não veio hoje também...
31 P E esse? De quem é? ... Que letra começa?
32 Cs B, Bruno.
33 P É B de Bruno, muito bem!
34 P E esse? ... É Yasmine... que letra começa?
35 Cs I.
36 Cs Y.
37 P Y, tão sabendo o Y, né?
38 Bruno O que que é Y?
39 P É nome dela, o nome da letra.
40 C Do Yuri também...
41 P Do Yuri, da Yasmine... aí as pessoas chamam de Y ou tem algumas pessoas
que também dizem ipsilone, é o nome... que nem o A tem nome de a, O B
não tem nome de be? Tem! O X tem nome de xis! Cada letra tem um nome...
42 P E aqui? De quem será esse crachá? ... Que letra começa?
43 C M.
44 P M! Quem é que falou M?
45 Márcia Eu!
46 P Tu falou porque tu sabe que é teu, né?
47 P Essa letra da Márcia é a mesma letra do meu nome...
48 C Ô, sora, e é a mesma letra da mãe...
49 P E é a mesma letra da mamãe: exatamente! M de Márcia!
[...]
50 P E aqui?
51 C Começa com J.
52 P Começa com J... de quem será?
53 C Juliana.
54 P Juliana, muito bem! E esse?
55 C D.
56 P Isso! D de Daiane. E aqui, de quem é esse?
57 Max É o meu, profe.
58 P Isso, M de Max.
59 P Então tá, agora quem tem canetinha vai pegar e vai passar por cima e quem
não tem será que o colega pode emprestar só pra fazer só o nome?
60 Cs Sim.
114

As perguntas feitas pela professora exploram aspectos linguísticos dos


nomes, sobretudo a letra inicial. Nos turnos 7, 24, 25, 26 e 27 são identificadas
quatro crianças cujos nomes iniciam pela mesma consoante, qual seja, J. Os alunos
também mostram-se atentos às análises realizadas, pois uma criança prossegue a
relação feita pela professora, em 47, entre a inicial do nome de uma aluna com a do
nome dela (Marina), prolongando, em 48, a identidade da letra para a inicial da
palavra “mãe”, vocábulo significativo ao contexto.
O evento ainda possibilita visualizar a explicitação, pela professora, de dois
conhecimentos sobre a língua: as letras têm nome (turnos 39 e 41) e as palavras
são separadas umas das outras por espaços em branco (21 e 23). Por mais que tais
saberes pareçam óbvios aos olhos de um adulto alfabetizado, não o são para todas
as crianças alfabetizandas, sendo conveniente a exposição clara de tais
informações.
Percebemos, também, uma valorização da participação das crianças no
evento, e o que é de salientar, mesmo que o texto produzido por elas não seja o
esperado, conforme ocorre em 4 e 20. Nessas ocasiões, a professora justifica o
motivo da resposta inadequada, elevando a posição da criança e reformulando o
texto, como se evidencia em 7 e 21, respectivamente, e explicitando os critérios de
avaliação. Tanto mais isso ocorre quando as contribuições apresentadas pelos
alunos são oportunas, como em 22 e 48, e referendadas pela professora nos turnos
23 e 49.
Outro fato que chama a atenção diz respeito à postura das crianças durante a
longa exploração proposta pela professora, que permaneceram motivadas,
escutando com atenção as interações ocorridas na turma e manifestando-se quando
acharam oportuno fazê-lo. Passamos, agora, à parte final do evento.

(Um menino entra na sala.)


61 P Olá, bom dia! Tudo bom? Senta aqui ó. (Aponta para uma mesa.)
62 P Tudo bom, Douglas? Senta aqui nessa mesa... pode soltar a tua pasta, põe
aqui embaixo ó... que tu vai precisar dela, aqui ó! Passa ali... senta na tua
cadeirinha. Tu veio sozinho, Douglas?
(Douglas mexe a cabeça afirmativamente.)
63 P Sozinho de casa?
(Douglas muda a resposta e movimenta a cabeça negativamente.)
64 P A mãe te trouxe?
65 Douglas Sim.
(A professora coloca o crachá de Jérsica, o de Douglas e o seu na mesa.)
66 P Douglas, tu sabe me dizer qual é o teu daqui?
115

(Douglas levanta do lugar, vai até a mesa da professora e pega o seu


crachá.)
67 P Ah, espertinho... olha aqui ó! Tem canetinha aí na tua pasta? Tu vai passar
por cima. Uh... que pasta bonita essa! Ah, tu tem lápis de cor! Pera aí... vou
pegar uma canetinha pra te emprestar, tá?
(A professora vai até a mesa de Bruno.)
68 P Bruno, tu empresta tua caneta aqui pro Douglas?
69 Bruno Sim...
70 P Ele já te devolve...
71 Bruno Só não perde a tampinha!
72 P Isso... só não perde a tampa! Coloca a pasta de novo debaixo da mesa e
agora tu vai passar por cima, tá?

No que se refere ao discurso regulador, um momento do evento que merece


destaque diz respeito à acolhida do menino que chegou após o início da aula,
transgredindo uma norma da escola. A atitude da professora, estabelecendo uma
relação próxima ao aluno mediante o fraco enquadramento nas regras hierárquicas,
significou a inclusão dele na prática pedagógica, mesmo que o motivo do atraso não
tenha sido esclarecido. Como ela já tinha finalizado a distribuição dos crachás,
organizou uma situação análoga para que o aluno pudesse participar, também, da
atividade de leitura, reconhecendo seu nome entre outros. Percebe-se, aqui, a
consideração de todos os alunos no evento. Vale ressaltar, também, a promoção da
solidariedade entre os alunos por ocasião do empréstimo dos materiais escolares,
mediada pela professora.

7.2.2 Os Princípios de Convivência da Turma (evento 7)

A ocorrência deste evento diz respeito a uma necessidade percebida pela


professora durante a aula no que se refere à relação entre os sujeitos envolvidos na
prática pedagógica. Apesar de não estar registrada na tabela, opção já justificada na
introdução à mesma, a oralidade é o elemento do letramento que mais se destaca
neste episódio, já que é através dele que os princípios de convivência da turma são
formulados. É preciso contextualizar a situação para compreendermos o silêncio dos
alunos nos turnos iniciais, em comparação à constante fala da professora.
Anteriormente a este evento, as crianças estavam fazendo um auto-retrato para o
crachá dos nomes. Ao final das apresentações dos desenhos de cada aluno, um
116

menino comentou que o retrato de uma colega parecia um palhaço. A professora, ao


escutar tal comentário, expressou espanto e chateação, iniciando a interação a
seguir transcrita.

1P Agora nós vamos parar e vamos conversar... Primeiro eu quero os meninos


levantando e sentando ali (indica o tapete e as almofadas que há no canto da
sala) e sem correr...
2P Agora as meninas ali... é uma almofada pra cada uma, tem mais colegas e
tem que dividir...
3P E é pra fazer uma roda... mais pra trás aqui ó, Jessica, mais pra trás, Márcia,
Bruno, Yuri, mais pra trás, Daiane, a Fernanda, mais um pouquinho, mais um
pouquinho, a Jessica, Márcia, isso! ... Agora aqui ó, Yasmine, Jersica aqui,
mais pra trás, aqui!
4P Eu só vou sentar numa cadeira porque eu vou precisar escrever.
(A professora coloca uma cadeira na roda, pega seu caderno, uma caneta e
senta.)
5P Agora nós vamos combinar quais vão ser as nossas regras. Vocês sabem o
que que são regras?
(Ninguém responde.)
6P São coisas que a gente vai combinar e que todo mundo vai ter que cumprir! ...
Porque se tiver assim ó, cada um fizer o que quiser, não vai dar certo! ... Vai
virar uma bagunça e a gente não vai conseguir aprender!
7P Será que a gente consegue lá na nossa casa dormir no meio do barulhão? ...
Vocês conseguem?
8 Cs Não!
9P Quer dormir de noite e aquele vizinho lá dê-lhe fazer barulho, barulho,
barulho, barulho! Vocês conseguem dormir?
10 Cs Não!
11 P Pois é, tem regras na casa de vocês? ... Tem coisas que o pai e a mãe
combinam? ... Tem? ... O que que a mãe combina com vocês em casa?
12 C Pra não brigar...
13 P Como é que assim ó, eu almoço a hora que eu quero? ... Chego em casa,
almoço às três horas da tarde?
14 Cs Não!
15 P A mãe não combina a hora do almoço?
16 Cs Sim!
17 P Combina! A mãe não combina que tem que trocar a roupa suja pela roupa
limpa?
18 Cs Sim!
19 P Que mais a mãe combina? ... Que tem que escovar os dentes?
20 Cs Tem!
21 P A mãe combina também que tem que pentear os cabelos?
22 Bruno E lavar!
23 P Lavar o rosto quando acorda... tudo isso! Então lá na casa de todo mundo
aqui tem coisas que a mãe, ou o pai, ou a vó, ou a tia, a pessoa com quem a
gente mora vai combinar com a gente e aqui na sala de aula vai ser a mesma
coisa! ... Só que, assim, na casa da gente, tem as combinações com o pai e
com a mãe e, aqui, a gente vai ter outras combinações...
24 P Então agora cada um vai dizer o que que pensa, o que que acha que é bom
pra que a gente consiga aprender. Quem é que quer começar?
(Nenhuma das crianças fala.)
25 P Que que precisa aqui na sala de aula?
26 Max Silêncio.
117

27 P Silêncio? ... É importante silêncio? ... Quando que é pra fazer silêncio?
28 Yasmine Quando a gente tiver estudando.
29 P Quando a gente tiver estudando. Tem horas que a gente vai precisar
conversar, trocar idéias?
30 Cs Tem.
31 P Tem, mas...
(Pablo está fora do círculo e mexendo em sua mochila.)
32 P Pablo, eu tô esperando... Vem pro meio da roda, mais... mais... um pouquinho
mais e escuta o que a gente tá dizendo. Teus colegas todos tão escutando e
tu também vai ouvir...
33 P Então é isso sobre o silêncio, quando a professora tá falando?
34 Cs É.
35 P E quando o colega tá falando é importante?
36 Cs Sim.
37 P Eu vou ouvir o que o meu colega tá dizendo então... porque imagina o colega
tá lá na frente apresentando o trabalhinho que fez e eu lá buruburuburu dê-
lhe falar? ... É assim?
38 Cs Não.
39 P Então silêncio quando os colegas e a professora estiverem falando. Eu tô
escrevendo tudo aqui no papel, depois eu vou trazer num papel grande que
vai ficar aqui na nossa sala pra que a gente não esqueça as coisas que a
gente combinou hoje, tá bom?
(A professora escreve no seu caderno “Fazer silêncio quando os colegas ou a
professora estiverem falando”. Um menino observa o que a professora
escreve.)
40 Bruno A sora tá fazendo emendada!
41 P Tô porque é mais rápido porque eu já me acostumei com essa letra, mas a
gente pode fazer com as outras letras também...

Já no início do evento, nos três primeiros turnos, chama a atenção a


organização do espaço da sala de aula feita pela professora para acomodar primeiro
os meninos e depois as meninas de forma igualitária: em uma roda. No quarto turno,
a professora anuncia uma diferença: “Eu só vou sentar numa cadeira porque eu vou
precisar escrever”. Apesar de haver uma posição hierarquicamente superior da
professora em relação aos alunos - intrínseca a qualquer relação pedagógica -,
percebemos aí uma classificação fraca entre os espaços ocupados por estes
sujeitos, já que o motivo que justifica tal diferença relaciona-se a uma necessidade
da ação pedagógica.
A efetiva formulação dos princípios de convivência ocorre após uma longa
exploração sobre o conceito de regras. Diante do silêncio das crianças no quinto
turno, a professora explicita, em 6, que as normas são essenciais para a convivência
na coletividade e para a aprendizagem de todos. A partir disso, de 7 a 23, a
professora conduz um diálogo sobre a necessidade de acordos que possam reger
as relações: sejam elas entre pais e filhos ou entre professora e alunos. Essa
118

analogia está baseada na aproximação entre o conhecimento escolar e o não-


escolar, havendo, também, uma fraca classificação entre esses dois discursos.
Após tal relação, os princípios de convivência necessários ao contexto escolar
tornam-se o foco da interação ocorrida de 24 a 38. O silêncio é o primeiro tema
sugerido por um aluno, Max, no turno 26. A partir disso, a professora procura
contextualizar a sugestão do menino, questionando quando o silêncio se faz
necessário - para estudar, ouvir os colegas e a professora - e quando a conversa é
bem-vinda: para trocar idéias. Cabe salientar que, durante a própria elaboração da
norma, ela é transgredida, por isso a professora chama a atenção de Pablo, no turno
32, valendo-se de um princípio de reciprocidade: “Teus colegas todos tão escutando
e tu também vai ouvir...”. O equilíbrio demonstrado pela professora entre firmeza e
afetividade merece destaque, pois, através disso, mostra a coerência entre sua fala
e sua ação pedagógica.
Ao final do evento, percebemos a relação com o elemento escrita referente ao
processo de letramento, já que ocorre o registro do princípio de convivência
acordado entre a turma no caderno da professora. É importante ressaltar, aqui, a
função mnemônica da escrita, anunciada no turno 39, que se cumpriu no evento 64,
quando as regras foram retomadas mediante a leitura do cartaz. Ainda, é relevante
salientar o comentário de Bruno, em 40, sobre a letra cursiva utilizada pela
professora e a informação salientada por ela em 41 acerca do uso contextualizado
da escrita: o tipo de letra utilizado varia conforme a ocasião e a necessidade.
O evento prossegue com a discussão e a formulação coletiva de mais nove
princípios de convivência que serão apresentados e analisados na seção 7.3.1 desta
tese.

7.2.3 Aviso aos Pais (evento 8)

Este evento decorreu de uma necessidade relacionada à organização da


instituição escolar, não sendo planejado inicialmente pela professora, assim como o
episódio anterior. Entretanto, ela vai além da entrega do bilhete da direção da escola
e da colagem do mesmo nos cadernos, uma vez que realiza a leitura do texto para
as crianças, instituindo, portanto, um evento de letramento. Já no primeiro turno, o
119

emissor do bilhete - a “diretora” - o destinatário - “senhores pais” - e o fim específico


do mesmo são explicitados.

1P Veio um bilhetinho da diretora que eu quero que vocês prestem atenção que
tá escrito assim: “Senhores pais, convidamos para a reunião de pais com os
professores no dia 4, sexta-feira, às 10 horas e 30 minutos”. ... O que eu li
aqui, alguém entendeu?
2 Cs Sim.
3P Reunião com quem?
4 Cs Com os pais.
5P Amanhã que horas? ... Dez e meia. Quando diz pais é só o pai?
6 Cs Não.
7P A mãe, ou pai, ou os dois juntos. Se não puder vir a mãe, é muito importante
que ela mande alguém aqui... É importante que venha alguém.
(As crianças falam de seus pais, os que trabalham, os que podem vir, os que
não podem.)
8P Se o pai ou a mãe ou nenhum dos dois vir, peçam pra vó, pra tia, pro irmão
mais velho, quem tem bisavó...
(As crianças continuam falando. A professora mostra uma caderneta.)
9P Atenção, eu quero saber quem é que tem ó, um caderno de avisos ou de
anotações que nem a Daiane?
10 Cs Eu tenho...
11 Cs Eu não tenho...
12 P Então peguem o caderno e a cola pra gente colar! Tem que chegar em casa e
mostrar o bilhete pra mãe.

A exploração da compreensão que as crianças tiveram a partir da leitura realizada


evidencia a preocupação da professora com a presença de algum familiar na
reunião: informação enfatizada nos turnos 7 e 8. O bilhete, como texto do evento,
cumpre a função comunicativa da escrita, já que possibilita a transmissão de uma
mensagem da escola para a família. O suporte no qual o bilhete é anexado também
está de acordo com seu propósito: um caderno de avisos. É participando de
experiências de letramento como essas que as crianças vão se apropriando de
conhecimentos importantes sobre a linguagem, ainda mais quando há um informante
que os explicita, como ocorre no primeiro turno, quando a professora anuncia que
aquilo que está escrito pode ser lido.
120

7.2.4 O Alfabeto (evento 9)

O conhecimento das letras é imprescindível ao processo de aquisição da


leitura e da escrita. Por isso, eventos acerca das letras do alfabeto não se restringem
ao início do ano letivo, mas acompanham a prática pedagógica ao longo da
alfabetização das crianças, já que se encontram em diferentes momentos do
processo de alfabetização e, de acordo com a concepção pedagógica da professora,
em distintos níveis de conceitualização de escrita.
Neste evento, a professora relaciona o painel coletivo do alfabeto com o
alfabeto individual recebido pelas crianças. Cada cartaz apresenta a letra em quatro
tipos: em imprensa e em cursiva maiúscula e minúscula. Além disso, há um desenho
e uma palavra-chave que inicia com cada letra, tornando tal composição bastante
frequente nas práticas alfabetizadoras. Desconhecemos o critério utilizado para a
seleção das palavras, mas percebe-se que formam um glossário referente aos
conhecimentos das crianças, pois apontam vocabulário relacionado ao cotidiano
escolar, objetos pessoais, alimentação, meios de transporte e outras palavras
significativas.
Junto aos nomes próprios, esse é o segundo universo vocabular que se torna
referência para as crianças no processo de aquisição da leitura e da escrita.
Percebemos, aqui, associações da letra do alfabeto a uma palavra-chave e da
palavra-chave a um desenho. As letras, portanto, estão contextualizadas de acordo
com a inicial de palavras e, estas, relacionadas a desenhos. Segundo Ferreiro e
Teberosky (1999), a associação entre imagem e texto é profícua pela própria
distinção necessária entre essas duas formas de expressão de significados, já que
possibilita a compreensão do que a escrita representa, conhecimento imprescindível
ao alfabetizando.

1P Eu vou colocar uma coisa em cima da mesa de vocês, vocês vão olhar e vão
me dizer o que que é...
(A professora distribui uma folha com o painel do alfabeto em tamanho
reduzido para cada aluno. As crianças olham o material e comentam o que
percebem. A professora transita pela sala e faz perguntas a alguns alunos.)
2P Tu sabe?
3 Jéssica Eu sei!
4P Tu sabe também?
5 Jailton Também sei: F, G, H, I, J...
121

6P Muito bem, agora eu vou lá do lado de lá...


(A professora passa ao outro lado da sala e as crianças continuam
identificando letras do alfabeto.)
7P Atenção todo mundo... o que que é isso?
8C As letras.
9C As letras lá... (aponta para o painel coletivo do alfabeto em cartaz.)
10 P As letras de lá?
11 Cs É.
12 P É igual?
13 C M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, X, Z.
(As crianças continuam nomeando as letras.)
14 P É igual ou não? (Mostra o painel coletivo do alfabeto.)
15 Cs É.
16 P Tá... o que que tem no A?
17 C É apontador.
18 P O que é que tem no B?
19 Cs Borracha.
20 P Que que tem no C?
21 Cs Caderno.
22 P No D?
23 Cs Dedo.
24 Cs Escova.
25 P Calma aí, calma aí... quando eu pergunto! No E?
26 Cs Escova.
27 P No F?
28 Cs Feijão.
29 P No G?
30 Cs Garfo.
31 P No H?
32 Cs Helicóptero.
33 P No I?
34 Cs Igreja.
35 P No J?
36 Cs Janela.
37 P No L?
38 Cs Lápis.
39 P No M?
40 Cs Mochila.
41 P No N?
42 Cs Navio.
43 P No O?
44 Cs Ônibus.
45 P No P?
46 Cs Porta.
47 P No Q?
48 Cs Quadro.
49 P No R?
50 Cs Ah... ah...
51 P Ó, acabou aqui o Q... (aponta para o final da primeira linha do painel.)
52 Cs Régua, régua, régua!
53 P Ó, um, dois, três, atenção! Acabou aqui o Q... continua aqui? (Mostra o cartaz
da letra Z, no final da segunda linha do painel.)
54 Cs Não, não...
55 P Não... onde é que eu continuo?
56 C Embaixo, lá! (Aponta para o início da segunda linha do painel.)
122

57 C Régua... (aponta para o cartaz da letra R.)


58 P Aqui na ponta, aqui na pontinha... (mostra o cartaz da letra R, no início da
segunda linha do painel.)
59 Cs Régua, régua...
60 P S de?
61 Cs Suco.
62 P T de?
63 Cs Tesoura.
64 P U?
65 Cs Uva.
66 P V?
67 Cs Vaso.
68 P X?
69 Cs Xícara.
70 P Z?
71 Cs Zíper.
72 P Tá, agora eu quero saber quem é que é esperto e vai me responder uma
pergunta muito importante que eu vou fazer... quero ver! Por que que aqui
embaixo tem esse monte de letra? (Mostra as letras escritas embaixo das
figuras.)
73 Daiane É por causa que... é por causa que a letra é emendada, tem letra emendada
e outro tipo de letra que não é emendada.
74 P Ah...
75 Pablo Eu sei, sora!
76 P Pablo! (Aponta para o menino.)
77 Pablo É por causa que é... que é o nome das figuras.
78 P Também, os dois acertaram... aqui embaixo, ó... ali embaixo do apontador tá
escrito A-PON-TA-DOR e embaixo, mais embaixo, tem as letras, tem a letra
emendada, que a gente diz cursiva, e tem a outra letra que é a separadinha
(enquanto fala, mostra as referidas partes do cartaz da letra A). E tem outro
tipo de letra ainda?
79 Cs Tem, tem...
80 P Tem... tem vários tipos de letras, né? As pessoas usam vários tipos de letras.
81 C Tem letra solta, emendada...
82 P Isso aí! Sabe o que que a gente vai fazer com esse alfabeto?
83 C Não!
84 C Sim, colar no caderno!
(As crianças falam ao mesmo tempo.)
85 P Não! Agora eu vou explicar... ó, esse alfabeto, depois que vocês pintarem, a
gente vai recortar o espaço que tá sobrando e aí cada um vai ter ele colado
na sua mesa, pra quando precisar olhar as letras pra escrever as palavras, se
não souber alguma letra, vai olhar na sua mesa, que aí fica mais fácil. ... Eu
vou colocar um durex depois e não é pra puxar, não dá pra tirar, eu não quero
ninguém, ó... eu não quero ver ninguém com o dedinho assim ó, puxando o
duréx ... não! Porque vai estragar o seu alfabeto e depois, quando precisar,
não vai ter... vai rasgar... vai ficar feio.
86 C Aqui sora? (Aponta para a parte inferior da mesa.)
87 P Não, aqui em cima... bem no cantinho... assim, bem pra cima e bem no
cantinho, pra não atrapalhar... (mostra a parte superior da mesa.)
88 C Onde, sora, aqui?
89 P É, no canto... mais no canto.
90 C Se tiver dúvida, olha né?
91 P A gente consulta o alfabeto, isso aí...
92 P Então, quero saber... quem é que vai cuidar do seu alfabeto?
93 Cs Eu, eu!
123

94 Jéssica E a gente não vai levar pra casa, sora?


95 P Outro dia eu vou dar outro alfabeto pra levar pra casa...

Neste evento, percebemos que a professora não fornece informações


acabadas às crianças, mas procura fazer perguntas acerca do assunto tratado em
aula, possibilitando que levantem hipóteses e expressem seus conhecimentos. Isso
ocorre no primeiro turno, quando os alunos reconhecem que o alfabeto recebido é o
mesmo do painel e de 72 a 78, no momento em que duas crianças identificam as
funções das escritas presentes nos cartazes.
Um fato que merece ser comentado diz respeito ao deslocamento da
professora pela sala, informado no sexto turno, pois demonstra cuidado em atender
as crianças de forma equitativa, sem privilegiar determinado grupo. Tal preocupação
em contemplar todos os alunos é novamente evidenciada em 25, quando a
professora enfraquece o ritmo da leitura coletiva das palavras-chave do painel para
que mais crianças possam acompanhá-la.
A orientação espacial de leitura é outro aspecto enfatizado no evento, já que
o painel do alfabeto está distribuído em duas linhas. O fato de lermos de cima para
baixo e da esquerda para a direita é uma convenção da nossa língua. Esse
conhecimento arbitrário é transmitido às crianças quando elas participam de eventos
de leitura em que um informante aponta o que está sendo lido (FERREIRO;
TEBEROSKY, 1999). No momento da identificação das letras e das respectivas
palavras-chave, a professora sinaliza com o dedo cada cartaz, seguindo a sequência
do alfabeto. Mas vai além disso, pois, perante a incerteza manifestada por algumas
crianças no turno 50, chama a atenção de todas, conduzindo uma exploração
coletiva acerca da direção da leitura, conforme evidenciado de 51 a 58.
A professora também deixa explícito como deve ser o uso do alfabeto, no
turno 85, tanto no que diz respeito ao discurso instrucional - como fonte de consulta
das letras - quanto ao discurso regulador - manter o alfabeto afixado na mesa e
conserva-lo para uso durante o ano.
Passamos, agora, à segunda parte do evento que ocorre enquanto as
crianças colorem os desenhos no alfabeto individual. No decorrer da atividade, um
aluno faz uma pergunta que desencadeia um momento interativo intenso entre a
professora e as crianças.
124

96 Bruno Helicóptero não começa com E?


97 P Não... qual é a letra lá, do helicóptero? (Aponta para o cartaz da letra H.)
98 Cs H!
99 P H... heeelicóptero, mas esse som aqui: heeelicóptero.
100 Cs Heeelicóptero.
101 P Heeelicóptero... que som que a gente escuta?
102 Cs E!
103 P Sabe por quê?
104 Juliana Por causa do som.
105 P É parecido, é que o H quando ele tá no comecinho... o H é a primeira letra,
né? Ele tá na primeira letra das palavras por que Ju?
106 Juliana Porque ele não tem som.
107 P Ele não tem som. Mas... e no meio da palavra?
108 C Ele tem.
109 P Tem... ah, tu tá esperto! Lembram que eu falei isso? Então é por isso que a
gente escuta: heeelicóptero, parece o som do E porque aí fica o som da
letrinha que tá do lado... Bruno, olha, qual é a letra que tá do lado do H ali no
helicóptero?
110 Bruno E.
111 P E... por isso que fica esse som: heeelicóptero.
112 C Tá dando a mão né, sora?
113 P Tá dando a mão, vocês lembram aquilo que a gente falou de dar a mão?
114 C Eu me lembro...
115 P Pra quem que as letras precisam dar a mão?
116 Jailton Pra fazer o som...
117 P Por que que elas dão a mão mesmo?
118 Cs Pra fazer o som.
119 P Mas pra quem que elas têm que dar a mão?
120 Fernanda Pras vogais.
121 P Fernanda... ó a Fernanda ali ó.
122 Fernanda Pro A, pro I...
123 Max E, O...
124 Daiane U.
125 Cs A, E, I, O, U.
126 P Muito bem, o A, o E, o I, o O, lembram? (Escreve as vogais no quadro.)
Quem mais?
127 Cs U.
128 P O que elas são?
129 Cs Vogais.
130 P Muito bem! Por que que elas são importantes, Jailton?
131 Jailton Porque elas têm som mais alto.
132 P Por que elas têm o som mais alto. E aí as outras letras tem que... ?
131 Cs Que dar a mão.
132 P Dar a mão pra formar as palavras... vamos ler o alfabeto!
133 Cs A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, X, Z.
134 P E as poderosas? As vogais?
135 Cs A, E, I, O, U.

Apesar de o evento ter sido compartilhado com a turma, sua origem se deu na
relação professora e aluno. Provavelmente, por vislumbrar uma oportunidade
produtiva de aprendizagem a partir da pergunta feita, a professora socializou-a com
a turma. Dela decorrem conhecimentos sobre a estrutura da língua, nos quais o
125

fonema aparece contextualizado na palavra, conforme os estudos relacionados à


consciência fonológica. Ao se tratar de uma irregularidade ortográfica, a discussão
versa sobre a aparente contradição percebida por Bruno, no turno 96, qual seja, na
palavra HELICÓPTERO, o fonema inicial refere-se à vogal E, mas o primeiro
grafema é H. Após a discussão que a letra H não produz som no início das palavras,
diferentemente de quando se encontra em outras posições, a professora retoma, em
109, a dúvida apontada, concordando com o estranhamento verbalizado pelo aluno.
A partir daí, decorre outra situação que contempla um conhecimento acerca
da estrutura da língua. Uma criança, ao perceber a ênfase dada ao som das vogais,
lembra-se, em 112, de informações já salientadas pela professora e alguns
princípios são retomados: “dar a mão” significa, aqui, que as vogais e as consoantes
se unem para formar as palavras. As vogais recebem o título de “poderosas” porque
“tem o som mais alto”, já que - diferentemente das consoantes - o nome da letra
corresponde ao fonema produzido, e porque são imprescindíveis para a formação
das palavras e, acrescentamos, para a composição das sílabas.
Os conhecimentos presentes nesse excerto do evento não parecem ser
novidade para as crianças, uma vez que são externalizados por aquelas que deles já
se apropriaram. A valorização da professora diante de tais saberes, ao mesmo
tempo em que incentiva a participação dos alunos que produzem o texto adequado -
Juliana, Fernanda e Jailton - possibilita que as demais crianças dele também se
apropriem, já que promove a retomada de conteúdos anteriormente apresentados a
partir de novos exemplos, evidenciando uma fraca classificação na relação entre
conhecimentos da mesma disciplina.

7.2.5 Tainá 2: a aventura continua com o caça-palavras (evento 14)

O caça-palavras é um texto que privilegia a leitura das unidades palavra e


letra. Além disso, sua realização pressupõe a apropriação das características desse
gênero textual. Percebemos, então, no início do evento, a preocupação da
professora em detalhar o modo como as crianças devem proceder para realizar a
atividade, especificando desde onde a palavra deve ser procurada - dentro do
quadro e não acima dele - até fornecendo dicas sobre letra inicial e letra final como
126

pistas para encontrar os vocábulos. A professora também procura avaliar o quanto


os alunos se afastam ou se aproximam da produção do texto considerado legítimo à
proposta pedagógica daquele momento, por isso solicita que lhe mostrem a palavra
encontrada para sua conferência. Daí a menção ao forte enquadramento nos
critérios de avaliação.

1P Agora eu vou entregar o caça-palavras do filme da Tainá... (enquanto distribui


a folha, diz as palavras). Tem aí escrito Tainá, menino, banana, homem, oca,
rio, floresta, árvore, avião, canoa, peixe, macaco... as palavras do filme.
2P Tem que encontrar a palavra, é um trabalho de detetive... Tem que procurar
as letras iguais de cima, ver com que letra começa, com que letra termina...
Então tá, vamos fazer uma juntos: onde está escrito TAINÁ? Tem que circular
no caça-palavras, é embaixo, no quadro, não em cima...
3 Pablo Já encontrei!
4P Nossa, que rápido! ... Primeiro acha e faz uma voltinha com o lápis... depois
me mostra e faz com canetinha.
(A professora transita pela sala e faz intervenções individuais.)
5P Pâmela, vamos lá, olha a palavra aqui em cima: começa com T e termina
com A.
6P Douglas, onde tem essa letra aqui? (Aponta para a letra T.)
7 Douglas Aqui né, sora?
8P É isso aí, confere se as outras estão iguais...
9 Douglas Tão sim...
10 P Então agora é a tua vez... procura MENINO, tem que ter calma...
11 P Pâmela, encontrou TAINÁ?
(Pâmela circulou apenas TA.)
12 P Quase... é até o outro A, tem cinco letras, olha aqui ó... (mostra a palavra
acima do quadro.)
(Pâmela observa a palavra apontada e circula-a.)
13 P Agora tu acha essa aqui... OCA, tem três letras, porque eu vou pro outro lado.
(A professora observa as crianças e faz um comentário para toda a turma.)
14 P Muito bem! Pra fazer essa atividade tem que ter paciência...
15 P Ótimo, Max, tá quase tudo pronto! Só olha aqui que tem umas palavras que
tão escritas de pé... RIO.
(A professora observa a atividade de cada aluno, assinala as palavras
encontradas e aponta as que faltam. Para as crianças que necessitam de
intervenção pedagógica, fornece dicas sobre a localização das letras.)
16 P Quem já terminou me chama pra eu conferir... depois vai colar a folha no
caderno e ajudar os colegas.
17 P A Pâmela ajuda a Jéssica, a Juliana ajuda o Bruno e a Fernanda ajuda a
Márcia. Não é pra fazer pelo colega, é pra ir mostrando as letras que tem que
procurar.

Tanto na interação individual, conforme apontado no décimo turno, quanto na


coletiva, assinalada em 14, percebemos os estímulos lançados pela professora para
que as crianças prossigam na busca das palavras, já que “é um trabalho de detetive”
que exige calma e paciência. Este incentivo à persistência indica a aproximação da
professora aos alunos e, portanto, um fraco enquadramento na relação entre eles.
127

No evento, podemos visualizar intervenções pedagógicas ocorridas com três


crianças que se encontram em momentos distintos52 do processo de aquisição da
leitura e da escrita. Para Douglas, que está no nível pré-silábico, a professora sugere
que inicie a busca pela letra inicial. Já Pâmela, cuja escrita caracteriza-se pela
hipótese silábica, aceita os grafemas TA como sendo a palavra buscada, mas
apontados pela professora como letra inicial e final. Reconhecendo que o texto
produzido pela aluna é uma tentativa de acomodar a informação recebida e a
hipótese silábica, a professora aponta a quantidade de letras da palavra como um
fator para desestabilizar a hipótese de Pâmela que, comparando com a grafia
estável do nome, aceita a forma convencional. Por sua vez, Max, que está no nível
alfabético, é desafiado a encontrar palavras registradas em um sentido de escrita
não-convencional, o vertical.
A organização do espaço da sala de aula também influencia nas intervenções
pedagógicas, aproximando professora e alunos mediante uma fraca classificação no
seu uso. Como os alunos estão agrupados em trios, a professora atende Pâmela e
Douglas quase simultaneamente: enquanto a menina procura a palavra, o menino se
certifica de que a encontrou. O agrupamento entre as crianças também define a
interação que ocorre entre elas, mesmo que seja guiada pela professora que orienta,
em 17, como os alunos, que estão em diferentes níveis de conceitualização de
escrita, podem auxiliar os colegas.

7.2.6 Tainá 2: a aventura continua com as letras móveis (evento 15)

O evento descrito a seguir aborda, substancialmente, a escrita de palavras e


é o primeiro de uma série que contempla uma estratégia pedagógica semelhante: a
partir da hipótese de escrita de cada criança, são realizadas intervenções -
mediadas pela professora - que possibilitam a reflexão acerca da grafia das
palavras, chegando à forma convencional. É importante salientar que, a partir disso,
tais palavras tornam-se objeto de leitura, uma vez que são exploradas, através de
questionamentos sobre quantidade de letras, de vogais e de sílabas.

52
Uma breve caracterização dos níveis psicogenéticos referentes à escrita é realizada na seção
7.3.6.
128

Os primeiros turnos (1 e 2) sinalizam a recorrência do evento, já que a


professora relembra que a dinâmica fora realizada em um momento anterior. O foco
é na tradução da pauta sonora da fala para a forma gráfica da escrita, um
pressuposto do processo de alfabetização em conformidade com a perspectiva
linguística (LEMLE, 1991). O fonema, aqui, aparece como um recurso de que a
professora lança mão quando uma dúvida se manifesta, já que ambas as letras da
primeira sílaba foram indicadas pelas crianças como letra inicial. A interação ocorrida
do terceiro ao nono turno corrobora tal estratégia e garante, através da explicitação
dos critérios de avaliação, a produção do texto esperado, isto é, a escrita do nome
de uma personagem do filme “Tainá 2: a aventura continua”.

1P Agora vamos escrever outras palavras do filme da Tainá, como fizemos


aquele dia. Como temos que fazer?
2C Pensar no som.
3P Isso mesmo! Vamos fazer a primeira palavra, eu escrevo, depois vou chamar
as pessoas aqui na frente. Quero escrever CATITI, que letra é?
4C A.
5C C.
6P Qual vem primeiro? ... Vamos prestar atenção no som: /C/, /C/, /C/...
7 Cs C. (Professora escreve no quadro.)
8P E depois?
9 Cs A. (Professora escreve no quadro.)
10 P E o TI?
11 C T, I. (Professora escreve no quadro.)
12 P E agora, o que vai acontecer? ... CA-TI-TI (Enquanto fala, aponta no quadro
as sílabas já escritas.)
13 C Tem que escrever de novo o TI.
14 P Que gente esperta! (Professora escreve a sílaba no quadro.)
(Entrega, para cada criança, um envelope com letras móveis em que as
vogais são vermelhas e as consoantes, azuis.)
15 P Agora, cada um vai montar na sua mesa CATITI. As letras ficam num
cantinho pra não perder, o envelope e o estojo vamos deixar embaixo da
mesa...
(À medida que as crianças montam a palavra, a professora orienta os
alunos.)
16 P Jéssica, o T primeiro.
(Jéssica não encontra a letra T, Pâmela ajuda.)
17 P Márcia, primeiro é o C.
(Márcia mostra a letra U.)
18 P Não, essa é a U, é vermelha... o C é azul, é uma consoante...
19 P Jailton, tá faltando outro T e outro I pra fazer CATITI.
(Crianças finalizam a montagem da palavra.)
20 P Agora que todo mundo já montou CATITI, vamos ver quantas letras tem?
21 Cs Seis.
22 P Quantas poderosas tem?
23 Cs Três: A, I, I.
24 P Quantas vezes abro a boca? ... Vamos fazer juntos:
129

25 Cs CA-TI-TI.
26 Pablo Três vezes.

As vogais e as consoantes diferenciadas por cores se configuram como outro


texto presente no evento. Após a escrita convencional das palavras, cada criança
compõe o vocábulo utilizando as letras móveis, mas o faz na presença de um
modelo registrado no quadro de giz. Aqui, tal como no evento 9, evidencia-se o
privilégio das vogais no alfabeto, mas, desta vez, são destacadas pela cor, conforme
salientado no turno 14.
Ambos os discursos, o regulador e o instrucional, estão presentes na
interação professor-aluno. Quanto ao discurso instrucional, a professora orienta a
montagem das palavras, uma vez que realiza intervenções para que cada uma seja
formada alfabeticamente, conforme apontado de 16 a 19. Uma situação curiosa
ocorre nos turnos 17 e 18, pois Márcia identifica a letra C como sendo a vogal U:
uma troca plenamente justificável, já que ambos os grafemas são semicírculos
diferenciados apenas pela posição que ocupam em relação à linha. Lemle (1991)
considera que a discriminação das formas das letras é um dos conhecimentos
necessários ao alfabetizando. Essa relação topológica não é explicitada pela
professora, que prefere enfatizar a diferenciação entre vogais e consoantes por meio
da cor da letra. No que se refere ao discurso regulador, em 15, ela aponta a
necessidade de organização do material para que as letras não sejam perdidas.
O evento prossegue tendo as crianças como protagonistas na escrita das
palavras. Em cada gesto, a orientação da professora revela explicitamente critérios
de avaliação, indicando, no processo de montagem da palavra, a maneira de escrita
convencional.

27 P Muito bem, agora vamos desmanchar CATITI e vou chamar outra pessoa. ...
Juliana, escreve TAINÁ.
(Juliana escreve a palavra no quadro de forma alfabética.)
28 P Ótimo! Vamos contar, quantas letras?
29 Cs Cinco.
30 P Então vamos montar essa também.
31 Jailton Não tô achando...
32 P Tem que procurar, estão todas as letras aí...
33 Pablo Já terminei, sora.
34 P Tá, então espera um pouquinho...
(Professora passa entre as mesas e confere a montagem das crianças.)
35 P Quantas poderosas tem?
36 Cs Três.
37 P Quantas vezes abro a boca?
130

38 Cs TA-I-NÁ, três.
39 P Agora o Jailton vai escrever o nome do cachorrinho, é BÓRIS.
(Jailton escreve O.)
40 P O que mais pra ficar BÓ?
(Jailton não responde.)
41 P Vamos ver quem ajuda...
42 Cs B.
43 C O B antes do O.
(Jailton escreve.)
44 P Tá, já fizemos BÓ e pra fazer RIS, Jailton?
(Jailton não escreve.)
45 P Todos juntos, então, como fica?
46 C I.
47 C R.
48 P O R primeiro, depois o I, falta ainda uma letra: BÓRISSS.
49 C O S.
(Jailton escreve a palavra no quadro.)
(Enquanto as crianças montam a palavra, a professora faz perguntas.)
50 P Quantas letras?
51 Cs Cinco.
52 P Quantas poderosas?
53 Cs Duas.
54 P Quantas vezes abro a boca?
55 Cs Duas.
56 Yuri Eu tô gostando, pra aprender.
57 Pablo Eu também tô gostando.
58 P Yuri, já que tá gostando, vem aqui escrever!
(Yuri aproxima-se do quadro.)
59 P Como faz pra escrever LUDO, o nome do papagaio?
60 Yuri UO (escreve no quadro.)
61 P Antes do U, quem vem? Olha só: LU, LU, LU...
62 Yuri Que nem o nome do LUÍS...
63 P Isso mesmo!
(Yuri escreve L antes do U.)
64 P E agora? Pra fazer LUDO, DO, DO, DO, falta outra letra antes do O...
65 C D.
(Yuri escreve D antes do O.)
66 P Então vamos montar LUDO... quantas letras?
67 Cs Quatro.
68 P Quantas poderosas?
69 Cs Duas.
70 P Quantas vezes abro a boca?
71 Cs Duas.

Os alunos convidados pela professora para escreverem palavras estão em


três momentos distintos do processo de conceitualização da escrita. A primeira
criança - Juliana, no turno 27 - apresenta uma escrita alfabética. Jailton, por sua vez,
encontra-se no início do processo de alfabetização, escrevendo apenas uma letra
para toda a palavra. Ressaltamos que o grafema registrado no turno 39 é a vogal
correspondente à primeira sílaba do vocábulo, o que origina a escrita convencional a
131

partir das intervenções da professora e dos colegas. É necessário realçar que as


contribuições do grupo somente são incentivadas depois que Jailton tem a
oportunidade de se manifestar, mesmo que não o faça, conforme aparece em 40 e
44.
A escrita de Yuri, no turno 60, caracteriza-se pela hipótese silábica, já que
escreve uma letra para cada sílaba, de acordo com o valor sonoro das vogais da
palavra. O aluno alia a ênfase sonora atribuída pela professora sobre a sílaba inicial
com seu conhecimento sobre o universo vocabular referente aos nomes dos
colegas, registrando, em 63, a sílaba completa. Importa salientar aqui, mais uma
vez, o fato de que as três crianças, mesmo partilhando de pressupostos diferentes
sobre a escrita, produzem o texto considerado legítimo ao discurso instrucional e
isso ocorre através de uma interação respeitosa entre os colegas, menção ao
discurso regulador.
Em 31 e 32, percebemos os diferentes ritmos das crianças na montagem das
palavras: enquanto Jailton procura as letras para compor o vocábulo, Pablo finaliza a
mesma tarefa. A professora, conforme anunciado em 34, enfraquece a ritmagem,
solicitando que Pablo aguarde até que todos tenham completado sua solicitação,
que é constantemente monitorada por ela, já que confere a produção das crianças.
Outro fato que merece ser comentado ocorre nos turnos 56 e 57, quando dois
alunos avaliam a estratégia pedagógica da professora, manifestando que gostam da
atividade, pois aprendem. Acrescentamos que tal aprendizagem não se restringe à
alfabetização, mas à convivência em grupo.

7.2.7 A Mulher Gigante: leitura (evento 16)

Assim como o evento 8, a leitura do texto que caracteriza a situação de


letramento a seguir descrita é realizada pela professora e conta com a participação
ativa das crianças não só como ouvintes, mas também como interlocutoras. A
motivação delas a respeito da temática do evento - a história “A mulher gigante” -
tem origem em estratégias utilizadas pela professora que inicia a conversa
chamando a atenção para uma novidade presente na escola: uma faixa com o
desenho da mulher gigante, conforme indicação no primeiro turno. A apresentação
132

da capa do livro, no turno 11, também é um convite à leitura, já que os alunos


identificam a personagem principal ilustrada.

1P Quem viu uma faixa que tem lá na entrada do outro prédio com o desenho de
uma mulher?
2 Pâmela Eu vi, é o pai da mulher gigante.
3P Quem?
4 Cs O pai da mulher gigante.
5P Quem é que é o pai da mulher gigante?
6C É quem inventou a música.
7P Ah... entendi... então agora nós vamos conhecer a história da mulher gigante
(mostra o livro).
(A professora chama um aluno por vez para pegar uma almofada e sentar no
tapete, orientando as crianças na formação de um círculo.)
8P Um, dois, três, todos sentados!
9P A Juliana tá de fora... aquele pessoal dali vai pra trás... Deu? Todos
acomodados? ... Douglas, tá conseguindo me enxergar?
10 Douglas Agora tô, sora.
11 P Olha aqui, quem é? (Mostra a capa do livro.)
12 Cs É a mulher gigante!
(A professora lê a história, enquanto assinala com o dedo a estrofe lida. Após
a leitura, a professora faz perguntas.)
13 P Por que ela arranca a porta?
14 C A gente já conhece a música da mulher gigante, sora...
15 P Quando?
16 Jailton Na oficina.
17 Bruno Sexta-feira.
18 P E o que mais vocês sabem sobre a mulher gigante?
19 C A gente sabe cantar já...
20 P É mesmo? Então vamos cantar juntos!
(Alunos e professora cantam a música.)
21 P Vocês conhecem as outras partes desse livro?
22 Cs Não...
(A professora apresenta todas as histórias que compõem o livro, lendo os
títulos e mostrando as ilustrações.)
23 Bruno Será que a gente consegue ver a mulher gigante no computador?
24 P Ótima idéia... quarta-feira vamos tentar ver! Sabe quando o pai da mulher
gigante vem?
25 Cs Não...
26 P Na terça-feira, vai ser dia vinte e oito.
27 Jéssica Ele não vai caber aqui!
28 P Ele vai, a mulher gigante não. Olha aqui ó, o pai da mulher gigante... (mostra
a fotografia dos autores e da ilustradora ao final do livro). É esse aqui ó, loiro,
de óculos e de barba. Como é o nome dele? ... É Gustavo Finkler, ele vai
conversar com vocês... Laura Castilhos faz os desenhos e Jackson Zambelli
monta o teatro...
29 P Nós vamos fazer um livro, aí vamos desenhar e escrever o que a mulher
gigante faz... ela não usa patins, ela tem um ônibus em cada pé... Amanhã a
gente vai fazer a parte da história do príncipe, aí, no dia, a gente mostra pro
Gustavo Finkler... vai ter a parte de todo mundo aqui da turma no nosso livro:
a da Fernanda, do Luis André, da Pâmela, do Cristian...
30 C Ele vai gostar...
133

O espaço físico, no que concerne à organização do ambiente, evidencia a


valorização deste momento. Há um local aconchegante para a realização da leitura:
o tapete, as almofadas e a estante com livros compõem o cenário. A organização
dos alunos neste espaço também merece ser comentada, já que percebemos, no
nono turno, o olhar atento da professora a cada criança, para que todas estejam
incluídas no círculo confortavelmente e visualizem o livro. A maneira como a
situação de leitura propriamente dita ocorre também necessita ser comentada: a
professora assinala com o dedo a estrofe que está sendo lida, possibilitando às
crianças o reconhecimento, primeiramente, de qual é o objeto de leitura naquele
momento: o texto poético. Além disso, proporciona a visualização da estrutura
textual: um poema é composto por estrofes e estas, por versos.
A relação de proximidade que se estabelece entre professora e alunos
merece destaque neste evento, já que se evidencia o duplo sentido dos processos
de ensino e de aprendizagem. A professora parece não ter sido informada sobre
algumas situações vivenciadas pelas crianças. Isso fica explícito do segundo ao
sexto turno, quando nomeiam o autor Gustavo Finkler como “o pai da mulher
gigante”, expressão que a professora aparenta desconhecer, mas logo dela se
apropria, conforme evidenciado no turno 24, quando aproxima sua fala a dos alunos.
Outro fato ocorre após a leitura do poema, no turno 13, quando a professora parece
dar início a uma exploração oral através de perguntas sobre o conteúdo do texto. As
crianças, entretanto, comentam em 14, 16 e 17, que já conhecem a canção,
aprendida na oficina de música. Considerando essa informação, a professora altera
a estratégia de leitura que iria propor e, de posse do livro, decide apresentar, então,
os outros poemas que compõem a coletânea, certificando-se, conforme demonstra a
pergunta em 21, de que os alunos ainda não os conhecem . Vê-se, aqui, que a
sequência do planejamento é modificada de acordo com os conhecimentos das
crianças, apontando um enquadramento fraco nessa dimensão da prática
pedagógica.
A saída da mulher gigante do palco central é, entretanto, apenas
momentânea, pois o interesse acerca da personagem principal não decai. Em 23,
Bruno sugere utilizar outro suporte para visualizá-la: o computador, idéia
corroborada pela professora no turno subsequente, já prevendo a utilização do
período semanal da turma na sala de informática para realizar tal tarefa. Sobre o
encontro com o autor, vale ressaltar a coerência da reflexão realizada por Jéssica no
134

turno 27: se a mulher é gigante, seu pai deve ser maior ainda, por isso não haverá
espaço suficiente para recebê-lo na escola. Diante dessa constatação, a professora,
provavelmente, percebe a necessidade de apresentar, através das fotografias
presentes no livro, os autores e a ilustradora, explicitando que a pessoa convidada
para o encontro é um homem “loiro, de óculos e de barba”. Isso sinaliza um
enquadramento brando na seleção do conhecimento ao nível micro para contemplar
os interesses da criança.
Após a explicitação sobre a elaboração do livro coletivo, em 29, uma criança
manifesta, no último turno do evento, sua concordância com a idéia, imaginando que
o autor também apreciará. Há, aqui, um destinatário e um interlocutor real para a
produção e, portanto, um fim específico a ser concretizado pelo coletivo de alunos,
sendo essencial a participação e a contribuição de cada um.

7.2.8 A Mulher Gigante: escrita (evento 19)

Este evento inicia, efetivamente, a montagem do livro coletivo “A mulher


gigante” para ser apresentado no encontro com o autor Gustavo Finkler. A partir da
distribuição de uma folha com o desenho da personagem principal, a professora
orienta os alunos na utilização do espaço para desenhar outros elementos -
presentes no poema - que podem compor a cena. Explica, também, que tais
ilustrações devem ser coloridas e, depois, seus nomes devem ser registrados.
Chama a atenção o fato de que a professora não determinou o tempo para ser
utilizado em cada etapa, tornando, assim, o enquadramento fraco na ritmagem, já
que o momento em que as palavras começaram a ser escritas foi definido pelas
crianças, conforme indicado pela iniciativa de Daiane, no primeiro turno, e de
Jéssica, no sétimo. Isso aponta, também, o interesse dos alunos pelo registro
escrito, visualizado, aqui, como uma outra forma de representação da idéia
transmitida também pelo desenho. O universo vocabular presente, então, é
selecionado, inicialmente, pelas crianças a partir das ilustrações por elas realizadas.

1 Daiane Sora, eu quero escrever GUSTAVO.


2P Então vamos lá, GUS...
135

3 Daiane É o U.
4P Tem o U sim, mas o que é que vai na frente do U pra ficar GU? Não fala,
Yasmine... GU de GURI, GUSTAVO, presta atenção no som... /G/, /G/, /G/...
5C É o G!
6P Isso mesmo!
7 Jéssica Eu quero escrever o nome da mulher gigante.
8P Tá, então vamos todo mundo juntos!
9 Cs M, U.
10 P E LHER, como é?
11 C É o L e o E.
12 P Se eu coloco o LE, fica MULER...
13 C É o LH!
14 P Isso, e o que mais pra ficar MULHERRR...
15 C É o R!
16 P Agora o Bruno vai me ajudar a pensar pra escrever GIGANTE, GI, GI...
17 C G.
18 Bruno E o I.
19 P E o GAN?
20 Bruno O G.
21 P E o que mais?
22 Jailton O N.
23 P Mas falta uma poderosa no meio, qual é?
24 Bruno O A.
25 P Isso, e pra fazer TE de GIGANTE?
26 Cs T, E.
27 P Agora vamos ler: MULHER GIGANTE (aponta para cada palavra) e MU-
LHER GI-GAN-TE (aponta para cada sílaba).
28 Cs MULHER GIGANTE.
29 Cs MU-LHER GI-GAN-TE.
30 P Douglas, me mostra quais letras são iguais aqui (aponta para a palavra
GIGANTE).
(Douglas aponta para as letras G.)
31 P Muito bem!
32 P Jéssica, vamos escrever PATINS.
(Jéssica não quer vir ao quadro.)
33 P Os colegas ajudam, vem, Jéssica.
(Jéssica aceita o convite.)
34 Cs P, A.
35 P É o P de porta, Jéssica (indica o cartaz da letra P no painel do alfabeto).
(Jéssica escreve PA.)
36 P E o TINS de PATINS?
37 Jéssica I.
38 P Antes do I tem outra letra...
39 Cs T.
40 P T de TESOURA (indica o cartaz da letra T no painel do alfabeto).
(Jéssica escreve TI.)
41 C N.
42 P E depois? PATINSSS...
43 Cs S.
44 P Muito bem!

Assim como o evento 15, a escrita de palavras, aqui, parte da hipótese de


conceitualização dos alunos para chegar à forma convencional, mediante critérios de
136

avaliação explícitos. A primeira intervenção pedagógica da professora que necessita


ser comentada ocorre no turno 4, pois, apesar de acarretar a exclusão de Yasmine,
possibilita a inclusão de outros alunos no evento. Pelo fato de a menina estar no
final do processo de alfabetização e, portanto, apta a emitir a pronta resposta, a
professora solicita o silêncio, oportunizando a reflexão das demais crianças sobre a
escrita da palavra. O silêncio de uma, aqui, possibilita a participação de outras com a
finalidade de aprendizagem da alfabetização por todas.
Outra relação estabelecida com o evento 15 diz respeito à ênfase dada pela
professora ao fonema quando o grafema correspondente não é identificado de
imediato. O fonema aparece, então, contextualizado na palavra, tanto como letra
inicial, em 4, quanto como letra final, nos turnos 14 e 42. As vogais indicadas como
“poderosas”, conforme o evento 9, voltam à cena no turno 23 deste evento, devido
ao não reconhecimento da letra A, provavelmente pela nasalidade acarretada pela
contiguidade da consoante N. Tais conhecimentos relacionam-se à perspectiva
linguística e, mais especificamente, aos estudos sobre consciência fonológica.
O estabelecimento de relações com as letras iniciais das palavras do painel
do alfabeto, referência para as crianças, conforme apontado em 35 e 40, é um
recurso utilizado sobretudo com Jéssica que, apesar de já haver manifestado seu
interesse em escrever no início do evento, nega-se a fazê-lo no turno 32. A
professora utiliza o discurso regulador, aqui, assegurando à criança que os colegas
podem colaborar na escrita da palavra PATINS, selecionada porque “A Mulher
Gigante não sabe o que é patins. Ela usa um ônibus em cada pé” (FINKLER;
ZAMBELLI, 2004, p. 6). A menina, então, aceita o convite, provavelmente, sentindo-
se mais confiante para a realização da tarefa relacionada ao discurso instrucional.
Apesar de o evento pressupor eminentemente a escrita, uma vez que a leitura das
palavras ocorre no evento 20, subseqüente a este, há três situações envolvendo o
reconhecimento de unidades linguísticas que merecem ser ressaltadas. A primeira,
nos turnos 10 a 13, por ocasião da escrita da palavra MULHER, focaliza a sílaba
complexa do vocábulo. A leitura é utilizada pela professora para que as crianças
percebam a necessidade de outra letra para a escrita da sílaba complexa, já que o
binômio consoante-vogal LE, indicado por um aluno, não é suficiente para a
representação gráfica. A segunda situação, de 27 a 29, refere-se à leitura da
expressão “MULHER GIGANTE”, que é proposta pela professora de duas maneiras
distintas: de forma global e de forma silabada. Tais estratégias contemplam
137

diferentes formas de leitura, respectivamente: através da busca de índices que


forneçam indicativos para a identificação da palavra e da relação letra-som por meio
da divisão silábica, conforme apontado, na seção 5.22, pela abordagem equilibrada
relativa à consciência fonológica. A última situação, por sua vez, diz respeito ao
turno 30, quando a professora convida Douglas, aluno que está no início do
processo de alfabetização, para identificar quais letras são iguais na palavra. Cabe
ressaltar aqui o conhecimento da professora acerca dos saberes de seus alunos, já
que elabora um questionamento de acordo as possibilidades de resposta da criança.
Isso valoriza o aluno perante si mesmo e também diante dos colegas, já que a
criança produz o texto esperado.

7.2.9 Príncipe Herculano, o Chato (evento 38)

Este evento reúne ambos os processos - o de alfabetização e o de letramento


- e os três elementos que os constituem: oralidade, leitura e escrita, ainda que o
primeiro não esteja registrado no quadro 1, conforme explicitado na introdução ao
mesmo. Além disso, todas as unidades linguísticas estão presentes, sendo possível
analisar, através deste evento, a complexidade envolvida na prática pedagógica
selecionada nesta tese para descrição e análise.
Em continuidade ao evento de número 34 - ocorrido dois dias antes - e
também tendo a história “Príncipe Herculano, o chato” como temática, este evento
parte do desenho dos personagens, atividade já iniciada naquela data. Além desse
texto, outro caracteriza o início do evento: o refrão da música. A partir disso, a
professora apresenta a proposta de produção textual espontânea sobre a história,
descrita no terceiro turno, em conformidade com a didática de Grossi (1990), já que
“cada um vai contar algumas idéias sobre o desenho” ou “escrever sobre a história
do príncipe, sobre a música”.
A proposição para a escrita espontânea relaciona-se ao processo de
letramento, já que envolve a produção textual. Apesar da maioria da turma aceitar a
proposta, algumas resistências são manifestadas no turno 4, por Daiane, e em 11,
por Lucas. Mesmo assim, a professora mantém-se firme em seu propósito,
incentivando a escrita das crianças, baseada na crença de que todas são produtoras
138

de texto, conforme verbaliza no quinto turno. Tal aposta conduz à ação desejada, já
que Daiane, ao final do evento, apresenta à professora o texto produzido.

1P Quem lembra o que era isso? (Mostra a folha avulsa referente à página da
história “Príncipe Herculano, o Chato”.) ... Vamos cantar uma parte da
música?
2P Agora vamos terminar esse trabalho...
(Enquanto a professora distribui as folhas, cantam o refrão.)
3P Quase todo mundo terminou de desenhar e de pintar... agora cada um vai
contar algumas idéias sobre o desenho... vai escrever sobre a história do
príncipe, sobre a música...
4 Daiane Ah... escreve no quadro, sora...
5P Ué, por quê? Todo mundo aqui sabe escrever...
(Enquanto escrevem, a professora circula entre as mesas, observando a
produção dos alunos.)
6 Yasmine Eu tô numa confusão, aqui, não consegui escrever toda a música...
7P Por quê?
8 Yasmine Porque é muito rápido... lê pra nós, sora...
9P Tá certo.
(A professora lê a parte da história que é o refrão da música.)
10 P A gente pode escrever também uma idéia assim, ó: “O príncipe era um
chato”.
11 Lucas Sora, escreve tu...
12 P Não... agora vocês vão pensar, vocês vão escrever...
13 Diélice Eu sei mais ou menos escrever...
14 P Já sabe escrever sim, escreve bastante!
15 Yasmine Por que que o príncipe era chato?
16 P Pois é... eu também não sei... isso não conta na história...
17 OP Por que vocês não perguntam isso ao Gustavo Finkler na terça-feira?
18 P Boa idéia... vou anotar essa pergunta no caderno pra não esquecer: “Por que
o príncipe Herculano era um chato?”.
19 Jailton O que que ele fazia pra ser tão chato que as pessoas iam embora?
20 P Turma, alguém tem mais alguma pergunta pra fazer pro Gustavo?
(Ninguém mais se manifesta.)
(A professora continua passando entre as mesas e faz intervenções
específicas relatadas na continuidade do evento.)

A interação ocorrida entre Yasmine e a professora, nos turnos 6 a 9, vale uma


análise pormenorizada. A menina encontra-se no final do processo de alfabetização
e lança-se o desafio de escrever toda a música. Depara-se, entretanto, com um
obstáculo, pois não consegue acompanhar - através do registro escrito - o ritmo
acelerado da canção que entoa e, então, solicita que a professora faça a leitura da
letra, desencadeando mais uma situação relacionada ao processo de letramento. É
importante ressaltar, aqui, que a leitura do texto ocorreu quando houve uma
necessidade percebida por uma aluna, não devido a uma iniciativa da professora, o
que indica um fraco enquadramento na seleção do conhecimento em nível micro.
139

Após a leitura do refrão, a professora sugere, no décimo turno, a escrita de


uma frase que ocasiona uma dúvida em Yasmine e em Jailton, respectivamente nos
turnos 15 e 19. Decorre daí uma situação bastante peculiar: o envolvimento da
observadora participante, conforme assinalado em 17, lançando uma idéia que
acarreta em mais uma situação de letramento, já que a professora, em 18, registra a
“pergunta no caderno pra não esquecer”, evidenciando, assim como no evento 7, a
função mnemônica da escrita. A partir desse momento, a professora direciona suas
intervenções pedagógicas para o processo de alfabetização.

21 Diélice Profe, olha o que eu escrevi CHATO PRÍNCIPE. (Diélice escreveu XATO
PINCIPE.)
22 P Está muito bom, mas presta atenção no som /X/, /X/, /X/…
23 Diélice É o X!
24 P É também, mas algumas vezes o C e o H roubam o som do X... aí é CH.
(Diélice corrige a escrita.)
25 P E no PRÍNCIPE, tu colocou o P, mas qual é a outra antes do I: PRI, PRI, PRI,
/R/, /R/, /R/…
26 Diélice O R?
27 P Muito bem!
28 P Jérsica, vamos pensar juntas pra fazer HERCULANO. (Jérsica escreveu
ECULNO.)
29 P O nome desse príncipe tem H na frente, lembra desse segredo? Aí fica com o
som da vogal...
30 P É HERCULANO, HER, HER... que letra faz esse som /R/, /R/, /R/?
31 Jérsica R!
32 P Isso... HERCULANO, LÃ, LÃ, LÃ...
33 Jérsica É o O.
34 P Tem o O sim, mas é depois... pra fazer LÃ, não é só o L, tem outra letra junto,
é uma poderosa…
35 Jéssica O A?
36 P É sim, ele faz esse som também.
37 Yasmine Sora, ó, eu escrevi toda a história. (Entrega a folha.)
38 P Que legal, Yasmine!
39 Daiane Eu também escrevi...
40 P Eu tô lendo aqui sobre o castelo... que bacana…
(A professora recolhe todos os trabalhos e mostra os desenhos de Pâmela e
de Jailton.)

Tanto a escrita de Diélice - na expressão CHATO PRÍNCIPE - quanto a de


Jérsica - na palavra HERCULANO - se aproximam da forma convencional, ainda que
a escrita da primeira menina mais do que a da segunda. Para ambas, porém, a
professora propõe a reflexão acerca de dois aspectos distintos da língua: o primeiro
relaciona-se à irregularidade ortográfica, já que é a origem da palavra que define se
o fonema inicial da palavra CHATO é grafado com X ou com CH e se o H inicial é
presente ou ausente em HERCULANO. O segundo aspecto, ao contrário, diz
140

respeito a uma omissão que compromete a leitura da sílaba: a ausência da


consoante R nas palavras PRÍNCIPE e HERCULANO. Assim como nos demais
eventos de alfabetização cujo foco é a escrita, a professora utiliza o fonema para
marcar a presença da letra omitida. Ainda, para Jérsica, a professora aponta, no
turno 34, a necessidade de uma vogal como uma letra “poderosa”, denominada
desta forma desde o evento 9, e provavelmente não reconhecida devido ao som
nasal contíguo da consoante N, assim como no evento 19.
Mesmo partindo de uma proposta de produção textual espontânea, a
professora realiza intervenções pedagógicas, tanto no que se refere ao letramento,
incentivando a expressão escrita de todos os alunos, quanto à alfabetização, pelo
menos para que algumas palavras do texto produzido por crianças que escrevem
alfabeticamente sejam grafadas de forma convencional.

7.2.10 Madagascar (evento 42)

Este evento apresenta um suporte material que não é corriqueiro nas práticas
escolares: uma revista. A partir do texto nela veiculado - ilustrações e informações
sobre animais - a professora transmite idéias, já no primeiro turno, sobre o ato da
leitura, uma vez que a revista é uma fonte de consulta que possibilita descobrir
informações por vezes inusitadas. Este episódio é o primeiro ocorrido - entre os
dados coletados - após a ida ao cinema para assistir ao filme “Madagascar”,
inaugurando, então, tal temática. Relaciona-se, assim, ao processo de letramento, já
que a professora seleciona informações relevantes do texto para ler às crianças,
desencadeando produtivas e curiosas interações entre os sujeitos envolvidos.

1P Hoje eu trouxe uma revista com muitas coisas interessantes pra ler (mostra a
capa da revista). Eu li em casa e descobri um monte de curiosidades, vamos
ver se vocês sabem...
2P O leão, quanto pesa?
3 Yasmine Uns cem quilos...
4P Mais!
5C Ah, então cento e oitenta!
6P Isso mesmo, que esperto! Precisa três profes para fazer o leão... A leoa pesa
menos: cento e vinte quilos: duas profes...
7P E a juba, sabe pra que que serve?
8 Cs Não!
141

9P Pra proteger o pescoço do leão...


(Os alunos começam a contar situações vivenciadas...)
10 P Levanta o dedo quem quer falar pra todo mundo poder ouvir... Daiane...
11 Daiane Eu vi um leão no zoológico...
12 Yuri Eu tinha uma onça em casa e soltei...
13 P É mesmo? ... Soltou na rua?
14 Yuri Não, a gente levou no zoológico.
15 Jailton E aquele leão que tem chifre... como é mesmo o nome?
16 P Ah... é o veado... também tem nessa revista aqui... olhem é esse aqui...
(mostra a imagem).
17 P O leão come pasto?
18 Cs Não!
19 C Come carne, né?
20 P É, e vocês sabem como é o nome dos bichos que comem carne?
21 Cs Não!
22 P São os carnívoros.
23 P Sabem o que mais eu descobri lendo esta revista aqui? ... Como se chama
quando tem um monte de leão?
24 C Reunião.
25 P É uma reunião de leão, o bando!
26 Pablo Sora, sabe que eu já vi um leão...
27 Daiane Profe, no zoológico eu vi o elefante jogar água com a tromba...
28 P Que bacana, né? ... Eu acho que a gente também vai ver isso...
29 P A zebra, sabe o que ela come?
30 Cs Grama.
31 P Come grama, brotos, plantas... A boca da zebra pode se curvar pra farejar,
sentir mais o cheiro... As listras servem pra uma zebra reconhecer a outra...
32 P O hipopótamo é o terceiro animal mais pesado do mundo, ele pesa dois mil e
trezentos quilos... E vocês sabiam que ele pode boiar e de noite sai pra
pastar, pra comer?
(Alunos falam, contam fatos vivenciados.)
33 P Um fala e os outros escutam... Lucas...
34 Lucas Quando eu fui no zoológico, eu vi a Glória deitada...
35 P É, quando o hipopótamo tá na água ele deixa o nariz pra fora pra respirar...
36 Márcia Uma vez eu fui no zoológico e vi um monte de água...
37 Yasmine Lá no zoológico onde o leão fica tem uma parede, uma árvore caída...
38 P Yuri tava com o dedo levantado... fala...
39 Yuri Ah... esqueci, sora...
40 P Tudo bem, quando tu lembrar, fala...
41 P Bom, outra coisa que eu li foi da girafa. Sabe quantos ossos ela tem no
pescoço?
42 Cs Não!
43 P Sete. Quando a girafa galopa, ela galopa bem ligueiro... Quando a girafa
estica a língua, a língua dela vai daqui até o ali... (mostra o comprimento da
folha da revista).
44 Yasmine É claro que a girafa só tem sete ossos, é mais magra que a gente... Deve
pesar um quilo...
45 P Só isso? Acho que não...
46 P Lembram que no filme o Melman disse que estava com outra mancha. Sabem
por quê?
47 Cs Não!
48 P Porque quando a girafa está doente ela muda de cor.
49 Daiane Ô sora, eu sei de uma criança que se perdeu no zoológico...
50 P Mas isso não vai acontecer com a nossa turma...
142

A leitura das informações realizada pela professora possibilita que o conteúdo


seja compartilhado com os alunos e por eles relacionado com suas experiências, por
um lado bastante reais - como a de Daiane no turno 49 - e, por outro, permeadas
pelo fantástico - a exemplo do relato de Yuri em 12. Também ocorre o
estabelecimento de relações entre as vivências dos sujeitos e os personagens do
filme, já que Lucas, no turno 34, afirma ter visto Glória - o hipopótamo - no zoológico.
Em 46 e 48, a professora justifica uma situação vivida pelo personagem Melman - a
girafa - de acordo com as características da espécie.
Outras estreitas relações que merecem ser discutidas são as que envolvem
conhecimentos escolares e não-escolares, resultando em uma fraca classificação
entre tais discursos. De 17 a 22, ao tratar da alimentação da espécie leão, a
professora parte da adequada resposta da criança para introduzir um conhecimento
tipicamente escolar: a denominação dos animais que comem carne: “os carnívoros”.
A valorização dos conhecimentos dos alunos também fica evidente no turno 23
quando a professora pergunta outra informação própria do contexto escolar: o
coletivo de leões. A resposta dada pela criança, provavelmente, surpreende a
professora que valoriza e referenda, em 25, o texto coerentemente por ela
produzido, acrescentando o legítimo ao contexto escolar: “É uma reunião de leão, o
bando!”. A aproximação entre os diferentes discursos também ocorre em um
momento de efetiva leitura do texto, quando a professora aproxima o vocabulário
utilizado na revista para uma linguagem do conhecimento das crianças, já que, em
31, “farejar” significa “sentir mais o cheiro”.
As informações lidas e comentadas pela professora também possibilitam aos
alunos o emprego de estratégias de leitura, descritas por Goodman (1990), já que as
crianças selecionam informações para formular hipóteses - envolvendo predição e
inferência - que são confirmadas ou não mediante o confronto com o texto presente
na revista. Do segundo ao sexto turno, vemos as predições que as crianças realizam
acerca das grandes quantidades envolvidas no peso do leão e da leoa. Yasmine, em
44, provavelmente, ao lembrar da analogia feita pela professora sobre o peso dos
felinos com seu próprio peso, procura realizar uma comparação semelhante,
selecionando a informação sobre a quantidade de ossos no pescoço da girafa para
estimar o peso da mesma: “É claro que a girafa só tem sete ossos, é mais magra
que a gente... Deve pesar um quilo...”, informação posta em dúvida pela professora
no turno seguinte.
143

No que se refere ao discurso regulador, fica evidente a retomada da regra


sobre o silêncio, formulada no sétimo evento, no início do ano letivo, e referida nos
momentos nos quais se faz necessária: turnos 10, 33 e 38 do mesmo. A longa e
respeitosa interação percebida neste episódio, diante da ansiedade das crianças em
compartilhar suas vivências e conhecimentos, sinaliza o quanto os dois discursos
que constituem o dispositivo pedagógico - o instrucional e o regulador - estão
embutidos um no outro.

7.2.11 Brincadeira com Palavras (evento 50)

Este evento decorre do de número 49, por utilizar o mesmo suporte material:
um quebra-cabeça para unir as letras do alfabeto às palavras sem as
correspondentes letras iniciais. Enquanto o evento anterior foi planejado pela
professora, o presente episódio ocorreu pela iniciativa de uma criança ao descobrir
outras possibilidades de exploração linguística para o quebra-cabeça. O foco no
processo de alfabetização é evidente neste evento, já que, mediante a leitura e a
escrita de letras e de palavras, ocorre uma brincadeira com a linguagem.
A habilidade aqui envolvida relaciona-se à consciência fonológica, mais
especificamente, à consciência fonêmica. Chama a atenção o fato de que os alunos
que descobrem as palavras formadas pela inclusão, exclusão ou troca de letras
iniciais (Pablo, Max, Luís André e Diélice) são aqueles que estão no final do
processo de alfabetização, corroborando o já apontado na seção 5.2.2: a
consciência fonêmica - capacidade de analisar os fonemas e de relacioná-los com
os grafemas que os representam - é a última a ser adquirida pela criança.

1P Olha gente, o Pablo descobriu uma coisa bem legal. Conta pra nós, Pablo...
2 Pablo É que tá escrito VELHA aqui... (mostra a ficha.)
3P O Pablo descobriu que dá pra encontrar outras palavras nesse quebra-
cabeça...
4 Pablo É, se colocar o O na frente fica OVELHA...
(A professora escreve no quadro O de uma cor e VELHA de outra.)
5P Vamos ver outra... ASA (escreve no quadro), se eu colocar outra letra na
frente (escreve C no quadro), muda tudo...
6 Cs CASA!
7P E dá pra fazer diferente também... vocês montaram AVIÃO (escreve no
quadro), né?
144

8 Cs Sim!
9P E qual letra dá pra colocar na frente pra ficar outra palavra?
10 Max G, fica GAVIÃO.
(Professora escreve G no quadro.)
11 P Olhem aí as partes do quebra-cabeça, descubram outras palavras...
12 Pablo OCA, sora!
13 P Oca do quê?
14 Pablo Dos índios...
15 P Ah é... e qual letra falta?
(Ninguém responde.)
16 P Tem uma outra palavra assim: ATO, que letra falta?
17 Luís André É o P, fica PATO.
(Professora escreve no quadro.)
18 Diélice Profe, fica GATO se coloca o G.
(Professora escreve no quadro.)
19 P Ë mesmo, Diélice! E será que dá pra descobrir outro bicho ainda?
20 Max Tem RATO, profe!
(Professora escreve no quadro.)
21 P Isso! É só colocar o R, né?
22 P Cristian, olha aqui no quadro, me mostra quais letras são iguais? (As palavras
PATO, GATO, RATO estão escritas uma embaixo da outra.)
(Cristian aponta A, T, O.)
23 P O que é que muda, então?
(Cristian mostra P, G, R.)
24 P Viu só como uma letra muda tudo? Aqui é PATO, aqui é GATO e aqui é
RATO.
25 Pablo Eu sei o que que é? É foca, sora!
26 P Ah... o Pablo descobriu... OCA com o F fica FOCA!
27 P E tem mais uma ainda... ARCO!
28 Luís André É BARCO, sora!

O desafio proposto por Pablo envolve o menino de tal forma que a nova
palavra encontrada por ele no turno 12 (OCA), sobre a qual a professora faz um
questionamento em 15, é apenas respondida pela criança em 25 (FOCA). Apesar de
o evento privilegiar as crianças que escrevem de forma próxima à convencional, a
professora realiza uma exploração para também contemplar os alunos que se
encontram em níveis anteriores de conceitualização de escrita. É o que ocorre de 22
a 24, quando a professora solicita que Cristian, cuja escrita caracteriza-se pela
hipótese silábica, aponte as semelhanças e as diferenças entre os nomes dos três
animais: PATO, RATO, GATO. Fica evidente, mais uma vez, assim como no evento
19, o conhecimento da professora a respeito dos saberes de cada aluno, já que,
provavelmente, acreditando na possibilidade de Cristian aceitar a escrita silábica AO
para escrever qualquer um dos nomes, promoveu uma situação de conflito para
possibilitar a reflexão da criança diante das formas convencionais de escrita.
145

7.3 AS DIMENSÕES DA PEDAGOGIA MISTA NA PRÁTICA PEDAGÓGICA


ALFABETIZADORA

A prática pedagógica da professora foi analisada tendo como referência o


modelo de pedagogia mista descrito por Morais (2002) e Morais e Neves (2003). Na
seção 4.2, indicamos as dimensões do discurso instrucional e as do discurso
regulador que foram alvo de investigação das autoras. Tanto no momento de
construção do modelo da pedagogia mista, quanto no relato dos resultados de
pesquisa, elas utilizaram uma escala constituída por dois níveis ou de classificação
ou de enquadramento.
Diante de todas as dimensões da prática pedagógica apresentadas na
referida seção, cabe-nos indicar quais foram alvo de efetiva análise nesta tese
apresentadas no quadro a seguir, com a indicação do conceito da teoria implicado e
o respectivo nível. Enquanto as relações de poder foram referidas através de valores
fortes (C+) ou fracos (C-) de classificação, as de controle foram indicadas por valores
fortes (E+) ou fracos (E-) de enquadramento.
A escolha das dimensões deve-se aos aspectos que se mostraram mais
produtivos no que se refere às aprendizagens dos alunos envolvidos na prática
pedagógica analisada. Iniciamos por aquelas que dizem respeito ao discurso
regulador: as relações entre os sujeitos guiadas pelas regras hierárquicas e as
relações entre espaços. Salientamos, ainda, que também foram examinadas
situações relacionadas às competências sociais cooperação, respeito,
responsabilidade e autonomia, especialmente no que se refere aos princípios de
convivência presentes na sala de aula. Depois, apresentamos os aspectos relativos
ao discurso instrucional, unindo a seleção em micro e em macro nível para, em
seguida, examinar a sequência, a ritmagem e os critérios de avaliação.
146

Conceito
Classificação Enquadramento
Dimensão
Interação
hierárquicas E-
professor-aluno
Regras
Discurso regulador

Interação
E-
aluno-aluno
Relações entre o
espaço do professor e o C-
espaço do aluno
Seleção macro E+
Relações entre conhecimentos
C-
Discurso intrucional

Seleção

escolar e não-escolar
micro

E-
Relações entre conhecimentos
C-
da mesma disciplina
Sequência E-
Ritmagem E-
Critérios de avaliação E+

Quadro 4 - Dimensões do modelo de pedagogia mista

Diante disso, efetuamos, a seguir, o exame da prática pedagógica observada,


contemplando as dimensões acima referidas. Quando possível, optamos por
exemplificar as características da pedagogia mista com situações referentes aos
eventos que não foram transcritos, uma vez que os outros já foram alvo de intensa
descrição e análise.

7.3.1 As Relações entre os Sujeitos

Como já referimos ao apresentar o referencial sociológico de Bernstein


(1996a, 1998), o discurso pedagógico é composto por dois discursos: o regulador e
o instrucional, sendo que o primeiro é dominante em relação ao segundo, pois está
147

presente em todos os momentos da prática pedagógica, regulando, por meio de


regras hierárquicas, a interação entre os sujeitos ora de forma tácita, ora de forma
explícita. Assim, são as regras hierárquicas que possibilitam ao professor e aos
alunos aprenderem a conduta apropriada a cada um dos papéis desempenhados na
relação pedagógica. Nesta dimensão, contemplamos, portanto, as interações tanto
entre professor e aluno quanto entre os alunos.
No que se refere à prática pedagógica analisada nesta tese, a professora tem
uma posição hierarquicamente superior em relação aos alunos - para Bernstein,
essa é a única opção, com a qual concordamos -, resultando em uma classificação
forte entre tais sujeitos. No que se refere à comunicação entre eles, entretanto, o
enquadramento é fraco, em conformidade com o modelo da pedagogia mista, já que
a professora possibilita a criação de um ambiente de convivência agradável,
respeitosa e de ajuda mútua, no qual os alunos podem trocar idéias, fazer perguntas
e discutir sobre outros assuntos que não somente os tratados em aula.
Através da aquisição das regras de ordem social, de caráter e de modos de
comportamento, a professora e as crianças aprendem aquilo que é adequado ou
não a ao seu papel. Na turma acompanhada, as normas não são flexíveis, mas
foram acordadas e possibilitam um espaço de negociação no qual são discutidas,
conforme a necessidade, a maneira de ser, a conduta e a postura dos sujeitos.
Apresentamos, então, os princípios de convivência formulados coletivamente
pelas crianças e pela professora durante o segundo dia de aula da turma.
Percebemos que privilegiam competências sociais, tais como, cooperação, respeito,
responsabilidade e autonomia. Tais normas permaneceram expostas em cartaz
afixado na sala de aula ao longo do ano letivo. A partir da transcrição do evento 7,
fizemos a análise do momento interativo que deu origem à primeira regra -
relacionada à escuta dos colegas e da professora - uma vez que é referida em várias
outras situações já apontadas. Cabe-nos relembrar, ainda, que todos os princípios
de convivência foram retomados no evento 64, quando a professora conduziu uma
conversa com as crianças sobre as atitudes em relação a cada regra para a
validação das mesmas ou posterior realização de novos acordos entre o grupo.
148

As regras que fizemos para a nossa turma:

1) Fazer silêncio quando os colegas ou a professora estiverem falando.


2) Levantar o dedo e esperar sua vez de falar.
3) Cuidar dos seus materiais e dos materiais do grupo.
4) Devolver o material que pedir emprestado aos colegas ou à professora.
5) Pedir desculpas quando fizer algo errado.
6) Respeitar todos, evitando brigas e brincadeiras de mau gosto.
7) No recreio, aproveitar para brincar educadamente.
8) Avisar a professora quando houver algo errado no recreio.
9) Cuidar da organização da sua mesa e da sala.
10) Jogar o lixo no lugar certo.

No que se refere aos princípios que regulam a ação pedagógica da


professora, percebemos, sobretudo, a ênfase na consideração de todos os alunos
nas situações de aprendizagem, já que há a valorização da participação de cada
criança de acordo com suas possibilidades, respeitando as diferenças individuais.
Retomamos, aqui, o fato ocorrido no evento 5 quando a professora aceita a
transgressão de uma norma, já que o horário de chegada do menino à sala de aula
fere o limite imposto pela escola, acolhendo-o e realizando com ele a mesma
situação pedagógica já proposta às demais crianças. A solidariedade entre os
alunos é outro valor promovido tanto pelo incentivo ao auxílio mútuo no momento de
realização de atividades - como no evento 4 em que os colegas ajudam na
identificação do nome da letra sorteada no jogo - quanto pelo empréstimo de
material escolar, motivado pela professora. Tais princípios - o do respeito às
diferenças e o da solidariedade - estão presentes na Proposta Político-Pedagógica
do Ensino por Ciclos de Formação conforme explicitado no referencial sociológico,
apontando a coerente recontextualização realizada pela professora na prática
pedagógica aqui examinada.
Aspectos relacionados ao caráter também são evidenciados, já que, no
evento 21, a professora enfatiza a importância da sinceridade nas respostas durante
a realização da autoavaliação. O reconhecimento da autoria é explicitado no evento
37, quando a professora apresenta a produção plástica e escrita de cada aluno, que
compõe o livro coletivo sobre a história “A mulher gigante”. A cortesia é outro
aspecto incentivado pela professora no evento 35, quando os alunos cantam
“Parabéns a você” e abraçam o aniversariante do dia, situação ocorrida novamente
no evento 47, de forma espontânea, por iniciativa das crianças. As manifestações de
afeto e carinho tornam-se, também, recorrentes.
149

O clima harmonioso de ensino e de aprendizagem percebido tem origem,


então, em acordos explícitos entre os alunos e a professora e, sobretudo, na sua
própria postura pedagógica, caracterizada pelo equilíbrio entre a afetividade e o
limite necessários, mostrando-se compreensiva e sensível diante das situações
difíceis de vida enfrentadas pelos seus alunos (crianças sexualmente abusadas,
familiares presos, incêndios na moradia dos alunos), mas também firme quando era
preciso (sobretudo nas situações de desrespeito entre colegas). Foi esse equilíbrio
no discurso regulador, em primeiro lugar, que possibilitou que todas as outras
dimensões da prática pedagógica, especialmente às que se referem ao discurso
instrucional, fossem desenvolvidas de modo a proporcionar a aprendizagem dos
alunos.

7.3.2 O Espaço da Professora e o Espaço dos Alunos

Não faremos, aqui, uma descrição do espaço físico da sala de aula, mas nos
interessa examinar de que modo se estabelece a relação entre o espaço da
professora e os espaços dos alunos. Talvez o que melhor defina tal relação é
salientar que esses espaços são compartilhados, existindo uma classificação fraca
entre eles, conforme indicado no modelo da pedagogia mista. As fronteiras entre os
espaços são, portanto, esbatidas, não havendo restrições aos sujeitos para a
movimentação neles.
Assim, tanto a professora utiliza o espaço destinado aos alunos - já que
circula constantemente entre as mesas das crianças e, muitas vezes, permanece em
pé ou senta-se ao lado de uma para a realização de intervenções pedagógicas
específicas - quanto os alunos utilizam o espaço destinado à professora,
apresentando trabalhos ao grande grupo, registrando produções escritas no quadro
de giz que, posteriormente, são alvo de intervenções pedagógicas explícitas. No que
se refere a essa segunda opção, cabe salientar que as crianças valem-se da ação
pedagógica da professora como modelo quando utilizam o espaço da mesma. No
evento 52, a professora realiza o jogo da forca com os alunos a partir de palavras
presentes no quebra-cabeça montado anteriormente. No dia seguinte, por ocasião
do evento 61, são os alunos quem coordenam a realização do jogo, selecionando
150

palavras do painel do alfabeto e relacionadas ao filme “Madagascar”, sendo


auxiliados pela professora somente quando a ajuda é imprescindível. Tal situação
tornou a ocorrer nos momentos em que havia um espaço pequeno de tempo entre
duas atividades, constituindo-se como um evento recorrente que contemplou todas
as crianças da turma no papel de professora, tendo sua ação anterior como
referência.
A professora organiza o espaço da sala de aula conforme sua ação e
intenção pedagógica. Durante as aulas acompanhadas, percebemos a preferência
pela disposição das mesas em forma de U, privilegiando, por um lado, o trabalho
coletivo em grande grupo, mas também possibilitando a realização de intervenções
individuais. Também houve o agrupamento das crianças em duplas, trios ou
quartetos, motivando a interação e o auxílio mútuo entre elas, conforme apontado no
evento 14.
Outra forma recorrente de organização do espaço na prática pedagógica
examinada são as rodas para conversa ou para leitura. Em ambas as situações, os
alunos são dispostos confortavelmente em um tapete e sentam-se sobre almofadas,
o mesmo acontece com a professora, a não ser no evento 7 quando ela utiliza uma
cadeira devido à necessidade de apoio para a escrita. Ainda, ela manifesta
preocupação com a possibilidade de visão de todos os alunos, principalmente em
momentos de hora do conto, como indicado no evento 16, orientando as crianças na
composição do círculo.
Os materiais do espaço pedagógico também são partilhados, já que, diante
da escassez de material escolar de muitos alunos, a professora dispõe de lápis de
escrever, lápis de cor, borracha, tesoura e cola, entre outros, para uso coletivo que
circulam entre os diferentes grupos de trabalho.
Assim, já que o limite entre o espaço da professora e o dos alunos é tênue,
fracamente marcado, isso possibilita, então, o enfraquecimento de outros aspectos
da prática pedagógica, como as regras hierárquicas que regulam a interação entre
os sujeitos.
151

7.3.3 A Seleção do Conhecimento

No que se refere ao discurso instrucional, a regra discursiva que demanda


maior explicitação é a seleção do conhecimento. Além de ser analisada tanto em
nível macro quanto em nível micro, ainda dentro dessa última especificidade,
evidenciamos as relações entre conhecimentos escolar e não-escolar e entre
conhecimentos da mesma disciplina, no caso, aqui em questão, os da área da
linguagem. De modo a estabelecer relações entre tais dimensões e as categorias de
descrição dos oitenta eventos apresentados no quadro 1, organizaremos esta
análise a partir de tais categorias, modificando, todavia, a ordenação das mesmas.
Iniciamos, portanto, com a ocorrência dos processos envolvidos nos eventos.
Ao serem quantificados, fica evidente a superioridade dos eventos de alfabetização
em relação aos de letramento, conforme visualizado abaixo.

Processo envolvido no evento Ocorrência


alfabetização 45
letramento 27
alfabetização e letramento 8
Total 80

Quadro 5 - Processo envolvido no evento

Assim, no que se refere à seleção do conhecimento em nível macro, podemos


afirmar que o foco da prática pedagógica no processo de alfabetização evidencia o
controle que a professora exerce sobre essa regra discursiva, caracterizando um
enquadramento forte que possibilita aos alunos perceberem a relevância de tal
conhecimento a ser desenvolvido no ano escolar. A ênfase nos eventos de
alfabetização corrobora a constante preocupação da professora com o processo de
aquisição da leitura e da escrita dos alunos, manifestada em vários momentos da
coleta dos dados empíricos: nos conselhos de classe, nas reuniões pedagógicas e
na entrevista final. Conforme o modelo da pedagogia mista, a seleção do
conhecimento, no que diz respeito ao nível macro, é efetuada por decisão do
professor.
152

Já que a definição do evento por ser de alfabetização ou de letramento deu-


se em função da unidade linguística presente, continuamos esta discussão no
referido item. Relacionando o quadro anterior a este que vem a seguir, temos a
justificativa para a superioridade dos eventos de alfabetização em relação aos de
letramento. Somando as ocorrências grifadas nas mesmas cores, temos os 45
eventos de alfabetização, os 27 eventos de letramento e os oito episódios em que
ambos os processos estão presentes.

Unidade linguística presente no evento Ocorrência


palavra 17
texto 15
texto e frase 11
palavra e letra 10
palavra, sílaba e letra 7
letra 4
texto, frase, palavra, sílaba, letra, fonema 3
palavra e sílaba 3
palavra, sílaba, letra e fonema 2
palavra, letra e fonema 2
texto, frase, palavra e sílaba 1
texto, frase e palavra 1
texto oral e palavra 1
texto oral e letra 1
frase, palavra e letra 1
frase 1
Total 80

Quadro 6 - Unidade linguística presente no evento

Não mencionaremos cada uma das combinações referentes às unidades


linguísticas, mas sublinharemos alguns aspectos que merecem ser comentados. As
duas unidades mais presentes, palavra e texto, referem-se a processos distintos do
campo da linguagem: alfabetização e letramento, respectivamente, apontando a
fraca classificação entre tais unidades no que se refere a conhecimentos
153

intradisciplinares. A terceira e a quarta maior ocorrência também se relacionam a


unidades de processos distintos: enquanto texto e frase referem-se ao letramento,
palavra e letra dizem respeito à alfabetização.
Vale destacar que há três ocorrências em que todas as unidades linguísticas
estão presentes - texto, frase, palavra, sílaba, letra, fonema - sinalizando,
novamente, o esbatimento das fronteiras entre conteúdos da mesma disciplina.
Nessas situações, percebemos que a alfabetização ocorre em um contexto de
letramento (SOARES, 2004). Chama ainda a atenção o fato de que as unidades
avulsas presentes nos eventos: texto, frase, palavra e letra são unidades linguísticas
que carregam significados para os alfabetizandos, diferentemente das unidades
sílaba e fonema, ausentes, pelo menos na forma avulsa. Assim, podemos afirmar
que a professora aproxima-se de uma abordagem relacionada à língua integral
(GOODMAN, 1990) e afasta-se da perspectiva fônica (CAPOVILLA, 2005).
Já que mencionamos o cuidado da professora em selecionar o que é
significativo às crianças, passamos, agora, à categoria temática. Diante da
multiplicidade de temas abordados nos oitenta eventos, indagamos qual o critério
para a seleção de tais temáticas. Percebemos que, ao longo do ano letivo, é
possível visualizar tanto temas recorrentes quanto blocos temáticos que
desencadeiam ações pedagógicas relacionadas a um determinado universo
semântico. Salientamos que, tanto no quadro a seguir quanto na análise descritiva
que dela decorre, cada evento aparece indicado apenas uma vez, salvo os episódios
de número 2, 12 e 22, destacados graficamente.

Temática do evento Identificação do evento Ocorrência


identificação 2, 12
nomes próprios

crachás 5, 6
fila 10, 27, 39, 51, 63, 71, 80 18
aniversariantes 35, 47
ajudante 18, 33, 59, 68, 76
letras do alfabeto 1, 4, 9, 22, 24, 25, 49 7
filme “Madagascar” 42, 43, 45, 46, 58, 60, 75 7
livro “Você troca?” 65, 66, 67, 69, 73, 74 6
história “A mulher gigante” 16, 17, 19, 20, 37 5
154

história “Príncipe Herculano, o chato” 31, 32, 34, 38, 40 5


livros coletivos 53, 54, 55, 56, 57 5
filme “Tainá 2: a aventura continua” 13, 14, 15 3
tema de casa 26, 48, 62 3
conto clássico: “Branca de Neve e os 77, 78, 79 3
sete anões”
painel da turma 2, 3 2
princípios de convivência 7, 64 2
aviso aos pais 8, 28 2
música “Tango Lamango” 11, 12 2
personagens de desenhos animados 22, 23 2
organização das atividades da aula 29, 30 2
brincadeira com palavras 50, 70 2
jogo da forca 52, 61 2
autoavaliação 21 1
história “Isso eu não digo!” 36 1
encontro com Gustavo Finkler 41 1
identificação do dia de aula 44 1
livro “Assim assado” 72 1

Quadro 7 - Temática do evento

Apesar de termos mencionado a ocorrência de cada temática, interessa-nos


enfatizar mais os temas propriamente ditos e o encadeamento entre eles; por isso
não seguiremos aqui, a ordenação do quadro.
Iniciamos pelos temas constantes que perpassam o ano letivo. Dentre eles,
destacam-se os eventos acerca das letras do alfabeto e os referentes a nomes
próprios das crianças da turma. No que concerne aos primeiros (eventos 1, 4, 9, 22,
24, 25, 49), as letras aparecem tanto como parte integrante de palavras-chave em
suportes pedagógicos como no painel e no álbum do alfabeto, quanto isoladas, mas
contextualizadas através de jogos ou em suportes para além do papel, como roupas
e o próprio corpo.
Há um expressivo número de eventos acerca dos nomes próprios, já que eles
constituem o primeiro universo vocabular eleito como referência no processo de
155

aquisição da leitura e da escrita, didatização decorrente dos estudos psicogenéticos


(FERREIRO; TEBEROSKY, 1999). Ao mesmo tempo em que os nomes aparecem
como expediente para a identificação dos alunos em painel coletivo e na formação
de grupos (eventos 2, 12), eles são centrais nos episódios 5 e 6 em que ocorre a
confecção dos crachás, precedida pela exploração dos nomes como objeto
linguístico de análise.
A maior quantidade de eventos relativos a nomes próprios são, entretanto, os
recorrentes, segundo Street e Lefstein (2007) os quais se tornam práticas cotidianas
por fazerem parte da rotina da sala de aula. É o caso dos momentos de organização
das crianças em fila (eventos 10, 27, 39, 51, 63, 71, 80), em que há o sorteio do
nome de um menino e de uma menina para serem os primeiros alunos, e o das
situações de sorteio do nome do ajudante da turma (18, 33, 59, 68, 76). Ambos os
episódios ocorrem quando são necessários à rotina do dia escolar, por exemplo, por
ocasião da formação da fila para a ida ao pátio no recreio, ao refeitório no almoço ou
no momento da saída ao final do turno de aula. Além disso, a identificação do nome
do aniversariante no cartaz também se constitui como uma prática, pois, apesar de
ter sido presenciado apenas duas vezes (35, 47), em ambas, a iniciativa de
reconhecimento do nome foi dos alunos. Chama atenção o fato de que esses três
tipos de evento apresentam suporte material fixo na sala de aula: cartazes.
Percebemos, também, a influência no planejamento do grupo docente do
primeiro ciclo da escola e, mais especificamente, do segundo ano do primeiro ciclo,
na escolha de situações-chave que desencadeiam blocos temáticos. As idas ao
cinema para assistir aos filmes “Tainá 2: a aventura continua” e “Madagascar” deram
origem aos eventos 13, 14, 15 referentes ao primeiro filme e aos episódios 42, 43,
45, 46, 58, 60, 75 relacionados ao segundo. É importante destacar a relação
interdisciplinar estabelecida com o campo das ciências da natureza no estudo das
características dos animais presentes no filme “Madagascar”, dando origem a um
livro de autoria dos alunos sobre o assunto. Tal relação com conteúdos de outras
disciplinas é visualizada também na escolha do jogo “Tango Lamango” que explora
noções matemáticas, nos eventos 11, 12, sendo que este último já foi mencionado
por ocasião da temática relativa aos nomes próprios. Apesar da relação entre
conhecimentos de diferentes disciplinas não ser o foco de análise desta tese,
percebemos sim uma fraca classificação entre as fronteiras que delimitam tais
conteúdos.
156

A última temática observada, contos clássicos, envolveu as turmas do turno


da manhã do segundo ciclo, sinalizando a existência de um planejamento coletivo
entre as professoras, já que cada turma ficou responsável pelo estudo, ensaio e
apresentação de uma peça teatral referente a um conto clássico. Nos eventos 77,
78, 79 percebemos parte desse processo materializado na montagem do livro
“Branca de Neve e os sete anões”.
O encontro com o autor Gustavo Finkler (evento 41) é a culminância de um
projeto que mobilizou a escola praticamente em sua totalidade, já que envolveu
diferentes setores, como equipe diretiva, supervisão, coordenação cultural, biblioteca
e, sem dúvida, o grupo de professores como protagonista na execução de situações
de aprendizagem planejadas coletivamente que, aos poucos, foram aproximando os
alunos do universo musical e literário do autor.
A interação entre alunos de diferentes ciclos, além de ocorrer no referido
encontro, também foi possibilitada no evento 36, por ocasião da declamação do
poema “Isso eu não digo!” pelo grupo “Contadores de histórias”, desencadeando
uma situação pedagógica não planejada pela professora. Diferentemente disso, o
texto que dá origem ao livro “A mulher gigante”, tema dos eventos 16, 17, 19, 20, 37
e o poema “Príncipe Herculano, o chato”, presente nos episódios 31, 32, 34, 38, 40
sinalizam uma escolha cuidadosa da professora amalgamada a um intenso
planejamento desdobrado em vários dias letivos que culmina com a elaboração
coletiva de livros com as produções gráficas das crianças. Os dois poemas tratam de
personagens curiosos, cujas ações são caracterizadas pelo inusitado.
É importante grifar que os três poemas fazem parte do livro “A mulher
gigante” que originalmente era um CD, depois foi transformado em espetáculo; daí a
constante relação com as músicas escutadas pelos alunos, possibilitada pelo fato de
o CD constar no livro, o que proporcionou maior aproximação com a obra. Vale
ressaltar que, além do encontro com o autor, os alunos também tiveram a
oportunidade de assistir ao espetáculo na escola por ocasião da feira do livro.
As escolhas específicas da professora apontam para projetos de leitura e de
escrita de livros que focalizam rimas. Dos livros elaborados coletivamente pela
turma, apresentados nos eventos 53, 54, 55, 56, 57, três enfocam rimas.
Percebemos que a professora possibilita a apropriação de um determinado gênero
textual, através da leitura e exploração de suas especificidades, para a produção de
textos no mesmo estilo pelos alunos. A partir da leitura da obra “Assim assado” de
157

Eva Furnari, as crianças ilustraram os versos rimados da autora, dando origem a


uma produção coletiva. Este livro também é tema do episódio 72.
O livro “Assim Assado” apresenta textos rimados nos quais a estrutura se
repete, mas o conteúdo é diferente, já que, a cada duas páginas, um novo
personagem é apresentado, nomeado e realiza uma ação atrapalhada seguida de
uma imprevista consequência. A produção do livro “Poesias da A22” seguiu essa
mesma estrutura, mas nesta vez, os alunos foram tanto os autores das rimas quanto
os ilustradores.
O livro “Você troca?”, da mesma autora, constitui-se em uma brincadeira com
as palavras, em que não há uma trama a ser seguida, mas trocadilhos inusitados e
divertidos apresentados, também, em um texto completo a cada duas páginas. Os
eventos 65, 66, 67, 69, 73, 74 são referentes à obra, constituindo um projeto de
trabalho intenso envolvendo ambos os processos: o de alfabetização e o de
letramento. A leitura do livro possibilitou o acesso a um amplo universo vocabular
relacionado a ilustrações variadas e criativas. Tais palavras foram exaustivamente
exploradas tanto na leitura quanto na escrita, através de diferentes suportes, como
cartazes, folhas avulsas e cartas que compõem baralhos para diversos jogos,
possibilitando às crianças a aquisição de formas gráficas estáveis por meio da
ludicidade.
A referida obra literária é própria, sobretudo, para o desenvolvimento de
ações pedagógicas relacionadas à consciência fonológica, tanto que isso ocorre no
evento 70 através da exploração de palavras por meio das consciências silábica e
fonêmica. O episódio 50 vai nesta mesma direção, tendo, todavia, outro universo
semântico como pano de fundo e abordando apenas a consciência fonêmica de
forma lúdica, constituindo-se, portanto, em uma brincadeira com palavras.
Apesar de terem sido presenciados apenas duas vezes, os eventos
relacionados ao jogo da forca, 52 e 61, sinalizam como as palavras dos diferentes
universos vocabulares tornam-se referência para as crianças no processo de
alfabetização, já que são selecionadas pelos alunos nas rodadas do jogo.
Os eventos 8 e 28 possibilitam aos alunos a participação em situações nas
quais percebe-se a função comunicativa da escrita, uma vez que os pais ou
responsáveis são avisados, por meio de bilhetes, sobre encontros que ocorrerão na
escola com a professora. Há, portanto, um uso contextualizado da escrita, para um
fim específico e comunicativo. Tais episódios não são alvo de explorações
158

lingüísticas exaustivas e possibilitam às crianças vivências em situações reais de


comunicação, relacionadas, portanto, ao enfoque do letramento.
A preocupação da professora com os princípios de convivência da turma são
apontados nos eventos 7 e 64, não só no momento da formulação dos mesmos, mas
também quando são retomados, sinalizando a importância das relações
harmoniosas entre os sujeitos. Fica evidente a função mnemônica da escrita
quando, no início do ano, a professora explica o registro dos princípios de
convivência em cartaz para ser utilizado como auxílio à memória, o que de fato
ocorre. A autoavaliação, descrita no evento 21, também é uma temática que se
relaciona ao discurso regulador.
Os eventos 26, 48, 62 referem-se à explicação do tema de casa. Percebemos
uma preocupação da professora em explicitar os critérios de avaliação, detalhando o
que deve ser feito, assim como orientando a realização de uma parte da tarefa em
aula para guiar a atividade em casa, já que muitas crianças não contam com o
auxílio da família nesses momentos. Bernstein (1996a) salienta que são necessários
dois locais de aquisição: a escola e o lar.
Ainda, há duas temáticas que estão relacionadas: a organização das
atividades da aula (29 e 30) e a identificação do dia da aula (44) que apresentam
textos referentes à dimensão sequência da prática pedagógica. Por fim, cabe referir
outras duas temáticas: a confecção coletiva do painel da turma nos eventos 2 e 3
ocorridos no primeiro dia de aula e a dos personagens de desenhos animados
presentes no álbum do alfabeto em 22 e 23, eventos já foi mencionado
anteriormente.
Um traço comum a todos os eventos que envolvem as mais diversas
temáticas é a presença do elemento oralidade associado ora à leitura, ora à escrita,
ora a ambos: Street e Lefstein (2007) enfatizam a amalgamada relação entre tais
elementos. Como já foi referido, para fins de descrição e análise dos dados
coletados, não inserimos o elemento oralidade em cada um dos oitenta eventos
indicados no quadro 1. Fizemos a opção por destacá-lo nas cinco situações em que
o texto presente é eminentemente oral (eventos 13, 17, 32, 41, 53). Ainda há duas
ocorrências de eventos de oralidade mesclados: o evento número 24 é
acompanhado de uma situação de escrita e o evento número 37, de uma situação
de leitura. Tal indicação mostrou-se premente, nesses casos, porque o processo de
letramento apenas poderia ser visualizado através do discurso oral, já que os
159

episódios de leitura e de escrita presentes no evento relacionam-se à alfabetização.


Vamos, então, aos dados quantitativos.

Elemento presente no evento Ocorrência


leitura 46
escrita 14
leitura e escrita 13
oralidade 5
oralidade e leitura 1
oralidade e escrita 1
Total 80

Quadro 8 - Elemento presente no evento

Fica evidente a superioridade quantitativa dos eventos de leitura - quarenta e


seis - em relação aos de escrita, quatorze. Tal diferença merece um olhar detalhado,
uma vez que implica diversos fatores. Elencamos, aqui, aqueles referentes aos
eventos de leitura, já que, dentre estes, apenas dezenove dizem respeito a
interações mediadas por textos originalmente selecionados para leitura. Cabe
discutir, então, as razões que levam a inclusão dos outros nessa categoria.
Os textos advindos de produções escritas da turma, posteriormente lidas,
estão presentes em oito ocasiões (eventos 20, 30, 40, 54, 55, 57, 64, 70). Outros
números expressivos referem-se aos episódios de leitura que compõem a rotina de
atividades da sala de aula, tornando-se recorrentes. O sorteio dos primeiros alunos
da fila contabiliza sete eventos, já o sorteio do ajudante da turma tem cinco
ocorrências. Quatro situações acontecem por iniciativa dos alunos (eventos 11, 35,
47, 66), não sendo planejadas pela professora, incluindo os episódios referentes ao
aniversariante da turma, nos quais as próprias crianças consultam o cartaz com os
nomes e as datas. Ainda, três eventos (8, 28, 36) são inerentes ao funcionamento da
instituição, pois possibilitam a comunicação de atividades que envolvem a
comunidade escolar.
Há quatorze eventos em que o elemento presente é a escrita. Nos episódios 6
e 29, o contorno do nome próprio e o registro do roteiro de atividades da aula,
respectivamente, caracterizam a escrita como cópia. Já nos eventos 19, 34 e 69, as
160

crianças escrevem palavras de um determinado universo semântico conforme sua


hipótese de conceitualização de escrita, mas, a partir da intervenção da professora e
dos colegas, chegam à forma convencional. A produção espontânea de texto, a
partir de uma cena, é visualizada no episódio 46. A escrita coletiva de título e de
palavras aparece nos eventos 3 e 23, respectivamente; já o registro individual do
nome próprio ocorre no evento de número 2. A escrita como tema de casa aparece
nos eventos 26, 48 e 62, sendo que nos dois primeiros há o registro de letra inicial
em aula, como suporte à realização da tarefa que deverá ocorrer no lar, e no terceiro
há orientação da professora para o registro, com o apoio da família, de palavras para
serem utilizadas o jogo da forca, diferente das já conhecidas, possibilitando a
aquisição de novas formas estáveis de escrita. Ainda, é possível perceber a função
mnemônica da escrita no evento de número 7, por ocasião do registro dos princípios
de convivência da turma. Os aspectos topológicos das letras são evidenciados no
episódio 25, tendo o corpo como suporte de escrita.
Ainda, há uma quantidade significativa de eventos mesclados - treze ao todo -
em que estão presentes ambos os elementos: leitura e escrita. Novamente, aqui,
chama a atenção o fato de que, na turma, grande parte do material escrito produzido
é, depois, objeto de leitura. Essa imbricada relação está presente nos eventos 12,
15, 43, 52, 61, já que, quando as palavras escritas são analisadas no que se refere à
letra inicial, à letra final, ao número de letras, de sílabas, de vogais, tal procedimento
foi considerado como um evento de leitura.
Desses treze eventos, lancemos um olhar específico ao elemento escrita.
Percebemos um expressivo investimento da intervenção pedagógica na produção
das crianças até chegar à forma convencional: isso pode ser visualizado nos eventos
15, 38, 45, 60, 75, ainda que nesse segundo episódio mencionado tais intervenções
sejam realizadas apenas após a produção textual espontânea e somente com
crianças que estão ao final do processo de alfabetização. A escrita exerce um papel
privilegiado no evento 50, que focaliza a consciência fonêmica, e nos episódios 52 e
61, por ocasião do jogo da forca. Apenas no evento 44 a escrita aparece como cópia
de um texto registrado pela professora. É ela, também, quem anota no quadro as
vogais no evento 9 e os nomes dos alunos no episódio 12. No evento 78, a escrita é,
primeiramente, coletiva no quadro e, depois, individual. Já, no episódio 43, é apenas
coletiva, compartilhada entre professora e alunos.
161

As ações pedagógicas que guiam tanto a escrita quanto a leitura carregam


especificidades. Examinemos, primeiramente, as propostas de leitura. Ela pode ser
global, ocorrendo pela via lexical, quando as crianças reconhecem as palavras
usuais pela familiaridade com determinado universo vocabular, buscando índices
gráficos como letra inicial, letra final, quantidade de letras para confirmar suas
hipóteses, perspectiva relacionada à psicogênese da língua escrita (FERREIRO,
TEBEROSKY, 1990). A via fonológica alicerça outro tipo de leitura, na qual os alunos
estabelecem a relação letra-som, som-letra, produzindo uma leitura escandida por
sílabas. A leitura também pode ser realizada apenas pela professora, que se torna
modelo aos alunos ouvintes e interlocutores, ou pelos alunos de forma coletiva ou
individual. Nesses casos, os leitores lançam mão de estratégias de seleção,
predição, inferência, confirmação e autocorreção para obter significado a partir do
texto (GOODMAN, 1990). Ainda, como já foi referido, há leitura quando as palavras
são analisadas no que diz respeito à letra inicial, à letra final, ao número de letras,
de sílabas, de vogais. Lembramos que tais especificidades referentes à leitura já
foram apresentadas no referencial teórico.
No que se refere à escrita, percebemos, também, uma multiplicidade de
propostas. Como já foram referidas detalhadamente, apenas iremos retomá-las: a
escrita pode ser realizada pela professora ou pelos alunos, tanto de forma coletiva
quanto individual. Além disso, há propostas de escrita espontânea, nas quais a
professora aceita toda e qualquer produção das crianças e momentos de efetiva
intervenção pedagógica quando há um texto legítimo ao contexto escolar que deve
ser produzido por todos os alunos. Algumas vezes, ainda, a escrita assume o caráter
de cópia de um modelo.
Sem dúvida, lê-se mais do que se escreve nesta sala de aula, parece que há,
sim, uma convergência entre tal constatação e as práticas cotidianas dos sujeitos
letrados, já que podemos afirmar que, diariamente, participamos de muito mais
eventos de leitura do que de escrita. Os Novos Estudos do Letramento preocupam-
se em identificar tais eventos cotidianos para conhecer as práticas dos sujeitos. Esta
é uma das formas de aproximação dos diferentes conhecimentos: quando
estabelecemos relações entre as práticas sociais e as escolares, indicando uma
fraca classificação entre tais discursos.
Além da quantidade expressiva de eventos recorrentes de leitura,
relembramos que a superioridade dos eventos de leitura em relação aos de escrita,
162

deve-se, em grande parte, ao fato de que muitos eventos originalmente planejados


para escrita acabam contemplando, também, a leitura. Uma condição para que isso
ocorra é compartilhar o texto produzido entre esses dois domínios e isto apenas é
possível mediante o esbatimento das fronteiras entre os elementos leitura e escrita,
indicando uma fraca classificação entre esses conhecimentos da mesma área, qual
seja, a linguagem.
Ao considerarmos que o texto é elemento essencial para que ocorra o evento
de letramento, este conceito é concebido em uma perspectiva mais ampla, já
explicitada. Um mesmo evento pode apresentar mais de um texto e um mesmo texto
pode estar estruturado em mais de um suporte. Em razão disso, não foi possível
compor um quadro relacionado ao número total de eventos descritos, já que a
quantidade de textos pressupôs uma significativa ampliação. É importante explicitar
o acréscimo do vocábulo “canal” na terceira coluna deste quadro, ausente no
original, devido ao olhar singular lançado, aqui, a cada texto, especialmente aos que
pressupõem a oralidade e não um suporte material.

Texto presente Identificação Suporte material


Ocorrência
no evento do evento do texto / Canal
ilustrações 9 painel
26
alfabeto individual
desenhos 13 folha
caderno
imagens 19 folha
22 adesivo
fotografias 26 folha
34 folha
36 livro
37 livro coletivo
38 folha
40 livro coletivo
42 revista
46 quebra-cabeça
folha
48 folha
49 quebra-cabeça
caderno
54 livro coletivo
55 livro coletivo
56 livro coletivo
57 livro coletivo
58 revista
65 livro
67 cartaz
69 folha
72 cartaz
163

73 cartaz
74 carta
79 folha
9 painel do alfabeto
alfabeto individual
15 quadro
19 quadro
folha
20 quadro
22 álbum do alfabeto
23 quadro
álbum do alfabeto
34 quadro
folha
37 livro coletivo
43 quadro
palavras-chave
45 folha
caderno 21
palavras de
49 quebra-cabeça
universo semântico
caderno
50 quebra-cabeça
quadro
52 quadro
61 quadro
62 caderno
67 cartaz
69 quadro
folha
70 quadro
72 cartaz
73 cartaz
74 carta
2 ficha, painel
5 crachá
6 crachá
10 cartaz
12 quadro
18 cartaz
27 cartaz
33 cartaz
nomes próprios 35 cartaz
18
dos alunos 39 cartaz
47 cartaz
51 cartaz
59 cartaz
63 cartaz
68 cartaz
71 cartaz
76 cartaz
80 cartaz
letras 1 roupa 13
4 letras móveis
alfabeto 9 painel do alfabeto
alfabeto individual
quadro
15 letras móveis coloridas
22 álbum do alfabeto
24 quadro
164

25 corpo
26 folha
48 folha
49 quebra-cabeça
caderno
50 quebra-cabeça
quadro
52 quadro
61 quadro
11 folha
17 CD
letra de música 24 canal oral
32 CD 6
música 38 canal oral
41 canal oral
instrumentos musicais
16 livro
31 livro
poema 4
36 livro
38 livro
54 livro coletivo
56 livro coletivo
versos rimados 4
57 livro coletivo
65 livro
35 cartaz
44 quadro
data 3
caderno
47 cartaz
38 folha
produções textuais 40 livro coletivo 3
46 folha
princípios de 7 caderno da professora
2
convivência 64 cartaz
8 folha
caderno de avisos
bilhete 2
28 folha
caderno de avisos
21 folha
itens 2
55 livro coletivo
29 quadro
roteiro caderno 2
30 quadro
informações sobre 42 revista
características de 58 revista 2
animais
43 quadro
sílabas 45 folha 2
caderno
60 ficha
frases lacunadas 2
75 ficha
77 folha
conto 2
79 livro
título 3 painel 1
reconto oral 13 canal oral 1
caça-palavras 14 folha 1
pergunta 38 caderno da professora 1
histórias 41 canal oral 1
texto coletivo 53 livros coletivos 1
165

dedicatória 66 livro 1
dados de identificação 78 livro 1

Quadro 9 - Texto presente no evento e suporte material do texto

Por uma questão de organização dos dados, optamos por reunir os textos de
origem não-verbal, o que acarretou na maior freqüência no quadro, contabilizando
26 eventos. Ilustrações, desenhos, imagens e fotografias exercem um papel
essencial nos processos de alfabetização e de letramento, aparecendo tanto como
apoio à leitura quanto como incentivo a produções espontâneas de texto. Esta
associação entre imagem e texto verbal - cuja relação é detalhadamente descrita e
analisada por Ferreiro e Teberosky (1999) - é referida no evento 9, em que os
suportes painel do alfabeto e alfabeto individual são apresentados. Quando os
suportes presentes no evento são livros, sejam eles selecionados e lidos pela
professora ou confeccionados coletivamente pelos alunos, há o estabelecimento de
relações entre aquelas duas formas de expressão de signficados, o mesmo ocorre
em se tratando de revistas. Ainda, as ilustrações estão presentes em cartazes que
compõem os glossários de palavras referentes a determinados universos
semânticos, sobretudo os relacionados ao livro “Você troca?”. Os desenhos de
objetos também são frequentes em atividades realizadas em folhas avulsas.
Salientamos, então, que, no decorrer da prática pedagógica examinada, há, tanto
ilustrações fornecidas pela professora quanto desenhos realizados pelas crianças.
Outro texto que quantitativamente se destaca são as palavras-chave
referentes a um determinado universo semântico, ocorrendo em 21 eventos. Os
suportes são variados, privilegiando o estabelecimento de relações entre as palavras
e suas letras iniciais por meio do painel do alfabeto, do alfabeto individual e do
álbum do alfabeto. O quadro de giz, as folhas avulsas, o caderno e os cartazes são
suportes bastante frequentes. A perspectiva lúdica também aparece em jogos cujos
suportes são quebra-cabeças e cartas que compõem baralhos. Vale chamar a
atenção aqui para o fato de que tais conjuntos vocabulares são organizados em
forma de glossários - conforme orientações didáticas de Grossi (1990) - elaborados
ao longo do ano letivo, pois de fato se tornam referência para as crianças durante o
processo de aquisição da leitura e da escrita. Isso se confirma no evento 61 quando
os alunos, ao coordenarem o jogo da forca, selecionam as palavras do filme
“Madagascar” e do painel do alfabeto para as diferentes rodadas.
166

Os nomes próprios das crianças aparecem em 18 eventos, tendo como


principais suportes os crachás e os cartazes expostos na sala de aula durante
praticamente todo o ano. Lembramos que é justamente esse texto que desencadeia
os eventos recorrentes, aqueles que se tornam práticas cotidianas na sala de aula.
São 13 os eventos que têm as letras do alfabeto como texto. Além dos
suportes mais usuais como folhas avulsas e quadro, percebemos outros inusitados
como as roupas e o próprio corpo dos alunos. As letras aparecem tanto ordenadas
no painel do alfabeto, no alfabeto individual e no álbum do alfabeto quando avulsas
e desordenadas e em diferentes cores, possibilitando a mobilidade na composição
de palavras. Como suporte, vemos os cartazes clássicos utilizados no processo de
alfabetização que carregam os textos: letras, desenhos, palavras-chave.
As músicas também merecem destaque, sendo o texto de seis eventos e
pressupondo, inicialmente, canais orais de comunicação que agregam, à prática
pedagógica, a dimensão lúdica e corporal, através da dança. Depois, as letras das
canções tornam-se o texto que auxilia a memória, característica da função
mnemônica da escrita, conforme expresso nos eventos 11 e 38.
Ainda, é interessante grifar que tanto os poemas quanto os versos rimados,
cada texto contando com quatro eventos, são apresentados através de seus
suportes originais: o livro. Cabe ainda mencionar que determinados gêneros textuais
carregam consigo funções específicas. Os bilhetes, por exemplo, são utilizados em
ocasiões nas quais se faz necessária a comunicação com um interlocutor ausente.
Por fim, vale um comentário acerca do tipo de letra apresentado pela
professora, que também varia ao longo do ano: no início, os nomes das crianças são
grafados em imprensa maiúscula e em cursiva. As palavras que compõem os
glossários também são apresentadas nos dois tipos de letra. Ao final do ano,
percebe-se o incentivo e a realização da leitura de texto em letra imprensa
minúscula.
Após esta extensa análise dos aspectos envolvidos na seleção do
conhecimento, cabe-nos, ainda, fazer alguns esclarecimentos. Tendo descrito e
analisado aspectos relativos aos processos de alfabetização e de letramento,
reiteramos que a seleção em nível macro manifestou-se como a busca, pela
docente, de levar cada aluno, ao longo do ano letivo, a ler e a escrever
alfabeticamente, embora nesse ano de 2005 o processo de alfabetização estivesse
previsto para ser complementado ao final do primeiro ciclo, portanto, em 2006,
167

conforme as diretrizes que regulam a organização curricular do Ensino por Ciclos de


Formação. Este objetivo da docente caracteriza, portanto, um enquadramento forte.
A seleção em nível micro - fartamente analisada nos aspectos discutidos a
partir do quadro 1 que descreve a totalidade dos eventos e nos quadros 4, 5, 6, 7, 8
- mostra os conhecimentos presentes na prática pedagógica. Como, aqui, o
enquadramento refere-se ao controle sobre a comunicação nas relações entre os
discursos, dizemos que este é partilhado entre os sujeitos, pois quando o
conhecimento da vida diária está presente na sala de aula, percebemos um
enquadramento fraco na seleção, de acordo com o modelo da pedagogia mista, já
que é trazido pelos alunos para complementar a ação pedagógica e valorizado pela
professora.
Os itens da tabela que se referem à seleção do conhecimento relacionam-se
a uma mesma disciplina, qual seja, a linguagem. Os processos (alfabetização e
letramento), os elementos (oralidade, leitura e escrita) e as unidades linguísticas
(fonema, letra, sílaba, palavra, frase e texto) são os conteúdos da área da linguagem
que estão em constante interação na prática pedagógica aqui examinada,
apontando, portanto, para uma fraca classificação entre os mesmos. Para a
pedagogia mista, estas relações são fundamentais, uma vez que possibilitam a
retomada de conceitos já apresentados, permitindo que mais crianças deles se
apropriem. O esbatimento entre as fronteiras intradisciplinares é, portanto, uma
condição para a aprendizagem.
A relação entre o conhecimento escolar e o não-escolar é expressa,
sobretudo pelas temáticas dos eventos que estabelecem a conexão entre tais
saberes organizados, muitas vezes, em projetos de trabalho. Há, portanto, uma fraca
classificação entre esses dois discursos, em conformidade com o modelo da
pedagogia mista. Percebemos que as temáticas, ao longo do ano, não são
selecionadas apenas pela professora, que valoriza a cultura literária, mas também
pelo coletivo de docentes da escola.
O que é, entretanto, mais significativo é o fato de que o cotidiano das crianças
tem espaço na prática pedagógica, evidenciando uma fraca classificação entre o
conhecimento escolar e o não-escolar. O conhecimento escolar é selecionado e
construído a partir de situações do cotidiano dos alunos e através dos
conhecimentos expressos por eles. Assim, o conhecimento da vida diária está
presente na sala de aula, trazendo à tona a cultura popular e oral das crianças.
168

Há, portanto, uma proximidade entre os discursos escolar e não-escolar. As


linhas de fronteira entre as categorias desses discursos são tênues, tornando os
limites entre as tais saberes permeáveis. Os discursos não são especializados e
pode-se passar de um a outro sem comprometer a integralidade da temática
selecionada, já que é justamente ela que estabelece a relação tais saberes.

7.3.4 A Sequência

As regras de sequenciamento, para Bernstein, estritamente relacionadas às


de compassamento, são um dos conjuntos que constituem a lógica interna da prática
pedagógica. Nesta tese, a dimensão sequência, pelo menos em seu aspecto macro,
perde seu significado para análise devido às características da prática pedagógica
examinada. Faria sentido caso analisássemos, por exemplo, uma prática docente
fundamentada nos métodos sintéticos de alfabetização, que, por iniciarem o ensino
pelas unidades mínimas da língua (letra, fonema, sílaba) obedecem a uma
sequência rígida dentro de uma hierarquia de dificuldades apresentadas ao longo do
ano letivo. Sendo assim, faremos alguns apontamentos acerca desta regra
discursiva no que se refere ao nível micro da prática pedagógica analisada, que, em
concordância com a pedagogia mista, apresenta um fraco enquadramento.
Diariamente, a professora realiza o registro da sequência de atividades da
aula no quadro de giz. Este texto, ao mesmo tempo em que auxilia na organização
dos alunos, já que são informados sobre o que será realizado durante a aula, não é
fixo, pois pode sofrer alterações devido às peculiaridades do grupo. Como ilustração,
apresentamos o roteiro de atividades da aula presente nos eventos 29 e 30, por
ocasião da escrita e da leitura do mesmo, respectivamente.

DIA 22 DE JUNHO DE 2005.


HOJE É QUARTA-FEIRA.
BOM DIA!
1 - HISTÓRIA MATEMÁTICA
2 - TRABALHO EM GRUPO
3 - INFORMÁTICA
4 - RECREIO
5 - HISTÓRIA DO PRÍNCIPE
6 - ALMOÇO
7 - SAÍDA
169

A professora estabelece uma sequência, ao iniciar as atividades, que é


relativamente flexível no decorrer do período de quatro horas, atendendo à
progressão de aprendizagem dos alunos, seus interesses e necessidades. É o que
ocorre no evento 16, quando ela modifica a sequência do planejamento relativa à
leitura da história “A mulher gigante”. Ao ser informada sobre as situações que já
haviam sido vivenciadas pelos alunos no que se refere à temática em questão, a
professora exclui a exploração oral que faria acerca do conteúdo da história,
enfraquecendo o enquadramento na sequência e partilhando, com as crianças, o
controle quanto a essa regra discursiva.
Ao lançarmos um olhar geral sobre a prática pedagógica aqui examinada,
percebemos que, na sequência ao nível micro, predomina a forma em que o
letramento precede, na maioria das vezes, à alfabetização, já que as palavras que
compõem os diferentes universos vocabulares são selecionadas a partir de
temáticas decorrentes de histórias lidas, filmes assistidos, músicas cantaroladas...
Os critérios para tais escolhas foram detalhados, porém, no que se refere à seleção
do conhecimento e privilegiam a captação dos interesses e das motivações dos
alunos. Assim, afirmamos que o ponto de partida para a alfabetização é o letramento
- em conformidade com a perspectiva psicolingüística (GOODMAN, 1990) que
fundamenta a psicogênese da língua escrita - já que o texto assume um papel de
destaque na prática pedagógica aqui examinada.

7.3.5 A Ritmagem

A lógica interna da prática pedagógica também é constituída por regras de


compassamento que regulam o tempo do processo de transmissão e a velocidade
na qual se espera que a aquisição ocorra. Para evidenciar como tais regras estão
relacionadas às de sequenciamento - relação apontada anteriormente - indicamos
os três episódios subsequentes.
Os eventos 44, 45 e 46, mesmo pressupondo uma ordenação fixa para
realização, apresentam regras de compassamento enfraquecidas, já que cada aluno
exerce controle sobre o tempo que utiliza na realização de cada proposta. Esses
170

diferentes ritmos são um desafio à ação docente, já que, enquanto algumas crianças
ainda finalizam o registro das informações que identificam o dia da aula no caderno
(evento 44), outras já realizaram a composição dos nomes dos animais do filme
“Madagascar” por meio do recorte e da colagem das sílabas (evento 45) e, portanto,
iniciam a montagem do quebra-cabeça da cena com os personagens do filme para a
posterior realização de produção escrita espontânea (evento 46). Assim, podemos
constatar que há um enfraquecimento na ritmagem, conforme o modelo da
pedagogia mista, pois os diferentes tempos requeridos pelas crianças durante a
realização de cada proposta são respeitados. Esse controle exercido pelo aluno
sobre seu próprio tempo de aprendizagem não significa, todavia, o aceite e a
concordância passiva da professora em relação ao tempo utilizado e à produção
realizada, já que procura auxiliar as crianças, por meio de intervenções pedagógicas,
na compreensão e conclusão das atividades em tempo hábil por ela definido.
Mencionamos, ainda, duas ocasiões em que o enfraquecimento da ritmagem
significa a inclusão e a participação dos alunos: no evento 9, quando a velocidade
da leitura de palavras é abrandada para que mais crianças possam realizá-la e, no
evento 15, em que a professora solicita que um aluno que já finalizou uma das
etapas da tarefa aguarde, antes de prosseguir para a próxima etapa, para que
também outros colegas completem a atividade. Assim, a professora não especifica
limites de tempo para a conclusão das propostas, atendendo às necessidades de
aprendizagem de cada aluno.

7.3.6 Os Critérios de Avaliação

No que se refere aos critérios de avaliação utilizados pela professora ao longo


do ano letivo, faremos uma distinção entre aqueles usados para diagnóstico do nível
de conceitualização das crianças acerca do sistema de escrita e os presentes no
cotidiano da sala de aula por se relacionarem intimamente às dimensões já
explicitadas da prática pedagógica aqui examinada.
Os primeiros estão apresentados em forma de quadro e contemplam os níveis
relativos à escrita de palavras e de orações segundo o referencial da psicogênese
da língua escrita. Na sondagem realizada no início do ano letivo e ao final de cada
171

trimestre, a professora aplicou a testagem referente à escrita de quatro palavras e


uma frase. Tal instrumento de avaliação é uma recontextualização realizada por
Grossi - detalhadamente descrita como uma das nove tarefas da Aula-entrevista
(GEEMPA, 2000) - a partir da pesquisa desenvolvida e descrita por Ferreiro e
Teberosky (1999). Os níveis de escrita que daí decorrem também apresentam
diferenças entre tais autoras. Enquanto Ferreiro e Teberosky organizaram a análise
dos resultados da pesquisa que realizaram em cinco níveis identificados pelos
números 1, 2, 3, 4 e 5, Grossi nomeou-os segundo o princípio que rege a hipótese
de escrita construída pela criança em cada nível, tornando as siglas utilizadas pela
professora bastante usuais em práticas alfabetizadoras da Rede Municipal de Ensino
de Porto Alegre. Atualmente, Grossi (2008) reclassificou o nível silábico-alfabético,
caracterizando-o como um “conflito de passagem” entre a hipótese silábica e a
alfabética. Ainda, é necessário ressaltar que, para esta autora (2008, 63-64), “[...]
entrar no nível alfabético pode não significar, ainda, estar alfabetizado”, pois o aluno
“[...] precisa superar a leitura e a escrita compartimentada em sílabas para voltar a
ver a palavra como um todo [...]”. O quadro a seguir procura retratar tais
recontextualizações.

Ferreiro e Grossi
Referencial (1990) Grossi
Teberosky
teórico (2008)
(1999) Nível Sigla

Níveis 1 Pré-silábico 1 PS1 Pré-silábico 1


relativos à 2 Pré-silábico 2 PS2 Pré-silábico 2
escrita de 3 Silábico S Silábico
palavras e 4 Silábico-alfabético SA
orações 5 Alfabético A Alfabético

Quadro 10 - Recontextualizações dos níveis psicogenéticos referentes à escrita.

Faremos, aqui, uma breve caracterização dos cinco níveis originais descritos
por Ferreiro e Teberosky (1999, p. 192-221) que objetiva apenas possibilitar a
compreensão do quadro a seguir. Não temos a intenção de simplificar a
complexidade desta teoria psicogenética.
172

Nível 1 (PS1): Para a criança, escrever é reproduzir traços típicos da escrita que ela
identifica como forma básica. Neste nível, sua intenção subjetiva conta mais do que
as diferenças objetivas no resultado. Podem aparecer tentativas de correspondência
figurativa entre a escrita e o objeto referido.
Nível 2 (PS2): O sujeito percebe que, para poder ler coisas diferentes, deve haver
diferenças objetivas nas escritas. A forma do grafismo é mais definida, mais próxima
a das letras. Surge a hipótese de que faz falta uma certa quantidade mínima de
grafismos para escrever algo e a hipótese da variedade de grafismos.
Nível 3 (S): Há tentativa de atribuir valor sonoro à cada letra que compõe a escrita,
sendo que uma letra corresponde a uma sílaba. Evidencia-se um salto qualitativo em
relação aos níveis anteriores, que associam a escrita pela relação semântica com os
objetos, enquanto que, a partir desta etapa, passa a haver uma associação da
escrita com a fala.
Nível 4 (SA): Há necessidade de realizar uma análise que vá além da sílaba pelo
conflito entre a hipótese silábica e a exigência de quantidade mínima de grafias. É a
passagem da hipótese silábica para a alfabética, havendo a combinação de ambas.
Nível 5 (A): A escrita alfabética constitui o final da evolução. A criança já
compreendeu que cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores sonoros
menores do que a sílaba e, a partir desse momento, se defronta com dificuldades
próprias da ortografia.

É preciso deixar claro que a avaliação realizada pela professora refere-se às


hipóteses formuladas pelos alunos acerca do funcionamento do sistema de notação
alfabética, contemplando o processo de alfabetização devido à escrita de palavras e
o de letramento no que se refere à escrita de frases. Não tivemos acesso à
avaliação realizada pela professora no que diz respeito à leitura e à produção de
textos. Ainda, é preciso reiterar que, no biênio em que a pesquisa foi realizada, era
legítimo que o processo de alfabetização no Ensino por Ciclos de Formação
ocorresse durante todo o primeiro ciclo, não sendo possível a retenção de um aluno
que não completasse o processo ao final do primeiro ou do segundo ano do primeiro
ciclo. Assim, acrescentamos, na última coluna deste quadro, o nível de
conceitualização de escrita das crianças que não estavam alfabéticas em 2005 e
que prosseguiram na mesma turma em 2006, embora com outra docente.
173

Avaliação Terceiro
Nome do Primeiro Segundo Terceiro
Sondagem final trimestre
aluno trimestre trimestre trimestre
em A2053 em A30
Bruno PS2 S S S PSAE+LA
Carolaine S SA PPDA+LA
Cristian S S SA PPDA+LA
Daiane S SA A A PS
Débora S SA PS A
Diélice A A PS
Douglas PS1 PS2 S FICAI FICAI
Fernanda S SA SA A PS
Jailton PS1 PS2 S SA PSAE A
Jérsica PS2 SA SA A PS
Jéssica PS1 PS2 PS2 PS2 PSAE+SIR
Juliana SA A A A PS
Lucas S SA SA PPDA
Luís S SA SA A PS
André
Márcia PS1 PS2 PS2 FICAI FICAI
Max SA A A A PS
Pablo SA A A A PS
Pâmela S SA SA PS SA
Yasmine SA A A A PS
Yuri PS2 S SA A PS

Quadro 11 - Avaliação dos alunos

53
As siglas que definem o tipo de progressão ou encaminhamento no Ensino por Ciclos de Formação
significam:
PS: progressão simples
PPDA: progressão com plano didático-pedagógico de apoio
PSAE: progressão sujeita a uma avaliação especializada
LA: laboratório de aprendizagem
SIR: sala de integração e recursos
FICAI: ficha de comunicação do aluno infrequente
174

Dos vinte alunos da turma que iniciaram o ano letivo nos mais diversos níveis
de conceitualização de escrita, dez (Daiane, Diélice, Fernanda, Jérsica, Juliana, Luís
André, Max, Pablo, Yasmine e Yuri) encerraram o segundo ano do primeiro ciclo na
hipótese alfabética e seis (Carolaine, Cristian, Débora, Jailton, Lucas e Pâmela)
escrevendo de forma silábica-alfabética, objetivo da professora manifestado em
entrevista final. Portanto, a maioria das crianças avançou por progressão simples
(PS), sendo três delas indicadas para participar de um plano didático-pedagógico de
apoio (PPDA) e frequentar o laboratório de aprendizagem (LA). Duas crianças
permaneceram praticamente todo o ano com avanços pouco significativos: Bruno
manteve sua escrita na hipótese silábica, o que acarretou seu encaminhamento a
uma avaliação especializada (PSAE) e Jéssica permaneceu escrevendo de forma
pré-silábica recebendo o mesmo encaminhamento do colega e, ainda, a indicação
para frequentar a sala de integração e recursos (SIR) da região onde a escola está
localizada. Douglas e Márcia não frequentaram as aulas durante o último trimestre,
sendo necessário o preenchimento pelo Serviço de Orientação Educacional da
escola da ficha de comunicação do aluno infrequente (FICAI).
Diante de tais evidências, afirmamos que esta prática pedagógica produziu a
aprendizagem da alfabetização e do letramento entre os alunos, no sentido de
tornarem-se capazes de elaborar o texto considerado legítimo no contexto escolar.
Passamos, agora, a apontar como a professora se vale desse conhecimento sobre
as hipóteses formuladas pelas crianças acerca do sistema de escrita para planejar
sua prática pedagógica no sentido de propor atividades que produzam conflitos
cognitivos e, portanto, conduzam à reflexão dos alunos sobre o funcionamento da
escrita.
Além das regras de sequenciamento e de compassamento, a lógica interna
da prática pedagógica é constituída também pelas regras criteriais. Se o valor do
enquadramento referente a esta regra discursiva for forte, os critérios de avaliação
serão explícitos e específicos; se fraco, serão implícitos, múltiplos e difusos.
Segundo o modelo da pedagogia mista, com o qual a prática pedagógica aqui
analisada está em concordância, há um enquadramento forte nesta regra discursiva,
já que observamos o controle explícito da professora tanto no processo de
transmissão quanto no de avaliação. Assim, tal prática possibilita aos alunos a
aquisição das regras de reconhecimento e de realização necessárias à produção de
textos legítimos relativos tanto aos contextos instrucionais quanto aos reguladores.
175

O primeiro esclarecimento a fazer é o fato de que a professora avalia toda a


produção dos alunos: participação oral, atividades escritas, trabalhos em grupo,
relacionamento entre colegas, forma de organização do caderno. Diante de tal
diversidade, nos centramos, aqui, nas produções realizadas e apresentadas pelas
crianças especificamente no que se refere ao campo da linguagem.
O que caracteriza o forte enquadramento na regra discursiva em questão é
que a professora explicita quais critérios são avaliados nas atividades, especificando
as particularidades de cada contexto e orientando os alunos na produção do texto
considerado legítimo à proposta pedagógica. Nos eventos 14 e 49, a professora
detalha o modo como as atividades de caça-palavras e de quebra-cabeça,
respectivamente, devem ser realizadas, fornecendo, portanto, as regras de
reconhecimento para que os alunos, através das regras de realização, produzam o
texto esperado, encontrando os vocábulos no diagrama e montando as palavras de
forma alfabética. Assim, indica a forma que considera adequada na realização e na
apresentação das atividades.
A professora valoriza as produções realizadas pelos alunos, mas não aceita
toda e qualquer uma, já que aponta o que falta no texto apresentado. Cabe salientar,
ainda, que a professora não abandona ou deixa a criança sozinha no momento da
correção, mas realiza intervenções pedagógicas adequadas para que produza o
texto esperado, possibilitando, portanto, a aquisição das regras de reconhecimento e
de realização legítimas ao contexto da proposta pedagógica. Isso ocorre, sobretudo,
nos momentos de escrita de palavras, pois a professora parte da hipótese de
conceitualização de escrita das crianças para chegar à forma convencional,
conforme descrito nos eventos 15, 19, 34, 38, 45, 60, 69 e 75. Este expressivo
número de eventos aponta a recorrência de tal prática que, sem dúvida, foi
determinante no resultado evidenciado na tabela que se refere à aprendizagem da
alfabetização.
É necessário chamar a atenção para um fato peculiar ao longo do período de
observação: quando as crianças produzem textos - no sentido da unidade linguística
- de forma espontânea, percebe-se um abrandamento no enquadramento referente
aos critérios de avaliação, já que a professora valoriza as conquistas das crianças,
aceitando a diversidade produzida e fazendo perguntas para esclarecer a variada
produção dos alunos que, nem sempre, é passível de ser lida por outra pessoa que
não a própria autora. Nesses casos, é legítimo que cada um escreva conforme sua
176

hipótese, “do seu jeito”. Isso fica claro no evento 38, por ocasião da produção textual
sobre a história “Príncipe Herculano, o chato”, já que a professora salienta: “Todo
mundo aqui sabe escrever...”.
Ainda, é necessário enfatizar que a produção do texto considerado legítimo
depende da proposta pedagógica lançada pela professora, se está adequada aos
conhecimentos de cada aluno. Assim, ela precisa ter clareza sobre quais regras de
reconhecimento os alunos já adquiriram para deles exigir as correspondentes regras
de realização. Percebemos o domínio da professora sobre as especificidades dos
processos individuais, pois, através das testagens, ela identifica as hipóteses
formuladas pelas crianças sobre como o sistema de escrita se constitui e, a partir
disso, tem subsídios para propor situações de conflito produtivas para cada aluno,
de acordo com seus conhecimentos, conforme aparece no evento 50. Isso também
se evidencia no evento 19, quando a professora propõe três formas distintas de
leitura para contemplar crianças que apresentam diferentes hipóteses sobre o
sistema de notação alfabética.
177

7.4 A PERSPECTIVA DA PROFESSORA E POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS


PARA A FORMAÇÃO DE ALFABETIZADORES

Após a descrição e a análise da prática pedagógica segundo as


características do modelo da pedagogia mista e de acordo com as especificidades
envolvidas nos processos de alfabetização e de letramento, passamos a discutir
algumas implicações pedagógicas para a formação docente.
Assim, neste capítulo, apresentamos excertos da entrevista da professora que
corroboram tanto as dimensões da pedagogia que foi referência para análise, quanto
as perspectivas de alfabetização e de letramento que orientaram a prática
pedagógica. Relembramos que a entrevista com a professora foi realizada no
término do ano letivo, após a finalização das observações porque, dessa forma,
teríamos elementos para perceber a coerência entre a ação pedagógica da docente
e seu depoimento e também porque teríamos subsídios para formular as perguntas
específicas.
Diante das múltiplas perspectivas teóricas - já apresentadas nesta tese - que
disputam espaço na formação dos alfabetizadores, faremos uma síntese acerca do
panorama contemporâneo a partir da discussão realizada por Artur Gomes de
Morais (2006): volta à cena a discussão sobre o “melhor” método de alfabetização,
baseada na guerra que tem sido travada em países europeus e norte-americanos
entre os partidários da whole language contra os defensores do phonics, traduzidos,
discutivelmente, como “método global” e “método fônico”.
O autor discorda desse processo de “importação” e da relação feita entre o
antigo “método global” com a “alfabetização construtivista”, assim denominada pelos
partidários do “método fônico”. Capovilla (2005) é um dos principais acadêmicos em
defesa desse último enfoque e, consequentemente, da concepção de que ler é
decodificar, argumentando que o ensino sistemático das relações fonema-grafema é
ausente nos “métodos construtivistas” e presente no “método fônico”, mais uma
informação totalmente discutível, segundo Morais, já que tal método, para ele, não é
sinônimo do “ensino sistemático das correspondências entre letras e sons”.
Street e Lefstein (2007, p. 62) sintetizam a discussão no que se refere à
aprendizagem da leitura no contexto dos Estados Unidos e da Europa, em que o
178

debate ocorrido entre os partidários dos dois movimentos foi acentuado pela mídia,
caracterizando-o como uma “guerra” entre as duas abordagens:
The distinction between a focus on ‘phonic’ principles on the one hand and
on ‘reading for meaning’ on the other [...] has led to what is sometimes
termed the ‘reading wars’. More recently, researchers have argued for a
‘balanced’ approach [...] that is less divisive and that recognizes the
strengths of each perspective.54

Os programas que abordam a instrução fônica selecionam o vocabulário


apresentado nos textos, atenuando as irregularidades da língua e, à medida que as
crianças aprendem mais grafemas, aumentam gradativamente a complexidade dos
fonemas. Esses textos controlados, compilados em cartilhas, foram veementemente
criticados pelo movimento da língua integral pelo fato de afastarem as crianças da
leitura, dando lugar, então, a “livros reais” como ponto de partida do processo de
aquisição da leitura e da escrita.
Diante do exposto, podemos, sim, fazer um paralelo das discussões ocorridas
nos Estados Unidos e na Europa para o contexto brasileiro, já que abordagem fônica
pode ser equiparada aos ditos “tradicionais” métodos de alfabetização, entre os
quais o fônico, ainda em voga. O movimento da língua integral, por sua vez, é, de
fato, conforme explicitado na seção 5.2.1, a base dos estudos psicogenéticos sobre
a língua escrita, que originou a concepção construtivista de alfabetização, difundida
em nosso meio,
Apesar dessa discordância em relação a Morais (2006), concordamos com o
autor quando, no artigo “Concepções e metodologias de alfabetização: por que é
preciso ir além da discussão sobre velhos ‘métodos?’”, apresenta uma alternativa de
resposta à questão que intitula seu texto, argumentada a partir dos quatro pontos
descritos a seguir que elegemos como basilares na formação de professores
alfabetizadores.
O primeiro refere-se a uma crítica aos métodos tradicionais de base empirista,
especificamente, ao método fônico por exigir um nível de consciência
metafonológica exagerado e artificial e preterir o ensino da linguagem própria das
diferentes tipologias textuais. O segundo argumento diz respeito às tentativas de
didatização da teoria da psicogênese da escrita que levaram, “[. . . ] por um lado, a

54
Essa citação poderia ser traduzida como: “A distinção entre um enfoque nos princípios ‘fônicos’ de
um lado e na ‘leitura pelo significado’ de outro [...] levou ao que por vezes é denominado de ‘guerras
de leitura’. Mais recentemente, pesquisadores argumentaram em prol de uma abordagem
‘equilibrada’ [...] que é menos polêmica e que reconhece os pontos fortes de cada perspectiva”
(tradução nossa).
179

negligenciar o papel da promoção das habilidades metafonológicas dos aprendizes


e, por outro, a não garantir um ensino sistemático das correspondências letra-som”
(MORAIS, 2006, p. 11).
Em terceiro lugar, o autor salienta que a compreensão das propriedades da
escrita alfabética - que se caracteriza por ser um sistema notacional, não um código
- pressupõe um complexo trabalho cognitivo e o desenvolvimento de habilidades
fonológicas que a escola deve proporcionar, ao invés de esperar que os alunos as
descubram sozinhos. Por fim, Morais (2006, p. 12) assinala que não se opõe à
proposta de alfabetizar e letrar ao mesmo tempo, sugerindo “[. . . ] aliar um ensino
sistemático da notação alfabética com a vivência cotidiana de práticas letradas, que
permitam ao estudante se apropriar das características e finalidades dos gêneros
escritos que circulam socialmente”.
Feitos tais apontamentos, iniciamos com os enunciados da professora que
dizem respeito à seleção do conhecimento ao nível macro e, portanto, aos
processos de alfabetização e de letramento. Quando questionada sobre os objetivos
e os conteúdos a serem desenvolvidos no segundo ano do primeiro ciclo, a
professora foi explícita:

P: Alfabetizar, primeiramente, fazer as crianças terem contato com as letras, os


números... Muitos nem sabem o que que é isso e fazer eles se darem conta dos sons e
sair escrevendo, pelo menos, assim, silábico-alfabético... E trabalhando também todas
as questões de uso social da leitura e da escrita que eu, um pouco, trabalhei esse ano: a
gente elaborou diversos tipos de texto assim: um bilhete, uma carta, um texto narrativo
quando a gente trabalhou os contos de fadas.

A fala da professora corrobora o que os dados apontaram acerca da seleção


em nível macro: a ênfase no processo de alfabetização, evidenciando um forte
enquadramento, pois é o objetivo do ano escolar, já que ela tem o controle sobre
esta dimensão da prática pedagógica. Cabe salientar que ela marcou a importância
dos dois processos: o de alfabetização e o de letramento. Na entrevista, quando
questionada sobre seu entendimento acerca de cada um deles, também
percebemos a clareza da professora sobre as especificidades envolvidas,
aproximando-se dos conceitos expostos, nesta tese, na voz de Soares (2004).
180

P: Letramento é o uso social da leitura e da escrita... não é a aquisição - que é a


alfabetização - não é a aprendizagem do código e sim o uso que tu fazes daquele código
que tu aprendeste...

No que se refere à seleção ao nível micro, sobretudo quanto às relações entre


conhecimentos da mesma disciplina, apresentamos este excerto da entrevista que é
uma síntese acerca da prática pedagógica da professora relacionada aos processos
de alfabetização e de letramento, no qual ela clarifica a utilização de todas as
unidades linguísticas ao longo de todo o ano letivo, evidenciando uma fraca
classificação entre os conhecimentos da disciplina.
Enfatizamos que tal excerto foi transcrito em forma de evento, já que, a
natureza constitutiva da interlocução entre professora e observadora participante
caracteriza tal interação como um evento de letramento, em que o elemento
presente é a oralidade. Além do enfoque da seleção, percebemos, aqui, aspectos
relacionados à sequência e à ritmagem. Ao ser questionada sobre a organização de
sua prática pedagógica em relação à sequência temporal no ano letivo, a professora
esclareceu:

1P Março foi o contato com as letras, a consciência fonológica... basicamente


isso e os números, o contato com números, colocamos o cartaz na sala, o
calendário. [...]
2P Em abril, eu me lembro que a gente trabalhou bastante a Páscoa, fizemos a
carta pro coelhinho que eles receberam, nós fizemos a caça ao ovo na
biblioteca. [...]
3 OP Então, em março já foi apresentado todo o alfabeto...
4P É, sempre, desde março até agora, sempre todo o alfabeto. O que a gente fez
[...] foi o dicionário, [...] o álbum do alfabeto... Então, a gente ia colando o
alfabeto na ordem, uma letra por folha...
5 OP Isso foi mais ou menos quando?
6P Foi em maio, é e aí a gente identificava então, o PATO, a figura do pato: “ah,
com que letra começa? Com P”. Acho que isso foi muito bom para eles
identificarem letra inicial, daí a gente colava o PATO lá no P, a gente escrevia
PATO, quantas letras têm, quantas sílabas? Isso também, desde o início do
ano. O número de letras, o número de sílabas, a gente batia palmas PA-TO
duas sílabas e quantificação numérica, né. [...]
7P Em março teve o livro da turma: cada aluno tinha uma página, me esqueci de
dizer também, eu comecei com o nome deles, quantas letras tinha, a gente
fez o livro, fez as rimas: “Yuri é um guri que lê gibi, Pablo escreve no quadro”
então, a gente fez um cartaz e colocamos na sala... Depois, teve a Mulher
Gigante também que a gente fez um livro. [...]
8P E muito, no início do ano, um trabalho para identificar os nomes, colar na letra
inicial, ligar na letra que começa, o número de letras, tudo isso... [...]
9P Textos também, assim ó, porque sempre a gente apresenta os livrinhos...
Desde o início do ano; então, na Páscoa, [...] os livrinhos de Páscoa, teve os
181

de rima [...] da Eva Furnari, o “Assim Assado”, o outro: “Você Troca?” e a


partir desses livrinhos a gente fez o nosso da turma: “Poesias da A22”...
10 OP Podes comentar um pouco mais sobre a escrita?
11 P Ah, escrevemos palavras, frases, textos também porque a gente vai ao nível
do aluno, assim, o que que ele pode nos dar, o que ele sabe... Então, se tinha
uma produção assim, ó: desenhar a parte que mais gostou do livro da Eva
Furnari: quem queria, podia escrever mais, o outro que não queria, escrevia o
que sabia. Então, a gente trabalha, desde o início do ano, com palavras,
frases, texto, né...
12 OP E a leitura?
13 P A leitura também, assim, a leitura do livro, né, o nome do livro, as palavras, as
palavras-chave, assim. No início, eu trabalhei bastante palavras-chave,
assim, o GATO, o PATO, o RATO, os personagens do livrinho, até coloquei
na sala os personagens principais para eles identificarem qual letra que
começa, qual letra que termina, quantas letras têm, a gente fez bingo, todos
os jogos assim do curso da Esther Grossi, acho que foi bem útil, assim, nessa
hora. [...] Acho que a proposta dela é bem boa para as classes
socioeconomicamente menos favorecidas [...] porque ajuda bastante a
criança a se dar conta da letra que começa, da letra que termina, do número
de sílabas. Quando tu fazes um bingo, eles associam: “ah” e é incrível,
porque, no início do ano, eles confundem muito as que têm a letra inicial
igual; então o PATO e a PETECA lá alguns confundem. [...]
14 P Então o trabalho foi ao longo do ano, de acordo com cada um, né? Até
porque tem uns que já estão alfabéticos, tem outros que já estão silábicos,
tem outros que estão pré-silábicos então, [...] tu vais sempre fazer um
trabalho diferenciado porque uns vão acompanhar e outros não. Como é que
a gente vai trabalhar com aqueles que não conseguem, né? Então tem que
ser uma coisa mais ampla que tu atinjas a todos e cada um produzindo no
nível que consegue.

Importa-nos salientar, aqui, que ambos os processos - o de alfabetização e o


de letramento - ocorreram de forma simultânea, já que a professora não esperou que
os alunos estivessem escrevendo palavras de forma alfabética para realizar a leitura
e a produção de textos; isso caracterizou um fraco enquadramento na sequência do
conhecimento. A dimensão ritmagem também recebe tal indicação, pois houve o
respeito da professora em relação à progressão de aprendizagem de cada aluno.
Estas duas características da pedagogia estão intimamente relacionadas às
perspectivas teóricas utilizadas pela professora e fundamentam sua prática
pedagógica no que se refere aos processos de alfabetização e de letramento. Antes
de explicitar tais fundamentos, convidamos o interlocutor deste texto a fazer a leitura
da transcrição dos eventos 65, 67, 69 e 70, respectivamente nos apêndices F, G, H
e I, porque ou são referidos pela professora no excerto anteriormente exposto ou
relacionados a ele.
Agora sim, apresentamos nossa tarefa analítica: iniciamos pela psicogênese
da língua escrita porque chama a atenção o fato de a professora ter explicitado e
182

comentado, no turno 13, o curso de didática geempiana como um dos referenciais


metodológicos para sua prática docente. Como já foi referido, as didáticas da
alfabetização de Grossi (1990) estão fundamentadas na pesquisa de Ferreiro e
Teberosky (1999) sobre os processos através dos quais a criança aprende a ler e a
escrever a partir do seu ponto de vista. Assim, “o contato com as letras”,
mencionado no primeiro turno, “o álbum do alfabeto” indicado em 4 e a descrição,
em 6, da ação pedagógica decorrente dele com a exploração, a partir de uma
palavra-chave, da letra inicial, da quantidade de letras, de sílabas é uma prática
alfabetizadora que sinaliza a influência geempiana na formação da professora. Isso
também ocorre no oitavo turno, quando a professora comenta a exploração
exaustiva feita no início do ano acerca do nome próprio das crianças com as
mesmas unidades linguísticas já indicadas.
Tais unidades também são referidas no turno 13, quando a professora
comenta o intenso trabalho de exploração de palavras-chave referindo-se também, à
identificação da letra final. Tal ênfase possibilitou a memorização global dos
vocábulos que se tornaram referência para as crianças questionarem suas hipóteses
iniciais acerca do funcionamento do sistema de escrita. O evento 67 no apêndice G
indica a ação pedagógica da professora com uma das palavras do glossário
constituído a partir da leitura do livro “Você troca?” de Eva Furnari. Conforme a
professora salienta, esta estratégia pedagógica também esteve vinculada à
dimensão lúdica, através da realização de jogos propostos no curso de formação do
qual ela participou.
O último turno sintetiza a relação entre o referencial teórico da psicogênese
da língua escrita com as didáticas da alfabetização, já que, a partir da identificação
da hipótese de escrita dos alunos durante o processo de conceitualização do
sistema alfabético, a professora propõe situações de aprendizagem que contemplem
a todos e respeitem cada uma das etapas ou níveis nos quais as crianças se
encontram, valorizando suas conquistas. O respeito à produção da cada aluno
também é salientado no turno 11, quando a professora explicita o trabalho realizado
acerca da escrita. Ferreiro e Teberosky (1999) destacam o caminho percorrido pela
criança e sua exploração das várias hipóteses de escrita antes da compreensão do
sistema alfabético.
No que diz respeito ao letramento, percebemos que o ponto de vista da
professora se coaduna com a perspectiva de Soares (2004), pois o processo de
183

alfabetização se desenvolve em um contexto de letramento, já que são processos


simultâneos. Assim, as palavras-chave referidas no turno 13 decorrem de uma
situação de leitura do livro “Você troca?” que envolveu a utilização de diferentes
estratégias, conforme explicitadas por Goodman (1990). Este evento (65) está
descrito no apêndice G. A produção espontânea de texto - outro aspecto do
letramento - em que cada criança escreve a partir de sua hipótese de
conceitualização, referida no turno 11, também tem origem na mesma situação de
leitura.
Cabe ainda mencionar duas situações de letramento, envolvendo a leitura e a
produção de texto sobre uma mesma temática, mas que não foram presenciadas por
ocasião das observações realizadas para a coleta de dados. No turno 9, é referida a
leitura de um livro sobre a temática Páscoa e, no segundo turno, a produção de uma
carta ao coelhinho, um gênero textual adequado à situação comunicativa, já que tal
personagem constitui-se como um interlocutor ausente.
A produção de livros coletivos, referente ao letramento, também é ressaltada
pela professora. Comentaremos, aqui, aqueles que se relacionam à consciência
fonológica (LEMLE, 1991; CAGLIARI, 1996), pois já no primeiro turno a professora
sinaliza sua ênfase sobre tal aspecto da linguagem.
No turno 7, é referido o livro “Vamos rimar os nomes?” através do exemplo de
dois versos acerca dos nomes dos alunos. Tal produção coletiva possibilitou um
trabalho voltado à consciência fonológica no que se refere às habilidades nela
envolvidas e explicitadas na seção 5.2.2: consciência sintática, silábica e fonêmica.
Esta mesma ênfase torna a se destacar na leitura dos livros de Eva Furnari referidos
no turno 9 e na produção coletiva do livro “Poesias da A22”.
Apesar de a professora não ter feito referência a intervenções pedagógicas
explícitas, sobretudo no momento de escrita de palavras, partindo dos
conhecimentos das crianças para chegar à forma convencional, apontamos o evento
69 no apêndice H já que tem a mesma temática dos episódios anteriores.
Salientamos isto por contemplar um dos aspectos mais relevantes da pedagogia
mista, qual seja, a explicitação dos critérios de avaliação.
Ainda, mencionamos o evento 70 no apêndice I, que decorre do
anteriormente citado, por abordar sobretudo a consciência fonológica, mais
especificamente, as consciências silábica e fonêmica, indicando uma relação entre
tais habilidades e a aquisição da leitura e da escrita.
184

Através dessa exposição, percebemos a aproximação da prática da


professora com a posição de Artur Gomes de Morais (2006, p. 12) que não se opõe
à proposta de alfabetizar e letrar ao mesmo tempo, sugerindo “[. . . ] aliar um ensino
sistemático da notação alfabética com a vivência cotidiana de práticas letradas, que
permitam ao estudante se apropriar das características e finalidades dos gêneros
escritos que circulam socialmente”. Assim, percebemos que a prática pedagógica da
professora é fundamentada nas diferentes perspectivas apresentadas na seção 5.2:
a psicogênese da língua escrita, os estudos sobre letramento e os sobre consciência
fonológica.
Neste momento, cabe-nos perguntar a origem desse equilíbrio presente na
prática pedagógica examinada. Pires, Morais e Neves (2004) nos ajudam a perceber
que a professora alia conhecimentos específicos sobre a língua escrita com
conhecimentos pedagógicos. Enquanto a primeira característica refere-se ao “o quê”
do processo de ensino-aprendizagem, a segunda diz respeito ao “como”.
Nas investigações do grupo ESSA, há, portanto, a discussão de um processo
de formação intensa de professores para o desenvolvimento do modelo da
pedagogia mista. Neves, Morais e Afonso (2004) demonstram como formar
professores, segundo o modelo da pedagogia mista, para a atuação com crianças
no campo das ciências, de acordo com o mesmo modelo. Tal processo de formação
docente não ocorreu nesta pesquisa, pois selecionamos a prática pedagógica de
uma professora da Rede Municipal de Ensino que dera indicações de se aproximar
do modelo de pedagogia mista sugerido em Portugal. Assim, cabe-nos, agora,
explicitar a formação da professora para tentar compreender o caminho que ela
trilhou até chegar a desenvolver uma prática pedagógica com tanta aproximação ao
referido modelo como a análise demonstrou. As informações a seguir apresentadas
resultam de questionário entregue às professoras já referido no apêndice C.
No Ensino Médio, a professora cursou Magistério em uma instituição pública
da capital tradicionalmente renomada quanto à formação de professores, concluindo
o curso em 1997. Graduou-se em 2002 em curso de Pedagogia com habilitação em
Orientação Educacional em uma instituição privada de Porto Alegre. Antes do início
do ano letivo de 2005, a professora participou de um curso de formação de
professores sobre alfabetização promovido pelo GEEMPA (Grupo de Estudos sobre
Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação). Cabe também destacar sua
experiência profissional: a atuação da professora em turmas de alfabetização na
185

Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. De 2001 a 2004, a professora atuou em


turmas do segundo ano do primeiro ciclo (A20). Assim, o ano de 2005 se concretizou
como o quinto ano de experiência profissional com esta atividade docente.
Há, provavelmente, uma confluência de fatores na formação da professora
que possibilitaram a aproximação à pedagogia mista. Primeiro de tudo, destacamos
a continuidade dos estudos em uma mesma área evidenciado pelo prosseguimento
do curso de Magistério ao de Pedagogia, o que mostra uma escolha determinada da
professora em relação à educação na sua vida profissional. A ênfase na formação
específica através do curso da didática geempiana e sua experiência pedagógica
com práticas pedagógicas alfabetizadoras instrumentalizaram a professora no que
Pires, Morais e Neves (2004) nomeiam de “competência científica”, ou seja, a
proficiência docente no conhecimento a ser ensinado e o domínio das competências
investigativas a serem desenvolvidas pelas crianças, condições para promover a
aprendizagem dos alunos.
A formação da professora na área da Orientação Educacional relaciona-se,
sobretudo, às dimensões da prática pedagógica referentes ao discurso regulador
(incluindo as regras hierárquicas e as relações entre o espaço do professor e o
espaço do aluno), já que privilegia a convivência harmoniosa entre os sujeitos,
conforme também referido em entrevista ao comentar:

P: Acho que disciplina é uma coisa construída, é o respeito entre eles e entre a gente e
que só se constrói com a afetividade. Acho que eu consegui isso com eles, eles são bem
receptivos e disciplinados também... eles respeitam as regras, mas tem que ser uma
coisa entendida, não uma coisa imposta; assim, uma coisa construída...

A professora também aponta, conforme teorizado por Bernstein (1998), a


relevância do discurso regulador como dominante em relação ao instrucional:

P: Tornar a sala de aula um ambiente bom, pra todos aprenderem, sociável, para que a
aprendizagem possa fluir... porque se a gente fica só resolvendo conflitos, o que vai ser
da aprendizagem? O ideal é que tenha isso, né?

Especificamente sobre a relação entre ela e os alunos, a professora afirma:


186

P: Acho que eles têm abertura pra falar, ah, sobre tudo o que a gente faz. Procuro
também usar de afetividade e trabalhar com a auto-estima deles... fazer eles se sentirem
bem, dentro da escola, acho que é isso...

Salienta-se que isto está a indicar a disseminação cultural de idéias


pedagógicas em diferentes instâncias de formação e/ou o desenvolvimento de
princípios pedagógicos por uma educadora engajada que reconhecemos como
modelo de pedagogia mista no que diz respeito aos desenvolvimentos atuais dos
estudos sociológicos e de alfabetização e de letramento (VEIT, 2009).
Além dos aspectos já evidenciados acerca da pedagogia mista, destacamos
mais alguns que também colaboraram para possibilitar a aprendizagem de todos os
alunos: o expressivo tempo utilizado para desenvolver trabalhos efetivos
relacionados à alfabetização e ao letramento sinaliza o investimento da professora
na área da linguagem em concordância com o objetivo do ano-ciclo em que atua,
expresso em entrevista; a presença constante da professora em sala de aula,
tornando-se referência aos alunos, e aproximando os conhecimentos da área da
alfabetização e do letramento a propostas pedagógicas literárias e lúdicas; além de
tudo isso acarretar a efetiva aprendizagem dos alunos, influenciou o baixo índice de
evasão constatado na turma, já que apenas duas crianças tornaram-se infrequentes
somente no último trimestre. Em função disso, evidenciamos que nesta turma,
manteve-se o objetivo do Ensino por Ciclos de Formação que é o de garantir o
acesso e a permanência dos alunos no sistema educacional - significando a
continuidade dos estudos -, já que, excetuando-se os dois casos referidos, as outras
dezoito crianças da turma avançaram para o terceiro ano do primeiro ciclo, mesmo
que com progressões distintas.
Mesmo sem termos acesso à avaliação da professora sobre leitura e
produção de texto, relembramos, aqui, o evento 79 descrito no quadro 2, ocorrido ao
final do ano letivo que registra a participação de todos os alunos na leitura de texto e
o respeito ao desenvolvimento de cada um, pois a maioria a fez de forma individual e
fluente e alguns em grupo com o auxílio dos colegas.
187

8 A PRÁTICA PEDAGÓGICA: CONTRIBUIÇÕES A PARTIR DA SOCIOLOGIA E


DA LINGUAGEM

Ao concluirmos, retomaremos os aspectos que consideramos mais


significativos na elaboração desta tese: tanto aqueles que se referem à sociologia
quanto os que dizem respeito à linguagem, sinalizando a relevância e a interação
entre esses dois campos do conhecimento na análise da prática pedagógica. A
seguir, destacaremos a adequação do referencial teórico que, agora, se estende
como possibilidade de formação docente.
Após descrever e analisar a prática pedagógica de uma professora da Rede
Municipal de Ensino de Porto Alegre e ter acesso aos resultados obtidos pelos
alunos no que se refere às aprendizagens produzidas, já que permitiram a
elaboração do texto considerado legítimo no contexto escolar, reconheceu-se esta
prática como uma pedagogia mista, em conformidade com o modelo proposto por
Morais e Neves (2003) a partir da Teoria de Bernstein.
Iniciamos nossa breve discussão, todavia, pelo universo da alfabetização e do
letramento através da retomada de tais conceitos: enquanto o primeiro refere-se ao
processo aquisição da leitura e da escrita até chegar a sua forma convencional, o
segundo diz respeito aos variados usos sociais e escolares que fazemos da leitura e
da escrita, mesmo que sejam distantes do sistema de notação alfabética.
Vimos que não são apenas os conceitos que se tornam alvo de disputas, já
que também convém relembrar, que a querela dos métodos, apagada por algumas
décadas, foi reacesa nos últimos anos na tentativa da busca do “melhor método”
para alfabetizar. Apesar do vigor inicial, tal discussão tem sido minimizada perante a
complexidade dos fenômenos de alfabetização e de letramento, que exigem práticas
docentes equilibradas, contemplando as especificidades de cada faceta da
linguagem.
Procuramos dar visibilidade, nesta tese, a esta complexidade envolvida no
ensino e na aprendizagem da língua por ser composta por diferentes processos (o
de alfabetização e o de letramento) constituídos por distintos elementos (oralidade,
leitura e escrita) e relacionados a diversas unidades linguísticas (fonema, letra,
sílaba, palavra, frase e texto). Diante disso, salientamos a impossibilidade de nos
referirmos a uma metodologia exclusiva de ensino para o processo de aquisição da
188

leitura e da escrita. Há, todavia, uma multiplicidade de ações pedagógicas que se


aproximam de cada especificidade da leitura e da escrita.
Apontamos, através da descrição da prática pedagógica da professora,
aquelas ações que consideramos as mais adequadas a cada faceta dos processos
de alfabetização e de letramento. Enfatizamos, portanto, a contribuição que os
estudos acerca da consciência fonológica trazem à evolução psicogenética e da
aprendizagem da leitura e da escrita, evidenciando, de forma explícita, as relações
existentes entre a pauta sonora e gráfica das palavras. A prevalência de uma
proposta pedagógica que contemple a língua, através de seus usos sociais, e o
sistema de escrita, através de atividades que estimulem a aprendizagem das
correspondências entre fonemas e grafemas, também foi apontada, indicando,
portanto, a simultaneidade dos processos de alfabetização e de letramento.
Percebemos a ênfase da professora no processo de alfabetização
contemplando tanto a leitura quanto a escrita, coerente com sua posição já
explicitada. No processo de letramento, houve um expressivo investimento no
desenvolvimento da oralidade através da interação harmoniosa entre os sujeitos
envolvidos na relação pedagógica, na leitura de texto realizada pela professora e na
produção textual ora coletiva com intervenção, ora individual e espontânea.
Ainda evidenciou-se a importância da intervenção pedagógica explícita no
que se refere à organização do ensino da alfabetização e do letramento para
possibilitar a aprendizagem dos alunos, partindo dos conhecimentos das crianças
para chegar à forma convencional de leitura e de escrita, já que a professora
assumiu a seleção do conhecimento e tornou explícitos os critérios de avaliação.
Diante disso, é chegado o momento de nos referirmos às dimensões da
pedagogia mista que se mostraram mais relevantes nesta pesquisa, pois são
justamente aquelas com um forte enquadramento: a seleção do conhecimento em
nível macro e os critérios de avaliação. As outras dimensões da pedagogia mista
que carregam valores fracos quanto ao enquadramento (seleção do conhecimento
em nível micro, sequência, ritmagem e regras hierárquicas referentes às interações
entre professor-aluno e aluno-aluno) e quanto à classificação (relações entre
conhecimento escolar e não-escolar, relações entre conhecimentos da mesma
disciplina e relações entre o espaço do professor e o espaço dos alunos) também
são significativas, sobretudo quando postas em interação, possibilitando a
aprendizagem de todas as crianças.
189

Afirmando, pois, que a professora enfocada nesta tese realizou um processo


de ensino-aprendizagem com as características da pedagogia mista, cabem os
seguintes comentários conclusivos relativos a esta prática pedagógica que visa a
contemplar o conjunto dos alunos.
O professor deve oferecer exemplos de situações da vida diária e explicar
esses fatos com base no conhecimento escolar para fornecer o acesso simultâneo
aos contextos escolar e não escolar e introduzir os princípios que possibilitem a
distinção entre esses dois discursos. Para a aceitação e a introdução, realizada pela
professora, dos exemplos trazidos pelos alunos, é necessário que os critérios de
avaliação sejam claramente explicitados. Ao enfraquecer o enquadramento ao nível
micro da seleção, o posicionamento das crianças desfavorecidas é elevado e isso se
constitui como uma condição para o sucesso escolar. Percebemos que uma relação
de comunicação próxima entre os discursos escolar e não escolar conduz a criança
a uma compreensão mais significativa do conteúdo a ser aprendido.
Ao contrário, o enfraquecimento do enquadramento dos critérios de avaliação
e da seleção deixa os alunos que ingressaram na escola em desvantagem em uma
situação ainda mais desfavorecida. Há um texto legitimado e valorizado pela escola
e pela sociedade para ser aprendido e todos os alunos devem ter acesso a ele. Para
que isso aconteça, os professores precisam auxiliar os alunos a perceber o que
deles é esperado, através da explicitação dos critérios de avaliação e do controle da
seleção, ao menos em nível macro.
Outro aspecto significativo é que o enfraquecimento do enquadramento ao
nível micro da seleção e ao nível das regras hierárquicas conduz à elevação do
estatuto do aluno, condição para o sucesso escolar, principalmente entre as crianças
em situação de desvantagem. “Só uma prática pedagógica que tenha em
consideração todos os alunos pode contribuir para um estatuto mais elevado das
crianças desfavorecidas” (MORAIS; NEVES, 2003, p. 82).
Por fim, como alfabetizadora e formadora de alfabetizadoras, não posso me
eximir da tarefa de me posicionar acerca da prática pedagógica examinada nesta
tese que é, sem dúvida, uma pedagogia mista. Tal modelo possibilita às crianças a
aquisição das regras de reconhecimento e de realização próprias do contexto
escolar e isso de fato ocorreu conforme apontado na avaliação final dos alunos.
A mudança crucial na prática pedagógica de modalidades de pedagogias
visíveis ou invisíveis para uma pedagogia mista recai sobre a formação do professor,
190

cujo desenvolvimento da competência pode criar um contexto social na sala de aula


em que as características descritas desta última estejam presentes. Para isso
acontecer, o professor precisa mudar seus princípios pedagógicos. O que se
depreende, então, é que para ser um professor que alfabetiza em um ano letivo a
quase totalidade dos alunos, o docente deveria ter sua formação de acordo com o
modelo de própria pedagogia mista, pois, tendo passado pela experiência da
mesma, teria a possibilidade de desenvolvê-la com seus alunos (VEIT, 2009).
Por fim, referendamos que o encontro dos campos da sociologia e da
linguagem realiza-se, respectiva e justamente, no interstício entre o “como” e o “o
quê” do processo ensino-aprendizagem. Assim, tanto o conhecimento pedagógico é
fundamental para contemplar todas as dimensões da pedagogia mista quanto a
proficiência docente no conhecimento a ser ensinado que foi, nesta tese, o domínio
de cada especificidade envolvida nos processos de alfabetização e de letramento.
191

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Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, 2009. Produção oral.
198

APÊNDICES

APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL


FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

A investigação tem como objetivo estudar as concepções de currículo,


pedagogia e avaliação presentes nas práticas de leitura e escrita manifestadas no
ambiente escolar de uma instituição municipal. Esta pesquisa pressupõe a
observação de reuniões de planejamento do corpo docente e de práticas
pedagógicas. Além disso, serão realizadas entrevistas com os professores e
contatos com os alunos. Nesse sentido, faz-se necessária sua autorização para a
análise das informações coletadas como um requisito para a tese de doutorado em
desenvolvimento.
Fica garantido o bom uso das informações para o avanço do conhecimento e
o bem estar das pessoas, sem conseqüências prejudiciais futuras e mantida a
confidencialidade na eventual divulgação dos resultados.

Título do Projeto: Currículo, Pedagogia e Avaliação: uma análise das práticas de


leitura e de escrita no Ensino por Ciclos de Formação em Porto Alegre
Pesquisadora: Luciana Piccoli Telefone: (51) 84210435
Orientadora: Maria Helena Degani Veit Telefone: (51) 33163428

Porto Alegre, de de 2005.

Nome do participante:
Telefone:

_____________________________________________
Assinatura
199

APÊNDICE B - Autorização para participação dos alunos na pesquisa

Título do Projeto: Currículo, Pedagogia e Avaliação: uma análise das práticas de


leitura e de escrita no Ensino por Ciclos de Formação em Porto Alegre
Pesquisadora: Luciana Piccoli Telefone: (51) 84210435
Orientadora: Maria Helena Degani Veit Telefone: (51) 33163428
Turma: Professora:

Nome dos pais ou Assinatura dos pais ou


Nome do aluno
responsáveis responsáveis
200

APÊNDICE C - Questionário às professoras das turmas

Data da realização: ____/____/2005

1 Dados de Identificação
1.1 Nome completo
___________________________________________________________________
1.2 Endereço atual (rua, nº da residência, complemento, bairro, CEP)
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
1.3 Telefone (convencional/celular)
___________________________________________________________________
1.4 Estado civil (se casada, profissão e nível educacional do esposo)
___________________________________________________________________
1.5 Número e idade de dependentes
___________________________________________________________________
1.6 Profissão e nível educacional dos pais
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

2 Experiência Profissional
2.1 Escola(s) em que atua neste ano letivo (especificar os turnos e cargas horárias)
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
2.2 Situação na escola (nomeada/contratada)
___________________________________________________________________
2.3 Regime de trabalho (carga horária, nível no plano de carreira,...)
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
201

2.4 Experiência profissional anterior (descrever a experiência profissional, iniciando


pela mais recente até a mais antiga, citando locais onde atuou, funções que exerceu
e tempo de serviço)
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

3 Formação
3.1 Ensino Médio
3.1.1 Curso
___________________________________________________________________
3.1.2 Instituição
___________________________________________________________________
3.1.3 Duração (especificar os anos)
___________________________________________________________________

3.2 Graduação
3.2.1 Curso
___________________________________________________________________
3.2.2 Instituição
___________________________________________________________________
3.2.3 Duração (especificar os anos)
___________________________________________________________________
202

3.3 Pós-graduação
3.3.1 Curso
___________________________________________________________________
3.3.2 Instituição
___________________________________________________________________
3.3.3 Duração (especificar os anos)
___________________________________________________________________

4 Extensão (cursos, seminários, congressos, encontros,...)


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

5 Planos a Médio e Longo Prazo para a Vida Profissional


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Luciana Piccoli
Pesquisadora da UFRGS
Telefone: (51) 84210435
203

APÊNDICE D - Questionário às famílias dos alunos

Senhores Pais ou Responsáveis

Desde o início do ano letivo, estou realizando uma pesquisa sobre leitura e
escrita com os alunos das turmas de alfabetização.
Para a continuidade desse estudo, solicito a colaboração no preenchimento
do questionário anexo a ser entregue para a professora-referência da turma até o
dia ____/____/2005.
Agradeço a atenção dispensada.

Luciana Piccoli
Pesquisadora da UFRGS
Telefone: (51) 84210435

Nome do aluno: ____________________________________________ Turma: ____

Marcar com um X.
1. Responsáveis pelo aluno (com quem o aluno mora):
( ) Mãe e pai ( ) Somente mãe ( ) Somente pai
( ) Outros. Quem? ___________________________________________________

2. Sobre nível educacional:


Mãe ( ) Ensino Fundamental Incompleto. Até que série? ___
( ) Ensino Fundamental Completo
( ) Não alfabetizada ( ) Ensino Médio Incompleto. Até que série? ____
( ) Alfabetizada ( ) Ensino Médio Completo
( ) Ensino Superior Incompleto
( ) Ensino Superior Completo
204

Pai ( ) Ensino Fundamental Incompleto. Até que série? ___


( ) Ensino Fundamental Completo
( ) Não alfabetizado ( ) Ensino Médio Incompleto. Até que série? ____
( ) Alfabetizado ( ) Ensino Médio Completo
( ) Ensino Superior Incompleto
( ) Ensino Superior Completo

Outro responsável ( ) Ensino Fundamental Incompleto. Até que série? __


Quem? ______________ ( ) Ensino Fundamental Completo
( ) Ensino Médio Incompleto. Até que série? ____
( ) Não alfabetizado ( ) Ensino Médio Completo
( ) Alfabetizado ( ) Ensino Superior Incompleto
( ) Ensino Superior Completo

3. Sobre ocupação/profissão dos responsáveis pelo aluno:


Mãe: _______________________________ Está trabalhando? ( ) Sim ( ) Não

Pai: ________________________________ Está trabalhando? ( ) Sim ( ) Não

Outro responsável: ____________________ Está trabalhando? ( ) Sim ( ) Não

4. Sobre irmãos mais velhos:


Quantos? _______________
Ajuda nas lições de
Nome Idade Série ou ano-ciclo
casa?
205

APÊNDICE E - Atividades realizadas anteriormente à pesquisa de campo

Data Descrição das atividades


Contato telefônico com a Secretaria Municipal de Educação (SMED)
para verificar quais instituições atendem às necessidades de
investigação da pesquisadora.
Agendamento de entrevista com a coordenação do primeiro ciclo de
Dezembro formação de duas escolas pré-selecionadas.
de 2004 Encontro com a coordenação e explicitação da proposta de
investigação para averiguar a possibilidade de realizar o trabalho de
campo na instituição.
Confirmação da possibilidade de realização da pesquisa em uma das
escolas.
Contato telefônico com a coordenação do primeiro ciclo de formação da
escola para a confirmação das datas de início do ano letivo.
Apresentação formal da pesquisadora à equipe diretiva da instituição
Fevereiro
através de um documento oficial do Programa de Pós-Graduação em
de 2005
Educação.
Apresentação formal da pesquisadora e da investigação às professoras
das duas turmas através do Termo de Consentimento Informado.
206

APÊNDICE F - EVENTO 65

P: Vocês lembram do livro “Assim assado” da Eva Furnari?


Cs: Sim!
P: Esse aqui é da mesma autora, só que é “Você troca?”. Olha só o que aparece na capa
(mostra a capa)...
C (Yuri): É a Chapeuzinho Vermelho braba...
P: E o que mais?
C (Jérsica): E o lobo tá com medo...
C (Daiane): Tá trocado, né, sora?
P: É isso mesmo, esse é o segredo do livro... vamos ler, então...
P: VOCÊ TROCA UM GATO CONTENTE POR UM PATO COM DENTE?
Cs: Não!
P: Não gostaram da troca? Então vamos ver qual é a rima: contente com...?
Cs: Dente!
P: Isso, muito bem!
P: VOCÊ TROCA UM ESPIÃO COM PREGUIÇA POR UM LADRÃO DE SALSICHA?
Cs: Sim!
P: O que é espião?
C (Bruno): É quem espia os outros...
P: Um detetive, né?
P: VOCÊ TROCA UM LOBINHO DELICADO POR UM CHAPEUZINHO MALVADO?
P: O que aconteceu aqui? Lembram da capa? Quem é malvado?
Cs: A Chapeuzinho.
P: Pois é, inverteu, então o lobinho é bom...
P: Delicado rima com...?
Cs: Malvado!
P: VOCÊ TROCA UM PINGUIM FANTASIADO POR UM PATIM ALUCINADO?
Cs: Não!
Cs: Sim!
P: O que que é alucinado?
C (Yasmine): É louco, né?
P: É e fantasiado rima com...?
Cs: Alucinado.
P: VOCÊ TROCA UM MAMÃO BICHADO POR UM BICHÃO MIMADO?
Cs: Sim!
P: Quem sabe o que é mimado?
C (Pâmela): É feliz.
P: Não, é quando só se quer fazer o que quer...
P: Bichada rima com...?
Cs: Mimado!
P: Muito bem, agora nós vamos prestar bastante atenção... eu vou mostrando as figuras e
vocês me ajudam nas rimas...
P: Contente rima com...
Cs: Dente
P: Pijama rima com...
Cs: Cama
P: Chinelo rima com...
Cs: Cogumelo
P: Dente rima com...
Cs: Obediente
P: Camisola rima com...
207

Cs: Gaiola
P: Molhada rima com...
Cs: Descascada
P: Preguiça rima com...
Cs: Salsicha
P: Feijão rima com...
Cs: Calção
P: Assustado rima com...
Cs: Amarrado
P: Delicado rima com...
Cs: Malvado
P: Fantasiado rima com...
Cs: Alucinado
P: Bichado rima com...
Cs: Mimado
P: Bota rima com...
Cs: Boboca
P: Feiticeira rima com...
Cs: Brincadeira
208

APÊNDICE G - EVENTO 67

P: Eu trouxe aqui os cartazes livro “Você troca?” (mostra o cartaz com a figura da
Chapeuzinho Vermelho). O que está escrito aqui?
Cs: Chapeuzinho.
C (Fernanda): Tem na letra solta e na emendada, né profe?
P: Isso, na separadinha e na cursiva...
P: Com que letra começa?
Cs: C.
P: Com que letra termina?
Cs: O.
P: Quantas sílabas tem? Lembra que a gente chama sílaba toda vez que abre a boca pra
falar uma palavra...
Cs: CHA-PEU-ZI-NHO, quatro vezes.
P: Quantas vogais tem? As vogais são as poderosas, né?
Cs: Cinco.
P: Agora eu vou chamar uma pessoa de cada vez pra fazer a mesma atividade com os
outros cartazes.
209

APÊNDICE H - EVENTO 69

P: A Daiane vai entregar uma folha pra gente...


(Daiane distribui as folhas.)
P: O que que tem aí, gente?
C: Os desenhos do livro...
P: Isso mesmo, qual é o primeiro desenho que tem aí?
Cs: Pato!
P: Jailton, vem aqui escrever pato!
(Jailton escreve PO.)
P: Vamos ver aqui (aponta para a letra P) pra ficar PA, o que que falta, Jailton? PA, PA,
PA...
C (Jailton): O A?
P: Isso! E pra ficar TO (aponta para o letra O)?
C: É T,O.
P: Agora todo mundo vai escrever PATO ali naquela linha (mostra na folha).
P: E pra que aquela nuvem embaixo?
C: Pras letras.
P: Quantas tem?
Cs: Quatro.
P: E a boquinha, pra que que é?
C: Pras sílabas.
P: Isso, quantas são?
Cs: Duas.
P: Todo mundo já escreveu o número de letras e de sílabas? Vou passar pra olhar...
Cs: Sim.
P: Qual é o segundo desenho?
Cs: Canguru.
P: Yuri, vem escrever canguru.
(Yuri escreve CAGRU.)
P: Tá muito bom, faltam poucas letras só.
P: Assim ficou CA, o que mais que falta pra ficar CAN, CAN, CAN?
C: É o N.
P: Isso, e GU, GU, GU?
C (Yuri): O U né, sora?
P: É, escreve aí, então. Ótimo, quantas letras tem, Yuri?
C (Yuri): Sete.
P: E quantas sílabas?
Cs: CAN-GU-RU
C (Yuri): Três.
P: E embaixo, qual é o desenho?
Cs: Urubu.
P: Vem, Douglas!
(Douglas não escreve.)
P: Como escreve URUBU? U, U, U...
C (Douglas): U?
P: Isso mesmo!
P: E as outras letras, os colegas ajudam…
Cs: R, U, B, U. (Douglas escreve.)
P: Quantas letras?
C (Douglas): Cinco.
P: Quantos pedacinhos? Douglas, ó: U-RU-BU.
210

C (Douglas): Três.
P: Tá todo mundo escrevendo aí no lugar certo? Tô olhando...
P: Juliana, vem agora fazer dragão.
(Juliana escreve DARGÃO.)
P: Vamos ver aí ficou DAR, mas é DRA, DRA, DRA, tem uma coisinha pra arrumar...
C (Juliana troca ): Tá trocado o R né, profe?
P: Que esperta, Juliana! Isso mesmo!
(Juliana escreve seis letras e duas sílabas.)
P: Ó, agora todo mundo vai escrevendo na sua folha...
211

APÊNDICE I - EVENTO 70

1P Agora vamos ler todas essas palavras aqui do quadro.


(A professora vai apontando as palavras e a leitura é feita de modo global.)
(Após a leitura, a professora chama a atenção de algumas palavras.)
2P Aposto que vocês não viram uma coisa... O que mudou do TUTU pro TATU?
3 Cs O U e o A.
4P E aqui, o que mudou do PATO pro RATO?
5 Cs O P e o R.
6P Olha TATURANA, o que acontece se eu tirar essa parte aqui? (esconde
RANA).
7 Cs TATU.
8P Muito bem! E se eu tirar essa outra parte? (esconde TATUR).
9 Cs ANA.
10 P Vamos ver outra palavra... essa aqui ó CHAPEUZINHO... quero ver quem
encontra outras palavras dentro dessa...
11 Yasmine CHAPÉU, sora!
12 P Isso mesmo! Tem outras, vamos ver...
13 Pablo Só CHÁ também dá... (professora esconde as sílabas para todos
visualizarem.)
14 P Dá sim, e tem mais uma... bem pequenininha...
15 Daiane É PÉ, profe?
16 P É, a Daiane encontrou! Que gente esperta nessa turma!
212

ANEXOS

ANEXO A - Painel do alfabeto


213

ANEXO B - Letra da música “Tango Lamango”


214

ANEXO C - Caça-palavras
215

ANEXO D - Poema “A mulher gigante”


216

ANEXO E - Poema “Príncipe Herculano, o chato”


217

ANEXO F - Poema “Isso eu não digo!”


218

ANEXO G - Ficha com sílabas


219

ANEXO H - Quebra-cabeça: Madagascar


220

ANEXO I - Quebra-cabeça: letra inicial e palavra


221
222

ANEXO J - Livro “Você troca?”


223
224

ANEXO K - Folha “Você troca?”


225

ANEXO L - Livro “Branca de Neve e os Sete Anões”


226
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