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Revista Contemporânea de Contabilidade

ISSN: 1807-1821
ISSN: 2175-8069
Universidade Federal de Santa Catarina

Orlovas, Anatoli Dias; Serra, Ricardo Goulart; Carrete, Liliam Sanchez


A utilização do múltiplo EV/EBITDA na precificação de IPO’s no mercado brasileiro
Revista Contemporânea de Contabilidade, vol. 15, núm. 37, 2018, pp. 34-51
Universidade Federal de Santa Catarina

DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8069.2018v15n37p34

Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=76265071002

Como citar este artigo


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acesso aberto
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-8069.2018v15n37p34

A utilização do múltiplo EV/EBITDA na precificação de


IPO’s no mercado brasileiro
Valuing IPO’s using EV/EBITDA multiple in the Brazilian market

La utilización del múltiple EV/EBITDA en la valorización de las IPO’s en el mercado


brasileño

Anatoli Dias Orlovas


Mestre em Administração na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP)
Endereço: Av. Goias, nº 1805, Bairro Santa Paula
CEP: 09521-300 – São Caetano do Sul/SP - Brasil
E-mail: [email protected]
Telefone: (11) 4239-6128

Ricardo Goulart Serra


Pós-doutor em Ciências Contábeis na Universidade São Paulo (FEA/USP)
Professor do MPA da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), Professor
da Pós-graduação Lato Sensu do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e Professor da
Graduação do Departamento de Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP)
Endereço: Avenida da Liberdade, 532, Liberdade
CEP: 01502-001 – São Paulo/SP - Brasil
E-mail: [email protected]
Telefone: (11) 3272-2301

Liliam Sanchez Carrete


Doutor em Administração na Universidade de São Paulo (USP)
Professor do Departamento de Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP)
Endereço: Avenida Professor Luciano Gualberto, 908, FEA 1, sala G-168, Cidade
Universitária
CEP: 05508-900 – São Paulo/SP - Brasil
E-mail: [email protected]
Telefone: (11) 3091-5956

Artigo recebido em 25/09/2017. Revisado por pares em 16/04/2018. Reformulado em


01/07/2018. Recomendado para publicação em 14/11/2018 por Carlos Eduardo Facin Lavarda
Editor-Chefe). Publicado em 10/04/2019.

ISSN 2175-8069, UFSC, Florianópolis, v. 15, n. 37, p. 34-51,


34 out./dez. 2018
Anatoli Dias Orlovas, Ricardo Goulart Serra e Liliam Sanchez Carrete

Resumo
Este artigo verificou se o múltiplo EV/EBITDA de empresas comparáveis (pertencentes ao
mesmo setor) são bons parâmetros para precificar os IPO’s (initial public offering). Foram 116
IPO’s no mercado brasileiro, entre 2004 e 2014. Após as exclusões (empresas financeiras,
empresas com falta de informações ou informações negativas e outliers), foram analisados 36
IPO’s. Além dos múltiplos das empresas comparáveis, utilizou-se como variáveis explicativas:
dummy de ano e variáveis ligadas aos drivers de valor (rentabilidade, alavancagem e tamanho).
Os resultados indicam que o múltiplo de empresas comparáveis é relevante para precificar as
empresas no momento do IPO, sendo que os modelos com a média e com a mediana obtiveram
melhores coeficiente de ajuste (R2). Nenhum dos drivers de valor mostrou-se significativo. A
dummy de ano foi significativa apenas para um modelo. Os modelos com a classificação setorial
NAICS apresentaram ajustes melhores do que os modelos com a classificação da
Economatica®.
Palavras-chave: IPO; EV/EBITDA; Avaliação por múltiplos; Avaliação de empresas

Abstract
This paper verified whether the EV / EBITDA multiple of comparable firms (belonging to the
same industry) are good parameters for pricing firms in their initial public offering (IPO’s).
There were 116 IPO’s in the Brazilian market between 2004 and 2014. After the exclusions
(financial firms, firms with lack of or negative information and outliers), 36 IPO’s were
analyzed. In addition to the multiples of the comparable firms, it was used as explanatory
variables: year dummy and variables related to value drivers (return, leverage and size). The
results indicate that the multiple of comparable firms are relevant to price the firms 'going
public', and the models with the mean and the median obtained better adjustment coefficient
(R2). The analyzed value drivers were not significant. The year dummy was significant only for
one model. The models with the NAICS' sector classification presented better adjustments than
the models with the Economatica's® classification.
Keywords: IPO; EV/EBITDA; Multiple’s valuation; Valuation

Resumen
Este artículo verificó si el múltiplo EV / EBITDA de empresas comparables (pertenecientes al
mismo sector) son buenos parámetros para valorizar las IPO (initial public offering) en el
mercado brasileño, entre 2004 y 2014. Después de las exclusiones (empresas financieras,
empresas con falta de información o información negativa y outliers), se analizaron 36 IPO's.
Además de los múltiples de las empresas comparables, se utilizó como variables explicativas:
dummy de año y variables ligadas a los controladores de valor (rentabilidad, apalancamiento
y tamaño). Los resultados indican que el múltiplo de empresas comparables es relevante para
valorizar a las empresas en el momento de la IPO, siendo que los modelos con la media y con
la mediana obtuvieron mejores coeficientes de ajuste (R2). Ninguno de los controladores de
valor se mostró significativo. La simulación de cada año fue significativa sólo para un modelo.
Los modelos con la clasificación sectorial NAICS presentaron ajustes mejores que los modelos
con la clasificación de Economatica®.
Palabras clave: IPO; EV/EBITDA; Evaluación por múltiples; Evaluación de empresas

1 Introdução

Entre 2004 a 2014 houve 116 IPO’s (Initial Public Offering) no mercado acionário
brasileiro. Fatores como a estabilização político-econômica, o aumento do investimento de
capital estrangeiro, a criação do Novo Mercado, a profissionalização da Bovespa, entre outros

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A utilização do múltiplo EV/EBITDA na precificação de IPO’s no mercado brasileiro

(CASOTTI; MOTTA, 2008), contribuíram para o elevado número de IPO’s neste período,
embora a recente piora do cenário macroeconômico tenha feito com que o número de IPO’s
diminuísse, chegando a zero em 2015.
IPO é a denominação dada ao momento em que uma empresa realiza, pela primeira vez,
uma oferta pública de ações ao mercado – Oferta Pública Inicial, transformando-a em uma
empresa listada na bolsa de valores. Diversos motivos fazem com que uma empresa realize a
primeira oferta pública, entre eles: captar recursos, obter maior reconhecimento do mercado,
profissionalizar sua gestão, viabilizar a troca de sócios e investidores, possibilitar a utilização
de suas próprias ações para adquirir outras empresas etc.
O momento da entrada de uma empresa na bolsa de valores gera expectativas tanto por
parte da empresa, que espera obter os recursos estimados vendendo suas ações, bem como por
parte dos investidores, que esperam obter retornos com a decisão de investir nesta mesma
empresa (RITTER, 1991). Sendo assim, a avaliação de empresas no momento do seu IPO é
uma tarefa crítica, a qual será avaliada neste trabalho.
Pode-se avaliar empresas por diversas técnicas (avaliação por fluxo de caixa
descontado, avaliação por múltiplo etc.) que normalmente são utilizados em conjunto. Embora
dificultada pela menor disponibilidade de informações das empresas fechadas
comparativamente às empresas abertas, a técnica de avaliação por fluxo de caixa descontado é
aplicável para avaliá-las. A técnica de avaliação de empresas por múltiplos de empresas
comparáveis, por sua vez, é amplamente recomendada (KIM; RITTER, 1999), sendo este o
método mais utilizado em estudos de avaliação de empresas durante o momento da oferta inicial
(CASOTTI; MOTTA, 2008). Este método utiliza múltiplos de empresas parecidas
(comparáveis ou peers) como base para a precificação da empresa que está sendo avaliada. Um
múltiplo pode ser descrito como a razão entre o preço (enterprise value ou equity value,
conforme o caso) dividido por um parâmetro da empresa (geralmente contábil, como EBITDA
– lucro antes dos impostos, juros, depreciação e amortização, lucro líquido ou valor
patrimonial).
A questão de pesquisa que motiva o presente artigo é se os múltiplos das empresas
comparáveis explicam os múltiplos implícitos na precificação dos IPO’s no mercado brasileiro.
Portanto, o objetivo do trabalho é verificar se, no momento do IPO, os múltiplos das empresas
comparáveis (pertencentes ao mesmo setor da empresa participante do IPO) são bons
parâmetros para precificar um IPO. Sendo assim, o trabalho testou a seguinte hipótese:
Hipótese: os múltiplos das empresas comparáveis (múltiplos das peers) explicam o
múltiplo implícito na precificação dos IPO’s (múltiplos IPO’s) de empresas brasileiras.
A hipótese foi testada em dois momentos distintos: (i) o dia do IPO (D0, base para o
preço inicial do IPO, o qual é referenciado no prospecto final do IPO) e (ii) o fechamento do
primeiro dia de negociação (D1). O preço no dia D0 é fruto do bookbuilding e o preço no dia
D1 considera a efetiva negociação pública das ações.
Busca-se evidências empíricas da utilização da avaliação por múltiplos como alternativa
para a avaliação de empresas "abrindo o capital".
Considerando o IPO da Natura, em 2004, como o ponto de inflexão a partir do qual os
IPO’s ressurgiram no Brasil, analisou-se o período iniciado em 2004. O fim do período é 2015,
porém, como em 2015 não houve IPO’s no Brasil, está-se considerando o fim do período em
2014 (onze anos). Ao todo, foram analisadas 36 IPO’s. Estudou-se o múltiplo EV/EBITDA
(Enterprise Value-to-EBITDA). Este múltiplo está entre os dois mais utilizados pelos
praticantes de avaliação de empresas (FERNANDEZ, 2015), tendo sido, segundo Kim e Ritter
(1999), o mais preciso na precificação de IPO’s, entre as variáveis estudadas pelos autores.
Baker e Rubak (1999) e Couto Jr. e Galdi (2012) encontram o mesmo resultado em situações
gerais (não específicas a IPO).

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Anatoli Dias Orlovas, Ricardo Goulart Serra e Liliam Sanchez Carrete

Este artigo contém esta seção introdutória, seguida da seção com a fundamentação
teórica e da seção metodológica. As duas últimas seções apresentam a análise dos resultados e
elaboram as considerações finais.

2 Fundamentação Teórica

Existem algumas técnicas utilizadas para avaliar uma empresa, por exemplo: avaliação
por fluxo de caixa descontado, avaliação por múltiplos e avaliação por opções reais. A avaliação
por múltiplos visa precificar uma empresa com base no preço de outra(s) empresa(s). Para tanto,
define-se qual(is) empresa(s) é(são) parecida(s) com a empresa sendo avaliada, chamada(s)
empresa(s) comparável(is) ou peer(s) e, por meio de uma triangulação de preço, precifica-se a
empresa em questão (SERRA; WICKERT, 2014).
Para sua aplicação, (i) escolhe-se um parâmetro de uma empresa que tenha relação com
o valor da mesma, por exemplo, o lucro líquido, (ii) identifica-se empresa(s) parecida(s) com a
empresa sendo avaliada (peer(s)), (iii) forma-se, com o parâmetro identificado e o preço da(s)
peer(s) o índice chamado de múltiplo (por exemplo, Preço/Lucro ou Price/Earnings),
(iv) calcula-se a média (ou outra medida de posição, tais como: mediana e média harmônica)
do(s) múltiplo(s) da(s) peer(s) e (v) aplica-se o múltiplo médio da(s) peer(s) ao parâmetro da
empresa sendo avaliada para obter o seu preço. Esta técnica é recomendável para avaliar ativos
(LIE; LIE, 2002) e é extensamente utilizada por investidores e analistas de mercado (BHOJRAJ
et al., 2002; DAMODARAN, 2006).
Os principais múltiplos utilizados são (FERNANDEZ, 2015): (i) Price/Earnings (P/E),
obtido por meio da divisão do valor de mercado do patrimônio líquido (equity value) pelo lucro
líquido (earnings) e (ii) EV/EBITDA, obtido por meio da divisão do valor de mercado da
empresa – equity value mais dívida líquida (enterprise value) pelo lucro antes de juros,
impostos, depreciação e amortização (EBITDA) – o foco deste estudo.
No presente artigo, os trabalhos envolvendo múltiplos estão agrupados naqueles que
estudam:
(i) Múltiplos como preditores de retorno,
(ii) Performance dos múltiplos na explicação do preço e
(iii) Identificação das empresas comparáveis (peers).

2.1 Múltiplos como preditores de retorno

Desde a formulação do CAPM por Sharpe (1964), Lintner (1965) e Black (1972) que
os acadêmicos testam (i) se o beta mede risco e (ii) se o beta mede todo o risco. Neste sentido,
os estudos testam se outras variáveis adicionadas ao beta são capazes de explicar melhor o
retorno das empresas. Entre as variáveis utilizadas (sozinhas ou em conjunto com outras
variáveis) estão alguns múltiplos, sendo eles: P/E (BALL, 1978; REIGANUM, 1981;
BOATSMAN; BASKIN, 1981; FAIRFIELD, 1994; PENMAN, 1996 entre outros), P/B
(STATMAN, 1980; WILCOX, 1984; CHAN; HAMAO; LAKONISHOK, 1991; FAMA;
FRENCH, 1992; FAIRFIELD, 1994; PENMAN, 1996 entre outros) e EV/EBITDA
(LOUGHRAN; WELLMAN, 2010; WALKSHÄUSL; LOBE, 2015 entre outros). Diversos
estudos encontraram significância na relação entre retorno e as variáveis estudadas. Por outro
lado, estudiosos como Black (1993) contestam a validade de tais variáveis na explicação do
retorno das ações.
Na tentativa de identificar se tal relação trata-se de uma anomalia (má precificação),
alguns acadêmicos verificaram se o mercado aprende com os estudos acadêmicos: Jegadeesh e
Titman (2001) documentam que os retornos anormais aumentaram após a divulgação do efeito
momento e Schwet (2003), Malkiel (2014) e McLean e Pontiff (2016) verificaram que os

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A utilização do múltiplo EV/EBITDA na precificação de IPO’s no mercado brasileiro

retornos anormais caíram após a publicação de diversos estudos (os últimos autores tendo
investigado o efeito após a publicação de 79 artigos). Uma possível explicação para a queda do
retorno anormal é a de que a relação entre retorno e a variável estudada é derivada de uma
anomalia.

2.2 Performance dos múltiplos na explicação do preço

Uma outra linha de pesquisa tem como objetivo identificar quais múltiplos têm a melhor
performance na explicação do preço. Além dos diversos múltiplos pesquisados, os estudos
também se diferenciam em utilizar (i) informações históricas ou (ii) informações projetadas.
As conclusões não são unânimes, tendo Lie e Lie (2002) indicado a preferência por
múltiplos de ativo (P/B) em detrimento a múltiplos de venda ou lucro e a preferência por
múltiplos de EBITDA em detrimento a múltiplos de EBIT (lucro antes de juros e impostos).
Kim e Ritter (1999) e Baker e Ruback (1999) documentam a melhor performance dos múltiplos
de EBITDA (os primeiros estudando IPO’s). Liu, Nissim e Thomas (2002) hierarquizaram o
múltiplo P/E como o que mostrou melhores resultados e Firth, Li e Wang (2008) documentaram
boa performance do P/E ao analisarem IPO’s na China.
Kaplan e Ruback (1995) defendem que não existe um método claro para identificar qual
a melhor métrica a ser utilizada. Outros autores defendem que o setor de atuação da empresa
pode influenciar no múltiplo que apresente melhor desempenho (DAMODARAN, 2006;
FERNANDEZ, 2015). Há quem defenda a utilização conjunta de mais de um múltiplo
(BHOJRAJ; LEE, 2002; BHOJRAJ; LEE; NG, 2003), como por exemplo P/E e P/B (CHENG;
MCNAMARA, 2000).
No que diz respeito a utilização de informações históricas ou projetadas, Zarowin
(1990), Alford (1992) e Liu, Nissim e Thomas (2002) indicam a melhor performance dos
múltiplos de informações projetadas.
Couto Jr. e Galdi (2012) concluíram, analisando empresas brasileiras no período de
1994 a 2007, que o múltiplo P/EBITDA (Price/EBITDA) explica melhor o preço das ações
comparativamente ao P/E, P/B e P/S (Price/Sale ou preço dividido por vendas).

2.3 Identificação das empresas comparáveis (peers)

Peer é a denominação dada para uma empresa ou ativo que é (suficientemente)


comparável à empresa ou ao ativo que se quer analisar. A identificação das peers é um dos
pontos cruciais em avaliação por múltiplos. Diversos autores têm se dedicado a estudar e testar
lógicas para esta identificação.
Existem duas grandes correntes, não necessariamente excludentes, para a identificação
de peers, sendo o agrupamento por:
(i) Setor de atuação e
(ii) Fundamentos econômicos semelhantes.
A opção pelo agrupamento por (i) setor de atuação considera que empresas do mesmo
setor têm drivers de valor similares. A opção por agrupamento por (ii) fundamento econômico
considera que empresas com mesmos drivers de valor não necessariamente são do mesmo setor.
O agrupamento setorial pode ser afunilado, para considerar um subsetor ou para considerar,
dentro do setor, aquelas empresas que apresentem determinada característica similar (por
exemplo, agrupamento por tamanho dentro do agrupamento setorial). Muitos autores não
recomendam formar grupos com menos do que 5 empresas (BOATSMAN; BASKIN, 1981;
LIE; LIE, 2002), o que limita tal afunilamento setorial no Brasil, tendo em vista que muitos
setores têm baixo número de empresas componentes.

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Anatoli Dias Orlovas, Ricardo Goulart Serra e Liliam Sanchez Carrete

Os estudos de Alford (1992), Kim e Ritter (1999), Liu, Nissim e Thomas (2002), Lie e
Lie (2002), Henschke e Homburg (2009) e Couto Jr. e Galdi (2012) indicam a preferência pelo
agrupamento setorial (puro ou com um filtro adicional). Por outro lado, os estudos de Boatsman
e Baskin, 1981, Bhojaraj e Lee, 2002, Bhojaraj, Lee e Ng, 2003, Herrmann e Richter, 2003,
Dittmann e Maug (2008), Nel, Bruwer e Roux (2014), Young e Zeng (2015) e Serra e Fávero
(2017) indicam a preferência por agrupamento por fundamento econômico.
Considerando um fluxo de caixa perpétuo desde o início, pode-se calcular seu preço
como proposto na Equação 1 (COPELAND; KOLLER; MURRIN, 2002).

g
FC ROL × (1- ⁄r)
Preço = Enterprise Value = = (1)
(i-g) (i-g)

Em que FC é o fluxo de caixa da empresa, ROL é o resultado operacional líquido, g é a


taxa de crescimento na perpetuidade, r é a rentabilidade (ROIC) e i é o custo de capital (WACC).
O índice EV/EBITDA pode ser calculado como:
g
ROL× (1- r )
EV (i-g) ROL 1 r-g ROL 1 r-i (2)
= = × × = × × (1+ )
EBITDA EBITDA EBITDA r (i-g) EBITDA r (i-g)

Em que EV é o enterprise value e EBITDA é lucro antes dos juros, impostos,


depreciação e amortização, sendo os demais itens já definidos. Serra e Fávero (2017) apontam
que o termo entre parênteses da Equação 2 é comum aos diversos múltiplos (P/E, P/B,
EV/Vendas etc.). Portanto, considerou-se como drivers de valor: rentabilidade (mais
rigorosamente, rentabilidade acima do custo de capital ou r-i), custo de capital (i) e crescimento
(g). Diversos estudos corroboram a relação destes drivers com valor (WILCOX, 1984;
FAIRFIELD, 1994; BHOJRAJ; LEE, 2002; NEL; BRUWER; ROUX; 2014; SERRA; SAITO;
2015).
Além destas características, também se encontra referência para a utilização do filtro
por tamanho (ALFORD, 1992; CHENG; MCNAMARA, 2000; BHOJRAJ; LEE, 2002; NEL;
BRUWER; ROUX, 2014; SERRA; FÁVERO, 2017), entre outras razões, por poder ser uma
proxy de risco (com ressalvas). O tamanho também se justifica por ser considerado uma variável
importante na precificação de IPO’s (LOWRY; SCHWERT, 2004).

2.4 Processo de precificação no IPO

A precificação é realizada a partir da leitura da demanda dos investidores pelo banco de


investimento que, usualmente, aplica um dos dois processos: bookbuilding ou leilão, sendo o
bookbuilding o processo mais usual (SHERMAN, 2005). Cornelli e Goldreich (2001) explicam
que no bookbuilding, o banco de investimento solicita aos investidores suas intenções de
quantidade e preço máximo de compra e com isso identifica a demanda do mercado. Entretanto
é o banco de investimento que define o preço final e realiza a alocação das quantidades para
cada um dos investidores que apresentaram suas demandas. De acordo com os autores, esse
processo pode não levar ao verdadeiro preço de equilíbrio em função do processo não
transparente de alocação das ações aos investidores.
A alternativa ao bookbuilding mais comum é o leilão em que as quantidades e os preços
são ofertados e à medida que as demandas vão sendo atendidas, o preço vai caindo até que todas
as ações sejam vendidas, eliminando assim a discricionariedade do banco de investimento.
Almeida e Leal (2010) realizaram experimento em que avaliam outro processo de precificação,

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A utilização do múltiplo EV/EBITDA na precificação de IPO’s no mercado brasileiro

o IPO competitivo, caracterizado pela semelhança com o bookbuilding, entretanto, conta com
a participação de outros bancos, o que minimiza problemas de discricionariedade do banco
responsável pela alocação das quantidades de ações aos investidores. No Brasil, o processo de
precificação é realizado, majoritariamente, pelo bookbuilding, o que, segundo Almeida e Leal
(2010), leva ao melhor resultado para o investidor e pior resultado para a empresa emissora.
A subprecificação foi identificada, no mercado americano, por Ibbotson (1975) e Ritter
(1984) e posteriormente corroborada como um fenômeno não restrito ao mercado de capitais
americanos por Loughran, Ritter e Rydqvist (1994). O erro de precificação é justificado pela
presença de assimetria de informação entre o emissor e os investidores menos informados,
exigindo assim um prêmio pela falta de informação. Beatty e Ritter (1986) e Rock (1986)
indicam que a subprecificação é positivamente correlacionada com o nível de incerteza
resultante da assimetria de informações entre as partes envolvidas no processo. Outra motivação
para a subprecificação é a motivação financeira (BENVENISTE; SPINDT, 1989;
BENVENISTE; WILHELM, 1990). Os bancos de investimentos podem utilizar-se deste
expediente para motivar investidores a se interessarem pelas ações para garantir que um número
suficiente de investidores participe da oferta. Lowry, Officer e Schwert (2010) afirmam que o
problema da subprecificação justifica-se pela incerteza sobre a demanda pelos títulos a serem
ofertados no mercado, o que pressiona o banco de investimento decidir, conservadoramente,
por um preço menor do que o preço justo. Os autores afirmam ainda que o processo de
bookbuilding contribui para a assimetria de informação e que o leilão seria o processo ideal
para minimizar o problema de subprecificação.
No mercado brasileiro, o fenômeno da incerteza no processo de precificação foi
documentado nos IPO’s de 2004 a 2007 por Silva e Famá (2011), tal qual Lowry, Officer e
Schwert (2010) haviam feito. O fenômeno de subprecificação foi documentado por Leal (1991),
Casotti e Motta (2008), que estudaram os IPO’s de 2004 a 2006, por meio dos múltiplos P/E e
EV/EBIT e por Silva e Famá (2011).

3 Método

3.1 Amostra

O período de análise foi de 2004 a 2014, totalizando 11 anos. Neste período, ocorreram
IPO’s de 116 empresas. Foram excluídos da amostra os IPO’s de: (i) empresas financeiras
(bancos, seguradoras etc.), (ii) empresas com informações negativas (EBITDA, patrimônio
líquido ou ativo) ou sem informações completas no prospecto, (iii) empresas sem peers ou
empresas com peers com informações faltantes ou negativas (EBITDA, patrimônio líquido ou
ativo) e (iv) empresas e peers consideradas outliers (com informação acima ou abaixo de 1,96
desvio-padrão, que para uma distribuição normal representaria 5% das observações). A amostra
totalizou 36 IPO’s.
As informações de EBITDA, patrimônio líquido, endividamento e ativos foram obtidas:
(i) no prospecto do IPO para as empresas abrindo o capital e (ii) no sistema de informações
Economatica® para as empresas comparáveis (peers). O enterprise value foi obtido na
Economatica, tanto para os IPO’s quanto para as peers.
Foram utilizados os preços das ações em dois momentos: (i) do dia do IPO (preço
resultado do processo de bookbuilding) (D0) e (ii) do fechamento do primeiro dia de negociação
(D1).
Genericamente, um múltiplo é a razão entre valor (equity value ou enterprise value) e
parâmetro (lucro líquido, patrimônio líquido ou EBITDA). Diferentemente do valor – que está
disponível diariamente, o parâmetro, por se tratar de uma informação das demonstrações
financeiras, não está disponível diariamente. Portanto, o múltiplo é calculado com a informação

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Anatoli Dias Orlovas, Ricardo Goulart Serra e Liliam Sanchez Carrete

do valor na data da análise e a informação do parâmetro defasada. A data do parâmetro


corresponde à data da última demonstração financeira disponível no prospecto (o EBITDA
utilizado foi o dos últimos doze meses findos na referida data).
A classificação setorial utilizada foi a da NAICS (North American Industry
Classification System). Adicionalmente, analisou-se os dados agrupados pela classificação
setorial da Economatica.

3.2 Variáveis

Além do múltiplo das peers, outras variáveis também foram utilizadas para explicar o
múltiplo da empresa abrindo o capital. As variáveis utilizadas são as consideradas, por alguns
autores (WILCOX, 1984; BHOJRAJ; LEE, 2002; SERRA; SAITO, 2015), como sendo as
variáveis determinantes dos múltiplos ou de valor (seção 2.3). Neste trabalho utilizou-se:
rentabilidade (medido por EBITDA/ativo), alavancagem (como proxy do risco, uma vez que a
empresa abrindo o capital não possui beta, medido por dívida/patrimônio líquido) e tamanho
(medido pelo logaritmo natural do ativo).
Devido à dificuldade de obter o crescimento histórico das vendas (exigiria que os
prospectos tivessem apresentado, por no mínimo 2 anos, as demonstrações financeiras de
determinados trimestres e não apenas as anuais), esta variável não foi utilizada. A Tabela 1
sumariza as variáveis consideradas e seus respectivos cálculos.

Tabela 1 — Descrição das variáveis.


Variável Nome Cálculo
Múltiplo das empresas comparáveis (calculado por média,
M_Peer Múltiplo das peers
mediana e média harmônica)
rent Rentabilidade EBITDA dos últimos 12 meses dividido pelo ativo
Dívida líquida (endividamento menos caixa) dividido pelo
alav Alavancagem
patrimônio líquido
tam Tamanho Logaritmo natural do ativo
Fonte: Elaborada pelos autores.

3.3 Método

O objetivo do trabalho é verificar se, no momento do IPO, os múltiplos das empresas


pertencentes ao mesmo setor da empresa participante do IPO são bons parâmetros para
precificá-la. Sendo assim, a hipótese testada é:
H0: Os múltiplos das empresas comparáveis não são relevantes na precificação dos
IPO’s.
H1: Os múltiplos das empresas comparáveis são relevantes na precificação dos IPO’s.
O agrupamento utilizado foi o setorial, por ser o mais usual entre analistas
(DAMODARAN, 2006). No Brasil, devido à baixa quantidade de empresas por setor, não se
procedeu com um afunilamento dentro do setor. Porém, utilizou-se no modelo variáveis para
controlar pela diferença nos drivers de valor (rentabilidade, alavancagem como proxy do risco
e tamanho conforme apresentando na Tabela 1 e na Seção 2.3). Para verificar a existência de
diferença no comportamento por ano, utilizou-se uma variável dummy de tempo (tendo 2004
como ano base).
O modelo utilizado está expresso na Equação (3).

M_IPOi =β0 +(β1 + β2 ×dummy_tempoi )×M_Peeri +β3 ×(rent_IPOi


− rent_Peeri )+β4 ×(alav_IPOi − alav_Peeri )+β5 ×(tam_IPOi (3)
− tam_Peeri )+εi

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A utilização do múltiplo EV/EBITDA na precificação de IPO’s no mercado brasileiro

Em que, M_IPOi é o múltiplo da empresa i abrindo o capital, M_Peeri é o múltiplo das


empresas listadas do setor da empresa i abrindo o capital (calculado por três alternativas: média,
mediana e média harmônica), rent_IPOi é a rentabilidade da empresa i abrindo o capital,
rent_Peeri é a rentabilidade das empresas listadas do setor da empresa i abrindo o capital
(calculado por três alternativas: média, mediana e média harmônica), alav_IPOi é a
alavancagem da empresa i abrindo o capital, alav_Peeri é a alavancagem das empresas listadas
do setor da empresa i abrindo o capital (calculado por três alternativas: média, mediana e média
harmônica), tam_IPOi é o tamanho da empresa i abrindo o capital, tam_Peeri é o tamanho das
empresas listadas do setor da empresa i abrindo o capital (calculado por três alternativas: média,
mediana e média harmônica), dummy_tempo é a variável dummy indicando o ano da abertura
de capital, e Ɛi é o termo de erro.
Ao utilizar a diferença das variáveis rentabilidade, alavancagem e tamanho entre as
empresas abrindo o capital e suas peers quer-se verificar se a diferença entre seus múltiplos
pode ser explicada pelas diferenças em seus drivers de valor.

4 Análise dos Dados

4.1 Estatísticas Descritivas

A Tabela 2 apresenta a quantidade de IPO’s por ano e por setor, já excluídos os anos em
que nenhum IPO foi analisado (não compôs a amostra). Verifica-se grande concentração de
IPO’s em 2007, ano com grande liquidez no mercado de capitais internacional. O setor que
apresentou maior número de IPO’s foi o setor de construção de edifícios residenciais
(incorporadoras), representando uma parcela considerável de todos os IPO’s e, em particular,
em 2007.

Tabela 2 — Quantidade de IPO por ano e por setor.


2004 2005 2006 2007 2009 2010 2011 2013 Total
Agricultura 0 0 0 0 0 0 0 1 1
Abatedouros 0 0 0 3 0 0 0 0 3
Indústria de açúcar e produtos de
0 0 0 2 0 0 0 0 2
confeitaria
Loja de departamentos 0 0 0 0 0 0 1 0 1
Construção de edifícios residenciais 0 0 3 8 1 0 0 0 12
Geração, transmissão e distribuição de
1 1 0 0 0 0 0 0 2
energia elétrica
Extração de petróleo e gás 0 0 0 0 0 0 1 0 1
Indústria de fertilizantes e pesticidas 0 0 0 1 0 0 0 0 1
Indústria química básica 0 0 0 1 0 0 0 0 1
Forjarias e estamparias 0 0 1 0 0 0 0 0 1
Telecomunicações 0 0 0 1 0 0 0 0 1
Indústria de calçados 0 0 0 0 0 0 1 0 1
Atividades auxiliares ao transporte
0 1 0 1 0 1 0 0 3
rodoviário
Transporte aéreo regular 1 0 0 0 0 0 0 0 1
Locadora de imóveis 0 0 0 2 0 1 1 0 4
Laboratório de exames médicos 0 0 0 0 1 0 0 0 1
Total 2 2 4 19 2 2 4 1 36

A Tabela 3 apresenta a média, mediana, desvio padrão e correlação entre as variáveis


analisadas.

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Tabela 3 — Média, mediana, desvio padrão e correlação das variáveis. Significância da correlação entre
parênteses.
Desvio M_IPO M_IPO M_Peer M_Peer rent_IPO- alav_IPO-
Média Mediana
Padrão (D0) (D1) (D0) (D1) rent_Peer alav_Peer
M_IPO (D0) 21,44 17,46 11,81
0,938
M_IPO (D1) 20,16 16,33 10,94
(0,000)
0,643 0,597
M_Peer (D0) 18,44 17,88 9,89
(0,000) (0,000)
0,622 0,572 0,998
M_Peer (D1) 18,37 17,62 9,92
(0,000) (0,000) (0,000)
rent_IPO- -0,230 -0,246 0,013 0,019
0,06 0,03 0,16
rent_Peer (0,177) (0,148) (0,9394) (0,914)
alav_IPO- -0,093 -0,073 -0,041 -0,041 -0,233
3,20 -0,05 17,70
alav_Peer (0,589) (0,672) (0,813) (0,811) (0,172)
tam_IPO- 0,006 0,125 0,145 0,144 -0,119 0,024
-0,79 -0,92 1,25
tam_Peer (0,974) (0,469) (0,399) (0,402) (0,491) (0,889)

As distribuições dos múltiplos dos IPO’s em D0 (dia do IPO) e em D1 (primeiro dia de


negociação), dos múltiplos médios dos peers em D0 e em D1 e da diferença do tamanho
(tam_IPO - tam_Peer) são normais (valores p do teste de Kolmogorov-Smirnov (K-S) são,
respectivamente, 0,360, 0,303, 0,753, 0,736 e 0,120). As distribuições da diferença das
rentabilidades (rent_IPO - rent_Peer) e da diferença do tamanho (alav_IPO - alav_Peer) não
são normais (valores p do teste K-S são, respectivamente, 0,014 e 0,000).
Embora verifique-se, na Tabela 3, que o múltiplo médio (EV/EBITDA) dos IPO’s caiu
aproximadamente 1,28x (de 21,44x para 20,16x) entre o dia D0 (dia do IPO) e o dia D1
(primeiro dia de negociação), esta diferença não é estatisticamente significativa a 5,0% (valor
p do teste t é 0,071). O mesmo pode-se dizer da diferença entre os múltiplos médios dos peers
do dia do IPO e o primeiro dia de negociação (valor p do teste t é 0,508). Pode-se verificar,
também, que múltiplo médio dos IPO’s é maior do que o múltiplo médio dos peers, tanto em
D0 (21,44x versus 18,44x) como em D1 (20,16x versus 18,37x), porém, sem significância
estatística (valores p do teste t são, respectivamente, 0,062 e 0,274). A manutenção do nível dos
múltiplos está em linha com Casotti e Motta (2008), que não observaram subavaliação dos
IPO’s e em contraposição a Silva e Famá (2011), que, por meio de estudo de eventos,
identificaram subavaliação em períodos de tempo parecidos (2004-2006 e 2004-2007,
respectivamente).
As diferenças de rentabilidade média (rent_IPO - rent_Peer) e tamanho médio (tam_IPO
- tam_Peer) entre as empresas abrindo o capital e as peers, por sua vez, são estatisticamente
significativas (valor p do teste Wilcoxon é 0,01 para a diferença de rentabilidade e o valor p do
teste t é 0,00 para a diferença de tamanho). A diferença de alavancagem média (alav_IPO -
alav_Peer) é estatisticamente zero (valor p do teste Wilcoxon é 0,85). No entanto,
economicamente, pode-se dizer que existem diferenças nestes três drivers de valor entre as
empresas abrindo o capital e as peers. Estas 3 diferenças colaboram para o equity story da
abertura de capital pois, em média, as empresas abrindo o capital apresentam maior
rentabilidade que suas peers e só não 'fazem mais' (crescem ou são maiores) por falta de capital
(estão mais alavancadas) – o que favorece a captação de novos recursos (por meio de IPO
primário, ou seja, com entrada de novos recursos na empresa).
No que diz respeito às correlações, verifica-se que os múltiplos das empresas abrindo o
capital têm correlação com os múltiplos de suas peers (tanto para D0 quanto para D1), porém,
não têm correlação com a diferença dos drivers de valor ou proxy deles (rentabilidade,
alavancagem e tamanho). Entre as diferenças dos drivers, não se verifica correlações
significativas.

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A utilização do múltiplo EV/EBITDA na precificação de IPO’s no mercado brasileiro

4.2 Regressão Linear

Foram realizadas análises, por meio da Equação 3, para verificar se os múltiplos das
empresas pertencentes ao mesmo setor da empresa participante do IPO são bons parâmetros
para precificá-la no seu IPO. Foram estimados modelos a partir da equação total (com todas as
variáveis explicativas) ou da equação parcial (sem todas as variáveis explicativas), em um total
de 3 modelos: (I) considerando apenas os múltiplos das peers como variável explicativa,
(II) considerando, além dos múltiplos das peers, as variáveis dummy de ano e (III) o modelo
completo.
Cada um dos três modelos foi estimado para (a) o dia D0 e (b) o dia D1. Além disto, as
variáveis das peers (múltiplo, rentabilidade, alavancagem e tamanho) foram calculadas por
meio de três diferentes métodos: (i) a média, (ii) a mediana e (iii) a média harmônica. Como
nenhuma dummy de ano nem variável de diferença de driver (rentabilidade, alavancagem e
tamanho) foi significativa, a Tabela 4 apresenta apenas o Modelo I. O único Modelo II
apresentado justifica-se pela única exceção em que as variáveis dummy de ano mostraram-se
significativas: modelo de D1 para média harmônica.

Tabela 4 — Resultado dos modelos estimados a partir da Equação 3. Significância dos coeficientes entre
parênteses.
Painel (a): D0 (dia do IPO)
(iii) Média
(i) Média (ii) Mediana
Harmônica
Modelo I Modelo I Modelo I
0,7685 0,7271 0,7491
M_Peer
(0,000) (0,000) (0,000)
7,8926 8,3483 9,1178
Intercepto
(0,033) (0,010) (0,008)
R2 0,4138 0,4139 0,3649
Reset Test 0,0562 0,1396 0,0959

Painel (b): D1 (primeiro dia de negociação)


(i) Média (ii) Mediana (iii) Média Harmônica
Modelo I Modelo I Modelo I Modelo II
0,6311 0,6103 0,5907
M_Peer
(0,000) (0,000) (0,001)
0,5565
Dummy 2006 x M_Peer
(0,005)
0,4412
Dummy 2007 x M_Peer
(0,004)
8,5687 9,1944 10,4273 14,0501
Intercepto
(0,012) (0,004) (0,002) (0,000)
R2 Ajustado 0,3276 0,3412 0,2709 0,2647
VIF 1,08
Reset Test 0,6831 0,6368 0,2005

Observa-se, na Tabela 4, que em todos os modelos, os múltiplos das peers mostraram-


se significativos (com valores p abaixo de 0,1%). No caso do modelo em D1 a partir da média
harmônica, a significância do múltiplo das peers deu-se apenas nos 2 anos em que a iteração da
dummy de tempo mostrou-se significativa (2006 e 2007, anos com maior número de IPO’s). Os
modelos de média harmônica são os que apresentaram menor fator de ajuste (medido pelo R2),
em ambos os dias (D0 e D1). Para D0 (painel (a)), os modelos a partir da média e da mediana

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apresentam os maiores fatores de ajuste (R2). Para D1 (painel (b)), o melhor fator de ajuste deu-
se para o modelo a partir da mediana.
O teste RESET (hipótese nula de não omissão de variáveis) indicou que todos os
modelos não apresentam variáveis omitidas (a 5% de significância). Para o modelo em D1 a
partir da média harmônica, que apresentou mais de uma variável significativa, o baixo variance
inflation factor (VIF) indica que as variáveis explicativas não apresentam problemas de
multicolinearidade. Para este modelo, o teste RESET foi apresentado apenas para o modelo
mais completo. No entanto, nota-se que, ignoradas as dummys de tempo, o múltiplo das peers
foi significativo na explicação do múltiplo dos IPO’s.
Os coeficientes da variável M_Peer são menores do que 1,0 (Tabela 4) indicando que
cada unidade de múltiplo das peers é refletido com desconto nos múltiplos dos IPO’s, não
obstante os múltiplos médios dos IPO’s serem estatisticamente iguais aos múltiplos médios das
peers (Tabela 3).
Considerando (a) as diferenças nos drivers de valor entre os IPO’s e as peers
identificadas na seção 4.1 e a literatura indicando (b1) que filtros por drivers de valor ajudam
na identificação de peers (KIM; RITTER, 1999; LIE; LIE, 2002; COUTO JR.; GALDI, 2012)
ou (b2) que o agrupamento por fundamentos econômicos (BOATSMAN; BASKIN, 1981;
BHOJARAJ; LEE, 2002; NEL; BRUWER; ROUX, 2014; SERRA; FÁVERO, 2017) é melhor
para a identificação de peers, seria esperado que as variáveis ligadas às diferenças de drivers
fossem significativas na explicação dos múltiplos, o que não se verificou. Nem mesmo
tamanho, identificado como variável importante na precificação de IPO’s (LOWRY;
SCHWERT, 2004), mostrou-se significativo. A ausência de ajustes por drivers de valor reflete
na igualdade estatística dos múltiplos dos IPO’s e dos múltiplos das peers.
Os resultados da Tabela 4 permitem confirmar a hipótese de que os múltiplos das
empresas comparáveis são relevantes na precificação dos IPO’s, conforme proposto pela
pesquisa.

4.3 Classificação Setorial Economatica

A análise foi repetida com a classificação setorial da Economatica (21 setores).


Considerou-se na amostra 31 empresas, tendo-se retirado 5 empresas classificadas no setor
Outros da Economatica, que compunham a amostra de 36 empresas utilizada na análise da
classificação setorial NAICS. Apenas o modelo com uma única variável explicativa (M_Peer)
foi estimado. Os IPO’s estão distribuídos em 11 setores pela classificação da Economatica e
por 14 setores na classificação NAICS (2 a menos do que indicado na Tabela 2).

Tabela 5 — Resultado dos modelos estimados, considerando apenas a variável explicativa M_Peer da Equação 3.
Duas classificações setoriais foram consideradas: Economatica (Econ) e NAICS. Significância dos coeficientes
entre parênteses.
Painel (a): D0 (dia do IPO)
(iii) Média
(i) Média (ii) Mediana Harmônica
Econ NAICS Econ NAICS Econ NAICS
0,9844 0,7744 0,5841 0,7337 1,099 0,7514
M_Peer
(0,001) (0,000) (0,020) (0,000) (0,045) (0,000)
5,2839 5,9484 12,0688 7,0479 9,0506 7,9678
Intercepto
(0,225) (0,075) (0,005) (0,027) (0,130) (0,020)
R2 Ajustado 0,3445 0,4784 0,1737 0,4798 0,1317 0,4105
Reset Test 0,4337 0,0014 0,4764 0,0296 0,6189 0,0342

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A utilização do múltiplo EV/EBITDA na precificação de IPO’s no mercado brasileiro

Tabela 5 — Resultado dos modelos estimados, considerando apenas a variável explicativa M_Peer da Equação 3.
Duas classificações setoriais foram consideradas: Economatica (Econ) e NAICS. Significância dos coeficientes
entre parênteses.
Painel (b): D1 (primeiro dia de negociação)
(iii) Média
(i) Média (ii) Mediana Harmônica
Econ NAICS Econ NAICS Econ NAICS
0,9339 0,6450 0,5894 0,6239 1,1966 0,5972
M_Peer
(0,000) (0,000) (0,007) (0,000) (0,012) (0,000)
4,6025 6,931 10,4471 7,5825 6,5276 9,0135
Intercepto
(0,222) (0,000) (0,007) (0,000) (0,000) (0,007)
R2 Ajustado 0,3871 0,4128 0,2284 0,4303 0,1993 0,3284
Reset Test 0,5503 0,2697 0,5741 0,4014 0,7782 0,1898

Observa-se na Tabela 5 que os modelos com a classificação NAICS produzem melhores


coeficientes de ajustes (R2) do que os modelos com a classificação Economatica, sugerindo que,
para o propósito em questão, aquela classificação setorial seria melhor do que esta. Os
coeficientes dos múltiplos das peers têm, no conjunto, significância ligeiramente melhor nos
modelos NAICS.
Por fim, pode-se observar que os modelos NAICS indicam consistência em apontar a
relação abaixo de 1,0 dos múltiplos dos IPO’s em relação aos múltiplos das peers (coeficientes
menores do que 1), além de apresentarem coeficientes mais estáveis (para os modelos de média,
mediana e média harmônica), o que não se observa nos modelos a partir da classificação setorial
da Economatica. Este resultado está em linha com a escolha de Casotti e Motta (2008) pela
classificação NAICS no seu estudo de múltiplos e de Serra (2018) pela classificação SIC no
seu estudo de betas, ambos estudos envolvendo a escolha de peers.

5 Considerações Finais

A precificação de empresas abrindo o capital é uma tarefa crítica no processo de IPO.


Dada a menor disponibilidade de informações históricas das empresas abrindo o capital
comparativamente às empresas listadas e estabelecidas, a avaliação por múltiplos pode ser
favorecida nestas ocasiões, sendo bastante utilizada e recomendada (KIM; RITTER, 1999;
CASOTTI; MOTTA, 2008), sem negligenciar a aplicação da técnica avaliação por fluxo de
caixa descontado.
Analisando o múltiplo EV/EBITDA de 36 IPO’s na Bolsa de Valores de São Paulo no
período de 2004 a 2014 (onze anos) verificou-se que os múltiplos das empresas comparáveis
(peers, considerando-se como peer empresa do mesmo setor conforme classificação da NAICS
– North American Industry Classification System) são relevantes na precificação dos IPO’s, em
linha com resultados apresentados por Kim e Ritter (1999) e Firth et al. (2008). Tal resultado
colabora com as evidências empíricas da relevância da avaliação por múltiplos no processo de
IPO e, eventual e mais genericamente, para empresas de capital fechado. Os múltiplos dos
IPO’s foram calculados exclusivamente com informações existentes na época de cada IPO, que
seriam as informações que os investidores teriam disponíveis para fazerem suas análises, ou
seja, não foram consideradas informações 'futuras' conhecidas apenas após o IPO (dados ex-
post).
Os modelos com múltiplos médios e medianos apresentaram melhor ajuste (medido pelo
R2) do que os modelos com múltiplos a partir da média harmônica. Em adição, no fechamento
do primeiro dia de negociação, o modelo da média harmônica (alternativa à média) não indicou
significância para o múltiplo das empresas comparáveis para todos os anos da amostra (apenas
para 2006 e 2007, por meio da variável dummy de ano).

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Foram analisados dois momentos distintos: (i) o dia do IPO (D0, base para o preço
inicial do IPO, o qual é referenciado no prospecto final do IPO) e (ii) o fechamento do primeiro
dia de negociação (D1). Os modelos em D0 apresentaram melhores coeficientes de ajuste
(medido pelo R2), o que pode indicar maior alinhamento na precificação das empresas abrindo
o capital com as peers no bookbuilding comparativamente ao final do primeiro dia de
negociação.
Também foi possível verificar que as empresas que abriram o capital nos onze anos
analisados (2004 a 2014) tinham (a) maior rentabilidade (estatisticamente significativa e
medida como EBITDA dividido pelo ativo) histórica do que as peers, (b) maior alavancagem
(apenas do ponto de vista econômico e medida como dívida líquida dividido pelo patrimônio
líquido) do que as peers e (c) menor base de ativos (estatisticamente significativa) do que a base
média das peers.
Esta combinação pode indicar que as empresas que abrem o capital são aquelas com
equity story favorecido para captar recursos primários (novos recursos na empresa): a empresa
abrindo o capital é melhor operacionalmente do que suas peers listadas (melhor rentabilidade
operacional), porém são menores e, portanto, com capacidade de crescimento e só não o fazem
por falta de capital (estando inclusive, acima da alavancagem média do setor) – sendo assim,
uma injeção de capital próprio impulsionaria seu crescimento. No entanto, as diferenças de
tamanho e alavancagem não apoiam o fato de os múltiplos das empresas abrindo o capital serem
maiores do que os múltiplos de suas peers (sem significância estatística, Tabela 2).
O maior risco das empresas abrindo o capital (mais alavancadas e menores) indicaria o
contrário. Pode ser que os maiores múltiplos das empresas abrindo o capital traduzam a
percepção que o mercado tem de que tais empresas têm maior potencial de crescimento do que
as empresas listadas e estabelecidas e/ou seja decorrência do processo de precificação do IPO.
Por fim, a diferença destes drivers de valor (entre a empresa abrindo o capital e suas peers) não
são estatisticamente significantes na explicação da diferença entre os múltiplos das empresas
abrindo o capital e suas peers.
Os modelos com a classificação da Economatica apresentaram menores coeficientes de
ajuste (medido pelo R2) comparados àqueles com a classificação setorial da NAICS (Tabela 5).
Este melhor resultado é reflexo do maior número de setores da NAICS, que favorece o
agrupamento de empresas mais homogêneas.
Os investidores, portanto, parecem (1) basear-se em informações existentes no
prospecto para realizarem suas análises por múltiplos, (2) utilizar múltiplos de peers calculados
por meio de média ou mediana, sendo a média harmônica uma medida ainda a ser melhor
explorada e (3) serem capazes de identificar as peers melhor do que apenas a classificação da
Economatica, tendo em vista que a classificação NAICS (que apresentaram melhores
coeficientes de ajustes) seria um filtro maior por considerar uma maior gama de setores. No
entanto, parece não se preocupar com ajustes nos múltiplos por diferenças nos drives de valor
existentes entre os IPO’s e as peers, a não ser que a falta de um driver de crescimento nas
análises promovidas no presente artigo esteja obscurecendo tal constatação.
Tais ajustes seriam, em tese, justificáveis, pois diferenças nos drivers indicariam
diferenças nos preços e, portanto, nos múltiplos. Por fim, (i) os múltiplos médios dos IPO’s e
das peers são estatisticamente iguais, embora (ii) o coeficiente menor do que 1,0 da regressão
indique que variações de 1 unidade de múltiplo das peers são apenas parcialmente repassadas
para os múltiplos IPO’s. Estes dois últimos resultados não caminham na mesma direção da
confirmação de um desconto na precificação dos IPO’s.
Futuras pesquisas podem considerar outros múltiplos e também outras variáveis
explicativas (ou outra forma de medir as mesmas variáveis, por exemplo, alavancagem) além
da diferença entre os drivers de valor (ou proxy deles) utilizados neste estudo (rentabilidade,
alavancagem e tamanho).

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A utilização do múltiplo EV/EBITDA na precificação de IPO’s no mercado brasileiro

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