Aula 1 (FeminismosnoBrasil)

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 4

Abaixo, algumas das questões que ficaram em aberto da primeira aula sobre

Feminismos no Brasil, com Ilze Zirbel.

A Maxime Rovere chama de Arqveofeminismo o que veio antes da primeira onda.


Acho uma designação interessante. O que a senhora acha, professora?
Resposta: Acho uma possibilidade interessante. A intenção da Maxime é pontuar o
que veio antes do "movimento feminista”, na sua versão de movimento social de rua,
no séc. XIX) e esse movimento, que se autodenominou de feminista (e depois foi
nomeado de “primeira onda” feminista). Também é um conceito bacana p nomear,
simultaneamente, o que veio antes disso e a trabalheira que temos em recuperar
esse material, como se tivéssemos de fazer uma verdadeira pesquisa arqueológica,
de desenterrar fragmentos e pedaços de uma história que precisa ser recuperada e
permanece sob os escombros do passado.
Como a própria Maxime tbém comenta, esse termo ajuda a não termos de usar
outros, mais ruins, como “proto-feminismo”.
Meu receio fica com quais idéias a mais passamos a ter com o termo (como o de algo
“muito velho”, meio “morto”, ou composto apenas de cacos e fragmentos). A palavra
também me dá uma impressão maior sobre estarmos falando de um “tipo de
pesquisa” (de escavação arqueológica para recuperar dados do passado) do que de
“tipo de feminismo”.
 
Esse feminismo comunitário, também não adentra ao conceito da Pedagogia
Feminista?
Resposta: Não saberia responder a essa questão.

O ecofeminismo tem com uma de suas referências Julieta Peredes?


Resposta: A Julieta Paredes é vista como uma feminista comunitária e não,
necessariamente, como ecofeminista. No entanto, o tipo de feminismo comunitário
que ela defende tem fortes conotações ecológicas-ambientalistas. Ela é uma nativa
boliviana e praticamente todos os ativistas nativos (indígenas) da Bolívia defendem
sua terra e seus recursos naturais da avidez das empresas estrangeiras. A Bolívia tem
muitos minérios (como o lítio) e as mineradoras têm feito grandes estragos por lá
(como em inúmeras outras partes do mundo). Ou seja: faz sentido vê-la como uma
feminista com grande aproximação do ecofeminismo, mesmo que ela se identifique
como “feminista comunitarista”.

Prof Ilze, quais as implicações teórico-políticas de adotar feminismo no plural ou no


singular?
Resposta: Acho que temos várias. A principal delas tem a ver com o apagamento ou
não das lutas de mulheres que não se sentem contempladas por um “feminismo no
singular”. Quem defende um feminismo no singular, no intuito de não fragmentar a
luta feminista, precisa aprender a incluir de maneira mais explícita os variados
grupos de mulheres de esse feminismo quer e deve representar.

Como a representação da mulher, ou a representação da feminilidade foi impactada


pelas lutas feministas no decorrer do tempo? No caso, essas representações
documentais.
Resposta: Aqui eu também diria que esse impacto foi grande. Apesar da
“feminilidade" ainda seguir sendo representada, na grande maioria das vezes,
segundo um padrão estético voltado para algo mais “ornamental”, “erótico”,
“ingênuo” ou, sem estética, mas voltado às atividades de cuidado, um “feminino-
materno" (e vejam que esses modelos não se combinam entre si, principalmente dos
dois últimos: o feminino infantilizado ou ingênuo representa um modelo voltado à
desqualificação das capacidades intelectuais e de agência das mulheres. Ele sempre
evoca um homem-protetor e que decide pela mulher; o feminino-erótico representa
quase o contrário, mas não concede às mulheres o lugar de seres humanos racionais
capazes de decidir sobre a própria vida. Em geral, ele está voltado à idéia de uma
mulher-para-o-sexo, uma mulher-objeto; O feminino-erótico se aproxima do
feminino-ornamental, de certa forma. Trata-se de um modelo para vitrine, que se
reduz à aparência. E o modelo “materno" também possui um lado instrumental de
exploração das mulheres, com a variação de ser quase desprovido de estética, muitas
vezes.). Acredito que as lutas feministas abalaram esse modelos, criando outros ou
mesclando todos entre si. Foi uma tentativa de não reduzir as mulheres ou a
feminilidade, mas, de certa forma, os modelos foram resignificados pela cultura
patriarcal. Agora temos a “mãe-sexy e gostosa”, a “erótica-poderosa” (que não dá
prazer, mas é obcecada por ter prazer), "a ingênua-safadinha”… Seguimos lutando
por libertar o feminino disso tudo e defender que o feminino também é racional.
Possui um grau elevado de sensibilidade e empatia, mas essa sensibilidade e empatia
é resultado de percepções sobre a realidade humana e social. Ou que o feminino não
equivale à “ingenuidade" ou “burrice”. O que chamam de ingenuidade pode ser
simplesmente uma outra forma de ver a humanidade, de não desconfiar de tudo e
todo mundo, de dar um voto de confiança etc.
Então… acho que os feminismos alteraram os modelos de feminilidade, ampliando-os.
Ainda assim, o resultado não foi aquele pelo qual se luta. É preciso seguir
trabalhando as representações sociais do feminino.
Pergunta: Eu li há poucos dias que a Mary Wollstonecraft assinava Mary Shelley para
escrever Frankenstein. Alguém poderia me confirmar???
Resposta: Trata-se de uma confusão entre os nomes de mãe e filha. Mary
Wolstonecraft, autora da obra “direitos das mulheres”, morreu dez dias após o parto
de sua filha Mary Wolstonecraft Godwin (a filha recebeu o nome da mãe e os
sobrenomes da mãe e do pai). Quando se casou, ela passou a ser Mary Wolstonecraft
Shelley ou apenas “Mary Shelley” (o marido dela foi um poeta, de sobrenome
Shelley). Mary Shelley escreveu a obra Frankestein, uma ficção científica que faz
uma crítica de alguns ideais da modernidade.

Gostaria, se possível, que desenvolvesse um pouco mais sobre o conceito de mulher.


Num dos textos recomendados na bibliografia inicial, há uma definição que coloca a
mulher como "fêmea adulta humana", o que me parece bastante excludente e
problemático.
Resposta: A questão da “Mulher” (com “M" maiúsculo, p representar o “gênero”
mulher e incluir todas as mulheres) foi e, possivelmente segue sendo, uma questão
tensa em vários momentos do feminismo moderno. Quanto as representantes do
feminismo que mais apareciam na mídia (mulheres brancas, heterossexuais e de
classe média) falam que representavam as mulheres, nas décadas de 1960 e 1970,
elas foram contestadas pelos demais grupos de mulheres. O movimento feminista
correu o risco de deixar de existir porque não representava a “Mulher”. Achou-se
uma saída para o problema pensando “Mulher" como uma categoria política e não
como um modelo específico de alguma tipo de mulher. No entanto, foi preciso dizer
quem cabia nessa categoria. P isso, a definição “toda fêmea humana adulta” parecia
bastar. Com as novas discussões, que surgem após a ampliação dos estudos de gênero
e quer, chegou-se a um novo impasse: e as mulheres que não nasceram
“fêmeas” (com útero)? As mulheres trans assumem o “feminino”, constróem-se como
sujeitos femininos. E temos os homens trans, que constróem-se como sujeitos
masculinos, mesmo tendo um útero. Eles fazem parte do modelo da “fêmea humana
adulta”? A questão ampliou e intensificou-se ainda mais. Agora nos perguntamos se
precisamos de um novo conteúdo para a categoria Mulher. A questão está em disputa.

Houve uma questão acima que coloca a definição de mulher do artigo como "bastante
excludente e problemático". O apagamento do feminismo lésbico e/ou negro, por
outro lado, nunca causou tanta preocupação dentro do feminismo quanto a questão
transativista. Por favor, gostariam que ambas as professoras comentassem.
Resposta: Não tenho certeza se a questão trans tem causado realmente mais
preocupação do que as questões do feminismo lésbico e negro. Historicamente, as
discussões internas entre os feminismos sempre tiveram o feminismo lésbico e o
feminismo negro como protagonistas, pelo menos desde a década de 1970. As
discussões sobre “o separatismo” proposto pelas feministas radicais lésbicas foram
muito fortes (ex: só poderemos ser realmente livres se nos separarmos dos homens e
se aprendermos a viver entre mulheres e amar mulheres). Assim como as questões de
classe e raça, constantemente na pauta de feministas negras seguem em
“polvorosa”. A questão trans é mais recente e, possivelmente por isso, tem estado no
centro das discussões em alguns grupos (mas não em todos, inclusive). Além disso,
não podemos esquecer que a mídia faz parte do jogo. Ela quer atrair o público e
“chocar" ou “causar polêmica” é o mesmo que “atrair audiência”. Vivemos na época
de Pablo Vittar e Tammy Miranda, duas pessoas super exploradas pela mídia com essa
finalidade. Os grupos feministas são afetados por essas questões que envolvem “o
que é o feminino”, o “que é ser mulher” e "quem o feminismo representa”. Talvez o
feminismo lésbico e o feminismo negro, justamente por já estarem em cena a mais
tempo, tenham mais interfaces com os demais feminismos enquanto que o
transativismo ainda encontra-se na disputa para ter essas interfaces ou “ter um lugar
para si”.

Você também pode gostar