9321-Texto Do Artigo-25024-1-10-20200812
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9321-Texto Do Artigo-25024-1-10-20200812
Organização:
Maria de Fátima Berenice da Cruz – (Pós-Crítica/ UNEB)
Carlos Magno Santos Gomes – (Universidade Federal de Sergipe)
María Del Mar López-Cabrales (Colorado State University)
Fábrica de Letras
Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural
Departamento de Linguística, Literatura e Artes do Campus II
Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
CONSELHO EDITORIAL
Angela Del Carmen Bustos Romero de Kleiman (Universidade Estadual de Campinas)
Christian Miranda Jaña (Universidade do Chile, Chile)
Cláudia Graziano Paes de Barros (Universidade Federal de Mato Grosso)
Cláudio Cledson Novaes (Universidade Estadual de Feira de Santana)
Denise Almeida Silva (Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões)
Diógenes Buenos Aires de Carvalho (Universidade Estadual do Piauí)
Fabíola Simão Padilha Trefzger (Universidade Federal do Espírito Santo)
Francisco de Assis da Costa (Universidade Federal da Paraíba)
Geórgia Maria Feitosa e Paiva (Centro Universitário Estácio do Ceará)
Geraldo Vicente Martins (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)
Jordi Canal Morel (EHESS, França)
José Henrique de Freitas Santos (Universidade Federal da Bahia)
Marcelo Ferraz de Paula (Universidade Federal de Goiás)
Márcia Cristina Corrêa (Universidade Federal de Santa Maria)
Marcio Rodrigo Vale Caetano (Universidade Federal do Rio Grande, Brasil)
Maria Altina da Silva Ramos (Universidade do Minho, Portugal)
Mônica Santos de Souza Melo (Universidade Federal de Viçosa)
Patrick Imbert (Universidade de Ottawa, Canadá)
Paulo Martins (Universidade de São Paulo, FFLCH, Brasil)
Ramon Grosfoguel (University of California at Berkeley, EUA)
Rosane Maria Cardoso (Universidade de Santa Cruz do Sul)
Sinara de Oliveira Branco (Universidade Federal de Campina Grande)
Hu Xudong (Universidade de Pequim, China)
Reflexões sobre Letramentos, Educação Literária e Estudos Culturais
ISSN 2237-9681
© 2020 | Fábrica de Letras
PONTOS DE INTERROGAÇÃO
Revista de Crítica Cultural do Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural, v. 10, n.1, jan.-jun. 2020
NÚMERO TEMÁTICO:
Reflexões sobre Letramentos, Educação Literária e Estudos Culturais
SÍTIO DE INTERNET:
http://www.revistas.uneb.br/index.php/pontosdeint
DISTRIBUIÇÃO:
Editora Fábrica de Letras
E-mail: [email protected]
Ficha Catalográfica
R454r Pontos de Interrogação – Revista de Crítica Cultural do Programa de Pós-
graduação em Crítica Cultural (Pós – Crítica), (2020: Alagoinhas)
Pontos de Interrogação – Revista de Crítica Cultural do Programa de Pós -
Graduação em Crítica Cultural (Pós – Crítica)., [v. 10, n. 1, jan. a jun. 2020]. Número
temático: Reflexões sobre letramentos, educação literária e estudos culturais/
Organização do volume: Carlos Magno Santos Gomes, Maria de Fátima Berenice
da Cruz, Maria Del Mar López – Alagoinhas, Ba: Fábrica de Letras, 2020.
285fl.
CDD 372.40
Biblioteca do Campus II / Uneb | Bibliotecária: Rosana Cristina de Souza Barretto - CRB: 5/902
Os conceitos emitidos nos artigos são de absoluta e exclusiva responsabilidade dos respectivos autores.
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Editora. Todos os direitos são
reservados à Fábrica de Letras do Programa em Crítica Cultural. Sem permissão, nenhuma parte desta revista
poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO |7
Maria de Fátima B. da Cruz
Carlos Magno Gomes
María Del Mar López-Cabrales
ARTIGOS
POR UM BRASIL DE MAIS LEITORES: O QUE OS FEMINISMOS TÊM A VER COM ISSO? | 105
Vania Maria Ferreira Vasconcelos
Sandy Karelly Freitas Falcão
ENTREVISTA
Com NEIDE LUZIA DE REZENDE
REFLEXÕES SOBRE A LEITURA LITERÁRIA NO BRASIL | 263
Carlos Magno Gomes
Maria de Fátima Berenice Cruz
RESENHA
1
Professora do Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural (UNEB). Líder do Grupo de pesquisa
GEREL/CNPq. E-mail: [email protected].
2 Professor da UFS. Editor da Interdisciplinar. Pesquisador CNPq. E-mail: [email protected].
3 María del Mar López-Cabrales é Professora de Literatura no Departamento de Línguas e Literaturas
Estrangeiras da Universidade do Estado do Colorado (EUA), onde leciona diferentes aulas em culturas e
literaturas espanholas e latino-americanas. É editora da revista acadêmica Confluencia desde o outono de
2017. E-mail: [email protected].
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Maria de Fátima Berenice da Cruz; Carlos Magno Gomes;
María Del Mar López-Cabrales
4 ARROYO, Miguel Gonzalez; BUFFA, Ester; NOSELLA, Paolo. Educação e exclusão da cidadania. In: Educação
Maria Shua e Nora Strejilevichn produzida no final do século XX, com o intuito
de ver como elas modificam ou não a versão oficial da história contemporânea
da Argentina. Para isso, analisaremos alguns dos trabalhos e declarações
dessas escritoras que elegem, entre seus principais temas, estão a morte e o
suicídio. A postura de denúncia e seleção de temas como tortura e castigos
sofridos por suas personagens desafiam o universo canônico das letras
argentinas e a história oficial por trazer à tona amarguras e opressões de
mulheres vigiadas e punidas pelo sistema totalitarista daquele momento
histórico.
Na sequência, em A FOTOPOESIA E O LETRAMENTO LÍRICO,
Christina Ramalho apresenta reflexões teóricas e críticas sobre a Fotopoesia,
ou a arte de criar fotopoemas, como instrumento didático que auxilia no
letramento lírico, por fundir duas linguagens, a fotográfica e a lírica, e
promover, ao mesmo tempo, uma experiência lúdica de criação e a reflexão
sobre o estar no mundo. No segundo artigo, em FORMAÇÃO DO LEITOR
LITERÁRIO NO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA EXPERIÊNCIA COM “O
MUNDO ENCANTADO DAS FADAS”, Gilmei Francisco Fleck, Cristian Javier
Lopez e Carla Cristiane Saldanha Fant afirmam que o gosto pela leitura não
surge naturalmente em cada leitor, mas depende de como esse indivíduo vai
sendo introduzido ao universo dos livros. Nessa configuração, práticas que são
iniciadas nos primeiros anos escolares podem contribuir para o acesso e o
prazer proporcionado pela leitura. Logo depois, em PRÁTICA DE
LETRAMENTO POÉTICO DE CANÇÕES FEMININAS, Joseneide Santos de Jesus
e Carlos Magno Gomes descrevem uma proposta de intervenção para formação
de leitores/as críticos/as por meio de canções de autoria feminina que
destacam o empoderamento da mulher na luta contra a desigualdade de
gênero, debatendo as especificidades do letramento poético e a performance
feminista a partir de duas oficinas com as canções “Respeita”, de Ana Cañas, e
“Respeita as mina”, de Kell Smith.
Ampliando o debate sobre leitura no texto literário feminista, em
POR UM BRASIL DE MAIS LEITORES: O QUE OS FEMINISMOS TÊM A VER
COM ISSO?, Vânia Maria Ferreira Vasconcelos e Sandy Karelly Freitas Falcão
discutem a importância da literatura de autoria feminina, assim como a de
outros grupos sociais antes ignorados, para a formação não só de mais leitores,
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APRESENTAÇÃO
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APRESENTAÇÃO
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UNA CARTOGRAFÍA DE ESCRITORAS
ARGENTINAS JUDÍAS DE FINALES DEL SIGLO XX
1
Professor of Spanish and Latin American Literatures of Department of Languages, Literatures and Cultures
at Colorado State University, Fort Collins. Editor of Confluencia. E-mail: [email protected].
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María del Mar López-Cabrales
Introducción
Hace años elaboré un ensayo sobre las tendencias de la narrativa
argentina escrita por mujeres a finales del siglo XX y mis conclusiones al
respecto se basaban en distintas ideas.2 Según las novelas analizadas en ese
momento pude determinar que las escritoras de finales del siglo XX habían
sobrevivido la terrible experiencia del Proceso, el cual era, desde distintos
puntos de vista, un tema central en la narrativa de ese momento. Ya una de las
antecesoras de estas narradoras finiseculares, Victoria Ocampo, fue
encarcelada un mes en 1953, durante el gobierno peronista, y esta experiencia
le dejó marcada para el resto de su vida: se vio privada de sus seres más queridos
y, por primera vez, se encontró cerca de mujeres de otras clases sociales, “la
solidaridad y el interés de estas mujeres la conmovieron de manera casi
religiosa […] y produjo una obra de teatro (inédita) sobre las mujeres de esta
prisión” (MARTING, 1990, p. 398).
De esta manera, Ocampo se convertía en precedente de la novela
testimonial de mujeres sobre la experiencia carcelaria como es el caso de Pasos
bajo el agua de Alicia Kozameh o La escuelita de Alicia Partnoy. Por otro lado,
el humor negro, la ironía, la mezcla de lo usual con lo inusual e inesperado de
los textos de Silvina Ocampo se ven repetidos en la narrativa de Ana María Shua
y de Alicia Borinsky. Y la constante vuelta a la infancia y al pasado son lugares
comunes en la narrativa de Liliana Heker, Sara Rosemberg y Nora Strejilevich.
Otro tema en el que la mayoría de estas escritoras argentinas de final de siglo
reincide es el de la muerte y el suicidio. Alfonsina Storni dialoga
indirectamente con las escritoras de fin de siglo, quienes han tenido, a la vez,
otras antecesoras más cercanas que trataron este tema hasta llegar al propio
suicidio como Alejandra Pizarnik y Marta Lynch.
Si trazamos el mapa de escritoras argentinas de finales del siglo XX
podemos percibir una gran cantidad de escritoras judías en su elenco.
Gorodischer explica el concepto de hermandad entre mujeres que puede ser
aplicable a las escritoras argentinas en general, pero sobre todo a las judías que
en sus obras presentan, por pertenecer a una comunidad doblemente
marginada, la otra cara de la realidad y dan cabida a los sujetos sin voz y a las
situaciones silenciadas en la historia oficial argentina:
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María del Mar López-Cabrales
3 Véase López-Cabrales (1998) para una versión más amplia de que incluye una entrevista a la utora.
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desaparecida por el recuerdo del pasado y “por el deseo de verla viva” (ZUFFI,
1999, 146) y, a la vez, se nos presenta la experiencia de la narradora Diana en un
taller literario donde se le recomienda que no busque con tanta pasión, porque
puede convertirse en un personaje de ficción. Esto es lo que hace Diana con
Leonora. Cuando, por fin, se produce el encuentro de la narradora y la
desaparecida, ésta ha sobrevivido, pero no es quien aquélla esperaba. “La
novela de Liliana Heker trabaja sobre la memoria individual y colectiva como
testimonio de los años represivos y nos deja a través del recuerdo o el deseo de
Diana Glass los pliegues de una historia que no cierra” (ZUFFI, 1999, p. 147) que
no tiene fin, porque la labor de resistencia continuará siempre, para que
quienes murieron, desaparecieron y sobrevivieron estén a salvo gracias a este
tipo de escritura que recupera la historia.
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UNA CARTOGRAFÍA DE ESCRITORAS ARGENTINAS JUDÍAS DE FINALES DEL SIGLO XX
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UNA CARTOGRAFÍA DE ESCRITORAS ARGENTINAS JUDÍAS DE FINALES DEL SIGLO XX
Lambruschini, Agosti, Viola y Anaya, los cuales manifestaban: “Nada tengo que
reprocharme, Ya me ha perdonado Dios, 29 desaparecidos figuran e las listas de
sobrevivientes de los recientes terremotos en México, o nada tengo que
agregar” (1997, p. 75). Estas declaraciones cierran una lista extensa de términos
encadenados empleados durante el Proceso: Abatir al enemigo, Chupar, Estar
en la joda, Subversivo, Tabique, Torturadores, Métodos de interrogatorio,
Picana, Quirófano, Tubo, etc.
En Una sola muerte numerosa se incluye también la voz de los
torturadores en el comunicado número 19 del 24 de marzo de 1976, día en el que
se hace oficial el golpe de estado y se comunica a la población argentina que se
permite la pena de reclusión con tiempo indeterminado a quien se relacione
con o forme parte de los sectores subversivos de la sociedad (1997, p. 73).
También se citan partes de distintos dossieres. En uno se describe que la
Escuela de Mecánica de la Armada (uno de los lugares de torturas más conocido
en el Proceso) estaba entre dos de los barrios más ricos de Buenos Aires. y que
los prisioneros eran llevados a la enfermería del sótano, torturados y sacados
por la puerta lateral, introducidos en un camión, llevados al Aeroparque “e
introducidos en un avión que volaba hacia el sur, mar adentro, donde eran
tirados vivos” (1997, p. 154).
El texto, como toda reescritura, es una constante vuelta atrás en el
tiempo, a través de canciones infantiles, dichos y juegos de infancia, tangos y
canciones que cantaba la mamá mientras lavaba, planchaba, concinaba,
ordenaba etc. cuyas letras varíaban según el estado de ánimo, canciones de
protesta y comics políticos como el de Mafalda.
Jugando con esta voz que hace referencia a una nación entera, el
texto, además de recoger partes íntimas del testimonio de la autora, como
algunas cartas escritas por la mamá, incluye declaraciones falsamente
conciliatorias de 1994 del presidente de la nación: “las madres, pese al tiempo
transcurrido, siguen incitando a la violencia, agraviando, insultado y alentando
a muchos argentinos que quieren paz a que a que entren al mundo de la
violencia” (1997, p. 169).
Una sola muerte numerosa posee numerosas citas literarias de
escritores como Rainer María Rilke (p. 191), Juan Gelman (p. 189), Cortázar (p.
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UNA CARTOGRAFÍA DE ESCRITORAS ARGENTINAS JUDÍAS DE FINALES DEL SIGLO XX
169), Verbitsky (p. 149), Paoletti (p. 136), Pablo Conti (p. 82), Bayer (p. 53),
Federico García Lorca (p. 44), y Tomás Eloy Martínez (p. 9).
Después de la libertad se suceden el miedo, el silencio, la muerte, la
soledad, el olvido, el insomnio, el indulto6. “El silencio encierra la imposibilidad
de decir eso, el horror, lo terrible” (1997, p. 133), porque mientras se vive en el
terror, uno casi no es consciente: “te acostás a dormir con el terror, lo
incorporás. Y cuando pasa mirás para atrás te preguntás ¿cómo pudimos haber
soportado todo esto, cómo pudimos haber tolerado que te llamen a la mañana
siguiente para decirte: “che, cayó fulano anoche”, y vos digás “puta, ¿qué
cagada”, y cortés el teléfono?” (1997, p. 72).
Estas voces son parte de una voz numerosa, de una identidad que se
ha querido aniquilar. Nora Strejilevich fue arrestada con su hermano el 16 de
julio de 1977, en 1980 ella fue puesta en libertad y salió del país, a su hermano no
volvió a verlo nunca más. En 1982 recibió asilo como refugiada política en
Canadá. El texto en cuestión termina con la llegada de la autora a Buenos Aires
un 24 de marzo de 1993, dieciséis años después del golpe militar. Aún la gente
protesta en las calles.
Una sola muerte numerosa no cuenta la experiencia de su autora,
habla por todo un país y por todos los sectores sociales oprimidos y diezmados
en cualquier parte del mundo, a lo largo de la historia de la humanidad
(perseguidos y encarcelados injustamente por sus ideologías de oposición al
gobierno hegemónico), presos políticos, mujeres infelices, judíos, exiliados,
inmigrantes, etc. Una sola muerte numerosa es una proclama, un grito a voces
en contra de la violación de los derechos humanos.
Conclusión
Hemos podido ver que en los textos de Borinsky, Rosemberg, Heker,
Shua y Strejilevich se cuenta la historia argentina desde distintos puntos de
6
En el 93, cuando la autora regresa a Buenos Aires, se publican en Clarín las declaraciones del Presidente
del Régimen instaurado en el 76, Roberto Viola, quien fue condenado a 16 años de cárcel por las graves
violaciones a los derechos humanos, condena interrumpida por el indulto que le concedió el gobierno del
Presidente Menen. Viola manifiesta que en los años del ‘Proceso’ no hubo terrorismo de Estado: la
expresión de terrorismo de Estado no va y dice que el golpe fue un hecho que contó con el apoyo de
prácticamente toda la sociedad argentina sin otra oposición que la del ámbito subversivo (1997, p. 195).
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María del Mar López-Cabrales
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UNA CARTOGRAFÍA DE ESCRITORAS ARGENTINAS JUDÍAS DE FINALES DEL SIGLO XX
pasión por dar elocuencia a una palabra prestada y apropiada por la escritura”
(2000, p. 412).
Esta misma pasión y sensación de injusticia e impostura que se
aprecia en las obras de Borinsky recorre los textos de las escritoras judías
analizadas en este ensayo. Quizás por ello haya una relación autobiográfica
entre el judaísmo y la obra de escritoras como Ana María Shua, Nora
Strejilevich, Liliana Heker, Sara Rosemberg y Alicia Borinsky.
En este análisis he querido reflexionar sobre estas otras voces que
hablan a gritos, que no olvidan y que fueron capaces de forjar un idioma y una
cultura diferentes; quise trazar el entramado de relaciones entre una
comunidad que ha ido siempre a la cabeza de las letras argentinas. Espero que
con mi ensayo haya podido contribuir a la creación de una cartografía de
escritoras argentinas judías de fines del siglo XX para así comprender mejor el
siglo XXI.
Referências
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Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 15-32, 2020. | 31
María del Mar López-Cabrales
STREJILEVICH, Nora. Una sola muerte numerosa. Miami: Letras de Oro, 1997.
VIDAL, Hernán. Fascismo y literatura: Reflexiones para una recanonización.
Mineápolis: I&I, 1985.
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A FOTOPOESIA E O LETRAMENTO LÍRICO
Christina Ramalho1
Introdução
No artigo “A poesia é o mundo sendo: o poema na sala de aula” (2014),
tive a oportunidade de apresentar algumas reflexões sobre a presença do
poema nas salas de aula de instituições de Ensino Básico e Ensino Superior que
foram fruto do projeto de pesquisa intitulado “No meio do caminho tinha um
poema: repensando as teorias e as práticas em torno dessa presença”, que, na
verdade, se tratou do projeto que marcou meu ingresso como professora-
adjunta de Literaturas de Língua Portuguesa e Estágio Supervisionado no Curso
de Letras da Universidade Federal de Sergipe, campus Itabaiana, em 2012.
Naquela ocasião, partindo de bases teóricas — com destaque para Cereja (2005),
Cosson (2006) e Paz (1982) — que incluíam documentos oficiais como os PCNs,
elaborei testes de sondagem por meio dos quais faria um reconhecimento da
presença (ou ausência) do poema como texto trabalhado em salas de aula do
Curso de Letras da Universidade Federal de Sergipe e de instituições de Ensino
Básico da região.
Após a aplicação dos testes em todas as turmas do curso de Letras da
UFS/Itabaiana (2012) e em escolas do Ensino Básico — neste caso em projeto de
Iniciação Científica (2012-2013) — o que pude, de modo geral, observar foi a
grande ausência do poema nas salas de aula, principalmente no que tange a
abordagens estéticas e culturais ao texto lírico, visto que o “uso” do poema ou
de letras poéticas de canções como pretexto para exercícios gramaticais esteve,
ocasionalmente, presente. Pouco se sabia sobre autores, produções regionais,
temáticas recorrentes. Por outro lado, e ainda mais relevante, percebi a
pouquíssima intimidade com a fruição lírica, tanto por parte de docentes como
de discentes. Docentes, inseguros/as de sua capacidade de, por si mesmos/as,
realizarem leituras bem sustentadas e interessantes de poemas, e oprimidos/as
por cargas horárias imensas, raramente ousavam, por conta própria, enveredar
com seus/suas estudantes pela fruição de poemas. Unindo os resultados das
sondagens com a observação de livros didáticos, percebi também que o
trabalho com o poema, como corpus instigante, convidativo e revelador, existia
apenas em raros momentos de iniciativa particular de um/a ou outro/a
docente, cujo interesse pela poesia advinha muito mais de um gosto pessoal do
que propriamente de sua formação como docente.
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A FOTOPOESIA E O LETRAMENTO LÍRICO
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Christina Ramalho
isso é que são distintos dos da fotografia, cuja dimensão técnica parece mais
palpável por existir uma máquina mediando o olhar para o mundo.
Também por associação, podemos contrapor a figura do/a
fotógrafo/a à do/a poeta. Fotografar algo não faz de quem fotografou um/a
artista da fotografia assim como escrever um texto em versos não faz de
ninguém um/a poeta. Há, além da competência técnica para o uso da câmera,
no caso do/a fotógrafo/a, e para o uso da palavra, no caso do/a poeta, a
necessidade de um investimento na poesia, ou seja, naquilo que, como já
destacamos, extrapola a mera realidade e nos projeta, simultaneamente na
emoção do sentir e no desafio do pensar. Cibele Abdo Rodella fala sobre o que
chama de “fotografia poética”:
Dito tudo isso, o que seria, de fato, um “fotopoema”? Visto que não há,
propriamente, uma teoria definida sobre essa forma criativa, trato aqui, de
forma bem simples, de conceituar fotopoemas como criações que mesclam
duas artes: a fotografia e a poesia. Sobre o tipo de fotopoema de que trato, cabe
dizer que essa mescla integra imagem e texto no mesmo espaço, ou seja, o texto
lírico, feito a partir de uma imagem, integra-se a ela, o que requer cuidados
técnicos e igual sensibilidade, para que uma arte não destrua a beleza da outra.
Convém igualmente lembrar que há outras visões, como as de Teresa Vignoli,
poeta, e Ronaldo Miranda Barbosa, fotógrafo, que, juntos, realizaram o projeto
“Fotopoemas: uma questão de moldura”4. Em seu trabalho, poema e fotografia
são colocados lado a lado, e o diálogo é feito com o olhar que vai e volta da
fotografia ao poema e vice-versa. O fotopoema, no entendimento aqui exposto,
não isola as duas produções. O texto é, harmonicamente, inserido na imagem,
logo, há critérios técnicos próprios sobre os quais discorrerei mais adiante.
Já Dutra, Santos e Silva, no artigo “Uso das novas tecnologias para a
produção textual do gênero fotopoema em inglês” (2014), discorrem sobre o
fotopoema como recurso didático para o ensino de língua inglesa. Contudo, há
na proposta um caráter mais prático, que valoriza o uso da língua inglesa em si,
e não, propriamente, a dimensão poética que uma fotografia e um texto podem
ter. Assim, o corpus em questão não é a fotografia artística, mas apenas o
registro fotográfico em si e a técnica de fazer uso de canais como o Facebook
(hoje falaríamos no Instagram), por exemplo, para envolver estudantes em
práticas mais afeitas à sua realidade. Não é esse o foco do que aqui exponho,
dado o objetivo de promover o trabalho com o poema em sala de aula, o que
requer, de fato, o cuidado com todos os detalhes técnicos e criativos que
envolvem tanto a fotografia a ser feita quanto o texto lírico que, a partir dela,
nascerá.
Também é preciso salientar que a complexidade logo se instala, se nos
damos conta de quão difícil é definir o que, no âmbito dessa fusão entre duas
linguagens distintas em sua materialidade, pode ser considerado “artístico” ou
“poético”. E essa complexidade se aprofunda quando falamos do fotopoema
como recurso didático, visto que, por exemplo, ao trabalhar, em sala de aula,
4 Ver https://www.preface.com.br/projetos/39.
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Christina Ramalho
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Sebastião Ribeiro Salgado Júnior (Aimorés, MG, 1944) é um famoso fotógrafo brasileiro. Foi
internacionalmente reconhecido e recebeu praticamente todos os principais prêmios de fotografia do
mundo como reconhecimento por seu trabalho. Fundou em 1994 a sua própria agência de notícias, "As
Imagens da Amazônia", que representa o fotógrafo e seu trabalho. Salgado e sua esposa Lélia Wanick
Salgado, autora do projeto gráfico da maioria de seus livros, vivem atualmente em Paris. O casal tem dois
filhos. Fonte: obvious: http://lounge.obviousmag.org/cafe_nao_te_deixa_mais_cult/2014/04/por-de-tras-
das-fotografias-de-sebastiao-salgado.html#ixzz60dFZak1q. Consulta realizada em 15 de agosto de 2019.
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Imagem 16
6
Disponível em http://historiadelartepublicdadb.blogspot.com/?q=Sebasti%C3%A3o+Salgado. Consulta
realizada em 08/04/2020.
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A FOTOPOESIA E O LETRAMENTO LÍRICO
pensar na palavra X a partir dessa imagem? Sim? Não? Por quê?” A proposta é
que as ideias associadas a cada imagem mostrem para os/as discentes que,
quando aprendemos a olhar o mundo à nossa volta com mais sensibilidade e
atenção, podemos ampliar nossa percepção sobre detalhes que, anteriormente,
não havíamos percebido.
Como tarefa complementar, pode-se sugerir um exercício a ser feito
em casa, no qual, a partir de uma imagem dada, cada aluno/a, além da série de
palavras que venham à sua mente, componha pequenas frases com essas
palavras, estabelecendo alguma relação com a própria fotografia.
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Imagem 2
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A FOTOPOESIA E O LETRAMENTO LÍRICO
Conclusão
Este artigo, dedicado à Fotopoesia e à sua possível presença em salas
de aula de diferentes níveis de ensino como recurso para o letramento lírico ou
para o aprofundamento da relação de estudantes com a poesia, de forma geral,
e com o poema, de modo específico, apresentou diversas considerações, a partir
dos distintos aspectos envolvidos na proposta de uma Oficina de interpretação
e criação de fotopoemas.
De reflexões sobre a presença do poema nas salas de aula a
abordagens teóricas e críticas sobre a linguagem da fotografia, busquei compor
um conjunto de fundamentações que possa orientar pessoas que se interessem
pelo tema, levando-as não só a multiplicar sugestões aqui dadas como a
elaborar caminhos próprios para o desenvolvimento de atividades com a
Fotopoesia, cuja natureza híbrida, impactante e plural certamente permitirá
diversas outras iniciativas.
Referências
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A FOTOPOESIA E O LETRAMENTO LÍRICO
DUTRA, Alessandra; SANTOS, Gilvan José Ferreira dos, SILVA; Luciana Idaldo
da. Uso das novas tecnologias para a produção textual do gênero fotopoema em
inglês. In: Revista Contemporânea de Educação, v. 14, n. 30, maio/ago. 2019, p.
279-297.
GENS, Armando. Sobre o poema, o poeta, o livro. In: SANTOS, Leonor Werneck
dos; MARTINS, Georgina; GENS, Rosa. Literatura infantil e juvenil na prática
docente. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 2010, p. 4-21.
PAZ, Octávio. O arco e a lira. Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1982.
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Christina Ramalho
http://www.uel.br/eventos/eneimagem/anais/trabalhos/pdf/Rodella_Cibele
%20Abdo.pdf. Consulta realizada em 12/04/220.
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FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL: UMA EXPERIÊNCIA COM “O
MUNDO ENCANTADO DAS FADAS”
Resumo: O gosto pela leitura não surge naturalmente em cada leitor, mas
depende de como esse indivíduo vai sendo introduzido ao universo dos livros.
Nessa configuração, a literatura infantil desempenha um papel importante de
fornecer elementos que atraiam a atenção desse leitor. Assim, práticas que são
iniciadas nos primeiros anos escolares podem contribuir para o acesso e o prazer
proporcionado pela leitura. Por isso, propomo-nos a estabelecer reflexões sobre
a formação do leitor literário nos anos iniciais do Ensino Fundamental e
apresentar uma metodologia que se efetiva por meio de “Oficinas literárias
temáticas” que abordam “O mundo encantado das fadas”. Para alçar tais
objetivos, ancoramo-nos em conceitos fundamentais que permeiam abordagens
referentes à formação do leitor literário e o papel humanizador e transformador
da literatura, como encontramos em Candido (1972; 2011), Magnani (1989), Coelho
(2017), Jauss (1979), Stierle (1979), Mendoza Fillola (1994), entre outros.
Palavras-Chave: Leitor Literário. Estética da Recepção. Literatura Comparada.
Abstract: The willing for reading does not appear naturally in each reader, but it
depends on how this individual is introduced to the universe of books. In this
configuration, children's literature plays an important role in providing
elements that attract the attention of this reader. So, practices that are initiated
in the first school years can contribute to the access and the pleasure provided
by reading. For this reason, we propose to establish reflections on the formation
of the literary reader in the early years of elementary school and to present a
methodology that is developed through “Thematic literary workshops” that
refer to “The enchanted world of fairies”. To achieve these goals, we anchored
ourselves on fundamental concepts that permeate approaches related to the
formation of the literary reader and on the humanizing and transforming role of
literature, such as, in Candido (1972; 2011), Magnani (1989) , Coelho (2017); Jauss
(1979), Stierle (1979), and Mendoza Fillola (1994), among others.
Keywords: Literary Reader. Aesthetics of Reception. Comparative Literature.
Introdução
A formação do leitor literário é um tema recorrente na sociedade
atual, no entanto não se esgotam os debates sobre esse tema e sobre as
possibilidades de oportunizar o encontro de gêneros literários diversificados
com os estudantes desde os primeiros anos escolares, para que despertem a
sensibilidade de saber escolher o que querem ler e, ao mesmo tempo, pensar
sobre o que leram e sobre como a temática lida se apresenta nas relações com
as pessoas que estão à sua volta.
Isso possibilita, lentamente, a construção de sentidos sobre o mundo
e a interpretação desse universo que ocorre em determinado contexto, e o
resultado dessas ações pode ser diferente para cada leitor/receptor. Este vai
descobrir um sentido para o que lê e uma maneira de desvendar o texto, pois a
compreensão sobre leitura vai além do que está escrito, é um processo que
depende de conhecimentos e interesses prévios ao ato da leitura.
Para que a atividade de leitura possa se concretizar, ela deverá vir ao
encontro da necessidade do leitor. Segundo Martins (1983, p. 14) “[...] dizem os
pesquisadores da linguagem, em crescente convicção: aprendemos a ler lendo.
Eu diria vivendo” e, de acordo com essa perspectiva, é preciso conduzir o leitor
iniciante, aquele que recém está descobrindo o universo mágico das letras e
palavras, a vivenciar histórias repletas de seres mágicos que povoam a
imaginação e a fantasia.
Nesse contexto da formação de um leitor literário, apresentamos
algumas reflexões acerca da recepção da obra literária e sobre como as
personagens fantásticas podem encantar a criança leitora. Por fim,
apresentarmos uma metodologia que está organizada por meio de “Oficinas
literárias temáticas” sobre o tema “O mundo encantado das fadas”.
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FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÀRIO NO ENSINO FUNDAMENTAL:
UMA EXPERIÊNCIA COM “O MUNDO ENCANTADO DAS FADAS”
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Gilmei Francisco Fleck; Cristian Javier Lopez; Carla Cristiane Saldanha Fant
pensar sobre o texto literário como um objeto histórico-social que, além de ser
usado como elemento capaz de despertar o gosto pela leitura, é, também, uma
forma de possibilitar que esse leitor/receptor seja inserido numa sociedade
historicamente constituída pela palavra. Sobre essa reflexão, Magnani (1989)
pontua que,
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FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÀRIO NO ENSINO FUNDAMENTAL:
UMA EXPERIÊNCIA COM “O MUNDO ENCANTADO DAS FADAS”
Jauss (1979, p. 46) orienta que o trabalho com a literatura deve ser
realizado envolvendo duas tarefas da hermenêutica literária, sendo elas: tornar
claro o efeito e o significado do texto para o leitor contemporâneo e, ao mesmo
tempo, explicitar o processo histórico em que o texto é recebido não apenas por
esse leitor, mas por leitores de outras épocas.
Esse é um trabalho que pode ser realizado desde as atividades de
alfabetização e letramento, uma vez que são concebidos como processos inter-
relacionados, até atividades de análise mais aprofundadas que requerem já a
conscientização de que, na arte literária, se efetiva, em diferentes graus e com
diferentes propósitos, a manipulação da linguagem. Consideramos essa etapa
— a do leitor consciente — já um estágio avançado da formação do leitor literário
na escola.
Para Geraldi (1997, p. 167), “o texto é, pois, o lugar onde o encontro se
dá”, é o elo entre o autor, que tem o que dizer e faz uso de estratégias que
explicitam as ideias que se materializam no próprio texto; e o leitor, que
desempenha o papel de reconstituir o que lê por meio de suas próprias ideias.
Dessa forma, é pela leitura da palavra expressa pelo autor que o leitor apreende
formas diversificadas de pensar e elaborar seu próprio pensamento.
Essa dinâmica imprime significado ao texto lido pelo leitor ativo, e
efetua aquilo que Jauss (1979) chama de preenchimento dos vazios do texto. Ao
atribuir sentidos significativos ao texto, o leitor desempenha, também, seu
papel de coautor. Esse se caracteriza pela atuação ativa do leitor com o material
textual a fim de imprimir-lhe um sentido e um valor pessoal. Mediado pelo
professor, esse processo pode ser realizado já nas primeiras séries do Ensino
Fundamental.
Assim também ocorre ao focalizarmos o texto literário no âmbito das
interações comunicativas, pois “o texto ficcional não se coloca simplesmente
fora de uma situação de comunicação, [...], mas sim que a ficção se refere a uma
situação comunicacional implícita.” (STIERLE, 1979, p. 147).
Desse modo, devemos considerar que o texto ficcional não tem —
como durante muito tempo se chegou a crer — a “obrigação” de retratar a
“realidade”. Há momentos em que este texto está mais próximo de uma
representação da factualidade e há outros em que se apresenta mais distante,
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Gilmei Francisco Fleck; Cristian Javier Lopez; Carla Cristiane Saldanha Fant
quais vai ajustando à sua realidade e aos seus conhecimentos, conforme vai
avançando na leitura do texto.
Para Bordini e Aguiar (1988, p. 15), a literatura também pode ser
considerada “uma reserva de vida paralela, onde o leitor encontra o que não
pode ou não sabe experimentar na realidade.” Esse aspecto da arte literária é
também destacado pelo ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, o peruano
Vargas Llosa (2002, p. 394), ao expressar que,
4Nossa tradução: […] A literatura nos permite viver em um mundo cujas leis transgridem as leis inflexíveis
através da qual passa nossa vida real, emancipados da prisão do espaço e do tempo, na impunidade do
excesso e donos de uma soberania que não conhece limites.
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FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÀRIO NO ENSINO FUNDAMENTAL:
UMA EXPERIÊNCIA COM “O MUNDO ENCANTADO DAS FADAS”
5Nossa tradução: A abordagem comparativa requer a co-presença de vários textos, ou seja, produções
concretas sujeitas à observação direta do aluno. [...] enfatizamos que as propostas elaboradas a partir dos
procedimentos da LC [Literatura Comparada] podem ser aplicáveis a todos os níveis de ensino, desde o
nível de Educação Infantil (por exemplo, com o uso de produções próprias da literatura oral ou narrativas
da literatura popular ou folclórica). (MENDOZA FILLOLA, 1994, p. 24-25).
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6
ASTLEY, N. Peppa e a fada do dente. São Paulo: Salamandra, 2014.
7 Filme “O Fada do dente”, produzido em 2010, pelo diretor Michael Lembeck, duração de 101min.
Disponível em: https://www.youtube.com/results?search_query=filme+o+fada+do+dente+completo.
Acesso em: 23 mar. 2020.
8 Vídeo do Youtube, extraído do canal de contação de histórias “O Baú da Camilinha” produzido em 14 set.
com sua aparência, com a fama e com o dinheiro e agia de forma desumana com
seus semelhantes.
Nesse momento devem ser registradas, em papel sulfite ou cartolina,
as palavras que representam os sentimentos que podem ser identificados nos
relatos dos alunos. Cada aluno pode fazer o seu registro e o(a) professor(a)
poderá auxiliar o aluno que está se apropriando da escrita, depois pedir que
disponham as palavras no painel em que foi apresentado o subtema do módulo.
No próximo encaminhamento, sugerimos a história narrada no vídeo
“A Fada do Dente Banguela”, que apresenta uma “fada do dente” que ficou
banguela. Este vídeo é produzido e disponibilizado pelo canal “O Baú da
Camilinha”, do Youtube, sendo a própria Camilinha a contadora da história.
Nesse momento, questionar sobre o sentido da palavra “banguela” e sobre o
fato de a “fada do dente” também encontrar-se na mesma situação em que
ficam as crianças as quais deve socorrer. Ouvir os comentários dos alunos,
organizando-os de modo que todos os interessados possam expor suas ideias,
explicar-lhes que a história que acabaram de ouvir é a mesma do livro A fada do
dente banguela (2016), de Lulu Lima, mostrar o livro aos alunos e recontá-la,
pausadamente, para que possam observar as ilustrações e comentar sobre o
tema livremente.
Em seguida, distribuir aos alunos a caderneta “Dentinho mágico”
(uma espécie de caderneta produzida pelo(a) professor(a), em cuja capa há um
dentinho sorridente, personificando esse elemento que esteve presente nas
obras trabalhadas). Na caderneta, os alunos podem representar a história
ouvida por meio de ilustrações. Se algum aluno quiser fazer o registro escrito
também poderá fazê-lo; a personagem da abertura da caderneta poderá ser
ilustrada com cola glitter ou conforme a preferência do aluno.
Em seguida, sugerimos a análise da pintura “Surprise Visitors” (2012-
2020), da artista Josephine Wall, utilizando o projetor de multimídia,
oportunizando o momento para que os alunos relatem como essa tela se
relaciona com as outras histórias que integram este primeiro módulo, pois
apresenta a representação pictórica de uma criança recebendo a visita de
muitas fadinhas, à noite, em seu quarto. Para esse encaminhamento,
sugerimos que o(a) professor(a) distribua a imagem colorida da obra de
Josephine Wall (2012-2020) aos alunos, propriamente identificada, no tamanho
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Gilmei Francisco Fleck; Cristian Javier Lopez; Carla Cristiane Saldanha Fant
Considerações Finais
A literatura infantil possibilita que o leitor iniciante seja sensibilizado
ao conhecer a obra e sua constituição, pois ela é instrumento de aquisição de
conhecimentos e de valores culturais, além de ser primordial para desenvolver
a reflexão sobre conceitos, sobre temas e sobre a linguagem presente nas obras
literárias.
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FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÀRIO NO ENSINO FUNDAMENTAL:
UMA EXPERIÊNCIA COM “O MUNDO ENCANTADO DAS FADAS”
Referências
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Janeiro: Ouro Sobre Azul.
GERALDI, João Wanderley. (1997). Portos de passagem. 4.ed. São Paulo: Martins
Fontes.
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Gilmei Francisco Fleck; Cristian Javier Lopez; Carla Cristiane Saldanha Fant
JAUSS, Hans Robert. Estética da recepção: colocações gerais. In: LIMA, Luiz
Costa (trad. e org.), 1979. A literatura e o leitor – textos de estética da recepção.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 43-61.
MARTINS, Maria Helena. (1983). O que é leitura. 2.ed. São Paulo: Brasiliense.
(Coleção Primeiros Passos).
STIERLE, Karlheinz. Que significa a recepção dos textos ficcionais? In: LIMA,
Luiz Costa (trad. e org.), 1979. A literatura e o leitor – textos de estética da
recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 133-188.
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PRÁTICA DE LETRAMENTO POÉTICO DE
CANÇÕES FEMININAS
1 Mestra em Letras pelo Profletras da Unidade de Itabaiana. Professora da Rede Estadual da Bahia. Bolsista
CAPES (2017-2019). E-mail: [email protected].
2
Prof. Dr. de teoria literária da UFS. Pesquisador Produtividade do CNPq vinculado ao Profletras da Unidade
de Itabaiana e ao PPGL. E-mail: [email protected].
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Joseneide Santos de Jesus; Carlos Magno Gomes
3 No projeto original, montamos três oficinas com estrutura: 1 – análise das performances artísticas de
“Paradinha”, de Anitta e “Cheguei”, de Ludmila, questionando o sensualidade e estrelismo social; 2 –
debate sobre empoderamento feminino e questionamento do machismo: “Desconstruindo Amélia”, de
Pitty, e “Respeita”, de Ana Cañas; e 3 – ampliação do horizonte de expectativas para valorizar lugar de fala
da mulher: “Pagu”, de Zélia Duncan e Rita Lee e “Balacobaco”, de Rita Lee.
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Joseneide Santos de Jesus; Carlos Magno Gomes
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PRÁTICA DE LETRAMENTO POÉTICO DE CANÇÕES FEMININAS
e/ou literário, mas sim debater sobre a performance artística que cada canção
traz, dando destaque ao empoderamento feminino e aos direitos da mulher.
Para tanto, é preciso diversificar as práticas de se trabalhar com a
poesia porque em muitas delas ainda é possível observar que não há “uma
aproximação mais afetiva do texto, a possibilidade de destaque para uma
imagem, um ritmo diverso, uma sonoridade” (ALVES, 2008, p. 20). Cabe
destacar que a canção apresenta abrangentes possibilidades para serem
debatidas por ser híbrida e democrática visto que “transita das rádios mais
populares aos Ipods mais sofisticados, de shows abertos a teatros tradicionais,
bem como das telenovelas aos documentários de arte” (ALCÂNTARA, 2012a, p.
28).
A canção, independentemente da sua classificação (MPB, rock,
sertanejo, pop, pagode...), é um gênero literário que está presente na vida das
pessoas, especialmente dos/as jovens e adolescentes, de maneira muito
intensa. Além do mais, é possível “plantar um quinhão de curiosidade ante às
tantas riquezas de sentido que podem nascer do encontro do leitor com o texto
em verso” (ALVES, 2008, p. 20). Esse convite para o letramento lírico torna-se
engajado quando selecionamos canções de artistas brasileiras que questionam
os estereótipos femininos e o machismo ainda comum na produção cultural
brasileira.
Como estamos preocupados com a voz da mulher, destacamos que há
poucas antologias que favorecem uma abordagem de ensino do texto poético
feminino. Por isso, torna-se necessário a ampliação do corpus de poetas com a
inclusão das compositoras, pois as “vozes femininas” ainda são inferiores ao
número de poetas nas coletâneas escolares, “aspecto indicativo do
silenciamento e da exclusão das vozes líricas femininas” (ALVES; NEVES, 2017,
p. 92). Sendo assim, introduzir produções artísticas das compositoras
representa, por si só, a ampliação do cânone escolar com textos multimodais e
multissemióticos.
A dinâmica da canção demanda uma prática de letramento que
explore as diferentes linguagens desse gênero oral, que demanda uma
performance artística híbrida. Para Paul Zumthor, a recepção da canção
abrange mais que seu suporte verbal ou vocal, pois inclui diversos outros
aspectos exteriores que interferem diretamente na compreensão textual.
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PRÁTICA DE LETRAMENTO POÉTICO DE CANÇÕES FEMININAS
Respeita (AnaCañas)4
Ela vai
Ela vem
Meu corpo, minha lei
Tô por aí, mas não tô a toa
Respeita, respeita, respeita as mina, porra!
[...]
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PRÁTICA DE LETRAMENTO POÉTICO DE CANÇÕES FEMININAS
Respeita as mina
Toda essa produção não se limita a você
Já passou da hora de aprender
Que o corpo é nosso nossas regras
Nosso direito de ser
Respeita as mina
Toda essa produção não se limita a você
Já passou da hora de aprender
Que o corpo é nosso nossas regras nosso direito de ser
[...]
Não leva na maldade não
Não lutamos por inversão
Igualdade é o "x" da questão, então aumenta o som!
Em nome das marias, quitérias, da penha silva
Empoderadas, revolucionárias
Ativistas, deixem nossas meninas serem super heroínas!
Pra que nasça uma joana d'arc por dia!
Como diria frida: "eu não me kahlo! "
Junto com o bonde saio pra luta e não me abalo
O grito antes preso na garganta já não me consome
É pra acabar com o machismo
E não pra aniquilar os homens
Quero andar sozinha porque a escolha é minha
Sem ser desrespeitada e assediada a cada esquina
Que possa soar bem, correr como uma menina
Jogar como uma menina
Dirigir como menina, ter a força de uma menina
Se não for por mim, mude por sua mãe ou filha!
[...]
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PRÁTICA DE LETRAMENTO POÉTICO DE CANÇÕES FEMININAS
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PRÁTICA DE LETRAMENTO POÉTICO DE CANÇÕES FEMININAS
tinham ouvido falar na lei Maria da Penha, porém nunca havia lido ou discutido
nada a respeito. No debate sobre a Lei Maria da Penha, houve o reconhecimento
dos avanços da proteção da mulher, mas concordaram que essa lei ainda
necessita de melhor adequação à sua implementação naquela região, como
destacado por Machado (2017, p. 40).
Após o debate e a finalização das atividades comparando as questões
destacadas nas duas canções, os/as participantes ampliaram seu horizonte
cultural ao destacarem que as performances femininas dessas artistas traziam
também uma postura política. Reconheceram que as canções pedem o respeito
pela mulher e abordam alguns tipos de violência que ela sofre na sociedade.
Expuseram que já souberam de casos de violência doméstica ocorridos com
pessoas próximas a eles/as. Identificaram nas músicas passagens que tratam
da violência psicológica e confessaram que já assistiram situações em que a
mulher foi constrangida e desrespeitada por namorado ou esposo. Uma
discente, que já foi casada, confessou que já sofreu esse tipo de violência.
Por isso, foi fundamental agregar as letras das canções de Kell Smith
e Ana Cañas aos videoclipes, pois isso permitiu ampliar a discussão, lembrando
que, muitas vezes a mulher sabe dos seus direitos, mas nem sempre tem forças
para lutar contra tantas barreiras que o sistema de dominação lhe impõe. Essas
músicas também foram essenciais para introduzir o assunto dos direitos da
mulher que foi ampliado por meio da inserção de algumas leis que dialogam
diretamente com a nossa temática. Isso é importante porque “Nesse desafio,
reconhecemos a contribuição teórica da literatura comparada para uma
prática cultural de ensino de literatura contemporânea que valorize a
formação de um/a leitor/a atualizado/a com a agenda dos direitos da mulher”
(GOMES, 2014, p. 13).
Para finalizar a discussão, retomamos aspectos da importância do
empoderamento da mulher para o combate à violência de gênero,
questionando “o sentimento de posse do homem sobre a mulher, o controle, o
abuso, a culpabilização da vítima e a naturalização da violência contra a mulher
têm um coeficiente em comum: o machismo enraizado na nossa sociedade,
fundada em bases culturais extremamente misóginas” (LARA et al., 2016, p.
192). Isso nos lembra que não há como falar em empoderamento feminino e
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PRÁTICA DE LETRAMENTO POÉTICO DE CANÇÕES FEMININAS
Considerações finais
Conforme vimos na análise dos resultados, percebemos por meio da
aplicação das oficinas que o imaginário dos/as nossos/as alunos/as mudaram
suas opiniões a partir do exercício de leitura e envolvimento com a
performance femininas das artistas. Consoante Zumthor, isso acontece porque
a recepção dá oportunidade do desenvolvimento de visão privilegiada para o/a
leitor/ por meio da performance de leitura, que acontece quando esse sujeito
“encontra a obra; e a encontra de maneira indizivelmente pessoal” (2018, p. 49).
Portanto, o processo de leitura subjetiva foi valioso para a formação
do/a leitor/a, pois conseguimos despertar o gosto pela leitura ao introduzir
temáticas de cunho social. Até mesmo porque “A leitura das obras é, antes de
tudo, uma “leitura para si” da qual o sujeito tira o que lhe é necessário para
formar seu pensamento e sua personalidade” (ROUXEL, 2013, p. 177). Nessa
prática, a preocupação com o empoderamento da mulher despertou o gosto
pela leitura e aproximou os/as participantes, que por meio de suas
subjetividades agregaram significados novos, ampliando a sua visão de mundo
e a sua maneira de enxergar os direitos da mulher.
Desse modo, a ampliação do horizonte cultural dos/as participantes
se deu pelo reconhecimento que ainda há desigualdades de gênero e que
precisamos superá-las. As análises dos dados colhidos no decorrer da oficina
demonstraram o quanto é satisfatório trazer para a sala de aula um tema que
possibilite aos/às discentes aprimorarem a criticidade sobre as relações de
gênero. Com isso, reconhecemos que ainda há um caminho a ser trilhado para
conquistarmos direitos iguais entre homens e mulheres, mas começamos a
espalhar as sementes ao ressaltar a importância das performances femininas
como resistência social, pois nossa “preocupação e compromisso é semear a
poesia. Nem todos os canteiros florescerão, pois há inúmeros empecilhos
contra os quais não temos muito o que fazer (ALVES; NEVES, 2017, p. 102). Ao
semear a valorização do lugar de fala da mulher, contribuímos para o
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Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 83-103, 2020. | 101
Joseneide Santos de Jesus; Carlos Magno Gomes
Referências
BRASIL. Lei Maria da Penha: Lei nº 11.340. Brasília: Câmara dos Deputados,
Edições Câmara, 2006.
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PRÁTICA DE LETRAMENTO POÉTICO DE CANÇÕES FEMININAS
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POR UM BRASIL DE MAIS LEITORES: O QUE OS
FEMINISMOS TÊM A VER COM ISSO?
1
Doutora em Literatura Contemporânea pela UNB, membro do GT Mulher na Literatura, da ANPOLL e do
Grupo de Pesquisa Vozes Femininas, professora do Curso de Letras da UNILAB — Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira e do Mestrado Interdisciplinar em História e Letras —
MIHL, da UECE — Universidade Estadual do Ceará. E-mail: [email protected].
2 Mestranda em História e Letras pela UECE — Universidade Estadual do Ceará. E-mail:
[email protected].
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Vania Maria Ferreira Vasconcelos; Sandy Karelly Freitas Falcão
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POR UM BRASIL DE MAIS LEITORES: O QUE OS FEMINISMOS TÊM A VER COM ISSO?
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Vania Maria Ferreira Vasconcelos; Sandy Karelly Freitas Falcão
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Vania Maria Ferreira Vasconcelos; Sandy Karelly Freitas Falcão
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Vania Maria Ferreira Vasconcelos; Sandy Karelly Freitas Falcão
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POR UM BRASIL DE MAIS LEITORES: O QUE OS FEMINISMOS TÊM A VER COM ISSO?
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Vania Maria Ferreira Vasconcelos; Sandy Karelly Freitas Falcão
Machado de Assis, mas não teve seu nome listado entre os fundadores, por ser
a única mulher.
Faz-se relevante, portanto, estabelecer aqui uma reflexão sobre a
escolha dos textos oferecidos aos novos leitores. Os chamados textos
canônicos são parte significativa do que precisamos conhecer, mas a ausência
de diversidade do que apresentam frequentemente os livros didáticos decorre
de critérios questionáveis. As escolhas do que se convencionou chamar de
cânone não decorrem apenas do propalado padrão estético, antes se
estabelecem a partir de filtros decorrentes de categorias como classe, raça e
gênero.
A reveladora pesquisa sobre a literatura contemporânea coordenada
por Regina Dalcastagnè (2005) revelou que, ainda na contemporaneidade, entre
todos os romances brasileiros publicados pelas maiores editoras (Companhia
das Letras, Record e Nova Fronteira) no período de 1990 a 2004, 72% são de
autoria masculina, e a situação não muda quando se analisam as personagens
protagonistas, aumentando ainda mais a desproporção quando se verificam se
são ou não narradores. Há, evidentemente, uma crise de representação
constatada, e essa sub-representação é histórica, como observa a pesquisadora:
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POR UM BRASIL DE MAIS LEITORES: O QUE OS FEMINISMOS TÊM A VER COM ISSO?
Referências
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Vania Maria Ferreira Vasconcelos; Sandy Karelly Freitas Falcão
CEVASCO, Maria Elisa (2003). Dez lições sobre Estudos Culturais. São Paulo:
Boitempo Editorial.
RICOEUR, Paul (2011). Tempo e Narrativa. vol 3. São Paulo: Martins Fontes.
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POR UM BRASIL DE MAIS LEITORES: O QUE OS FEMINISMOS TÊM A VER COM ISSO?
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LITERATURA E CRÍTICA CULTURAL: UMA
EXPERIÊNCIA COM OS CÂNTICOS DO MMTR NO
CURSO DE LETRAS
1 Mestra em crítica Cultural pelo Programa de pós-graduação em Critica Cultural da UNEB-Campus II.
Integrante do grupo de pesquisa Lingua(gem) e Crítica Cultural. Email: [email protected].
2
Professora Dra. do curso de Letras e do Programa de pós-graduação em Critica Cultural da UNEB-Campus
II. Integrante do grupo de pesquisa Lingua(gem) e Crítica Cultural Email: [email protected].
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Sandra Freitas de Carvalho Cruz; Jailma dos Santos Pedreira Moreira
Iniciando a reflexão
Durante algum tempo, para alguns, trazer a perspectiva dos estudos
culturais junto à literatura significaria acabar com a literatura. Isso rendeu
vários debates, alguns mais conhecidos, como encenam Wander Miranda (1998)
e Leyla Moisés (1996) em seus textos. Moisés estaria preocupada com o fim da
crítica literária, poderíamos dizer, com o fim da literatura, enquanto Miranda
reforçaria que o que estaria em jogo com a chegada dos Estudos culturais não
seria o fim da literatura e sim o fim ou abalo de uma classe hegemônica, que se
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LITERATURA E CRÍTICA CULTURAL:
UMA EXPERIÊNCIA COM OS CÂNTICOS DO MMTR NO CURSO DE LETRAS
3Além do texto citado, de Silviano Santiago (2005), o qual mapeia, como dito, estas outras pesquisas, com
outros enfoques e objetos, sendo feitas no Brasil, o próprio programa de Pós-graduação em Crítica Cultural,
na área de Letras, é um exemplo da efetivação dessas novas abordagens, pois, enfocando a perspectiva da
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Sandra Freitas de Carvalho Cruz; Jailma dos Santos Pedreira Moreira
crítica cultural, tem possibilitado pesquisas sobre produções culturais de mulheres , tanto da cidade como
do campo, (como artesanato, cantorias, gêneros alimentícios etc.), produções culturais de pessoas em
situação de rua, de quilombolas, de indígenas etc.
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LITERATURA E CRÍTICA CULTURAL:
UMA EXPERIÊNCIA COM OS CÂNTICOS DO MMTR NO CURSO DE LETRAS
4
Estes cantos integram o seguinte livreto produzido pelas mulheres trabalhadoras: MOVIMENTO DAS
MULHERES TRABALHADORAS RURAIS (MMTR) – Sem medo de ser feliz: Livreto de canto do Movimento.
Inhambupe-Ba, 2003.Como dissemos, deste livro, impresso artesanalmente, selecionamos alguns cânticos
para se trabalhar em sala de aula, buscando trazer para a cena a produção poética e política dessas
mulheres. Assim, os cânticos que demarcavam suas lutas, suas demandas no cotidiano, enfim, sua política
prático-discursiva, apontando para a desconstrução do feminino, foram privilegiados. Destes cânticos
trabalhados em sala, selecionamos fragmentos de alguns para a feitura deste artigo.
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Sandra Freitas de Carvalho Cruz; Jailma dos Santos Pedreira Moreira
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LITERATURA E CRÍTICA CULTURAL:
UMA EXPERIÊNCIA COM OS CÂNTICOS DO MMTR NO CURSO DE LETRAS
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Sandra Freitas de Carvalho Cruz; Jailma dos Santos Pedreira Moreira
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A repercussão do trabalho desenvolvido nesse curso, junto a turma, acabou mostrando como a vida, as
discussões e produções locais ficam ausentes, muitas vezes, de salas de aulas, de livros didáticos. O próprio
desconhecimento do MMTR, um Movimento atuante localmente e regionalmente, por parte das
estudantes, é um exemplo desse apagamento. Para mais pistas sobre o assunto sugerimos a leitura dos
seguintes textos, que já constam na referência final: SOUZA, Taíse Campos dos Santos Pinheiro de;
MOREIRA, Jailma dos Santos Pedreira. Escritoras subalternas negras: por que incluí-las nas aulas? Revista
Fórum Identidades. Itabaiana: Gepiadde, vol 19, set/dez, 2015. MOREIRA, Jailma dos Santos Pedreira.
Feminismos locais na sala de aula. In: SANTOS, C.; GARCIA, P. e SEIDEL, R. (Org.) Crítica cultural e educação
básica: Diagnósticos, proposições e novos agenciamentos. São Paulo: Cultura acadêmica, 2011.
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LITERATURA E CRÍTICA CULTURAL:
UMA EXPERIÊNCIA COM OS CÂNTICOS DO MMTR NO CURSO DE LETRAS
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Sandra Freitas de Carvalho Cruz; Jailma dos Santos Pedreira Moreira
nós de alguma forma. De modo que podemos perceber que questões que
pareciam tão externas são muito internas também”6.
Como notamos, a linha que separava o externo do interno estava
sendo quebrada, pois se percebia que o externo partia de um interno, isto é, um
discurso que se tonou verdade, partia de uma vontade, de uma enunciação, de
um sujeito ou comunidade discursiva. Ou seja, havia vida ali, ainda que
interditada. Por isso se percebeu a importância de, com a literatura, se refletir
sobre o cotidiano, sobre a vida de quem escreveu/produziu o texto, leu, fora
representado na poética, importância de se fazer aflorar as perspectivas,
ampliar as perspectivas, importância de se falar, refletir sobre o que se fala,
quem fala, em que circunstâncias fala, as falas interditadas, para se conceber
sujeito da história, com direito a expressão, a reconstrução de si e do mundo.
Assim, se no texto, transcrito abaixo, fragmento de um dos cânticos das
mulheres trabalhadoras rurais discutidos em sala, as mulheres reivindicam
direitos não garantidos ao sujeito feminino da zona rural, queremos
acrescentar, com tudo isso, o direito a expressão, conquistado, em alguma
medida, através do canto produzido.
Para lavar roupa sou mulher? Sou mulher. Pra lavar prato?
Sou mulher.
Par cozinhar? Eu sou... Pra ter dinheiro? Por que eu não
sou mulher?
Pra ter filhos? Eu sou mulher. Trabalhar na roça? Eu sou
mulher!
Fazer comida? Eu sou... Pra ter direitos? Por que não sou
mulher?
Cuidar do marido? Eu sou mulher. Pra remendar? Eu sou
mulher
Pra produzir? Eu sou... Pra ser candidata? Por que eu não
sou mulher?7 (MMTR, 2003).
6
Nesse texto traremos várias falas de algumas discentes do curso de Letras vernáculas da Universidade do
Estado da Bahia (UNEB) – Campus II, discentes que fizeram parte da turma na qual trabalhamos os cantos
de mulheres trabalhadoras rurais do MMTR. Por questão de ética, suas identidades serão preservadas.
Assim, serão nomeadas de estudantes 1, 2, seguindo essa sequência numérica, conforme a ordem em que
seus discursos são transcritos neste artigo.
7 Os cantos do MMTR, como já dito, transcritos nesse texto, podem ser encontrados, em sua íntegra, no
Caderno de cantos do Movimento, que consta na referência final. Tais cânticos são produzidos pelo MMTR
de Inhambupe-BA e distribuídos gratuitamente nos momentos em que estas mulheres se apresentam, seja
em congressos, nas missas ou na comemoração do dia da mulher (08 de março).
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LITERATURA E CRÍTICA CULTURAL:
UMA EXPERIÊNCIA COM OS CÂNTICOS DO MMTR NO CURSO DE LETRAS
ser aceitos, mas sua poesia é oral e sua linguagem não é nada melancólica. Sem
contar que as mulheres que integram o Movimento não são brancas, nem ricas,
a maioria não frequentou nem frequenta o meio acadêmico, os congressos que
falam de literatura, melhor dizendo, a maioria não frequentou as escolas.
Roberto Reis (1992), ainda sobre o cânone, nos diz que:
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Sandra Freitas de Carvalho Cruz; Jailma dos Santos Pedreira Moreira
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Sandra Freitas de Carvalho Cruz; Jailma dos Santos Pedreira Moreira
por isso que ouvimos de uma das estudantes o relato de que estava se
surpreendendo com aquele trabalho em sala de aula, visto que achava que uma
discussão sobre cânone seria muito chata, mas, surpreendentemente, estava
gostando.
Estava, portanto, sendo levada a rever uma história literária, de um
cânone, até mesmo da literatura popular, e, com isso, uma história da mulher,
a mulher configurada somente como reprodutora, ou produtora de algo que é
menosprezado, representada, enfim, somente como sem poder de intervenção,
de produção de fato, de participação, logo, neste sentido, não representada.
Desconstruímos o cânone, estudamos, sob outra perspectiva, uma
morfologia das poéticas populares, através da produção de mulheres
trabalhadoras rurais, que nos ensinavam, o tempo todo, com sua textualidade,
que era preciso desnaturalizar, revisar histórias, logo, participar, para que se
fizesse mudar um roteiro, um ensino. Assim cantam, como transcrevemos em
trecho abaixo, estudado em sala de aula:
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LITERATURA E CRÍTICA CULTURAL:
UMA EXPERIÊNCIA COM OS CÂNTICOS DO MMTR NO CURSO DE LETRAS
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LITERATURA E CRÍTICA CULTURAL:
UMA EXPERIÊNCIA COM OS CÂNTICOS DO MMTR NO CURSO DE LETRAS
e, junto com ele, o senso crítico, uma outra concepção de pessoas ao seu redor,
pessoas que eram invisibilizadas, outra concepção sobre si, seu papel no
mundo, retroalimentando, com isso, as forças da literatura. Um dos cânticos
apresentados, em forma de leitura e cantado pelas próprias mulheres, por meio
de um vídeo, está transcrito abaixo:
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Sandra Freitas de Carvalho Cruz; Jailma dos Santos Pedreira Moreira
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LITERATURA E CRÍTICA CULTURAL:
UMA EXPERIÊNCIA COM OS CÂNTICOS DO MMTR NO CURSO DE LETRAS
Referências
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Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 127-151, 2020. | 149
Sandra Freitas de Carvalho Cruz; Jailma dos Santos Pedreira Moreira
https://www.revistas.uneb.br/index.php/pontosdeint/article/view/5919.
Acesso em: 25 fev. 2020.
PERRONE – MOISES, Leyla. Que fim levou a crítica literária? Folha de São
Paulo, São Paulo, 1996. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/8/25/mais!/14.html. Acesso em: 05
abr. 2020.
MOREIRA, Jailma dos Santos Pedreira. Feminismos locais na sala de aula. In:
SANTOS, C.; GARCIA, P. e SEIDEL, R. (Org.) Crítica cultural e educação básica:
Diagnósticos, proposições e novos agenciamentos. São Paulo: Cultura
acadêmica, 2011, p.152-172.
MOREIRA, Jailma dos Santos Pedreira. Sob a luz de Lampião: Maria Bonita e o
Movimento da subjetividade de mulheres sertanejas. Salvador: EDUNEB, 2016.
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150 | Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 127-151, 2020.
LITERATURA E CRÍTICA CULTURAL:
UMA EXPERIÊNCIA COM OS CÂNTICOS DO MMTR NO CURSO DE LETRAS
SOUZA, Taíse Campos dos Santos Pinheiro de; MOREIRA, Jailma dos Santos
Pedreira. Escritoras subalternas negras: por que incluí-las nas aulas? Revista
Fórum Identidades. Itabaiana, Gepiadde, v.19, p. 13 – 32, set/dez, 2015.
Disponível em:
file:///D:/Meus%20arquivos/Users/Sandra%20Cruz/Downloads/4800-
Texto%20do%20artigo-13692-1-10-20160322%20(1).pdf. Acesso em: 05 fev. 2020.
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Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 127-151, 2020. | 151
DEMOCRATIZAÇÃO DA LITERATURA NA
EDUCAÇÃO BÁSICA: EXPERIÊNCIAS NO
SUBPROJETO DE PORTUGUÊS E LITERATURAS
DO PIBID (2018-2020) NA UFRJ
DÉMOCRATISATION DE LA LITTÉRATURE EN
ÉDUCATION DE BASE: EXPÉRIENCES DANS LE
SOUS-PROJET PORTUGAIS ET LITTÉRATURES
DU PIBID (2018-2020) À L'UFRJ
1
Professora de Didática Especial e Prática de Ensino de Português-Literaturas da Faculdade de Educação
da UFRJ. Coordenadora de Área do PIBID de Português – CAPES.
2
Professor de Português na Rede Municipal de Duque de Caxias/RJ. Professor supervisor do Pibid de
Português na Escola Municipal Nísia Vilela Fernandes – CAPES.
3 Professor de Português e Literaturas de Língua Portuguesa no Colégio Pedro II. Professor supervisor do
(UFRJ). Nous avons l'intention de parler de deux des projets qui se sont déroulés
en deux groupes du Pibid: i) Mobilivro qui aborde la formation de communautés
de lecteurs à l'école; et ii) A poesia ao meu redor: o diálogo entre a produção
poética da baixada fluminense e aulas do sexto ano qui a développé le lettrement
littéraire des élèves, à partir du dialogue proposé entre les poètes du canon
brésilien et les auteurs contemporains vivant dans la même région où se situe
l'école. Avant cela, nous avons considéré certains aspects théoriques du
lettrement littéraire et de l'éducation littéraire qui ont toujours guidé nos
actions dans les projets et les connaissances nécessaires à la pratique de
l'enseignement.
Mots-clés: formations des professeurs. Lettrement littéraire. Les savoirs du
professeur. Communauté de lecteurs.
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DEMOCRATIZAÇÃO DA LITERATURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
EXPERIÊNCIAS NO SUBPROJETO DE PORTUGUÊS E LITERATURAS
DO PIBID (2018–2020) NA UFRJ
5Face ao caráter tecnicista deste programa, que prevê ensinar como se aplicar a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), a UFRJ não aderiu ao Programa de Residência Pedagógica. Decisão tomada pelo
colegiado da Faculdade de Educação após amplo debate.
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Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 153-174, 2020. | 155
Alessandra Fontes Carvalho da Rocha; Diego Domingues;
Luiz Guilherme Ribeiro Barbosa; Marcos Scheffel
com uma experiência incipiente do ensino superior e que traziam ainda muito
presente sua vivência como alunos da educação básica.
6 Os relatos aqui citados foram cedidos pelos licenciandos ao firmarem compromisso de bolsistas e
voluntários do programa. Citamos o nome completo do bolsista/voluntário e a escola onde atuou no
programa. A ideia destes diários de bordo foi fazer um registro durante o percurso do programa para
acompanhar como se dava a construção das identidades docentes destes licenciandos.
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156 | Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 153-174, 2020.
DEMOCRATIZAÇÃO DA LITERATURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
EXPERIÊNCIAS NO SUBPROJETO DE PORTUGUÊS E LITERATURAS
DO PIBID (2018–2020) NA UFRJ
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158 | Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 153-174, 2020.
DEMOCRATIZAÇÃO DA LITERATURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
EXPERIÊNCIAS NO SUBPROJETO DE PORTUGUÊS E LITERATURAS
DO PIBID (2018–2020) NA UFRJ
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Alessandra Fontes Carvalho da Rocha; Diego Domingues;
Luiz Guilherme Ribeiro Barbosa; Marcos Scheffel
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160 | Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 153-174, 2020.
DEMOCRATIZAÇÃO DA LITERATURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
EXPERIÊNCIAS NO SUBPROJETO DE PORTUGUÊS E LITERATURAS
DO PIBID (2018–2020) NA UFRJ
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Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 153-174, 2020. | 161
Alessandra Fontes Carvalho da Rocha; Diego Domingues;
Luiz Guilherme Ribeiro Barbosa; Marcos Scheffel
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DEMOCRATIZAÇÃO DA LITERATURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
EXPERIÊNCIAS NO SUBPROJETO DE PORTUGUÊS E LITERATURAS
DO PIBID (2018–2020) NA UFRJ
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Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 153-174, 2020. | 163
Alessandra Fontes Carvalho da Rocha; Diego Domingues;
Luiz Guilherme Ribeiro Barbosa; Marcos Scheffel
7 Algumas delas, desenvolvidas em cidades dos EUA, estão listadas no endereço eletrônico:
https://en.wikipedia.org/wiki/One_City_One_Book, acessado em 25 de abril de 2020. Em relação a
instituições de ensino, a leitura do projeto de livro comum desenvolvido na Universidade de Santa Bárbara
foi uma referência importante, disponível no endereço: https://www.library.ucsb.edu/ucsbreads, acessado
em 25 de abril de 2020.
8
“Desde 2017, o Vestibular da UERJ indica uma lista de livros de literatura, utilizados nas provas de
Linguagem, no exame de qualificação, de Redação e de Língua Portuguesa e Literaturas, no exame
discursivo. O resgate dessa lista de livros de literatura facilita tanto os candidatos, por aumentar a
previsibilidade das provas, quanto as bancas de correção, por aumentar a qualidade do desempenho dos
candidatos. Esse resgate destaca também a importância da literatura para a construção interdisciplinar do
conhecimento.” Disponível em: https://www.uerj.br/vestibular, acessado em 25 de abril de 2020.
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164 | Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 153-174, 2020.
DEMOCRATIZAÇÃO DA LITERATURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
EXPERIÊNCIAS NO SUBPROJETO DE PORTUGUÊS E LITERATURAS
DO PIBID (2018–2020) NA UFRJ
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Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 153-174, 2020. | 165
Alessandra Fontes Carvalho da Rocha; Diego Domingues;
Luiz Guilherme Ribeiro Barbosa; Marcos Scheffel
a ser lido durante o ano pode ser realizado em diálogo com o currículo das aulas
de Português e Literaturas. Nesse sentido, um dos principais objetivos do
projeto Mobilivro foi alcançado: a contribuição do Pibid para a escola como
legado curricular, compreendendo o trabalho de formação de leitores como
direito dos estudantes e, por isso, articulado à formação para o letramento
baseada na cultura democrática.
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166 | Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 153-174, 2020.
DEMOCRATIZAÇÃO DA LITERATURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
EXPERIÊNCIAS NO SUBPROJETO DE PORTUGUÊS E LITERATURAS
DO PIBID (2018–2020) NA UFRJ
9
Devido ao espaço do qual dispomos, não entraremos nos pormenores sobre as diversas definições de
Cultura, palavra altamente polissêmica. Neste artigo, ficamos com a definição antropológica mais objetiva
de cultura enquanto “conjunto de conhecimentos, costumes, crenças, padrões de comportamento,
adquiridos e transmitidos socialmente, que caracterizam um grupo social.” Fonte:
http://michaelis.uol.com.br/ Acesso em 25.4.2020. Para apresentação aprofundada e problematização
sobre o termo, recomendamos a obra de Terry Eagleton A ideia de Cultura (2000), ed. Unesp.
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DEMOCRATIZAÇÃO DA LITERATURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
EXPERIÊNCIAS NO SUBPROJETO DE PORTUGUÊS E LITERATURAS
DO PIBID (2018–2020) NA UFRJ
alunos que, por não contarem, muitas vezes, com referências de leitores em seu
ambiente familiar, acabam também rejeitando a literatura na escola.
Esse ponto da dinâmica pedagógica foi ressaltado devido às reflexões
dos bolsistas sobre suas experiências enquanto alunos-leitores na educação
básica. Destacamos um trecho que sintetiza bem essa influência da escola
sobre o desinteresse dos alunos:
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Alessandra Fontes Carvalho da Rocha; Diego Domingues;
Luiz Guilherme Ribeiro Barbosa; Marcos Scheffel
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DEMOCRATIZAÇÃO DA LITERATURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
EXPERIÊNCIAS NO SUBPROJETO DE PORTUGUÊS E LITERATURAS
DO PIBID (2018–2020) NA UFRJ
Considerações finais
Os projetos desenvolvidos no Pibid, subprojeto Língua Portuguesa, e
apresentados nesse artigo apontam para um trabalho com a perspectiva de que
a escola é um espaço de produção de saberes sobre a docência, o ensino e a
aprendizagem. Nas palavras de António Nóvoa (2017, p. 1131): “Não pode haver
boa formação de professores se a profissão estiver fragilizada, enfraquecida.
Mas também não pode haver uma profissão forte se a formação de professores
for desvalorizada e reduzida apenas ao domínio das disciplinas a ensinar ou das
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Alessandra Fontes Carvalho da Rocha; Diego Domingues;
Luiz Guilherme Ribeiro Barbosa; Marcos Scheffel
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DEMOCRATIZAÇÃO DA LITERATURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
EXPERIÊNCIAS NO SUBPROJETO DE PORTUGUÊS E LITERATURAS
DO PIBID (2018–2020) NA UFRJ
Referências
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: ___. Vários Escritos. 5 ed. Rio de
Janeiro: Ouro sobre Azul/ São Paulo: Duas Cidades, 2011.
JOUVE, Vincent. Por que estudar literatura? São Paulo: Parábola Editorial, 2012.
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Alessandra Fontes Carvalho da Rocha; Diego Domingues;
Luiz Guilherme Ribeiro Barbosa; Marcos Scheffel
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A ESCRITA DE SINAIS COMO INSTRUMENTO DE
DESENVOLVIMENTO LINGUÍSTICO E
IDENTITÁRIO PARA O SURDO
Abstract: The Sign language is a identity and cultural expression of the deaf en
has signaled and write mode through SignWrinting. The write is en important
instrument of empowerment and cognitive and linguistic development of the
deaf. Thus, we defend that his literacy have to be by sign writing because it is his
first language, ensure his language acquisition as a meaning moment, no breaks
or adaptations from one language (viso-spatial) to another (oral) with that the
deaf does not identify himself. The general objective was checked
apprenticeship of the writing of signs by the deaf person. The research was made
by qualitative nature, exploration character and study case design. Tha
researche local in a state public school and the participants were 6 deaf subjects.
1
Pedagogia. Letras-Libras. Psicologia. Mestranda em Educação pela Universidade Federal da Paraíba
(UFPB). [email protected].
2 Letras – Inglês / Português. Mestre em Psicologia Social. Doutora em Psicologia Social. Professora de Libras
The dates was analised by microgenetic techiniques which indicated that the
deaf learn sign writing easily and theses people identify themselves with this
king of write because of viso-spatiality.
Keywords: Signwriting. Culture. Identity.
Introdução
A Língua Brasileira de Sinais como primeira língua da comunidade
surda trouxe para essas pessoas inúmeras possibilidades dentro da sociedade,
principalmente, em sua formação básica. A educação é um direito
constitucional previsto a ser garantido para todos, entretanto, durante anos foi
negado de forma sutil e velada, uma vez que a Língua Brasileira de Sinais
(Libras) nunca foi abordada especificamente no ambiente escolar como a
língua natural da comunidade surda e, hoje, essa história se repete na maioria
das escolas regulares nas quais a língua de sinais não é inserida como disciplina
curricular.
No percurso histórico de lutas há vitórias e derrotas. O
reconhecimento oficial da Libras através da lei 10.436/2002, regulamentada
pelo decreto 5.626/05 traz a exigibilidade de que a educação bilíngue deve ser
estabelecida para o melhor desempenho acadêmico da pessoa surda. Segundo
Alves e Alberto (2016), os documentos de ordenamento jurídico possuem como
exigibilidade que seja ofertada uma educação bilíngue para o surdo em que a
Libras seja sua primeira língua e o português escrito sua segunda língua e nela
considera-se os aspectos culturais do surdo. Entretanto, na prática, não há o
respeito a essa ordenação linguística para aquisição.
Com base nessas inquietações e na importância que a língua de sinais
tem para o surdo, essa pesquisa surgiu com o objetivo de verificar a
aprendizagem da escrita de sinais no sistema SignWriting pelo surdo,
analisando o interesse dos mesmos pela escrita de sinais, bem como
identificando as facilidades e as dificuldades presentes nesse processo de
ensino e aprendizagem da escrita de sinais e, assim, observar a identificação do
sujeito surdo com a escrita de sua língua.
A pesquisa foi de natureza qualitativa, de caráter exploratório e
delineamento de estudo de caso. O campo de pesquisa foi uma escola pública
estadual situada em um município do Rio Grande do Norte que fornecia ensino
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A ESCRITA DE SINAIS COMO INSTRUMENTO DE
DESENVOLVIMENTO LINGUÍSTICO E IDENTITÁRIO PARA O SURDO
em nível fundamental II e EJA atendia 261 alunos, dentre os quais 1 era surdo.
Além desse aluno, a escola atendia mais 5 alunos surdos de outras escolas em
sua sala de recurso. Todos os alunos surdos se tornaram participantes da
pesquisa. Suas idades variavam de 13 a 34 anos de idade, 5 eram das séries
escolares de 6º ao 9º ano do ensino fundamental e 1 do 6º EJA, conforme quadro
1. Os dados foram analisados por meio da técnica da migrogenética por meio da
qual buscou-se compreender o processo de ensino aprendizagem da escrita de
sinais, verificando as facilidades e dificuldades e o interesse pelo conteúdo.
Para avaliação de rendimento foram analisados os testes aplicados para esse
fim.
A língua de sinais representa a comunidade surda, segundo Alves e
Paixão (2018), ela é um artefato cultura do povo surdo, é o elemento central de
sua produção humana e é marca identitária e da formação de cultura surda. De
acordo com Alves (2018), a Libras possui modalidade sinalizada e escrita. Na
figura 1, há o desenho do sinal ‘azabumba’ representando a sinalização do sinal
e sua representação escrita.
Parâmetros do sinal
Expressão Configuração de mão Configuração de mão não Movimento
facial dominante dominante diagonal
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Francyllayans Karla da Silva Fernandes; Edneia de Oliveira Alves;
Marianne Rossi Stumpf
Metodologia da pesquisa
A pesquisa foi de caráter exploratório que tem como finalidade uma
maior familiaridade com o problema (GIL, 1991, p. 46) e busca descobrir ideias e
intuições, para se adquirir maior familiaridade com o fenômeno pesquisado
(SELTIZ et al. 1965). Para a realização dessa pesquisa também adotamos a
natureza de estudo qualitativo porque, segundo Araújo e Oliveira (1997), com ele
pode-se realizar estudos descritivos com o fenômeno em ambiente natural. O
delineamento constitui-se como estudo de caso, por favorecer a uma pesquisa
empírica e observar as variáveis interferentes e intervenientes. A partir do
objetivo desse estudo nos interessa entender como acontece o processo de
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A ESCRITA DE SINAIS COMO INSTRUMENTO DE
DESENVOLVIMENTO LINGUÍSTICO E IDENTITÁRIO PARA O SURDO
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Francyllayans Karla da Silva Fernandes; Edneia de Oliveira Alves;
Marianne Rossi Stumpf
Procedimentos
Essa pesquisa foi uma replicação de três estudos de caso realizados
no ano de 2016 realizados por Encarnação (2016), Alves (2016) e Lima (2016), as
quais utilizaram também a aplicação de rendimento da professora Marianne
Stumpf, que trata da escrita de sinais no sistema SignWriting. Para a realização
do estudo foi conversado e autorizado pela diretora. Para teste do
procedimento as aulas foram ministradas aos participantes da pesquisa na sala
de recurso aos quais a pesquisadora atendia. Para verificação de rendimento
foi aplicado o teste da professora Marianne Stumpf que verificava a
aprendizagem de escrita de vocábulos, na qual o aluno precisa escolher o sinal
escrito correto para determinada imagem. Além desse teste, utilizamos as
lições, atividades e um diário de bordo.
Foram realizadas quatro aulas de escrita de sinais no sistema
SignWriting com duração de 60 minutos, tendo o auxílio de data show para
exposição das imagens que demonstram a língua de sinais escrita, utilizamos
material pedagógico (lápis, papel, borracha), atividade impressa, ao fim das
quatro aulas aplicamos o teste de verificação de rendimento.
Os dados foram analisados por meio da técnica Microgenética que
possibilita observar como se dá o processo de ensino-aprendizagem,
identificando as habilidades comunicativas que corroboram com esse
processo, bem como os que dificultam a aprendizagem (BRANCO; SALOMÃO,
2001). Assim, buscou-se a compreensão sobre a forma em que o processo de
ensino-aprendizagem da escrita de sinais com os participantes da pesquisa
ocorreu, a interação dos participantes com a escrita no decorrer das aulas, o
interesse diante das atividades propostas, as dificuldades e facilidades para
aceitação da escrita de sinais, crescido da verificação dos resultados baseados
no teste de rendimento aplicado no final da sequência das quatro aulas
ministradas.
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A ESCRITA DE SINAIS COMO INSTRUMENTO DE
DESENVOLVIMENTO LINGUÍSTICO E IDENTITÁRIO PARA O SURDO
Fonte: http://www.signwriting.org.
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Francyllayans Karla da Silva Fernandes; Edneia de Oliveira Alves;
Marianne Rossi Stumpf
(CASA),
(BANHEIRO),
(SAUDADE),
(ROSA) e
(VERDE).
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DESENVOLVIMENTO LINGUÍSTICO E IDENTITÁRIO PARA O SURDO
Fonte: http://www.signwriting.org
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Francyllayans Karla da Silva Fernandes; Edneia de Oliveira Alves;
Marianne Rossi Stumpf
Movimentos
Contatos
dessa escrita, uma vez que através do conhecimento de sua própria língua é
possível adquirir outros conhecimentos de maneira mais rápida. Por isso,
Stumpf (2013, p. 63) sobre o processo de aprendizagem da Escrita de Sinais
afirma:
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Francyllayans Karla da Silva Fernandes; Edneia de Oliveira Alves;
Marianne Rossi Stumpf
Conclusão
O estudo enquanto continuidade de outros três realizados no ano de
2016, sobre a escrita de sinais, conseguiu confirmar os dados encontrados nas
mesmas, uma vez que revelou a eficiência da aprendizagem da escrita da língua
de sinais para os surdos, contribuindo para a formação dos mesmos enquanto
sujeitos letrados e alfabetizados, promovendo uma aprendizagem significativa
que dialoga com os elementos necessários ao seu desenvolvimento.
É destacável que a escrita faz parte da constituição dos indivíduos
letrados, sendo ela um instrumento cultural que marca positivamente uma
comunidade e por isso é de suma importância também para a comunidade
surda, dando aos mesmos o poder de interagir de todas as formas com os seus
pares compreendendo e interpretando melhor a sua língua numa mesma
perspectiva de oportunidade que é dada aos ouvintes.
Para isso, é importante que os professores, especialmente o de Libras
e de língua portuguesa para surdos, busquem formação adquirindo
conhecimento da escrita de sinais no sistema Signwriting para que consigam
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A ESCRITA DE SINAIS COMO INSTRUMENTO DE
DESENVOLVIMENTO LINGUÍSTICO E IDENTITÁRIO PARA O SURDO
Referências
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Francyllayans Karla da Silva Fernandes; Edneia de Oliveira Alves;
Marianne Rossi Stumpf
BRASIL. Lei nº 10. 436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira
de Sinais - Libras e dá outras providências. Brasília: Senado Federal, 2002.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10436.
Acesso em 20, mar, 2017.
GIL, Antônio C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo. Atlas, 1991.
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A ESCRITA DE SINAIS COMO INSTRUMENTO DE
DESENVOLVIMENTO LINGUÍSTICO E IDENTITÁRIO PARA O SURDO
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Francyllayans Karla da Silva Fernandes; Edneia de Oliveira Alves;
Marianne Rossi Stumpf
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POESIA EM MÚLTIPLAS FORMAS E TONS: UMA
PROPOSTA DE LETRAMENTO LITERÁRIO NO
ENSINO FUNDAMENTAL
Joice Mariane Andrade Cruz Borba1
José Jacinto dos Santos Filho2
Resumo: Este trabalho tem o objetivo de apresentar uma análise preliminar
sobre como se processa a tradução intersemiótica do texto literário poema para
a pintura realizada pelo aluno-leitor do 6º ano, de modo a compreender como se
realiza a recepção do texto literário a partir do imaginário do aluno, observando
a sua criatividade imaginativa. Serão abordadas as formas de leitura e as etapas
do processo de formação do leitor. Será considerada, ainda, a relação que se
estabelece entre os sinais e os signos ou linguagens. Este artigo se baseia em
alguns postulados teóricos, no que se refere ao imaginário em Wunenburger
(2007), à criatividade e aos processos de criação em Ostrower (2010), à semiótica
em Santaella (2012), sobre leitura do texto literário, Bordini e Aguiar (1988). Desse
modo, a metodologia adotada é de caráter qualitativo e o método de análise das
produções dos alunos, as quais constituirão o corpus desta pesquisa, é o
interpretativo.
Palavras-Chave: Poema. Pintura. Intersemiótica. Interpretação.
Introdução
Este trabalho busca sistematizar uma proposta de atividade de
leitura que possibilite aos alunos uma formação para o letramento literário.
Para a execução desta ação pedagógica, trabalhamos com textos do gênero
poema, de autoria de Mario Quintana.
Partindo da realidade vivenciada em atividades de leitura em salas de
aulas de Língua Portuguesa, essa proposta de trabalho busca atenuar os
desafios encontrados na formação do leitor do texto literário, com alunos do 6º
ano, em situações didáticas de letramento.
A leitura deve, pois, vir ao encontro do atendimento dos interesses e
das necessidades do leitor, representando sua maneira de ser e de ver as coisas.
Nesse caso, ela “desencadeia o processo de identificação do sujeito com os
elementos da realidade representada, motivando o prazer da leitura”.
(BORDINI; AGUIAR, 1988, p. 26).
Com o intuito de aprimorar a competência leitora dos alunos do 6º
ano do Ensino Fundamental, elaboramos uma sequência didática que pudesse
contemplar práticas de tradução intersemiótica. O detalhamento das etapas
que consistem nessa sequência será exposto na fundamentação teórica e na
metodologia do trabalho.
A obra selecionada para a aplicação desta sequência didática é uma
seleção de Regina Zilberman — Poemas para ler na escola, com textos de Mario
Quintana. Essa obra traz de forma leve e imaginativa o universo da poesia em
verso, abordando temas que fazem parte das vivências dos estudantes da faixa
etária do 6º ano.
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POESIA EM MÚLTIPLAS FORMAS E TONS:
UMA PROPOSTA DE LETRAMENTO LITERÁRIO NO ENSINO
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POESIA EM MÚLTIPLAS FORMAS E TONS:
UMA PROPOSTA DE LETRAMENTO LITERÁRIO NO ENSINO
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Joice Mariane Andrade Cruz Borba; José Jacinto dos Santos Filho
uma formação quanto outra, é importante para que o estudante possa exercer
sua liberdade de pensamento e sua cidadania. Todavia, sugerimos que o
letramento literário dos alunos seja valorizado e que as práticas de leitura não
se restrinjam ao cumprimento de uma lista de obras clássicas a serem cobradas
em uma prova com caráter castrador.
Observemos o dizer de Zilberman (2009, p. 32) sobre a leitura da
literatura:
Literatura e imaginário
A leitura de textos literários é tal qual um “portal” de acesso ao campo
do imaginário. Como assevera Wunenburger (2007, p. 7), “fantasia, lembrança,
devaneio, sonho, crença não verificável, mito, romance, ficção são várias
expressões do imaginário de um homem ou de uma cultura”. Por meio da
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UMA PROPOSTA DE LETRAMENTO LITERÁRIO NO ENSINO
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UMA PROPOSTA DE LETRAMENTO LITERÁRIO NO ENSINO
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Joice Mariane Andrade Cruz Borba; José Jacinto dos Santos Filho
Literatura e semiótica
A semiótica é uma ciência que estuda os signos em geral. O termo
semiótica vem da palavra grega semeion, que quer dizer sinal, marca, signo. A
busca pelo entendimento dos problemas da linguagem começou no mundo
grego e, no século XX, a semiótica ficou conhecida como uma ciência.
Partindo desse pressuposto, a semiótica é uma ciência que
desenvolve estudos sobre todas as formas de linguagem.
Consoante Santaella (1992, p. 13), “a semiótica é a ciência que tem por
objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por
objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno
como fenômeno de produção de significação”. Com base neste entendimento,
compreendemos que toda produção comunicativa do homem estabelecerá um
ponto de elaboração de elementos de linguagem e, com isso, a produção de
signos que efetivam o processo de criação e recriação de significados.
O signo corresponde a qualquer coisa que venha a representar uma
outra coisa, ele representa algo que não é o próprio, ou seja, o objeto do signo;
produzindo um efeito interpretativo em uma mente real ou potencial; este
efeito é denominado de interpretante do signo.
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POESIA EM MÚLTIPLAS FORMAS E TONS:
UMA PROPOSTA DE LETRAMENTO LITERÁRIO NO ENSINO
Metodologia
Este trabalho, fruto de nossos estudos no PROFLETRAS, foi
desenvolvido em uma escola da Rede Pública Estadual, com alunos do 6º ano
do Ensino Fundamental. A proposta de atividade para o letramento literário se
fundamentou na aplicação de sequência didática, articulando o texto literário
poema com a linguagem imagética da pintura.
Vejamos a ideia de Dolz e Schneuwly (2004, p. 43) sobre o trabalho
com sequência didática:
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POESIA EM MÚLTIPLAS FORMAS E TONS:
UMA PROPOSTA DE LETRAMENTO LITERÁRIO NO ENSINO
texto, exponha suas impressões e sensações sobre a leitura feita, seja pelo
professor ou por um aluno.
Em seguida, o professor apresenta a linguagem artística que se
relacionará com o gênero textual escolhido. Nesta proposta, a pintura será a
linguagem utilizada para o trabalho intersemiótico. O professor mostra aos
alunos-leitores os textos imagéticos que estabelecem algum tipo de relação
intertextual com os poemas lidos na sala de aula. Recomendamos esclarecer
aos alunos sobre a distinção entre ilustração e tradução.
Na atividade preparatória, sugerimos que a validação da participação
do aluno-leitor seja realizada de maneira oralizada; de modo breve, para que
todos tenham a oportunidade de se expressar. Sugerimos o período de 2(duas)
aulas para a execução desta etapa.
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POESIA EM MÚLTIPLAS FORMAS E TONS:
UMA PROPOSTA DE LETRAMENTO LITERÁRIO NO ENSINO
Análise do corpus
A análise preliminar das produções dos alunos foi mediante os dados
coletados nas Etapas 2, 3 e 4 desta sequência didática. Selecionamos as
produções de três participantes das oficinas e utilizamos, para identificá-los, a
sigla P1 (para participante 1), P2 (para participante 2) e P3 (para participante 3).
Nas produções da Etapa 2, os alunos produziram um texto imagético,
usando papel sulfite e lápis coloridos. Não houve utilização do texto verbal
(poema) ou imagético como referencial para esta etapa. Com o intuito de
estimular no aluno o acesso ao seu imaginário e/ou lembranças de vivências
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Texto imagético (lápis de cor sobre papel) — P1 Texto imagético (lápis de cor sobre papel) — P2
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UMA PROPOSTA DE LETRAMENTO LITERÁRIO NO ENSINO
Texto verbal — P2
Texto verbal — P3
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Joice Mariane Andrade Cruz Borba; José Jacinto dos Santos Filho
Texto imagético (guache sobre papel) — P1 Texto imagético (guache sobre papel) — P2
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POESIA EM MÚLTIPLAS FORMAS E TONS:
UMA PROPOSTA DE LETRAMENTO LITERÁRIO NO ENSINO
Considerações finais
Tendo em vista o que foi apresentado na fundamentação teórica
deste trabalho de pesquisa, que consistiu nas formas de leitura e as etapas do
processo de formação do leitor, na relação que se estabelece entre os sinais e os
signos ou linguagens, no imaginário, na criatividade e nos processos de criação,
na semiótica; bem como nas experiências de letramento literário
desenvolvidas em sala de aula; entendemos, portanto, que o processo de
tradução intersemiótica que se estabelece entre a linguagem verbal (por meio
da leitura de poema) e a linguagem pictórica (por meio de pintura) envolve
aspectos ligados ao nível de maturidade do letramento literário dos alunos-
leitores.
Quanto mais os alunos estiverem habituados às práticas de leituras
literárias, mais eles poderão mergulhar no imaginário e liberar seu potencial
criativo nas traduções intersemióticas por eles realizadas. A semiótica nos traz
elementos de reflexão sobre os efeitos que o signo pode proporcionar na mente
do leitor e as repercussões ocorridas nos processos de criação, co-criação e
recriação textual.
Ao aplicar a sequência didática, notamos que a utilização do texto
literário poema, “Canção da primavera” e “Canção de garoa”, de autoria de
Mario Quintana, influenciou de modo significativo na relação existente entre
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Joice Mariane Andrade Cruz Borba; José Jacinto dos Santos Filho
Referências
FRANTZ, Maria Helena Zancan. A literatura nas séries iniciais. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2011.
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212 | Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 193-213, 2020.
POESIA EM MÚLTIPLAS FORMAS E TONS:
UMA PROPOSTA DE LETRAMENTO LITERÁRIO NO ENSINO
SILVA, Vera Maria Tietzmann. Leitura literária & outras leituras – impasses e
alternativas no trabalho do professor. Belo Horizonte: RHJ, 2009.
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Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 193-213, 2020. | 213
LEITURA LITERÁRIA SOB A PERSPECTIVA DA
COMUNICAÇÃO IMAGÉTICA1
Abstract: This article discusses the reading of literary texts and semiotic texts in
the classroom and guides a discussion on the communication of the reader from
a semiotic analysis of the texts The flavor of clouds, Jaú dos bois and The smile
of the star of the writer Aleilton Fonseca. With the analyzes we reflect the
reception of the texts in the classroom and we seek to understand the
constitution of semiotic literacies in students of multiserial series of the 4th and
5th years of a rural school in the municipal network of Inhambupe - Bahia. Then,
from the strategies of visualization, creation and interpretation of images used
by students, the production of semiotic texts emerged, which brought
memorable experiences with texts in the classroom.
Keywords: Semiotic literacies. Classroom. Literary reading.
Introdução
Este artigo discorre sobre a leitura de textos literários e de textos
semióticos na sala de aula a partir de oficinas de leitura literárias. Assim,
atentamos para escolha responsável dos textos utilizados nas oficinas
buscando uma literatura que contemplasse o trabalho de forma que trouxesse
1 O texto faz parte da Dissertação de Mestrado intitulada A recepção do texto literário na sala de aula: os
letramentos semióticos orientada pela profa. Dra. Áurea da Silva Pereira.
2
Mestra em Crítica Cultural pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB. E-mail:
[email protected].
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Jussara Figueiredo Gomes
3
A pesquisa é de base qualitativa, e fizemos um estudo de caso etnográfico na turma do 4º e 5º anos, de
classe multisseriada de uma escola rural do município de Inhambupe – Bahia. Inicialmente, no processo de
coleta dados, realizamos três oficinas literárias usando como suporte os contos O sabor das nuvens, Jaú
dos bois e O sorriso da estrela do escritor Aleilton Fonseca e também gravações de áudio e vídeos com
depoimentos dos colaboradores. Vale aqui ressaltar que as gravações foram feitas com a autorização dos
participantes e de seus responsáveis legais. Também faz-se necessário informar que a participação dos
estudantes ocorreu de forma voluntária. Então, em respeito e comprometimento com a preservação das
identidades dos sujeitos, utilizamos nomes fictícios para referenciar os colaboradores na pesquisa.
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LEITURA LITERÁRIA SOB A PERSPECTIVA DA COMUNICAÇÃO IMAGÉTICA
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Jussara Figueiredo Gomes
das imagens do texto foram aqueles que mais despertaram interesse, o que se
configura uma aproximação com a realidade da vida cotidiana desses sujeitos.
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LEITURA LITERÁRIA SOB A PERSPECTIVA DA COMUNICAÇÃO IMAGÉTICA
seja pelo autor, personagens e/ou leitores de textos. “[...] Eu também gostei da
conversa do menino com o velho porque o menino via a fábrica de outro jeito
que já estava destraçalhada e o velho via a fábrica toda novinha com um monte
de pessoas fazendo biscoito” (LUCAS).
forma diferente. Foi possível analisar que a história das vivências de Jaú no
contexto rural reascendeu com mais força do que os relatos de sua morte,
apesar de os estudantes esclarecerem que não se agradaram da morte de Jaú.
Em O sorriso da estrela o que ressoou na interpretação foram as ações das
personagens Dindinho e Estela seguido das lembranças e afeto familiar.
Para iniciar o texto Jaú dos bois encaminhei os estudantes a
descoberta do título através da brincadeira com o jogo da forca. Ao mesmo
tempo em que brincávamos na aula para descobrir o enigma posto na lousa,
refletia a atenção dada pelos estudantes ao trabalho com o texto na sala. Em
meio as tentativas para a descoberta da história através do jogo e da leitura
textual, eles se divertiam com a realização da atividade. “Jaú dos bois também
foi bom, foi interessante, foi engraçado” (HELENA). As leituras do texto
trouxeram conhecimento significativo e enriqueceu o repertório de leitura dos
estudantes. “Eu não conhecia nenhuma, agora eu sei de todas. “Se eu vejo o
livro eu sei qual é a história” (LUCAS).
As estratégias de visualização, criação e interpretação de imagens
utilizadas pelos estudantes para o entendimento do texto verbal fizeram com
o que eles vivenciassem experiências de leitura através das produções dos
textos não verbais. Então, os signos representados nos textos não verbais
foram antes criados na mente dos estudantes, e essas imagens subjetivas se
materializaram a partir da imagem visível construída por esses sujeitos.
“Mesmo assim, nós não vemos os desenhos, mas nós criamos aquela imagem
pensando na cabeça como é que foi aquela imagem do texto” (FÁBIO). A partir
do relato de Fábio compreendemos que a representação da imagem visível
materializada nos desenhos por meio dos signos captados promoveu a
comunicação do leitor com o texto.
As cenas do texto sobre a viagem de ônibus do primo de Jaú
despertaram nos estudantes relatos da vida pessoal e familiar, e por meio do
contato com a leitura, eles passaram a contar fatos reais que ocorreram em seu
contexto social e comparou-os às situações vivenciadas pelas personagens do
conto. “[...] A memória fornece-nos um conhecimento do passado através de
uma espécie de força bruta, uma ação bem binária, sem nenhum raciocinar.
Mas, todo nosso conhecimento do futuro é obtido através de alguma outra
coisa[...]” (PEIRCE, 2008, p. 25). Os relatos de experiências mostraram que o
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Jussara Figueiredo Gomes
Salientamos, também, que foi possível perceber por meio dos relatos
dos estudantes que as interpretações dos textos O sabor das nuvens, Jaú dos
bois e O sorriso da estrela fluíram de modo que fomentou a criatividade dos
mesmos para o trabalho de construção das imagens. A afinidade dos
estudantes com a criação das imagens permitiu uma relação de reciprocidade
com a leitura semiótica realizada por eles a partir da representação da imagem
dos signos. Compreendemos, assim, que a relação do leitor com os textos
semióticos manifesta uma pluralidade de leituras semióticas na sala de aula.
As experiências com o texto obtidas através das oficinas de leitura
em sala de aula acarretaram ressignificações aos trabalhos docente e elevou o
gosto dos estudantes pelo desenvolvimento de atividades de leitura e produção
textual. Mesmo demonstrando o desejo em participar das atividades de leitura
com os textos Jaú dos bois e Sorriso da estrela, sempre ouvia relatos de
estudantes sobre a oficina O sabor das nuvens. Nos depoimentos nota-se que
todas as oficinas foram bem recepcionadas, mas havia uma atenção especial e
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LEITURA LITERÁRIA SOB A PERSPECTIVA DA COMUNICAÇÃO IMAGÉTICA
uma preferência da turma pelos textos. Então, ao perguntar sobre qual oficina
os estudantes consideraram mais interessante, eles respondem:
Isso é difícil de falar porque as três foi boa, mas, a mais que
eu gostei mesmo foi a da fábrica de biscoito, que é a
primeira, porque a primeira me deu mais conhecimento e
o menino dizia que a fábrica já estava quebrada, mas o
soldado que trabalhava naquela fábrica, via a fábrica
consertada com as pessoas fazendo biscoito. Mas o
menino, na outra criatividade dele, ele via quebrada, mas o
outro via toda arrumada com os soldados tudo vigiando e
a segunda que gostei foi de Estrela (LUCAS).
O sabor das nuvens. Entre os três, o melhor foi o primeiro.
Achei mais interessante, logo no começo a primeira frase
era: “aquele cheiro cálido de biscoitos no forno”. Do
começo, meio e fim foi muito melhor. Jaú dos bois também
foi bom, foi interessante, foi engraçado. E o que eu menos
gostei foi O sorriso da estrela. Não me chamou muito a
atenção. Primeiro, no começo ficou já... foi meio triste
porque a irmã tinha morrido. E do meio pro final foi tipo
uma lição porque estava falando no texto que o irmão não
gostava de Estela. Ela sempre chamou o irmão de Dindinho
e ele ficava com vergonha na escola. Ele não queria que
ninguém soubesse que ela era irmã dele porque todos
chamavam ela de doida e ele também (HELENA).
A oficina que eu considerei mais interessante foi Jaú do boi
que eu gostei muito porque eu também gosto muito de boi
e cavalo, esses negócios tudo. Então, a oficina mais
interessante que eu gostei foi a de Jaú dos bois, mas
também gostei de Sorriso de estrela. Ah! A primeira que eu
gostei e que achei muito interessante foi a fábrica de
biscoito, mas depois que eu vi essas oficinas. Depois que eu
vi esses textos, de Jaú dos bois e Sorriso de estrela, a que eu
mais gostei foi Jaú dos bois (FÁBIO).
Ah! Eu não sei explicar isso não porque foi tudo ótimo para
mim. Porque tudo teve uma inspiração boa e nenhuma
teve um negócio assim de não se inspirar. Eu gostei de
tudo. Da parte de ler e da parte de desenhar porque toda a
oficina foi ótima. E foi ótimo o que a professora fez (JOSÉ).
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Jussara Figueiredo Gomes
ficção, nesse sentido, se tornam o ponto de encontro entre o leitor e autor que
reacende suas memórias de leitura ao ponto que deslancha a interpretação
crítica do texto. Assim, compreendemos que suas vivências estão imbricadas
nas representações das imagens construídas pelo leitor e autor de imagens,
fazendo com o que eles criem, visualizem e interpretem as imagens no texto, e
também reorganizem e reestruturem as ideias por meio do conhecimento
adquirido.
As memórias de leitura se relacionam com as atividades
interpretativas dos sujeitos e rompem estruturas antes formuladas para alçar
novas leituras através do contato com o novo texto. O poder exercido pelo
leitor sobre o texto garante a autonomia para conduzir como desejar sua estrita
relação com a leitura, seja ela, verbal ou não verbal. O leitor, nesse sentido, tem
o comando sobre o texto e faz dele o que desejar. Nessa perspectiva, podemos
pensar que os desígnios do leitor sobre o texto manifestam-se conforme o grau
de interesse dado à leitura, seja ela verbal e/ou não verbal.
Ao tomar o controle do texto verbal do autor e criar na mente a
imagem da história literária, o estudante torna-se o protagonista de um novo
texto e a partir de sua relação com a leitura do texto verbal, ele produz o não
verbal. Aquilo que era apenas pura subjetividade, materializa-se por meio da
representação da imagem visível que se formou na mente do sujeito. A
representação, nesse sentido, configura-se o ápice da fronteira entre o real,
ficcional e o simbólico, o que dá o poder para o autor não verbal.
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Jussara Figueiredo Gomes
Considerações finais
Com as oficinas de leituras literárias, foi possivel refletir sobre o
processo de formação do leitor de imagens a partir do texto verbal. Esse
trabalho promoveu a comunicação dos estudantes com os textos de forma
mais intensa, comparado a trabalhos anteriores realizados na sala de aula. Nas
oficinas de leitura, o entendimento do texto se revelou mais compacto e com
maior abundância de sentido. Assim, fui percebendo que estudantes mais
reservados passaram a interagir com mais frequência, a tecer argumentos e
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LEITURA LITERÁRIA SOB A PERSPECTIVA DA COMUNICAÇÃO IMAGÉTICA
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Jussara Figueiredo Gomes
Referências
FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. Leitura sem palavras. São Paulo: Ática, 2007.
FONSECA, Aleilton. O sabor das nuvens. In: FONSECA, Aleilton. O desterro dos
mortos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. p. 63-68.
______. Jaú dos bois. In: FONSECA, Aleilton. O desterro dos mortos. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2001. p. 99-111.
______. O sorriso da estrela. In: FONSECA, Aleilton. O desterro dos mortos. Rio
de Janeiro: Relume Dumará, 2001. p. 23-28.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. Tradução de José Teixeira Neto. 4 ed. São
Paulo: Perspectiva, 2008.
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PRÁTICAS DE LETRAMENTO EM EXPERIÊNCIAS
DE GRUPOS DE ESTUDOS SINDICAIS NO ESTADO
DE SERGIPE
Abstract: The Union Study Group consists of basic training activities in rural
workers' unions in the State of Sergipe, from the National Training School of
CONTAG (National Confederation of Agricultural Workers). The article aims to
describe the pedagogical practices developed in the Union Study Groups in
unions in the State of Sergipe and also understand how social literacy happens
in this process, based on the concept in, Street (2014), of ideological literacy
through pedagogical-popular experiences. The methodology is by qualitative
nature and elements from ethnography were used such as participant
observation and audio recordings which the last one was used to record the
speeches of the participants. The theoretical approach addresses the social
literacies proposed by Street (2014), which defines the concept of ideological
literacy as an integral part of culture and by Freire (1996), who values practices
1Doutora em Letras pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestra em Letras pela Universidade
Federal de Sergipe. Professora da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL). E-mail:
[email protected].
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Sanadia Gama dos Santos
Introdução
Este artigo apresenta uma reflexão acerca de experiências
formativas de Grupos de Estudos Sindicais — doravante GES —, que é uma
atividade organizada por sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
filiados ao Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, que
visa ao processo de formação de grupos de estudos sindicais e que consiste em
práticas multiplicativas oriundas do itinerário formativo da Escola Nacional de
Formação da CONTAG — Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura.
A formação dos Grupos de Estudos Sindicais destina-se a
trabalhadores e trabalhadoras rurais filiados/as aos sindicatos de
trabalhadores e trabalhadoras rurais e é conduzida por educadoras e
educadores populares formados/as pela Escola nacional de Formação —
doravante ENFOC —, que atuam como multiplicadores/as no processo de
formação em suas bases locais.
O trabalho é realizado em forma de temáticas específicas que se
destinam à conscientização e a uma maior compreensão acerca da história de
luta dos trabalhadores e do movimento sindical e possui, em seu
desenvolvimento, práticas pedagógicas baseadas nos princípios da
sociabilidade e na construção coletiva de saberes e troca de conhecimentos,
tendo como alicerce a pedagogia freireana, sendo baseado, com efeito, na ação-
reflexão-ação.
Os GES são espaços de estudos, debates, ações e, portanto, formação,
que assumem como objetivos: qualificar o “fazer sindical” de dirigentes e
funcionários de associações, cooperativas e sindicatos, além de estimular
novas lideranças de base; fortalecer o MSTTR — Movimento Sindical de
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais — por meio do estímulo à participação
militante, à regularização de sócios/as inadimplentes e à sindicalização de
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PRÁTICAS DE LETRAMENTO EM EXPERIÊNCIAS DE
GRUPOS DE ESTUDOS SINDICAIS NO ESTADO DE SERGIPE
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PRÁTICAS DE LETRAMENTO EM EXPERIÊNCIAS DE
GRUPOS DE ESTUDOS SINDICAIS NO ESTADO DE SERGIPE
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Sanadia Gama dos Santos
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GRUPOS DE ESTUDOS SINDICAIS NO ESTADO DE SERGIPE
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GRUPOS DE ESTUDOS SINDICAIS NO ESTADO DE SERGIPE
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PRÁTICAS DE LETRAMENTO EM EXPERIÊNCIAS DE
GRUPOS DE ESTUDOS SINDICAIS NO ESTADO DE SERGIPE
Considerações finais
Este estudo permitiu intercompreensões sobre práticas de
letramento em contextos de formação fora do contexto escolar. Nesse sentido,
percebemos que a natureza dos letramentos nos grupos de estudos sindicais
nos aponta um entendimento de que as práticas sociais são dinâmicas e se
constituem como valores significativos no ato educativo, através de uma
formação crítica e reflexiva, que desencadeia mudanças significativas na vida
dos grupos sociais.
Assim, vemos que as práticas apresentadas neste artigo possuem
uma dimensão sociocultural de saberes porque se entrelaçam com a ideia de
que as práticas de letramento no GES promovem interação, e, com isso, há
movimentos de constituição identitária local que legitimam os saberes e a vida
vivida localmente.
O modo de agir entre as relações de trabalho (vida sindical,
organização em torno da criação de camarão), permeadas por práticas de
estudos, vivências em torno dos cadernos formativos do Movimento Sindical e
das habilidades adquiridas no itinerário formativo dos Cursos da Escola de
Formação Nacional da CONTAG-ENFOC, contribui na medida em que orienta
um propósito comunicativo afetado pelos sentidos e pelas posições
identitários. As formas do uso da leitura em torno dos debates com os textos e
relacionando com suas lutas e histórias estão associadas a determinadas
identidades e expectativas sociais acerca dos modelos de comportamento e
papéis que os indivíduos têm a desempenhar.
Referências
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Sanadia Gama dos Santos
HALL, Stuart. Quem precisa da identidade?. In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org. e
Trad.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis:
Vozes, 2000. p. 103-133.
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A CRIAÇÃO LITERÁRIA E O COTIDIANO
Abstract: This text is part of a P.H.D research inwhich we analyzed some aspects
of the everyday and cultural representations in novels and chronicles by
Machado de Assis and Lima Barreto, related to the city of Rio de Janeiro, between
1881 and 1922. Here, our main objective is the development of an
exposition/analysis of the theoretical reasoning that will lead the investigation.
Thus, we intend to establish a dialogue with the referential bibliography about
the everyday in the epistemological conception (LUKÁCS, 1965, 1968; HELLER,
2008), and as object of study to the comprehension of history (PRIORE, 1997;
MATOS, 2002; CERTEAU, 2008; LANA, 2008). In this way, we discuss how a novel
is able to transfigure reality into fiction once poetical and fictional functions of
a literary text are equivalent to represent a world from an aesthetics point of
view. In this sense, the literary text provides several possibilities to a researcher
to develop connections to the social life as also to historical and cultural
elements. It happens because the literary text has the ability of shaping many
themes that are related to people’s daily routine. Thereby, literary texts appear
as documental sources helping historians on the development of reliable
1
Professor Adjunto do curso de Letras da FECLESC (Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão
Central) da UECE (Universidade Estadual do Ceará). Quixadá-Ceará. E-mail: [email protected].
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José Wellington Días Soares
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A CRIAÇÃO LITERÁRIA E O COTIDIANO
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A CRIAÇÃO LITERÁRIA E O COTIDIANO
(HELLER, 2008, p. 31)2. Aquele está associado às diversas atividades que exerce
comumente no cotidiano. Logo, na vida cotidiana o “homem inteiro” coloca-se
espontânea e genericamente diante dos afazeres do dia-a-dia. Assim, o “homem
inteiro” é o homem da cotidianidade, que é, ao mesmo tempo, atuante e fruidor,
ativo e receptivo. Participando, dessa forma, das relações cotidianas em que
põe todas as suas habilidades físicas e intelectuais, concretas e subjetivas,
individuais e sociais, o “homem inteiro” fica impossibilitado de dedicar-se a um
elemento só, de forma aguçada e intensa.
Ao passo que o “homem inteiramente”, afastando-se da vida
cotidiana heterogênea em que atuam vários elementos (trabalho, lazer, a vida
social e a vida privada etc.), concentra-se intensamente em uma única
atividade. Nesse momento, a percepção e a destreza aumentam sua capacidade
de compreensão e análise sobre o objeto ao qual dedica tempo exclusivo. As
atividades correspondentes ao “homem inteiramente” são, por exemplo, a arte
e a ciência. Estas, entretanto, referem-se ao cotidiano, pois é neste que
podemos perceber as ações dos homens e suas relações com o mundo.
No caso da arte, podemos pensá-la como um processo de interação
entre o artista e os apreciadores. Ela não pode separar-se de suas funções na
sociedade, bem como do contexto social da produção e da recepção. Nesse
sentido, o “homem inteiramente” leva sua experiência de vida para o fazer
estético.
A dialética da contrariedade entre a vida cotidiana e a arte é sempre
uma dialética histórico-social. Ambas atividades inserem-se em situações
concretas, históricas e socialmente objetivas, a partir das quais podemos
observar o comportamento e o pensamento dos sujeitos envolvidos. Durante o
processo da imaginação criadora, o artista afasta-se da cotidianidade numa
tentativa de compreendê-la melhor para, em seguida, produzir imagens,
símbolos e metáforas que, embora possam referir-se ao mundo concreto,
permanecem em outra dimensão, na esfera estética. Nesse momento, o artista
identifica-se com o “homem inteiramente”, referido por Georg Lukács e Agnes
2
Ver também o capítulo “El medio homogêneo, elhombreentero y elhombreenteramente”. In: LUKÁCS.
Estética 1. La peculiaridad de lo estético. Volume 2. 1965, p. 318 – 350.
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José Wellington Días Soares
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José Wellington Días Soares
3
Sobre o tema da paisagem social, humana e estética ver: SOARES, José Wellington Dias. “A paisagem no
espaço romanesco de Lima Barreto”. In: Lima Barreto: Entre a ficção e a história. Fortaleza: Edições
Demócrito Rocha, 2007.
4 A propósito, do conceito de “representações culturais”, ver por exemplo: PESAVENTO, Sandra Jathay.
“Cultura e Representações, uma trajetória”. In: Anos 90, Porto Alegre, v. 13, n. 23/24, jan./dez., 2006, p.
46.
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A CRIAÇÃO LITERÁRIA E O COTIDIANO
5 Entendo por “cultura carioca” um conjunto de valores, tradições, práticas e representações partilhadas e
sempre em construção, que expressa uma identidade coletiva do povo carioca nos fins do século XIX e
início do XX. As práticas políticas, os hábitos, os discursos, as religiões e os espaços são alguns elementos
que ajudam a objetivar a cultura carioca.
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6
Ver a esse propósito: LUKÁCS, Georg. Os princípios ontológicos fundamentais de Marx. São Paulo: Editora
Ciências Humanas, 1972.
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José Wellington Días Soares
Referências
LANA, Lígia Campos de Cerqueira & FRANÇA, Renné Oliveira. “Do cotidiano ao
acontecimento, do acontecimento ao cotidiano”. In: Revista da Associação
Nacional dos Programas em Comunicação/E-compós. Brasília. V. 11, n.3,
set/dez, 2008. Disponível in: www.e-compós.org.br
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e cultura: história, cidade e trabalho.
Bauru, SP: EDUSC, 2002.
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A CRIAÇÃO LITERÁRIA E O COTIDIANO
PRIORE, Mary Del. “História do cotidiano e da vida privada”. In: CARDOSO, Ciro
Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Org.). Domínios da história: ensaios de teoria e
metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo et al. A pesquisa em história. 5. ed. São Paulo:
Ática, 2007.
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Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 245-261, 2020. | 261
ENTREVISTA
COM NEIDE LUZIA DE REZENDE
1
Esta entrevista foi concedida aos professores Carlos Magno Gomes (CM) e Maria de Fátima Berenice Cruz
(MA) por meio de e-mail durante o mês de junho de 2020.
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Carlos Magno Gomes
Maria de Fátima Berenice Cruz
Neide Rezende:
Quando entrei como aluna para o ensino fundamental II (ginásio, naquela
época, meados dos anos 60, ainda por meio de exame de admissão), nem se
cogitava criticar a cultura que então se afirmava na escola. Tínhamos um
excelente professor de Português, com quem aprendíamos exclusivamente
gramática (talvez não só, mas é só do que me lembro). Lembro-me, na verdade,
de um trabalho sobre Monteiro Lobato, resumo de obra, que eu realizei com
muito prazer, porque os livros do escritor faziam parte também de minha
biblioteca pessoal (não que eu os tivesse em casa, lia na biblioteca do bairro).
A escola pública de então era muito seletiva, a maioria de meus
colegas possuía condição social melhor que a minha, eu era naquela turma a
“pobre” — pobre, mas branca. Jamais pensaríamos, por exemplo, em chamar
Lobato de racista, como o fez uma aluna de ensino fundamental recentemente,
segundo o relato de uma professora.
Penso que tanto para alunos quanto para professores é impossível ler
Lobato hoje sem esse vetor da questão racial e da questão ambiental, tampouco
acho que ele não deva ser lido na escola: as contradições de Lobato são as de seu
tempo. Por um lado, o escritor chancelou na obra um horizonte de expectativas
comum em sua época — deu um lugar inferior na hierarquia social a Tia
Anastácia, mas a tratou com benevolência, como era disseminado no discurso
de então; corroborou a matança animal e a destruição da fauna brasileira — mas
ao mesmo tempo subverteu-o ao dar protagonismo às crianças e às mulheres
idosas, ao trazer uma educação que se afastava da rigidez dos métodos e da
moral da época, mediante as ideias progressistas que abraçava na área de
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educação. Bem, estas são questões que já vi tratadas no trabalho de vocês e têm
sido discutidas no âmbito dos Estudos Culturais. Entre nós naqueles anos,
embora eu vivesse entre pobres, brancos e negros, a perspectiva de crítica social
e política não era cogitada, nem se entrevia na escola algum movimento nesse
sentido. Então se o texto literário transpõe o horizonte cultural do autor, a
recepção da obra, em outra época, tampouco está infensa às ideias manifestas
no texto, ou seja, o leitor dos anos 60 do século passado e do século XXI vão ler
o texto segundo as ideias que circulam no seu contexto, na comunidade onde
se encontra — na sua época, em última instância. E esta recepção que Gadamer
chama de “fusão de horizontes” é extremamente rica para a literatura na
escola. Como diz Barthes num ensaio de 19682, “um texto é feito de escrituras
múltiplas, oriundas de várias culturas e que entram umas com as outras em
diálogo, em paródia, em contestação; mas há um lugar onde essa multiplicidade
se reúne, e esse lugar não é o autor, como se disse até o presente, é o leitor”. Não
se deve negar ao leitor a oportunidade de interpretar essa história. E essa
história, na escola, passa pelo professor que seleciona o que é lido a partir de
um programa, dele ou de outros, de um currículo, ou de seus próprios objetivos
de ensino para aquela turma ou série. Por ora, a não ser que a escola ganhe
outra configuração, mesmo em situações educacionais as mais excepcionais,
há inevitavelmente um mediador — no caso da escola é o professor. E este
paulatinamente vai adentrando numa formação que tem avançado muito na
questão dos direitos humanos, tanto em sua formação inicial no ensino
superior, quanto em programas de formação continuada, mediante materiais
voltados para a escola, sejam os didáticos quanto aqueles de documentos
oficiais. Creio que avançamos em direção à garantia dos direitos humanos, do
ponto de vista do discurso, discurso este sustentado pela ação dos grupos
sociais que defendem e reivindicam direitos e democracia, bem como o direito
de serem representados na sua cultura. Portanto, é claro que a diversidade,
marca da cultura em todos os tempos, mas negada e deslegitimada em prol de
uma única cultura branca e ocidental, é legítima, portanto faz parte da escola.
Contudo, apesar da recente entrada dessas culturas na escola, temos um longo
caminho a percorrer: o domínio escolar — eu diria que administrado por
2
Barthes, R. “História ou literatura?” In: Sobre Racine, S. Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 1 (R. Barthes, “A
morte do autor”, 1968, Manteia. In: O rumor da língua. SP: Brasiliense, 1988).
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Carlos Magno Gomes
Maria de Fátima Berenice Cruz
Neide Rezende:
Referi-me aos “discursos subterrâneos” que supõem resistência à
legitimação das diferentes culturas. Mudar a cultura escolar — que se tornou
hegemônica e que no domínio do ensino de língua portuguesa se assenta no
ensino de gramática e no estudo do texto (ambos, contudo, descaracterizados,
banalizados) — leva décadas: entre nós eu diria que essas perspectivas novas de
ensino começaram fragmentariamente desde os anos 70. Nas nossas pesquisas,
observamos artigos, propostas curriculares, associações docentes, revistas de
entidades docentes etc. (eu poderia dar de cabeça inúmeros exemplos) que
foram criticando concepções arraigadas, porém ineficazes, apresentando e
propondo novas configurações3 para o ensino de língua. Em meados de 1990
tivemos a nova LDB, as diretrizes curriculares e os PCN, tendo os do ensino
fundamental repercutido favoravelmente no ensino. Houve algum avanço no
ensino de língua com a proposição dos gêneros do discurso, mas houve também
aquela polêmica de que os gêneros do discurso do “cotidiano” se sobrepuseram
aos gêneros literários (e isso é uma discussão que não tem vencedores nem
vencidos, penso eu, posto que a literatura já estava bem na periferia do ensino).
3 A década de 80, por exemplo, foi profícua na participação militante de linguistas professores das
universidades, em especial da Unicamp, no ensino do Português. Foi quando também a literatura foi
marcada pela ação desses professores linguistas, promovendo até um artigo do Fiorin, em que ele comenta
sobre o vínculo que deveria haver mas que não há entre a linguística e a teoria literária (FIORIN).
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ENTREVISTA COM NEIDE LUZIA DE REZENDE
REFLEXÕES SOBRE A LEITURA LITERÁRIA NO BRASIL
dominante do campo da literatura. Penso que é aí que a força das correntes dos
Estudos Culturais — há uma tensão forte entre a corrente marxista inglesa,
representada por Raymond Willians, e as americanas — se presentificam.
Alcir Pécora comenta em artigo (polêmico) sobre essa mudança nos
currículos brasileiros, atribuindo-a à influência americana (por isso polêmico),
num sugestivo título: “A musa falida: a perda da centralidade da literatura na
cultura globalizada”.
Neide Rezende:
Infelizmente, já não pertenço ao Profletras desde abril deste ano. Não queria
me afastar, mas uma situação familiar peculiar e as sobrecargas de trabalho
acadêmico me obrigaram. Além disso, pertencer a dois programas é muito
difícil hoje, uma vez que, com o Sucupira, que avalia em detalhes o trabalho
docente, você é obrigado a distribuir suas horas e pontuação nos dois
programas, não pode ultrapassar na pós-graduação determinada quantidade de
horas, se vê então obrigado a optar por um ou outro programa.
Houve momentos em que sentimos o Profletras em perigo, lutamos
por ele; as bolsas minguaram, o que, como sabem, é um grave problema, pois os
professores-alunos não têm liberação da sala de aula pelas secretarias de
educação (quando muito conseguem diminuir a carga horária, pelo menos em
São Paulo), às vezes moram em outra cidade, são obrigados a cumprir muitas
horas no programa... alguns desistem, mas os que ficam, que maravilha! Creio
que eles aprendem muito, mas, nós, como aprendemos! Sou bastante
entusiasta do Mestrado Profissional. Acho que cumpre uma função específica
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Carlos Magno Gomes
Maria de Fátima Berenice Cruz
Neide Rezende:
Em relação a isso, posso falar de minha experiência na USP. Formei-me no
curso de Letras, tendo tido outras experiências de formação fora do pais, tanto
em nível de graduação quanto de pós, todas no terreno da literatura. Na
Faculdade de Educação, estudando as teorias de ensino de língua portuguesa e
conhecendo as práticas de professores mediante os relatórios de estágio de
nossos licenciandos e nos cursos, eventos e projetos de extensão com
professores, me dei conta do tamanho do problema. Na USP, o curso de Letras
produz em seus alunos uma estranha vanglória, que os faz desmerecer a
Faculdade de Educação, considerando-a portadora e disseminadora de um
saber menor. Nosso curso de Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa tem
dois semestres e é em geral no segundo que podemos colher alguns frutos do
trabalho de formação realizado. É bem verdade que nos últimos anos parece
haver alguma mudança, com a presença maior de estudantes negros e de
outros mais conscientes do problema social. Então, o olhar exclusivamente
voltado para o aprendizado do texto de grandes autores, com belas análises,
também se abre para incluir o olhar implicado e participante e obras que
também sejam caras à cultura das comunidades presentes na escola — que sem
isso não é possível haver interesse pela leitura de literatura na escola.
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REFLEXÕES SOBRE A LEITURA LITERÁRIA NO BRASIL
Neide Rezende:
Não se trata só de superar os saberes consagrados, como você diz.
Com relação a isso, penso que é o que estamos fazendo hoje, com a participação
política da universidade na luta pelos direitos humanos e pela democracia, com
a emergência de novas teorias mais afinadas com a realidade de afirmação de
culturas antes excluídas do ensino, com a mudança dos currículos nas
universidades, com a extensão dos eventos para divulgação,
compartilhamento e parcerias dessas novas perspectivas, tanto em nível
nacional quanto internacional, com a incrementação e fortalecimento das
instâncias de formação inicial, com a intervenção em documentos federais,
com a participação nas propostas curriculares de estados e municípios, com a
formação em serviço... Trata-se também de mudar a escola de ensino básico.
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ENTREVISTA COM NEIDE LUZIA DE REZENDE
REFLEXÕES SOBRE A LEITURA LITERÁRIA NO BRASIL
Neide Rezende:
A parceria com Annie Rouxel vem desde 2008, quando participamos do
Colloque Texte du Lecteur, junto com Rita Jover-Faleiros e Gabriela Rodella de
Oliveira, na Université de Toulouse. Essa pesquisadora francesa, faz parte de
um grupo de pesquisadores em geral do mundo francófono hoje sob a
denominação Didactique de la Littérature, que todo ano se reúne anualmente
em universidades de diferentes cidades, dependendo do rodízio de seus
organizadores. Desde então, temos mantido presença em alguns desses
eventos anuais. Esse nosso acercamento ao grupo de Annie Rouxel se deu
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Carlos Magno Gomes
Maria de Fátima Berenice Cruz
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RESENHA
1 Doutorando do Programa de Pós Graduação em Crítica Cultural da UNEB, sob a orientação da professora
Dra. Maria de Fátima Berenice da Cruz– Campus II, Mestre em Crítica Cultural pela UNEB, Campus II -
Alagoinhas, membro do grupo de Pesquisa GEREl (Grupo de Estudos em Resiliência, Educação e
Linguagens) e professor da Faculdade Santíssimo Sacramento - Alagoinhas. Email:
[email protected].
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Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 275-279, 2020. | 275
Marcio Santos da Conceição
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278 | Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 275-279, 2020.
RESENHA
A CRUEL PEDAGOGIA DO VÍRUS
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Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., p. 275-279, 2020. | 279
SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES
Christina Ramalho
Professora-Adjunta 4 do Curso de Letras da Universidade Federal de Sergipe,
campus Itabaiana. Doutora em Letras pela UFRJ (2004), com Pós-
Doutoramento em Estudos Cabo-Verdianos (USP/FAPESP, 2012) e Estudos
Épicos (Université Clermont-Auvergne, 2017). Atua no Programa de Pós-
Graduação em Letras (Estudos Literários) e no Programa de Mestrado
Profissional em Letras (PROFLETRAS/ITABAIANA), da Universidade Federal
de Sergipe.
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SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES
Diego Domingues
Professor de Português na Rede Municipal de Duque de Caxias/RJ. Professor
supervisor do Pibid de Português na Escola Municipal Nísia Vilela Fernandes –
CAPES.
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282 | Pontos de Interrogação, v. 10, n. 1, jan.-jun., 2020.
SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES
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SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES
Marcos Scheffel
Professor de Didática Especial e Prática de Ensino de Português-Literaturas da
Faculdade de Educação da UFRJ. Coordenadora de Área do PIBID de Português
– CAPES
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SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES
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