Camila Do Carmo Hermida
Camila Do Carmo Hermida
Camila Do Carmo Hermida
8649881
Artigo
Recebido: 12 de julho de 2017 Versão Revisada (entregue): 30 de novembro de 2017 Aprovado: 24 de fevereiro de 2018
Resumo
Este artigo desenvolve uma análise pioneira da competitividade das exportações brasileiras
no período 1995-2011, ao considerar o fenômeno das cadeias globais de valor (CGV).
Calcularam-se os índices de competitividade market share e vantagem comparativa revelada
(VCR) pelas vias tradicionais e por meio de medidas de valor adicionado, assim como índices
de participação e posicionamento nas CGV. Para tanto, utilizou-se uma nova metodologia de
decomposição matemática das exportações (KOOPMAN et al., 2014) e indicadores estima-
dos por meio da matriz de insumo-produto global World Input Output Tables (WIOT). As
análises demonstram que os índices tradicionais tendem a subestimar o desempenho de países
localizados a montante nas CGV, como o Brasil, mas nas categorias “produtos primários” e
“manufaturas de baixa-tecnologia” percebem-se uma superestimação dos índices tradicionais
e uma queda das vantagens comparativas reveladas do país.
Código-JEL | F14
Rev. Bras. Inov., Campinas (SP), 17 (2), p. 345-376, julho/dezembro 2018 345
Camila do Carmo Hermida, Clésio Lourenço Xavier
Abstract
This article develops a pioneering analysis of the competitiveness of Brazilian exports in 1995-
2011 by taking into account the phenomenon of global value chains (GVC). We calculated
the competitiveness indexes market share and Revealed Comparative Advantage (RCV)
both by the traditional way and by the new measures of value added, as well as the indexes
of participation and position in the GVC. To do that, a new methodology of mathematical
decomposition of exports was used (KOOPMAN et al., 2014) and indicators were estimated
by means of the WIOT global input-output matrix. The analyses show that the traditional
indexes tend to underestimate the performance of countries located upstream in the GVC,
such as Brazil, but in the categories “primary products” and “low-technology manufactures”
there is an overestimation of the indexes and a decrease of the country’s RCV.
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1. Introdução
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2. Revisão de literatura
1 Os trabalhos desses autores compõem a denominada “literatura de valor adicionado”. Dentre eles, destacam-se: Hummels et al.
(2001), Koopman et al. (2010, 2014), Daudin et al. (2011), Johnson e Noguera (2012) e Timmer et al. (2012, 2014) .
2 As equações de tais indicadores serão expostas nos aspectos metodológicos.
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3. Aspectos metodológicos
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(i) VT
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Com o objetivo de obter um indicador mais preciso da inserção nas CGV, Koop-
mann et al. (2010, 2014) desenvolvem um índice de participação nas CGV (GVC
participation), combinando as medidas matemáticas VS e VS1:
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(14)
Onde: DVsi corresponde ao VAD do país s do setor i; DVs: refere-se ao VAD total
pelo país s; DVMi representa o VAD de todos os países do mundo nas exportações
do setor i; e DVM compreende o VAD total nas exportações brutas mundiais.
O índice tradicional de market share (denominado aqui de MS_t) é outra medida
simples de competitividade internacional que aponta a razão das exportações de um
país em um determinado setor/categoria e as exportações mundiais daquela categoria.
No entanto, este índice não diz necessariamente se o país é competitivo em todas
as etapas de desenvolvimento do produto exportado (design, processo e mercado) e
apresenta um viés por não levar isso em consideração em seu cálculo. Portanto, com
frequência ele tende a subestimar ou superestimar a competitividade de um país,
dependendo da posição desses países nas CGV. Por exemplo, um país pode apresentar
um elevado market share em determinado setor, mas, por estar localizado apenas nas
etapas a jusante de fabricação do produto, detém uma parcela menos significativa
do mercado. Por outro lado, países localizados a montante podem apresentar uma
competitividade mais elevada do que aquela denotada pelo índice MS, já que boa
parte da geração de valor nesses países foi reexportada por outros países após etapas
de montagem, e contado duplamente nas exportações totais do setor EMi.
Assim, calcular-se-á também o índice MS levando em consideração o total de
valor adicionado doméstico por cada país. Denominamos aqui de MS_va:
(15)
Entende-se que esse índice retira o viés de dupla contagem no comércio e per-
mite uma medida mais precisa do grau de competitividade dos países, incorporando
os backwards linkages entre cadeias dentro do próprio país.
O cálculo dos indicadores supracitados baseou-se nos dados disponibilizados
pela matriz de insumo global World Input-Output Tables – WIOT, que pertence à
World Input-Output Database – WIOD, lançada em 2012 e atualizada em 2014
como iniciativa da European Commision.
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4. Resultados
A Tabela 1 apresenta os resultados dos cálculos dos índices market share e VCR,
utilizando tanto o cálculo tradicional por meio das exportações brutas (expressos
na tabela como MS_t e VCR_t), quanto o cálculo proposto pela literatura de valor
adicionado, utilizando o DV setorial (MS_va e VCR_va). Os dados são de 1995,
2005 e 2011 e os valores em negrito enfatizam quando os países apresentaram
vantagens comparativas reveladas em determinadas categorias de comércio (índice
VCR maior que a unidade).
A interpretação dos resultados dar-se-á a fim de verificar como tais índices di-
ferem quando se usam medidas de valor adicionado em vez de medidas tradicionais
com base no valor das exportações e ressaltar em quais categorias os países estão, de
fato, especializando-se e ganhando competitividade.
Em primeiro lugar, com relação tanto ao índice market share quanto ao VCR,
é possível notar que as estatísticas tradicionais tendem, na maioria das vezes, para
essa amostra, a subestimar a parcela de mercado que um país domina: quando
avaliados todos os países selecionados, constatou-se uma frequência superior de
5 Lista completa de setores, bem como correspondência com setores da classificação da OCDE (1994), disponível no Quadro A
no apêndice.
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índices MS_va e VCR_va maiores do que MS_t e VCR_t para todas as categorias
analisadas. Portanto, nota-se a importância dos backwards linkages domésticos, evi-
denciados pela presença de valor doméstico de um setor nas exportações de outro
setor via matriz I-O. Nesse nível de agregação, boa parte do valor adicionado de
uma indústria doméstica exportado por outra pode ser interpretada de maneira
equivocada e a competitividade de um setor pode ser subestimada em função da
supervalorização da competitividade de outro, localizado mais a jusante nas cadeias
de fornecimento domésticas.
No caso do Brasil, justamente os setores em que se apresentam maiores parcelas
de mercado foram aqueles nos quais se evidenciou um padrão diferente do destacado
acima: “produtos primários” e “manufaturas de baixa-tecnologia” vêm obtendo o
MS_va inferior ao MS_t e um VCR_va maior do que VCR_t desde 2005. Além
disso, enquanto as estatísticas tradicionais de comércio apontam para um aumento
da competitividade e do grau de especialização em produtos primários de 2000 para
2005, os índices de valor adicionado revelam uma queda da robustez das vantagens
comparativas reveladas do Brasil nessas categorias.
Isso revela que o aumento recente do conteúdo importado nessas categorias tem
reduzido a competitividade internacional do país e suas vantagens comparativas, o
que não aparece claramente nas estatísticas tradicionais e tem imprimido um sinal
equivocado para políticas nacionais voltadas para o comércio exterior.
Ademais, o MS_va na categoria de “média-baixa tecnologia” demonstrou que
o Brasil apresentou ganhos de competitividade ao longo dos três anos, embora o
MS_t tenha registrado certa estagnação de 2005 para 2011 desse desempenho. Pa-
ralelamente a isso, em 2011, o país mostrou vantagens comparativas reveladas em
termos de valor adicionado (VCR_va>1), mas não em termos brutos (VCR_t<1).
Esses resultados sugerem que o Brasil está se especializando na produção de interme-
diários de média-baixa tecnologia voltados para adicionar valor em outras indústrias
localizadas a jusante nas cadeias de valor domésticas.
Os países localizados mais a montante em setores de manufaturas de alta tec-
nologia, como EUA e Japão, apresentaram maiores parcelas de mercado e maiores
vantagens comparativas quando utilizados índices de valor adicionado. Por outro
lado, países como a China e o México, mais a jusante em atividades de montagem,
utilizam uma significante quantidade de produtos intermediários e mostraram-se
menos competitivos e menos especializados em setores de manufaturas quando uti-
lizados índices mensurados com valor adicionado. Por exemplo, usando o MS_va e
o VCR_va, os EUA demonstram uma ampliação de sua competitividade e de suas
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TABELA 1
Índices market share e VCR tradicionais e por valor adicionado para, por categorias tecnológicas para manufaturas e serviços em geral
Países selecionados – 1995-2011
Recursos naturais Baixa tecnologia Média-baixa tecnologia Média-alta tecnologia e alta tecnologia Serviços
Países MS_ VCR_ MS_ VCR_ MS_ VCR_ MS_ VCR_ MS_ VCR_
MS_t VCR_t MS_t VCR_t MS_t VCR_t MS_t VCR_t MS_t VCR_t
va va va va va va va va va va
1995 1,50 1,74 1,36 1,47 1,96 2,02 1,78 1,69 1,30 1,48 1,19 1,24 0,56 0,74 0,51 0,62 0,79 1,03 0,72 0,87
Brasil 2005 1,93 1,92 1,63 1,34 2,43 2,35 2,05 1,64 1,33 1,74 1,13 1,22 0,83 1,00 0,70 0,70 0,66 1,24 0,56 0,86
2011 3,31 2,34 2,07 1,24 3,26 3,10 2,04 1,64 1,33 1,89 0,83 1,00 0,85 1,07 0,53 0,57 1,26 1,62 0,79 0,86
1995 2,40 5,69 0,73 1,75 7,05 6,55 2,14 2,01 3,49 4,06 1,06 1,25 1,97 2,38 0,60 0,73 2,01 2,15 0,61 0,66
China 2005 1,59 7,29 0,22 0,99 11,93 12,72 1,62 1,73 6,34 8,99 0,86 1,22 8,70 8,03 1,18 1,09 5,80 5,65 0,79 0,77
2011 1,28 8,27 0,11 0,70 16,88 20,81 1,48 1,76 9,54 14,56 0,84 1,23 15,45 14,28 1,36 1,21 8,09 9,86 0,71 0,84
1995 0,99 1,81 1,20 2,07 1,69 1,38 2,03 1,58 1,24 0,99 1,49 1,13 0,30 0,35 0,36 0,40 0,55 0,78 0,66 0,89
Índia 2005 1,18 1,82 0,85 1,20 2,20 1,74 1,58 1,15 2,46 1,71 1,77 1,12 0,58 0,72 0,42 0,47 1,75 1,72 1,26 1,13
2011 1,25 1,61 0,68 0,84 2,09 1,65 1,14 0,86 3,23 2,50 1,76 1,30 1,16 1,19 0,63 0,62 2,07 2,17 1,13 1,13
1995 0,32 0,86 0,03 0,08 1,41 4,19 0,15 0,41 8,52 13,00 0,90 1,26 13,67 16,55 1,44 1,61 8,00 9,87 0,84 0,96
Japão 2005 0,21 0,39 0,04 0,06 0,90 2,89 0,16 0,42 5,43 9,04 0,94 1,32 8,73 11,23 1,51 1,64 5,72 6,92 0,99 1,01
2011 0,18 0,24 0,04 0,04 0,72 2,13 0,15 0,39 5,62 7,21 1,15 1,33 7,18 8,58 1,47 1,59 5,06 6,40 1,04 1,18
1995 2,07 2,37 1,30 1,72 0,75 1,07 0,48 0,78 1,31 1,18 0,82 0,86 1,61 1,22 1,02 0,88 1,60 1,34 1,01 0,97
México 2005 2,76 2,73 1,43 1,48 1,18 1,50 0,61 0,82 1,50 1,65 0,78 0,90 2,31 1,92 1,20 1,04 1,51 1,62 0,79 0,88
2011 2,84 2,66 1,52 1,52 0,90 1,34 0,48 0,77 1,58 1,62 0,84 0,93 2,48 2,25 1,33 1,29 0,97 1,21 0,52 0,69
1995 4,97 3,92 3,08 2,24 0,38 0,51 0,24 0,29 1,72 1,66 1,06 0,95 0,42 0,57 0,26 0,33 3,11 2,15 1,92 1,23
Rússia
2005 7,14 5,44 3,57 2,15 0,40 0,61 0,20 0,24 2,00 3,07 1,00 1,21 0,41 0,67 0,20 0,26 3,53 2,68 1,77 1,06
2011 7,91 6,69 3,00 2,02 0,48 0,57 0,18 0,17 2,51 3,86 0,95 1,17 0,51 0,76 0,19 0,23 4,88 3,57 1,85 1,08
1995 8,31 6,74 0,55 0,46 9,13 10,47 0,61 0,72 7,98 10,77 0,53 0,74 14,43 13,72 0,96 0,94 23,92 19,16 1,59 1,31
2011 4,03 3,52 0,40 0,31 6,30 6,06 0,63 0,53 8,40 9,95 0,84 0,88 10,10 13,14 1,01 1,16 17,06 15,48 1,70 1,36
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Competitividade internacional do Brasil
Fonte: Elaboração dos autores com base em Koopman et al. (2014) e nos algoritmos decompr e GVC decomposition (QUAST; KUMMRITZ, 2015) aplicados no software R.
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Competitividade internacional do Brasil
GRÁFICO 1
Comparação entre os índices de VCR tradicional e de VCR valor adicionado obtidos pela indús-
tria e a diferença entre as médias desses índices ao longo do período
Brasil – 1995-2011
Fonte: Elaboração dos autores com base em Koopman et al. (2014) e nos algoritmos decompr e GVC decomposition (QUAST;
KUMMRITZ, 2015) aplicados no software R.
Nota: Os códigos de 1 a 34 representam os códigos dos setores da base WIOT, disponíveis em Timmer et al. (2012b).
Não há valores disponíveis de exportações brutas para o setor (c35 – serviços prestados às famílias por empregados domésticos) do
Brasil em vários anos, inclusive em 2011; por isso não foi adicionado nesse gráfico ou nas demais tabelas a seguir.
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A análise setorial mostra que, de fato, os setores primários do Brasil são aqueles
que mais participam de CGV, bem como os que apresentaram maior crescimento
relativamente à indústria de transformação no período. A participação das “in-
dústrias extrativas e mineração” cresceu em todo o período, mas com mais vigor
a partir dos anos 2000, alcançando em 2011 uma parcela de 6% das exportações
envolvidas em CGV.
A Tabela 3 apresenta a composição da participação em CGV, dada pela parcela
das exportações do Brasil de intermediários destinados a atender países terceiros (VS1)
– participação para frente – e pela parcela das exportações correspondente ao conteúdo
importado no total exportado (índice VS) – participação para trás – nas CGV.
Constata-se que o crescimento da participação das “indústrias extrativas e mi-
neração” nas CGV é explicado pelo aumento de ambos os componentes do índice.
Muito embora o crescimento da participação para frente desse setor tenha sido
maior (de 0,68% para 4,42%), a ampliação da participação para trás foi bastante
significativa (de 0,37% para 1,59%). Esse resultado em conjunto com o cálculo do
índice VCR_va nos leva, de fato, à conclusão de que a inserção brasileira desse setor
nas CGV está correlacionada com um enfraquecimento das vantagens comparativas
do Brasil no período recente.
O segundo setor com maior participação nas CGV foi o conjunto de commo-
dities, englobadas no grupo setorial “agricultura, floresta, caça e pesca”. Em 1995,
essa participação era de apenas cerca de 1%, crescendo em média 13% ao ano até
alcançar 3,89% em 2011. O Brasil apresenta vantagens comparativas robustas e
crescentes nesse setor com base na mensuração dos dois índices distintos de VCR,
mas há diferenças proeminentes entre os dois que podem ser explicadas pela par-
ticipação para trás do Brasil nas CGV. Nota-se na Tabela 3 que o VS cresceu de
0,31% em 1995 para 0,96% em 2011. Embora esse valor seja relativamente muito
inferior ao da participação para frente, que aumento de 0,67% para 2,93%, é um
dos motivos para uma superestimação da competitividade no país no comércio
internacional de commodities.
A literatura de valor adicionado e os relatórios das organizações internacionais
sempre apontam para a baixa parcela de VAE nas exportações de países especiali-
zados em commodities e recursos naturais relativamente à parcela de VAD, dadas
as características físicas desses setores, pouco alvo de fragmentação, entretanto,
percebe-se um aumento da especialização vertical desses setores no Brasil ao longo do
período analisado. Vale dizer que duas questões podem estar afetando tal resultado.
Primeiramente, os preços internacionais das principais commodities cresceram subs-
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Em porcentagem
Índice de participação nas CGV (GVC_participation), por setor
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TABELA 3
Composição da participação setorial nas CGV
Brasil – 1995-2011
Em porcentagem
Produtos Agricultura, floresta, caça e pesca 0,67 0,53 0,51 2,93 0,31 0,50 0,57 0,96
primários Indústrias extrativas e mineração 0,68 0,67 0,86 4,42 0,37 0,46 0,84 1,59
Alimentos, bebidas, tabaco 0,54 0,48 0,48 0,76 1,03 1,11 1,24 1,61
Têxteis e produtos têxteis 0,55 0,51 0,55 0,29 0,18 0,15 0,12 0,10
Baixa- Couro e calçados de couro 1,26 1,18 1,30 0,23 0,35 0,43 0,23 0,13
tecnologia
Madeira e cortiça e suas obras 1,94 2,40 2,27 0,18 0,08 0,14 0,17 0,06
Pasta de papel e cartão e seus artigos; edição e impressão 2,11 2,60 2,60 0,80 0,41 0,39 0,26 0,29
Coque, produtos petrolíferos refinados e de combustível 0,65 0,68 1,16 0,68 0,30 0,63 0,92 0,79
nuclear
Média-baixa Borracha e plásticos 0,38 0,42 0,42 0,40 0,19 0,26 0,22 0,23
tecnologia Outros produtos minerais não metálicos 0,16 0,20 0,19 0,14 0,10 0,14 0,13 0,10
Metais básicos e produtos de metais fabricados 2,99 2,84 4,16 2,92 1,40 1,38 1,43 1,22
Manufaturas nec.; recicláveis 0,22 0,24 0,31 0,06 0,08 0,13 0,10 0,06
Produtos químicos 2,03 2,00 2,14 1,25 0,60 0,90 0,77 0,81
Média- Máquinas e equipamentos, nec. 0,67 0,68 0,89 0,36 0,45 0,55 0,71 0,55
alta e alta
tecnologia Equipamentos elétricos e óticos 1,87 2,57 2,92 0,63 0,50 1,37 1,00 0,74
Equipamentos de transporte 1,12 1,52 1,71 0,49 0,95 2,67 2,56 1,65
Eletricidade, gás e água 0,07 0,07 0,11 0,86 0,00 0,00 0,00 0,04
Construção 0,07 0,10 0,12 0,20 0,05 0,06 0,02 0,04
Serviços de comércio, manutenção e reparação de
veículos automóveis e motociclos; serviços de comércio a 0,02 0,03 0,03 0,26 0,00 0,01 0,00 0,00
varejo de combustíveis para veículos
Serviços de comércio atacado e agentes do comércio,
0,13 0,17 0,19 0,85 0,01 0,01 0,01 0,01
exceto de veículos automóveis e de motociclos
Comércio a varejo, exceto de veículos automotivos e
0,03 0,04 0,05 1,28 0,01 0,02 0,01 0,02
motociclos; reparação de bens de consumo
Hotéis e restaurantes 0,10 0,08 0,11 0,38 0,16 0,19 0,15 0,17
Transporte terrestre 1,96 1,76 1,81 1,21 0,06 0,08 0,08 0,12
Transporte marítimo 0,19 0,23 0,28 0,07 0,00 0,01 0,01 0,01
Transporte aéreo 0,12 0,16 0,16 0,11 0,01 0,01 0,01 0,01
Serviços
Outras atividades de apoio e de caráter auxiliar no
domínio dos transportes; atividades de agências de 0,11 0,11 0,12 0,57 0,03 0,03 0,03 0,06
viagem
Serviços postais e das telecomunicações 0,03 0,05 0,06 0,86 0,03 0,07 0,07 0,11
Intermediação financeira 0,09 0,13 0,16 1,17 0,02 0,03 0,02 0,03
Atividades imobiliárias 0,01 0,01 0,01 0,98 0,00 0,00 0,00 0,01
Aluguel de maq. e equip. e outros serviços de negócios 1,12 1,30 1,37 2,74 0,13 0,15 0,12 0,20
Administração pública e defesa; segurança social
0,43 0,38 0,37 0,18 0,01 0,01 0,01 0,01
obrigatória
Educação 0,02 0,02 0,02 0,02 0,00 0,00 0,00 0,00
Saúde e ação social 0,11 0,11 0,08 0,02 0,00 0,00 0,00 0,00
Outras atividades de serviços coletivos, sociais e pessoais 0,13 0,17 0,34 1,59 0,08 0,09 0,08 0,11
Serviços prestados às famílias por empregados domésticos 0,53 0,60 0,82 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
Fonte: Elaborção dos autores com base em Koopman et al. (2014) e nos algoritmos decompr e GVC decomposition (QUAST; KUMMRITZ, 2015)
aplicados no software R.
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Competitividade internacional do Brasil
essas duas variáveis, mostrando a correlação da participação nas CGV com o grau
de especialização setorial (VCR_va) do Brasil por setor em 2011 e o crescimento
médio no período (1995-2011) dessas duas variáveis.
GRÁFICO 2
Relação entre participação em CGV e o índice VCR_va
Brasil – 1995-2011
2011
1995-2011
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Camila do Carmo Hermida, Clésio Lourenço Xavier
Nota-se que existe uma forte correlação positiva entre vantagens comparativas
reveladas e participação em CGV para as indústrias brasileiras em 2011. Isso significa
que o Brasil participou mais em CGV a partir de setores nos quais tem maiores
vantagens comparativas. Da mesma forma, considerando a taxa de crescimento
média dessas duas variáveis no período 1995-2011, observa-se também uma relação
positiva entre esses índices. Portanto, parece que o perfil de inserção externa e as
estratégias de especialização comercial do Brasil têm sido, de maneira geral, cada
vez mais pautadas pela lógica das CGV.
A correlação entre o índice VCR_va e o índice GVC_participation foi de 45%
quando avaliado somente 2011. Considerando todo o período (dados em painel
para as 34 indústrias ao longo dos 17 anos), essa correlação foi de apenas 10%.
Já a correlação entre os ganhos de especialização comercial (crescimento médio do
VCR_va de 1995 a 2011) e os ganhos de participação nas cadeias foi de 26%; e,
por fim, considerando um painel com as taxas de crescimento anuais, essa correlação
também foi de apenas 10%. Assim, quando considerado apenas o último ano da
amostra, a correlação, em termos tanto de níveis quanto de taxas de crescimento,
parece ser mais robusta do que para todo o período. Isso nos leva a crer que, exceto
para alguns setores, a correlação é positiva, mas se mostra mais forte no período
mais recente.
5. Considerações finais
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Competitividade internacional do Brasil
produtos primários de 2000 para 2005, os índices de valor adicionado revelam uma
queda da robustez das vantagens comparativas reveladas do Brasil nessa categoria.
Ademais, constata-se um crescimento da participação “para trás” dos produtos pri-
mários nas CGV, acima de todos os demais países selecionados, o que pode significar
um aumento do conteúdo estrangeiro importado para processamento de produtos
primários, que afeta negativamente o saldo comercial dessa categoria. Embora esse
resultado seja corroborado também por outras matrizes, como os dados da TiVA
(2016), ele pode estar sendo afetado por um efeito-preço (dado o aumento dos preços
das commodities no período analisado) ou por uma restrição relativa ao nível elevado
de agregação dessas matrizes, que não permite captar especificidades intrasetoriais.
Notadamente, estudos de casos sobre esses setores a partir de uma abordagem das
CGV se fazem necessários a fim de compreendermos mais nitidamente os estágios
das cadeias de valor e a dinâmica e o posicionamento das empresas brasileiras e
multinacionais ao longo dessas etapas.
As categorias de atividades produtivas nas quais o Brasil apresenta maiores
vantagens comparativas (“produtos primários” e “manufaturas de baixa-tecnologia”)
foram exatamente aquelas nas quais se percebe uma superestimação dos índices
brutos (MS_va inferior ao MS_t e VS_va inferior ao VS_t). Vale dizer que muito
tem-se argumentado sobre a possibilidade de se estabelecer uma estratégia de inserção
externa via tais setores, nos quais o Brasil já é competitivo e apresenta vantagens
comparativas históricas. No entanto, as diferenças identificadas entre os índices tra-
dicionais e de valor adicionado nos setores primários e de baixa tecnologia revelam
que a competitividade nesses setores é frágil e precisa ser qualificada no que tange
ao conteúdo que tem sido importado para a geração do produto final exportado
desses setores.
Um resultado positivo encontrado diz respeito à categoria “média-baixa tec-
nologia” que, enquanto via cálculo do VCR_t o Brasil não apresenta vantagens
comparativas em 2011, via cálculo do VCR_va (positivo e maior que a unidade)
mostra que o país está se especializando na produção de intermediários de média-
-baixa tecnologia voltados para adicionar valor em outras indústrias localizadas a
jusante nas cadeias de valor domésticas.
Assim como em outros trabalhos, nota-se que o Brasil tende a estar localiza-
do a montante nas CGV, como fornecedor de insumos para serem reexportados,
especialmente de commodities e recursos naturais (maior participação para frente).
No entanto, observou-se um desempenho positivo da categoria serviços do Brasil,
que compreende a maior parcela de valor adicionado doméstico nas exportações
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Camila do Carmo Hermida, Clésio Lourenço Xavier
brasileiras. Ademais, sua participação em CGV cresceu ao longo dos anos analisados
e foi maior (13 setores ao todo) relativamente aos setores primários e da indústria
de transformação, na qual somente seis setores demonstraram resultados positivos
quanto ao engajamento em CGV. Dessa forma, o Brasil parece, de maneira agregada,
estar posicionado nas CGV como fornecedor a montante, ora de insumos primários
em estado bruto ou com pouco processamento tecnológico, ora adicionando valor
nas exportações estrangeiras por meio de serviços pré-produção.
A indústria de transformação apresenta crescimento do valor adicionado
doméstico, mas baixos índices de VS (participação para trás), o que nos leva à
conclusão de que sua estratégia de inserção externa ainda está muito pautada em
relações comerciais tradicionais (fora das CGV). Um destaque para a indústria
de “equipamentos de transporte”, que apresentou ganhos de competitividade via
participação em CGV.
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Acknowledgment
The authors thank the Coordination for the Improvement of Higher Education
Personnel (CAPES) for their financial support (PDSE-Process 6347-14-2).
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Camila do Carmo Hermida, Clésio Lourenço Xavier
Apêndice
Lista de indústrias da base de dados TiVA WTO/OECD (2015)
Código Classificação Correspondência
OECD/WTO ISIC Indústria com classificação
TiVA (Rev. 3) OECD (1994)
1 C01T05 Agricultura, floresta, caça e pesca Produtos primários
2 C10T14 Indústrias extrativas e mineração Produtos primários
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